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ISBN: 978-85-99907-05-4 I Simpósio Mineiro de Geografia – Alfenas 26 a 30 de maio de 2014 1183 FORMAÇÃO SÓCIOTERRITORIAL E POPULAÇÃO NO MUNÍCIPIO DE SÃO CARLOS-SP: CONTRADIÇÕES INERENTES AO “DESENVOLVIMENTO” Felipe Lehnenn Osório [email protected] Graduação em Geografia Universidade Federal de Uberlândia Carlos Roberto Bernardes de Souza Júnior [email protected] Graduação em Geografia - Universidade Federal de Uberlândia Resumo São Carlos-SP é um munícipio com características próprias dentro do padrão brasileiro, se destaca como polo tecnológico e industrial, atraindo grandes contingentes de migrantes, principalmente nordestinos. Buscamos analisar as características desta população visando a compreensão das contradições inerentes ao desenvolvimento econômico, para tanto tentamos fazer uma análise conjunta da formação sócioterritorial do munícipio. Através do uso dos dados estatísticos disponibilizados pelo IBGE e DATASUS pudemos perceber como estes podem mascarar a realidade social, já que as visitas a campo nos mostraram suas contradições. Também pudemos perceber como as universidades influenciam a área em seu entorno e geram atividades diretas e indiretas que modificam as interações dos sujeitos sociais. Abstract São Carlos-SP is a city with unique characteristics amongst the Brazilian standards, being a well-known technological and industrial pole, which attracts large contingents of migrants, mainly northeasters. We try to analyze the main characteristics of this population in order to comprehend the contradictions that are inherent to the economic growth, to do so we attempt to make a combined analysis of the socioterritorial formation of the city. Using statistical data provided by IBGE and DATASUS we could perceive how those can mask the social reality, seen as our camp research showed its contradictions. We also had the opportunity to notice how the universities exert influence over its area, generating activities (in)directly that modify the social subjects’ interactions. Palavras-Chaves: São Carlos; Formação Sócioterritorial; População. Keywords: São Carlos; Socioterritorial Formation; Population. Eixo 8: Geografia Urbana Introdução São Carlos nasceu em meio a povoações do século XVIII, as quais surgiram devido ás constantes rotas bandeirantistas que por lá passavam em seu caminho até as minas de Cuiabá e Goiás. Oficialmente tem-se a criação da sesmaria do Pinhal como o marco primeiro do povoamento da região. Este se intensificou em 1857, quando havia algumas casas no entorno da capela. Em 1865 é elevada à categoria de vila, tendo sua câmara

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ISBN: 978-85-99907-05-4 I Simpósio Mineiro de Geografia – Alfenas 26 a 30 de maio de 2014

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FORMAÇÃO SÓCIOTERRITORIAL E POPULAÇÃO NO MUNÍCIPIO DE SÃO CARLOS-SP: CONTRADIÇÕES INERENTES AO

“DESENVOLVIMENTO”

Felipe Lehnenn Osório [email protected]

Graduação em Geografia – Universidade Federal de Uberlândia

Carlos Roberto Bernardes de Souza Júnior [email protected]

Graduação em Geografia - Universidade Federal de Uberlândia

Resumo

São Carlos-SP é um munícipio com características próprias dentro do padrão brasileiro, se destaca como polo tecnológico e industrial, atraindo grandes contingentes de migrantes, principalmente nordestinos. Buscamos analisar as características desta população visando a compreensão das contradições inerentes ao desenvolvimento econômico, para tanto tentamos fazer uma análise conjunta da formação sócioterritorial do munícipio. Através do uso dos dados estatísticos disponibilizados pelo IBGE e DATASUS pudemos perceber como estes podem mascarar a realidade social, já que as visitas a campo nos mostraram suas contradições. Também pudemos perceber como as universidades influenciam a área em seu entorno e geram atividades diretas e indiretas que modificam as interações dos sujeitos sociais. Abstract

São Carlos-SP is a city with unique characteristics amongst the Brazilian standards, being a well-known technological and industrial pole, which attracts large contingents of migrants, mainly northeasters. We try to analyze the main characteristics of this population in order to comprehend the contradictions that are inherent to the economic growth, to do so we attempt to make a combined analysis of the socioterritorial formation of the city. Using statistical data provided by IBGE and DATASUS we could perceive how those can mask the social reality, seen as our camp research showed its contradictions. We also had the opportunity to notice how the universities exert influence over its area, generating activities (in)directly that modify the social subjects’ interactions. Palavras-Chaves: São Carlos; Formação Sócioterritorial; População.

Keywords: São Carlos; Socioterritorial Formation; Population.

Eixo 8: Geografia Urbana

Introdução

São Carlos nasceu em meio a povoações do século XVIII, as quais surgiram devido

ás constantes rotas bandeirantistas que por lá passavam em seu caminho até as minas de

Cuiabá e Goiás. Oficialmente tem-se a criação da sesmaria do Pinhal como o marco

primeiro do povoamento da região. Este se intensificou em 1857, quando havia algumas

casas no entorno da capela. Em 1865 é elevada à categoria de vila, tendo sua câmara

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municipal emancipada. Em 1880 a vila passa a ser reconhecida como cidade e em 1886

tem uma população de 16.104 habitantes, número expressivo, comparado aos 6.897 de

1874.

Durante este período a economia cafeeira foi essencial para o munícipio, sendo este

o seu principal produto de exportação desde 1840. Tal foi a importância deste que o brasão

do munícipio é cercado por dois ramos de café. Em 1884 esta atividade se intensifica por

conta da chegada da ferrovia, a qual acelerava os fluxos para a reprodução desta economia

ao passo em que colaborava para a construção de uma rede mais eficiente, pois conectava

a produção ao porto de Santos. Esta ferrovia também ajudou a consolidar o centro urbano

em meio à região, principalmente politicamente.

Sendo assim, neste período, se pudéssemos voltar no tempo, observaríamos uma

população rica em homens de cor: trabalhadores escravos que eram a principal mão de

obra destes cafezais. Com a abolição da Escravatura em 1888 e o início das políticas de

subsidio à imigração (as quais se intensificaram entre 1880 e 1904), o perfil étnico desta

população foi se alterando consideravelmente, tal como visto em Monsma (2010). O fluxo

mais intenso de imigrantes veio na primeira metade dos anos 1890, pois em 1907 a cidade

já estava fora da expansão da fronteira cafeeira, tendo a maior parte dos seus cafezais já

plantados (MONSMA, 2010).

A maioria dos imigrantes eram italianos, tal qual podemos ver na TABELA 1. É

interessante perceber a velocidade com que a população destes aumenta, refletindo uma

tendência presente em todo o oeste paulista. Estes tinham tamanho destaque em São

Carlos que a cidade era sede de um vice-consulado do governo italiano. Boa parte destes

trabalharam nas grandes lavouras cafeeiras até 1929, quando a crise faz com que a

atividade se torne insustentável. A partir deste momento os imigrantes passam a atuar em

outras atividades.

TABELA 1: Mudanças na população de São Carlos, 1886-1907.

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FONTE: MONSMA, 2010, p.513.

A industrialização de São Carlos se fez com o capital advindo da exploração da

mais-valia destes trabalhadores negros (assalariados ou em regime de colonato, já

não mais escravos) e imigrantes na economia cafeeira. Os grandes latifundiários

foram responsáveis pela construção de grande parte da infraestrutura urbana do

munícipio para propiciar o desenvolvimento de novas atividades.

Entre os anos de 1930 e 1940 houve um intenso fluxo de migrantes de outras

regiões para o estado de São Paulo, motivados particularmente pela industrialização e

urbanização. Durante a década de 1950, São Carlos já pode ser considerada como

um centro manufatureiro relevante não somente entre as cidades do interior do estado

de São Paulo, como também no cenário nacional.

Em abril de 1953 é implantada a Escola de Engenharia de São Carlos, a qual

viria a se tornar a USP (Campus São Carlos). Na década de 1970 é instalada a

UFSCar. Estas duas universidades foram responsáveis por impulsionar a cidade rumo

ao crescimento econômico, tecnológico e educacional. Seguido a isso houve a

instalação de várias empresas médias e pequenas, assim como algumas grandes.

Tanto as fornecedoras de produtos quanto as de serviços se interessam pelo espaço

da cidade.

Também é importante ressaltarmos o papel da Fundação Parque de Alta Tecnologia

de São Carlos (ParqTec), a qual foi instalada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento

Científico e Tecnológico (CNPq) em 1984, tendo como fim do desenvolvimento regional e a

melhoria na logística. Segundo o portal de notícias G1 (2012) é a cidade com mais doutores

por habitante no Brasil, sendo 1.7 mil doutores para os 221.950 habitantes, algo próximo de

um para cada 135 habitantes. A média nacional é de um doutor para cada 5.423 habitantes,

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ou seja, São Carlos tem um diferencial muito relevante. Outro reflexo disso é que a cidade

tem 15 patentes para cada 100.000 habitantes, enquanto a média nacional é 3 por 100.000,

segundo dados do Instituto Nacional da Propriedade Intelectual.

As principais indústrias que estão instaladas em São Carlos são a Volkswagen,

Tecunseh, FaberCastell e Eletrolux. Cerca de 200 empresas são consideradas como

pertencentes a indústrias de ponta. Existem também, várias empresas dos setores de

desenvolvimento de materiais e de ótica. Entre as de menos tecnologia temos várias

fábricas de produtos têxteis, tais como toalhas, produção na qual a cidade se destaca.

Estas ocupam um papel muito importante no município, tal qual elencado na tabela

abaixo.

TABELA 2: Dados relativos às empresas em São Carlos-SP

Importância das Empresas privadas em São Carlos-SP

Número de empresas atuantes 10.667 Unidades

Número de unidades locais 11.035 Unidades

Pessoal ocupado assalariado 73.820 Pessoas

Pessoal ocupado total 88.439 Pessoas

Salário médio mensal 3,5 Salários mínimos

Salários e outras remunerações 1.776.257 Mil Reais

FONTE: IBGE, 2011.

Percebemos por meio desta que as empresas privadas são grandes

empregadoras no município, oferecendo salários médios de 3,5 salários mínimos.

Aprofundando um pouco com a experiência empírica podemos verificar que isto não

se reflete em sua integridade no território. O número de empregos informais gerados é

desconsiderado, assim como o fato de alguns dos mais qualificados aumentarem o

valor geral da média.

Como pudemos verificar em campo, o grande problema é que a grande massa

dos trabalhadores são operários que ganham salários mínimos ou menos em postos

informais e trabalham fazendo horas extras frequentes, enquanto uma pequena parte

são funcionários especializados que ganham grandes salários e trabalham menos

horas. As condições de trabalho não são as mesmas, assim como os operários não

conseguem ser tão competitivos no mercado e são postos como empregados cativos

pelas empresas, as quais conseguem, portanto, manter o salário de forma a propiciar

maior apropriação de mais-valia.

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Fundamentação teórica

A análise dos dados demográficos faz-se como um aporte essencial para a

geografia na medida em que nos confere meios para a compreensão dos processos

que se dão no meio social e se materializam no território (DAMIANI, 2013). Tentamos

entender as contradições inerentes ao processo de desenvolvimento capitalista, assim

como as maneiras pelas quais estas se mascaram nos discursos. Propomo-nos tentar

desvendar as condições sociais e a estrutura da população da cidade de São Carlos-

SP. Neste trabalho tentaremos entender como alguns destes dados se correlacionam

e se espacializam no movimento da realidade.

Para tanto utilizamos a categoria analítica território, a qual ganha importância

incialmente na geografia Ratzeliana, onde é vista como uma manifestação do espaço

vital (GOMES, 2010). Esta ganha destaque no Brasil a partir dos anos setenta, com o

advento das correntes humanistas e críticas que houve uma renovação dos estudos

do Território (GOMES, 2010). Na última, esta se torna a categoria essencial dos

estudos, por a chave para analisar os processos do capital, principalmente no que

tange às suas contradições.

O território é também uma escala de análise, mas não deve ser visto apenas

como substrato material das relações sociais, deve ser encarado como reflexo e

construção da sociedade no espaço. Logo, devemos considerar que o território é uma

categoria relacional, que só existe na medida em que o jogo de poder, ou seja, os

processos de exclusão e rarefeção dos discursos (FOUCAULT, 2012) se

espacializam. O território é denso, contraditório, é a escala de ação política, mas o

essencial é que sua “síntese está no homem, ser genérico e histórico, natural e social,

concomitantemente” (SAQUET, 2013, p.173).

Sendo assim, tentamos fazer uma análise territorial da cidade de São Carlos através

dos dados estatísticos coletados pelo IBGE. São Carlos está localizada no estado de São

Paulo, na mesorregião de Araraquara. A cidade está delimitada pelas coordenadas:

47º30´W e 48º30´W, 21º30´S e 22º30´S. Sua localização é privilegiada, pois é praticamente

o centro geográfico do estado. A vegetação é arbórea nas áreas férteis de mata atlântica e

arbustiva nas zonas de cerrado. O clima é considerado temperado de altitude, apresentando

duas estações claramente delimitadas: um verão chuvoso e um inverno seco

(PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO CARLOS, 2014). A área total do município é de

1.137,332 km².

MAPA 1: Localização da Cidade de São Carlos-SP.

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FONTE: Fundação Wikimédia, acesso em quatro de fevereiro de 2014 <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/8/82/SaoPaulo_Municip_SaoCarlos.svg/800px-SaoPaulo_Municip_SaoCarlos.svg.png>

A cidade é conhecida por ser um polo econômico de grande relevância para o

país, muito por conta da presença de duas universidades importantes: a Universidade

de São Paulo (USP) e a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), as quais tem

como foco a formação de profissionais na área de ciências exatas. Além disso, tem

duas unidades da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), se

configurando, portanto como um polo de pesquisa e ensino.

Metodologia

Busca-se analisar os dados disponibilizados pelo IBGE, tanto através da

plataforma “Cidades”, quanto do “Sistema IBGE de Recuperação Automática

(SIDRA)”, para perceber as contradições que se manifestam no território da cidade de

São Carlos-SP. Para tanto, partimos de uma perspectiva materialista-histórica-

dialética, tentando elaborar uma visão crítica dos dados.

Complementarmente, foi realizada busca bibliográfica e trabalho de campo com

o intuito de aprofundar a discussão, de forma a não nos prendermos no espaço pelo

espaço ou na estatística pura. Sendo assim, tentamos compreender o espaço através

de seus usos, partindo da compreensão que o essencial não é aquilo que se mostra,

mas os processos que se colocam por trás.

Objetivos

Compreender sucintamente a formação e a lógica territorial do município de

São Carlos, localizado no estado federativo de São Paulo, Brasil, através de análises

dos dados estatístico-populacionais disponibilizados pelo IBGE. Para tanto, busca-se

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compreender as bases históricas da atual formação sócioterritorial do munícipio,

analisar a população e suas dinâmicas, correlacionar tais dados com a infraestrutura e

e entender as manifestações e os efeitos das contradições inerentes ao processo

capitalista no território.

Compreensões gerais acerca do desenvolvimento recente

Entre os anos de 1991 e 2010 temos um gradativo aumento da população o

município, onde esta passa de 158.221 para 221.950, configurando um crescimento

explosivo que ocorre, possivelmente, devido ao atrativo industrial da cidade. Por conta do

alto padrão de vida proporcionado e do city marketing o munícipio se tornou alvo de

expressivo fluxo de migrantes. De acordo com nossas pesquisas de campo, grande parte

destes vindos da região Nordeste. Outro fator a ser levado em consideração acerca dos

anos 90 é a criação de diversos na UFSCar, os quais podem ter atraído um contingente

populacional flutuante que não é passível de ser visualizado nos dados.

TABELA 3: Evolução Populacional em São Carlos-SP, no estado de São Paulo e no Brasil.

São Carlos São Paulo Brasil

1991 158.221 31.588.925 146.825.475

1996 174.433 33.844.339 156.032.944

2000 192.998 37.032.403 169.799.170

2007 212.956 39.827.570 183.987.291

2010 221.950 41.262.199 190.755.799

FONTE: IBGE, 2010.

Em 2010 a população rural recenseada foi de 8.866, enquanto a urbana foi de

221.936, mostrando que é um munícipio que segue o padrão urbano brasileiro. A área

rural não é central para a economia de São Carlos, afinal se constitui como um polo

industrial e tecnológico. O número de filhos dos casais também tem diminuído

consideravelmente por conta do custo para sustenta-los. Também vemos que a

expectativa de vida tem melhorado por conta dos avanços da medicina, os quais têm

contribuído para uma modificação gradual da pirâmide etária.

GRÁFICO 1: Pirâmide Etária de São Carlos-SP, do estado de São Paulo e do Brasil.

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Ao comparar as tendências, podemos verificar que São Carlos está a frente

daquelas apresentadas pela nação. Através da análise das pirâmides etárias é

possível perceber que a população de São Carlos está a envelhecer lentamente, pois

a base da pirâmide é bem fina e a população economicamente ativa compõe ampla

maioria no momento. Parte deste fato se deve ao grande número de migrantes.

Encaramos que no futuro isto pode se apresentar como um problema, quando

esta população atingir a aposentadoria não haverá população economicamente ativa o

bastante para sustenta-la. Entretanto, devemos levar em consideração que este

“desbalanço” pode estar a ocorrer devido à presença das universidades e empresas.

Se a indústria continuar se expandindo e as universidades atraindo alunos é possível

que a pirâmide etária continue com a mesma composição na faixa da população

economicamente ativa, mas com o topo consideravelmente mais largo.

O Índice de Desenvolvimento Humano registrado no município em 2010 foi de

0,805, classificado como muito alto (PNUD). É um avanço em relação ao de 1991,

onde apresentava o valor de 0,620, que seria classificado como médio (PNUD). O

Índice de Desenvolvimento Humano Municipal não funciona da mesma maneira

daquele que se aplicam aos países, os fatores que são levados em consideração são

a longevidade, a renda e a educação.

Analisemos então um dos fatores centrais em São Carlos: a renda dos

habitantes. Além disso, podemos verificar que o PIB per capita registrado em 2011 foi

de R$ 26.634,32, sendo que o do Brasil na mesma época foi de R$ 21.252,00 (IBGE).

Mesmo que a renda esteja consideravelmente acima da média brasileira,

temos que levar em consideração que o IDHM também é calculado em função da

qualidade da educação. A educação é central por conta do seu papel na formação do

cidadão, sendo chave para a eliminação da desigualdade social, afinal dá aos sujeitos

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meios para superarem suas condições sociais. Em termos quantitativos, em 2012

foram registradas 27.625 matrículas no Ensino Fundamental e 9.430 no Ensino Médio

em São Carlos.

Porém estes dados não nos dizem muita coisa, recorremos então a outro dado, o

qual se refere um pouco mais à realidade do ensino, as médias das escolas no Exame

Nacional do Ensino Médio de 2012. Através dos dados disponibilizados é possível perceber

que as médias das escolas, tanto públicas quanto privadas, estão próximas ou acima

daquelas alcançadas a nível nacional, sendo esta 513,82 (INEP, 2013). Destarte, podemos

considerar que o ensino em São Carlos está em um patamar bem elevado em relação ao

resto do país. Mesmo assim, é inegável a existência de um abismo entre as médias das

escolas públicas e privadas. A disparidade é tão grande que não houve sequer uma escola

pública que conseguiu uma média acima dos 600 pontos, algumas tiveram dificuldades até

para chegar as 500 pontos, enquanto não há uma escola particular abaixo desta última

média.

Mesmo assim, ao analisar a escolaridade da população atual (como podemos

verificar no gráfico abaixo) podemos perceber que a grande maioria da população

completou ao menos o ensino médio. É possível, portanto, considerar que a mão de

obra é qualificada o bastante ao menos para o exercício de suas funções fabris.

Entretanto, é necessário que seja entendido que uma parcela da população não

possui sequer o ensino fundamental completo, sendo relegada, possivelmente, a

serviços de baixa seguridade social, ou empregos informais, tais como diaristas,

garçons e outras funções geradas indiretamente pelas universidades e empresas.

GRÁFICO 2: Escolaridade da população de 15 anos ou mais em São Carlos-SP de

acordo com o Censo 2010.

FONTE: IBGE, 2010.

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As duas universidades com certeza influenciam no fato, pois ambas são

classificados como polos de excelência em suas respectivas áreas. A USP de São

Carlos, particularmente, é um centro de referência internacional, principalmente no que

refere aos estudos de automação. Portanto é inegável que eles elevam o patamar do

ensino (mesmo que a nível superior) no município, pois a própria existência dos

professores e os constantes alunos que se formam compõem um universo de

profissionais extremamente qualificados.

No que concerne longevidade, entram uma série de fatores, dentre eles

destacamos a qualidade da saúde pública na cidade. Na tabela abaixo podemos

discernir quais os hospitais e a respectiva quantidade de leitos, assim como a

quantidade destes disponibilizados para o Sistema Único de Saúde (SUS). Através

dela percebe-se que o número de leitos destinados à Saúde pública é praticamente a

metade do total disponível, o que está mais perto do ideal do que em muitas cidades

brasileiras. Porém, é importante lembrarmos que este dado não é qualitativo, pois de

nada adianta vários leitos se o atendimento não for adequado.

TABELA 4: Relação dos hospitais, leitos totais disponíveis e quantos destes estão disponíveis para o SUS.

Hospital Leitos SUS

Casa de saúde 13 0 Hospital Escola Municipal prof. Dr. Horácio Carlos Panepucci 18 18

Hospital Unimed São Carlos 16 0 Santa Casa de São Carlos 99 60

FONTE: DATASUS, 2012.

Entretanto conseguimos perceber a importância da UFSCar para a cidade, pois

o curso de medicina ofertado por esta oferece assistência a toda São Carlos e

microrregião homônima. A presença de professores doutores que além de atenderem

a comunidade também realizam projetos de pesquisa e extensão colabora para a

melhora da qualidade do serviço ofertado.

Na experiência empírica pudemos verificar que o serviço de saúde público é de

qualidade, surpreendendo às expectativas. A infraestrutura é mais adequada do que a

da maioria das cidades brasileiras e o atendimento por parte dos profissionais é de

qualidade, mesmo que muitos dos médicos sejam recém-formados.

A mortalidade no munícipio tem aumentado gradativamente quando

observamos apenas os números absolutos, entretanto em uma análise minimamente

mais criteriosa percebemos que acompanha o crescimento vegetativo da cidade.

Como podemos ver no gráfico abaixo ela tem se mantido estável na última década,

sem grandes alterações, ela segue o padrão da microrregião.

GRÁFICO 4: Número de Óbitos segundo abrangência e ano.

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Sendo assim, justifica-se o crescimento do IDHM em São Carlos, pois foram

justamente os dados que são levados em consideração para a formulação destes

aqueles que mais tiveram melhorias nos últimos vinte anos. Entretanto, percebemos

que tais dados não são suficientes para revelarem as contradições sociais existentes

no município. O IDHM não tem a capacidade de desvelar as desigualdades que se

manifestam no território.

Contradições e (des)igualdades

Para realizarmos a análise das contradições que se manifestam no território

utilizaremos do índice de Gini, o qual traduz a concentração de renda. Para tanto ele

considera “zero” como a completa igualdade de renda e “um” como a completa

desigualdade, onde apenas uma pessoa retém toda a renda. Por exemplo, o índice do

Brasil em 2001 era de 0,553 e em 2012 passou para 0,519, o que significa que

diminuiu consideravelmente a disparidade entre pobres e ricos. Entretanto, a Hungria,

por exemplo, em 2009 apresentou um índice de 0,247. Portanto, ainda estamos longe

do ideal, países menos economicamente desenvolvidos que o nosso, tal como a

Argentina, apresentam um índice melhor (no caso 0,458 segundo análise de 2009).

GRÁFICO 7: Índice de Gini de São Carlos-SP entre 1991 e 2010.

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FONTE: DATASUS, 2010.

Levando isso em consideração, analisamos a evolução do Índice de Gini

municipal de São Carlos. Podemos ver que após anos 1990 ele aumenta

estrondosamente por conta da chegada dos migrantes nordestinos. Destarte, há uma

reestruturação da lógica territorial do munícipio, onde este consegue se recuperar da

situação durante os anos 2000, principalmente por conta do impulso econômico que

ocorre no país como um todo. Este índice reflete as mudanças na estrutura

populacional do munícipio durante as últimas duas décadas. Tentaremos então

perceber quais os fatores que influenciaram e influenciam na desigualdade da renda

em São Carlos. Para tanto, consideremos as taxas de desemprego no munícipio.

GRÁFICO 8: Taxa de desemprego em São Carlos entre 1991 e 2010.

FONTE: DATASUS, 2010

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A indústria não conseguiu absorver toda a mão de obra, o que levou a uma

taxa de desemprego muito maior do que o convencional, principalmente ao

considerarmos que os anos 1990 foram muito prósperos economicamente.

Entretanto os dados a primeira vista são contraditórios, pois praticamente todos

os outros números têm apresentado melhorias nos últimos vinte anos. Tomemos por

exemplo a proporção de pessoas com baixa renda (a qual é considerada como um ou

dois salários mínimos) apresentada no gráfico abaixo. Ela se estreita drasticamente no

final dos anos 1990.

GRÁFICO 9: Proporção de Pessoas com baixa renda em São Carlos-SP entre 1991 e 2010.

FONTE: DATASUS, 2010.

Se olharmos meramente de forma superficial não conseguiremos entender como o

desemprego aumentou, mas a proporção de pessoas com baixa renda diminuiu. Destarte,

temos de lembrar que em 1994 foi instituído o plano Real por Fernando Henrique Cardoso,

este estabilizou a economia nacional e fez com que ela se aquecesse. Logo, a remuneração

dos empregos melhorou substancialmente, fazendo com que boa parte das pessoas que

estão classificadas como baixa renda neste período na realidade fossem os

desempregados e profissionais informais.

É importante, portanto, que consideremos as dinâmicas territoriais do período para

conseguirmos ir para além das explicações do óbvio. Esta dedução partiu do conhecimento

empírico adquirido pela vivência dos autores em combinação com um olhar histórico-

geográfico, pois não conseguimos encontrar nada que explicasse este processo particular

de São Carlos em periódicos ou livros.

No entanto é inegável que os dados refletem desigualdades que ainda estão

presentes na cidade. Por exemplo, por mais que o abastecimento de água e esgoto sejam

quase integrais(DATASUS, 2000), ainda existem moradores que não tem sequer a mínima

infraestrutura sanitária, vivendo em condições abaixo daquelas de grande parte da

população.

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A incidência da pobreza no munícipio em 2003 foi registrada com valor de 12,8%,

atingindo uma parcela significativa da população (IBGE, 2003). Contudo, quando olhamos

para o valor da pobreza subjetiva, ou seja, daqueles que se consideram como tais,

verificamos que cai para 9,29% (IBGE, 2003), concluímos que isto se deve ao fato de que a

infraestrutura urbana se adequa à necessidade de muitos ao ponto de conseguirem viver

bem com menos.

Considerações finais

Verificamos ao longo deste trabalho que mesmo em um munícipio diferenciado

da realidade brasileira, tal qual é São Carlos, ainda persistem contradições sociais

decorrentes do modo capitalista de produção. Por mais que os dados nos mostrem

que a cidade tem se desenvolvido, algumas disparidades sociais continuam,

comparemos a titulo de exemplo o bairro Cidade Aracy com um condomínio fechado

como o Damha.

FOTO 4: Casa em Cidade Aracy, São Carlos-SP.

FONTE: Google StreetView, acesso em 04 de Fevereiro de 2014.

FOTO 5: Portaria do Condomínio de Luxo Damha I.

FONTE: Google StreetView, acesso em 04 de Fevereiro de 2014.

ISBN: 978-85-99907-05-4 I Simpósio Mineiro de Geografia – Alfenas 26 a 30 de maio de 2014

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Através da análise da paisagem podemos entender o espaço como um

palimpsesto, um mosaico de acumulações desiguais de tempos. A FOTO 4 parece ser

extraída de um passado distante, quando na realidade é contemporânea à FOTO 5.

Que há um desenvolvimento decorrente da instalação das industrias e da aceleração

dos fluxos do capital no território é algo inegável, entretanto, devemos nos questionar:

quem realmente se beneficia deste “desenvolvimento”?

A riqueza capitalista é produzida em cima da apropriação do trabalho alheio, ou

seja, da mais-valia e isto se espacializa nas diferenças sócioterritoriais como as aqui

propostas. O território não existe apenas para aqueles que detém o poder, temos de

pensa-lo na medida em que afeta o cotidiano daqueles que realmente produzem nele,

nos que factualmente o usam.

Por mais que o operário seja a fonte de todo o desenvolvimento da cidade, ele

nem sempre consegue ter acesso a tudo que ele batalhou para construir, mesmo que

inconscientemente. O território é usado pelo capital tanto quanto pelos sujeitos sociais,

mas é o primeiro que realmente se beneficia dele mais efetivamente. Porém, existem

(re)ações, os homens não ficam parados no tempo e no espaço.

A análise populacional é uma possibilidade rica para a geografia a partir do

momento em que não nos prendemos apenas na demografia, quando passamos a

tentar entender os fenômenos no processo da realidade. O presente trabalho pode

elucidar questões referentes às diversas formas como a população é resultado das

relações da infraestrutura com a superestrura, mas que também as afetam.

Se não fosse pelos imigrantes nordestinos dos anos 1990 São Carlos poderia

ter se tornado uma cidade diferente no presente, entretanto as lógicas do

ordenamento territorial brasileiro e as desigualdades regionais promoveram um fluxo

migratório que desestruturou o munícipio. Ver estas interações entre os sujeitos e o

espaço, tentando entende-las nas diversas escalas de ação é o papel do geografo na

sociedade, pois é a partir disso que poderemos lutar por um mundo mais justo.

Referências bibliográficas

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PREFEITURA DE SÃO CARLOS-SP

<http://www.saocarlos.sp.gov.br/index.php/historia-da-cidade/115269-historia-de-sao-

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