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XIV Jornada de Estudos Antigos e Medievais – Maringá-PR, 18 a 20/11/2015 1 FORMAÇÃO DE D. SEBASTIÃO: ENSINANÇAS COMO MODELO EDUCATIVO DA COROA PORTUGUESA SANDRA REGINA FRANCHI RUBIM (UEM/PPE - GETSEAM - CAPES) TEREZINHA OLIVEIRA (UEM/DFE/PPE - GETSEAM - CNPQ) Introdução Durante o século XVI, observamos no pensamento político, uma extensa vinculação entre realidade e imaginação, fé e superstição, na defesa de uma crença que se transformou rapidamente em mito. Vemos a singular crença do rei D. Sebastião, visto como um rei messiânico, um rei cavaleiro, um rei cruzado. Vemos nesse monarca a projeção da sustentação da independência da Nação, sacrificada pelas vicissitudes dinásticas e pelo receio da materialização do projeto de unificação política da Península Ibérica, sob o cetro de Filipe II. Em virtude de ser um herdeiro tão esperado para dar continuidade à Dinastia de Avis (1385-1580), ficou conhecido como O Desejado. Não nos é difícil entender que em meio a um contexto de incertezas, de atribulações referentes a sucessão real, o nascimento de D. Sebastião e a sua representação social tenha sido revestido de uma aura miraculosa. Desde o nascimento do rei, segundo João de Castro (1994), ocorreram sinais que o predestinaram ser o penhor da liberdade portuguesa. Seu nascimento, no dia do santo São Sebastião, foi acompanhado de orações, missas e procissões. Divulgou-se a imagem do rei com uma missão profética. O infante cresceu convicto de que seria o capitão de Cristo em uma nova cruzada contra os mouros do Norte de África. Dessa forma, poetas, escritores e artistas divulgam, afirmam, confirmam e legitimam sua imagem como o rei ideal. No passado, os intelectuais buscam contributos para a confirmação de seu caráter messiânico, oportunizando assim a construção da áurea lendária que viria a envolver a

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XIV Jornada de Estudos Antigos e Medievais – Maringá-PR, 18 a 20/11/2015 1

FORMAÇÃO DE D. SEBASTIÃO: ENSINANÇAS COMO MODELO EDUCATIVO DA COROA PORTUGUESA

SANDRA REGINA FRANCHI RUBIM

(UEM/PPE - GETSEAM - CAPES) TEREZINHA OLIVEIRA

(UEM/DFE/PPE - GETSEAM - CNPQ)

Introdução

Durante o século XVI, observamos no pensamento político, uma extensa

vinculação entre realidade e imaginação, fé e superstição, na defesa de uma crença que

se transformou rapidamente em mito. Vemos a singular crença do rei D. Sebastião, visto

como um rei messiânico, um rei cavaleiro, um rei cruzado. Vemos nesse monarca a

projeção da sustentação da independência da Nação, sacrificada pelas vicissitudes

dinásticas e pelo receio da materialização do projeto de unificação política da Península

Ibérica, sob o cetro de Filipe II. Em virtude de ser um herdeiro tão esperado para dar

continuidade à Dinastia de Avis (1385-1580), ficou conhecido como O Desejado. Não

nos é difícil entender que em meio a um contexto de incertezas, de atribulações

referentes a sucessão real, o nascimento de D. Sebastião e a sua representação social

tenha sido revestido de uma aura miraculosa.

Desde o nascimento do rei, segundo João de Castro (1994), ocorreram sinais que

o predestinaram ser o penhor da liberdade portuguesa. Seu nascimento, no dia do santo

São Sebastião, foi acompanhado de orações, missas e procissões. Divulgou-se a imagem

do rei com uma missão profética. O infante cresceu convicto de que seria o capitão de

Cristo em uma nova cruzada contra os mouros do Norte de África. Dessa forma, poetas,

escritores e artistas divulgam, afirmam, confirmam e legitimam sua imagem como o rei

ideal. No passado, os intelectuais buscam contributos para a confirmação de seu caráter

messiânico, oportunizando assim a construção da áurea lendária que viria a envolver a

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figura do jovem rei como O Desejado e ampliada, após sua morte em o Alcácer Quibir,

como O Encoberto1.

Observamos, pois, que o surgimento das Sentenças ocorreu alguns meses após o

nascimento do príncipe, momento de muita alegria, no entanto, não isento de

inquietações. Apesar de não ser tão recorrente quanto na Idade Média, notamos a

continuidade desse gênero textual com fim educativo no século XVI. O manuscrito

Sentenças para a ensinança e doutrina do príncipe D. Sebastião, de André Rodrigues

de Évora, trata-se de uma edição Fac-símile, publicada em 1983, do manuscrito inédito

da Casa Cadaval. O Códice, possivelmente, foi iniciado e terminado em 15542.

A eleição dessa obra justifica-se porque temos como pressuposto que as

Sentenças indicariam os comportamentos necessários à formação humanista de um ideal

de rei que representaria os anseios da sociedade. Nesse contexto, de consolidação dos

Estados Nacionais Moderno, era indispensável a legitimação do poder real. Dessa

forma, o Infante deveria receber uma educação humanista alicerçada nos clássicos como

Aristóteles (384-322 a.C.), Sêneca (4 a.C.-65 d.C.), Plutarco (46-120 d. C.), Agostinho

(354-430 d.C.), bem como em modelos de monarcas latinos, como Caio Júlio César

(100 a. C.-44 a. C.). Como definiu o compilador André Rodrigues de Évora, sua

proposta seria selecionar um conjunto de sentenças, que seriam “[...] regras de vida a

quem Deos pôs na terra para a todos a dar” (SENTENÇAS, fls. 86r). Até então havia

separado oito mil sentenças, no entanto, retifica que uniu no códice apenas uma parte

que julgou ser mais relevante, cerca de três mil e quatrocentas sentenças.

Nossa leitura sobre a indicação de educação do Monarca, portanto, incidirá em

explicitar como determinadas propostas se difundiram no interior das relações sociais

1 Frente a um exército contra os mouros, D. Sebastião foi derrotado em Alcácer Quibir, em 1578. De acordo com Hermann (2000), o desaparecimento de um rei Desejado, sem herdeiro, deixou Portugal em uma situação preocupante. A derrota de Alcácer Quibir representou uma perda dupla: mouros e castelhanos colocavam em xeque-mate a soberania lusitana. Nesse cenário, de incertezas quanto o futuro e melancolia em relação ao passado, consolidou-se um campo fértil para a disseminação do Sebastianismo. Essa crença se aportou na esperança do retorno de um rei messiânico, que salvaria Portugal da dominação dos castelhanos e da vergonha da derrota diante dos mouros. Por isso, o rei Desejado passou a ser chamado de o Encoberto. 2 Anônimo e sem indicação de data, o autor da compilação se torna uma imprecisão. Acredita-se que tanto a dedicatória quanto a carta ao Conde de Castanheira sejam da mesma pessoa, um rico mercador: André Rodrigues de Évora. Esse comerciante e intelectual nasceu em Évora, filho terceiro do médico mestre Rodrigo da Veiga. Vindo da Espanha, fixou-se nessa cidade, durante o reinado de D. Manuel I. André Rodrigues de Évora, fez os seus estudos em Évora, administrava sua casa comercial e nas horas vagas compilava sentenças dos clássicos (CASTRO, 1994).

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portuguesas. Percebemos, nesse sentido, a necessidade de se construir um Estado

Português, centralizado em um ideário de rei. Portugal, nesse momento, estava em uma

situação de crise e de indefinição política, em virtude disso, disseminou-se a crença de

um rei messiânico. Desse modo, podemos afirmar que, por meio das Sentenças,

construíam-se discursos com a finalidade de se difundir um ideal formativo com o fito

de forjar a figura de um rei ideal. Observamos, assim, que o documento como programa

educativo, evidenciava a indissolúvel relação entre os projetos de formação da pessoa e

os da política.

Salientamos, ainda, que os pressupostos teóricos que nortearão nossa análise

pautam-se na História Social, pois ela nos possibilita compreender os processos

educativos, no âmbito da História da Educação, para além das instituições formais e é

exatamente isso que viabilizam a análise da obra Sentenças para a ensinança e doutrina

do príncipe D. Sebastião. Enfatizaremos as virtudes que um bom governante deveria

possuir, as quais indicavam que suas ações precisariam estar em conformidade com as

quatro virtudes cardeais: a prudência, a magnanimidade, a temperança e a justiça.

O ideário humanista das Sentenças para a ensinança e doutrina do príncipe D.

Sebastião

De acordo com a deliberação das Cortes de 1562/15633, chegava-se o tempo,

então, da posse do trono por D. Sebastião. Cumprindo, assim, essa determinação e o

próprio juramento que fez no dia de sua posse, o Cardeal D. Henrique entregou o

governo ao sobrinho, logo que completara catorze anos de idade. Efetuou-se, então, a

entrega dos selos das Armas Reais ao jovem monarca, em uma solenidade ladeada de

áurea divina:

Em a cidade de Lisboa, terça-feira, que foram vinte dias do mês de

Janeiro de 1568 e em que a Igreja Católica celebra a festa do bem- 3 As Cortes, de origem da tradição visigótica, “[...] eram assembleias consultivas que o rei convocava para ouvir o parecer dos membros do clero e da nobreza – a partir de 1254 acrescentaram-se os procuradores do povo – em matéria de governação. O lançamento de impostos, a quebra da moeda, a promulgação de leis, eram geralmente discutidas em Cortes. Também os representantes dos vários Estados davam conta dos seus agravos, pedindo ao monarca as providências necessárias para satisfazer as suas queixas e pretensões” (SERRÃO, 1978, p. 154).

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aventurado mártir S. Sebastião, no qual dia El-Rei D. Sebastião,

nosso Senhor, fez catorze anos cumpridos, nos Paços dos Estaus, na

sala da Madeira, Sua Alteza, para êste auto, mandou fazer em

presença de Sua Alteza, estando assentado em sua cadeira Real,

sendo presente a Rainha D. Catarina, sua avó, e o Cardeal Infante,

seu tio, Regedor e Governador dêstes Reinos e Senhorios, e a

Senhora Infante D. Maria, e o Senhor D. Duarte, Duque de

Guimarãis, Condestable dêstes Reinos, o Duque de Bragança e o

Marquês de Tôrres Novas, os Condes de Vimioso, de Odemira,

Portalegre e Vidigueira, e os Vereadores desta cidade de Lisboa, e

outros muitos fidalgos e pessoas principais [...] (ANDRADA, 1935,

p. 438).

Esse evento foi acompanhado pelo povo por meio de uma comunicação da Sala

da Madeira com o convento de S. Domingos. Diante das responsabilidades de um

Reino vasto, abarcando territórios em quatro continentes - Europa, África, Ásia e

América -, lidando com inúmeros conflitos, D. Henrique alegava entregá-los em paz.

Entendemos que a paz se instituía como um elemento fundamental para um governo

que objetivava o bem comum. Esse, pois, deveria ser assegurado pelo governante.

O novo governante herdaria, pois, um império em sua maior amplitude, no

entanto, também, em sua maior dispersão. Estavam desenhados os desafios que o

monarca deveria enfrentar. A dinâmica e a sobrevivência desse vasto Reino, se

assentava, de acordo com Cruz (2006, p. 45), em três vetores: “[...] a dinâmica da

produção açucareira brasileira e conecto tráfico de escravos africanos, a dinâmica das

iniciativas privadas e a dinâmica do surto missionário”. A estabilidade, a segurança e a

manutenção do vasto e disperso império encontrava-se em risco mediante a ameaça

turca. Esse conquistara importantes posições do fluxo do comércio no Mar Vermelho,

no Golfo Pérsico, no Sudeste da Europa, nas ilhas do Mediterrâneo, bem como as

constantes investidas das Armadas ou o corso no litoral magrebino, como Argel e

Tunes. Havia também a atividade corsária francesa e inglesa em pontos da costa

africana e nas Américas. Rondava, assim, certa possibilidade de desvanecimento das

glórias lusas. Desse modo, consideramos a relevância da busca de uma reforma

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administrativa e dos costumes. Esse momento, pois, implicava a necessidade da

promoção de uma educação voltada para a arte de governar.

Cruz (2006) aponta que D. Sebastião, desde seus primeiros anos de vida, esteve

circundado pelos membros da Casa Real Portuguesa. Pouco contato teve com sua

família Castelhana. Com sua mãe, D. Joana, relacionava-se por meio de inúmeras

correspondências. Filipe II de Espanha, foi o único que chegou conhecer

pessoalmente. Esse exerceu forte influência no governo de D. Sebastião. Durante sua

meninice foi criado nos aposentos da Rainha, em um espaço feminino. A autora afirma

que D. João III, nos seus primeiros três anos de vida, o tempo que estiveram juntos,

criara o neto em um clima de amor e carinho. O Cardeal D. Henrique e D. Maria,

irmãos de seu avô, estiveram presentes no seu reinado. A segunda, acompanhou quase

todo seu governo, pois, morreu em 1577, três anos antes de D. Sebastião. Na sua

infância, presenciou o envelhecimento e o esvaziamento de membros da família real.

As inúmeras regras do protocolo, bem como as demais exigências que pesavam

sobre um governante, não pouparam o pequenino. Esse deveria ser servido com todas

as cerimônias devidas a um soberano. A autora nos exemplifica que, 1557, o arcebispo

de Braga, D. Frei Baltasar Limpo, escreveu uma carta à Regente com inúmeros

conselhos educativos para instruir o rei: ao sair deveria ser acompanhado pela

fidalguia e os principais senhores da Casa; a companhia de mulheres era

desaconselhável; todos deveriam reconhecer que ali estava o rei; logo cedo o menino

deveria ser inserido ao ambiente de negócios do Reino; deveria apoiar-se na

autoridade dos filósofos e dos textos bíblicos, se espelhando nos monarcas, como

Salomão. Seguindo, pois, essas diretrizes, para exemplificar, um mês após a morte de

seu avô participou em cerimônias de recepção à embaixadores e pessoas destacadas.

Era foi a primeira pessoa a ser beijada a mão pelo visitante. Dessa maneira,

familiarizava com a etiqueta dos costumes régios.

D. Sebastião, com efeito, teve uma educação cuidada e rígida. A primeira fase

de sua formação, a da criação, ocorreria até aos sete anos. A segunda, a da educação,

seria até aos doze. Para tanto, era preciso eleger os mestres que seriam os responsáveis

pela formação literária, moral e política do infante. O monarca deveria ser educado

exclusivamente em aquiescência com os costumes portugueses. Velloso (1935)

assevera que logo após o seu nascimento, escolheram os avós, como sua aia D. Joana

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de Meneses; para aio o irmão dessa, D. Aleixo de Meneses. Esse possuía um caráter

duro, forjado nas batalhas e no conhecimento dos meandros da vida política. O aio

passou a ser uma figura presente constantemente na vida do rei. Era ele que que

cuidava do desenvolvimento físico, vigiando o seu caráter e comportamentos,

instruindo-o na disciplina de cavaleiro e na arte de governar. Ele conduzia a pessoa e a

casa do príncipe. Quanto à escolha do mestre, D. Catarina e D. Henrique concordaram

que fosse o jesuíta Padre Luís Gonçalves da Câmara, detentor de uma sólida cultura

humanista e conhecedor das línguas espanhola, francesa e italiana. Cursara Filosofia,

Teologia, e Línguas - latim, grego e hebraico -, na Universidade de Paris. Depois de

adquirir o grau de mestre em Artes foi nomeado como confessor de D. João, pai de D.

Sebastião. Como adjunto, para o ensino da leitura e da escrita, foi nomeado o Padre

Amador Rebelo. Velloso (1935) assegura que somente por volta de seis anos o

monarca passou a ter lições. Para professor de Latim do Infante e responsável pelos

jovens fidalgos, que rodeavam o pequeno rei, foi provido o Padre Gaspar Maurício.

Ambos pertenciam à Companhia de Jesus. A rainha elegeu para confessor do neto, o

Frei Luiz de Montoya, da Ordem de São Domingos.

Percebemos, assim, a forte influência religiosa na educação do monarca.

Educar o rei sob padrões da Companhia passava a ser sopesada por diversos de seus

membros. Dessa forma, além de uma formação que privilegiava os exemplos de

guerra e sobre a arte de governar tiradas de crônicas e textos históricos e filosóficos,

ocorreu uma paralela baseada nos preceitos religiosos por meio da Sagrada Escritura.

Podemos acrescentar aqui a provável influência das Sentenças de André

Rodrigues de Évora. Mediante às esferas divina e secular, o monarca deveria ser dotado

de virtudes e zeloso para com seus súditos e para com o reino de Cristo. Na obra

encontramos a legitimação do caráter divino do rei, como dotado de um poder emanado

de Deus: “[...] Discípulos são de Deos, os príncipes” (SENTENÇAS, PLUTARCO, Fls.

9v-10r). D. Sebastião, visto como representante divino de Deus na Terra, deveria ser um

homem virtuoso, ético, que cuidaria do bem comum. A formação do governante teria

que ser alicerçada na ética, na moral e nas virtudes, requisitos esses desenvolvidos pela

inteligência, pela capacidade reflexiva dos homens, pelo conhecimento. Desse modo,

em primeiro lugar, destacamos nas Sentenças regras que privilegiavam o rei como um

governante virtuoso, que cuidaria e zelaria pelo bem de seus súditos. Ao estabelecer

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códigos de comportamentos para o príncipe, instruindo-o na arte de conquistar o poder e

de conservá-lo, as Sentenças tornaram-se um instrumento educativo para a formação do

monarca e um modelo para a sociedade. Vejamos alguns exemplos de virtudes que se

aperfeiçoam com a inteligência e com o hábito, contribuindo, assim, para o

desenvolvimento humano e conservação da sociedade.

[...] Melhor se rege a cidade por um bom homem, que por uma boa lei.

[...] Prudência é propriamente virtude de príncipes.

[...] Sem justiça, nenhuma cidade se pode habitar.

[...] Nobreza é virtude, em poucos se acha (SENTENÇAS,

ARISTOTELES, fls. 7v-8r).

[...] Mui pequeno fica, o mais poderoso dos homens, tirada a virtude

(SENTENÇAS, PLUTARCO, fls. 9v-10r).

[...] Grande remédio é a clemência, para os que temem.

[...] Não entra em vícios humanos a crueldade, porque esta fúria, de

feroz a animais é, a qual se deleita em sangue e mortes alheias, e faz

ao homem negar a sua natureza e transformar-se em bruto animal

(SENTENÇAS, SÊNECA, fls. 13v-14r, fls. 18v-19r).

[...]Seguro é o poder, que a seu poder põem temperança

(SENTENÇAS, VALÉRIO MÁXIMO, fls. 26v-27r).

[...] Com clemência deve-se misturar algum rigor, sem o qual a

república se não pode bem administrar.

[...]Assim como com os vícios do príncipe se corrompe toda a cidade,

assim com sua virtude se concerta (SENTENÇAS, TÚLIO, fls. 28r, fls.

30r).

[...] Todos desejam ser grandes, mas o caminho para isso é ser

humilde, se estendes o pé muito adiante de ti, cair procuras e não

subir, começa do primeiro degrau, e subirás (SENTENÇAS,

AGOSTINHO, fls. 43v-44r).

[...] Há maior liberdade com Deos, se não servir a pecados, e há maior

nobreza, resplandecer em virtudes (SENTENÇAS, SÃO JERÔNIMO,

fls. 45v-46r).

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[...] Aquele é honrado, aquele é alto, e nobre, aquele tenha sua nobreza

por inteira, que se despreza de servia aos vícios, e procura não ser

deles vencido (SENTENÇAS, SÃO CRISOSTOMO, fls. 47v-48r).

[...] Assim como os maus sucessores escurece a fama de sua antiga

geração, assim os virtuosos sucessores a confirmam (SENTENÇAS,

CASIODORO, fls. 48v-49r).

Nessas proposições, de diferentes intelectuais laicos e clericais, depreendemos a

relevância dada à arte de governar. Incumbiria ao governante virtuoso, como educador,

estabelecer leis que educassem e levassem os homens a desenvolver as virtudes

propícias para o bem viver coletivo. Esses alvos poderiam ser conquistados por meios

próprios, pelo uso da razão e pela prática das quatro virtudes ético-políticas: a justiça, a

tolerância, a prudência e a firmeza. Aos seus súditos deveria assegurar a paz, a

estabilidade, a segurança e a liberdade, mas com limites, criando ordenações e leis que

contemplassem tanto o poder do príncipe quanto a segurança de todos. O povo,

geralmente, deposita lealdade naquele que não lhe oprime, que dele cuide, que assegura

o bem comum. Competiria ao governante, como educador, estabelecer leis que

educassem e levassem os homens a desenvolver as virtudes propícias para o bem viver

coletivo, contribuindo, assim, para o desenvolvimento humano e conservação da

sociedade. Entendemos que, fundamentada na Filosofia, o homem se institui como

agente de seus atos, portanto capaz de escolher seu caminho, pelo fato de possuir livre

arbítrio, mas precisa de um direcionamento que o ajude a fazer as escolhas corretas.

Esse direcionamento, pois, poderia ser realizado por meio do exemplo do governante,

pela educação e de boas leis.

[...] Maior é o poder das leis, que dos homens.

[...] Estado sem forças, é pouco seguro.

[...] Mais proveitosa é aos povos temperada liberdade.

[...] Tanto é uma pessoa mais aceita ao povo, quanto mais pretende o

bem comum.

[...] Quem faz dano ao bem comum, ao seu próprio o faz

(SENTENÇAS, TITO LÍVIO, fls. 10v-11r, 11v-12r, 65v-66r).

[...] Examine-se devagar, o que para sempre se determina.

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[...] O que o príncipe manda, com Razão ou sem ela, deve-se cumprir.

[...] A tristeza não consente aos fortes chorar, e aos fracos o manda.

[...] De tudo o que se pode fazer, somente o justo se deve fazer.

[...] Com grande espírito, se deve determinar coisas grandes.

[...] A obediência do vassalo, faz pacífico ao Senhor.

[...] Mais que aos filhos, estime o príncipe seu Reino.

[...] Uma só fortaleza inexpugnável tem os príncipes, que é o amor de

seus vassalos.

[...] O príncipe com muita mansidão use de seu poder, procurando

sempre que seus vassalos aprovem seu poder, tenha por prosperidade

comunicar seus bens, mostre-se nas palavras afável, dê facilmente

cópia de si no rosto, com o qual as vontades das gentes muito se

atraem, seja amoroso, favoreça todos bons desejos, repreenda os

maus. E desta maneira de todos os seus serão amado, defendido e

acatado.

[...] Ditoso se pode chamar o príncipe, em cujo tempo, a paz, justiça, e

castidade, o descanso, e as dignidades honrem. E em cujo tempo seus

povos ricos, e de todos os bens abastados (SENTENÇAS, SÊNECA,

fls. 12v-13r, 13v-14r, 14v-15r, 17v-18r, 18v-19r, 19v-20r).

[...] Não basta determinar o que se deve ou não deve fazer, mas

cumpre estar pelo que se determina.

[...] Quando se nos manda que sejamos senhores de nós mesmos,

manda-se nos que a razão sujeite-nos atrevimentos.

[...] Nenhum poder basta, para resistir ao ódio de muitos.

[...] O que é nosso corpo sem alma, isso mesmo é, a cidade sem lei.

[...] O que devemos aos que nos geraram, devemos aos que nos

governam (SENTENÇAS, TÚLIO, Fls. 27r, 28r, 29r,30r).

[...] A lei que o príncipe fizer, de primeiro a guarde (SENTENÇAS,

SANTO AMBRÓSIO, fls. 46v-47r

[...] Ter nome de príncipe, não é ser príncipe (SENTENÇAS, SÃO

CRISOSTOMO, fls. 47v-48r).

[...] Segura estão a sorte dos súditos, quando por justiça são

governados (SENTENÇAS, CASIODORO, fls. 49v-50r).

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Para desviar o desprezo e o ódio e conservar o vulgo satisfeito faz-se necessário

paz e prudência do governante. Desse modo, o monarca teria maior probabilidade de

conservar o seu Estado e o seu gládio, promovendo a paz e coibindo a violência entre os

homens. Caberia ao governante a manutenção desses elementos para que a sociedade se

desenvolvesse e se preservasse. Para tanto, o monarca deveria ser modelo, um ideal de

príncipe a ser seguido. Sua formação, por sua vez, poderia ser refletida em toda a

sociedade, pois, dependendo da compreensão que o Príncipe tivesse de educação, como

modelo, os homens que ele dirigia seriam formados e educados, ou não.

As formulações de Strayer (197?), nesse sentido, reafirmam a tendência de se

considerar o governante laico como aquele que assegure e distribui a justiça com

equidade. A elaboração de códigos de leis e aprimoramento das instituições judiciais

apresentavam-se como condições para a constituição do Estado Moderno. Ao velar pelo

cumprimento da lei, o governante obteria a lealdade e o apoio de seus súditos. A lei

tornou-se a força motriz do Estado, que nela se fundamentou e existia para fazê-la

cumprida. Exercendo o poder em nome de Deus, a realeza agregava tanto o caráter

religioso quanto o caráter jurídico, bem como a esfera militar, pois as armas, muitas

vezes, definiam a sua jurisdição. As condições de luta em que se gerou o Estado

português propiciaram o fortalecimento do poder real, pois implicavam ao rei atitudes

tanto de cunho político quanto militar e religioso. Nessas condições, em momentos

turbulentos, tornava-se indispensável ter temperança, equilíbrio e prudência nas ações.

Em relação ao seu espírito belicoso vemos na obra do Padre Rebelo (1925) que o

Infante recebeu um programa educativo propenso a valorizar os feitos guerreiros e

reforçar o gosto do menino pelas façanhas de ação e valentia. Sua preferência era por

lutas travadas contra os mouros e luteranos, bem como crônicas de Portugal e Espanha.

Seu avô Carlos V, mesmo sendo uma figura distante, marcou a personalidade do jovem

rei. A leitura sobre o governo e as aventuras militares de Carlos V muito o

impressionara.

O pupilo deveria, dessa maneira, ter uma formação militar e política. Mais uma

vez podemos citar as Sentenças como um manual de conselhos com vista à educação

do futuro rei, o dom de Deus. Certamente o rei fora educado alicerçado nos clássicos.

A sabedoria política também assentaria em um entendimento adequado do passado;

em fundadores de reinos dignos de admiração. Recorreu, assim, André Rodrigues de

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Évora, a seus conhecimentos da história antiga para refletir as temáticas centrais da

temática da arte de governar. O passado possivelmente serviria de exemplos, fazendo

uso das soluções de estadistas aplicadas na Antiguidade ou, na ausência deles, poderia

criar-se novos, em consonância com a similaridade de circunstâncias entre o passado e

o presente.

[...] Não é menos necessária no soldado temperança e sofrimento, que

força e grandeza de espírito.

[...] Mas facilmente se acha, quem com vontade se ofereça à morte,

que quem com paciência a tome.

[...] Não é menor louvor no capitão, vencer pro conselho, que por

aramas.

[...] Em todos naturalmente há um alvoroço e contentamento, que com

o desejo de peleja se incende, ao qual os capitães não devem reprimir,

mas acrescentar.

[...] O melhor tempo para tratar de paz é quando ambos em si confiam,

e ambos iguais parecem.

[...] Tanto é mais alegre a memória do súbito perigo, quanto em casos

dificultosos, a vitória foi mais fácil.

[...] Sendo os soldados poucos, e os inimigos muitos, mais deve servir

a arte, que a força (SENTENÇAS, JÚLIO CÉSAR, fls. 61v-62r, 62v-

63r, 63v-64r).

[...] Justa se pode chamar a guerra que é necessária.

[...] Há guerra, por si mesma se atiça.

[...] Prejuízo é na guerra, mandarem muitos.

[...] Com ócio e desonestidade, se perde a disciplina militar.

[...] Atrevimentos, não sucedem sempre bem.

[...] Deve também aceitar a paz, o que espera vencer.

[...] O prêmio das armas, deve-se muito estimar.

[...] Não é acabada a guerra, enquanto o inimigo é vivo.

[...] O que se defende, com mais fervor peleja, que o que acomete

(SENTENÇAS, TITO LÍVIO, fls. 64v-65r, 65v-66r).

[...] Falte a vida, mas não o esforço.

[...] As necessidades da guerra, não esperarão nossos conselhos.

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[...] Primeiro se deve prover a guerra, que fazer (SENTENÇAS,

QUINTILIANO, fls. 75v-76r).

[...] Aos mais valentes na guerra, são mais mansos na paz. E na guerra

aprenderão ser amigos da justiça.

[...] A arte da guerra, se primeiro se não exercita, quando é necessária

falta (SENTENÇAS, CASIODORO, fls. 76v-77r, 77v-78r).

Nas Sentenças, as quais podemos comparar aos espelhos de príncipes4, os

filósofos recomendavam prudência e coragem ao rei. Esse deveria estar de prontidão

diante dos momentos adversos. A justa via na ação política implica a alternância do uso

do vício e da virtude. Somente aqueles que se comportassem como verdadeiros

guardiões da lei e da justiça se posicionariam diante dos inúmeros problemas postos na

sociedade. O príncipe não deveria se acovardar. Seria desonroso o descumprir da lei e

não aplicação da justiça. Nessas condições, a observância, com diligência, dos fatos do

passado, poderia oportunizar a tomada de atitudes com mais sensatez. O príncipe

deveria ter como modelo um personagem histórico que tivesse sido alvo de glória e

honra. Ao seguir o modelo de um príncipe do passado, o governante atual poderia ter

indícios de como manter seu Reino. Deveria, pois, submeter os conquistados à sua

autoridade, defender seu território de ataques estrangeiros e dos infiéis e ser capaz de

governar na condição que fosse exigida. Em suma, o príncipe precisaria ser a expressão

da prudência e do equilíbrio. Imitar os grandes homens que se destacaram por sua

excelência, porque seus exemplos de combates e glórias contribuíram para o

desenvolvimento do poder no seu tempo.

A história portuguesa aureolou o monarca com um valor de símbolo de rei

mártir. Divulgava-se a imagem do rei enquanto representação do ideal de um rei 4 Espelhos dos príncipes eram livros de aconselhamento destinados aos príncipes e outros magistrados para bem governarem. Enfatizavam as virtudes que deveria possuir um bom governante e indicavam que todas as suas ações deveriam estar em conformidade com as quatro virtudes cardeais: a prudência, a magnanimidade, a temperança e a justiça. A temática dessas virtudes tornou-se característica principal dos moralistas renascentistas. Praticamente não analisam a estrutura administrativa, mas compartilham da importância da análise das atitudes que os revestidos de poder devem tomar, a fim de ter sempre o bem comum da cidade. Tendiam a minimizar a relevância do cidadão individualmente considerado, centrando sua atenção no personagem bem mais imponente e influente, o príncipe. Entre muitos outros escritores desse gênero textual, citamos Francesco Patrizi (1412-94), que endereçou sua obra Do reino e da educação do rei, escrita na década de 1470, ao papa Sisto; e o mais célebre deles é a obra O Príncipe, de Nicolau Maquiavel, redigida em 1513, destinada ao príncipe Lourenço de Medici IV. No final do século XV, os escritos de aconselhamento e elogios ao monarca alcançaram o apogeu (SKINNER, 1996).

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cavaleiro cristão. Muitos revelavam o seu feitio devoto e místico. Na História Sebástica

de Frei Manuel dos Santos vemos algumas normas de conduta tecidas por ele, jurando

ser um monarca zeloso para com seus súditos e para com a Igreja, bem como ser

continuador do espírito conquistador e da defesa do Reino contra os infiéis.

Terey a Deos por fim de todas as minhas obras, e em todas ellas me

lembrarey delle. [...] Trabalharey muito por dilatar a Fé de Chrifto, &

que fe convertão todos os Infieis. [...] Conquiftar, & povoar a India,

Brafil, Angola, e Mina. [...] Fazer merces aos bons, & caftigar aos

maos. [...] Tirar os peccados, mandando ajuntar para iffo homens

Letrados, & que temão a Deos. [...] Os meus Embaixadores andem

fempre veftidos à Portugueza. [...] Serey pay dos pobres, & do que

naõ tem faça por elles. [...] (FREI MANUEL DOS SANTOS, Liv. 1,

cap. XVI, p. 105-106).

Observamos as responsabilidades que o monarca elencava para si. Percebemos

seu caráter divino como soldado de Cristo, mantenedor e divulgador do Cristianismo;

aquele que assegurava a paz e a justiça em seu Reino, zelando pelo bem comum; e

também seu caráter belicoso, guerreiro, de conquistador. Nesses termos, sua educação

deveria ser pensada e cuidada com o intuito de formar um monarca à altura de seus

encargos. Ao primar por educação humanista alicerçada nos clássicos, buscando

inspiração nas ações e nos valores desses, as Sentenças possivelmente contribuíram para

o aprimoramento da formação do príncipe, discorrendo sobre como esse deveria agir

para conquistar a honra e conservar o seu Reino.

Na dedicatória, Évora (1983) explicita suas intenções, afirmando que oferecia a

Vossa alteza: “[...] as sentenças de sagrados autores e antigos filósofos e doutos varões,

que contém notáveis avisos para a administração de república e singulares resguardos

para o exercício da guerra” (SENTENÇAS, fls. 6r-6v). A vontade do príncipe nas coisas

públicas teria a força de juízo, pois o seu querer deveria estar em consonância com o

que a lei e a equidade indicam. Nesse sentido, aconselhava aos príncipes seguirem a

sabedoria dos filósofos, dos doutores e dos imperadores do passado. Ressaltamos,

também, a relevância da ética, da moral, das virtudes e o conhecimento como elementos

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essenciais para a formação do governante e esse ser humano deveria ser construído por

meio da observação e do ensino. Esses princípios perenes, resistentes às vicissitudes dos

tempos, constituem-se como base para fazer renascer a saúde do tecido social.

Considerações Finais

Ao lermos as autoridades do passado percebemos sua preocupação com a ética e

a moral. Na perspectiva da filosofia e da história da educação, a ética e a moral são

condição para o desenvolvimento e a conservação da sociedade. Para os intelectuais do

passado, como homens de sua época e ambiente, a criatura humana era o centro de

interesse.

Nas formulações dos filósofos nas Sentenças, observamos a relevância da

formação do governante alicerçada na ética, na moral e nas virtudes. Esses requisitos

deveriam ser construídos por meio da observação e do ensino. Esses princípios perenes,

resistentes às vicissitudes dos tempos, constituem-se como base para fazer renascer a

saúde do tecido social. Entendemos a composição das Sentenças como relevante àquela

sociedade, pois a importância da vida material implicava uma postura educacional que

valorizava o ensino da arte de governar, voltada para uma melhor organização da vida

social, que favorecesse um viver mais solidário e harmonioso entre os homens.

Seria, pois, simplificar afirmar que os traços comportamentais do Infante

fossem resultantes somente de sua educação jesuítica. Era preciso que o aio, D. Aleixo

de Meneses, lhe incutisse tendências guerreiras. Desse modo, povoava o imaginário do

pequeno descrevendo suas proezas executadas na África e na Índia. Em via de regra

torna-se preciso atentarmos ao fato de que certas diretrizes incutidas na educação de

fidalgos e príncipes eram de cunho religioso, concentrada nas mãos de clericais

regulares ou seculares, bem como laicos que foram instruídos em escolas e

universidades controladas pela hierarquia da igreja. Não podemos nos esquecer,

também, que o rei certamente teve uma formação clássica, alicerçada nos intelectuais

da Antiguidade, comum na educação dos monarcas. Não temos prova documental se

os conselhos, inseridos nas Sentenças, foram realmente lidos pelo monarca, no

entanto, observamos no comportamento do jovem soberano frutos de sua formação

religiosa e secular embasada em modelos do passado. Isso para nós, se faz

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compreensível, pois, os homens são educados de forma intencional, diretiva e havia

um entendimento coletivo, nacional, voltado para a defesa do Reino e da fé.

Cresceu em um ambiente no qual se afirmava que o seu poder secular estava

revestido de um poder divino, fundamentado nas teorias do regime absoluto e

teocrático. Dessa forma, sua autoridade não poderia ser partilhada ou posta em causa.

Aos reis caberia uma missão divina e era dever dos súditos respeitá-la. Mesmo que sua

prática não tenha correspondida a esse caráter divino, entendemos que esses princípios

lhe formaram o espírito. Assim era amado e obedecido como personificação da

realeza. Identificando a sua pessoa com o próprio trono, destaca Serrão (1978), p. 70,

que “[...] deve ter julgado que a sua missão terrena podia contar com a aliança da

Providência e que esta só lhe reservaria triunfos como bem nascida segurança da coroa

nacional”. Desse modo, uma educação acurada aliada com o respaldo divino deveria

fazer parte da formação do Infante.

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FREI MANUEL DOS SANTOS. História Sebástica. Lisboa/Portugal: Antonio Pedrozo

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HERMANN, J. 1580-1600: o sonho da salvação. Coleção: Virando Séculos. São Paulo:

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SERRÃO, J. V. História de Portugal. Estado, Pátria e Nação (1080-415). Vol. 1. 2ª ed.

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SKINNER, Q. As fundações do pensamento político moderno. São Paulo: Companhia

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