políticas culturais no brasil (coleção cult) - antonio albino canelas rubim e alexandre barbalho...

Upload: renato-barros

Post on 02-Jun-2018

224 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

  • 8/10/2019 Polticas culturais no Brasil (Coleo Cult) - Antonio Albino Canelas Rubim e Alexandre Barbalho (Org.)

    1/182

    Polt icas culturais no Br asi l

    cult vol2 v2 0 indb 1cult.vol2.v2.0.indb 1 5/15/07 9:45:58 AM5/15/07 9:45:58 AM

  • 8/10/2019 Polticas culturais no Brasil (Coleo Cult) - Antonio Albino Canelas Rubim e Alexandre Barbalho (Org.)

    2/182

    univer sidade federal da bahia

    reitor Naomar Monteiro de Almeida Filho

    vice reitor Francisco Jos Gomes Mesquita

    editora da univer sidade federal da bahia

    diretora Flvia Goullart Mota Garcia Rosa

    cult centro de estudos multidisciplinares em cultur a

    coordenao Antonio Albino Canelas Rubim

    vice-coordenao Gisele Marchiori Nussbaumer

    conselho deliberativo

    Antonio Albino Canelas Rubim ngela de Andrade

    Gisele Marchiori Nussbaumer Lindinalva Rubim Mariella Pitombo Vieira

    cult vol2 v2 0 indb 2cult.vol2.v2.0.indb 2 5/15/07 9:46:06 AM5/15/07 9:46:06 AM

  • 8/10/2019 Polticas culturais no Brasil (Coleo Cult) - Antonio Albino Canelas Rubim e Alexandre Barbalho (Org.)

    3/182

    A n t o n i o A l b i n o C a n e l a s R u b i m

    & A l e x a n d r e B a r b a l h o ( O r g s . )

    Polt icas culturais no Br asi l

    c o l e o c u l t

    e d u f b a

    s a l va d o r , 2 0 0 7

    cult vol2 v2 0 indb 3cult.vol2.v2.0.indb 3 5/15/07 9:46:07 AM5/15/07 9:46:07 AM

  • 8/10/2019 Polticas culturais no Brasil (Coleo Cult) - Antonio Albino Canelas Rubim e Alexandre Barbalho (Org.)

    4/182

    2007, by autores

    Direitos para esta edio cedidos edufba.

    Feito o depsito legal.

    reviso e normaliz ao Flvia Goullart Mota Garcia Rosa

    foto da capa Joo Milet Meirelles

    P7 69 Polticas culturais no Brasil / organizao Antonio Albino Canelas

    Rubim. Salvador : edufba , 2007.000 p. (Coleo cult)

    isbn978-85-232-0453-2 (broch.)

    1. Cultura Brasil. 2. Poltica e cultu ra Brasil. 3. Brasil Poltica

    cultural. 4. Arte e Estado. i. Rubim, Antonio Albino Canelas. ii. Srie.

    CDU 316.7 2/.74

    CDD 306

    edufba Rua Baro de Geremoabo, s/n Campusde Ondina,Salvador Bahia ce p40170 290 tel/fax 71 3263 6164

    www.edufba.ufba.br [email protected]

    biblioteca centr al reitor macedo costa ufba

    cult vol2 v2 0 indb 4cult.vol2.v2.0.indb 4 5/15/07 9:46:08 AM5/15/07 9:46:08 AM

  • 8/10/2019 Polticas culturais no Brasil (Coleo Cult) - Antonio Albino Canelas Rubim e Alexandre Barbalho (Org.)

    5/182

    Apresentao

    As experincias de polticas pblicas de cultura no Brasil, ape-sar dos esparsos recursos materiais e humanos que historica-mente foram destinados ao setor, j constituem um corpo con-sistente para a pesquisa e a reflexo acadmicas.

    Desde a criao do Departamento de Cultura de So Paulo ea atuao do governo Vargas nos anos 1930/40, passando pelaPoltica Nacional de Cultura da Ditadura Militar nos anos 1970,

    pela criao do Ministrio da Cultura na redemocratizao dosanos 1980, at chegar s atuais transformaes promovidaspela gesto de Gilberto Gil, entre outras referncias possveis,vrias questes se colocam ao pesquisador de diversas discipli-

    cult vol2 v2 0 indb 5cult.vol2.v2.0.indb 5 5/15/07 9:46:08 AM5/15/07 9:46:08 AM

  • 8/10/2019 Polticas culturais no Brasil (Coleo Cult) - Antonio Albino Canelas Rubim e Alexandre Barbalho (Org.)

    6/182

    nas, ou, de preferncia, de uma perspectiva multidisciplinar.No entanto, um levantamento bibliogrfico sobre o tema se

    revela bastante acanhado, como possvel constatar no stio do

    cult(http://www.cult.ufba.br/arquivos/bibliografias_poli-ticasculturais_brasil_01maio06.pdf ). uma produo recentee seus ttulos pioneiros datam dos anos 1980, com visvel cres-cimento na dcada seguinte. Assim, ainda no se estabeleceuem nosso meio social um capital crtica sobre poltica culturalcom a densidade que encontramos na Colmbia, no Mxico, naFrana ou na Austrlia, para citarmos exemplos bem distintos.O que surpreendente quando observamos de nossa tradioem estudos sobre cultura e poder.

    A idia desta coletnea motivada por este diagnstico. Elabusca ampliar a bibliografia e a discusso sobre as polticas p-blicas de cultura no Brasil. Mas tambm responde demandade novos grupos de pesquisa, ou de trabalhos isolados de pes-quisadores que, em diversos estados do pas tm se dedicadoao tema, no apenas em universidades, mas tambm em outrasinstituies pblicas e privadas.

    Estas duas motivaes, entre outras, revelam-se na diver-sidade de anlises diacrnicas e sincrnicas sobre as relaesentre governo federal e cultura. E os diferentes sotaques des-tas abordagens proporcionados por pesquisadores atuantes emvrias partes do pas.

    Aos autores convidados, foi enviado um breve roteiro: parapautar a linha editorial da coletnea. Os textos deveriam res-ponder a um ou mais dos seguintes desafios relativos s polti-cas culturais estabelecidas em mbito federal:Elaborar uma viso geral acerca das polticas culturais;

    Traar periodizaes;Identificar seus pontos fortes;Identificar seus impasses, deficincias e dificuldades;Apontar as prioridades de uma poltica cultural nacional.

    1

    23

    4

    5

    cult vol2 v2 0 indb 6cult.vol2.v2.0.indb 6 5/15/07 9:46:09 AM5/15/07 9:46:09 AM

  • 8/10/2019 Polticas culturais no Brasil (Coleo Cult) - Antonio Albino Canelas Rubim e Alexandre Barbalho (Org.)

    7/182

    Na medida em que o pas consolida seu sentido republicanoe democrtico, e valoriza, cada vez mais a sua cultura, acredi-tamos que o debate proporcionado pela leitura dos textos aqui

    elencados servir para fortalecer no apenas as polticas pbli-cas voltadas para a cultura entendida como direito bsico ,mas tambm as polticas afins, como educao e comunicao.Todas elas, polticas fundantes para a constituio de um pasmais justo e solidrio.

    A n t o n i o A l b i n o C a n e l a s R u b i m

    A l e x a n d r e B a r b a l h o

    cult vol2 v2 0 indb 7cult.vol2.v2.0.indb 7 5/15/07 9:46:09 AM5/15/07 9:46:09 AM

  • 8/10/2019 Polticas culturais no Brasil (Coleo Cult) - Antonio Albino Canelas Rubim e Alexandre Barbalho (Org.)

    8/182

    11

    s u m r i o

    A n t o n i o A l b i n o C a n e l a s R u b i m

    P o l t i c a s c u l t u r a i s n o B r a s i l :

    t r i s t e s t r a d i e s , e n o r m e s d e s a f i o s

    G e s t o o u G e s t a o P b l i c a d a C u l t ur a :

    a l g u m a s r e f l e x e s s o b r e o p a p e l d o E s t a d o

    n a p r odu o c u ltu r al c on te mp or n e a

    D u r v a l M u n i z d e A l b u q u e r q u e J n i o r

    P o l t i c a s c u l t u r a i s n o B r a s i l :

    ide n tidade e dive r s idade s e m dife r e n aA l e x a n d r e B a r b a l h o

    37

    61

    cult vol2 v2 0 indb 8cult.vol2.v2.0.indb 8 5/15/07 9:46:10 AM5/15/07 9:46:10 AM

  • 8/10/2019 Polticas culturais no Brasil (Coleo Cult) - Antonio Albino Canelas Rubim e Alexandre Barbalho (Org.)

    9/182

    M a r t a P o r t o

    C u ltu r a p ar a a p ol t ic a c u ltu r al

    A p olt ic a c u ltu r al c omo p olt ic a p blic a

    A n i t a S i m i s

    P o l t i c a s c u l t u r a i s n o B r a s i l :

    b a l a n o & p e r s p e c t i v a s

    L i a c a l a b r e

    109

    I s a u r a B o t e l h o

    A p olt ic a c u ltu r al & o p l a n o d a s i d i a s

    87

    133

    157

    cult vol2 v2 0 indb 9cult.vol2.v2.0.indb 9 5/15/07 9:46:10 AM5/15/07 9:46:10 AM

  • 8/10/2019 Polticas culturais no Brasil (Coleo Cult) - Antonio Albino Canelas Rubim e Alexandre Barbalho (Org.)

    10/182cult vol2 v2 0 indb 10cult.vol2.v2.0.indb 10 5/15/07 9:46:10 AM5/15/07 9:46:10 AM

  • 8/10/2019 Polticas culturais no Brasil (Coleo Cult) - Antonio Albino Canelas Rubim e Alexandre Barbalho (Org.)

    11/182

    *Professor da Faculdade deComunicao e do ProgramaMultidisciplinar de Ps- Graduaoem Cultura e Sociedade daUniversidade Federal da Bahia.Coordenador do Centro de EstudosMultidisciplinares em Cultura(cult). Pesquisador do cnpq.

    A n t o n i o A l b i n o C a n e l a s R u b i m *

    Pol t icas culturais no Br asi l :t r istes tradies , enormes desaf ios

    A histria das polticas culturais do Estado nacionalbrasileiro pode ser condensada pelo acionamentode expresses como: autoritarismo, carter tardio,

    descontinuidade, desateno, paradoxos, impasses edesafios. Este texto busca realizar uma viagem, ain-da que panormica, por esta trajetria, atento aos di-lemas, passados e presentes, que a conformam.

    cult vol2 v2 0 indb 11cult.vol2.v2.0.indb 11 5/15/07 9:46:10 AM5/15/07 9:46:10 AM

  • 8/10/2019 Polticas culturais no Brasil (Coleo Cult) - Antonio Albino Canelas Rubim e Alexandre Barbalho (Org.)

    12/182

    1 2 a n t o n i o a l b i n o c a n e l a s r u b i m

    A bibliografia sobre polticas culturais no Brasil, que podeser encontrada no stio www.cult.ufba.br, caracteriza-se peladisperso em duas perspectivas. Primeiro, ela provm das mais

    diversas reas disciplinares (Histria, Sociologia, Comunica-o, Antropologia, Educao, Cincia Poltica, Administrao,Museologia, Letras, Economia, Arquitetura, Artes etc.) e mes-mo multidisciplinares, o que dificulta o trabalho de pesquisa eindica a ausncia de uma tradio constituda e compartilhada,que conforme um plo de gravitao acadmico. Segundo, elatrata de maneira desigual os diferentes momentos da histriadas polticas culturais nacionais. Assim, para alguns perodosproliferam estudos, enquanto outros se encontram carente

    de investigaes. Alm disto, at hoje, no foram desenvolvi-das tentativas mais sistemticas e rigorosas de compreendertoda sua trajetria histrica. As tentativas de Mrcio de Souza(2000) e Jos lvaro Moises (2001) no podem ser considera-das exitosas nesta perspectiva.

    A viagem proposta atravs das polticas culturais brasileirasest possibilitada e sinalizada por esta bibliografia: dispersa,fragmentada, desigual e impregnada de atenes e silncios.Por bvio, ela retm estas marcas em seu itinerrio. Mas, apesardas limitaes da viagem, parece possvel traar um percursoprimeiro do que foram e so as polticas culturais nacionais noBrasil, seus dilemas e desafios.

    P r e m b u l o s

    Apesar de Mrcio de Souza, escritor amaznico, ter propostoinaugurar as polticas culturais do Brasil no perodo do Se-

    gundo Imprio (souza, 2000), devido postura, por vezes,ilustrada e de mecenas que assume o imperador Pedro ii, de-masiado caracterizar tal atitude como sendo inauguradora dapoltica cultural da nao. O prprio conceito de polticas cul-

    cult vol2 v2 0 indb 12cult.vol2.v2.0.indb 12 5/15/07 9:46:11 AM5/15/07 9:46:11 AM

  • 8/10/2019 Polticas culturais no Brasil (Coleo Cult) - Antonio Albino Canelas Rubim e Alexandre Barbalho (Org.)

    13/182

    p o l t i c a s c u l t u r a i s n o b r a s i l 1 3

    turais exige bem mais que isto. Como as noes de polticasculturais so mltiplas, opera-se neste texto com o conceitoescolhido por Nestor Garca Canclini. Ele assinala:

    Los estudios recientes tienden a incluir bajo este concepto al conjunto de

    intervenciones realizadas por el estado, las instituciones civiles y los gru-

    pos comunitarios organizados a fin de orientar el desarrollo simblico,

    satisfacer las necesidades culturales de la poblacin y obtener consenso

    para un tipo de orden o transformacin social. Pero esta manera de ca-

    racterizar el mbito de las polticas culturales necesita ser ampliada te-

    niendo en cuenta el carcter transnacional de los procesos simblicos y

    materiales en la actualidad (canclini, 2005, p. 78)

    Neste horizonte terico-conceitual, falar em polticas culturaisimplica, dentre outros requisitos, em, pelo menos: interven-es conjuntas e sistemticas; atores coletivos e metas. Vitalno mundo atual, o carter transnacional pode ser desconside-rado para o sculo xix. Outras exigncias, sem dvida, podeme devem ser reivindicadas em uma formulao mais plena danoo. Mas este empreendimento, alm de no ser adequado aopropsito deste trabalho, j foi desenvolvido em texto anteriorque pretende delimitar a abrangncia da noo de polticas cul-turais (rubim, 2006).

    Por certo, com base nestas premissas terico-conceituais nose pode pensar a inaugurao das polticas culturais nacionaisno Segundo Imprio, muito menos no Brasil Colnia ou mes-mo na chamada Repblica Velha (18891930). Tais exignciasinterditam que o nascimento das polticas culturais no Brasilesteja situado no tempo colonial, caracterizado sempre pelo

    obscurantismo da monarquia portuguesa que negava as cultu-ras indgena e africana e bloqueava a ocidental, pois a colniasempre esteve submetida a controles muito rigorosos como:proibio da instalao de imprensas; censura a livros e jornais

    cult vol2 v2 0 indb 13cult.vol2.v2.0.indb 13 5/15/07 9:46:11 AM5/15/07 9:46:11 AM

  • 8/10/2019 Polticas culturais no Brasil (Coleo Cult) - Antonio Albino Canelas Rubim e Alexandre Barbalho (Org.)

    14/182

    1 4 a n t o n i o a l b i n o c a n e l a s r u b i m

    vindos de fora; interdio ao desenvolvimento da educao, emespecial das universidades etc. A reverso deste quadro a partirde 1808, com a fuga da Famlia Real para o Brasil, decorrente

    da invaso das tropas de Napoleo, no indica uma mudanaem perspectiva mais civilizada, mas apenas o declnio do podercolonial que prenuncia a independncia do pas.

    A oligrquica repblica brasileira dos finais do sculo xixat os anos 30 tambm no teve condies de forjar um cenriopropcio para o surgimento das polticas culturais nacionais.Apenas foram realizadas aes culturais pontuais, em espe-cial, na rea de patrimnio, preocupao presente em algunsestados. Nada que possa ser tomado como uma efetiva poltica

    cultural.Conforma-se assim, uma primeira triste tradio no pas,

    em decorrncia de seu perfil autoritrio e elitista: o dificulto-so desenvolvimento da cultura (coutinho, 2000) e o cartertardio das polticas culturais no Brasil.

    I n a u g u r a e s

    Os anos 30 do sculo xxtrazem alteraes polticas, econmicase culturais significativas. A velha repblica encontra-se em runa.As classes mdias e o proletariado aparecem na cena poltica. Aemergente burguesia disputa espao poltico com as oligarquias.A Revoluo de 30 conforma mais uma transio pelo alto, comrupturas e continuidades controladas. O novo regime represen-ta um pacto de compromisso entre estes novos atores e as velhaselites agrrias, no qual inovao e conservao lutam sem emba-tes radicais. Industrializao; urbanizao; modernismo cultural

    e construo do estado nacional centralizado, poltica e adminis-trativamente, so algumas das faces do renovado pas.

    Neste contexto de mudana societria, ainda que plena delimitaes, dois experimentos, praticamente simultneos,

    cult vol2 v2 0 indb 14cult.vol2.v2.0.indb 14 5/15/07 9:46:12 AM5/15/07 9:46:12 AM

  • 8/10/2019 Polticas culturais no Brasil (Coleo Cult) - Antonio Albino Canelas Rubim e Alexandre Barbalho (Org.)

    15/182

    p o l t i c a s c u l t u r a i s n o b r a s i l 1 5

    inauguram as polticas culturais no Brasil. Seus patamares sodistintos, mas ambos tero repercusses essenciais para esteinstante inicial e, mais que isto, para toda sua trajetria no pas.

    Tais experimentos so: a passagem de Mrio de Andrade peloDepartamento de Cultura da Prefeitura da cidade de So Paulo(19351938) e a implantao do Ministrio da Educao e Sa-de, em 1930, e mais especificamente a presena de Gustavo Ca-panema, frente deste ministrio de 1934 at 1945.

    Pode parecer surpreendente que uma experincia municipalseja reivindicada em um panorama histrico acerca das pol-ticas culturais nacionais. Acontece que ela, por suas prticas eiderios, transcende em muito as fronteiras paulistanas. No

    por acaso este um dos episdios mais estudados das polti-cas culturais no Brasil (abdanur,1992; barbato jr, 2004;chagas, 2003; raffaini, 2001; schelling,1991).

    Sem pretender esgotar suas contribuies, pode-se afirmarque Mrio de Andrade inova em: 1. estabelecer uma interven-o estatal sistemtica abrangendo diferentes reas da cultura;2. pensar a cultura como algo to vital como o po; 3. proporuma definio ampla de cultura que extrapola as belas artes, semdesconsider-las, e que abarca, dentre outras, as culturas popu-lares; 4. assumir o patrimnio no s como material, tangvel epossudo pelas elites, mas tambm como algo imaterial, intang-vel e pertinente aos diferentes estratos da sociedade; 5. patroci-nar duas misses etnogrficas s regies amaznica e nordestinapara pesquisar suas populaes, deslocadas do eixo dinmicodo pas e da sua jurisdio administrativa, mas possuidoras designificativos acervos culturais (modos de vida e de produo,valores sociais, histrias, religies, lendas, mitos, narrativas, li-

    teraturas, msicas, danas etc.).A contraposio entre a triste tradio e todas estas iniciati-

    vas (e, por certo, outras no anotadas acima) do a dimenso doimpacto revolucionrio do experimento de Mrio de Andrade,

    cult vol2 v2 0 indb 15cult.vol2.v2.0.indb 15 5/15/07 9:46:12 AM5/15/07 9:46:12 AM

  • 8/10/2019 Polticas culturais no Brasil (Coleo Cult) - Antonio Albino Canelas Rubim e Alexandre Barbalho (Org.)

    16/182

    1 6 a n t o n i o a l b i n o c a n e l a s r u b i m

    ainda que no imune a problemas e deficincias. Dentre ou-tras crticas ao seu projeto, cabe destacar: uma certa viso ilu-minista de imposio da cultura de elite e a desateno com o

    tema do analfabetismo em uma sociedade to excludente coma brasileira, em especial nos anos 30 (raffaini, 2001). Mas taislimitaes no podem obscurecer a exuberncia e criatividadedeste marco inicial das polticas culturais no Brasil.

    O movimento inaugurador foi simultaneamente construdopelo ministro Gustavo Capanema, ao qual estava subordinadoo setor nacional da cultura durante o governo Getlio Vargas.Esteticamente modernista e politicamente conservador, elecontinuou no ministrio depois da guinada autoritria de Var-

    gas em 1937, com a implantao da ditadura do Estado Novo.Apesar disto, acolheu muitos intelectuais e artistas progres-sistas, a exemplo de Carlos Drummond de Andrade, seu chefede gabinete inclusive, Cndido Portinari, Oscar Niemeyer etc(ramrez nieto, 2000).

    Pela primeira vez, o estado nacional realizava um conjuntode intervenes na rea da cultura, que articulava uma atuaonegativa opresso, represso e censura prprias de qual-quer ditadura (oliveira, velloso e gomes, 1982; vello-so, 1987 e garcia, 1982) com outra afirmativa, atravs deformulaes, prticas, legislaes e (novas) organizaes decultura. O poderoso Departamento de Informao e Propa-ganda (dip) uma instituio singular nesta poltica cultural,pois conjuga como ningum a face negativa (censura, etc.) ea afirmativa (produo de materiais em diferentes registros),

    buscando, simultaneamente, reprimir e cooptar o meio cultu-ral, seus intelectuais, artistas e criadores.

    A poltica cultural implantada valorizava o nacionalismo,a brasilidade, a harmonia entre as classes sociais, o trabalhoe o carter mestio do povo brasileiro. A potncia desta atua-o pode ser dimensionada, por exemplo, pela quantidade de

    cult vol2 v2 0 indb 16cult.vol2.v2.0.indb 16 5/15/07 9:46:13 AM5/15/07 9:46:13 AM

  • 8/10/2019 Polticas culturais no Brasil (Coleo Cult) - Antonio Albino Canelas Rubim e Alexandre Barbalho (Org.)

    17/182

    p o l t i c a s c u l t u r a i s n o b r a s i l 1 7

    instituies criadas, em sua maioria j no perodo ditatorial.Dentre outras, podem ser citadas: Superintendncia de Educa-o Musical e Artstica; Instituto Nacional de Cinema Educa-

    tivo (1936); Servio de Radiodifuso Educativa (1936); Serviodo Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (1937); ServioNacional de Teatro (1937); Instituto Nacional do Livro (1937) eConselho Nacional de Cultura (1938). Tambm no mera ca-sualidade que este perodo esteja entre os mais contempladosem termos de estudos.

    Cabe destacar o sphan, pois ele ser a instituio emblem-tica da poltica cultural no pas at o final dos anos 60 e incioda dcada seguinte. Criado a partir de uma proposta encomen-

    dada por Gustavo Capanema a Mrio de Andrade, mas no ple-namente aceita (miceli, 2001, p. 360; chagas, 2003 e fal-co, 1984, p. 29), o sphan acolheu modernistas, a comearpelo seu quase eterno dirigente: Rodrigo de Melo Franco (1937at sua morte nos anos 60). O Servio, depois Instituto ou Se-cretaria, opta pela preservao do patrimnio de pedra e cal, decultura branca, de esttica barroca e teor monumental. Em ge-ral: igrejas catlicas, fortes e palcios do perodo colonial. Comisto, o sphan circunscreve a rea de atuao, dilui possveispolmicas, desenvolve sua competncia tcnica qualificada eprofissionaliza seu pessoal. Tais atitudes, em conjunto com seuinsulamento institucional, iro garantir a independncia e aimpressionante continuidade organizacional e administrativada entidade e de seu dirigente (miceli, 2001, p. 362) e transfor-mar o sphanem algo exemplar para as polticas culturais noBrasil e em muitos outros pases.

    Entretanto, sua fora tambm sua fraqueza. A opo eli-

    tista, com forte vis classista; a no interao com as comu-nidades e pblicos interessados nos stios patrimoniais pre-servados e mesmo o imobilismo, advindo desta estabilidade,impediram o sphan de acompanhar os desenvolvimentos

    cult vol2 v2 0 indb 17cult.vol2.v2.0.indb 17 5/15/07 9:46:14 AM5/15/07 9:46:14 AM

  • 8/10/2019 Polticas culturais no Brasil (Coleo Cult) - Antonio Albino Canelas Rubim e Alexandre Barbalho (Org.)

    18/182

    1 8 a n t o n i o a l b i n o c a n e l a s r u b i m

    contemporneos na rea de patrimnio e o colocaram comoalvo de severas crticas (miceli, 2001 e gonalves, 1996).

    A gesto inauguradora de Vargas/ Capanema c ria u ma

    outra e difcil tradio no pas: a forte relao entre gover-nos autoritr ios e polticas cultura is. Ela ir marca r de modosubsta ntivo e problemtico a histria brasileira das polticascultura is nacionais.

    P a r a d o x o s

    O momento posterior, o interregno democrtico de 1945 a1964, reafirma pela negativa esta triste tradio. O esplendoro-

    so desenvolvimento da cultura brasileira que acontece no pe-rodo, em praticamente todas as suas reas arquitetura, artesplsticas, cincia, cinema, cultura popular, dana, fotografia,humanidades, literatura, msica, rdio, teatro etc no temqualquer correspondncia com o que ocorre nas polticas cul-turais do Estado brasileiro. Elas, com exceo das intervenesdo sphan, praticamente inexistem.

    Para no reter apenas o silncio, cabe lembrar algumas aespontuais do perodo democrtico. A instalao do Ministrioda Educao e Cultura, em 1953; a expanso das universidadespblicas nacionais; a Campanha de Defesa do Folclore e a cria-o do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (iseb), rgovinculado ao mec . O isebdedica-se a estudos, pesquisas e re-flexes sobre a realidade brasileira e ser o maior produtor doiderio nacional-desenvolvimentista no pas, uma verdadeirafbrica de ideologias (toledo, 1977). Apesar do isebno serestritamente uma instituio estatal voltada para a formulao

    e implementao de polticas culturais, ele ter um enormeimpacto no campo cultural, atravs da inveno de um ima-ginrio social que ir conformar o cenrio poltico-culturalque perpassa o pensamento e a ao de governantes (Juscelino

    cult vol2 v2 0 indb 18cult.vol2.v2.0.indb 18 5/15/07 9:46:14 AM5/15/07 9:46:14 AM

  • 8/10/2019 Polticas culturais no Brasil (Coleo Cult) - Antonio Albino Canelas Rubim e Alexandre Barbalho (Org.)

    19/182

    p o l t i c a s c u l t u r a i s n o b r a s i l 1 9

    Kubitschek e Braslia so os exemplos imediatamente lembra-dos) e as mentes e coraes dos criadores e suas obras intelec-tuais, cientficas e artsticas. Ou seja, configura parte relevante

    da cultura brasileira daqueles anos.A atuao de outras instituies, em geral no estatais, deveser recordada por sua repercusso na rea cultural e impactosobre a atuao do estado brasileiro. Os famosos Centros Po-pulares de Cultura da Unio Nacional dos Estudantes, insta-lados no Rio de Janeiro (1961) e em outras cidades, ainda quecom vida curta, pois so fechados em 1964, como tambm oiseb, agitam os sonhos polticos e culturais da juventude bra-sileira, em especial da universitria (berlink, 1984 e bar-

    cellos, 1994). Neste movimento formam-se muitos dos in-telectuais e artistas vigentes ainda hoje no cenrio cultural dopas. Entretanto, a avaliao dos cpcs e inclusive sua relaocom a chamada cultura nacional-popular, que marca aquelemomento histrico e mesmo os anos imediatos ps-golpe mi-litar (19641968), bastante polmica e controversa (chaui,1983; ortiz, 1986 e coutinho, 2000).

    Outra interveno a ser rememorada o Movimento de Cul-tura Popular, desencadeado na cidade de Recife (1960) e depoisno estado de Pernambuco (1963), pelos governos municipale estadual de Miguel Arraes, no qual aparece a notvel figura dePaulo Freire com seu mtodo pedaggico que conjuga educaoe cultura (schelling, 1991). O movimento expandiu-se paraoutros estados e quando, em 1964, ele tinha sido assumido peloGoverno Federal foi bloqueado pelo Golpe Militar.

    No mbito conservador, algumas instituies tambm de-vem ser lembradas, a exemplo da estatal Escola Superior de

    Guerra pela construo dos iderios golpistas que terminampor destruir a frgil democracia brasileira e instalar a ditaduracvico-militar em 1964, com fortes e problemticos impactossobre a cultura.

    cult vol2 v2 0 indb 19cult.vol2.v2.0.indb 19 5/15/07 9:46:15 AM5/15/07 9:46:15 AM

  • 8/10/2019 Polticas culturais no Brasil (Coleo Cult) - Antonio Albino Canelas Rubim e Alexandre Barbalho (Org.)

    20/182

    2 0 a n t o n i o a l b i n o c a n e l a s r u b i m

    R e a f i r m a e s

    A preocupante tradio retorna e mais uma vez autoritarismo epolticas culturais vo estar associados. Novamente uma dita-

    dura no Brasil aciona ativamente as polticas culturais. Mas talatitude tem diferenas que correspondem aos trs momentosdistintos do golpe cvico-militar. De 1964 at 1968, a ditaduraatinge principalmente os setores populares e militantes envol-vidos com estes segmentos. Apesar da represso e da censura,ainda no sistemtica, acontecem manifestaes polticas con-tra o regime, em especial aquelas dos setores mdios, e existetodo um movimento cultural, uma espcie de florao tardiados anos nacionais-populares anteriores, hegemonicamente

    de esquerda, mas com audincia circunscrita s classes mdias,como assinalou Roberto Schwarz (1978).

    Alm da violncia, a ditadura age estimulando a transioque comea a se operar nestes anos com a passagem da predo-minncia de circuito cultural escolar-universitrio para umdominado por uma dinmica de cultura midiatizada (rubimerubim, 2004). Com este objetivo, a instalao da infra-estrutu-ra de telecomunicaes; a criao de empresas com a Telebrs ea Embratel e a implantao de uma lgica de indstria culturalso realizaes dos governos militares, que controlam rigida-mente os meios audiovisuais e buscam integrar simbolicamen-te o pas, de acordo com a poltica de segurana nacional.

    O filme Bye bye Brasilde Cac Diegues expressa de maneiracontundente este movimento de integrao simblica, via te-leviso. Na contramo, intelectuais tradicionais, como diriaGramsci, que apiam o regime, instalados no recm institudoConselho Federal de Cultura (19 66), demonstram sua preocu-

    pao com a penetrao da mdia e seu impacto sobre as cultu-ras regionais e populares, concebidas por eles em perspectivanitidamente conservadora (ortiz, 1986). Via Conselho Fede-ral de Cultura, o regime militar tenta estimular a criao de se-

    cult vol2 v2 0 indb 20cult.vol2.v2.0.indb 20 5/15/07 9:46:15 AM5/15/07 9:46:15 AM

  • 8/10/2019 Polticas culturais no Brasil (Coleo Cult) - Antonio Albino Canelas Rubim e Alexandre Barbalho (Org.)

    21/182

    p o l t i c a s c u l t u r a i s n o b r a s i l 2 1

    cretarias estaduais de cultura no pas. O primeiro exemplo, aSecretaria de Cultura do Cear, criada em 1966.

    O segundo momento (final de 19681974), o mais brutal

    da ditadura, dominado pela violncia, prises, tortura, as-sassinatos e censura sistemtica bloqueando toda a dinmicacultural anterior. poca de vazio cultural, apenas contrariadopor projetos culturais e estticas marginais, marcado pela im-posio crescente de uma cultura miditica controlada e repro-dutora da ideologia oficial, mas tecnicamente sofisticada, emespecial no seu olhar televisivo.

    Com a relativa derrota da ditadura nas eleies legislativas de1974, abre-se o terceiro momento que termina com o final do

    regime militar no incio de 1985. Tal perodo se caracteriza peladistenso lenta e gradual (General Geisel) e pela abertura(General Figueiredo). Isto , por uma longa transio cheia dealtos e baixos, avanos e recuos, controles e descontroles. A vio-lncia diminui e o regime passa a ter inmeras iniciativas nasreas poltica e cultural. A tradio da relao entre autoritaris-mo e polticas culturais retomada em toda sua amplitude. Oregime para realizar a transio sob sua hegemonia busca co-optar os profissionais da cultura (ortiz, 1986, p.85), inclusiveatravs da ampliao de investimentos na rea. Pela primeiravez o pas ter um Plano Nacional de Cultura (1975) e inmerasinstituies culturais so criadas (miceli, 1984). Dentre elas:Fundao Nacional das Artes (1975), Centro Nacional de Refe-rncia Cultural (1975), Conselho Nacional de Cinema (1976),radiobrs(1976), Fundao Pr-Memria (1979).

    A ditadura tambm abre-se s dinmicas advindas do ricocontexto internacional, ocasionado pelo conjunto de encontros,

    realizados pela unesco, sobre polticas culturais, em 1970,1972, 1973, 1975, 1978 e 1982, que repercute na Amrica Latina(serfaty, 1993) e no Brasil (botelho, 2000, p. 89), possibili-tando a renovao das polticas culturais nacionais, mesmo com

    cult vol2 v2 0 indb 21cult.vol2.v2.0.indb 21 5/15/07 9:46:16 AM5/15/07 9:46:16 AM

  • 8/10/2019 Polticas culturais no Brasil (Coleo Cult) - Antonio Albino Canelas Rubim e Alexandre Barbalho (Org.)

    22/182

    2 2 a n t o n i o a l b i n o c a n e l a s r u b i m

    os limites estabelecidos pela persistncia da ditadura.Destaque especial para dois movimentos acontecidos neste

    rico perodo de polticas culturais. Primeiro: a criao e o de-

    senvolvimento da funarte, a partir da experincia do Planode Ao Cultural (1973), outra das instituies emblemticasde polticas culturais no Brasil. A funarte, inicialmente umaagncia de financiamento de projetos culturais, paulatinamen-te consolida-se como um organismo com intervenes bas-tante inovadoras no campo cultural, com a constituio de umcorpo tcnico qualificado, em geral oriundo das prprias reasculturais, e na tentativa de superar a lgica fisiolgica, atravsde uma anlise de mrito dos projetos realizados e financiados

    (botelho, 2000).Segundo, as mutaes organizacionais, de pensamento e de

    ao associados figura de Alosio Magalhes. Em sua rpidatrajetria nestes anos, facilitada por seu dinamismo, criativi-dade e relaes com alguns setores militares, Alosio, um in-telectual administrativo (ortiz, 1986, p. 124), criou ou reno-vou organismos como: Centro Nacional de Referncia Cultural(1975); iphan(1979); sphane Pr-Memria (1979), Secretariade Cultura do mec(1981) at sua morte prematura em 1982. Suaviso renovada da questo patrimonial atravs do acionamen-to da noo de bens culturais; sua concepo antropolgicade cultura; sua ateno com o saber popular, o artesanato e astecnologias tradicionais, retomando Mario de Andrade (ma-galhes, 1985), ensejam uma profunda renovao nas anti-gas concepes de patrimnio vigentes no pas, mesmo comlimitaes, dada a manuteno de alguns traos comuns comoa retrica da perda (gonalves, 1996). Por certo que tais

    movimentos no conviveram sem tenses internas, inclusive,entre eles, e com muitos problemas (ortiz, 1986; botelho,2000). Mas eles representaram um sopro inovador nas polti-cas culturais brasileiras.

    cult vol2 v2 0 indb 22cult.vol2.v2.0.indb 22 5/15/07 9:46:17 AM5/15/07 9:46:17 AM

  • 8/10/2019 Polticas culturais no Brasil (Coleo Cult) - Antonio Albino Canelas Rubim e Alexandre Barbalho (Org.)

    23/182

    p o l t i c a s c u l t u r a i s n o b r a s i l 2 3

    Outra vez mais, reafirma-se a problemtica tradio, com aconexo entre autoritarismo e polticas culturais. Ainda que amaior parte da atuao do Estado tenha acontecido na fase de

    transio da ditadura, sua configurao continua sendo mol-dada por parmetros do regime autoritrio, em declnio. Aditadura tambm realiza a transio para a cultura miditica,assentada em padres de mercado, sem qualquer interao comas polticas de cultura do Estado. Em suma: institui-se um fos-so entre polticas culturais nacionais e o circuito cultural agoradominante no pas.

    A m b i g i d a d e sO fim da ditadura praticamente torna inevitvel a criao doMinistrio da Cultura. No cabe neste estreito espao discutira questo da pertinncia e da maturidade das condies paracriar um ministrio especfico (botelho, 2000). Alosio Ma-galhes em sua trajetria interrompida vinha conformando edando corpo s instituies nacionais para, no futuro, cons-truir o Ministrio. Sua morte interrompe o processo. Mas omovimento de oposio ditadura, os secretrios estaduais decultura e alguns setores artsticos e intelectuais reivindicamque o novo governo democrtico, instalado em 1985 , reconhe-a a cultura e a contemple com um ministrio singular.

    O longo perodo de transio e construo da democra-cia (19851993), que compreende os governos Jos Sarney(19851989), Collor de Melo (19901992) e Itamar Franco(19921994), configura a circunstncia societria e poltica,na qual acontece a implantao do ministrio. As ambigida-

    des sero todas. Nestes anos de construo sero nove ou dez(Jos Aparecido foi duas vezes ministro de Sar ney) os respon-sveis maiores pela cultura no pas: c inco no governo Sarney,dois no perodo Collor e trs durante o mandato de Itamar.

    cult vol2 v2 0 indb 23cult.vol2.v2.0.indb 23 5/15/07 9:46:17 AM5/15/07 9:46:17 AM

  • 8/10/2019 Polticas culturais no Brasil (Coleo Cult) - Antonio Albino Canelas Rubim e Alexandre Barbalho (Org.)

    24/182

    2 4 a n t o n i o a l b i n o c a n e l a s r u b i m

    Ou seja, em mdia, um a cada ano em um processo de instala-o institucional do organismo nacional de cultura.

    A instabilidade no decorre to somente da mudana quase

    anual dos responsveis pela cultura. Collor, no primeiro e tu-multuado experimento neoliberal no pas, praticamente des-monta a rea de cultura no plano federal. Acaba com o minist-rio, reduz a cultura a uma secretaria e extingue inmeros rgos,a exemplo da funarte, embrafilme, pr-memria, fun-dacem, concine. O primeiro responsvel pelo rgo, IpojucaPontes, em um embate feroz contra quase todo o meio cultural,produz um radical programa neoliberal para a cultura no Brasil.Mercado a palavra mgica para substituir o Estado, ineficien-

    te e corrupto, inclusive na rea cultural (pontes, 1991).Mas as ambigidades em torno da implantao do novo

    ministrio no provinham somente da instabilidade institu-cional. No governo Sarney, em 1986, foi criada a primeira lei

    brasileira de incentivos fiscais para financiar a cultura: a cha-mada lei Sarney (sarney, 2000). A lei foi concebida em ummomento de fragilidade institucional da rea, ainda que, demodo ambguo, o governo estivesse criando diversos rgosem cultura, a exemplo do prprio ministrio e de outros orga-nismos, tais como: Secretarias de Apoio Produo Cultural(1986); Fundao Nacional de Artes Cnicas (1987); Fundaodo Cinema Brasileiro (1987); Fundao Nacional Pr-Leitura,reunindo a Biblioteca Nacional e o Instituto Nacional do Li-vro (1987) e Fundao Palmares (1988). A rigor, ela termina-va por contrariar todo este esforo e investimento em novosorganismos, pois introduzia uma ruptura radical com os mo-dos, at ento vigentes, de financiar a cultura. Em vez, de fi-

    nanciamento direto, agora o prprio Estado propunha que osrecursos fossem buscados pretensamente no mercado, s queo dinheiro em boa medida era pblico, decorrente do meca-nismo de renncia fisca l.

    cult vol2 v2 0 indb 24cult.vol2.v2.0.indb 24 5/15/07 9:46:18 AM5/15/07 9:46:18 AM

  • 8/10/2019 Polticas culturais no Brasil (Coleo Cult) - Antonio Albino Canelas Rubim e Alexandre Barbalho (Org.)

    25/182

    p o l t i c a s c u l t u r a i s n o b r a s i l 2 5

    A nova lei, em um momento de escassez de recursos esta-tais, funcionou como outro componente no jogo de ambigi-dades que caracterizou a chamada Nova Repblica. O Estado

    aparentemente cresce, mas o mercado ganha poder de deciso.No governo seguinte, a Lei Sarney foi extinta, mas deu origem outra lei de incentivo, a Lei Rouanet, segundo Secretrio daCultura do governo Collor. Tal legislao vigente at hoje, de-pois de duas reformas nos governos Fernando Henrique Car-doso e Lula (ainda em curso).

    A lgica das leis de incentivo torna-se componente vital dofinanciamento cultura no Brasil. Esta nova lgica de financia-mento que privilegia o mercado, ainda que utilizando quase

    sempre dinheiro pblico se expandiu para estados e munic-pios e para outras leis nacionais, a exemplo da Lei do Audio-visual (Governo Itamar Franco), a qual ampliou ainda mais arenncia fiscal. Esta ltima legislao foi fundamental para aretomada do cinema brasileiro (caetano, 2005). Com ela ecom as posteriores mudanas da lei Rouanet, cada vez mais orecurso utilizado quase integralmente pblico, ainda que opoder de deciso sobre ele seja da iniciativa privada. A predo-minncia desta lgica de financiamento corri o poder de in-terveno do Estado nas polticas culturais e potencializa a in-terveno do mercado, sem, entretanto, a contrapartida do usode recursos privados, nunca demais lembrar.

    A combinao entre escassez de recursos estatais e a a finida-de desta lgica de financiamento com os imaginrios neolibe-rais ento vivenciados no mundo e no pas, fez que boa parcelados criadores e produtores culturais passe a identificar polticade financiamento e, pior, polticas culturais to somente com

    as leis de incentivo. Outra vez mais a articulao entre demo-cracia e polticas culturais se mostrava problemtica. O Estadoparecia persistir em sua ausncia no campo cultural em tem-pos de democracia.

    cult vol2 v2 0 indb 25cult.vol2.v2.0.indb 25 5/15/07 9:46:18 AM5/15/07 9:46:18 AM

  • 8/10/2019 Polticas culturais no Brasil (Coleo Cult) - Antonio Albino Canelas Rubim e Alexandre Barbalho (Org.)

    26/182

    2 6 a n t o n i o a l b i n o c a n e l a s r u b i m

    S u b s t i t u i e s

    O governo Fernando Henrique Cardoso (fhc) Partido So-cial-Democrata Brasileiro, 1995/2002 deve ser considerado

    o ponto final da errtica transio para a democracia e para umnovo modelo econmico no pas. O prprio FHC em discur-so no Senado, em 14 de dezembro de 1994, aps ter sido eleitopresidente disse: Estas eleies (de outubro de 1994) colocam,a meu ver, um ponto final na transio. O novo governo ca-racteriza-se pela implementao, de modo menos tosco e maisenftico, do projeto neoliberal no Brasil. A retrao do Estadoacontece em praticamente todas as reas. Pretende-se que omercado, imaginado como todo-poderoso e dinmico, substi-

    tua o Estado.No ser diferente na cultura. Sintomaticamente a publica-

    o mais famosa do Ministrio naqueles longos oito anos seruma brochura intitulada Cultura um bom negcio(minist-rio da cultura, 1995). Ela pretende estimular, sem mais, autilizao das leis de incentivo. Jos Castello, avaliando o go-verno Fernando Henrique Cardoso: afirma uma quase identi-dade entre Estado e mercado (castello, 2002, p. 635); fala dasleis de incentivo como sendo a poltica cultural (castello,2002, p. 637) e diz que as leis de incentivo escamoteiam a au-sncia de uma poltica cultural (castello, 2002 , p. 645). Emverdade e em boa medida, as leis de incentivo foram entroni-zadas como a poltica cultural do ministro Francisco Weffort,professor de Poltica da Universidade de So Paulo.

    Um pequeno recurso ao tema do financiamento da culturanaquele governo demonstra de modo cabal as afirmaes an-teriores. Para isto, cabe analisar a situao de trs modalidades

    previstas de financiamento da cultura. O Fundo de Investi-mento em Cultura e Arte (ficart), voltado para apoiar umacultura em moldes mais capitalistas, no foi regulamentadopelo governo. O Fundo Nacional de Cultura, tambm no regu-

    cult vol2 v2 0 indb 26cult.vol2.v2.0.indb 26 5/15/07 9:46:19 AM5/15/07 9:46:19 AM

  • 8/10/2019 Polticas culturais no Brasil (Coleo Cult) - Antonio Albino Canelas Rubim e Alexandre Barbalho (Org.)

    27/182

    p o l t i c a s c u l t u r a i s n o b r a s i l 2 7

    lamentado, era utilizado atravs da lgica do favor e da decisodo ministro. J o financiamento via leis de incentivo torna-serapidamente na modalidade predominante de apoio cultura,

    muito frente das outras formas de financiamento.Alis, se houve poltica de cultura, ela se concentrou em am-pliar a utilizao das leis de incentivo pelo mercado. Enquantono governo Itamar somente 72 empresas usaram as leis (cas-tello, 2002, p.637), no governo Cardoso/ Weffort este n-mero cresceu, por exemplo, para 235 (1995); 614 (1996); 1133(1997); 1061 (1998) e 1040 (1999), sendo que a queda aconte-cida de 1997 em diante decorre do processo de privatizao dasestatais; que, em geral, no Brasil investem mais em cultura que

    a iniciativa privada. Mas para expandir o nmero de empresasinteressadas em apoiar a cultura, o governo usou de artifcios.Por exemplo, ao reformar as leis de incentivo ampliou o teto darenncia fiscal, de 2% para 5% do imposto devido, e, principal-mente, os percentuais de iseno. Antes eles ficavam entre 65e 75%, com exceo da rea audiovisual, na qual eram de 100%.Agora este ltimo percentual era estendido para teatro, msicainstrumental, museus, bibliotecas e livros de arte.

    Em resumo, a utilizao de dinheiro pblico subordinadoa deciso privada ampliou-se bastante. Um estudo sobre fi-nanciamento da cultura mostrou que o uso de recursos sofreuprofunda transformao entre 1995, 66% das empresas e 34%de renncia fiscal, e 2000, 35% das empresas e 65% de rennciafiscal (dria, 2003, p. 101). Em outras palavras, as leis de in-centivo ao investimento privado em cultura estavam desesti-mulando tal atitude, pois o dinheiro cada vez mais era pblico,entretanto, estranhamente, gerido pela iniciativa privada.

    As crticas a esta poltica de retirada do Estado da decisosobre as polticas de cultura so muitas (sarkovas, 2005;olivieri, 2004; castello, 2002): 1. O poder de deliberaode polticas culturais passa do Estado para as empresas e seus

    cult vol2 v2 0 indb 27cult.vol2.v2.0.indb 27 5/15/07 9:46:19 AM5/15/07 9:46:19 AM

  • 8/10/2019 Polticas culturais no Brasil (Coleo Cult) - Antonio Albino Canelas Rubim e Alexandre Barbalho (Org.)

    28/182

    2 8 a n t o n i o a l b i n o c a n e l a s r u b i m

    departamentos de marketing; 2. Uso quase exclusivo de recur-sos pblicos; 3. Ausncia de contrapartidas; 4. Incapacidadede alavancar recursos privados novos; 5. Concentrao de re-

    cursos. Em 1995, por exemplo, metade dos recursos, mais oumenos 50 milhes, estavam concentrados em 10 programas;6. Projetos voltados para institutos criados pelas prprias em-presas (Fundao Odebrecht, Ita Cultural, Instituto MoreiraSales, Banco do Brasil etc); 7. Apoio equivocado cultura mer-cantil que tem retorno comercial; 8. Concentrao regionaldos recursos. Um estudo realizado, em 1998/ 99, pela Funda-o Joo Pinheiro, indicou que a imensa maioria dos recursosda Lei Rouanet e da Lei do Audiovisual iam para regies de So

    Paulo e do Rio de Janeiro.Assim, com exceo de algumas polticas setoriais, como a

    de bibliotecas e patrimnio (Projeto Monumenta) e a legislaoacerca do patrimnio imaterial, o longo perodo de oito anos deestabilidade da direo do Ministrio da Cultura, contrapos-to ao quadro anterior de instabilidade, pouco colaborou paraconsolidao institucional do Ministrio. No aconteceramconcursos para expanso ou substituio do quadro funcio-nal, nem programas significativos para qualificao do pesso-al. Dos 2640 funcionrios do Ministrio em 2001, literalmente

    49% estavam no iphan. Alguns temas das polticas culturaistinham sido abandonados, sem mais. Por exemplo, o tema dasidentidades, inclusive nacional (castello, 2002, p.655656).Apesar da reforma da Lei do Audiovisual e da criao da Agn-cia Nacional de Cinema, instalada institucionalmente fora doMinistrio, muito pouca ateno foi destinada ao audiovisual,em especial televiso, que tem um peso cultural enorme no

    pas. O mesmo pode ser dito acerca da nascente cultura digi-tal. Quanto s informaes culturais apesar do patrocnio doMinistrio pesquisa sobre economia da cultura realizada pelaFundao Joo Pinheiro, sem dvida uma iniciativa importante

    cult vol2 v2 0 indb 28cult.vol2.v2.0.indb 28 5/15/07 9:46:20 AM5/15/07 9:46:20 AM

  • 8/10/2019 Polticas culturais no Brasil (Coleo Cult) - Antonio Albino Canelas Rubim e Alexandre Barbalho (Org.)

    29/182

    p o l t i c a s c u l t u r a i s n o b r a s i l 2 9

    nada foi desenvolvido junto aos rgos nacionais de estatsticaobjetivando a confeco de dados culturais. Enfim, o oramentodestinado cultura no ltimo ano do governo Fernando Henri-

    que Cardoso/ Francisco Weffort sintetiza de modo sintomticoa falta de importncia do Ministrio e a ausncia de uma polticacultural ativa. Ele foi de apenas 0,14% do oramento nacional.

    D e s a f i o s

    O governo Lula e o ministro Gilberto Gil se defrontam em2002 como complicadas tradies que derivam agendas e de-safios: relaes histricas entre autoritarismo e intervenes

    do estado na cultura; fragilidade institucional; polticas de fi-nanciamento da cultura distorcidas pelos parcos recursos or-amentrios e pela lgica das leis de incentivo; centralizao doMinistrio em determinadas reas culturais e regies do pas;concentrao dos recursos utilizados; incapacidade de elabora-o de polticas culturais em momentos democrticos etc.

    A nfase inicial do ministro artista, que transparece em seusdiscursos programticos proferidos durante o ano de 2002 serreivindicar um conceito de cultura mais alargado, dito antro-polgico, como pertinente para ser acionado pelo Ministrio(gil, 2003, p. 10, 22, 44 e 45). Em conseqncia, o pblico pri-vilegiado no sero os criadores, mas a sociedade brasileira. Aoutra nfase dos discursos programticos ser a retomada dopapel ativo do Estado nas polticas culturais (gil, 2003, p. 11,23, 24, 27 e 49). As crticas retrao do Estado no campo cul-tural no governo anterior so sistemticas (gil, 2003, p. 23, 49,50, 51, 52 e 53). O desafio de construir polticas culturais em um

    regime democrtico j diagnosticado por Jos lvaro Moisesno governo passado (moises, 2001, p. 42.) ser enfrentadoem plenitude. Gil ir assumir de modo perspicaz que: formu-lar polticas culturais fazer cultura (gil, 2003, p. 11).

    cult vol2 v2 0 indb 29cult.vol2.v2.0.indb 29 5/15/07 9:46:21 AM5/15/07 9:46:21 AM

  • 8/10/2019 Polticas culturais no Brasil (Coleo Cult) - Antonio Albino Canelas Rubim e Alexandre Barbalho (Org.)

    30/182

    3 0 a n t o n i o a l b i n o c a n e l a s r u b i m

    Com esta nova concepo de cultura talvez at excessiva-mente ampliada o Ministrio busca trabalhar em novas reas.Alguns exemplos devem ser enunciados. A Secretaria de Identi-

    dade e Diversidade Culturais est atenta s culturas populares,inclusive com a realizao de conferncias nacionais. A Secre-taria do Audiovisual, depois que o Ministrio conseguiu trazerpara seu interior a ancine, props sua transformao em an-cinav, estendendo sua atuao para a rea do audiovisual, pen-sada de modo integrado. Talvez ingenuamente a reao brutalda grande mdia contra qualquer regulao, social e democrticada rea no foi devidamente prevista, o que ocasionou a retiradado projeto. A Secretaria, entretanto, desenvolveu um signifi-

    cativo projeto de produo de documentos com a Rede Pblicade Televiso, o doc-tv. Iniciativas foram realizadas na rea dacultura digital, inclusive um edital para estimular a criao de

    jogos eletrnicos. A atuao internacional do Ministrio foi bas-tante alargada. A presena de um nome internacional como o deGilberto Gil frente do Ministrio certamente teve um papelimportante nesta internacionalizao. Neste patamar, o Brasilassumiu posies polticas importantes como a luta pela diver-sidade cultural no relevante encontro da unesco, realizado emParis em 2005, sobre o tema. Estranhamente a reforma admi-nistrativa acontecida no incio da gesto no dotou o Ministriode uma nova e potente estrutura institucional para realizar estaconexo internacional.

    A ateno com a economia da cultura e os indicadores cul-turais tambm ampliou a atividade do Ministrio abarcandozonas hoje vitais para pensar a cultura na contemporaneidade.Os acordos com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    para a produo de informaes sobre a cultura no Brasil de-ram resultados concretos no final de novembro de 2006 com adivulgao pblica pelo ibgedos primeiros dados. Com rela-o economia da cultura, as iniciativas mais relevantes foram

    cult vol2 v2 0 indb 30cult.vol2.v2.0.indb 30 5/15/07 9:46:21 AM5/15/07 9:46:21 AM

  • 8/10/2019 Polticas culturais no Brasil (Coleo Cult) - Antonio Albino Canelas Rubim e Alexandre Barbalho (Org.)

    31/182

    p o l t i c a s c u l t u r a i s n o b r a s i l 3 1

    o debate sobre economia criativa, a realizao de seminriosinternacionais sobre o tema e a conquista da instalao de umCentro Internacional de Economia Criativa no Brasil, voltado,

    em especial, para os pases em desenvolvimento. Resta, entre-tanto, dar concretude a tais iniciativas.Para a reviso das polticas de financiamento foram realiza-

    das consultas amplas sociedade. O Fundo Nacional de Culturapassou a ser definido com base na concorrncia de projetos e ouso de editais para apoio cultura foi incentivado e adotado, in-clusive por empresas estatais, a exemplo da Petrobrs, a maiorempresa patrocinadora da cultura no Brasil. As leis de incentivoreformuladas foram apresentadas sociedade, mas ainda no

    esto em funcionamento, condio para avaliar se os vcios an-teriores podem ser superados. Entretanto, uma certa correodos desequilbrios regionais j foi conquistada.

    Alguns projetos assumidos por secretarias e organismos doMinistrio merecem destaque, pois buscam consolidar institu-cionalmente a rea de cultura com base em polticas de Estado,porque no restritas a um governo determinado. A constituiode um Sistema Nacional de Cultura, que articula os governosfederal, estaduais e municipais, sem dvida, um projeto vitalnesta perspectiva de institucionalizao de mais largo prazo.O Plano Nacional de Cultura, votado pelo Congresso Nacio-nal, como poltica de Estado, tambm fundamental para umainstitucionalizao da cultura, que supere as limites das inst-veis polticas de governo. A criao de Cmaras Setoriais paradebater com criadores as polticas de cultura, tambm d maiorinstitucionalizao atuao do Ministrio, pois possibilita aelaborao, interagindo com a sociedade civil, de polticas p-

    blicas, em lugar de meras polticas estatais de cultura.A descentralizao das atividades do Ministrio tambm

    essencial para sua maior institucionalizao. Nesta perspecti-va, um programa como os Pontos de Cultura, que financiam

    cult vol2 v2 0 indb 31cult.vol2.v2.0.indb 31 5/15/07 9:46:22 AM5/15/07 9:46:22 AM

  • 8/10/2019 Polticas culturais no Brasil (Coleo Cult) - Antonio Albino Canelas Rubim e Alexandre Barbalho (Org.)

    32/182

    3 2 a n t o n i o a l b i n o c a n e l a s r u b i m

    plos de criao e produo culturais e no atividades even-tuais em todo o pas so fundamentais para dar capilaridade atuao ministerial.

    Mas a ausncia de uma poltica consistente de formao depessoal qualificado para atuar na organizao da cultura, emnveis federal, estadual e municipal, continua sem soluo econsiste em um dos principais obstculos para a instituciona-lizao do Ministrio e uma gesto mais quali ficada e profissio-nalizada das instituies culturais no pas. Nesta rea, a atua-o do Ministrio foi praticamente nula.

    O Ministrio, apesar da persistncia de algumas fragilidadesinstitucionais e mesmo da ausncia de uma poltica cultural

    geral discutida com a sociedade e consolidada em documento,deu passos significativos no sentido de restituir um papel ativoao Estado no campo cultural. O oramento triplicado, apesarde ainda no ter chegado ao 1% reivindicado, aponta este novolugar para as polticas culturais no Brasil. A opo de GilbertoGil pela abrangncia na atuao do Ministrio da Cultura trou-xe inmeros desafios, mas soube enfrentar alguns dos dilemasmais recorrentes das polticas culturais da nao e prover a de-mocracia brasileira da capacidade de formular e implementarpolticas pblicas de cultura.

    R e f e r n c i a s

    abdanur, Elizabeth Frana. Os Ilustrados e a poltica culturalem So Paulo. O Departamento de Cultura na Gesto Mrio de

    Andrade(19351938). 1992. Dissertao (Mestrado em Histria),unicamp, Campinas.

    badar, Murilo. Gustavo Capanema. A revoluo na cultura.Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.

    cult vol2 v2 0 indb 32cult.vol2.v2.0.indb 32 5/15/07 9:46:22 AM5/15/07 9:46:22 AM

  • 8/10/2019 Polticas culturais no Brasil (Coleo Cult) - Antonio Albino Canelas Rubim e Alexandre Barbalho (Org.)

    33/182

    p o l t i c a s c u l t u r a i s n o b r a s i l 3 3

    barbalho, Alexandre. Relaes entre Estado e cultura no Brasil.Iju: Editora uniju,1998.

    barbato jr., Roberto. Missionrios de uma utopia nacional-po-pular. Os intelectuais e o Departamento de Cultura de So Paulo.

    So Paulo: Annablume/ Fapesp, 2004.barcelos, Jalusa. cpc-une. Uma histria de paixo e conscin-cia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994.

    bastos, Mnica Rugai. O espelho da nao: a cultura como obje-to de poltica no governo Fernando Henrique Cardoso. 2004. Tese(Doutorado em Sociologia) Faculdade de Filosofia e Cincias Hu-manas da Universidade de So Paulo, So Paulo.

    berlink, Manoel T. Centro Popular de Cultura da une . Campi-nas: Papirus, 1984.

    botelho, Isaura. Romance de formao: funarte e polticacultural 19 76 1990. R io de Janeiro: Casa de Rui Barbosa, 2001.

    caetano, Daniel (org.) Cinema brasileiro 19952005. Ensaiosde uma dcada. Rio de Janeiro: Azougue, 2005.

    castello, Jos. Cultura. In: lamounier, Bolvar e figueire-do, Rubens (Orgs.) A Erafhc: um balano. So Paulo: Cultura,2002, p. 627656.

    chagas, Mrio. O pai de Macunama e o patrimnio espiritual.

    In: abreu, Regina e chagas, Mrio (orgs.). Memria e patrim-nio: ensaios contemporneos. Rio de Janeiro: faperj/ dp&a/ uni rio, 2003, p. 95108.

    chaui, Marilena. O nacional e o popular na cultura brasileira .Seminrios. So Paulo: Brasiliense, 1983.

    coutinho, Carlos Nelson. Cultura e sociedade na Brasil. Rio deJaneiro: dp&a, 2000.

    dria, Carlos Alberto. Os federais da cultura. So Paulo: Biruta,2003.

    ferreira, Juca. ancinav: omisso ou misso? In: Teoria e De-bate. So Paulo, v. 60, p. 6467, nov./ dez. 2004.

    fundao joo pinheiro. A indstr ia cultural no quadro da

    cult vol2 v2 0 indb 33cult.vol2.v2.0.indb 33 5/15/07 9:46:23 AM5/15/07 9:46:23 AM

  • 8/10/2019 Polticas culturais no Brasil (Coleo Cult) - Antonio Albino Canelas Rubim e Alexandre Barbalho (Org.)

    34/182

    3 4 a n t o n i o a l b i n o c a n e l a s r u b i m

    economia brasileira. Braslia: minc, 1987.

    garcia, Nelson Jahr. Estado Novo: Ideologia e Propaganda Po-ltica. A legitimao do Estado autoritrio perante as classes su-

    balternas. So Paulo: Loyola, 1982.

    . Sadismo, seduo e silncio: propaganda e controleideolgico no Brasil(19641980). 1989. Tese (Doutorado em Co-municao) Escola de Comunicaes e Artes da usp, So Paulo.

    gil , Gilberto. Discursos do Ministro da Cultura Gilberto Gil. Bra-slia, Ministrio da Cultura, 2003.

    gomes, ngela de Castro (Org.). Capanema: o ministro e o mi-nistrio. Rio de Janeiro: Fundao Getlio Vargas, 2000.

    gonalves, Jos Reginaldo Santos.A retrica da perda. Os dis-cursos do patrimnio cultural no Brasil. Rio de Janeiro: Editora daufrj/ iphan, 1996.

    magalhes, Alosio. E Triunfo? A questo dos bens culturais noBrasil. Rio de Janeiro/ Braslia, Nova Fronteira/Fundao Nacio-nal Pr-Memria, 1985.

    meira, Mrcio. Uma poltica republicana. In: Teoria e Debate.So Paulo, v. 58, 60 65, maio/ jun. 2004 .

    miceli, Srgio (Org.) Estado e cultura no Brasil. So Paulo: Difel,1984.

    . Intelectuais brasileira. So Paulo: Companhia dasLetras, 2001.

    ministrio da cultura. Cultura um bom negcio. Braslia:minc, 1995.

    ministrio da cultura. Seminrio Nacional de Polticas P-blicas para as Culturas Populares. Braslia: minc, 2005.

    moiss, Jos lvaro. Estrutura institucional do setor cultural noBrasil. In: MOISS, Jos lvaro e outros. Cultura e democracia.

    Volume i. Rio de Janeiro: Edies Fundo Nacional de Cultura,

    2001, p.1355.

    oliveira, Lcia Lippi; velloso, Mnica Pimenta e gomes, n-gela Maria Castro (orgs.) Estado Novo. Ideologia e poder.Rio de

    cult vol2 v2 0 indb 34cult.vol2.v2.0.indb 34 5/15/07 9:46:23 AM5/15/07 9:46:23 AM

  • 8/10/2019 Polticas culturais no Brasil (Coleo Cult) - Antonio Albino Canelas Rubim e Alexandre Barbalho (Org.)

    35/182

    p o l t i c a s c u l t u r a i s n o b r a s i l 3 5

    Janeiro: Zahar Editores, 1982 .

    olivieri, Cristiane Garcia. Cultura neoliberal. Leis de incentivocomo poltica pblica de cultura. So Paulo, Escrituras /InstitutoPensarte, 2004.

    ortiz, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. So Pau-lo, Brasiliense, 1985.

    .A moderna tradio brasileira. Cult ura brasileira eindstria cultural. So Paulo: Brasiliense, 1989.

    partido dos trabalhadores. A imaginao a servio doBrasil. So Paulo: pt, 2003.

    pontes, Ipojuca. Cultura e modernidade. Braslia: Secretaria deCultura, 1991.

    raffaini, Patrcia Tavares. Esculpindo a cultura na forma Brasil:o Departamento de Cultura de So Paulo (19351938). So Paulo,Humanitas, 2001 (Dissertao de mestrado em Histria Facul-dade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade deSo Paulo, 1999).

    ramrez nieto, Jorge. El discurso Vargas Capanema y la arqui-tectura moderna en Brasil.Bogot: Universidad Nacional de Co-lmbia, 2000.

    rubim, Antonio Albino Canelas. Polticas culturais entre o pos-

    svel e o impossvel. Texto apresentado no iiEncontro de EstudosMultidisciplinares em Cultura. Salvador, 2006.

    rubim, Antonio Albino Canelas e rubim, Lindinalva. Televisoe polticas culturais no Brasil. In: Revista usp. So Paulo, n.61,p.1628, mar./ abr./ maio 2004 .

    sarcovas, Yacoff. O incentivo fiscal no Brasil. In: Teoria & De-bate. So Paulo, n. 62, p. 58 62, abr./ maio 2005.

    sarney, Jos. Incentivo cultura e sociedade industrial. In: je-ln, Elizabth e outros. Cultura e desenvolvimento. Rio de Janeiro:

    Fundo Nacional de Cultura, 2000, p. 2744.schelling, Vivian. A presena do povo na cultura brasileira.Ensaio sobre o pensamento de Mrio de Andrade e Paulo Freire.Campinas: Editora da unicamp, 1991.

    cult vol2 v2 0 indb 35cult.vol2.v2.0.indb 35 5/15/07 9:46:24 AM5/15/07 9:46:24 AM

  • 8/10/2019 Polticas culturais no Brasil (Coleo Cult) - Antonio Albino Canelas Rubim e Alexandre Barbalho (Org.)

    36/182

    3 6 a n t o n i o a l b i n o c a n e l a s r u b i m

    schwarz, Roberto. Cultura e poltica: 1964 1969 . In: .O pai de famlia e outros estudos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978,p.6192.

    serfaty, Clara. Polticas culturales interestatales y programas

    de intercambio cultural. In: jcome, Francine (Org.) Diversidadcultural y tensin regional: Amrica Latina y el Caribe. Caracas,Editorial Nueva Sociedad, 1993, p.105 118.

    souza, Jos Incio de Melo. Ao e imaginrio de uma ditadura:controle, coero e propaganda poltica nos meios de comunicaodurante o Estado Novo. 1991, Dissertao (Mestrado em Comuni-cao) Escola de Comunicaes e Artes da usp, So Paulo.

    souza, Mrcio. Fascnio e repulsa. Estado, cultura e sociedade noBrasil. Rio de Janeiro: Edies Fundo Nacional de Cultura, 2000

    (Cadernos de Nosso Tempo nmero 02).toledo, Caio Navarro de. iseb:fbr ica de ideologias. So Paulo:tica, 1977.

    velloso, Mnica Pimenta. Cultura e poder poltico: uma configu-rao do campo intelectual. In: oliveira, Lcia Lippi; velloso,Mnica Pimenta e gomes, ngela Maria de Castro (Org.) EstadoNovo: ideologia e poder. Rio de Janeiro: Zahar, 1982, p.71108.

    . Os intelectuais e a poltica cultural do Estado Novo.Rio de Janeiro: Centro de Pesquisa e Documentao de Histria

    Contempornea do Brasil Fundao Getlio Vargas, 1987.williams, Daryle. Gustavo Capanema. Ministro da Cultura. In:gomes, ngela de Castro (Org.) Capanema: o ministro e seu mi-nistrio. Rio de Janeiro: Editora fgv, 2000, p.251269.

    cult vol2 v2 0 indb 36cult.vol2.v2.0.indb 36 5/15/07 9:46:25 AM5/15/07 9:46:25 AM

  • 8/10/2019 Polticas culturais no Brasil (Coleo Cult) - Antonio Albino Canelas Rubim e Alexandre Barbalho (Org.)

    37/182

    *Professor do ppgem PolticasPublicas e Sociedade da uece

    A l e x a n d r e B a r b a l h o *

    Pol t icas culturais no Br asi l :identidade e divers idade sem diferena

    O problema da identidade nacional coloca-se de for-ma incisiva e recorrente aos intelectuais da AmricaLatina antes mesmo da constituio de suas naesindependentes. Qual o carter dessa populao de

    brancos colonizados, vivendo em meio a negrosboais e ndios indolentes, se questionavam nossospensadores informados pelas teorias scio-biolgi-cas e racistas vigentes no sculo xix.

    cult vol2 v2 0 indb 37cult.vol2.v2.0.indb 37 5/15/07 9:46:25 AM5/15/07 9:46:25 AM

  • 8/10/2019 Polticas culturais no Brasil (Coleo Cult) - Antonio Albino Canelas Rubim e Alexandre Barbalho (Org.)

    38/182

    3 8 a l e x a n d r e b a r b a l h o

    Ou quais as caractersticas destas civilizaes miscigenadas,crioulizadas, hbridas, transculturais, sincrticas que se esta-

    beleceram nos trpicos, vem se perguntando tericos das mais

    diversas correntes culturalistas desde o incio do sculo passa-do at os dias correntes (abdala jnior, 2004).No Brasil, a discusso sobre a identidade nacional tornou-se,

    talvez, mais recorrente do que nos seus vizinhos latino-ameri-canos. Em primeiro lugar, pelo tamanho continental do pas eo processo histrico de sua ocupao que envolveu no apenaso colonizador portugus, mas diversas etnias indgenas e afri-canas, afora outros migrantes europeus e os asiticos, alm dosfortes fluxos migratrios internos.

    Em segundo lugar, pela pobreza, ou mesmo inexistncia, deum campo intelectual no Brasil colonial, imperial e republicanoat, no mnimo, os anos 1930, o que sempre dificultou reflexescrticas e independentes no pas, bem como sua sistematizaoe permanncia. vastamente conhecida a proibio da metr-pole portuguesa no que diz respeito criao de instituiesde ensino, seja qual for o nvel, de editoras, de jornais, enfim,de toda instituio produtora de bens simblicos na sua col-nia americana 1. As coisas s comeam a mudar, e muito lenta-mente, com a vinda de d. Joo vie toda sua corte em 1808 paratomar um impulso considervel para a poca no perodo de d.Pedro ii impulso motivado pela preocupao do Imperadorem estabelecer alguns elementos iniciais de nacionalidade.

    So exemplos desse melhoramento da vida intelectual e ar-tstica e de constituio mnima do campo cultural no sculoxix: a vinda da Misso Artstica Francesa, as bolsas de estu-dos concedidas aos artistas, a criao do Instituto Histrico e

    Geogrfico Brasileiro, da Academia Imperial de Belas-Artes,da Biblioteca e do Museu Nacional etc.

    O perodo da velha Primeira Repblica no facilita este pro-cesso constitutivo. Diante de um excipiente mercado de bens

    1Na Amrica hispnica,

    ao contrrio, comoinforma Srgio Buarquede Holanda (1991), aprimeira das vinte ecinco universidadescriadas na poca dacolonizao surgiu em1538. Em 1535 , tem-senotcias dos primeiroslivros impressos naCidade do Mxico, localonde um sculo depoisse iniciaria a imprensaperidica americana

    com a publicao daprimeira Gaceta(1671).

    cult vol2 v2 0 indb 38cult.vol2.v2.0.indb 38 5/15/07 9:46:25 AM5/15/07 9:46:25 AM

  • 8/10/2019 Polticas culturais no Brasil (Coleo Cult) - Antonio Albino Canelas Rubim e Alexandre Barbalho (Org.)

    39/182

    simblicos, sobressai, em todo esse perodo, a forte dependn-cia de nossos artistas e pensadores em relao aos aparelhos es-tatais (raramente ligados a questes culturais) configurada nas

    sinecuras, cargos no funcionalismo pblico que permitem suasobrevivncia material.A situao se diversifica a partir do perodo getulista, com a

    construo institucional na rea da cultura, o fortalecimentode indstrias culturais, como a cinematogrfica, a radiofnica,a editorial e a jornalstica e o surgimento de nossas primeirasuniversidades, permitindo alguma independncia aos nossosprodutores simblicos.

    De todo modo, na sociedade brasileira, onde historicamente

    a representao poltica pouco firme, essa debilidade marca aidentidade de seus intelectuais e artistas. Para Marilena Chaui(1986), estes oscilam entre a posio de Ilustrados, donos daopinio pblica, ou de Vanguarda Revolucionria e educado-ra do povo. Contudo, h em ambas a opo pelo poder e pelatutela estatais.

    O que se prope neste ensaio discutir as polticas federaisde cultura, tendo como recorte temtico a discusso acerca daidentidade, da diversidade e da diferena. O recorte temporalprivilegiar aqueles momentos de nossa histria republicananos quais, se no h polticas culturais claramente definidas,se percebe forte investimento (poltico, simblico, financeiro)no setor: o perodo Vargas, o regime militar e os governos fhce Lula.

    Por poltica cultural, se entende no apenas as aes con-cretas, mas, a partir de uma concepo mais estratgica, oconfronto de idias, lutas institucionais e relaes de poder

    na produo e circulao de significados simblicos (mcgui-gan, 1996, p. 01). Nesse sentido, elas so criativas e propositi-vas, ao produzirem discursos, e detentoras de poder simblicoatuante no campo cultural 2.

    c u l t u r a & i d e n t i d a d e s : t e o r i a s d o p a s s a d o e p e r g u n t a s p a r a p r e s e n t e 3 9

    2Assim, discordamos deMiller e Ydice quandodefendem que a polticacultural maisburocrtica que criativaou orgnica (MILLER;YDICE, 2004 , p. 11) seentendermos aqui

    burocracia em seu usocomum de trabalhorepetitivo e ineficiente.

    cult vol2 v2 0 indb 39cult.vol2.v2.0.indb 39 5/15/07 9:46:26 AM5/15/07 9:46:26 AM

  • 8/10/2019 Polticas culturais no Brasil (Coleo Cult) - Antonio Albino Canelas Rubim e Alexandre Barbalho (Org.)

    40/182

    4 0 a l e x a n d r e b a r b a l h o

    Portanto, no irei me deter aqui na materializao das po-lticas para a cultura na formao, produo, financiamento,circulao e consumo por exemplo, leis de financiamento,

    editais, programas de circulao musical como Projeto Pixin-guinha etc. O objeto de reflexo ser os discursos publicizadosem textos oficiais e que, atravs de seus procedimentos pr-prios, exercem seus poderes e perigos (foucault, 1998).

    A d i v e r s i d a d e m e s t i a e a c r i a o d a n a c i o n a l i d a d e

    O primeiro momento de interveno sistemtica do Estado bra-sileiro na cultura ocorre aps a Revoluo de 1930. Quando

    assume o governo, Getlio Vargas procura unir o pas em tornodo poder central, construir o sentimento de brasilidade, reu-nindo a dispersa populao em torno de idias comuns, e elabo-rar uma nova viso do homem brasileiro (barbalho, 1998).

    Os responsveis pela elaborao da identidade nacional e porsua publicizao sero os intelectuais, j que para estes cultu-ra e poltica formam termos indissociveis, devendo mes-mo se fundir em torno da Nao. H a tentativa de criar umacultura do consenso em torno dos valores da elite brasileira,e o projeto de uma cultura nacionalista o espao para apro-ximar parcelas da intelectualidade, mesmo aquela no alinhadadiretamente ao regime. Para implementar tais tarefas, o Estadogetulista promove a construo institucional de espaos, fsi-cos ou simblicos, onde os intelectuais e artistas possam traba-lhar em prol do carter nacional.

    Naquele momento, era fundamental romper com a leituradominante sobre o povo brasileiro de orientao racista e que

    denegria o mestio, grande maioria da populao, qualifican-do-o de preguioso, insolente e pouco capacitado. Por sua vez,os intelectuais a servio do regime precisavam manter uma cer-ta continuidade com o passado, com a tradio. Eles recorrem,

    cult vol2 v2 0 indb 40cult.vol2.v2.0.indb 40 5/15/07 9:46:27 AM5/15/07 9:46:27 AM

  • 8/10/2019 Polticas culturais no Brasil (Coleo Cult) - Antonio Albino Canelas Rubim e Alexandre Barbalho (Org.)

    41/182

    p o l t i c a s c u l t u r a i s n o b r a s i l 4 1

    ento, ao recm-lanado livro Casa Grande e Senzalade Gilber-to Freyre, o qual converte em positividade o que era antes nega-tivo, ou seja, a mestiagem entre o branco, o ndio e o negro.

    Freyre no escreve sua obra para atender s necessidades doregime, at porque no possvel restringir a fora ideolgicada sua obra ao perodo getulista. Como situa Carlos GuilhermeMota (1977), sua obra, como produo cultural e elemento dasrelaes de dominao, situa-se em uma esfera prxima que-la na qual funcionam os mecanismos de controle social. Mas ogoverno Vargas se aproveita da abertura terica que a ideologiada mestiagem possibilita, produzindo, com seu respaldo, umdiscurso contrrio ineficincia inata do povo.

    Inconcilivel com o novo momento do pas, essa imagem substituda por uma apologia do homem brasileiro, apologiaque se sustenta na positividade da mistura entre as trs raas.Assim, a populao mestia valorizada e incorporada nacio-nalidade. O discurso enaltecedor do homem brasileiro podeser visto como pea de um discurso maior que procura legiti-mar o prprio regime. A questo de ordem poltica e cultural:a valorizao do homem brasileiro e sua relao com o Estado.Nesse sentido, uma de suas preocupaes demonstrar que oregime transcende ao aspecto meramente econmico e polti-co, possuindo tambm uma base cultural.

    Portanto, a valorizao da nacionalidade como poltica deEstado orienta a ao do governo na rea cultural ao glorificar acultura popular mestia, elevando-a a smbolo nacional. O po-pular, ou o folclore, retirado do local onde elaborado, ocultan-do assim as relaes sociais das quais produto, funciona, nessemomento de constituio da cultura brasileira, como fora de

    unio entre as diversidades regionais e de classe. A mestiagemamalgama os tipos populares em um nico ser, o Ser Nacional,cujas marcas so a cordialidade e o pacifismo.

    A transformao do popular em nacional e deste em tpico

    cult vol2 v2 0 indb 41cult.vol2.v2.0.indb 41 5/15/07 9:46:27 AM5/15/07 9:46:27 AM

  • 8/10/2019 Polticas culturais no Brasil (Coleo Cult) - Antonio Albino Canelas Rubim e Alexandre Barbalho (Org.)

    42/182

    4 2 a l e x a n d r e b a r b a l h o

    corresponde a um movimento ideolgico, denominado porMarilena Chaui (1986) de Mitologia Verde-Amarela que setransveste em palavras-de-ordem adequadas a cada contexto

    histrico. No Estado Novo era Construir a Nao, permitindoao Estado intervir na cultura como elemento dessa construo.Sob essa perspectiva, nos anos 1930/ 40 surgem diversas ins-

    tituies culturais: o Servio Nacional de Teatro (snt), o Insti-tuto Nacional do Livro (inl), o Instituto Nacional do CinemaEducativo (ince), o Servio do Patrimnio Histrico e Artsti-co Nacional (sphan), etc. criado, tambm, o Departamentode Imprensa e Propaganda (dip) que coordenava vrias reas:radiofuso, teatro, cinema, turismo e imprensa. Alm de fazer

    a propaganda externa e interna do regime, exercer a censura eorganizar manifestaes cvicas. Para chegar em todo o Brasil,o dipcria departamentos estaduais que, executando as linhasde ao determinadas pelo rgo federal, desempenham papelimportante no projeto de construo da nao.

    Todos estes espaos criados dentro do governo para a atuaodos mais variados produtores culturais estavam inseridos natica do corporativismo getulista: ao Estado cabe decidir o que a quem conceder determinados benefcios.

    A d i v e r s i d a d e n a u n i d a d e e a i n t e g r a o n a c i o n a l

    Depois do perodo getulista, outro momento de nossa hist-ria que observa a interveno sistemtica do Estado no cam-po cultural o do regime militar instaurado em 1964. Nessemomento, a preocupao das elites dirigentes no mais criaruma nao, e sim garantir sua integrao. No entanto, mais

    uma vez, a cultura percebida como elemento central na ga-rantia da nacionalidade.

    Por sua vez, ao regime militar no interessa apresentar-secomo ruptura radical com o passado. Nesse sentido, ele d con-

    cult vol2 v2 0 indb 42cult.vol2.v2.0.indb 42 5/15/07 9:46:28 AM5/15/07 9:46:28 AM

  • 8/10/2019 Polticas culturais no Brasil (Coleo Cult) - Antonio Albino Canelas Rubim e Alexandre Barbalho (Org.)

    43/182

    p o l t i c a s c u l t u r a i s n o b r a s i l 4 3

    tinuidade ao pensamento sobre a cultura nacional, estabeleci-do durante o governo Vargas, mantendo certa tradio conser-vadora e ligando um momento ao outro.

    A Mitologia Verde-Amarela, sempre re-trabalhada pe-las elites brasileiras de acordo com o contexto, assume agora olema Proteger e Integrar a Nao. Com isso, a cultura popu-lar, elemento central dessa mitologia, apropriada pela classedominante atravs de determinada viso do nacional-popularque representa a nao de forma unificada.

    Como situa Chau (1986), para os idelogos do regime mi-litar a unidade no descarta a diversidade. O todo diversifi-cado, porm, no conceito, o todo se torna a diversidade do que

    , em si, uno e idntico. O nacional refora a identidade diantedo que vem do exterior, enquanto o popular atua no reforo nointerior do pas. A juno das duas instncias ocorre atravs doEstado. Compreende-se, ento, porque a consolidao nacionalse constitui, no regime militar, em polticas culturais do esta-do para o Estado.

    Para atuar na rea cultural, o regime cria em 1966 o ConselhoFederal de Cultura (cfc) que rene intelectuais renomados ede perfil tradicional com funo de elaborar a sua poltica cul-tural. O principal elemento unificador do cfc a reverncia aopassado, com um vis conservador, o que marca a direo queo Conselho d sua concepo de poltica e de cultura.

    O lema da diversidade na unidade referenda a ao gover-namental na cultura, dando-lhe aspecto de neutralidade, deguardio da identidade brasileira definida historicamente.A miscigenao revela uma realidade sem contradies, j queo resultado do encontro entre as culturas passa por cima das

    possveis divergncias, e acaba por qualificar a cultura brasileiracomo democrtica, harmnica, espontnea, sincrtica e plural.

    A poltica cultural do regime militar alcana seu pice du-rante o governo Geisel (1974/ 1978), com a gesto de Ney Braga

    cult vol2 v2 0 indb 43cult.vol2.v2.0.indb 43 5/15/07 9:46:29 AM5/15/07 9:46:29 AM

  • 8/10/2019 Polticas culturais no Brasil (Coleo Cult) - Antonio Albino Canelas Rubim e Alexandre Barbalho (Org.)

    44/182

    4 4 a l e x a n d r e b a r b a l h o

    no Ministrio de Educao e Cultura (mec). Esse perodo re-presenta o pice da busca em adequar uma ao cultural s pre-tenses polticas do regime.

    Em 1975, lanada a Poltica Nacional de Cultura (pnc), pri-meiro plano de ao governamental no pas que trata de princ-pios norteadores de uma poltica cultural. Na apresentao queescreve para a pnc, Ney Braga ressalta a necessidade de valori-zar a diversidade regional do pas, mas expe que o documen-to, elaborado com valiosa contribuio do Conselho Federalde Cultura, procura definir e situar, no tempo e no espao,a cultura brasileira (braga, 1975, p. 05 itlico no original).Definir e situar as peculiaridades da cultura brasileira, espe-

    cialmente aquelas resultado do sincretismo entre nossas prin-cipais bases civilizacionais (indgena, europia e negra).

    Para os redatores da pnc, seu objetivo principal, aspirar umaverdadeira poltica cultural que promova a defesa e a constan-te valorizao da cultura nacional, deve ser alcanado com aplena realizao do homem brasileiro como pessoa. O huma-nismo, de fundo espiritual, defendido ao longo do documen-to, necessita dos princpios culturais para se concretizar, paraformar seres humanos integrados harmoniosamente na vidaem sociedade (poltica nacional de cultura, 1975 , p. 14 itlicos meus).

    Princpios que devem ser integrados de forma simultneapara dar conta da brasilidade cultural. Para tanto, faz-se neces-srio preservara sua identidadee originalidade fundadasnos

    genunosvalores histrico-sociais e espirituais, donde decorrea feio peculiar do homem brasileiro (poltica nacionalde cultura, 1975, p. 08 itlicos meus).

    A perspectiva essencialista de identidade do pncse revelanos valores a que se aspira preservar: originalidade, genuini-dade, peculiaridade, enraizamento, tradio, fixidez, perso-nalidade, vocao, perenidade, conscincia nacional. Sempre

    cult vol2 v2 0 indb 44cult.vol2.v2.0.indb 44 5/15/07 9:46:29 AM5/15/07 9:46:29 AM

  • 8/10/2019 Polticas culturais no Brasil (Coleo Cult) - Antonio Albino Canelas Rubim e Alexandre Barbalho (Org.)

    45/182

    p o l t i c a s c u l t u r a i s n o b r a s i l 4 5

    levando em conta as dimenses regional e nacional, estandoa primeira submetida segunda. A pluralidade que surge emalgumas regies se dilui no sincretismo, marca da brasilida-

    de. Este o significado peculiar da cultura brasileira e da per-sonalidade de seu povo, esta capacidade de aceitar, de absor-ver, de refundir, de criar.

    Os idelogos da pnc observam, portanto, a diversidadecontribuindo para a unidade nacional: A sobrevivncia deuma nao se enraza na continuidade cultural e compreendea capacidade de integrare absorversuas prprias alteraes.A cultura, com tal sentido e alcance, o meio indispensvelparafortalecere consolidara nacionalidade (poltica na-

    cional de cultura, 1975, p. 09 itlicos meus). Por suavez, a unidade nacional se salvaguarda na medida em que seprotege dos valores estrangeiros impostos pelos meios de co-municao de massa e pela indstria cultural, como ditam asnormas da Ideologia de Segurana Nacional.

    O objetivo principal da pnc, defender e valorizar a culturabrasileira, se desdobra em cinco objetivos bsicos: 1. O co-nhecimento imprescindvel na sua revelao do mago eda essncia do homem brasileiro, de sua vida e cultura; 2. Apreservao dos bens de valor cultural para manter pere-ne o ncleo irredutvel e autnomo da memria e da cultu-ra nacionais; 3. O incentivo criatividade; 4. A difuso dascriaes e manifestaes culturais; 5. A integrao funda-mental para, alm das diversidades (regionais) e adversidades(influncias estrangeiras), se plasmar e fixar a personalidadeharmnica brasileira e a sua segurana, convergindo com osinteresses da poltica de segurana nacional.

    Uma forma encontrada para viabilizar a unificao dapoltica cultural a promoo de encontros nacionais decultura, nos quais participam representantes culturais detodos os estados da federao. No Encontro de Secretrios

    cult vol2 v2 0 indb 45cult.vol2.v2.0.indb 45 5/15/07 9:46:30 AM5/15/07 9:46:30 AM

  • 8/10/2019 Polticas culturais no Brasil (Coleo Cult) - Antonio Albino Canelas Rubim e Alexandre Barbalho (Org.)

    46/182

    4 6 a l e x a n d r e b a r b a l h o

    de Cultura realizado em julho de 1976 em Salvador, o temacentral Poltica integrada de cultura. Ney Braga afirma emseu discurso que o evento refora a construo da Cultura

    Nacional. Cultura homognea em sua essncia, diversificadapelas contribuies recebidas, em constante transformao e,ao mesmo tempo, fiel e leal ao passado.

    Raymundo Moniz de Arago, presidente do Conselho Fede-ral de Cultura (cfc), declara na abertura dos trabalhos:

    No foi esquecida a delicada questo da cultura brasileira tomada em

    sua dupla dimenso; a regional e a nacional, por forma que se logre a in-

    tegrao e do mesmo passo a preservao do que especificamente

    nacional, uma vez que o almejado a unidade e no a uniformidade(arago, 1976 , p. 37).

    Como podemos notar, o tom da unidade cultural e, portanto,nacional perfila os discursos do Encontro Nacional de Cultura.Nos trabalhos reunidos no documento Concluses do Encon-tro de Secretrios de Cultura 1976, Miguel Reale, relator do5 Tema, Integrao regional da cultura, prope caracterizarculturalmente as regies brasileiras sem, contudo, fracionar aunidade de cada estado ou territrio. Percebemos a a preocu-pao com a unidade at no contexto interno de cada regio.

    O relatrio final do Encontro, redigido por Digues Jnior,conclui, a partir de todos os documentos apresentados:

    de que um caminho comum pode ser encontrado; e neste caminho, o

    que regional pode somar-se e pode multiplicar-se no contato entre

    regies; e finalmente chegar ao nacional j agora como expresso per-

    feita da mesma identidade cultural atravs da personalidade nacional tra-duzida justamente por essa diversidade que, ao invs de chocar-se, pode

    somar. O Brasil pode repetir-se sempre a idia uno justamente pela

    diversidade (DIGUES JNIOR, 1976 , p. 270 itlicos meus).

    cult vol2 v2 0 indb 46cult.vol2.v2.0.indb 46 5/15/07 9:46:31 AM5/15/07 9:46:31 AM

  • 8/10/2019 Polticas culturais no Brasil (Coleo Cult) - Antonio Albino Canelas Rubim e Alexandre Barbalho (Org.)

    47/182

    p o l t i c a s c u l t u r a i s n o b r a s i l 4 7

    A m e r c a d o r i a d a d i v e r s i d a d e e o

    e s t a d o - n a o n e o l i b e r a l

    A redemocratizao do pas com a eleio de Collor de Mello

    no significou o estabelecimento de uma poltica cultural e ofortalecimento institucional do setor no governo federal. Pelocontrrio, o novo presidente, de imediato, implementa umapoltica de terra arrasada na cultura com a extino do re-cm-criado Ministrio da Cultura (MinC) junto com diversasoutras instituies como a Embrafilme e o sphan.

    No entanto, seu governo d continuidade poltica de incen-tivo fiscal para a cultura iniciada no governo Sarney com a leide 1986. Em termos bsicos, este formato prope uma relao

    entre poder pblico e setor privado, onde o primeiro abdica departe dos impostos devidos pelo segundo. Este, em contrapar-tida, investe recursos prprios na promoo de determinadoproduto cultural. A idia no apenas a de estabelecer incen-tivos cultura, mas, principalmente, de introduzi-la na esferada produo e do mercado da sociedade industrial; de criar ummercado nacional de artes (barbalho, 2005).

    Na avaliao de Sarney, a ausncia do Estado garantia umesprito imensamente descentralizador, que transferia para asociedade a iniciativa dos projetos, a mobilizao dos recur-sos e o controle de sua aplicao (sarney, 2000, p. 38). Noentanto, o pouco controle do poder pblico foi o calcanhar deAquiles da lei. Acusada de vulnervel e de facilitar a sonegaoe a evaso fiscal, no sobreviveu ao novo mandato presidencial.Outra crtica Lei Sarney era a de que no distinguia entre osprodutos culturais aqueles que eram viveis comercialmentedaqueles que necessitavam de apoio pblico.

    Com o governo Collor e o ensasta Srgio Paulo Rouanet naSecretaria de Cultura, criou-se a Lei 8.313 de Incentivo Cul-tura 8.313, tambm conhecida como Lei Rouanet e o Fundo deInvestimento Cultural e Artstico (ficart) que funcionava

    cult vol2 v2 0 indb 47cult.vol2.v2.0.indb 47 5/15/07 9:46:31 AM5/15/07 9:46:31 AM

  • 8/10/2019 Polticas culturais no Brasil (Coleo Cult) - Antonio Albino Canelas Rubim e Alexandre Barbalho (Org.)

    48/182

    4 8 a l e x a n d r e b a r b a l h o

    como carteiras de crdito disciplinadas pela Comisso de Valo-res Mobilirios (cvm). Para Candido Almeida (1994), o inedi-tismo do ficartera o reconhecimento do carter comercial da

    cultura, disseminando seu entendimento como investimen-to de possibilidades. Ainda no mbito federal, em 1993, o pre-sidente Itamar Franco criou a Lei 8.685, a Lei do Audiovisual,especfica para projetos de audiovisual nas reas de produo,exibio, distribuio e infra-estrutura.

    A mesma orientao pauta a atuao dos dois governos fhcnacultura. Apesar da recriao do Ministrio da Cultura (MinC),tendo frente o cientista poltico Francisco Weffort, a viso deEstado mnimo acompanhada pela poltica de incentivo fiscal

    reforam a submisso da cultura lgica do mercado.Em 1995, Weffort modificou a Lei Rouanet e introduziu a

    figura do captador de recursos o agente intermedirio entreo artista e o empresrio. Na avaliao de Cesnik e Malagodi(1998), a possibilidade de contratar esse prestador de servioviabilizou a ligao dos produtores culturais com as grandesagncias publicitrias e fortaleceu a adoo, por parte das em-presas, do marketing cultural, evitado at ento por sua baixalucratividade.

    A nova verso da lei reforou o movimento de transfernciapara o mercado de uma parcela crescente da responsabilidadesobre a poltica cultural do pas. Por um lado, o Estado abdicade determinar onde investir o dinheiro, o que deveria ocorrerdentro de um planejamento em longo prazo. Por outro, a esco-lha de qual projeto cultural deve receber o mecenato custeadopelo dinheiro pblico fica nas mos dos empresrios.

    Por sua vez, a Lei Rounaet, desacompanhada de uma poltica

    nacional de cultura, reforou as desigualdades entre as regiesbrasileiras no que se refere ao apoio produo cultural. Estedesnvel foi observado pelo Ministrio que procurou promo-ver a divulgao nacional da lei e de suas vantagens junto aos

    cult vol2 v2 0 indb 48cult.vol2.v2.0.indb 48 5/15/07 9:46:32 AM5/15/07 9:46:32 AM

  • 8/10/2019 Polticas culturais no Brasil (Coleo Cult) - Antonio Albino Canelas Rubim e Alexandre Barbalho (Org.)

    49/182

    p o l t i c a s c u l t u r a i s n o b r a s i l 4 9

    artistas, produtores, empresrios e empresas de marketing,bem como ministrando cursos sobre elaborao de projetos,captao de recursos etc

    Em 1996, por exemplo, o MinC promoveu Fruns Empre-sariais em sete cidades do pas: Recife, Porto Alegre, Salvador,Campinas, Campo Grande, Florianpolis e Manaus. Foram re-alizados cursos de gesto cultural em Braslia, Belm e So Luse distribudos 15 mil exemplares da cartilha Cultura um bomnegcio, com instrues sobre o uso da Lei Rouanet.

    A exigncia de uma profissionalizao crescente por partedos artistas, que agora devem contar, de preferncia, com umaequipe de profissionais de apoio (produtor, captador de recur-

    sos, pesquisador, profissional de marketing ) refora umaoutra desigualdade: a dos criadores que no possuem um nvelmnimo de assessoria.

    Outra crtica bastante comum por partes dos artistas e pro-dutores a de que as empresas, mesmo com as facilidades fi-nanceiras e fiscais, s se interessam por projetos que tenhamvisibilidade miditico e/ ou sucesso de pblico. Projetos emreas tradicionalmente com pouca ou nenhuma repercusso

    junto aos meios de comunicao e ao grande pblico, como asartes cnicas, ou os projetos de experimentao de linguagem,de qualquer que seja a rea, encontram muitas dificuldades paracaptar recursos pelas leis de incentivo.

    O resultado que os criadores passam cada vez mais a terque adequar suas criaes lgica mercantil. Antes de tudo,ensinam os manuais de marketing cultural, faz-se necessrioconhecer o pblico consumidor, as empresas voltadas paraesse pblico, o interesse da mdia pelo projeto, fazer pesquisas

    quantitativas e qualitativas Na competio cada vez maisacirrada entre os criadores pelo patrocnio privado, obtm su-cesso aqueles que se identificam ou esto submetidos ao pen-samento e ao gosto dominantes.

    cult vol2 v2 0 indb 49cult.vol2.v2.0.indb 49 5/15/07 9:46:32 AM5/15/07 9:46:32 AM

  • 8/10/2019 Polticas culturais no Brasil (Coleo Cult) - Antonio Albino Canelas Rubim e Alexandre Barbalho (Org.)

    50/182

    5 0 a l e x a n d r e b a r b a l h o

    A lgica do mercado termina por pautar a discusso acerca daidentidade nacional e da diversidade cultural. O governo fhcno est preocupado com a segurana nacional, nem, portan-

    to, com a integrao e a salvaguarda da cultura brasileira, mascom a formao de um mercado nacional e internacional paraos diversos bens culturais produzidos no pas.

    Em seu texto de apresentao a um livro publicado peloMinC, Fernando Henrique Cardoso destaca que a fora damsica popular brasileira exemplifica como o temor da perdada nossa identidade com a invaso de produtos cultu