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FORMAÇÃO PROFISSIONAL: ESTAMOS (PRÉ)PARADOS? CARTILHA 01 DA CAMPANHA NACIONAL 2011-2012 DA ENEBIO INVERNO 2012

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FORMAÇÃO PROFISSIONAL:ESTAMOS (PRÉ)PARADOS?CARTILhA 01 DA CAMPANhA NACIONAL 2011-2012 DA ENEBIO

INVERNO 2012

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Esta é a primeira cartilha da Campanha Nacional lançada em 2011 pela Entidade Nacional de Estudantes de Biologia (EN-EBio): “Formação profissional: estamos pré(parados)?”.

Ela foi pensada para iniciarmos a discussão sobre o currícu-lo de biologia, as alterações que vem sofrendo e elementos que permeiam esse processo, como a dicotomia entre a licenciatura e o bacharelado, o sucateamento das licenciaturas, a pesquisa e o financiamento, o funcionamento dos conselhos CFBio e CRBio e a transferência da administração das universidades entre os Ministérios.

Estes temas fazem parte dos eixos construídos no CONEBio (Conselho de Entidades de Base de Biologia) e discutidos no Sem-inário Nacional da Campanha em Sorocaba.

Temos um grande desafio pela frente. Várias mudanças im-postas surgem nos currículos e nas universidades, e estas vêm se configurando como prejudiciais para o conjunto dos estudantes e professores. Entender as motivações de tais transformações é o primeiro passo para sabermos onde exatamente incidirmos e dire-cionarmos as nossas forças na perspectiva da mudança, da neces-sidade de construir uma formação humana dxs biólogos, na qual considere indissociável o ensino, a pesquisa e extensão, que pos-sua fundamentação crítica, emancipatória, transformadora e leve a refletir conforme as necessidades de seu meio social.

Boa leitura e discussão a todas e todos!

Olá, estudantes de Biologia!

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O conhecimentocaminha lento feito lagarta.Primeiro não sabe que sabee voraz contenta-se com cotidiano orvalhodeixado nas folhas vividas das manhãs. Depois pensa que sabee se fecha em si mesmo:faz muralhas,cava Trincheiras,ergue barricadas.Defendendo o que pensa saberlevanta certeza na forma de muro,orgulha-se de seu casulo. Até que maduroexplode em vôosrindo do tempo que imagina saberou guardava preso o que sabia.Voa alto sua ousadiareconhecendo o suor dos séculosno orvalho de cada dia. Mas o vôo mais belodescobre um dia não ser eterno.É tempo de acasalar:voltar à terra com seus ovosà espera de novas e prosaicas lagartas. O conhecimento é assim:ri de si mesmoE de suas certezas.É meta de formametamorfosemovimentofluir do tempoque tanto cria como arrasa a nos mostrar que para o vôoé preciso tanto o casulocomo a asa

aula de vôomauro iasi

sumário

I. Formação Profissional: Estamos Pre(parados)?........................................5II. A Divisão das Modalidades Licenciatura x Bacharelado nos Cursos de Ciências Biológicas......................................................8III. As Licenciaturas: Sobrevivendo ao Progresso Vazio .............................14IV. Relações inter e intraespecíficas, queremos pesquisar todas!...............16V. Conselho Federal e Regional de Biologia (CFBio e CRBio)......................19VI. Transferência do Ensino Superior da responsabilidade do MEC para o MCT...............................................10

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Somos milhares de estudantes de Biologia espalhados pelo Brasil nas diversas Instituições de Ensino Superior, movidos pelo desejo de ampliar nossos conhecimentos e poder intervir melhor na realidade da nossa sociedade e no ambiente onde estamos inseridos. Mas quem pensa a formação dos estudantes de Biologia no Brasil? Muitos são os cursos de Biologia espalhados pelo país, nas Instituições de Ensino Superior. Muito mais são os biólogos formados todos os anos e os estudantes que adentram no curso em busca de sua “formação”. Mas quem pensa os currículos dos cursos de Biologia? Um rápido olhar sobre os cursos de biologia revela que várias universidades Brasil afora passaram recentemente ou passam neste exato momento por uma série de alterações na estrutura curricular, nos Projetos Políticos Pedagógicos (PPP’s) e na separação entre as modalidades bacharelado e licenciatura. Ao mesmo tempo, o Conselho Federal de Biologia publicou recentemente uma polêmica resolução que visa restringir a atuação profissional dos biólogos apenas aos bacharéis. Além de orientar, em recentes pareceres também, a reestruturação dos cursos de biologia do Brasil de modo a antecipar a especialização e restringir a perspectiva mais ampla da formação inicial, que se traduz na definição das ênfases em Meio Ambiente, Saúde ou Biotecnologia. Ufa! Mas quanta coisa nova e tão pouco compreendida, não?! E como nós estudantes ficamos enquanto várias dessas modificações são implementadas nos nossos cursos? A ver navios? Boiando? Ou nos lançamos na difícil, porém

instigante, missão de identificar os objetivos dessas mudanças na nossa formação profissional e suas relações com as demais políticas educacionais, para o meio ambiente e para o trabalho? O fato de essas alterações curriculares, nos PPP’s e a divisão das modalidades estar sendo observada em várias universidades do país sugere que estejam sendo coordenadas nacionalmente. Mas por quais objetivos? Existem no Brasil orientações gerais que direcionam a formação e a elaboração dos PPP´s dos cursos de Biologia, são as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Ciências Biológicas, que foram instituídas pelo Ministério da Educação – MEC no ano de 2002. Ainda que a homologação dessas diretrizes tenha se dado em 2002, elas resultam de uma série de reformas que foram efetivadas ao longo dos anos 90 no Estado brasileiro, sobretudo durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, como condição para a concessão de empréstimos de organismos financeiros internacionais ao Brasil. O Banco Mundial (BM) e o Fundo Monetário Internacional (FMI) elaboraram documentos que direcionavam o formato da educação que seria, segundo a sua perspectiva, “adequado” para a realidade dos países da América Latina.

Mas o que seria uma educação “adequada” para a realidade dos países Latino Americanos?

Na perspectiva dos organismos internacionais, a educação “adequada” seria a que garantiria a subordinação desses países, ditos “periféricos”, diante dos seus interesses, visando

FORMAÇÃO PROFISSIONAL: ESTAMOS PRÉ(PARADOS)?

por Lívia Dias, Cecília Feitoza e Rafael Potiguar1

1 Lívia Dias e Rafael Potiguar são estudantes de Biologia da Universidade Federal do Ceará (UFC). Cecília Feitosa é bióloga formada na Universidade Federal do Ceará (UFC) e mestranda em Geografia na UFC.

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o crescimento e desenvolvimento econômico dos países do centro, garantindo a capacidade de administrar a pobreza desses países, conformando-os a sua condição de países da periferia. Essa educação adequava-se para o papel que estes países periféricos deveriam cumprir na Divisão Internacional do Trabalho. Nessa perspectiva, o papel dos países da periferia deveria (e deve) ser o de privilegiar a produção de matérias-primas, de commodities e de manufaturados de baixo ou médio conteúdo tecnológico, relacionando-se diretamente com a atividade do agronegócio. Consequentemente houve, no Brasil, maior centralidade econômica no setor primário, sobretudo em atividades relacionadas com a produção de energia e infra-estrutura para o escoamento da produção. Essas atividades de produção estavam e estão assim aliadas à exploração dos recursos naturais do país e a geração de enormes impactos ambientais. É esse o modelo econômico que verificamos durante estes anos de governo Petista, onde o agronegócios e as elites ligadas a ele tiveram um forte incentivo fiscal do Estado, sobretudo via BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Social), e, como consequência, um forte crescimento. Para tanto, foi necessário operar a flexibilização da legislação ambiental brasileira, de modo a facilitar a exploração da matéria-prima e dos recursos naturais do país. A transposição das águas do Rio São Francisco, as hidrelétricas do Rio Madeira e Belo Monte, a liberação de cultivo dos transgênicos, a política de incentivo aos biocombustíveis, o avanço da fronteira agrícola em direção ao Bioma Amazônico, o novo Código Florestal, tem gerado um aumento significativo nas concessões dos recursos naturais em prol da iniciativa privada, em prol de um suposto

“desenvolvimento” e colocam todos aqueles que resistem, num outro patamar de enfrentamento. Não por acaso, de Norte a Sul, de Leste a Oeste do país, brotam conflitos entre os sem-terra e os latifundiários, entre os povos do mar e as grandes corporações que invadem a zona costeira, entre os indígenas e quilombolas e o governo, na luta por demarcação do direito de permanecerem na terra que foi dos seus antepassados. E é aqui que nós entramos. Podemos notar que, as Diretrizes Curriculares para os cursos de Ciências Biológicas, inserem-se nessa lógica a partir do momento em que orientam para a formação de um perfil profissional que em geral seja flexível o suficiente para se adequar ao mercado de trabalho e as suas necessidades, em constante mutação. Os biólogos e biólogas de hoje não tem sua formação orientada para a construção de um perfil profissional que sequer seja capaz de analisar essa condição do Brasil na geopolítica mundial e as conseqüências desta sobre as populações e a natureza, quanto mais que seja capaz de se posicionar diante dessa realidade de modo crítico, propiciando a construção de um biólogo que possa tomar partido pela necessidade de modificarmos essa realidade! Na medida em que é o mercado que pauta a nossa formação, na medida em que a economia

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pauta o mercado, e na medida em que a política econômica brasileira hoje é pautada pela exploração dos produtos primários diretamente relacionados com a exploração dos recursos naturais, compreendemos que diretrizes curriculares que priorizam um perfil profissional flexibilizado para as demandas do mercado contribuem, ainda que de forma indireta, para a manutenção do atual padrão de exploração dos recursos naturais. Além disso, um perfil profissional flexível para o mercado, também subordina o biólogo a um mundo do trabalho reestruturado, em que as condições de trabalho são precárias e os direitos trabalhistas – como seguridade no emprego, piso salarial e o direito a uma série de benefícios – são pouco garantidos ou quase inexistentes. As diretrizes curriculares do MEC para os cursos de Ciências Biológicas vêm de encontro aos princípios da ENEBio, vem na contramão da formação de um biólogo que seja agente da transformação da sociedade em que vivemos. É preciso questionar essa lógica, sobretudo no patamar que nos encontramos de exploração da vida e do trabalho por esse sistema. Os biólogos, como profissionais dedicados ao estudo da natureza, devem ser capazes de pensar saídas em que a relação homem-natureza não seja mediada pela transformação desta em mercadoria, pois por esse caminho, só levará o planeta para o esgotamento dos recursos, dos ecossistemas e dos ricos e diversos níveis tróficos que eles possuem, advindos de uma longa trajetória evolutiva. Os biólogos, como parte da classe que vive do trabalho, devem ser capazes de pensar saídas para a exploração do trabalho humano, ressignificando-o e humanizando-o. E é na busca por uma compreensão mais totalizante dos fatores que influenciam hoje a nossa formação, de modo que possamos contribuir com o projeto de biólogos e biólogas que queremos ser e de mundo que queremos construir, que tem lugar a construção desta Campanha Nacional com o tema da formação profissional. Já é hora de lançarmos o berro sobre quem somos e que formação queremos, e de estar mais efetivamente em defesa da vida.

“VOCê TEVE INDuCAÇÃO,APRENDEu MuNTA CIENÇA,MAS DAS COISA DO SERTÃONÃO TEM BOA ESPERIENÇA.NuNCA FEz uMA PAIOÇA,NuNCA TRABAIOu NA ROÇA,NÃO PODE CONhECê BEM,POIS NESTA PENOSA VIDA,

Só quEM PROVOu DA COMIDASABE O gOSTO quE ELA TEM”.

PATATIVA DO ASSARÉ, 1978

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A DIVISÃO DAS MODALIDADES:LICENCIATuRA X BAChARELADO

NOS CuRSOS DE CIêNCIAS BIOLógICASpor Lucimara Beserra e Luã Kramer de Oliveira1

Os cursos de biologia surgem em maior quantidade no Brasil após a lei 6684/79 que regulamenta a profissão de bióloga/o. No texto dessa lei, é entendido que “bacharel ou licenciado em um curso de História Natural, Ciências Biológicas ou licenciado em Ciências com habilitação em Biologia” pode ser registrado como Biólogo e exercer as atividades de tal profissão. Ao falarmos da separação das habilitações de bacharelado e licenciatura, é necessário deixar claro que estamos falando da separação entre o ensino e a pesquisa em biologia. Mais do que isso, há uma separação do trabalho intelectual - a produção do conhecimento histórico - do trabalho manual - sua mera transmissão. O movimento pela dissociação destas modalidades advém do modelo da racionalidade técnica e científica, do aplicacionismo ou instrucionismo da formação docente. Dentro dessa concepção, o biólogo está imune da reflexão sobre a educação, já que esta reflexão é parte das obrigações da licenciatura. Este modelo reforça a compreensão de que o local de produção do conhecimento se restringe à academia e ao campo

da pesquisa biológica, negando a possibilidade de produção de conhecimento ao campo da educação e no ambiente escolar. As disciplinas pedagógicas ganham um caráter de inutilidade para a formação dos estudantes, que muitas vezes acham que para o ensino, basta saber os conteúdos a serem ministrados, sendo a maneira como transmiti-los um dom ou tão somente uma técnica. O licenciado (sem bacharel ou curso voltado apenas a ser professor) é formado sem a compreensão de como é produzido o conhecimento na biologia, e dificilmente conseguirá trabalhar conteúdos em sala de aula para além da REprodução dos livros didáticos. Nessa lógica, parte significativa do conhecimento biológico e até do ensino de biologia não sai dos muros dos centros de pesquisa/universidades, havendo um descompasso enorme entre esta produção e o que é abordado nas escolas do ensino básico, não alcançando reais transformações necessárias que a área da biologia pode(ria) proporcionar à população, tanto nas salas de aula quanto fora dela, como nas práticas de extensão. Este descompasso é ainda mais intensificado pelo fato de as pós-graduações serem

1 Lucimara Beserra e Luã Kramer de Oliveira são estudantes de Licenciatura Plena em Ciências Biológicas e membros do Centro Acadêmico de Biologia da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) campus Cuiabá.

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O presente texto não pretende apontar respostas prontas, nem mesmo encerrar nos parágrafos abaixo o debate e os elementos acerca da divisão das modalidades (licenciatura x bacharelado). Pretendemos sim provocar e qualificar o debate deste tema na nossa Campanha Nacional e na ENEBio, na perspectiva de avançarmos na proposição de uma formação dxs biólogxs voltada aos interesses reais da sociedade ao invés do mercado.

I - A Divisão das Modalidades nos Cursos de Biologia

hegemonizadas pelos formados em bacharelado quando comparado com os da licenciatura, mantendo a pesquisa e o ensino em sua segregação. Em contrapartida, há o movimento contrário a essa concepção de formação fragmentada em diversos cursos (História, Geografia, Educação Física, Biologia, etc.), a qual defende a concepção de professor/pesquisador, ou seja, da indissociabilidade de ensino e pesquisa, de trabalho manual e trabalho intelectual. A formação profissional, ou melhor, a formação humana com esta visão, se concretizou em cursos de biologia em duas modalidades conjuntas, licenciatura e bacharelado, ou em licenciaturas “amplas” que trabalhavam a dimensão da pesquisa e técnica em conjunto com a educativa.

Esse tipo de formação foi aplicada principalmente nas universidades públicas, federais e estaduais, contudo a partir de 2010 através de um oficio circular do MEC (Ofício Circular nº. 02/2010-CGOC/DESUP/SESu/MEC), todos os cursos de licenciatura/bacharelado foram orientados a serem separados em dois cursos distintos, e tal exigência sem explicação plausível. Seguindo essa imposição do MEC, o curso de biologia licenciatura/bacharelado, por exemplo, da UFC, UFV e UFU já foram divididos. Cabe nos perguntarmos: Porque não são oferecidas nas universidades particulares e agora nas universidades federais as modalidades de licenciatura e bacharelado conjuntamente?

II - Reestruturação Produtiva e as Reformas na Educação

Como apresentado no texto anterior, o currículo de biologia vem passando por diversas modificações que estão alinhadas à reestruturação neoliberal da produção capitalista, assim como as reestruturações na educação, e a concepção de licenciatura e bacharelado no curso de ciências biológicas acompanham tais modificações. Para superar a crise que o capitalismo estava enfrentado nos anos 70/80, uma nova ordem mundial é propagada a partir do Consenso de Washington (1989), o neoliberalismo/toyotismo. Resumidamente, a organização social baseada no neoliberalismo se apresenta em duas tendências: (i) reestruturação produtiva, na substituição do padrão fordista por formas de produção flexibilizadas e desregulamentadas. E (ii) pelas redefinições das funções do Estado, atrelado ao projeto Neoliberal, privatizante e antissocial pelo mundo. Projeto esse que é regulado pelos princípios do livre mercado e sem interferência estatal, ou Estado-mínimo (ANTUNES, 2000). As reestruturações da produção capitalista passam por diversas dimensões, e uma das principais é a educação, pois é por meio desta que será formada a força de trabalho necessária para a produção capitalista, sendo esta subordinada ao mundo do

trabalho flexível, ou seja, formará a subjetividade dx trabalhador(x) “conformadx” com o desemprego e/ou com precárias condições de trabalho como consequência de sua “incompetência” individual, sem compreender as determinações do mercado capitalista no mundo do trabalho que moldam estas

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péssimas condições de vida. Para a educação nos países da América Latina, Ásia e Caribe, o BM (Banco Mundial) elabora em 1994 um documento: La enseñaza superior - lãs leciones derivadas de la experiência. Este documento apresenta como recomendações “cursos politécnicos, educação a distância e de curta duração; mais fundos privados de financiamento para o ensino superior; apoio a estudantes qualificados; integração entre educação e esfera produtiva; flexibilização do contrato do trabalho

docente e da formação profissional”. Este modelo neoliberal começa a ser concretizado no Brasil no governo de FHC. É este governo o responsável por iniciar, e os governos Lula e Dilma por continuar, as reformas educacionais do Estado brasileiro para adequar a educação, desde o nível básico ao superior, para esse novo mundo/mercado de trabalho. É nesse período 1994-2012 que vemos um crescimento veloz das IES privadas, de cursos de educação à distância e a intensificação da separação da licenciatura e o bacharelado.

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III - As Diretrizes do Currículo de Ciências Biológicas

A reformulada LDB (Lei de Diretrizes de Bases- lei nº 9394/96) é o primeiro passo dessa reestruturação na educação. Dentre diversos elementos da LDB, consta a necessidade de cursos de graduação seguirem as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), e nesse sentido inicia-se a criação das DCN’s de vários cursos no Brasil. O parecer CNE/CES 776/97 que orienta a formação e implantação das DCN’s argumenta que “Deve-se reconhecer, ainda, que na fixação dos currículos muitas vezes prevaleceram interesses de grupos corporativos (?) interessados na criação de obstáculos para o ingresso em um mercado de trabalho marcadamente competitivo” [sic]. Outro elemento importante é a recomendação que os currículos “devem também pautar-se pela tendência de redução da duração da formação no nível de graduação (!)”. Este documento ainda não nos diz como fica e/ou ficará as licenciaturas e bacharéis, mas já apresenta sinais da separação das modalidades ao recomendar redução na duração da formação dxs graduandxs. Em 2002, são instituídas as DCN’s para a Formação de Professores da Educação Básica, por meio da Resolução CNE/CP nº 1 e nº 2/2002. Essas resoluções estabelecem a carga horária mínima de

2.800 horas para os cursos de Licenciatura Plena e, entre outras coisas, determina que a “formação deverá ser realizada em processo autônomo, em curso de licenciatura plena, numa estrutura com identidade própria”. Percebe-se que este documento não sugere a separação das modalidades no processo seletivo, tampouco distinções para o ingresso em ambas às modalidades. O Parecer CNE/CES nº 1.301/2001 e a Resolução CNE/CES nº 7/2002 instituem as DCN’s para os Cursos de Ciências Biológicas. A organização das modalidades nas diretrizes fica um tanto quanto confuso. Nas Diretrizes aprovadas, do “perfil profissional”, das “competências e habilidades”, da “estrutura do curso” até os “conteúdos curriculares básicos” só é citado o a modalidade de bacharelado. Sendo que esta modalidade é citada somente dentro do ponto de “perfil profissional”. A licenciatura é citada a partir da definição dos conteúdos curriculares específicos, no qual se faz a distinção entre modalidades, estabelecendo para o Bacharelado:

“orientações diferenciadas, nas várias sub-áreas das Ciências Biológicas, segundo o potencial vocacional das IES e as demandas regionais.”

E para a Licenciatura:

“além dos conteúdos próprios das Ciências Biológicas, conteúdos nas áreas de Química, Física e da Saúde, para atender ao ensino fundamental e médio. A formação pedagógica, além de suas especificidades, deverá contemplar uma visão geral da educação e dos processos formativos dos educandos. Deverá também enfatizar a instrumentação para o ensino de Ciências no nível fundamental e para o ensino da Biologia, no nível médio.”

A partir desta distinção entre as modalidades e a partir dos conteúdos curriculares específicos, não fica objetivamente entendido a necessidade da segregação entre licenciatura e bacharelado. É entendido que a formação do licenciado deve contemplar elementos de mais áreas do conhecimento e da área da educação, contudo não é VETADA a possibilidade de formação nas “várias sub-áreas das Ciências Biológicas (...)”, entretanto pode levar a interpretação típica do senso comum mais ouvida nos corredores: licenciatura é para formar SÓ professor e bacharelado para formar SÓ pesquisador/técnico. A Diretriz é confusa e pode nos levar a algumas perguntas: O perfil profissional estabelecido é somente do Bacharel? Qual a distinção com o Licenciado? As “competências e habilidades”, “estrutura curricular” e “conteúdos curriculares básicos” são para ambas as modalidades? Talvez um dia tenhamos essas respostas. Mais adiante, em 2009, é aprovada a Resolução CNE/CES nº04/2009 que fixa para os Cursos de Bacharelado em Ciências Biológicas a carga horária mínima de 3.200 horas a partir de 2010 com prazo até 2013 para adequação. Essa resolução vem acompanhada de vários equívocos: 1. O CFBio, por meio da Comissão de Aperfeiçoamento Profissional (CFAP), elaborou uma proposta de carga horária mínima de 3.600 horas para os cursos de bacharelado, tentado construir uma proposta de formação que tivesse todas as condições para exercer a profissão com qualidade. De acordo com o CFBio o CNE não considerou essa elaboração e determinou arbitrariamente ás 3.200

horas. Nesse sentido o conselho fez modificações na sua proposta original criando a formação em ênfases de Meio Ambiente, Biotecnologia e Saúde nas 3.200 horas, nas quais os cursos devem optar qual ênfase irá escolher (Resolução CFBio 213/2010 e Resolução 227/2010). 2. No parecer do “GT Revisão das Áreas de Atuação” (aprovado na resolução CFBio 213/2010) o CFBio afirma que há “clara diferença nos perfis profissionais de Licenciados e Bacharéis – no que tange a formação, a habilitação, aos conteúdos curriculares, a carga horária e tempo de integralização de cursos –, formando perfis profissionais diferenciados”. Qual é essa CLARA DIFERENÇA? Essa alegação vazia permite várias interpretações, inclusive a afirmação já citada: licenciatura é para formar SÓ professor e bacharelado para formar SÓ pesquisador/técnico. 3. Na mesma Resolução CNE/CES nº04/2009 foi definida a carga horária mínima para os bacharelados em Biomedicina, Ciências Biológicas, Educação Física, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Nutrição e Terapia Ocupacional. É possível notar que a determinação para curso de Ciências Biológicas foi em conjunto com os demais cursos da área da SAÚDE. Não foi considerada pelo MEC a especificidade das Ciências Biológicas, pois este curso não se restringe somente a área da saúde, portanto NÃO É ADEQUADA a carga horária decidida. Em 2010, foi publicado um Ofício

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Circular 02/2010 pelo MEC no qual determina a “DESVINCULAÇÃO” das modalidades de licenciatura e bacharelado para as Instituições FEDERAIS de Ensino Superior (IFES), argumentando de forma bem simplista que “entende que a Licenciatura tem finalidade, terminalidade e integralidade própria em relação ao Bacharelado, exigindo-se, assim, projeto pedagógico específico”. Mais uma vez, tal argumentação vazia permite a tradicional interpretação: licenciatura é para formar SÓ professor e bacharelado para formar SÓ pesquisador/técnico. É fato a necessidade de uma atenção diferenciada para cursos de licenciatura aos de bacharéis, pois o primeiro também é habilitado a ser docente no ensino básico, e deste modo é indispensável um PPP adequado para tal, contudo a formação na educação básica não significa a restrição da formação dx pesquisadorx de biologia. Por último, e talvez o mais importante, foi

aprovado em agosto de 2010 a Resolução CFBio 227/2010 que define a SEPARAÇÃO das áreas de atuação do biólogo em (i) Meio Ambiente e Biodiversidade, (ii) Saúde e (iii) Biotecnologia e Produção. Para cada área de atuação esta resolução exige que o currículo dx formadx em Biologia defina a área de atuação que está direcionada. A aprovação de tal medida reflete diretamente na construção dos currículos de biologia, logo, influi na relação das modalidades, afinal nos bacharéis em biologia haverá uma especialização precoce, pois serão voltados a uma das três áreas de atuação, e os cursos de licenciatura, como fica? A formação da licenciatura não habilitará o formado a exercer as atividades de biólogo? Aquelx licenciadx que pode atuar em alguma área será umx professorx de biologia da área de meio ambiente, professorx de biologia da área da saúde, ou da área de biotecnologia?

IV - Conclusão

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Como foi possível perceber, as modalidades vêm nas determinações curriculares para os cursos de Ciências Biológicas e para a atuação do biólogo seguindo e intensificando a lógica da divisão social do trabalho entre os que produzem (trabalho intelectual-acadêmico) e os que reproduzem (trabalho manual-professor/técnico), assim como e a separação do ensino (licenciatura) e da pesquisa (bacharelado), e afirma o status quo que os cargos de trabalho intelectual (bacharel) assumem. Temos que questionar e repudiar a formação desqualificada de professores, pois estes para atuarem com qualidade devem ser formados também para a pesquisa, não só da área da educação. Temos que questionar e repudiar a fragmentação da formação do biólogo para a demanda de mercado que especializa precocemente e impede a compreensão da área do conhecimento da biologia na totalidade. Nesses ataques a nossa formação humana, devemos ressaltar a defesa dos princípios 15, 18, 19 e 20 da ENEBio e lutarmos pela indissociabilidade entre

ensino, pesquisa e extensão, por uma educação de caráter emancipatório e transformador, pela formação de sujeitos críticos e atuantes, que leve o sujeito a refletir e atuar conforme as necessidades de seu meio social. Deste modo, devemos construir na ENEBio e em conjunto com os movimentos parceiros (Executivas de Curso, ANDES, FASUBRA, etc.) a LUTA: - Contra a Dicotomia Licenciatura x Bacharelado: Abaixo ao Ofício 02/2010-MEC!!! - Contra a Especialização Precoce: Abaixo a Resolução CNE/CES nº04/2009! Abaixo a Resolução

ANTUNES, R. Caítulo II. Trabalho e Precarização numa ordem neoliberal. In: GENTILI, P.; FRIGOTO, G. La Ciudadania Nega-da. Políticas de Exclusión en la Educación y el Trabajo. CLAC-SO, 2000. Disponível em: http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/educacion/antunes.pdf>BANCO MUNDIAL. La enseñanza superior: las lecciones derivadas de la experiencia. Banco Mundial. Washington, 1995, p.1-16. Disponível em: <http://firgoa.usc.es/drupal/files/010-1344Sp.pdf>BRASIL. Lei nº 6.684, de 3 de setembro de 1979: Regulamen-ta as profissões de Biólogo e de Biomédico, cria o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Biologia e Biomedicina, e dá outras providências. Brasília: Diário Oficial da União, 1979.BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996: Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília: Diário Ofi-cial da União, 1996.CFBio. Resolução nº 213, de 20 de março de 2010: Estabelece os requisitos mínimos para o Biólogo atuar em pesquisa, pro-jetos, análises, perícias, fiscalização, emissão de laudos, pare-ceres e outros serviços nas áreas de meio ambiente, saúde e biotecnologia. Brasília: Diário Oficial da União, 2010.CFBio. Resolução nº 227 de 18 de agosto de 2010: Dispõe so-bre a regulamentação das Atividades Profissionais e das Áreas de Atuação do Biólogo, em Meio Ambiente e Biodiversidade, Saúde e, Biotecnologia e Produção, para efeito de fiscalização do exercício profissional. Brasília: Diário Oficial da União, 2010.CFBio. PARECER CFBio Nº 01/2010: GT REVISÃO DAS ÁREAS DE ATUAÇÃO - PROPOSTA DE REQUISITOS MÍNIMOS PARA O BIÓLOGO ATUAR EM PESQUISA, PROJETOS, ANÁLISES, PERÍCIAS, FISCALIZAÇÃO, EMISSÃO DE LAUDOS, PARE-CERES E OUTROS SERVIÇOS NAS ÁREAS DE MEIO AMBI-

CFBio 213/2010! Abaixo a Resolução CFBio 227/2010!!! Há muitas dúvidas a serem “respondidas”, o caminho do MEBio rumo a elaboração bem sistematizada de propostas para a formação dxs biólogxs não está definido, será necessário ainda muito suor, estudo, discussão, desacordos e sínteses para alcançarmos uma proposta que contemple o acúmulo histórico das lutas travadas e construídas pelo MEBio. Mas não estamos parados, como diz Chico Science “um passo a frente e você não está mais no mesmo lugar”.

V-ReferenciasBibliográficas

ENTE, SAÚDE E BIOTECNOLOGIA. Disponível em: <http://cfbio.gov.br/arquivos/PARECER-CFBio-N-01-GT_2010.pdf>CNE/CES. Parecer nº 776, de 3 de dezembro de 1997: orien-ta para as diretrizes curriculares dos cursos de graduação. Brasília: Diário Oficial.CNE/CES. Parecer n.º: 1.301, de 06 de novembro de 2001: Ho-mologa as diretrizes curriculares para os cursos de Ciências Bi-ológicas. Brasília: Diário Oficial da União, 2001.CNE/CES. Resolução nº 7, de 26 de março de 2002: Estabelece as diretrizes curriculares para os cursos de Ciências Biológicas. Brasília: Diário Oficial da União, 2002.CNE/CES. Resolução nº 4, de 6 de abril de 2009: Dispõe sobre carga horária mínima e procedimentos relativos à integral-ização e duração dos cursos de graduação em Biomedicina, Ciências Biológicas, Educação Física, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Nutrição e Terapia Ocupacional, bacharelados, na modalidade presencial. Brasília: Diário Ofi-cial da União, 2009.CNE/CP. Resolução nº 1 de 18 de Fevereiro de 2002: Estabe-lece Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena. Brasília: Diário Oficial da Un-ião, 2002.CNE/CP. Resolução nº 2, de 19 de fevereiro de 2002: Institui a duração e a carga horária dos cursos de licenciatura, de grad-uação plena, de formação de professores da Educação Básica em nível superior. Brasília: Diário Oficial da União, 2002.MEC/SESu/DESUP. Ofício Circular nº 02, de 16 de junho de 2010: Readequação de cadastro de curso no Sistema e-MEC (desvinculação dos cursos tipo Bacharelado/Licenciatura). Brasília, 2010.

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Diversos debates acerca das dificuldades enfrentadas pelas licenciaturas têm sido fomentados em vários espaços, porém são tratados de maneira simplista e superficial. Assim, há de se reconhecer a necessidade de aprofundar os conhecimentos, pois é crucial observar as políticas direcionadas ao âmbito educacional para uma visão mais totalizante do problema. O governo tem declarado a expansão do ensino superior, porém esse discurso possui um caráter duvidoso e contraditório, visto que a maior parte dos investimentos se direcionam ao ensino superior privado (FIES, PROUNI, EAD) e quando se voltam para a educação pública, o crescimento se dá de forma quantitativa e sem real qualidade (REUNI) sendo direcionado àqueles que financiam o ensino superior em geral, nos permitindo denotar a submissão do Governo ao interesse do capitalismo. O Banco Mundial (BM) defende a multiplicação das Instituições de Ensino Superior (IES) privadas,

a introdução do ensino pago nas IES públicas e a ampliação da diferenciação institucional, que somadas às fontes alternativas de recursos garantiriam competitividade, visando a maior qualidade. O BM faz, portanto, um esforço para conciliar a ação do poder público com as virtudes do mercado (Marques e Pereira, 2002). Na década de 90, foi solicitada ao MEC a abertura de cinco mil novos cursos de formação docente, dos quais foram autorizados 647 pedidos. Contudo, a expansão da licenciatura foi aglutinando novos problemas, pois a oferta de vagas não foi preenchida significativamente: o censo de 2010 aponta que apenas 2% dos jovens se interessam em ingressar em cursos de licenciatura e pedagogia. Um dos principais motivos do despontar desta problemática foi, e ainda é, a falta de atrativo e incentivo à docência, bem como baixa remuneração salarial, condições não dignas de trabalho e ainda as dificuldades encontradas pelos estudantes

em se manterem nas universidades até o fim do curso, acarretando em sua desistência, principalmente pela existência inexpressiva de políticas relacionadas à assistência estudantil. A marginalização das licenciaturas perante a produção massiva do conhecimento específico é potencializada pelas

AS LICENCIATuRAS:SOBREVIVENDO AO PROgRESSO VAzIO

por Naira Queiroz e Bruno Novais1

1 Naira Queiroz e Bruno Novais são membros do CABio da UFMT – Cuiabá , militantes da ENEBIO – Construindo AN (Articulação Nacional) e GTP – Ciência e Tecnologia.

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próprias diretrizes curriculares nacionais (Resolução CNE/CP Nº 001/2002), que de forma arbitrária fragmentam a produção do conhecimento (pesquisa) e do processo de ensino, dividindo as modalidades (bacharelado e licenciatura). Como consequência dessa segregação, temos um curso de licenciatura precarizado e com função apenas de formar professores que consigam ocupar as vagas ociosas no mercado de trabalho. Desta forma, o professor se torna mão-de-obra barata, na qual a meritocracia e culpabilidade individual se tornam discurso estratégico para o capitalismo. Outro fator que demonstra o sucateamento das licenciaturas é a modalidade de ensino na qual esta é ofertada. Como mostra a figura ao lado, no ano de 2010 na modalidade Educação a Distância (EaD): 46% das matrículas são em curso de licenciatura. E aí nos questionamos: Como esses estudantes fazem estágio? Realmente a Educação a Distância supre de forma qualitativa a formação de um professor-pesquisador, um professor crítico, enfim um perfil de professor que almejamos? Os cursos de licenciaturas têm enfrentado problemas históricos quando analisamos a realidade acadêmica e a realidade da sala de aula. Esses contextos estão gradativamente distantes, pois a prática entra no cotidiano do professor como ratificação da teoria. As políticas direcionadas ao âmbito educacional não são debatidas dentro dos cursos e as práticas pedagógicas perdem força quando não se faz uma crítica profunda do que de fato almejamos e o do que de fato temos. Outros debates também são negligenciados (machismo, homofobia, racismo...). Sabemos que

a escola é um espaço multifacetado e as ementas que compõem os Projetos Políticos Pedagógicos (PPP’s) não conseguem suprir a necessidade da profissão, colocando o docente em uma corda bamba sustentada por políticas que não visualizam as necessidades da classe trabalhadora. Tais apontamentos denotam a nossa necessidade de aprofundarmos o debate. Precisamos nos perguntar que tipo de professor@s de biologia estão sendo formados?

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Em toda e qualquer conversa sobre pesquisa em nosso país, hora ou outra, nos deparamos com a discussão sobre autonomia do pesquisador, pesquisas voltadas somente para o âmbito econômico no sentido de gerar lucro e dificuldades para financiamento. Diríamos, infelizmente, que o debate de pesquisa sempre está entorno da negação ou afirmação dessas três discussões. Triste, pois os adolescentes que sonham em fazer pesquisa não sabem disso, acham que vão ajudar a salvar o mundo das doenças, das desigualdades sociais e da falta de recursos tecnológicos “sustentáveis”. A única instituição que forma pesquisadores no nosso país é a universidade, pública ou privada. Os jovens brasileiros percebem, no âmbito da pesquisa, a seguinte contradição: “não posso realizar a pesquisa que gostaria, pois tenho que seguir a linha do professor, que, sob as mesmas condições, não escolheu fazer a pesquisa que gostaria, pois está sujeito a linhas de pesquisas pré-existentes ou que ofereceu maior oportunidade para financiamento”. “Também não podemos esquecer que a produção do conhecimento tem sido re-significada. Hoje, não há mais a busca da verdade, mas sim, a sua utilidade. Sem contar que o conhecimento é uma forma de domínio, como já disseram Kissinger, Fukuyama e Mcnamara” afirmou Roberto Leher em uma mesa do Seminário Ciência e Tecnologia no Século XXI, promovido pelo ANDES-SN. Não dá para se negar o fato de que o saber tem uma ligação direta com a dominação de um ser sobre o outro

e as instituições de ensino e pesquisa têm relação com o domínio de uma classe sobre outra. Por esse mesmo motivo, as contradições de classe aparecem dentro dela, embora os grandes centros de pesquisa sejam limitados a poucos da classe trabalhadora. Desde o início da década de 90, a educação e pesquisa estão submetidas a uma série de políticas neoliberais de uma reforma no Estado brasileiro que traduzem as demandas postas pela lógica do capital financeiro e pela reestruturação produtiva agora chamada de toyotismo, implantada como resposta à crise estrutural do capital. Essa lógica, orientada pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional, é definida por: a produção é puxada pela demanda e o crescimento pelo fluxo, em outras palavras, é produzido somente aquilo que é consumido, para evitar desperdícios, colocando o mundo do trabalho em uma dinamização de oferta e demanda, também imposta à educação e pesquisa. No âmbito Internacional, o Brasil assume então, o papel de formar mão-de-obra barata segundo a demanda dos países desenvolvidos. Isso coloca o trabalhador e o pesquisador sujeito às demandas de eficiência e, com o mundo do trabalho dinamizado, transforma a universidade em uma instituição fabricante de trabalhadores segundo a demanda do mercado, limitando assim sua democracia e autonomia. As reformas neoliberais, iniciadas principalmente no governo de Fernando Henrique Cardoso e continuadas por Lula e agora com Dilma, provocam

RELAÇõES INTER E INTRAESPECíFICAS, quEREMOS PESquISAR TODAS!

por Leonardo Franco de Godoy1

1 Leonardo Godoy é estudante de Licenciatura em Ciências Biológicas, da Universidade Estadual de Ponta Grossa.

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“O próprio saber se torna uma mercadoria-chave, a ser produzida e vendida a quem pagar mais, sob condições que são elas mesmas cada vez mais organizadas em bases competitivas. Universidades e Insti-tutos de pesquisa competem ferozmente por pessoal, bem como pela honra de patentear primeiro novas

descobertas científicas (...). A produção organizada do conhecimento passou por notável expansão nas últimas décadas, ao mesmo tempo em que assumiu, cada vez mais, um cunho comercial”

(HARVEY; 1993, p.151.)

profundas transformações na área de produção de conhecimento científico com a política de parceria público-privado via fundos setoriais de ciência e tecnologia, reafirmando a retirada de autonomia e direcionando o financiamento a fundações estatais, parcialmente estatais e empresas privadas. Há poucas instituições de pesquisa, tanto públicas quanto privadas, para o pesquisador atuar após sua formação, sendo então, obrigado a trabalhar na universidade. Dentro desta, estão sujeitos a uma série de condições que se relacionam com uma meritocracia produtivista e pesquisas voltadas para gerar lucro segundo o interesse de empresas privadas. Com a implementação do REUNI pelo governo do PT, muitas instituições são criadas e as vagas são absurdamente aumentadas sem o acompanhamento de investimento adequado. Dessa forma, as universidades públicas estão precárias, obrigando mais uma vez os pesquisadores a procurarem financiamento no setor privado. Isso faz parte de uma política neoliberal de sucateamento das instituições públicas e, com o PROUNI, o governo declara a preferência pelo setor privado quando investe dinheiro para a abertura de vagas com bolsas em vez de melhorar as condições das universidades públicas. Toda a relação entre mundo do trabalho, pesquisa e produção de conhecimento gera muitas conseqüências maléficas para a qualidade do ensino de ciências na universidade. A área das ciências biológicas é uma das áreas que mais sofre com isso.

Atualmente, estão sendo tramitadas resoluções que impõem aos cursos superiores de Biologia um direcionamento de uma entre três ênfases: Meio Ambiente, Saúde e Biotecnologia. Com isso, podemos afirmar que a formação do profissional biólogo pesquisador é voltada para o interesse econômico da sociedade e não para as reais demandas de necessidades básicas e o desenvolvimento social ao qual deveria estar relacionada a universidade. A precarização do ensino é verificada também nas disciplinas de formação dos biólogos e pesquisadores na área de Biologia. Hoje, a universidade forma profissionais carentes de discussões epistemológicas, sociais e realmente ambientais, ratificando as políticas neoliberais para formação de profissionais alienados e que serão explorados por um mercado de trabalho flexível sem sequer questionar e criticar o mesmo, isto é, são formados pesquisadores e biólogos trabalhadores sem a real consciência de classe e lutas marcadas por toda a história. Pode-se encontrar todas as diretrizes curriculares que norteiam a formação profissional do biólogo no site do Conselho Federal de Biologia (CFBio). É notória a relação deste com o MEC e percebe-se que são planos do Governo Federal, implantados através de seus Ministérios, e que transformam a formação do pesquisador biólogo em puro tecnicismo alienado à sociedade e às relações de exploração entre as classes. Nela, está implícito que o pesquisador, o biólogo e o professor estão sujeitos à flexibilidade do mundo do trabalho, portanto, corroboram os argumentos de que estamos sendo formados de forma precarizada. Partindo de uma análise materialista, histórica e dialética, sem fugir da práxis (teoria aliada à prática), as políticas neoliberais do PT são vistas facilmente dentro das nossas universidades. Observa-se, frequentemente, adesivos da Monsanto nos laboratórios de genética, os quais são patrocinados pela mesma, ao mesmo tempo em que o governo incentiva o empréstimo bancário para os produtores rurais comprarem os produtos dessa empresa, garantindo a pesquisa

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e os lucros da companhia, com o endividamento de agricultores. Laboratórios de Bioquímica, utilizado pelos biólogos e pelos farmacêuticos, são patrocinados por empresas como a BAYER, que fabrica e vende tanto agrotóxicos quanto remédios. A saúde pública continua um caos e as empresas de remédios continuam ricas. Onde estão os recursos naturais? EXPROPRIADOS como mercadoria! Exemplificando os fatos é que podemos enxergar e entender as contradições à que o ensino e a pesquisa na área da Biologia estão submetidos. Enquanto a ciência diz que os transgênicos são necessários para a alimentação do mundo, a fome ainda está aí, pois o que falta não é comida (que está no mercado), e sim o dinheiro para comprá-las, que se acumula cada vez mais nas mãos de poucos. A formação atual não faz do biólogo um ser pensante e atuante na real solução dos problemas ambientais, pois esses estão atrelados ao capital e são considerados mercadoria. É com essa coerência que a ENEBio e os estudantes de biologia organizados lutam em campanhas como a Campanha Nacional contra as alterações do novo Código Florestal, Campanha Permanente contra a utilização dos Agrotóxicos e pela Vida, em conjunto com os movimentos sociais da educação na campanha 10% do PIB para EDUCAÇÃO PÚBLICA, JÁ!, e inicia agora a campanha: Formação profissional: Estamos (Pré)parados? Queremos ser profissionais com uma formação crítica, completa e entendendo a nossa relação com a natureza. Defendemos uma pesquisa crítica e que procure atender as reais necessidades da sociedade trabalhadora, que mantém com seu trabalho a pesquisa da classe favorecida. Com um movimento estudantil atuante dentro e fora da universidade, podemos lutar para que os profissionais biólogos possam analisar a natureza, o meio ambiente e a sociedade de forma horizontal e não expropriadora. Podemos fazer da pesquisa e da universidade, não uma instituição que atende a demanda econômica regional, como observamos na maioria dos casos, mas como ferramentas para transformações reais em nossa sociedade.

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SOBRE gAIOLAS E ASAS...

há ESCOLAS quE SÃO gAIOLAS E há ESCOLAS quE SÃO ASAS.

ESCOLAS quE SÃO gAIOLAS EX-ISTEM PARA quE OS PáSSAROS DESAPRENDAM A ARTE DO VôO. PáSSAROS ENgAIOLADOS SÃO PáSSAROS SOB CONTROLE. EN-gAIOLADOS, O SEu DONO PODE LEVá-LOS PARA ONDE quISER. PáSSAROS ENgAIOLADOS SEMPRE TêM uM DONO. DEIXARAM DE SER PáSSAROS. PORquE A ESSêNCIA

DOS PáSSAROS É O VôO.

ESCOLAS quE SÃO ASAS NÃO AMAM PáSSAROS ENgAIOLADOS. O quE ELAS AMAM SÃO PáSSAROS EM VôO. EXISTEM PARA DAR AOS PáSSAROS CORAgEM PARA VOAR. ENSINAR O VôO, ISSO ELAS NÃO PODEM FAzER, PORquE O VôO já NASCE DENTRO DOS PáSSAROS. O VôO NÃO PODE SER ENSINADO.

Só PODE SER ENCORAjADO.

RuBEM ALVES

Se você se formar em Ciências Biológicas a partir

de dezembro de 2013, você corre o risco de ser impedido

de atuar profissionalmente como Biólogo.

No ano de 2010, o Conselho Federal de Biologia proferiu

a resolução 213, a qual exige dos estudantes já graduados

o cumprimento da carga horária mínima de 2.400 horas

de componentes curriculares específicos das Ciências

Biológicas para que possam atuar nas áreas de “pesquisa,

projetos, análises, perícias, fiscalização, emissão de

laudos, pareceres e outros serviços na área de meio

ambiente, saúde e biotecnologia”. Por meio da mesma

resolução, determinou o Conselho que ficará restrita

a atuação, com relação a estas mesmas atividades,

daqueles que se formarem a partir de dezembro de 2013

e não cumprirem a carga horária mínima de 3.200 horas

daqueles conteúdos curriculares específicos.

Esta atuação do Conselho, independente da

intenção, foi completamente irregular, conforme se

mostrará adiante. Para que se possa entender a questão,

primeiramente se faz necessário entender o que é o

Conselho e quais são as suas funções.

O Conselho Federal de Biologia, em conjunto

com os regionais, é uma autarquia. Uma autarquia é uma

pessoa jurídica de direito público criada por lei, destinada

a fins específicos e administrativamente desvinculada

do órgão governamental que a criou. Para entendermos

melhor o que isto significa, vamos analisar brevemente

este conceito. Em primeiro lugar, dizer que se trata

de pessoa jurídica de direito público significa que não

existem autarquias particulares, mas somente públicas.

Assim, a autarquia se destina sempre à prestação de

um serviço público. É importante ter em mente que

apenas a lei tem poder para criar uma autarquia, não

existindo outro modo de dar origem a ela. Na lei que

cria a autarquia, são fixadas as finalidades a que ela se

destina, e estas representam também os limites da sua

atuação, que não podem ser extrapolados. Finalmente, a

autarquia tem capacidade de se autoadministrar, tendo

patrimônio próprio e poder de gerir seus interesses

dentro da competência que a lei lhe confere. Trata-se da

desvinculação administrativa em relação ao governo.

O Conselho Federal de Biologia e os Conselhos

Regionais de Biologia foram instituídos pela Lei

6.684/79 (anexo 2), a qual também regulamentou as

profissões de Biólogo e de Biomédico. No artigo 10 da

referida lei, são enumeradas (e, portanto, delimitadas)

as competências do Conselho. Em suma, a função deste

órgão é de fiscalizar e disciplinar o exercício da profissão,

normatizando-a e aplicando penalidades a profissionais

que exerçam irregular ou ilegalmente a atividade. Trata-

se do poder de polícia administrativa exercido sobre os

membros da categoria.

Não possui o Conselho o poder de restringir

o exercício da profissão de Biólogo. No entanto, é

exatamente isto que foi feito por meio da resolução 213

de 2010. Vamos entender melhor esta situação.

A Constituição da República é a Lei Suprema do

Estado brasileiro, não podendo, em hipótese alguma

ser contrariada por qualquer norma inferior a ela. É na

Constituição que se define a própria estruturação do

Estado e dos respectivos órgãos, bem como as normas

fundamentais daquele. No seu artigo 5º, XIII (anexo

3), garante-se a todos o livre exercício de “qualquer

trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações

profissionais que a lei estabelecer”.

Como se pode ver, a lei, e apenas a lei tem o

poder de restringir o exercício de qualquer profissão.

Tal restrição se dá mediante a fixação de exigências que

POR DENTRO DO CONSELhO FEDERAL DE BIOLOgIA

por Silvio Augusto Couto e Luiz Américo Menezes Caldas1

1Silvio Augusto Couto é estudante do 4° ano direito, da Universidade Estadual de Ponta Grossa e Luiz Américo Men-ezes Caldas é estudante do 4° ano de Lic. Em Ciências Biológicas, da Universidade Estadual de Ponta Grossa .

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dizem respeito a qualificações profissionais.

A lei 6.684/79 determinou que o exercício da

profissão de Biólogo é privativo dos portadores de

diploma de licenciado ou de bacharel nos cursos de

História Natural ou de Ciências Biológicas ou, ainda, de

licenciado em Ciências com habilitação em Biologia.

Ou seja, a restrição se limita ao porte do diploma,

não havendo quaisquer pré-requisitos em relação à

carga horária mínima a ser cumprida em determinada

disciplina.

Portanto, quando o Conselho Federal de

Biologia, por meio da resolução 213/10, restringe a

atuação do Biólogo, ele está extrapolando seus limites

de atuação, sendo que tal restrição cabe apenas à lei.

Frente a este quadro, o que pode ser feito?

Todos aqueles que forem afetados pela resolução e

tiverem, portanto, seu direito de exercer a profissão de

Biólogo lesionado, poderão, por meio de um advogado,

requerer ao Poder Judiciário que declare inválida a norma

expedida pelo Conselho. A ação judicial utilizada para

este fim se denomina Mandado de Segurança, previsto

no Art° 5, incisos LXIX e LXX (anexo 3).

Esta solução, porém, tem caráter individual,

não produzindo efeitos em relação a toda a classe, mas

somente em relação àqueles que entrarem em juízo. No

entanto, é possível entrar na justiça, com intermédio

de um advogado, com um Mandado de Segurança

coletivo em nome da Entidade Nacional dos Estudantes

de Biologia (ENEBIO). Neste caso, os efeitos de uma

decisão favorável beneficiaria a todos os estudantes de

biologia.

É preciso deixar claro que se discute aqui a forma

como o Conselho Federal de Biologia restringe a atuação

do profissional biólogo, e não a intenção existente

na resolução. Cabe a nós (estudantes de biologia)

discutirmos qual nossa posição frente a situação e

quais os prováveis motivos e intenções que levaram

o Conselho Federal de Biologia tentar estabelecer

requisitos mínimos para a atuação do Biólogo.

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Para iniciar nossa reflexão sobre a proposta que está em tramitação atualmente no Brasil, de transferência da Secretaria do Ensino Superior (SESU) do Ministério da Educação (MEC) para o Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT), primeiramente se faz necessária uma breve introdução sobre o que é um ministério e também sobre as atribuições atuais de cada um dos ministérios agora citados. Os ministérios compõem o poder executivo e tem função essencialmente administrativa sobre determinadas áreas públicas da sociedade. É um departamento do governo, que irá aplicar de forma administrativa as diretrizes políticas que o governo trará. Apesar de se tratar do poder executivo, os ministérios também formulam propostas de leis que serão submetidas ao parlamento. Em suma, os ministérios são “braços” do governo, para que este possa implementar a sua política de uma forma eficiente. Eles são uma instância complexa, que possui na sua estrutura organizativa inúmeros órgãos e serviços, que vão desde a fiscalização, formulação de propostas, execução destas, até a distribuição orçamentária para os segmentos que representam. Tal estrutura é hierarquizada e todas as instâncias são submetidas ao ministro, que é o órgão unipessoal de gestão do que cada ministério irá realizar. Os ministros são indicados pelo presidente da república quando estes assumem o poder. O MEC foi criado em 1930 e tinha, naquela época, mais atribuições do que atualmente, pois abarcava mais setores sociais do que apenas a educação, sendo estes a saúde e o esporte. A partir de então, muitas modificações aconteceram, ora devido a criação de novos ministérios como, por

exemplo, o Ministério da Saúde, ora devido a necessidades organizativas. É importante ressaltar que uma alteração, em qualquer ministério que seja, tem algum fundamento de direcionamento político, do que se quer fazer com aquele setor. Atualmente, o setor social que é destinado ao MEC é a educação, ou seja, todos os níveis de ensino são por ele regulamentados, fiscalizados e avaliados. Nesse sentido, a educação pública é administrada por ele (o ensino fundamental e médio também são administrados pelos governos estadual e municipal), e a educação privada é fiscalizada. No MEC, atualmente, existem vários órgãos e secretarias, aos quais iremos nos ater apenas à Secretaria de Educação Superior (SESU) e ao Conselho Nacional de Educação (CNE). Estas duas instâncias são as que mais serão modificadas, segundo a proposta. Nas funções do CNE está, dentre outras, a formulação das diretrizes para os cursos de graduação, bem como as diretrizes para cada área. Temos por exemplo, o parecer CNE XX, que delimita as diretrizes para os cursos de biologia. Nesse sentido, o que acontece com ele na alteração? E como fica a formulação para nossos currículos a partir daí? Já a SESU tem a função da formulação da política nacional de educação superior. Como ficarão essas formulações quando ela for mudada? No cenário atual, em que a ciência é produzida para que vantagens no mercado possam existir, como será a orientação desta secretaria estando vinculada ao MCT? Durante o Governo de Tancredo Neves, mais especificamente em 15 de março de 1985 criou-se, através do Decreto 91146, o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), que tem sua área

TRANSFERêNCIA DO ENSINO SuPERIOR DA RESPONSABILIDADE DO MEC PARA O MCT

por Diretório Acadêmico Charles Darwin – Gestão Raiz Forte*

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quE CONCEPÇÃO DE uNIVERSIDADE PERMEIA ESSA PROPOSTA DE LEI?

SOARES. Letícia Junger de Castro Ribeiro. Natureza jurídica dos conselhos e ordens de fiscalização profissional. 2004. Disponível em http://jus.com.br/revista/texto/9083/natureza-juridica-dos-conselhos-e-ordens-de-fiscalizacao-profissional>Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.LEI Nº 6.684, DE 3 DE SETEMBRO DE 1979 (Regulamenta as profissões de Biólogo e de Biomédico, cria o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Biologia e Biomedicina, e dá outras providências.)Decreto nº 88.438, de 28 de junho de 1983 (Dispõe sobre a regulamentação do exercício da profissão de Biólogo, de acordo com a Lei nº 6.684, de 3 de setembro de 1979 e de conformidade com a alteração estabelecida pela Lei nº 7.017, de 30 de agosto de 1982.)RESOLUÇÃO Nº 213, DE 20 DE MARÇO DE 2010. (Estabelece os requisitos mínimos para o Biólogo atuar em pesquisa, projetos, análises, perícias, fiscalização, emissão de laudos, pareceres e outros serviços nas áreas de meio ambiente, saúde e biotecnolo-gia.)

ReferenciasBibliográficas

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de competência definida no Decreto 5886 de 6 de Setembro de 2006. O texto original que está no Diário Oficial da União apresenta algumas relevâncias que justificam a criação do Ministério. As mesmas perpassam, dentre outras questões, a responsabilidade do Governo/Estado sobre os impactos dos avanços tecnológicos e a justificativa de que a criação do Ministério é o caminho para uma política que atenda os interesses econômicos, sociais e políticos da sociedade brasileira. Conforme citado acima sobre as justificativas de criação, o MCT passa então a ter algumas áreas de competências, sendo estas dividas em três: I - patrimônio científico e tecnológico, e seu desenvolvimento; II - política de ciência e tecnologia; III - política nacional de informática. Para a atuação do Ministério, sua estrutura organizacional é fragmentada em quatro Secretarias que tem por função gestionar e executar as principais ações e programas, sendo todas estas subordinadas a Secretaria Executiva.

1. Secretaria de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento (SEPED); 2. Secretaria de Ciência e Tecnologia para Inclusão

Social (SECIS); 3. Secretaria de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação (SETEC)4. Secretaria de Política de Informática (SEPIN)

Nota-se, com tal divisão, que este Ministério está totalmente ligado à área tecnológica de desenvolvimento, que não se concretiza em uma política de desenvolvimento da população, mas sim um enriquecimento da burguesia em detrimento dos trabalhadores. A transferência da SESU do MEC para o MCT tem um interesse político ligado a este fato e com base na desigualdade social, e qual é a intenção desta transferência? A transferência da gestão do ensino superior do Ministério da Educação (MEC) para o Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) é proposta pelo senador Cristovam Buarque (PDT – DF), através do Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 518 de 2009. Neste projeto, como já dito, transfere-se a competência do ensino superior para o MCT, reconfigurando as atribuições do mesmo e transformando o MEC em Ministério da Educação de Base. A ideia do projeto vem no sentido de priorizar a educação básica, para que a mesma venha a ser, de fato, o foco deste momento histórico do Brasil. De acordo com o relatório apresentado pelo Senador Cristovam Buarque, as carências no ensino básico interferem diretamente na vida profissional dos cidadãos brasileiros, por isso o foco de investimentos deve ser a educação básica. Ainda de acordo com o Senador, o MEC concentra todas as competências ligadas à educação brasileira. Mas, mesmo assim, a educação básica fica relegada a segundo plano, no campo dos investimentos – não só financeiros, mas de estudos, pesquisas universitárias e atenção governamental – uma vez que a estrutura da educação superior, sua exposição na mídia, consequente poder político, ligação com a elite, etc. acabam por exercer um poder maior dentro do ministério, desviando a atenção do ensino básico. Por vezes, vemos posições e visões como as agora citadas e se não buscarmos a essência, se

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ficarmos só na aparência, não conseguiremos entender o pano de fundo de tal proposta. Uma contradição que podemos perceber é o fato de o ensino básico estar carente, não só de financiamento, mas de pesquisas universitárias e atenção governamental. Ora, isso se dá apenas pelo poder das elites e por estas priorizarem a universidade? Se assumirmos que sim, mesmo assim, a proposta não se justifica. Se o ensino básico hoje é prejudicado pelo poder das elites, o que está em questão é o próprio poder das elites (e o que elas vem formulando politicamente) e não o fato de tal setor da sociedade estar em um ministério ou outro. O segundo ponto em relação a isso é vermos, como citado no argumento, que o ensino superior está em desconexão com o ensino básico. De fato, ele está. Mas, será que é o colocando em um ministério separado da educação básica que esta desconexão será resolvida? Se estando no mesmo ministério, o que facilita a relação e a comunicação, existe um descompasso, distanciando os dois mais ainda, qual a perspectiva de que esta problemática se resolva? Entendemos que existe uma enorme contradição na proposta e na própria argumentação. Partilhamos da ideia de que o ensino básico público deve se tornar prioridade, inclusive para que ele seja de fato universal e não apresente deficiências em relação ao ensino privado, mas temos sérias dúvidas se este caminho é o melhor para que isso seja efetivado. De acordo com a proposição, as áreas de competência de cada ministério seriam as seguintes:

Ministério da Ciência e Tecnologia: a) política nacional de pesquisa científica e tecnológica;b) planejamento, coordenação, supervisão e controle das atividades da ciência e tecnologia;c) política de desenvolvimento de informática e automação;d) política nacional de biossegurança;e) política espacial;f) política nuclear;g) controle da exportação de bens e serviços sensíveis;h) política nacional de educação superior;i) educação superior;j) pesquisa e extensão universitária;l) magistério do ensino superior.m) avaliação, informação e pesquisa educacional referentes à educação superior.Ministério da Educação: a) política nacional de educação básica, compreendendo ensino fundamental e ensino médio, educação de jovens e adultos, educação profissional, educação especial e educação a distância, exceto ensino militar; b) educação infantil;

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c) educação básica;d) avaliação, informação e pesquisa educacional referentes à educação básica;e) magistério da educação básica; f) assistência financeira a famílias carentes para a escolarização de seus filhos ou dependentes.

O texto do senador Cristovam Buarque começou a tramitar na Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática em fevereiro de 2010, tendo parecer aprovado em setembro de 2011. Nesta comissão, os relatores foram os senadores Flávio Arns (PSDB - PR), Luiz Henrique (PMDB – SC) e Ricardo Ferraço (PMDB – ES). O PLS 518/2009 está atualmente na Comissão de Educação, Cultura e Esporte, sendo relatado pelos senadores Morazildo Cavalcanti (PTB – RR) e Armando Monteiro (PTB – PE). O texto também será revisto na Comissão de Constituição e Justiça, em caráter terminativo.Para que uma ideia/ideologia seja propagada, necessita-se de ferramentas e meios para divulgá-la. A sociedade na qual estamos inseridos se utiliza de meios como a mídia, por ser um meio que atinge uma gama considerável da sociedade, com a finalidade de educá-las, sendo na realidade um

processo de adestrando da população. Outro meio muito conhecido e formal de educação se concretiza na escola, sendo que uma minoria da sociedade não tem acesso à mesma.Sendo a escola um espaço de passar uma ideia em massa, o capitalismo se apropria totalmente dela, incumbindo a ideia de uma educação voltada para o mercado de trabalho, sem espaço para questionamentos e para o diálogo.A sociedade hegemonicamente sendo educada desta maneira, acaba por se alienar dos verdadeiros processos sociais, fato que a burguesia ostenta, que ao mesmo tempo provoca uma exclusão da classe trabalhadora.A universidade não está por fora de todo este processo de educação. Neste sentido, quando há uma proposta de fragmentação da educação, não sendo somente o MEC a assegurar as políticas educacionais, passando também para o MCT, que está no viés produtivista da sociedade, resta o questionamento, qual é a intenção desta proposta? Será um benefício para classe trabalhadora? E nós, estudantes, que também comporemos, ou já compomos a classe trabalhadora? Como ficamos nisso tudo?

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A caneta e a enxadaCapitão Balduino, Teddy Vieira e Vieirinha

Certa vez uma caneta foi passear lá no sertãoEncontrou-se com uma enxada, fazendo uma plantação.A enxada muito humilde, foi lhe fazer saudação,Mas a caneta soberba não quis pegar na sua mão.E ainda por desaforo lhe passou uma repreensão.Disse a caneta pra enxada não vem perto de mim, nãoVocê está suja de terra, de terra suja do chãoSabe com quem está falando, veja sua posiçãoE não se esqueça a distância da nossa separação.Eu sou a caneta douradaque escreve nos tabeliãoEu escrevo pros governosa lei da constituiçãoEscrevi em papel de linho,pros ricaços e pros barãoSó ando na mão dos mestres,dos homens de posição.A enxada respondeu:de fato eu vivo no chão,Pra poder dar o que comere vestir o seu patrãoEu vim no mundo primeiro,quase no tempo de AdãoSe não fosse o meu sustentoninguém tinha instrução.Vai-te caneta orgolhosa,vergonha da geraçãoA tua alta nobrezanão passa de pretensãoVocê diz que escreve tudo,tem uma coisa que nãoÉ a palavra bonita que se chama educação!

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