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Nº 5 ! Dezembro de 2002 Av. Brasil 4036/515, Manguinhos Rio de Janeiro, RJ ! 21040-361 A NOAS Tintim por tintim MEDICAMENTOS Seminário discute Acordo Trips CEBES e ABRASCO “Em defesa da saúde dos brasileiros” FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM SAÚDE Mudanças na Graduação dependem de políticas de educação e de saúde

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N º 5 ! D e z e m b r o d e 2 0 0 2

Av. Brasil 4036/515, ManguinhosRio de Janeiro, RJ ! 21040-361

A NOASTintim por tintim

MEDICAMENTOSSeminário discuteAcordo Trips

CEBES e ABRASCO“Em defesa dasaúde dosbrasileiros”

FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM SAÚDE

Mudanças na Graduaçãodependem de políticasde educação e de saúde

memóriamemóriamemóriamemóriamemória

Primeira página

Em vinte anos de existência, o Radis passou por muitasmudanças. As primeiras revistas — Tema, Dados e

Súmula —, publicadas em julho de 1982, apresentam omesmo projeto editorial e gráfico. Em 1986, cada umadelas ganha identidade própria, ganhando fontes dife-renciadas, fotos e ilustrações. No ano seguinte, é pu-blicado o primeiro número do Proposta, o jornal daReforma Sanitária. Esse ganha uma nova ‘cara’, emabril de 1994, quando é substituído pelo Jornal do Radis.Hoje, publicamos a RevistaRadis, com maior flexibilidadegráfica e editorial, que reúneas propostas das publicaçõesanteriores e já mostra suapersonalidade própria.

Memória 2

! Primeira Página

Editorial 3

! Aposta no imponderável

Caco 3

Cartas 4

Homenagens 4

! Radis é homenageado em São Paulo! Fiocruz recebe Prêmio Unesco porcontribuição à ciência

Súmula da Imprensa 5

Cebes/Abrasco 7

! Em defesa da saúde dos brasileiros

Fome 8

! Eliminar a desnutrição é prioridadedo governo Lula

Tema Especial 9Formação Profissional

! Graduação: é preciso mudar! As diretrizes curriculares para aárea da Saúde! Promed, Pólos de Capacitação,Pits, Rede Unida e mecanismos deavaliação

Noas 17

! Normas Operacionais: o que são?Como funcionam?

Medicamentos 20

! Seminário discute o Acordo Trips e oacesso a medicamentos

Aids e Ética em Pesquisa 21

! Propagação da Aids e a ética napesquisa com vacinas na África

Serviços 22

Pós-Tudo 23

! História de Ano Novo

Ora, Pílulas... 23

Nº 5 — Dezembro de 2002

editorialeditorialeditorialeditorialeditorial

Capa: Aristides DutraAgradecimentos a Nice de Paula e SimoneCataldo

Vivemos um longo tempo de passividadee cumplicidade da política e da eco-

nomia do país diante da desigualdade soci-al interna e do desequilíbrio entre paísescentrais e periféricos, que trouxeram re-flexos diretos à saúde e qualidade de vidada população brasileira. Se confirmada aperspectiva de encerramento deste ciclo,a partir de 2003, estarão abertas as pos-sibilidades de se garantir, com maior par-ticipação da sociedade, direitos sociais,justiça e ampla cidadania.

A Fiocruz tem o papel de inovar naciência e no desenvolvimento científico,ajudando o país a superar a subordinaçãotecnológica e a enfrentar os desafios desua dívida social interna. Tem também umcompromisso orgânico com o aprimoramen-to e humanização do Sistema Único de Saú-de, que ajudou a idealizar e implementar.

Em carta aberta distribuída no finaldeste ano, reforçando documento-com-promisso do Conselho Nacional de Saúdepela “consolidação” do SUS, a AssociaçãoBrasileira de Pós Graduação em Saúde Co-letiva (Abrasco) e o Centro Brasileiro deEstudos de Saúde (Cebes) defendem queé hora de resgatar de forma ampla a eqüi-dade, a universalidade, a integralidade etodos os princípios da Reforma Sanitária,contidos nas propostas da 8a ConferênciaNacional de Saúde e na Constituição de1988, além de buscar maior radicalidadena participação popular.

O resgate dos sonhos e valores de ori-gem é sempre um rico caminho para o futu-ro. A retomada de um dos princípios carosao Radis, a periodicidade das revistas,

começou em julho de 2001. Sem orçamentopara mais que quatro publicações ao ano,cada nova edição na mão dos 40 mil assi-nantes foi uma vitória da informação e co-municação em saúde. Chegamos ao final de2002 otimistas: encerramos a série histó-rica de 20 anos de Súmulas, Temas, Dados eJornal Proposta/Jornal do RADIS com chavede ouro, ao receber nada menos que cincoprestigiosos Prêmios Opas 100 Anos parajornalismo em saúde, e lançamos a RevistaRADIS, com ótima aceitação.

Dentro do espírito de apostar noimponderável, na dimensão positiva daimprevisibilidade que o próximo ano nosreserva, queremos compartilhar com cadaleitor e com as instituições públicas e orga-nizações sociais que recebem a revista,dois desejos nossos, cultivados há anos:1. Participar da constituição de progra-mas editoriais semelhantes ao Radis, jun-to aos Conselhos de Saúde em todo opaís, assessorando e avaliando projetosnovos ou já existentes;2. Abrir a Revista RADIS cada vez mais àparticipação e crítica direta dos leitores ecriar também um conselho consultivo ex-terno para nossas políticas editoriais, com-posto por representantes dos principaissegmentos que atuam na saúde pública.

Portanto, caro leitor, aguardamossua carta (endereço no expediente) oue-mail, para este exercício mútuo de par-ticipação social.

Rogério Lannes RochaCOORDENADOR DO RADIS

[email protected]

Aposta no imponderável

cacocacocacocacocaco

RADIS 5 ! DEZ/2002

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ccccc ararararartttttasasasasas

NOVA REVISTA

Parabéns à equipe do Radis pelonovo layout da nossa Radis, ficou

jóia tanto na estética quanto na cons-tante qualidade do conteúdo. Eu, comoprofissional de saúde coletiva há 30anos e professor de Saúde Coletiva naUniversidade Federal do Pará, tenhoorgulho e satisfação de ter a Radiscomo texto para discussão com osmeus alunos.

Sucesso e muito obrigado.Saudações Sanitárias!Izamir Carnevali (por e-mail)

Como de costume, trouxe pra casaos dois novos lançamentos do

Radis. Parabéns para toda a equipe.As revistas estão leves e bonitas, e asmatérias, muito interessantes. É istomesmo: vocês estão fazendo as revis-tas com o coração e a cabeça do lei-tor, que é pra quem elas se destinam.Aquelas notas esclarecedoras sobre ins-tituições, pessoas e conceitos, que euvia no Correio Brasiliense e em algu-mas outras publicações, ficaram óti-mas na Radis.

Paulo Buss (por e-mail)Presidente da Fiocruz

Tomo a liberdade, se não o dever,de cumprimentar a equipe pelo

novo visual, diagramação, papel, en-fim, pelo Radis mais moderno. Meusmúltiplos parabéns. Ficou muito me-lhor algo que já era bom.

Sou incentivador e divulgador daRadis nas aulas que ministro, nos cur-sos que monitoro e nos demais locaisde trabalho.

Vitor Hugo Della ValentinaPorto Alegre/RS

MATERNIDADES DO BRASIL

Antes de tudo, parabéns pela qua-lidade da revista Radis. Sou editor

do jornal da Sociedade de Obstetríciae Ginecologia de Minas Gerais e gosta-ria de disponibilizar a matéria EspecialDados: “Maternidades do Brasil” em nos-sa homepage para nossos associados.Para isso, peço sua permissão.

Cordialmente,Marcus Vinicius dos Santos (por e-mail)

Me chamo Carina e sou estagiáriade Estatística na Maternidade

Sofia Feldman em Belo Horizonte(MG), juntamente com Lenize quetambém é estagiária. Recebemos umexemplar da revista Radis (Nº 2 —Setembro/2002) que contém a re-portagem sobre Maternidades doBrasil e achamos muito interessan-te. Como fazemos as estatísticas doHospital, ela será muito importan-te para nós, servindo para fazer-mos comparações com as regiõesdo Brasil.

FIOCRUZ RECEBE PRÊMIO UNESCO PORCONTRIBUIÇÃO À CIÊNCIA

Em reconhecimento pelos serviçosprestados à saúde pública e à ci-

ência nacionais, a Fundação OswaldoCruz recebeu o Prêmio Unesco, en-tregue anualmente a instituições públi-cas e da sociedade civil, e a pessoas quese destacam por ações de relevância so-cial nas áreas de educação, cultura, ci-ência, meio ambiente, comunicação einformação, jornalismo, direitos humanose cultura de paz, juventude e cidadania.

A cerimônia de entrega do diplomade premiação e de uma obra de arteexclusiva (uma cerâmica de artistas doVale do Jequitinhonha, em Minas Gerais)ocorreu em Brasília, no dia 13 de novem-bro, mês em que a Fiocruz comemoravatambém o recorde de 1,2 bilhão de me-dicamentos produzidos pelo Institutode Tecnologia em Fármacos (Far-Manguinhos) e divulgava mais de 800 pro-jetos em sua III Bienal de Pesquisa.

RADIS É HOMENAGEADO EM SÃO PAULO

No dia 31 de outubro, por inicia-tiva do vereador Carlos Neder

(PT), a Câmara Municipal de São Pauloregistrou em seus anais um voto dejúbilo e congratulações pelo 20º ani-versário do Radis. O Radis agradece.

homenagenshomenagenshomenagenshomenagenshomenagens

Gostaríamos de saber se seriapossível mandar-nos outro exemplardessa edição, pois estamos montan-do uma mini-biblioteca com artigosdessa natureza. Esperamos continu-ar recebendo as publicações doRadis que tem nos auxiliado muito,com suas reportagens importantes.

Queremos parabenizá-los.Carina e Lenize (por e-mail)

Queremos parabenizar toda aequipe do Radis pelo excelente

trabalho que vem desenvolvendo emComunicação em Saúde. No sentidode ampliar a divulgação do materialproduzido pelo Radis, estamos solici-tando 500 exemplares da Especial Da-dos sobre Maternidades do Brasil. A Re-vista será distribuída em toda a redemunicipal de saúde e também nos even-tos realizados pertinentes ao tema.

Maria Cristina BoarettoSuperintendência de Saúde Coletivada Secretaria de Saúde do Municípiodo Rio de Janeiro/RJ

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SÚMULA DA IMPRENSASÚMULA DA IMPRENSASÚMULA DA IMPRENSASÚMULA DA IMPRENSASÚMULA DA IMPRENSA

PROJETO NASCER GARANTIRÁ EXAMEDE HIV E SÍFILIS PARA GESTANTES

OMinistério da Saúde lançou re-centemente o Projeto Nascer, que

tem como proposta ampliar a cober-tura do tratamento da Aids e da sífilisnas maternidades e aumentar a co-bertura do Programa de Humanizaçãodo Pré-natal e Nascimento, ao garan-tir a testagem rápida de mulheres quenão fizeram os exames no pré-natalda rede SUS. Com um recurso previs-to de R$ 17 milhões, o Projeto temcomo meta testar 100% das parturi-entes que não fizeram testes anti-HIVanteriormente, garantindo todos osprocedimentos médicos que impedema transmissão do vírus para o bebê.Além disso, o Projeto realizará o trei-namento de quatro mil profissionaisde saúde em todo o país e fará umacampanha de esclarecimento pormeio de material informativo —cartilhas, cartazes e vídeo.

DIA NACIONAL DE COMBATE A TUBER-CULOSE

Odia 17 de novembro é o Dia Nacio-nal de Combate a Tuberculose.

No Brasil, a cada ano são registrados90 mil casos, com cerca de seis milmortes. Para reduzir esse número, oMinistério da Saúde (MS) lançou oPlano Nacional de Mobilização e In-tensificação para Ações de Elimina-ção da Hanseníase e Controle da Tu-berculose, em parceria com assecretarias estaduais e municipais desaúde. O programa está centradonos seguintes eixos: mobilização téc-nica, política e social, mudança domodelo de atenção, reorganizaçãodos serviços, melhoria da vigilânciaepidemiológica e dos sistemas de in-formação, ampliação da Rede de La-boratório e Diagnóstico e garantia deassistência farmacêutica.

O Programa está sendo desen-volvido por um grupo criado para isso,por meio das seguintes ações: ampli-ação do número de profissionais quetrabalham no MS no controle da do-ença, criação de um programa de Edu-cação Continuada para os profissio-nais da rede básica e distribuição dematerial informativo.

Com isso, o governo espera queaté 2005 sejam detectados 90% doscasos, atingindo um percentual decura de 85% e reduzindo o abandonode tratamento para 5%. A doença, ca-racterizada pela tosse contínua, fal-ta de apetite e febre, atinge um ter-ço da população mundial, podendose manifestar em 10% desse total.

PROGRAMA DE CONSCIENTIZAÇÃO DOCÂNCER DE CÓLON

O Programa de conscientização docâncer de cólon foi lançado no

Dia Nacional do Câncer pela Socieda-de Brasileira de Coloproctologia. NoBrasil, e só no ano de 2001, o câncerde cólon matou 7 mil pessoas, e a ex-pectativa é que esse ano o númerode mortes seja ainda maior. A alta taxade mortalidade, segundo o médicoEleodoro Almeida, está ligada princi-palmente à falta de informação, poisas pessoas ainda não têm claro quaissão os sintomas e a forma de trata-mento. Para ele, quanto mais rápidofor diagnosticado, maiores são aschances de cura. O objetivo da cam-panha é levar informações sobre ossintomas e mostrar as formas de tra-tamento atualmente existentes, fa-zendo com que as pessoas deixem delado o preconceito e procurem aju-da médica. O trabalho está sendofeito por meio da distribuição de fo-lhetos informativos em todo o país.Mais informações:Sociedade Brasileira de ProctologiaAvenida Marechal Câmara, 160/91620020-080 Rio de Janeiro/RJTel.: (21) 2240-8927E-mail: [email protected]

RELATÓRIO SOBRE COBERTURA VACINAL

Patrocinado pela Organização Mun-dial da Saúde (OMS), pelo Fundo

das Nações Unidas para a Infância(Unicef) e pelo Banco Mundial, foi di-

vulgado um relatório durante o en-contro Aliança Global para Vacinasmostrando que a cobertura vacinalentre as populações em países ricose pobres é diferente. Enquanto as po-pulações dos países ricos têm acessoàs vacinas mais caras e seguras, me-tade das crianças dos países pobresnão recebem sequer as de doençascomo tuberculose ou tétano. O ob-jetivo do documento é alertar para anecessidade de promover uma eqüi-dade na distribuição vacinal, trazen-do uma série de sugestões para acaptação de recursos e investimen-tos em pesquisa, desenvolvimento eprodução de novas vacinas.

OMS DIVULGA INFORME MUNDIAL DASAÚDE 2002

Foi divulgado recentemente pelaOrganização Mundial da Saúde

(OMS) o Informe Mundial da Saúde2002. Com o tema ‘Prevenindo Riscos,Promovendo uma Vida Saudável’, o in-forme foi coordenado pelo DiretorExecutivo da OMS, ChristopherMurray e tem como objetivo servircomo uma espécie de mapa, apon-tando os riscos de cada região e apre-sentando uma série de propostas parareduzi-los. O primeiro fator de riscoentre latino-americanos apontadopelo documento é o alcoolismo, queprovoca 31 mil mortes por ano noBrasil. A obesidade e o excesso depeso aparecem em segundo lugar,seguido do cigarro, do colesterol edo sexo sem proteção.

CRISE FINANCEIRA NOS HUS REDUZATENDIMENTO

Os 45 hospitais universitários (HUs)do paístêm déficits mensais que

variam de R$ 300 mil a R$ 2 milhõese que, em alguns casos, podem che-gar a R$ 60 milhões. Mesmo a re-cente liberação do governo, deR$ 9,6 milhões, não será suficien-te para amenizar a crise financeira.

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Com isso, os hospitais estão come-çando a desativar leitos e a diminuir onúmero de atendimentos.

O Presidente da Associação Brasi-leira de Hospitais Universitários RicardoFigueiredo, atribui à contratação deterceirizados uma das principais ra-zões da crise, pois hoje a rede temcerca de 20 mil empregados nessasituação, consumindo R$ 190 milhõesdos R$ 530 milhões do orçamento.Mas, segundo ele, mesmo que essesrecursos não fossem gastos em salá-rios, ainda assim não seriam sufici-entes para cobrir os custos dessesestabelecimentos.

Com 4.500 atendimentos por dia,o Hospital das Clínicas de São Paulo —o maior da rede de hospitais universi-tários federais — é um exemplo dacrise: tem um déficit mensal de R$ 2milhões, uma dívida acumulada deR$ 60 milhões e há 14 meses não pagaa conta de luz. Caso não receba maisrecursos, o diretor do hospital, JoséRoberto Ferraro, anuncia que reduzi-rá o número de atendimentos, medi-da que outros HUs também preten-dem adotar caso o governo nãoaumente o montante de recursos des-tinados a esses estabelecimentos.

PROGRAMA FOME ZERO REINTRODUZPOLÊMICA SOBRE TRANGÊNICOS

Segundo foi divulgado no Jornal Fo-lha de São Paulo (em 24/11/2002),

o Programa Fome Zero, do presidente

eleito Luiz Inácio Lula da Silva, estásendo usado por companhias debiotecnologia americanas. Essas empre-sas aproveitaram os debates sobre afome para reintroduzir a campanha so-bre o uso de trangênicos. Os alimentostrangênicos, muito usados nos EstadosUnidos com o pretexto de aumentar aprodutividade tem, por outro lado, mui-tos cientistas como principais críticos,e estes dizem que o uso pode acarre-tar danos à saúde e ao ambiente. Suacomercialização no Brasil está suspensapor uma medida judicial.

DENGUE: MAIS MOSQUITOS QUE EM2001

Aepidemia não chegou, mas o Dia D(Dia Nacional de Mobilização con-

tra a Dengue), que aconteceu em 22de novembro, mobilizou a sociedadeem torno da eliminação de focos e re-dução de número de casos da doen-ça. No Brasil, o Ministro da Saúde BarjasNegri informou que, ao planejar a li-beração de recursos, a meta é que aepidemia seja 50% inferior a do ano pas-sado. Apesar do otimismo do GovernoFederal, alguns estados como o Rio deJaneiro estão apenas parcialmente pre-parados. Segundo o presidente daFiocruz, Paulo Buss, ainda há tempopara evitar uma epidemia mais grave pormeio da aglutinação de recursos esta-duais, municipais e federais e dacontratação de agentes de saúde.

Até agora, apesar do anúncio deÉrico Guimarães, epidemiologista daFiocruz, de que a quantidade de mos-quitos Aedes aegypti superou a do mes-mo período do ano passado, um estudoconcluído pela Coordenação deEpidemiologia da Secretaria Municipalde Saúde do Rio de Janeiro mostraque o Rio poderá fechar o mês de no-vembro com as menores taxas de inci-dência da doença. Nos primeiros quin-ze dias de novembro, foram feitasapenas 15 notificações no município.

SARAMPO É ELIMINADO NA AMÉRICALATINA

Segundo a Organização Pan-Ameri-cana de Saúde (Opas), há 10 se-

manas que a América Latina não re-gistra casos de sarampo, tornando-se com isso o primeiro continente aeliminar uma das principais causas demortalidade em crianças (o sarampomata 800 mil crianças ao ano, a maiorparte delas no continente africano).De acordo com o consultor da Opas,Ciro Quadros, alguns países do sulda África conseguiram erradicar ovírus, mas isso nunca havia aconte-cido em escala continental. Uma dasrecomendações da Organização aospaíses para o controle e erradicaçãodessa doença é que seja feita umacampanha de vacinação a cada qua-tro anos para imunizar todos os me-nores de 14 anos.

RADIS é uma publicação da Funda-ção Oswaldo Cruz, editada peloPrograma Radis (Reunião, Análisee Difusão de Informação sobreSaúde), da Escola Nacional de Saú-de Pública (Ensp).

Periodicidade: MensalTiragem: 42 mil exemplaresAssinatura: GrátisPresidente da Fiocruz: Paulo BussDiretor da Ensp: Jorge Bermudez

PROGRAMA RADISCoordenador: Rogério Lannes RochaEditor: Caco XavierRedação: Ana Beatriz de Noronha, Daniela Sophia e

Katia Machado (reportagem e redação) e AristidesDutra (projeto gráfico)

Administração: Luis Otávio e Vanessa SantosEstudos, Pesquisas e Projetos: Justa Helena Franco

(gerência de projetos), Jorge Ricardo Pereira eLaïs Tavares

Colaboraram nesta edição: Márcio Bueno (repor-tagem e redação) e Fábio Cataldo (editoração)

EndereçoAv. Brasil, 4036 sala 515Manguinhos, Rio de Janeiro / RJCEP 21040-361Telefone: (21) 3882-9118Fax: (21) 3882-9119

E-Mail: [email protected]

Site: www.ensp.fiocruz.br/publi/radis/prgradis.htm

Impressão e FotolitoEdiouro Gráfica e Editora SA

expedienteexpedienteexpedienteexpedienteexpediente

SÚMULA DA IMPRENSA é produzida apartir da leitura crítica dos principaisjornais diários e revistas semanais dopaís.Responsável pela seção:Daniela Sophia

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DOCUDOCUDOCUDOCUDOCUMENTMENTMENTMENTMENTOOOOO

Marcio Bueno

“Cremos que as políticas desaúde têm um papel funda-mental a desempenhar naperspectiva da inclusão so-

cial, seja por lidar com a vida dos sereshumanos e ter forte interferência noexercício pleno das potencialidades dacondição humana, seja porque o se-tor apresenta um avanço singular paraa possibilidade de participação e in-tervenção ativa dos cidadãos”. As con-siderações são parte do documentoEm defesa da saúde dos brasileiros, re-sultante do encontro que reuniu, em13 de setembro, as diretorias da Asso-ciação Brasileira de Pós-Graduação emSaúde Coletiva (Abrasco) e do CentroBrasileiro de Estudos da Saúde (Cebes),além de personalidades de expressãoe intelectuais do movimento da Re-forma Sanitária Brasileira.

Os participantes fazem parte dediferentes partidos políticos e esta-vam integrados nas campanhas elei-torais de suas agremiações. O queexistiu em comum, acima das divisõespolíticas e ideológicas, foi a disposi-ção de discutir, reconsiderar e rea-firmar as diretrizes da Reforma Sani-tária e os princípios do Sistema Únicode Saúde (SUS). As conclusões foramencaminhadas aos partidos políticos,a todos os candidatos à presidênciada República, aos governos estaduaise distrital, à Câmara dos Deputados,ao Senado Federal e à sociedade bra-sileira de uma maneira geral, atravésde uma carta aberta.

De acordo com o documento, osparticipantes consideram como conquis-ta do povo o preceito constitucionalque garante “o direito de todos osbrasileiros à saúde”, determinandoque seja “garantido mediante políti-cas sociais e econômicas que visem àredução do risco de doença e ou-tros agravos e ao acesso universal eigualitário às ações e serviços para asua promoção, proteção e recupe-ração”. As diferentes visões políticasnão impediram que todos se unissemem torno de pontos importantes da

questão da saúde, inclusive na defe-sa firme do princípio de que todas aspolíticas governamentais — econômi-cas, sociais e de desenvolvimento —dos poderes executivos federal,distrital e estaduais devam serdirecionadas para a erradicação damiséria, diminuição das taxas de po-breza e redução acentuada das desi-gualdades existentes no Brasil.

Para que o sistema de saúde fun-cione adequadamente, garantindo efe-tivamente os direitos dos cidadãos, énecessário, segundo reivindicam osparticipantes, que os profissionais tan-to do setor público quanto do setorprivado sejam respeitados, tratadoscom dignidade e adequadamente re-munerados. De acordo com o docu-mento, é preciso resgatar os concei-tos de “servidor público” e de “serviçopúblico”, extremamente desgastadosnos anos 90. Foi defendido o estabe-lecimento de Plano de Carreira, Car-gos e Salários para o SUS, com admi-nistração descentralizada e incentivos,multiplicação das oportunidades decapacitação, progressão funcional eeducação permanente; proteção so-cial do trabalho e regulação dos vín-

culos laborais, eliminando todas asformas precárias de emprego.

A preocupação com os profissio-nais do setor esteve presente, embo-ra não haja no documento qualquerresquício de corporativismo. Todos osparticipantes são profissionais de saú-de preocupados com as condições detrabalho, mas o centro das atençõesfoi com os usuários dos serviços desaúde. Os mecanismos de melhoria daqualidade dos serviços devem contem-plar, segundo o documento, “a pres-teza, o conforto e a humanização(acolhimento, respeito à dignidade eaos direitos das pessoas) dos servi-ços e ações, a melhoria das interven-ções clínicas com o desenvolvimentode diretrizes e protocolos diagnósti-cos e terapêuticos, a sistematizaçãoda revisão de casos e processosassistenciais, e as formas e instrumen-tos de denúncias e queixas da popu-lação, ampliando o escopo tanto dassupervisões quanto das auditorias”.

O Brasil é um dos países com me-nor gasto per capita em saúde. Deacordo com o documento, é impossí-vel “oferecer uma atenção à saúdede qualidade quando os três níveisde governo destinam, em conjunto,à saúde, setenta centavos por habi-tante por dia”. Os participantes doencontro defendem a necessidade degarantir o correto cumprimento daEmenda Constitucional 29, como for-ma transitória para a elevação dospatamares de gastos em saúde. O ob-jetivo é que o orçamento de saúde,considerando-se as três esferas degoverno, alcance em 2004, no míni-mo, o patamar de R$ 70 bilhões.

Diversas outras questões foramabordadas no documento, entre asquais a necessidade de implementaras políticas de pesquisa definidas na IConferência Nacional de Ciência eTecnologia em Saúde, realizada em1994: “Estar dirigida para a eqüida-de do acesso aos benefícios da inves-tigação científica; ser governada porpadrões éticos; e estar orientada poruma agenda de prioridades para amelhoria das condições de vida dapopulação.”

Cebes / Abrasco:“Em defesa da saúde dos brasileiros”

RADIS 5 ! DEZ/2002

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FOME NO BRASIL E NO MUNDOFOME NO BRASIL E NO MUNDOFOME NO BRASIL E NO MUNDOFOME NO BRASIL E NO MUNDOFOME NO BRASIL E NO MUNDO

Márcio Bueno

Em seu primeiro pronunciamen-to como presidente eleito,Luís Inácio Lula da Silva negou-se a antecipar os nomes dos

futuros ministros da área econômicae, ao mesmo tempo, anunciou a cria-ção de uma Secretaria de Emergênci-as Sociais com o objetivo de pôr fim àfome, deixando patente que as prio-ridades de seu governo serão outras.“Se ao final do meu mandato”, disseLula, “cada brasileiro puder se alimen-tar três vezes ao dia, terei realizado amissão de minha vida”.

O mercado não se mostrou mui-to satisfeito, embora essa política pos-sa, ao fim e ao cabo, acabar atenden-do inclusive aos seus interesses.Segundo o Prêmio Nobel de Economiade 1993, Robert Fogel, 20% da popula-ção da Inglaterra e da França foramexcluídas da força de trabalho em1790 por causa da subnutrição. Emestudo publicado pela FAO, Organi-zação das Nações Unidas para a Agri-cultura e Alimentação, o economistadiz que o aumento do nível de nutri-ção foi responsável por metade docrescimento econômico dos dois pa-íses no período de 1790 a 1880. “Comovários países em desenvolvimento sãoatualmente tão pobres como eram aFrança e a Inglaterra em 1790, a eli-minação da fome hoje pode ter omesmo impacto no desenvolvimentodesses países”, disse Fogel.

A fome, um flagelo mundial, sem-pre fez parte das preocupações ou, pelomenos, dos discursos dos governantes.O próprio G8, grupo dos países maisricos e poderosos do mundo, duran-te a reunião realizada na Itália, em2001, emitiu um comunicado afirman-do que “a estratégia principal para aredução da pobreza consiste no aces-so ao alimento e no desenvolvimentorural”. Apesar de tudo, continuaramsem abrir mão das diretrizes econô-micas que impõem aos países em de-senvolvimento através dos organismosinternacionais.

O presidente eleito do Brasil tal-vez seja o primeiro governante a fa-

Eliminar a desnutriçãoé prioridade do governo Lula

Comidaé importante,mas eu prefiro

emprego e carteiraassinada

São inúmeras as conseqüênciasda fome: baixa as resistências, expon-do o indivíduo a várias doenças; reduza produtividade no trabalho; afeta odesenvolvimento físico e mental das

lar do assunto com conhecimento decausa. Na infância, passou muito tem-po se alimentando apenas com ummingau de farinha e café — Lula sócomia carne quando os irmãos con-seguiam caçar uma rolinha ou umpreá. Essa realidade é vivida ainda hojepor milhões de pessoas no Brasil. “On-tem não jantei, hoje não almocei. Se-ria muito bom que o Lula não deixassea gente morrer à míngua”, disse ementrevista à revista Isto É a faxineiraGuiomar Pinheiro, da favela do Sapo,Zona Norte de São Paulo. No mesmolocal, Marina Oliveira, que cria novefilhos, diz que a família só conseguecomer “porque o povo dá”. Mesmonessa situação precária, ela sabe quea solução real do problema é outra:“Comida é importante,mas eu prefiroemprego e carteira assinada”.

crianças; e pode provocar retardomental. Só a anemia é capaz de afe-tar seriamente o PIB dos países —segundo o Banco Mundial, na Índia,o impacto foi de 1,3% do PIB e, emBangladesh, de 2%.

Estudo da Fundação GetúlioVargas, de São Paulo, mostra que onosso país tem hoje 50 milhões demiseráveis, que vivem com menos deR$ 80,00 por mês, dinheiro insufici-ente para comprar uma cesta básicade alimentos. São nada menos que 30%da população. Os Estados menos afe-tados são Rio de Janeiro, com 16%,Santa Catarina, com 14% e São Paulo,com 10%. Os Estados em pior situaçãoestão localizados no Nordeste, onde amiséria afeta a maioria da população:o Ceará tem 56% de miseráveis, oPiauí, 62% e o Maranhão, 64%.

Ao novo governo não faltaráapoio para a empreitada a que se pro-pôs. O secretário-geral da ONU, KofiAnnan, entrou em contato com o pre-sidente eleito para dizer que vai co-laborar com o seu projeto de elimi-nar a desnutrição. Os presidentes doBird, James Wolfensohn, e do BID, En-rique Iglesias, enviaram mensagens deapoio a Lula, manifestando o desejode cooperar com o combate à po-breza e melhoria das condições devida dos brasileiros. E o empresárioOded Grajew, que preside o InstitutoEthos de Responsabilidade Social, en-tidade que congrega empresas cujosfaturamentos somados representam30% do PIB nacional, diz que Lula vaicontar com o apoio de atores pode-rosos, como a Federação das Indús-trias do Estado de São Paulo e a Fe-deração Brasileira dos Bancos.

RADIS 5 ! DEZ/2002

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tema especial – Formação profissionaltema especial – Formação profissionaltema especial – Formação profissionaltema especial – Formação profissionaltema especial – Formação profissional

Ana Beatriz de Noronha (com colaboração de DanielaSophia e Katia Machado)

Falta de preparo do corpo docente das escolas,currículos ultrapassados, nos quais o ciclo básico eo ciclo clínico mal se relacionam, excessiva cargahorária, teoria e prática dissociadas, e ênfase na

assistência especializada e no uso maciço da tecnologia.Diante desse quadro, não é surpresa a formação em mas-sa de profissionais completamente afastados da realidadee incapazes de atender as demandas da população.

O diagnóstico é praticamente unânime: o ensino de gra-duação está doente e necessita de tratamento urgente. Quasetodo mundo que atua nessa área concorda que é precisomudar a educação dos profissionais de saúde. Isso, no entan-to, não tem sido o bastante para provocar alterações capa-zes de solucionar o problema. Das inúmeras propostas demudança apresentadas, algumas foram efetivadas, outras vi-raram história. Pode-se dizer que, no processo, cujo princi-pal objetivo é adequar a formação médica às demandas doSistema Único de Saúde (SUS), são comumente encontradospontos de continuidade, de aprofundamento e de ruptura.As dificuldades ocorrem certamente porque, apesar da una-nimidade do diagnóstico, o tratamento é longo, complicadoe tem entre os seus agravantes o descompasso que ocorre

entre os diversos campos e personagens envolvidos no pro-blema. A inércia das universidades acaba sendo apontada comoum fator crucial de retardamento do processo de mudança,que ocorre com muito mais velocidade nas práticas e naspolíticas de saúde. A questão, no entanto, para o reitor daUniversidade Federal da Bahia (Ufba), Naomar de Almeida,deve ser vista dentro de outro prisma:

— É preciso ver que é essa ‘inércia’ que dá perma-nência e credibilidade a uma instituição tradicional e au-tônoma, como é o caso da Universidade, que existe des-de a Idade Média. Antigamente as mudanças ocorriammuito lentamente, hoje as mudanças ocorrem numa velo-cidade espantosa e as demandas são sempre urgentes.Por conta disso, o tempo necessário à adaptação acabaparecendo maior. Paradoxalmente, no entanto, ao mes-mo tempo em que ‘resiste’ a mudanças, a Universidadesempre acaba abrigando os movimentos de vanguarda. Elapode ser inerte em seu substrato, mas ela não é monolíticae nem retrógrada.

Outra razão que poderia estar acarretando esse‘descompasso’ é a falta de espaços de discussão na áreada Educação nos mesmos moldes da Saúde, que tem umConselho Nacional atuante e que conta com a força polí-tica das Conferências. Para Tânia Nunes, vice-presidenteda Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), “um mecanismo deConferência de Saúde cairia muito bem para a Educação”.

Graduação: é preciso mudarTransformações dependem de políticas de Educação e de Saúde

ARISTIDES DUTRA

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O fato é que, como afirma LauraFeuerwerker, em seu livro Além dodiscurso de mudança na educaçãomédica, os processos profundos detransformação na formação sãocomplexos e envolvem mudançasconceituais, de postura, de lugarese de relações institucionais, bemcomo o enfrentamento de conhecimen-tos e valores cristalizados hegemônicos,e a construção de alternativas que nãoestão dadas. Para ela, esses processosimplicam conflitos, pressões e confron-tações permanentes e, por essa razão,estão constantemente em risco. Lauratambém acha importante lembrar que aeducação médica está intimamente re-lacionada às macroestruturas e tendên-cias econômicas e políticas, ao concei-to de saúde e de necessidades desaúde, que são historicamente defini-dos, à organização dos serviços e políti-cas de saúde e, particularmente, à prá-tica médica.

Atualmente, a questão ganha umnovo e importante aspecto: a discus-são está saindo do círculo de especi-alistas e se tornando um imperativosocial. A sociedade começa a exigirmelhores serviços de saúde e isso im-plica na formação de profissionais ca-pazes de prestar atendimento integrale mais humanizado, de trabalhar emequipe e de compreender melhor arealidade em que vive a população.

O SUS COMO PARÂMETROA questão da formação profissio-

nal envolve diretamente as oportuni-dades educacionais e de acesso aomercado de trabalho e, indiretamen-te o perfil profissional, a qualidade daassistência prestada à população e oaperfeiçoamento das práticas, queocorre quando os profissionais adqui-rem novas competências a partir doestreitamento de suas relações comos pacientes. A existência de tantosfatores torna obrigatória uma diversi-dade de ações que, para serem efica-zes, necessitam de uma direção. A pri-meira grande definição, portanto, seriaa implementação do Sistema Único deSaúde (SUS), que hoje, segundo PauloSeixas, diretor técnico da Coordena-ção Geral da Política de Recursos Hu-manos (CGPRH) do Ministério da Saú-de, vive três grandes movimentos:

— O primeiro deles está relaciona-do ao processo de reorganização dasfunções dos diferentes níveis de gestãodo SUS, com a finalidade de se obtermaior capacidade regulatória e gestorado Sistema e de seus componentesinstitucionais — eficácia, eficiência,qualidade e produtividade. O segundomovimento, complementar ao anterior,

é o processo de regionalização pactua-da, iniciado pela Norma Operacional deAssistência à Saúde (NOAS/2000), quegarante a racionalidade do Sistema,viabilizando os componentes de eqüi-dade e integralidade no atendimento àpopulação, e não apenas a transferên-cia de responsabilidade para os níveismunicipais. O terceiro movimento estárelacionado à implantação do ProgramaSaúde da Família (PSF) como estratégiade reorientação da Atenção Básica edo modelo de atenção à saúde no país.

No âmbito Federal, a reordenaçãodo Sistema envolve a criação das agên-cias reguladoras e a reestruturaçãoorganizacional do Ministério da Saúde.No âmbito estadual, as Secretarias deSaúde assumem sua função de

gerenciar e promover a eqüidade doSistema, desempenhando seu papel re-gulador e de prestação de cooperaçãotécnica aos municípios, em detrimentoda função executora na prestação deserviços. No âmbito municipal, cresce afunção executora associada à busca denovas modalidades gerenciais dos servi-ços — Fundações, Autarquias, Organi-zações Sociais — e de novas relaçõesde parcerias com Organizações Sociaisde Interesse Público (Oscip) e entida-des filantrópicas.

A estratégia de Saúde da Famí-lia, por sua vez, ao responsabilizar aequipe por uma determinada popula-ção, residente em um território defi-nido, e estruturar o trabalho numaequipe bastante simplificada, acaba

As diretrizes De acordo com o Ministério da

Educação, as diretrizes curri-culares são orientações para a ela-boração dos currículos e devem sernecessariamente adotadas por todasas instituições de ensino superior. Emlinhas gerais, as diretrizes curricularesdevem assegurar às instituições de en-sino superior ampla liberdade na com-posição da carga horária a ser cumpri-da pelos alunos; indicar tópicos, camposde estudo e demais experiências deensino-aprendizagem que comporiam oscurrículos; evitar o prolongamento des-necessário da duração dos cursos; in-centivar uma sólida formação geral, quepermitisse ao graduado a superação dosconstantes desafios no exercício pro-fissional e na produção do conhecimen-to; estimular práticas de estudo inde-pendente, visando a uma progressivaautonomia profissional e intelectual doaluno; encorajar o aproveitamento doconhecimento, habilidades e competên-cias adquiridas fora do ambiente esco-lar; fortalecer a articulação da teoriacom a prática, valorizando a pesquisa,os estágios e a participação em ativida-des de extensão; e incluir orientaçõespara avaliações periódicas a serem rea-lizadas por meio de instrumentos varia-dos, com o objetivo de informar profes-sores e alunos sobre desenvolvimentodas atividades didáticas.

Oficialmente, a discussão sobreas diretrizes começou em 1997, coma publicação de um edital que con-vocava as Instituições de Ensino Su-perior (IES) para apresentarem pro-postas sobre o assunto para seusdiferentes cursos de graduação. Cer-

ca de 1200 propostas foram enviadaspor universidades, faculdades e or-ganizações docentes, discentes eprofissionais. Também foram organi-zados seminários e encontros paradebater a questão. Coube às Comis-sões de Especialistas de Ensino (CEEs)sistematizarem as propostas enviadase, após novos debates, consolidá-lase encaminhá-las ao Conselho Nacio-nal de Educação(CNE) para aprova-ção pela Câmara de Educação Supe-rior (CES). Sempre com base nosobjetivos gerais, foram criadas as di-retrizes específicas para cada áreae, posteriormente, para cada curso.Na área da Saúde, estão incluídos oscursos de Biomedicina, Ciências Bio-lógicas, Economia Doméstica, Educa-ção Física, Enfermagem, Farmácia, Fi-sioterapia, Fonoaudiologia, Medicina,Nutrição, Odontologia e TerapiaOcupacional.

O conceito de saúde estabele-cido na Constituição e os princípiosque nortearam a criação e a implan-tação do Sistema Único de Saúde(SUS) foram fundamentais na defini-ção das diretrizes curriculares doscursos de graduação na área da Saú-de. De acordo com os pareceres daCâmara de Educação Superior (CES/CNE), as diretrizes devem “levar osalunos dos cursos de graduação emsaúde a aprender a aprender, o queengloba aprender a ser, aprender afazer, aprender a viver juntos eaprender a conhecer, garantindo acapacitação de profissionais com au-tonomia e discernimento para asse-gurar a integralidade da atenção e a

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por promover a desfragmentação dotrabalho, criando áreas de atuaçãocomum. Como explica Paulo Seixas:

— O fim da fragmentação da aten-ção pelos diferentes agentes do traba-lho cria as chamadas ‘áreascinzentas’, que se caracte-rizam pela complementari-dade e compartilhamentode responsabilidades pelosprofissionais, que se envol-vem tanto no cuidado dire-to quanto no planejamentoda atenção. Isso demanda edesenvolve novas habilida-des na comunicação sociale no aprofundamento das abordagenspsico-afetivas, criando ainda a neces-sidade de redefinição de competên-

cias. Essas ‘áreas cinzentas’ tambémestão relacionadas com as diferen-tes realidades do país, sendo, por-tanto, produtos de negociações lo-cais, de pactos em conjunturas

diferenciadas, que tenhamcomo referência as neces-sidades da população.

Tudo isso acaba tornan-do imprescindível um con-junto de ações de qualifica-ção, direcionadas tanto aofortalecimento e desenvol-vimento da capacidadegerencial do Sistema quan-to à formação e qualificação

de profissionais para um novo modeloassistencial, baseado nos princípios daVigilância à Saúde e da valorização da

atenção básica. Uma das unanimida-des da questão é que a Saúde da Fa-mília seja trabalhada não apenas comouma estratégia, mas como um espaçoestratégico para a defesa dos princí-pios de atenção integral, vínculo,responsabilização, acolhimento, traba-lho em equipe multiprofissional e con-cepção ampliada de saúde.

A IMPORTÂNCIA DASPOLÍTICAS PÚBLICAS

A articulação entre as políticas deEducação e as de Saúde é fundamentalpara que as transformações necessári-as sejam possíveis. Na questão da for-mação, merece destaque, por exem-plo, a Lei de Diretrizes e Bases daEducação Nacional (LDB), que propor-cionou grandes perspectivas tanto paraa formação de nível médio quanto parao ensino superior.

A nova LDB, ao definir o ensinocom base nas competências e valorizaro local de trabalho como espaço privi-legiado de ensino/aprendizagem, pos-sibilita que a integração entre institui-ções formadoras e serviços e a tomadade decisões necessárias ao funciona-mento do sistema ocorram localmen-te. A flexibilidade vira palavra de or-dem. A estrutura curricular perde arigidez e isso permite maior autono-mia para o aluno e para a escola.

Além disso, as novas diretrizescurriculares para a graduação (ver boxao lado) valorizam, além da excelên-cia técnica, a relevância social dasações de saúde e do próprio ensino.

Se a LDB e as diretrizes curri-culares têm natureza externa aosetor da saúde, é importante, deacordo com Paulo Seixas, que sedestaque o alto investimento queo Ministério da Saúde vem realizan-do na área de formação de recur-sos humanos, com o intuito de es-tabelecer uma política consistentee sustentável no campo da forma-ção profissional que esteja emsintonia com as prioridades deredirecionamento dos modelos degestão e de atenção.

Para ele, também são importantesa questão dos mandatos compartilha-dos e a necessidade de se conceber eefetivar espaços e fóruns de pactuaçãoentre os segmentos envolvidos com adescentralização, a regionalização e atransformação do modelo, ou seja, coma consolidação do Sistema Único de Saú-de. Entre os espaços já existentes, aComissão de Recursos Humanos do Con-selho Nacional de Saúde é um dos maisimportantes.

— É preciso fortalecer os me-canismos de articulação com outros

curricularesqualidade e humanização do atendi-mento prestado aos indivíduos, famí-lias e comunidades”. Guardadas asespecificidades de cada curso, as di-retrizes curriculares na área da Saú-de determinam que a formação, ge-ral e específica, dos profissionais deveenfatizar a promoção, prevenção, re-cuperação e reabilitação da saúde,indicando ainda as competências co-muns gerais para o perfil de forma-ção contemporânea dentro dereferenciais nacionais e internacio-nais de qualidade.

Segundo as diretrizes curri-culares, a área da saúde requer profis-sionais com competências gerais refe-rentes à atenção à saúde, à tomada dedecisões, à comunicação, à liderança,à administração e ao gerenciamento, eà educação permanente.

Na atenção à saúde, todo pro-fissional deve ser capaz de: desenvol-ver ações de prevenção, promoção,proteção e reabilitação da saúde in-dividual e coletiva; garantir que suaprática seja realizada de forma inte-grada e contínua com as demais ins-tâncias do Sistema de Saúde, sendocapaz de pensar criticamente, de ana-lisar os problemas da sociedade e deprocurar soluções para os mesmos;realizar seus serviços dentro dos maisaltos padrões de qualidade e dos prin-cípios da ética/bioética, levando emconsideração que a responsabilidadeda atenção à saúde não se encerracom o ato técnico, mas com a resolu-ção do problema de saúde do indiví-duo ou da coletividade. O profissio-nal de saúde deve ser capaz de avaliar,

sistematizar e tomar as decisões maisadequadas, a fim de que a força detrabalho, os medicamentos, os equi-pamentos, os procedimentos e as prá-ticas sejam apropriados, eficazes ede menor relação custo-efetividadepossível. No que se refere à comuni-cação, os profissionais devem seracessíveis e capazes de manter o si-gilo das informações a eles confiadasna interação com outros profissionaisde saúde e com o público em geral.Além disso, devem ter habilidades deescrita e leitura, e domínio de, pelomenos, uma língua estrangeira e dastecnologias de comunicação e infor-mação. Como no trabalho em equipemultiprofissional muitas vezes é pre-ciso assumir posições de liderança, énecessário que ele tenha compromis-so, responsabilidade, empatia e habi-lidade para tomar decisões, comuni-car e gerenciar de forma efetiva eeficaz. As atividades de administraçãoe gerenciamento, por sua vez, exi-gem que os profissionais atuemcomo empreendedores, gestores,empregadores e líderes, devendoestar aptos a tomar iniciativa, fazergerenciamento e administração daforça de trabalho, dos recursos fí-sicos e materiais e das informações.Os profissionais devem ainda ser ca-pazes de aprender continuamente,tanto na sua formação quanto nasua prática.Mais informações:Secretaria de Ensino Superior/Ministério da Educação (Sesu/MEC)Site: www.mec.gov.br/Sesu/diretriz.shtm

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AAbem, fundada em 1962, é umasociedade civil de âmbito naci-

onal, cujo objetivo é discutir eaprimorar a formação do médicopor meio do aperfeiçoamento dosmétodos de ensino, apoiando aprodução de pesquisa e contri-buindo para a educação continu-ada dos profissionais da área dasaúde. Atualmente congrega 111sócios institucionais — Centros,Faculdades, Escolas, Instituiçõese Cursos vinculados à educação mé-dica —, além de sócios individuais,honorários e beneméritos.Mais informações:Associação Brasileirade Ensino Médico (Abem)Av. Brasil, 4036/1006Manguinhos, Rio de Janeiro / RJCEP 21040-361Tel.: (21) 2260-6161 / 2573-0431E-mail:[email protected]:www.abem-educmed.org.br/index.html

para envolver, num próximo movimen-to, as escolas de enfermagem.

A idéia é que cada escola utilizeos recursos recebidos do Promed parapor em prática uma estratégia previa-mente construída. Para isso, a coorde-nação do Promed tem organizado ofi-cinas regionais, cujo intuito é levar asinstituições e as pessoas à reflexão eapoiar da melhor maneira possível omaior número de escolas na constru-ção de seu projeto de mudança.

OS PÓLOS DE CAPACITAÇÃOAlgumas iniciativas governamen-

tais são consideradas fundamentaispara o processo de reestruturação doensino médico.

A constituição dos Pólos deCapacitação em Saúde da Famíliapode ser vista como a principal inici-ativa de um grande esforço que vemsendo desenvolvido para garantir aosprofissionais o perfil adequado aosprincípios e diretrizes da estratégiade Saúde da Família. Funcionando emtodos os estados, os Pólos permitemuma aproximação ensino-serviço iné-dita na definição de demandas e es-tratégias de capacitação. Além dis-so, eles representam a incorporaçãoda responsabilidade pública com aeducação permanente de seus pro-fissionais.

Os Pólos foram criados para per-mitir a cooperação mútua entre insti-tuições de ensino e órgãos gestores doserviço de saúde para a implementaçãode programas voltados ao pessoal atu-ante no PSF. Eles são formados por Ins-tituições de Ensino Superior (IES) arti-culadas entre si e com as Escolas deSaúde Pública que se consorciam oufazem convênios com secretarias esta-duais e municipais de saúde.

A implantação dos Pólos, finan-ciados com recursos do Reforço àReorganização do Sistema Único deSaúde (Reforsus), começou em no-vembro de 1997. No primeiro proces-so seletivo, foi feita a acreditaçãode dez Pólos, seis projetos decapacitação e quatro projetos decursos. Em 1999, em novo proces-so licitatório, o Ministério da Saú-de selecionou mais dez projetos,todos na categoria Pólos. Atualmen-te estão em funcionamento 30 Pó-los, distribuídos por todos os esta-dos do Brasil.

Segundo o relatório final da Ofi-cina de trabalho sobre a atuação dosmembros da Rede Unida nos Pólosde Capacitação de Saúde da Família(Londrina, 2001), apesar de haver umgrande reconhecimento da impor-tância da linha de ação dos Pólos, o

Ministérios, como o do Trabalho e daCiência e Tecnologia, com os Pode-res Legislativo e Judiciário, que mui-tas vezes ordenam a formação de RH,e com a sociedade civil organizada,para que a ordenação estabelecidana Constituição possa ser conce-bida, reconhecida e legitimada co-letivamente — diz Paulo, lembran-do ainda que, em abril de 2002, como objetivo de estabelecer aspactuações necessárias entre ostrês níveis de gestão, atualizar asdemandas e os desafios e viabilizara Política de Recursos Humanos parao Sistema Único de Saúde, foi cons-tituído, com composição tripartite,o Grupo Permanente de Trabalho emRecursos Humanos.

O PROMEDA aprovação das novas Diretrizes

Curriculares para área da saúde permi-tiu uma importante articulação entreduas políticas de governo, provenientesdo Ministério da Saúde e do Ministérioda Educação, e acabou gerando o desa-fio de se criar um sistema de incentivosàs instituições acadêmicas que se dispu-sessem a adequar a formação profissio-nal que oferecem às necessidades doSUS. Com base em propostas realizadasanteriormente, como o Projeto da Co-missão Interinstitucional Nacional de Ava-liação das Escolas Médicas (Cinaem), ecomo resultado de articulações com aAssociação Brasileira de Ensino Médico(Abem), Rede Unida e OPAS, foi cria-do, em abril de 2002, o Programa deIncentivo a Mudanças Curriculares em

Cursos de Medicina (Promed). O ob-jetivo do Promed é reorientar os pro-dutos da escola médica — profissio-nais formados, conhecimentos geradose serviços prestados —, dando ênfaseàs mudanças no modelo de atenção àsaúde, em especial àquelas voltadaspara o fortalecimento da atenção bá-sica. O programa, que em sua primei-ra etapa está dirigido apenas às esco-las médicas, já está sendo pensado

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impacto que eles exercem sobre aformação de graduação tem sidomuito baixo. Alguns dos fatores res-ponsáveis por isso seriam: partici-pação no Pólo de Capacitação con-centrada geralmente na área deSaúde Coletiva, que tradicionalmen-te pouca influência tem sobre os ou-tros segmentos das faculdades desaúde; pouco conhecimento sobre oSUS dentro das escolas, gerando re-sistência e desconfiança sobre o Sis-tema e sobre a seriedade e a possi-bilidade de continuidade política daprópria estratégia de Saúde da Fa-mília; e centralidade do trabalho dosPólos nos cursos introdutórios pararesponder às demandas reprimidasdo Sistema.

Para o coordenador da secreta-ria executiva da Rede Unida, MárcioAlmeida, o ‘divórcio’ entre os segmen-tos da clínica médica e os da saúdecoletiva favorecem a estagnação e, so-mente com a criação de pontes entreesses importantes segmentos da edu-cação médica, seria possível reunir con-dições para promover mudanças signi-ficativas no ensino de graduação.

— Se estamos pensando em mu-danças que alteram as relações técnicase sociais entre professores, alunos, diri-gentes, universidade, serviços de saúdee comunidades, com vistas à formaçãode novas competências profissionais,mais adequadas ao mundo de hoje e deamanhã, não haverá chance de sucessoenquanto esses dois segmentos nãoabandonarem posições corporativistas,preconceituosas e excludentes. Os clíni-cos e os profissionais da saúde coletivadetêm conhecimentos e competênciasque precisam estar juntos. Uns preci-sam reconhecer os méritos dos outros.

As principais sugestões dos mem-bros da Rede Unida para potencializaro impacto dos Pólos sobre o ensinode graduação são: atrair a participa-ção dos clínicos, aproximar os Pólosde Capacitação dos núcleos de po-der das escolas e estabelecer espa-ços de diálogo com os estudantes.

O PITSTendo sempre em mente que a

questão da formação profissional estáligada diretamente às oportunidadeseducacionais e de acesso ao merca-do de trabalho, outra forma de atua-ção do Ministério da Saúde nesse sen-tido é a intervenção na regulação daoferta de profissionais por meio do Pro-grama de Interiorização do Trabalho emSaúde (Pits).

O Pits, lançado em março de2001, pretende atender, por meio dainteriorização de equipes do PSF, mu-

nicípios das regiões Norte, Nordestee Centro-Oeste, e do norte de MinasGerais, que apresentam comprovadacarência sanitária e médica. A priori-dade é para municípios com até 50 milhabitantes, com alto índice de morta-lidade infantil, tuberculose, hanseníase,malária e outros indicadores de situa-ção de saúde. Por conta do progra-ma, quase 600 profissionais vêm atu-ando em 150 municípios do País, ondeantes não havia nenhum profissionalde saúde. Esses profissionais recebemtreinamento prévio em atenção bási-ca de saúde, que se complementacom um curso de especialização emsaúde da família.

Os cursos de Especialização emSaúde da Família são oferecidos porInstituições de Ensino Superior (Uni-versidades Federais, Estaduais e Nú-cleos de Saúde Pública) conveniadascom o Ministério da Saúde. O con-teúdo mínimo do curso, que tem car-ga horária mínima de 360 horaspresenciais e cuja parte prática é exe-cutada no município, foi definido pelaCoordenação Nacional do Pits, jun-tamente com o Departamento deAtenção Básica (DAB) da Secretariade Políticas de Saúde do Ministérioda Saúde e com as entidades parcei-ras. A avaliação dos profissionais éfeita por meio de umquestionário estruturado,elaborado e anal isadopelo Centro de Desenvol-vimento de Ensino Supe-rior em Saúde (Cedess/Unifesps), e respondidotanto pelos alunos/profis-sionais quanto pelos tuto-res, docentes e Coordena-dores de Curso. A razão daobrigatoriedade do curso é explicadapor Regina Stella, Coordenadora Na-cional do Programa de Interiorização

do Trabalho em Saúde:— Embora a maioria dos cursos

de graduação não forme profissionaiscom perfil adequado para a atençãobásica, os cursos de especialização doPits não são uma forma de corrigir osdefeitos da formação de graduação.Eles são cursos de especialização coma característica de processo de for-mação aliado ao trabalho. São obriga-tórios para os alunos que não tenhamespecialização na área. Para quem játem especialização, são oferecidoscursos modulados de educação conti-nuada a distância, com duração mé-dia de três meses. Para o segundo anodo Pits, serão oferecidos três cursos,ministrados pela Escola Nacional deSaúde Pública (Ensp/Fiocruz), em par-ceria com a coordenação nacional doprograma.

A REDE UNIDAA Rede Unida é formada por pes-

soas, projetos e instituições compro-metidas com a mudança da formaçãodos profissionais de saúde.

A Rede existe desde 1985, quan-do surgiu para articular projetos deintegração docente-assistencial (IDA),promovendo o intercâmbio de experi-ências entre seus membros, persona-gens importantes da Reforma Sanitá-ria brasileira. Essas experiênciastinham como principal objetivo alte-rar o modelo flexneriano de ensino,a partir das chamadas atividadesextramurais, desenvolvidas principal-mente pelos departamentos de me-dicina preventiva, de Saúde Públicae de Pediatria das escolas. Em mea-dos dos anos 90, com a incorporaçãodos projetos UNI, que traziam a pro-posta de parceria Universidade/Ser-viços/Comunidade como um eixo fun-damental de atuação, a Rede ganhouuma nova identidade e se transfor-mou num espaço privilegiado de dis-cussões sobre saúde e educação. Comoconta Márcio Almeida:

— Nessa época, a Rede passoua ter condições de tratar todas asquestões de uma forma conjunta.

Não se tratava mais deexperiências que relacio-navam somente a universi-dade com a comunidadeou a universidade com osserviços, mas sim a univer-sidade com os serviços ecom a comunidade. Comisso, a Rede teve forçasuficiente para romper asbarreiras às mudanças nos

cursos de graduação das universida-des. Vale lembrar que a questão daformação foi deixada em segundo

Os cursos introdutórios têm afunção de capacitar os pro-

fissionais, ensinando-os a lidar comos principais procedimentos e re-quisitos do Programa de Saúde daFamília, como: trabalhar em equi-pe, identificando as atribuições decada membro da equipe dentro doseu trabalho; realizar atendimen-to mais humanizado; identificar co-munidades que necessitem deatenção especial, definindo áreasprioritárias; oferecer atendimen-to integral e contínuo; identificaras ações necessárias para a análi-se da situação do município; de-terminar as ações essenciais deuma equipe de Saúde da Família.

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plano pelo movimento da Reforma Sa-nitária cuja crença, nos anos 70/80,era que as mudanças no ensino su-perior seriam decorrência automá-tica das mudanças no modelo deatenção e no mercado de trabalho.Uma década depois, ficou claro quenão é bem assim e que as mudançasnão ocorrem de forma mecânica.

Hoje, a Rede Unida agrega pes-soas e instituições que executam e ar-ticulam projetos cujo objetivo é o de-senvolvimento de Recursos Humanosem Saúde, a partir da mudança nomodelo de atenção, no modelo de en-sino e na participação social no setor.De acordo com Márcio Almeida, ela seorganiza em núcleos dinamizadores,verdadeiros ‘nós’ nos quaissão intensificados as rela-ções e os intercâmbios.

— Não há uma estru-tura formal ou hierárquica.Os membros individuais einstitucionais têm total liber-dade para tomar iniciativas eviabilizar projetos. As oficinasde trabalho e os Congressos,que são realizados periodica-mente, funcionam como instrumentosde aprofundamento das análises e defi-nição de rumos — explica ele.

O fato de a Rede Unida desem-penhar atualmente um papel fun-damental na questão da formaçãoprofissional ocorre, na opinião deLaura Feuerwerker, por quatro ra-zões principais:

— Em primeiro lugar,porque imprime um carátermultiprofissional ao debate.Em segundo lugar, porqueconcentra experiências so-bre a integração efetiva dauniversidade com os servi-ços de saúde e com a po-pulação organizada. Ouseja, há debate sobremetodologias de ensino eorganização curricular, mas a ques-tão principal é a mudança da relaçãoda universidade com o contexto lo-cal e suas organizações, a da diversi-ficação dos cenários de ensino-aprendizagem e do compromisso dauniversidade com o enfrentamentodos problemas de saúde da popula-ção e com a construção do SUS. Emterceiro lugar, a Rede Unida promo-ve o debate e a reflexão crítica emtorno das experiências e, conse-qüentemente, gera conhecimentosobre o tema. Em quarto lugar, por-que a Rede é um ator político ativo,presente no cenário da formaçãoprofissional, contribuindo para umaarticulação efetiva e fundamental

entre atores da saúde e instituiçõesformadoras.

Para Laura, a comprovada atua-ção da Rede no debate e na defini-ção das diretrizes curriculares e,mais recentemente, a contribuiçãoefetiva para a elaboração dos funda-mentos do Promed são exemplosmuito claros do bom trabalho quevem sendo feito.

O LONGO CAMINHO,DE FLEXNER AO MODELO

DA INTEGRALIDADEEm 1910, Abraham Flexner publi-

cou um relatório sobre a realidade doensino médico nos Estados Unidos. Maistarde, esse relatório determinou os ru-

mos que o ensino médico to-maria tanto nos Estados Uni-dos quanto no Canadá e naAmérica Latina. O ‘modeloflexineriano’, implantado noBrasil a partir da década de40, época em que foram cri-adas inúmeras escolas deMedicina, Odontologia e deEnfermagem e reformuladasas que já existiam, pode ser

caracterizado, entre outras coisas,pela valorização excessiva de umasólida formação em ciências básicasnos primeiros anos do curso; pelacentralidade na figura do professor;pela pouca ênfase nos aspectos deprevenção e promoção da saúde,com especial atenção médica indivi-dual; pelo estímulo à aprendizagem

dentro do ambiente hos-pitalar, que influenciou acriação dos hospitais uni-versitários com um corpoclínico próprio e perma-nente; e pela crescenteespecialização da assistên-cia médica.

No final da década de50, também por influêncianorte-americana, surge o

‘modelo da Medicina Integral’ que re-comendava a integração dos alunos emprogramas médico-sociais de higiene eprevenção. Nessa época são criados osDepartamentos de Medicina Preventi-va nas escolas médicas e, com a parti-cipação de alunos e professores, co-meçam a ser desenvolvidas atividadesde extensão ligadas a programas de as-sistência domiciliar e familiar. A criaçãodos Centros de Saúde-Escola pode servista como a materialização dessa pro-posta. Em 1978, a Conferência Mundialde Saúde, ao valorizar a Atenção Pri-mária à Saúde, acabou reforçando opapel dos Departamentos de MedicinaPreventiva e das atividades extramuraisde extensão.

A partir de meados dos anos 70,no âmbito das políticas de saúde ecomo conseqüência das discussõessobre a Reforma Sanitária, começama surgir inúmeras iniciativas, como aLei nº 6.229 de Constituição do Siste-ma Nacional de Saúde, em 1975; aRede Médico-Sanitária e o Plano deInteriorização das Ações de Saúde eSaneamento (Piass), em 1977; aPrevsaúde, em 1980; o Plano deReorientação da Assistência Médicada Previdência Social (Plano Conasp),em 1982; as Ações Integradas de Saú-de (AIS), em 1984; o Sistema Unifi-cado e Descentralizado de Saúde(Suds), em 1987; e, finalmente, a LeiOrgânica da Saúde, que regulamen-ta o Sistema Único de Saúde, em1990. Todas as discussões apontampara o problema da formação de re-cursos humanos e para a necessi-dade de integração entre o sistemade ensino e sistema de saúde.

Nos anos 80, a Integração Do-cente Assistencial (IDA) surge comouma nova tentativa de se aumentara articulação entre instituições deeducação e serviços de saúde, visan-do inclusive à possibilidade de se re-alizar alterações nos currículos dasfaculdades e de se estabelecer no-vas relações entre alunos e profes-sores, e entre conhecimento e prá-tica. O desenvolvimento dos serviçosbásicos de saúde ganha prioridadee são criados os Distritos DocentesAssistenciais (DDA). Por princípio,a IDA estimula a formação do médi-co generalista e a educação per-manente do pessoal dos serviços desaúde. Além disso, ressalta a co-res-ponsabilidade das diferentes insti-tuições e da população no que serefere à atenção à saúde. Muitascoisas começam a mudar e, aos pou-cos, a universidade assume a respon-sabilidade de educação permanen-te dos profissionais do sistema desaúde e todos os serviços do siste-ma de saúde passam a ser reconhe-cidos pela universidade como locaisde ensino. As mudanças relaciona-das ao sistema de saúde, no entan-to, foram muito mais efetivas do queas relativas à formação. Nas escolasmédicas, ainda persistiu por muitotempo uma certa resistência àreformulação dos currículos tradici-onais e dos princípios implantadospela reforma flexneriana dos anos 40.

Lentamente, no entanto, come-çaram a ser introduzidas novas uni-dades de conteúdo e novas disciplinas,enfatizando-se a dimensão social doconhecimento; e aumentaram as ten-tativas de adequar a formação profis-

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sional à realidade da população e dosserviços.

As experiências IDA foram fun-damentais para fortalecer o pensa-mento e as propostas para um novosistema de saúde, pois serviram debase para um grande número de pro-fissionais das universidades que, maistarde, acabaram se dedicando à cons-trução do SUS.

Em 1987, a Fundação Kellogg de-cidiu apoiar alguns estudos sobre ascondições de desenvolvimento de qua-tro importantes profissões da saúde:Medicina, Enfermagem, Odontologia eAdministração de Saúde. Um dessesestudos, realizado pela Associação Bra-sileira de Educação Médica (Abem),avaliava as experiências IDA e concluíaque, para que houvesse real articula-ção do ensino médico com os serviçosde saúde, era preciso “transcender otrabalho de um departamento, ou de

uma profissão, para obrigatoriamenteenvolver equipes multiprofissionais deestudantes, professores e profissionaisdos serviços durante todos os anos docurso de graduação”. Além disso, o es-tudo alertou para a necessidade de seampliar a participação da comunidadepara fortalecer sua integração nos pro-cessos decisórios envolvidos na buscade uma melhoria do ensino e das con-dições dos serviços da saúde.

No início da década de 90, a Fun-dação lançou o que ficaria conheci-do como Programa UNI, cujos propó-sitos eram: estimular projetos de basecomunitária que buscassem mudançasconcomitantes na educação dos pro-fissionais da saúde, na reforma do se-tor saúde, com ênfase nos sistemas

locais, e na participação comunitárianas decisões que afetassem a sua qua-lidade de vida; criar modelos de de-senvolvimento desses três elementospara aperfeiçoá-los e disseminá-losatravés de uma estrutura de redes; eapoiar projetos que perseguissem osobjetivos anteriores, desde sua for-mulação, implantação, avaliação e dis-seminação. O Programa UNI, de cer-ta forma, lançava para as escolas desaúde o desafio de apresentar eimplementar projetos de mudanças naformação médica. Entre as inúmerasexpectativas de mudança, esperava-se desenvolver uma metodologia de en-sino que valorizasse a diversificaçãodos locais de ensino-aprendizagem, otreinamento em serviço e as experi-ências de aprendizagem em equipesmultiprofissionais. Mais tarde, aRede IDA incorporou o Projeto Uni evirou Rede Unida.

Hoje, depois de muita discus-são, muito estudo e muita pesqui-sa, já é possível se falar de um ou-tro modelo de educação médica: ochamado ‘modelo da integralidade’que, segundo Jadete Lampert, emseu livro Tendências de mudanças naformação médica no Brasil, “visa auma formação mais contextualizada,que leva em conta as dimensõessociais, econômicas e culturais davida da população”. Pelo novo mo-delo, no processo saúde-doença, asaúde recebe mais ênfase do que adoença; o processo ensino-apren-dizagem está centrado no aluno eem seu papel ativo na própria for-mação; o ensino da prática deveacontecer no sistema de saúde exis-

tente, em graus crescentes de com-plexidade, dentro de uma visãointersetorial de seus determinantese da importância das referências econtra-referências entre os níveis deatenção; a capacitação docente devevoltar-se tanto para a competên-cia técnico-científica quanto paraa competência didático-pedagógi-ca e para a participação e compro-metimento no sistema público desaúde; o acompanhamento da di-nâmica do mercado de trabalho éorientado pela reflexão e discus-são crítica dos aspectos econômi-cos e humanísticos da prestação deserviços de saúde e de suas implica-ções éticas; é construído um novomodelo pedagógico que integra ex-celência técnica e relevância soci-al, sustentado pela integraçãocurricular numa prática pedagógicamais interativa, em metodologias deensino-aprendizagem centradas noaluno como sujeito da aprendizageme no professor como facilitador doprocesso de construção do conhe-cimento. A mudança, como se vê,é radical. Na prática, poucas insti-tuições estão aplicando o novo mo-delo de forma integral. Em algumas,no entanto, como a Faculdade deMedicina de Marília (Fanema), emSão Paulo, e a Universidade Estadu-al de Londrina (UEL), no Paraná, asexperiências já viraram exemplo eestão se transformando em motivode estudo.

OS MECANISMOSDE AVALIAÇÃO

O Projeto da Comissão Interinsti-tucional Nacional de Avaliação das Es-colas Médicas (Cinaem) foi criado em1991 por diversas entidades represen-tativas ligadas ao ensino e à práticada medicina. Essas entidades chama-vam atenção para a relação entre ocontexto social, o contexto sanitárioe a crise no ensino médico, se pro-pondo a avaliar os componentes quepudessem melhorar a qualidade etransformar a realidade do ensinomédico no Brasil.

Na primeira fase, o projeto en-viou para as 80 escolas um questioná-rio auto-aplicado elaborado pelaCinaem, e recebeu de volta 78 ques-tionários respondidos. O objetivo eraobter informações sobre a estruturapolítica e econômico-administrativadas instituições, infra-estrutura, re-cursos humanos, modelo pedagógico,atividades de extensão e pesquisa esobre os graduandos.

A segunda fase envolveu a reali-zação de debates e discussões sobre

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os resultados da primeira etapa. Fo-ram organizadas oficinas de trabalhocom representantes do corpo discen-te e docente das escolas. Discutiu-se também a possibilidade de cons-trução coletiva de novos métodos,técnicas e instrumentos para a avali-ação da educação médica.

A terceira fase do projeto tevepor objetivo a ‘construção’ das trans-formações necessárias à boa qualidadedo ensino médico. Na quarta fase, es-perava-se que as escolas apresentas-sem suas propostas de mudanças, masisso não aconteceu. De acordo comLaura Feuerwerker, o projeto perdeuforça devido a divergências entre al-guns dos atores envolvidos na condu-ção do processo. Outro ponto que,segundo Laura teria contribuído paraenfraquecer o projeto e impossibili-tar que a avaliação realizada pelaCinaem servisse para substituir os me-canismos de avaliação propostos peloMEC — o Exame Nacional de Cursos(Provão) e Avaliação das Condições deEnsino — foi a decisão de manter emsigilo o resultado das avaliações feitaspela comissão, uma vez que as avalia-ções do MEC tinham justamente o ob-jetivo de tornar públicos os resulta-dos, como forma de pressionar asEscolas a realizarem mudanças.

De acordo com o MEC, o ExameNacional de Cursos de Graduação(Provão) foi criado com o objetivo dealimentar os processos de decisão ede formulação de ações voltadas paraa melhoria dos cursos de graduação,funcionando apenas como um dos in-dicadores a ser utilizado na avaliaçãodas escolas. Os outros indicadores queconstituem o Sistema de Avaliação daEducação Superior seriam o Censo daEducação Superior, a Avaliação dasCondições de Ensino e a AvaliaçãoInstitucional. Na área da saúde, fo-ram os alunos de Odontologia os pri-meiros a serem avaliados, já em 1997.O Provão para a Medicina foi realizadopela primeira vez em 1999 e o de En-fermagem em 2002. O conteúdo doExame para cada curso é definido porcomissões específicas, compostas porespecialistas atuantes na área e cons-tituídas após consulta às Comissõesde Especialistas de Ensino da Secre-taria da Educação Superior (Sesu), aoConselho de Reitores das Universida-des Brasileiras (Crub) e aos conselhosfederais e associações nacionais deensino de profissões regulamentadas.As Comissões de Cursos também sãoresponsáveis pela definição dos ob-jetivos, do perfil desejado para o for-mando e das habilidades e conteú-dos programáticos a serem avaliados.

Os relatórios do Provão são encami-nhados pelo Instituto Nacional de Es-tudos e Pesquisas Educaci-onais (Inep) à Sesu, órgãodo Ministério da Educaçãoresponsável pela política egestão do sistema nacionalde ensino de graduação.

‘Satanizado’ por mui-tos, o Provão tem, no en-tanto, alguns defensores.Entre eles, Tânia Nunes:

— Eu nunca fui con-tra o Provão. De certa forma, asEscolas, principalmente as priva-das, se viram constrangidas com oresultado obtido e tiveram que in-vestir em melhorias. O problema éque, se por um lado o governo foiintransigente e não acolheu as crí-ticas que recebeu para aperfeiço-ar o exame, por outro, acomunidade universitáriateve um comportamentoreativo, sem a devida ava-liação. Para mim, o Provãopode não ter sido a me-lhor idéia, mas foi umbom começo. Pena queparou no começo, e vi-rou uma questão política— justifica.

Se o Provão avalia os formandos,a Avaliação das Condições de Ensinoverifica a situação dos cursos de gra-duação, levando em conta a qualifica-ção do corpo docente, a organizaçãodidático-pedagógica e as instalaçõesfísicas, com ênfase na biblioteca. A ava-liação é feita por uma comissão de pro-fessores e serve como instrumentopara o MEC reconhecer ou renovar oreconhecimento de um curso, medi-da necessária para a emissão de di-ploma ao aluno. Além disso, a avalia-ção, realizada anualmente, tem oobjetivo de garantir a qualidade doensino de graduação, cumprindo de-terminação da Lei de Diretrizes e Ba-ses da Educação Nacional (LDB).

Eficientes ou não, limitados ounão, os mecanismos de avaliação aca-bam provocando, de uma forma oude outra, um movimento positivo nabusca de soluções para os problemas.“O Provão e a Avaliação das Condiçõesde Ensino converteram-se em com-bustível para acelerar e alimentar osmovimentos de mudanças na gradua-ção”, acredita Laura Feuerwerker.

DIFICULDADES ENOVAS ENERGIAS

A discussão sobre mudanças noensino de graduação médica está lon-ge de terminar. Muitos problemas ain-da precisam ser resolvidos. Um de-

les, segundo Tânia Nunes, diz respei-to à condição dos docentes:

— Movimentos comoesse exigem uma formaçãomaciça de docentes paraa nova realidade, com in-vestimentos e políticas pú-blicas exclusivas para isso.O conceito de diretrizescurriculares traz muita li-berdade ao professor. Épreciso que haja mecanis-mos de vigília para que essa

liberdade não afete a formação quedeve ter, no mínimo, um nível de pa-drão bom, em todo o país.

Mas as dificuldades não parampor aí. Um exemplo disso é dado porJairnilson Paim, do Instituto de Saú-de Coletiva (ISC) da Ufba, ao lembrarum pouco da história do grupo de

professores da Bahia quevem trabalhando com essaquestão desde 1970, coma criação do Departamen-to de Medicina Preventiva(DMP) na Faculdade de Me-dicina da UFBA. O grupo,do qual, em 1995, saíram osfundadores do ISC, sempreprocurou alternativas paravencer, segundo ele, “o

desafio de se problematizar e ensi-nar um conjunto de conteúdos e prá-ticas contrários ao modelo médicohegemônico e às políticas de saúdeque reproduzem o modelo médico-assistencial privatista, reatualizadopor meio do sistema de assistênciamédica supletiva”. Infelizmente, naopinião de Jairnilson, no âmbito dagraduação, houve mais fracassos doque sucessos. “Ao longo do tempo,no entanto, produzimos estudos,conferências, cursos e publicaçõessobre o ensino de graduação. Ouseja, como diria um poeta baiano,botamos todos os nossos fracassosnas paradas de sucesso”, diz ele, com-pletando com otimismo:

— Felizmente, o movimento con-tinua. A Rede Unida, a Abrasco, aAbem, o Conselho Nacional de Saú-de, o Conselho Nacional de Secretá-rios Municipais de Saúde (Conasems),entre outros, representam forças po-lítico-ideológicas que, mesmo em con-junturas adversas, têm conquistadovitórias não desprezíveis. Atualmente,novas energias e mobilização de von-tades se fazem necessárias para res-ponder com dignidade e efetividadeàs esperanças e às mudanças apon-tadas pelo povo brasileiro em outu-bro de 2002. No final, é como diz Mil-ton Nascimento: “Se muito vale o jáfeito, mais vale o que será”.

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Aprimeira idéia que vem à ca-beça dos profissionais desaúde quando o assunto éNorma Operacional é a de

um conjunto de termos técnicos, dedifícil entendimento. No entanto, to-dos percebem que elas são primordi-ais para o processo de organização egestão do Sistema Único de Saúde.Entender o contexto em que as Nor-mas foram criadas e seus mecanismose expressões mais freqüentes aindaé uma grande dificuldade. Sabendodisso, o Radis debruçou-se sobre aextensa documentação existentepara desvendar os segredos da regên-cia dessa grande orquestra, que é osistema de saúde brasileiro. Mas todaorquestra necessita de partituraspara a execução de sua música emconjunto, com cada músico execu-tando sua parte em harmonia com osoutros. Assim, não seria equivocadodizer que a ‘partitura’ dessa ‘sinfo-nia nacional’ são elas, as normasoperacionais.

Nos anos 80, após quase duas dé-cadas de ditadura militar, teve iníciono Brasil o processo de redemocra-tização, que se intensificou a partirde 1982 com as eleições para gover-nador. Este processo, marcado naárea da saúde pela Reforma Sanitá-ria e pela luta dos diversos setoresda sociedade, culminou com a pro-mulgação da Constituição de 88 ecom a criação do Sistema Único deSaúde (SUS).

Apesar de a descentralizaçãoapresentar avanços ligados ao forta-lecimento da capacidade de gestãoe à incorporação de novos atores naconstrução do Sistema, alguns desa-fios ainda precisam a ser enfrenta-dos, e entre eles estão: definir me-lhor a divisão de responsabilidadesentre a esfera estadual e municipal,definir critérios para alocar recursossegundo as necessidades da popula-ção e integrar os sistemas municipais.

Para enfrentar esses desafios,foram implementadas na década de 90as Normas Operacionais Básicas 91, 93,

96 e, em 2001, a Norma Operacionalde Assistência à Saúde (Noas), quesão orientações específicas e pac-tuadas para reorganizar o modelo degestão, alocar recursos, promover aintegração entre as três esferas degoverno e promover a transferênciapara estados e municípios das respon-sabilidades do SUS.

Os conceitos que envolvem asNormas Operacionais nem sempre sãoclaros para os gestores. Criou-se, apartir das Normas, um conjunto determinologias e conceitos que fazemparte do ‘vocabulário’ do SUS, aindaem processo de construção. Abaixo,uma descrição resumida de cada edi-ção das Normas:! Nob 91 — A Norma cria a Autori-zação de Internação Hospitalar(AIH), que é a forma pela qual sãoremunerados os prestadores de ser-viço no país; o Fator de Estímulo àMunicipalização (FEM), que são re-

passes do Governo Federal aos mu-nicípios; e os Conselhos estaduaise municipais de saúde (CES e CMS),que são órgãos deliberativos envol-vendo setores da sociedade e téc-nicos com o objetivo de formularestratégias e controlar a políticade saúde.! Nob 93 — Essa norma, que repre-sentou um avanço no processo dedescentralização, criou as ComissõesIntergestoras, que são fóruns de ne-gociação compostos por gestores dasesferas federal, estadual e municipal— Comissão Intergestores Tripartite— e pelos gestores estaduais e muni-cipais — a Comissão IntergestoresBipartite. Com a Nob/93, foi criado oFator de Apoio ao Estado (FAE), quesão repasses do Governo Federal aosEstados, e o Sistema de InformaçãoAmbulatorial (SIA), que oferece aosgestores um instrumento para cadas-tro e controle do orçamento.

Normas Operacionais:O que são? Como funcionam?

GeGeGeGeGestststststããããão do SUSo do SUSo do SUSo do SUSo do SUS

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! Nob 96 — A Norma tem como obje-tivo dividir a responsabilidade entreestados e municípios, integrar os sis-temas municipais, organizar o sistemae definir os critérios de alocação derecursos. Essa Norma implementou oPiso de Atenção Básica (PAB), estabe-lecendo um valor per capita para fi-nanciamento das ações de atençãobásica, criou a Programação PactuadaIntegrada (PPI) como instrumento deorganização do Sistema e definiu o Pro-grama Agentes Comunitários de Saúde(Pacs) e Programa Saúde da Família(PSF) como estratégias de mudança domodelo assistencial. Com a Nob 96, 99%dos municípios foram habilitados a umdos tipos de gestão e 60% dos recur-sos do Fundo Nacional de Saúde fo-ram repassados fundo a fundo para es-tados e municípios, fortalecendo assima responsabilidade dos municípios pelagestão do SUS.

PROBLEMASEm 1999, o processo de descen-

tralização passou por uma avaliação.Na ocasião, os principais problemasidentificados foram:! 89,44% dos municípios brasileirosencontravam-se habilitados na GestãoSemiplena de Atenção Básica (GSAB),mas esse índice não assegurou a qua-lidade e efetividade da atenção bási-ca em todos os municípios e nãogarantiu o acesso dos cidadãos aosdemais níveis de atenção.! Apesar de apenas 10,14% dos muni-cípios encontrarem-se em Gestão Ple-na do Sistema Municipal (GPSM) dis-pondo de maior autonomia de gestão,esses municípios ainda não assegura-ram a inserção e papel de referêncianas redes estaduais de serviços e issoestá relacionado à imposição de bar-reiras de acesso à população quemora em outros municípios.! Em relação ao financiamento do Sis-tema de Saúde, a alocação dos re-cursos humanos permanece vincula-da à lógica da oferta de serviços,tendo como referência a série histó-rica de gastos e de produção e a ca-pacidade instalada.

A NORMA OPERACIONAL DEASSISTÊNCIA A SAÚDE (NOAS)

A necessidade de definir a divi-são de responsabilidades entre esta-dos e municípios, integrar os siste-mas municipais e criar critérios paraalocar recursos, levou os gestores eprofissionais a iniciarem uma discus-são sobre as estratégias que poderi-am dar conta dessas questões. Em2001, foram criadas as NormasOperacionais de Assistência à Saúde

(Noas), com os seguintes objetivosespecíficos:! Definir o processo para regionali-zação da assistência.! Atualizar os critérios de habilitaçãodos municípios.! Ampliar as responsabilidades dosmunicípios na Atenção Básica Con-cluindo a habilitação de 100% dos mu-nicípios.

A REGIONALIZAÇÃOCOMO ESTRATÉGIA

A Noas tem como estratégia prin-cipal o processo de regionalização,que é um planejamento por meio doqual os sistemas de saúde funcionamarticulados em redes e cooperativasde atenção em territórios delimita-dos com populações definidas paragarantir o acesso dos usuários àsações e serviços que não estão dis-poníveis em seus municípios. Com aregionalização, os Estados dividiramseu território em microrregiões desaúde para garantir que a populaçãotenha acesso aos serviços o mais pró-ximo possível de sua residência.

OS INSTRUMENTOSDE GESTÃO: O QUEMUDA COM A NOAS

A palavra gerir, do latim gerere,significa, segundo os Dicionários, ad-ministrar. A administração do Siste-ma de Saúde é exercida pelosgestores das esferas municipal, es-tadual e Federal, cada qual com asua responsabilidade, função e com-

petência, mas todos tendo em mãosos instrumentos de gestão, que sãoa garantia do funcionamento do Sis-tema Único de Saúde.

Para discutir os avanços e retro-cessos trazidos com a Norma, é ne-cessário primeiramente compreenderos principais conceitos de gestão cri-ados pela Noas, que são importantesnão só para aqueles que trabalhamna gerência do Sistema, mas para acapacitação de todos os profissionaise usuários do SUS no exercício docontrole social.

Os instrumentos de gestão au-mentam a articulação entre osgestores do SUS, aprimoram a quali-dade da gestão, de planejamento ede organização dos sistemas esta-duais, regionais e municipais de saú-de. Os instrumentos de gestão sãorequisitos obrigatórios para a habi-litação dos Estados e municípios.São eles:! Agendas de Saúde — Primeira eta-pa do processo de planejamento degestão, a Agenda é um instrumentoonde estão descritos os eixosprioritários de intervenção elabora-dos pelo governos Federal, estadu-al e municipal. Criada por meio daPortaria n° 393/GM/MS, o processode elaboração da Agenda é feitoanualmente, de forma participativa,por meio de negociação nas Comis-sões Intergestores e nos Conselhosde Saúde.! Planos de Saúde — Etapa seguintedo processo de planejamento, o Plano

Situação dos estados brasileiros na habilitação à Noas

Plena do Sistema Estadual

Avançada do Sistema Estadual

Não Habilitado

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de Saúde é um documento que con-solida o processo de planejamentopor um período de quatro anos eonde estão descritos diagnósticos,estratégias e metas que são as basesdas atividades que serão desenvolvi-das pelas secretarias de saúde.! Quadro de Metas — Elaborado anu-almente, o Quadro de Metas é parteintegrante do Plano de Saúde e temcomo objetivo estabelecer as metasprioritárias das esferas municipal, es-tadual e federal.! Relatório de gestão — É uma espé-cie de ‘prestação de contas’ elabo-rado anualmente, para sistematizar edivulgar informações sobre os resul-tados obtidos, permitindo o acompa-nhamento da aplicação dos recursosrepassados pelo Ministério da Saúde.! Plano Diretor de Regionalização(PDR) — Tem como objetivo principalorganizar de forma regionalizada ehierarquizada a assistência à saúde eorganizar o estado em microrregiõesde saúde, que são estabelecidas a par-tir de níveis de complexidade dos ser-viços. Ao dividir por nível de complexi-dade, os serviços deixam de serpensados sob uma ótica municipalpara serem pensados a partir de umaótica regional. Além disso, o PDR é usa-do para a elaboração da ProgramaçãoPactuada Integrada e dos Planos deSaúde Municipais. O processo de dis-cussão e aprovação, coordenado pelaSecretaria Estadual de Saúde, é base-ado em um pacto entre os gestoresde municípios que pertencem a umamicrorregião de saúde.! Programação Pactuada Integrada(PPI) — Integra as ações e serviçosde assistência ambulatorial e hospi-talar e tem como proposta organizaros modelos de atenção e gestão doSUS, alocar recursos entre municípi-os, explicitar a distribuição de com-petência entre as três esferas do go-verno e orientar a organização dosistema de saúde e das redes de re-ferência das microrregiões. A PPI, aodescrever as responsabilidades decada gestor do sistema, programa asações que serão realizadas com o ob-jetivo de garantir o acesso da popula-ção aos serviços de saúde que podemexistir no próprio município ou em ummunicípio vizinho ou de referência. Aelaboração da Programação é feita apartir de uma negociação entre osgestores sob a coordenação da Secre-taria Estadual de Saúde.

RESPONSABILIDADESOs gestores, ao terem em mãos

os instrumentos de gestão, têm as se-guintes responsabilidades:

O RADIS ADVERTE:

O contínuo aprimoramento do Sis-tema Único de Saúde requer maise melhores diretrizes e regulamen-tos. Mas é preciso não esquecerque, como diria Sérgio Arouca, oexcesso de normas pode fazer malà Reforma Sanitária.

Na esfera Federal, o gestor é res-ponsável pela elaboração da AgendaNacional de Saúde, pela análise dosPlanos de Saúde, dos Quadros deMetas e dos relatórios de gestão dosEstados, pela elaboração do relató-rio de Gestão e da Programação Pac-tuada Integrada Nacional.

Na esfera estadual, o gestor éresponsável pelas seguintes fun-ções: elaboração da Agenda de Saú-de, do Quadro de Metas, do Rela-tório de Gestão, do Plano Diretorde Regionalização, da ProgramaçãoPactuada Integrada estadual e análi-se dos Planos de saúde e relatóriosde Gestão dos Municípios.

Nas secretarias municipais, osgestores têm como função a elabo-ração da Agenda de Saúde, do Planode Saúde, do Quadro de Metas, doRelatório de Gestão Municipal e daProgramação das Ações de SaúdeMunicipais.

AVALIAÇÃOA implantação da Noas, marcada

por muita discussão nos diversos se-tores, foi avaliada pelo Coordenadordo Departamento de AdministraçãoMédica do Sindicato dos Hospitais doEstado de São Paulo, Erik Oswaldo VonEye e pelo médico e consultor emsaúde Gilson Carvalho. De acordocom eles, a avaliação pode ser des-crita por meio dos seguintes pontos:

— É necessária uma racionaliza-ção na estrutura da gestão, pois aexigência de um grande número dedocumentos, como planos de saúdee quadros de metas, torna a gerên-cia complexa e, com isso, muitos mu-nicípios, principalmente os pequenos,acabam não conseguindo seguir anova Norma.

— Com a Noas, os municípios têmmenos autonomia na gestão do siste-ma, apesar de aumentar sua respon-sabilidade na gestão.

— Os novos critérios de habilita-ção, marcados pela rigidez, não só di-ficultam a integração dos novos mu-nicípios ao Sistema, como também

possibilita que muitos municípios pos-sam perder a habilitação por não con-seguir atendê-los.

— A obrigatoriedade de adequa-ção às novas regras em curto prazopode gerar uma adaptação apenascom o objetivo de cumprir as novasdiretrizes sem que haja melhora noatendimento da população.

Apesar dos desafios expostosna avaliação, eles consideram aregionalização um avanço no pro-cesso de descentralização, masacreditam que esse processo temque ser permanentemente avaliadoe discutido pelos diversos setoresda sociedade para que seja exerci-tado o controle social.

Saiba maisPara os interessados em saber maissobre os instrumentos de gestão doSUS, há um conjunto de Normas ePortarias para a área, que são:! Portaria/MS n° 2.203/GM de

6.11.1996 — Aprova a NormaOperacional Básica (Nob/96).

! Po r t a r i a / M S n ° 9 5 / G M d e26.01.2001 — Aprova a NormaOperacional de Assistência à Saú-de (Noas).

! Por ta r i a /MS n° 483 /GM de06.04.2001 — Estabelece e aprovaos objetivos e diretrizes gerais deProgramação Pactuada e Integrada(PPI).

! Por ta r i a /MS n° 548 /GM de12.04.2001 — O documento ‘Ori-entações Gerais para a elaboraçãoe Aplicação da Agenda de Saúde,do Quadro de Metas e do Relató-rio de Gestão como instrumento deGestão do SUS’ é aprovado por meiodessa Portaria.

! Instrução Normativa GM/MS n° 01,de 9.4.2001 — Regulamenta o pro-cesso de habilitação criado pelaNoas.

! Instrução Normativa GM/MS n° 02,de 6.4.2001 — Regulamenta a ela-boração do Plano Diretor deRegionalização (PDR) e o processo dequalificação em microrregiões.

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medicamentosmedicamentosmedicamentosmedicamentosmedicamentos

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A Escola Nacional de SaúdePública (Ensp) foi sede doSeminário ‘Acesso a medi-camentos: direito funda-

mental, papel do Estado’, realizado en-tre os dias 20 e 25 de outubro no Riode Janeiro, reunindo representantesde 19 países da América, Europa, Áfri-ca e Ásia para discutir temas ligadosao acesso a medicamentos. Um dos de-bates envolveu a questão da patentede medicamentos e sua ligação com omonitoramento feito a partir do Acor-do Trips (sigla em inglês que se refereaos aspectos de propriedade intelec-tual relacionados ao comércio) da Or-ganização Mundial do Comércio(OMC). O tema foi debatido pelo co-ordenador da área de medicamentosda Organização Mundial da Saúde(OMS), German Velasquez, e o diretorda Ensp, Jorge Bermudez.

A OMC formula e regulamenta nor-mas que regem o comércio entre ospaíses, entrou em funcionamento em1995 e possui atualmente 144 membrosque juntos representam 97% da eco-nomia mundial, segundo informaçõesdo site da Organização (www.wto.org/indexsp.htm). Criado a partir de nego-ciações entre os países participantesda OMC, o Acordo Trips estabelece ospadrões mínimos de Direito de Propri-edade Intelectual na área comercial eé um documento importante sobrepatentes de medicamentos, apresen-tando normas e diretrizes para o co-mércio desses produtos.

Ao falar sobre o Acordo Trips,Jorge Bermudez e German Velasquezressaltaram que esse é ainda um

tema difícil e, se por um lado pou-cas pessoas estão familiarizadas, poroutro há uma grande necessidade ,hoje, de incluí-lo na pauta das dis-cussões dos profissionais que traba-lham com medicamentos na SaúdePública. Para os dois conferencistas,a solução está não só na elaboraçãode estudos para a construção de es-tratégias de políticas públicas, mastambém na criação de fóruns de de-bates para a divulgação de informa-ções sobre a importância do temapara a Saúde Pública.

O grande desafio do Acordo, se-gundo os dois, está na capacidade decada país fazer a sua interpretação,não a partir dos interesses comerci-ais das empresas, mas dos interessesda saúde pública da população. ParaGerman Velasquez, o surgimento denovos atores nos movimentos sociaiscomo, por exemplo, os ativistas da lutacontra a Aids e a Organização Médi-cos sem Fronteiras, está contribuin-do para consolidar uma nova visãoacerca do Acordo Trips, centrada nosinteresses da saúde pública.

Para Velasquez, o núcleo das dis-cussões que cercarão o tema nospróximos cinco anos encontra-se nosdebates acerca das patentes de me-dicamentos. “Ao considerar que oacesso aos medicamentos é um direi-to humano, é necessário orientar oAcordo Trips para esse objetivo equestionar se produtos que envol-vem os direitos humanos são realmen-te patenteáveis” disse. Segundo ele,o Acordo trata os medicamentoscomo qualquer outro bem de con-sumo, mas um medicamento que

pode salvar vidas não pode ser consi-derado como qualquer mercadoria.

Além disso, outras questões têmque ser discutidas e uma delas é ofato de que, nos países que não pos-suem sistema de patentes, os novosmedicamentos chegam no mercadocom um alto preço. “Essa questão temque ser discutida tendo às mãos oAcordo Trips”, diz Velasquez. Outraquestão importante está ligada aoatraso na entrada de genéricos nospaíses que têm menos de 20 anos deproteção de patentes. Com isso, oacesso aos medicamentos mais bara-tos fica prejudicado pelo Acordo.

Foram ainda abordados durante oSeminário os avanços e retrocessos queprecisam ser discutidos pelos países paraadaptar o Acordo aos problemas e de-safios de saúde nas localidades. Apesardos problemas, para Velasquez eBermudez o Acordo precisa ter, comoprincipal objetivo, tornar os medicamen-tos mais acessíveis, respeitando-se asespecificidades de cada local.

Segundo o coordenador da OMS,para uma melhoria do acesso aos me-dicamentos, os países devem prestaratenção aos seguintes pontos:! Introduzir uma perspectiva da Saú-de Pública nos Sistemas de proteçãode propriedade intelectual para osmedicamentos.! Usar a flexibilidade permitida peloAcordo Trips.! Implementar a Declaração de Doha(elaborada na cidade de Doha, no Ca-tar, em 2001), que introduz novas ne-gociações comerciais multilateraiscom o objetivo de criar um sistemade comércio agrícola voltado para omercado.! Acompanhar o impacto dos novosacordos comerciais na saúde pública.! Implementar políticas públicas quepromovam o controle de preços.! Facilitar o acesso à informação emelhoria na eficiência na distribuiçãode medicamentos.

Com essas medidas, os dois pes-quisadores acreditam que, se hoje asmaiores beneficiadas com o Acordosão as empresas transnacionais, estequadro pode ser revertido se houvervontade política para implementar asmudanças.

Objetivo do Acordo Trips deve sertornar medicamentos mais acessíveis

Jorge Bermudez e German Velasquez

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aids e ética em pesquisaaids e ética em pesquisaaids e ética em pesquisaaids e ética em pesquisaaids e ética em pesquisa

A solução mais justa e inovado-ra, segundo Godfrey, é a produçãode uma vacina eficaz e barata, pois“as maiores epidemias, como poliomi-elites, febre-amarela e cólera, têm sidoeliminadas ou controladas por meiodessa ação”. O problema, portanto, éa carência de recursos adequados quedeveriam ser aplicados na África. Paraele, os recursos existentes estão sen-do usados apenas em outras partes domundo, principalmente no ocidente.

“A solução mais justa e inovadora éproduzir vacina barata e eficaz”

Alterar o trechoda Declaração deHelsinque que

garante às cobaias o ‘melhormétodo comprovado’

de tratamento para ‘melhormétodo disponível’, como

sugerem cientistas de paísesdesenvolvidos, principalmente

dos Estados Unidos, serialiberar oficialmente

as pesquisascom placebo emregiões pobres.

Katia Machado

“Se a Aids representa o maiortormento do milênio, a Áfricaé o centro de atenção do glo-bo”. Com essas palavras, o

professor Godfrey Tangwa, da Univer-sidade de Yaounde, em Camarões, ex–presidente da Associação Internaci-onal de Bioética ( InternationalAssociation of Bioethics — IAB), ini-ciou sua palestra a ‘Aids e a ética napesquisa com vacinas na África’, du-rante o VI Congresso Internacional deBioética. Ele chamou a atenção paraa propagação da Aids na região afri-cana, que vem levando à morte gran-de parte da população e deixandoórfãs milhares de crianças.

Segundo o pesquisador, até2001, dos 40 milhões de casos deAids constatados no mundo, 28,5 mi-lhões surgiram na África, represen-tando mais de 70% do total. Nessemesmo ano, surgiram 3,5 milhões denovos casos na região, um númeroespantoso se comparado aos 5 mi-lhões surgidos no mundo. Paralela-mente, cerca de 2 milhões de pes-soas morreram em decorrência dadoença que deixou 11 milhões decrianças órfãs. Como esclareceuGodfrey, “a epidemia de Aids na Áfri-ca toma proporções ainda maiores,pois vem acompanhada da pobrezae da dificuldade de acesso à saúde,à comunicação, à locomoção; da fal-ta de compromisso das autoridadespúblicas e da persistência de práti-cas e hábitos de riscos na popula-ção, como a resistência ao uso depreservativos”.

Nascido em Camarões, o ex-presidente da IAB relatou aindacomo a Aids está avançando em seupaís. Até 2001, havia cerca de 15milhões de soropositivos, elevandoo índice de infecção no país que,em 1987, era de 0,05%, para 11,8%.O ano de 2001 apresentou mais deum milhão de pessoas infectadaspelo HIV, incluindo mais de 50 milcrianças. A doença deixou tambémoutras 210 mil crianças órfãs.

A Declaração explicita: “O bem-estardo sujeito deve ter precedência so-bre interesses da ciência e da socie-dade”. Afinal, de acordo com Godfrey,a ciência e a sociedade foram inven-tadas pelo homem e não vice-versa.“Por isso, uma pesquisa deve seguiros seguintes princípios: o não-dano, anão-exploração, e a não-injustiça.Além disso, a participação de sereshumanos em pesquisas deve aconte-cer a partir de um consentimento vo-luntário e esclarecido”, completou.

Para o professor de Infectologiada Universidade Federal de Minas Ge-rais (UFMG), Dirceu Greco, que apre-sentou a conferência ‘Poder e injus-tiça na pesquisa com seres humanos’no VI Congresso Mundial de Bioética,a Declaração de Helsinque deve sera ponta de lança para melhorar oacesso aos cuidados de saúde, per-mitindo que todos sejam beneficia-dos pelas pesquisas. Segundo ele, foipor isso que o governo brasileiro semanifestou contra as propostas de al-terações no documento. Uma delas,sugerida por cientistas de países de-senvolvidos, principalmente dos Esta-dos Unidos, visaria alterar o trechoque garante às cobaias o ‘melhormétodo comprovado’ de tratamentopara a expressão ‘melhor método dis-ponível’. “Isso liberaria oficialmenteas pesquisas com placebo em regiõespobres”, explicou o infectologista.

Para Greco e Godfrey, favoráveisàs pesquisas com seres humanos, oproblema surge ao se estabelecer osobjetivos e os limites dessa prática.Segundo Godfrey, todas as pesquisascom seres humanos seguem um mer-cado orientado e, por isso, estão sem-pre em busca do lucro dirigido, sus-tentando uma moral cega e um altograu de racionalidade. “Surgem comoconseqüências possíveis os argumen-tos econômicos e pragmáticos quepodem ser facilmente apresentadossob uma falsa roupagem de ética”, es-clareceu o professor. Para ele, a éti-ca deve ser entendida segundo a cha-mada ‘regra áurea’, de não fazer aosoutros o que não gostaríamos que fi-zessem a nós mesmos.

PRINCÍPIOS ÉTICOSDA PESQUISA COMSERES HUMANOS

“As pesquisas para descobriruma vacina, portanto, têm que es-tar acompanhadas de princípios éti-cos”, disse Godfrey. Como princípionorteador, ele cita o artigo 5º da De-claração de Helsinque (documentoque busca regulamentar as pesquisascom seres humanos adotada na 18ªAssembléia Médica Mundial, emHelsinki, na Finlândia, em 1964, e al-terada em 1975, em Tóquio, em 1983,em Veneza e em 1989, em Hong Kong).

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ssssserererererviçviçviçviçviçososososos

EXPOFAR 2003 DISCUTIRÁ ATUAÇÃODOS FARMACÊUTICOS

OPalácio de Convenções Anhembi,em São Paulo, sediará o V Semi-

nário Internacional de Farmacêuticose o XIII Congresso Paulista de Farma-cêuticos, que acontecerá entre osdias 17 e 20 de maio de 2003. Tendocomo tema central ‘Assistência Far-macêutica: a Saúde em nossas mãos’,os debate discutirão as várias áreasde atuação do farmacêutico, seu pa-pel dentro da equipe multidisciplinarde saúde e sua responsabilidade nocumprimento da Atenção e Assistên-cia Farmacêutica.Mais informações:Tel.: (11) 3067-1468E-mail: [email protected]

XVI CONGRESSO MUNDIAL DE SEXOLOGIA

Com o tema ‘Sexualidade e Desen-volvimento humano: do discurso

a ação’, o Palácio das Convenções,em Havana, Cuba, será a sede do XVICongresso Mundial de Sexologia. Oevento, que ocorrerá entre os dias10 e 14 de março, está aberto paraassistentes sociais, médicos, pesqui-sadores, comunicadores, entre outrosque desenvolvem trabalhos afins. Oencontro, que tem como um dos ob-jetivos a discussão da saúde sexualconquistada por meio da educação,tem o apoio da Organização Mundialda Saúde, Organização Pan–America-na da Saúde e Associação dos Psiqui-atras de Cuba. O prazo para envio detrabalhos já terminou, mas as inscri-ções podem ser feitas até março.Mais informações:E-mail: [email protected]: www.cubasexología.com

CONGRESSO DA REDE UNIDA: MUDANÇADE DATA

OIV Congresso da Rede Unida, queacontecerá em Londrina/PR, foi

antecipado para o dia 24 de maio eirá até o dia 27. O Congresso temcomo tema ‘Governos novos, desafi-os antigos: investindo sempre nos pro-cessos de mudança’. Acontecerãoainda, durante o evento, o I FórumNacional de Redes em Saúde e a IIMostra Paranaense de Produção em

saúde da Família. O prazo para enviode resumos termina no dia 15 de de-zembro, mas as inscrições continuarãoabertas para todos os interessados.Mais informações: Rede UnidaRua Souza Neves 9/110 —Londrina/PRCEP: 86010-921Tel.: (43)324-2340E-mail: [email protected]: www.redeunida.org.br

PUBLICAÇÕES

LANÇADO MANUAL DE VIGILÂNCIA DASAÚDE DE POPULAÇÕES EXPOSTAS AAGROTÓXICOS

Foi lançado recentemente pela Or-ganização Pan–Americana da Saú-

de o Manual de Vigilância da Saúdede Populações Expostas a Agrotóxicos.O documento, ao apresentar as ex-periências de projetos desenvolvidosno Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia,Paraná e Minas Gerais, tem comoproposta orientar os estados na im-plantação do Sistema de Vigilância daSaúde de populações Expostas aAgrotóxicos. Dentre as questões abor-dadas pelo manual, destacam-se ori-entações sobre coleta de dados e sis-tema de notificações.Mais informações: Organização Pan-Americana de SaúdeSite: www.opas.org.br

BIOÉTICA É TEMA DE PUBLICAÇÃO

Foi lançado recentemente pela Edi-tora Interciência o livro organiza-

do por José Lins Telles e Silvio Valle,‘Bioética & Biorrisco: Abordagem

Transdisciplinar’ que aborda questõescomo o desenvolvimento de plantastransgênicas, segurança dos alimen-tos transgênicos, bioética e clonagemhumana. A publicação tem o apoio daUniversidade Federal do Amazonas, daFundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), edo Conselho Nacional de Desenvolvi-mento Científico e Tecnológico(Cnpq).Mais informações: Editora InterciênciaE-mail: [email protected]

NA INTERNET

MANUAL DO PROGRAMA BOLSA ESCOLA

C riado pela Medida Provisória2.140, de 13 de fevereiro de 2001,

o Programa Nacional de Renda Míni-ma vinculada à educação — ‘Bolsa Es-cola’ —, tem como proposta a con-cessão de incentivo financeiro mensalàs famílias em situação de risco. OMinistério da Educação criou um Ma-nual do Programa para os interessa-dos em saber mais sobre a proposta.Mais informações:Ministério da EducaçãoSite: www.mec.gov.br/home/bolsaesc/manual/index.htm

CURSOS

ABERTAS INSCRIÇÕES PARA O CURSO DEESPECIALIZAÇÃO EM ÉTICA APLICADAE BIOÉTICA

Estão abertas as inscrições para oCurso de Especialização em Ética

Aplicada e Bioética, que vão até odia 31 de janeiro. Organizado pelo Ins-tituto Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), o Curso tem como objetivonão só a ampliação do conhecimentosobre Ética, Ética Aplicada e Bioética,mas também a formação de uma mas-sa crítica de profissionais capazes dedebater o tema. Para concorrer àsvagas, o candidato terá que ter for-mação universitária completa em qual-quer área do conhecimento e umacarta de recomendação de profes-sores. O curso começará no dia 10de março de 2003 e terminará no dia17 de dezembro de 2004.Mais informações:Secretaria Acadêmica do IFF/FIOCRUZAv. Rui Barbosa, Nº 716, 4º andarFlamengo, Rio de Janeiro / RJCEP: 22250-020Tel.: (21) 2553-0052

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PÓS-TUDOPÓS-TUDOPÓS-TUDOPÓS-TUDOPÓS-TUDO

História de Ano Novo

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mais tempo pro prazer, mais tempopros filhos, pros amigos, pro amor.Chega de mentiras, basta de covardiae omissão, mais disciplina, maiscoragem, menos preguiça. Maispreguiça, menos tensão. Mais tesão,em todos os sentidos. Pega o velho,embrulha na retrospectiva do últimojornal de domingo e joga no lixo.Hoje, a partir da meia-noite, é umnovo ano, de um novo tempo, de umnovo mundo, de um novo-eu.

Uma longínqua estrela, a gigantevermelha Betelgeuse, por exemplo,não sabe disso. A pequenadrosófila que sobrevoaessas bananas podresde Ferreira Gullar —

Caco Xavier

Era a passagem de ano de 1974 para1975, e eu tinha dezesseis anos.

Menino carioca e suburbano, ouviatardiamente os Beatles e os RollingStones, docemente miscigenadoscom o som dos bárbaros baianos.Pela primeira vez, a família saiu deVista Alegre para romper o ano emCopacabana, a convite de um ‘tio-que-deu-certo’.

Sentado sozinho na imensa praia— vazia da multidão de hoje em dia —, senti chegar meu momento (“pon-teio!”). Roupa totalmente branca, omais próximo da postura do lótus quemeus joelhos ralados de futebol devárzea permitiam, eu fitava o céu ne-gro, murmurava preces de menino,misturando o maha-mantra recente-mente aprendido com catolicices crô-nicas, e me encantava com os alga-rismos ímpares e díspares do novo ano:1975. “Vai ser o meu ano”, pensei, “omeu ano”. Vou conseguir tudo o quedesejo, tudo de bom.

Sensação de poder recomeçar,de poder esquecer ‘o que passou’ etornar-se um outro, um pouco maisparecido com a imagem ideal quefazemos de nós mesmos. Fazer dieta,deixar de fumar, ganhar dinheiro, ter

símbolos do velho e corrompido —também não tem a menor idéia de que,num átimo, tudo se fez novo, porquenossos relógios marcaram a hora zeroe porque em (quase) todo o mundopessoas contaram regressivamente eexplodiram em berros de artifício ese abraçaram com força e se beijarame choraram e fizeram as pazes edesejaram umas às outras sorte,muita saúde, muita paz. Pior para aimensa Betelgeuse e para a minúsculamosquinha, condenadas a permane-cerem as mesmas, perpetuamente. Nós,porém, viramos novos de uma noite parao dia, e podemos recomeçar.

Aquele 1975 não foi um anobom, não mesmo, nem chegou pertodisso. Não me lembro direito dele,parece até que passou em branco.Mas jamais esqueci aquela sensaçãode, sentado na areia e mirando uminfinito negro, inspirar fundo erepetir pra mim mesmo: “Vai ser omeu ano”. O que seria de nós se nãofosse a possibilidade de acreditar que,nós e o mundo, podemos ser outros acada ano novo? O que seríamos? Umabola de gás ou inseto de fruta.