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Dimenso cultural na formao de professores

DIMENSO CULTURAL NA FORMAO DE PROFESSORES

VIII CONGRESSO ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAO DE EDUCADORES - 2005 UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - PRO-REITORIA DE GRADUAO

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Dimenso cultural na formao de professores

SUMRIOCOMUNICAES CIENTFICAS

Pginas 04 13 20 A INCORPORAO DO HABITUS E A DIMENSO CULTURAL DA FORMAO DE PROFESSORES. Adriane Knoblauch (PUC/SP/EHPS). Agncia financiadora: CNPq. CARACTERSTICAS E HABITUS DOCENTE EM EDUCAO PROFISSIONAL DE NVEL TCNICO. Fernanda Maria Fornaziri Musto; Luci Regina Muzzeti (FCL/UNESP/Araraquara). EDUCAO ESCOLAR/CULTURA/VALORES: UMA REFLEXO NECESSRIA AO PROCESSO DE FORMAO DO EDUCADOR. Profa. Dra. Sonia Aparecida Ignacio Silva (Universidade Catlica de Santos). FATORES QUE CONDICIONAM PROFESSORES DE SUCESSO. Selma Cristina vila Moissa; Lucia Helena Tiosso Moretti (UNOESTE). GEOGRAFIA E LITERATURA: MEIOS DE CONSTRUIR E MODELAR SIMBOLICAMENTE O MUNDO. Maria Dalva de Souza Dezan Mestranda em Geografia; Professor Assistente Doutor Fadel David Antonio Filho Departamento de Geografia (IGCE/UNESP/Rio Claro). INFNCIA E MODERNIDADE: IMPLICAES PARA A FORMAO DE PROFESSORES. Anilde Tombolato Tavares da Silva (UEL); Pedro ngelo Pagni (FFC/UNESP/Marlia). NOTAS SOBRE O PROBLEMA DA FORMAO DE PROFESSORES. Rodrigo Pelloso Gelamo; Mrcia Machado de Lima Programa de Ps-Graduao em Educao. (FFC/UNESP/Marlia). O CLIMA CULTURAL CONTEMPORNEO TENSIONANDO FORMAO DE PROFESSORES COM PRETENSES EMANCIPATRIAS. Andreia Cristina Peixoto Ferreira; (PPGE/UNIMEP UFG/CAC). Apoio Financeiro: CNPq. O QUE FORMAAO PARA A FORMAO DE PROFESSORES: PRIMEIRAS NOTAS. Mrcia Machado de Lima. Programa de Ps-Graduao em Educao (FFC/UNESP/Marlia). PROFESSOR, ALUNO: CADA QUAL EM SEU LUGAR. Marieta Gouva de Oliveira Penna. (PUC/SP: Educao: Histria, Poltica, Sociedade). Agncia Financiadora: CNPq. PROFESSORA DE EDUCAO FSICA ESCOLAR E SUA TRAJETRIA PROFISSIONAL: SATISFAO E/OU DESCONTENTAMENTO? Fabio Junio Valentim (CEF/UFSCar); Glauco Nunes Souto Ramos (DEFMH/UFSCar). PROFISSO DOCENTE: OPO CONSCIENTE OU CAUSALIDADE DO PROVVEL? Noemi Bianchini (FCL/UNESP/Araraquara). RELAO ESCOLA-FAMLIA: AS CONTRIBUIES NO PROCESSO DE ESCOLARIZAO SOB A PERSPECTIVA DOS PROFESSORES. Marilene Cesrio (UEL doutoranda da UFSCar); Silvia Gaia (CEFET/PR doutoranda da UFSCar); Dra. Aline M. M. Reali; Dra. Regina Tancredi (UFSCar). ROMANCES NO ENSINO DE HISTRIA DA EDUCAO: UMA PERSPECTIVA HUMANSTICA NA FORMAO DO PROFESSOR. Profa. Dra. Dislane Zerbinatti Moraes (FE/USP).

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A INCORPORAO DO HABITUS E A DIMENSO CULTURAL DA FORMAO DE PROFESSORESKNOBLAUCH, Adriane (PUCSP/EHPS)

O presente texto pretende contribuir com as discusses em torno da dimenso cultural na formao de professores, por meio de abordagem sociolgica, ancorada, sobretudo, nos estudos de Pierre Bourdieu, tendo em vista a possibilidade de anlise crtica e profunda da escola e de seus professores por meio da perspectiva relacional aqui assumida. Os dados aqui analisados foram coletados para minha dissertao de mestrado, que no teve como foco a formao de professores, mas a implementao da proposta de Ciclos de Aprendizagem em uma escola da periferia de Curitiba que oferece os anos iniciais do ensino fundamental. No entanto, por meio da observao das prticas criadas pela escola para o enfrentamento do no aprendizado dos alunos, foi possvel perceber que a escola possui marcas prprias da sua cultura, que foram historicamente construdas e que so internalizadas e incorporadas pelos professores ao longo de sua socializao profissional. Tal processo, constitutivo do habitus profissional dos professores, ocorre de forma tcita, implcita e no consciente. Conhecer esta dimenso cultural da formao de professores se faz necessrio, tendo em vista que a compreenso o primeiro passo para a interveno. Inicialmente sero apresentadas algumas consideraes a respeito da cultura da escola e de seu processo de institucionalizao. Num segundo momento, os dados sero analisados por meio de dois descritores: a organizao da escola e as alteraes no processo avaliativo. 1. ALGUMAS CONSIDERAES SOBRE A ESCOLA E A CULTURA. Em seu texto Sistemas de ensino e sistema de pensamento, Bourdieu afirma que a escola, em diferentes momentos histricos, a instituio responsvel por transmitir, por meio da comunicao, um conjunto de esquemas fundamentais, automatismos interiorizados, que teria como funo a seleo de futuros esquemas com o sentido de sustentar o pensamento, mas tambm podem, nos momentos de baixa tenso intelectual, dispensar de pensar (Bourdieu, 2004a, p. 209). Assim, a escola seria a responsvel por transmitir uma fora formadora de hbitos, ou seja, um programa de pensamento e ao comum a um momento histrico, por meio do qual diferentes atos e prticas seriam regulados. Neste sentido, ento, a escola teria a funo de transmitir um habitus cultivado, isto , um sistema de disposio geral baseado numa mesma cultura. Desta forma, a internalizao da cultura, para Bourdieu, similar incorporao do habitus, compreendendo este como um conjunto de disposies fortemente internalizado que regula prticas, sem obedincia consciente a regras, adaptando-as a seu fim, sem o conhecimento consciente desta finalidade. Neste sentido, a metfora de uma orquestra sem regente define bem o conceito de habitus para Bourdieu. Ou seja, o habitus produz prticas, o princpio de engendramento

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delas numa relao dialtica entre condies objetivas exteriores ao sujeito e condies subjetivas, sem que o sujeito perceba a sua incorporao. (Bourdieu, 2003). Mas, vale ressaltar que para Bourdieu:A cultura no apenas um cdigo comum nem mesmo um repertrio comum de respostas a problemas recorrentes. Ela constitui um conjunto comum de esquemas fundamentais, previamente assimilados, e a partir do quais se articula, segundo uma arte da inveno anloga da escrita musical, uma infinidade de esquemas particulares diretamente aplicados a situaes particulares. (Bourdieu, 2004a, p. 208).

Desta forma, ento, possvel compreender que um mesmo habitus admite prticas diferenadas j que para Bourdieu h diferentes modos de engendramento do habitus, os quais so explicados pelas condies especficas de existncia. Desta forma, as prticas no devem ser encaradas como uma reao mecnica do sujeito, mas como um produto da relao entre o habitus e uma determinada situao conjuntural. Ou seja, h prticas singulares dado que h diferentes trajetrias possveis dentro de uma mesma condio social. Sendo assim, Bourdieu afirma que o agente socialmente construdo de reestruturao em reestruturao de seu habitus, ou seja, novas experincias so integradas ao habitus inicial. (Bourdieu, 2003). Ao utilizarem o conceito de habitus em suas anlises sobre o sistema escolar, Bourdieu e Passeron (1982) afirmam que a funo da escola, ao divulgar o arbitrrio cultural, inculcar um habitus que seja mantido mesmo aps o fim do trabalho escolar. Ou, em outras palavras, a organizao da escola forma e conforma a todos aqueles que passam por ela, especialmente no caso de professores, que, como alunos, vivenciaram uma srie de experincias to formativas quanto o prprio processo de formao em cursos especficos para esse fim. Neste sentido, possvel concluir que a escola, alm de divulgar o arbitrrio cultural e reforar as desigualdades sociais mascarando seus mecanismos de seleo por meio da ideologia do dom e da meritocracia (Bourdieu, 2001), tambm prepara seus futuros professores, fato apontado por Bourdieu e Passeron (1982), ao considerarem os professores como antigos bons alunos que assumem as regras da instituio escolar, pr-disposio que decorre do prprio processo de formao e experincia escolar. Outros autores tambm alertam para o fato de que a formao docente ocorre antes do processo de escolarizao profissional formal (Cf. Marcelo Garcia, 1999), mas, segundo Gimeno Sacristn (1999) o conceito de habitus permite compreender a prtica educativa como cultura compartilhada num processo de dilogo entre o presente e o passado. A relao entre habitus e cultura compartilhada por meio de processos de institucionalizao apresentada por Gimeno Sacristn (1999) permite uma aproximao com o conceito de cultura escolar apresentado por Julia (2001): um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de prticas que permitem a transmisso desses conhecimentos e a incorporao desses comportamentos. Contudo, a anlise de tais normas e prticas deve considerar os professores que so chamados a obedecer a essas ordens e, portanto, a utilizar dispositivos pedaggicos encarregados de facilitar sua aplicao e

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tambm a anlise e identificao dos modos de pensar e de agir largamente difundidos no interior de nossas sociedades. (p. 10-11). Viao Frago (1998)1 define a cultura escolar de forma muito prxima da definio dada por Julia. Segundo ele, cultura escolar pode ser definida como:Conjunto de idias, princpios, critrios, normas e prticas sedimentadas ao longo do tempo nas instituies educativas: modos de pensar e de atuar que proporcionam a seus componentes estratgias e pautas para desenvolver-se tanto nas aulas, como fora delas no resto do recinto escolar e o mundo acadmico e integrarse na vida cotidiana das mesmas. Estes modos de fazer e de pensar mentalidades, atitudes, rituais, mitos, discursos, aes -, amplamente compartilhados, assumidos sem mas, no postos em questo e interiorizados, servem a uns e a outros para desempenhar suas tarefas dirias, entender o mundo acadmico-educativo e fazer frente tanto s mudanas ou reformas com s exigncias de outros membros da instituio, de outros grupos e, em especial, dos reformadores, gestores e inspetores. (Viao Frago, 1998, p. 5).

Assim, a cultura escolar entendida como perspectiva de anlise que engloba a forma pela qual a escola historicamente se organizou de modo a criar regras ou normas, incorporando modos de agir dentro e fora do espao escolar. Tais regras podem ser encaradas como a prpria rotina da escola, ou seja, a forma como a escola se tornou escola, tal como a conhecemos hoje, que o resultado de condicionantes externos, de reformas educativas e da cultura acadmica e profissional dos agentes que trabalham e vivem no interior da escola, incorporada na forma de habitus. 2. A CULTURA COMPARTILHADA DA ESCOLA GRADUADA COMO CONSTITUINTE DO HABITUS DOCENTE. Como foi afirmado acima, a escola possui mecanismos que formam professores por meio da institucionalizao da cultura compartilhada, que admite prticas diferenadas, ainda que nos limites de um mesmo habitus social e historicamente construdo. A escola que observei para a anlise que realizei em minha dissertao de mestrado apresentou duas marcas fortes na cultura da escola constituintes do habitus docente, quais sejam: a manuteno da lgica da organizao de grupos pretensamente homogneos e o registro da avaliao, construdo de forma burocratizada e dissociado do processo de ensino e aprendizagem, com funo classificatria. Vale destacar que tais caractersticas foram centrais para a organizao da escola graduada, conforme indica Souza (1998), mas permanecem no interior da escola, mesmo com a adoo da organizao escolar por meio de ciclos, como mostra a anlise dos dados a seguir.

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2.1. A organizao da escola. De um modo em geral, a escola pesquisada demonstrou interesse em re-organizar a escola tendo em vista a implantao dos ciclos de aprendizagem2. As turmas, ao final de 2001, foram mantidas as mesmas durante o ano de 2002, como sugeriu a proposta, de forma que no foram feitos re-agrupamentos dos alunos conforme o desempenho acadmico. Na medida do possvel, as professoras acompanharam as turmas ao longo do ciclo e avaliaram tal prtica de forma positiva, pois, segundo uma das professoras observadas, houve uma melhor integrao entre professor e aluno, uma continuao de trabalho. No entanto, considera tambm que teve um lado negativo, pois os alunos ficaram muito ntimos e fica o maior bate-papo o tempo todo na sala. Entretanto, o fato de tal medida possibilitar um melhor conhecimento dos alunos, principalmente de suas dificuldades, foi considerado pelas professoras como o grande avano, pois tal conhecimento, segundo elas, facilita o planejamento das aulas. Isto foi percebido na forma como as professoras organizavam suas aulas. O planejamento era feito, na medida do possvel, em conjunto, e o que orientava a escolha do contedo a ser trabalhado, bem como das atividades a serem desenvolvidas em sala, era o desenvolvimento da maioria dos alunos, e no uma lista rgida de contedos, o que revela uma tentativa em incorporar a idia de continuidade preconizada pela proposta. Outro fato bastante revelador a constante preocupao das professoras, e da escola em geral, com alunos que demonstravam maiores dificuldades os quais, no regime seriado, seriam reprovados. A equipe pedaggico-administrativa da escola reorganizou o horrio das aulas de Educao Fsica de modo que foi possvel destinar uma professora para o atendimento do contra-turno, funo no prevista pelos documentos veiculados pela Secretaria Municipal de Educao. Assim, os alunos avaliados pelas professoras regentes como sendo aqueles com maiores dificuldades freqentavam a escola em horrio contrrio, em mdia 4 horas semanais, distribudas por 2 dias durante a semana. Alm desse atendimento, havia o auxlio da professora co-regente, uma funo criada pela proposta e que deveria auxiliar a professora regente, pelo menos um dia durante a semana, no que fosse necessrio. Inicialmente, a professora co-regente ficava junto com a regente em sala de aula, auxiliando os alunos com maiores dificuldades. Como, segundo as professoras, o resultado de tal trabalho no estava sendo satisfatrio, pois muitos alunos ainda no estavam alfabetizados, a atuao da co-regente foi re-organizada: alm de acompanhar a professora em sala de aula, ela passou a trabalhar com esses alunos um dia durante a semana em aulas de reforo, no mesmo perodo de aula, com atividades prprias do incio da alfabetizao: reconhecimento de letras, escrita do nome, etc. Apesar das professoras demonstrarem uma grande preocupao com alunos com maiores dificuldades, as estratgias adotadas para o enfrentamento deste problema indicam que um dos elementos da lgica da escola seriada, a homogeneidade na organizao de turmas, ainda estava sendo utilizada como padro de organizao. Isto , em que pese o fato das professoras demonstrarem uma tentativa em incorporar a idia de continuidade presente na proposta de ciclos

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organizando o ensino em funo da maioria dos seus alunos, para aqueles que no conseguiam acompanhar e que, portanto, no se encaixavam nesta maioria foram previstas uma srie de alternativas de recuperao paralela. No entanto, tais alternativas ocorriam fora da sala de aula por outras professoras, de modo que a prtica da professora regente continuava inalterada. Esse fato foi constatado pelas prprias professoras, pois ao serem indagadas sobre as mudanas que a proposta de ciclos estava operando em seu cotidiano e em suas aulas, afirmaram que mudou pouca coisa, eu j trabalhava assim, antes do ciclo, ento no mudou muito... O que mudou que a gente agora acompanha os alunos durante o ciclo. A grande dificuldade observada foi, ento, o trabalho com a heterogeneidade reforada pela no reprovao dos alunos, pois as estratgias encontradas para o trabalho com alunos com maiores dificuldades foram estratgias j conhecidas pela escola, mantendo o padro de organizao baseado na constituio de grupos pretensamente homogneos para o trabalho de reforo escolar, fora da sala de aula, com outras professoras. Tendo em vista que esta dificuldade tambm foi constatada por outras pesquisas (Ferreira, 2001; Oliveira, 2000; Oliveira 2003, por exemplo), possvel consider-la como constituinte do sistema de disposies incorporado pelo professorado ao longo do seu processo de socializao profissional, durvel e, muitas vezes, por eles no explicitados, estando, contudo, na origem de suas prticas, ou seja, constituinte de uma faceta do habitus, tal como define Bourdieu. No somente a regularidade ou a permanncia destas prticas, entretanto, que nos levam a consider-las como constituinte do habitus, mas a incorporao de disposies e esquemas de pensamento que engendram determinadas prticas, ou seja, a compreenso de que tais prticas so produtos de um modus operandi, de uma mesma lgica. Desta forma, o padro de organizao escolar da escola graduada baseado na organizao de grupos pretensamente homogneos uma marca forte da cultura da escola e presente no habitus docente, tendo em vista que o habitus social e historicamente construdo. 2.2. ALTERAES NO PROCESSO AVALIATIVO. A proposta de Ciclos de Aprendizagem parece ter incentivado prticas j existentes na escola, como foi o caso da avaliao mais processual. Assim, as professoras afirmaram, o que tambm foi observado, que no faziam provas bimestrais, mas consideravam todas as atividades que os alunos faziam em aula, de forma a avaliar o processo de aprendizagem e no, somente, seu produto. A grande alterao foi no registro desta avaliao: ao invs da nota, as professoras deveriam elaborar um parecer descritivo de seus alunos. No entanto, a anlise da forma como era feito permite demonstrar que a dissociao entre o registro da avaliao e a processo de ensinoaprendizagem permanece na cultura da escola. Foi constatado que as professoras atribuam conceitos para seus alunos e os alunos conceituados da mesma forma, recebiam o mesmo parecer descritivo. Por exemplo, para os alunos que a professora B conceituou como regular, que segundo ela, escrevem, mas precisam de muita reescrita, ela assim escreveu em seus pareceres:

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O aluno expe com clareza e objetividade suas idias, relatos dirios, histrias ouvidas e necessidades, oralmente. Reconhece todas as letras do alfabeto e l com auxlio da professora palavras em textos simples e faz tentativas de escrita. (Parecer descritivo de aluno da professora B). De um modo geral, pude observar que os alunos conceituados por ela como regular conseguiam ler, porm, mais lentamente que os demais e precisavam de ajuda para a interpretao de textos lidos. Alm disso, na escrita de palavras faziam mais trocas ortogrficas. O texto a seguir representativo desse grupo de alunos3: Figura 1. Exemplo de atividade de aluno considerado como regular pela professora B.

Os alunos considerados pela professora como fraco so aqueles ainda no alfabetizados, que apenas reconhecem letras, mas no conseguem ler e quando tentam escrever, utilizam letras sem qualquer relao com seu fonema. Portanto, so alunos que ainda no compreenderam o nosso sistema de escrita, como mostra o exemplo da figura 24: Figura 2. Exemplo de atividade de aluno considerado como fraco pela professora B.

Porm, no parecer desse aluno constou a seguinte descrio:A aluna articula corretamente as palavras. Reconhece as idias contidas em alguns smbolos usuais. Utiliza-se do desenho para representar e registrar suas idias compreendendo o desenho como uma das formas de representao grfica, bem como as letras do alfabeto nas tentativas de escrita, compreendendo o princpio alfabtico da lngua escrita. (Parecer descritivo de aluno da professora B).

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Alm de conter um equvoco sobre o princpio alfabtico de escrita, o parecer muito parecido com os dos alunos que j conseguem escrever algumas coisas, o que no caso destes alunos, no foi constatado na resoluo das atividades durante as observaes em sala. Desta forma, o parecer descritivo vem sendo utilizado de forma muito burocratizada, pois mesmo sendo um instrumento de uma proposta de avaliao mais qualitativa e no tradicional - que tem a funo de registrar o processo de aprendizagem do aluno e no apenas o resultado dessa aprendizagem - a forma como o parecer encarado na escola, ou seja, chato de fazer, tem que escrever muito, desnecessrio, assim como a forma como ele feito, revelam que ele no cumpre sua funo. Dessa forma, to vago, indeterminado e voltil como era a nota, pois no descreve o que realmente o aluno aprendeu ou no, e nem tampouco, encaminha para possveis formas de superao das dificuldades dos alunos. Na escola observada, ao contrrio, tal prtica apenas manteve uma classificao construda por mecanismos de avaliao informal na qual, muitas vezes, as professoras confundiram as normas de excelncia com normas de conduta, fato j denunciado por Perrenoud (1996). Sendo assim, o registro da avaliao dissociado do processo de ensino e aprendizagem pode ser tambm considerado como marca presente na cultura da escola expressando uma faceta do habitus docente, considerando o habitus como um produto da histria e, tambm, como uma atualizao da histria, pois, nas palavras de Bourdieu (2004b, p. 82):(...) basta observar que toda a aco histrica pe em presena dois estados da histria (ou do social): a histria no seu estado objectivado, quer dizer, a histria que se acumulou ao longo do tempo nas coisas, mquinas, edifcios, monumentos, livros, teorias, costumes, direito, etc., e a histria no seu estado incorporado, que se tornou habitus. (grifos do autor).

3. CONSIDERAES FINAIS Mudanas aparentes no alteram o sistema de disposies que, ao longo do tempo, vem configurando a cultura da escola e o habitus docente, tendo em vista que a sua incorporao ocorre de forma tcita, ao longo de toda vida escolar, constituindo assim, uma faceta da dimenso cultural do processo de formao de professores. Desta forma, possvel compreender que, mesmo com a implantao da proposta de Ciclos de Aprendizagem, algumas prticas foram mantidas na organizao escolar e a outras foram agregadas novas estratgias, tendo em vista que o habitus um sistema de disposies fortemente internalizado e que orienta aes e pensamento. Vale destacar, no entanto, que as prticas no so reaes mecnicas dos agentes, mas resultado da relao entre o habitus construdo durante a trajetria de vida dos agentes - e uma situao conjuntural. Assim, a escola e seus professores no ficaram imunes proposta de Ciclos de Aprendizagem, pois foi possvel perceber algumas tentativas de incorporao da idia de continuidade presente na proposta, sobretudo no esforo realizado pela escola para que as professoras acompanhassem seus alunos no decorrer do ciclo e na forma como as professoras organizavam suas aulas em funo do aprendizado da maioria da turma.

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Em contrapartida, foi possvel detectar a manuteno de algumas prticas como a organizao do trabalho pedaggico baseado em grupos homogneos nas diversas estratgias de recuperao da aprendizagem e tambm a manuteno do registro da avaliao dissociado do processo de ensino e aprendizagem. Ou seja, mesmo que a escola tenha adotado estratgias distintas de pocas anteriores, como o caso da uma preocupao constante com o no aprendizado do aluno e do registro da avaliao por meio do parecer descritivo, a lgica da organizao das atividades de recuperao, bem como a forma como o parecer foi realizado pelas professoras, demonstra que h um conjunto de esquemas que sustentam seu pensamento e orientam sua ao, fortemente instalado no interior da escola e incorporado pelos professores ao longo de sua trajetria escolar, o que pode ser encarado como facetas do habitus docente constitutivo da profisso. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS: BOURDIEU, P. e PASSERON, J. C. 1982. A reproduo: elementos para uma teoria do sistema de ensino. 2. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves editora. BOURDIEU. P. 2001. A escola conservadora: as desigualdades frente escola e cultura. In: NOGUEIRA, M. A. e CATANI, A. (orgs.) Escritos de Educao. 3. ed. Petrpolis: Vozes, pp. 3964. ______. 2003. Esboo de uma teoria da prtica. In: ORTIZ, R. (org.) A sociologia de Pierre Bourdieu. So Paulo: Olho dgua, pp. 39-72. ______. 2004a. Sistemas de ensino e sistemas de pensamento. In: BOURDIEU, P. A economia das trocas simblicas. 5. ed. So Paulo: Perspectiva, pp. 203-229. ______. 2004b. O poder simblico. 7. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. FERREIRA, V. M. R. 2001. Escola em movimento: a reelaborao da prtica pedaggica na implementao da poltica do ciclo bsico de alfabetizao do estado do Paran. Dissertao de mestrado, programa de estudos ps-graduados em Educao: Histria, Poltica, Sociedade, PUCSP. GIMENO SACRISTN, J. 1999. Poderes instveis em educao. Porto Aegre: Artes mdicas. JULIA, D. 2001. A cultura escolar como objeto histrico. Revista brasileira de histria da educao, Campinas, Editora Autores Associados, n.1, pp. 9-43. MARCELO GARCIA. C. 1999. Formao de professores para uma mudana educativa. Porto: Porto editora. OLIVEIRA, N. C. M. 2000. A poltica educacional no cotidiano escolar: um estudo meso analtico da organizao escolar em Belm Pa. Tese de Doutorado, Programa Educao: Currculo, PUCSP. OLIVEIRA, T. F. M. 2003. Escola: cultura do ideal e do amoldamento. So Paulo: Iglu editora. PERRENOUD, P. 1996. La construccin del xito y del fracasso escolar. 2 ed. Madrid: Ediciones Morata. SOUZA, R. F. 1998. Templos de civilizao: a implantao da escola primria graduada no estado de So Paulo (1890-1910). So Paulo: Unesp.

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VIAO FRAGO, A. 1998. Le espace et temps escolaires comme objet dhistoire. Insstitut Nacional de Recherche pdagogique Histoire de leducacion, n 78, pp. 89-108. Traduo livre de Yvelise Freitas de Souza Arco-Verde. NOTAA publicao em 1998 do texto original em francs. Foi utilizada aqui uma traduo livre feita por Yvelise Freitas de Souza Arco-Verde, ento doutoranda do PEPG em Educao: Histria, Poltica, Sociedade. A pgina refere-se a essa traduo. A proposta de Ciclos de Aprendizagem foi implantada em Curitiba em 1999 com a organizao de dois ciclos para as sries iniciais: Ciclo I, para crianas de 6, 7 e 8 anos, quando houvesse vagas disponveis para os alunos com 6 anos; Ciclo II, para alunos com 9 e 10 anos. Embora sem previso nos documentos oficiais, h a possibilidade de reteno entre os dois ciclos, sendo que tal deciso deve ser tomada conjuntamente entre os profissionais da escola e de instncias superiores a ela. 3 O aluno quis escrever: A professora muito legal, ela sorridente. 4 Aps ter escrito, aluna leu seu texto da seguinte forma: Ela magra, bonita e alta.2 1

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CARACTERSTICAS E HABITUS DOCENTE EM EDUCAO PROFISSIONAL DE NVEL TCNICOMUSTO, Fernanda Maria Fornaziri; MUZZETI, Luci Regina (FCLAr UNESP)

As caractersticas dos docentes que se dedicam Educao Profissional de Nvel Tcnico no tm sido trabalhadas em muitas publicaes, como tambm no o tem sido o habitus docente presente nos profissionais que atuam nessa rea. Tal levantamento se faz necessrio em virtude da crescente utilizao da educao profissional de nvel tcnico pelos estudantes, movidos pela necessidade de rpido ingresso no mercado de trabalho e pelo menor investimento financeiro despendido na busca dessa formao. Alm disso, notamos que os estudantes que escolhem seguir seus estudos no nvel tcnico apresentam algumas caractersticas comuns, que sero objeto de estudo posterior. Os nmeros do Censo Escolar de 2004, do Ministrio da Educao, mostram que 3047 estabelecimentos de ensino declararam ministrar educao profissional de nvel tcnico em 2004, sendo que foram declaradas 676 mil matrculas nessa modalidade, o que evidenciou o aumento de 12,6% em relao ao nmero de matriculados em 2003, que foi de 590 mil. Apenas a regio sudeste concentra 64,25% de todas as matrculas efetivadas no pas no ano passado, o que evidencia a necessidade do levantamento ora proposto, dado o universo dessa populao que vem sendo formada cotidianamente. Baseamo-nos na perspectiva de habitus e de capital cultural de Pierre Bourdieu, que entendemos explicar algumas caractersticas do docente e do trabalho docente presentes nessas instituies de ensino. Iniciamos por definir o habitus como um sistema de disposies durveis e duradouras, enquanto princpio de gerao e de estruturao de prticas e de representaes que podem ser objetivamente reguladas e regulares (Bourdieu, 1987) sem com isso terem obedincia a regras e sem supor a viso consciente dos fins. Portanto, os docentes carregam suas estruturas reguladoras para o trabalho em sala de aula, e estimulam os alunos tambm com base nessas mesmas estruturas. Essa matriz de percepes de que se trata o habitus, funciona selecionando as percepes, preocupaes e aes docentes, tornando possvel a transferncia analgica de esquemas para resoluo de problemas e correo de resultados, sendo por isso definidoras das operaes que, em ltima anlise, diferenciaro os alunos uma vez que eles terminem seus estudos em educao profissional e estejam aptos para a entrada no mercado de trabalho. Outro importante conceito que utilizaremos refere-se ao capital cultural, um sistema de valores implcitos que passado aos filhos de forma mais indireta que direta, e que est diretamente conectado com as experincias daquele grupo ou frao de classe a qual a famlia pertence, e que, bem observados, definem as atitudes frente instituio escolar. Muito mais do

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que apenas os pais, mas todos os valores que permeiam o grupo familiar, como o nvel cultural dos ascendentes de um e outro ramo da famlia, contribuem para que esse certo ethos seja a herana recebida. Esse ponto est ligado lentido do processo de aculturao, que por vezes demora geraes para ter modificaes mais presentes, e que demonstraria inclusive o potencial futuro em uma certa famlia. Essa diferena cultural apontada por Bourdieu(1998) como ainda mais definidora do que a diferena econmica, embora esta ltima oferea vantagens para que um determinado grupo de aes possa ser consolidado. O xito nos estudos diretamente ligado ao capital cultural recebido da famlia, e desejamos neste trabalho investigar qual o papel desse capital cultural tambm nos docentes, e como ele pode alterar a percepo que aqueles tm da instituio educacional. Outro ponto de destaque est na facilidade lingstica, na facilidade de acesso aos instrumentos culturais, o que ser ponto de destaque mais adiante, alm do nvel cultural dos antepassados e a residncia, que explicam tambm as variaes de xito escolar dos indivduos. Entendemos que o mesmo se passa com os docentes, e a forma como lidam com a educao se mostrar para os alunos. Refletir ainda o tipo de escola que freqentaram, sendo uma distino clara no Brasil entre a instituio pblica e privada no ensino fundamental e mdio, a primeira muito menos capacitadora do que a segunda nesses nveis de ensino, e o contrrio se dando no nvel universitrio. Ento partimos tambm desse background escolar dos docentes para analisarmos o conjunto de valores que trazem para dentro de sala de aula. As caractersticas demogrficas do grupo familiar, ou seja, o tamanho da famlia tambm est ligado aos valores cultivados por essa famlia, e facilitar ou dificultar o acesso que as crianas tero aos instrumentos culturais e ao investimento em educao que essa famlia far a cada das crianas. O nvel de instruo nos ascendentes de primeira, e at de segunda gerao, um indicador plausvel mas no nico. O contedo da herana cultural desses ascendentes tambm ter papel importante no que as famlias mais ou menos cultas transmitem a seus filhos, e nas vias de transmisso, que se refletiro nas informaes sobre o mundo e sobre o cursus escolar, na facilidade verbal, que permitir acesso e entendimento de estruturas mais ou menos complexas, e pela cultura livre adquirida nas experincias extra-escolares. Os pais podem ser de grande ajuda nas experincias escolares, mas no apenas a ajuda direta deve ser considerada. A vantagem maior, destaca Bourdieu, est na herana dos saberes, do savoir-faire, dos gostos e bom-gosto, cuja rentabilidade escolar tanto maior quanto mais freqentemente esses imponderveis da atitude so atribudos ao dom(p.45). E ao dom so creditados os sucessos escolares de seus itinerrios, sem a considerao da facilidade que esse indivduo j possa trazer devido sua identidade cultural. A escola, buscando a igualdade pedaggica, mantm as desigualdades trazidas pelos alunos, justificando o xito ou fracasso exclusivamente aos dons. Essa questo se acentua no caso dessa modalidade de ensino, pois os alunos trazem no apenas as caractersticas do grupo familiar, mas todo o passado escolar do ensino fundamental e mdio, que j embute uma carga de traumas e sensaes que no poder ser desprezada caso queiramos uma educao bem efetivada.

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Ainda temos a possibilidade de observar, a partir das expectativas dos docentes, que futuro planejam e estimulam os alunos a terem, sabendo que estamos trabalhando com um nvel de ensino que normalmente possibilita a pessoa a atingir na esfera profissional apenas nveis tcnicos operacionais nas empresas. O fato de os docentes admitirem esse como o nvel mximo a que os alunos chegaro, ou a terem essa expectativa em relao vida profissional futura deles, contribuir para a manuteno do nvel social dessas pessoas formadas. Bourdieu nos alerta:(...) em toda a sociedade onde se proclamam ideais democrticos, ela protege melhor os privilgios do que a transmisso aberta dos privilgios. (Bourdieu, 1998, p.53)

Em relao s leituras temos uma situao bastante peculiar, pois estas enriquecem o vocabulrio, mas tambm a forma de entendimento do mundo. Alm do universo de palavras, toda a sintaxe que permite a elucidao de estruturas complexas far diferena na vida de docentes e alunos, e permear a relao entre eles facilitando ou dificultando o entendimento e o bom relacionamento entre eles. Se verdade que um docente com alto grau educacional e cultural pode contribuir para acentuar as diferenas, principalmente para o tipo de pblico em questo, aqueles que tambm no tiveram grandes oportunidades culturais e lingsticas em seu meio familiar e escolar tambm contribuiro para a manuteno do nvel social ao qual os alunos pertencem, e ajudaro a perpetuar diferenas significativas de classes.Ao atribuir aos indivduos esperanas de vida escolar estritamente dimensionadas pela sua posio na hierarquia social, e operando uma seleo que sob as aparncias da eqidade formal sanciona e consagra as desigualdades reais, a escola contribui para perpetuar as desigualdades, ao mesmo tempo em que as legitima. Conferindo uma sano que se pretende neutra, e que altamente reconhecida como tal, a aptides socialmente condicionadas que trata como desigualdades de dons ou de mrito, ela transforma as desigualdades de fato em desigualdades de direito, as diferenas econmicas e sociais em distino de qualidade , e legitima a transmisso da herana cultural.(...) Alm de permitir elite se justificar ser o que , a ideologia do dom , chave do sistema escolar e do sistema social, contribui para encerrar os membros das classes desfavorecidas no destino que a sociedade lhes assinala. (Bourdieu, 1998, p. 59)

O capital cultural tal como entendido por Bourdieu apresenta trs estados: O estado incorporado referente ao trabalho realizado e ao tempo investido pelo sujeito para obter esse capital cultural. Essas disposies durveis pertencem ao indivduo e no podem ser passadas por procurao; O estado objetivado referente aos bens culturais aos quais o indivduo tem acesso, como livros, quadros, dicionrios, enciclopdias. Dessa forma os objetos culturais so objeto de uma apropriao material, que pressupe a existncia do capital econmico, o que delimita a sua ocorrncia;

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O estado institucionalizado referente aos produtos desse capital cultural

materializado em certificados, diplomas, que provam materialmente o pertencimento de tal capital. Os diferentes estados do capital cultural atuam diferenciando os indivduos em diferentes situaes. Percebemos que o estado incorporado menos percebido nos momentos de entrada em instituies escolares, enquanto as empresas observam alm do institucionalizado o que de fato est incorporado. Sabemos tambm que nos dias atuais de rpida modificao nas situaes tecnolgicas que influenciam o trabalho nas diversas reas, no basta apenas a formao inicial pela qual esse professor passou, devendo prosseguir ao longo da carreira, de forma coerente e integrada, respondendo s necessidades de formao sentidas pelo prprio e s do sistema educativo, resultantes das mudanas sociais e/ou do prprio sistema de ensino. (Rodrigues & Esteves, apud Conseil de LEurope, 1987). Caso contrrio, os alunos sofrero com o distanciamento entre o ensinado e o que encontraro nas empresas ou o que deve ser feito nas atividades de consultoria. Alm disso, Rodrigues & Esteves nos direcionam sobre o professor:O professor visto como um especialista no desenvolvimento social do aluno, devendo estar aberto ao mundo exterior escola e constituir-se como mediador entre ela e o mundo. (1993, p.41)

Isso posto, observamos as atitudes dos docentes em relao s atividades de educao continuada que utilizam para atualizao. Neste trabalho buscamos identificar as caractersticas dos grupos sociais aos quais os treze docentes pesquisados do SENAC de Jaboticabal pertencem, e analisar como essas caractersticas poderiam influenciar no trabalho que exercem com seus alunos dentro do ambiente educacional. Todos so professores das turmas noturnas das Habilitaes Profissionais de Nvel Tcnico de Segurana do Trabalho, Contabilidade e Gesto Empresarial. Os docentes em questo receberam questionrios com perguntas sobre suas famlias, seu relacionamento passado com a escola, o tipo de instituio em que eles foram formados, o nvel educacional de seus pais e irmos, alm de caractersticas culturais que seriam de forte influncia. Identificamos, alm disso, as prticas culturais cotidianas desses professores. Encontramos no universo pesquisado algumas condies que so muito prximas entre os docentes. Iniciamos pelo fato de todos trabalharem em uma cidade do interior do estado de So Paulo, com pouco mais de 75.000 habitantes, e terem nascido e vivido ou nessa cidade ou nas cidadezinhas prximas, tendo se mudado poucas vezes e sempre nas cidades vizinhas e com menos de 100.000 habitantes. Esse dado nos demonstra a pouca familiaridade que os docentes tm com a convivncia com grupos muito diferentes, presentes nas grandes cidades e metrpoles. Tal dado poderia ser insignificante, mas resulta num grupo de exemplos que se delimita a uma regio geogrfica especfica, sabendo eles de outras experincias culturais apenas atravs da leitura ou outras formas de pesquisa, o que bastante diferente da oportunidade da experincia de

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ter vivido em um outro local com caractersticas culturais e sociais mais privilegiadas. Um segundo ponto levantado se refere escolaridade deles. Quase todos passaram pelos ensinos fundamental e mdio em escolas pblicas, e fizeram a faculdade em instituio privada. Portanto, o cursus escolar no diferiu demasiadamente daquele que os prprios alunos aos quais ensinam passaram. Entendemos que, se por um lado isso no ajuda na expanso dos horizontes dos alunos, por outro lado no constri barreiras que teriam a possibilidade de dificultar o entendimento entre eles, pois os professores e alunos tm capitais culturais prximos que facilitam comunicao e interao. Todos, exceo de uma docente, tm uma outra ocupao diferente da de docente, como, por exemplo, a de administrador e de engenheiro de produo. Tal fator extremamente relevante, pois os docentes de educao profissional de nvel tcnico tm uma particularidade necessria a esse tipo de ensino: h a necessidade de estarem bem atualizados em relao ao mercado de trabalho para o qual preparam, e dessa forma eles tm as informaes necessrias para bem preparar os alunos. Trazem assim exemplos reais da vida prtica, casos vividos dentro das empresas e aproximam as expectativas dos alunos ao que eles realmente encontraro nas empresas das imediaes. Por outro lado, essa caracterstica tambm apresenta a limitao de os docentes no se dedicarem alm de 20 horas semanais docncia, devido outra ocupao, geralmente diurna. Esse fato pode ser relevante no que tange forma de ensinar, ao tempo para reciclagem de mtodos de ensino, e na prpria preparao de suas aulas. Os docentes pesquisados tm entre 25 e 50 anos, sendo que a maioria no teve a oportunidade de utilizar o computador na sua passagem pelos nveis de educao formal, entretanto, utilizaram todos eles os jornais, revistas e livros nas suas pesquisas escolares. Fazemos a observao que o computador e a Internet so adventos recentes considerando dcadas passadas. Alm disso, exceo de dois docentes, no falam nenhum outro idioma, fator que entendemos, na atualidade, limitador da aprendizagem pela quantidade de informaes relevantes que podem ser retiradas da Internet todos os dias. Perguntamos aos docentes tambm com quais fatores julgavam que mais aprendiam, e alm dos professores e da escola, citados por todos, respostas mais freqentes foram: lendo, com a natureza e com os pais. Nenhum docente citou parentes como fonte de aprendizagem, ou televiso. Todos tiveram a oportunidade de efetivar prticas culturais legtimas, como, por exemplo, idas, pelo menos algumas vezes, a museus, a concertos e a shows musicais. Esse fator importantssimo de ser observado devido ao espao geogrfico no qual os docentes vivem. De fato, o nmero de peas de teatro no interior est longe de ser adequado. Mais que isso, o nmero de museus muito baixo e raramente existem exposies temporrias, geralmente mantendo o acervo permanente, o que no estimula visitas constantes. Ainda assim, checamos o interesse dos professores pela aprendizagem gerada por essas oportunidades. Na questo referente ao nvel educacional dos pais dos docentes, exceo de uma docente, os demais tm pais com apenas ensino fundamental, realizado em instituies

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pblicas. O que nessas famlias fez a diferena para que os profissionais se interessassem pela docncia e pela aprendizagem constante ainda fator a ser estudado. Afinal, todos lem revistas, livros, participam de palestras nas empresas em que trabalham, vo a congressos sempre que tm essa oportunidade. Outro ponto a ser considerado em relao aos docentes diz respeito ao tipo de metodologia que so orientados a utilizar nas instituies educacionais. A pedagogia centrada na aprendizagem com autonomia a utilizada nas escolas de educao profissional de nvel tcnico, alm de ser a orientada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, de 1996. Alunos devem ser preparados para desenvolverem competncias, e essas orientaes esto presentes em todos os programas de desenvolvimento docente preparados por essas instituies. Alm disso, a Organizao Internacional do Trabalho tambm entra neste cenrio estimulando o trabalho com competncias no ambiente educacional, afirmando que a competncia expressaria a capacidade real do sujeito para atingir um objetivo ou um resultado num dado contexto, e assim defendendo que os prprios futuros trabalhadores devem se encarregar de sua proteo no mercado de trabalho. Ramos (2001), entretanto, tambm se posiciona em relao conseqncia dessa viso que incute nos indivduos o sentimento de responsabilidade pela eventual excluso que resulta de seu fracasso, mesmo sendo o problema do desemprego um problema social concreto, determinado pelas mudanas econmicas e polticas que tm ocorrido a partir da segunda metade deste sculo. Assim, tambm perguntamos aos docentes quais eram as cinco caractersticas de uma boa aula, de um bom professor, de um bom aluno, a partir de uma possibilidade de 20 a 28 palavras, e a diversidade de respostas no nos permite chegar a outras concluses, mas nos permite chegar a esta: docentes esto preocupados com dilemas atuais da educao, como o caso das palavras e expresses criatividade, dinamismo, boa comunicao, leitura constante, pesquisa constante, estmulo aprendizagem com autonomia, trabalho em equipe, estratgias variadas. Palavras e expresses mais prximas educao tradicional no receberam muitas respostas, tais como: controle sobre a classe, avaliao com rigor ou tirar boas notas. O capital cultural, o habitus e as crenas educacionais dos docentes so princpios geradores de estratgias objetivas, sendo por isso to importante sua identificao, pois podem estar na origem da mudana ou da resignao, da revolta ou do conformismo, das expectativas sobre os alunos e na gerao de comportamentos por parte destes que tm o potencial de interferir na vida profissional do indivduo e da sociedade. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS BOURDIEU, Pierre. Escritos de Educao. Petrpolis: Vozes, 1998. BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simblicas. So Paulo: Perspectiva, 1987. BRASIL, Lei n 9394, de 20.12.96, Estabelece as Diretrizes e Bases da educao Nacional. In: Dirio Oficial da Unio, Ano CXXXIV, n 248, 23.12.96, p. 27833-27841,1996.

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BRASIL, Ministrio da Educao. Cursos tcnicos no censo escolar de 2004. Braslia: MEC, 2004. Disponvel em: http://portal.mec.gov.br/setec. Acesso em: 29 jun. 2005 RAMOS, Marise Nogueira. A pedagogia das competncias autonomia ou adaptao? So Paulo: Cortez, 2001 RODRIGUES, A. e ESTEVES, M. A anlise de necessidades na formao de professores. Porto: Ed. Porto, 1993.

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EDUCAO ESCOLAR / CULTURA / VALORES: UMA REFLEXO NECESSRIA AO PROCESSO DE FORMAO DO EDUCADORSILVA, Sonia Aparecida Ignacio (Universidade Catlica de Santos)

Introduo O presente trabalho consiste numa reflexo sobre alguns indicadores da relao Educao/Cultura/Valores com o processo de formao do educador. Apresenta resultados parciais de investigao que desenvolvo, atualmente, junto ao Programa de Ps-Graduao em Educao (Mestrado) da Universidade Catlica de Santos. Desde minhas pesquisas anteriores, venho progressivamente tomando conscincia de que investigar a relao Educao Escolar / Cultura / Valores sempre um imperativo. Desenvolver essa reflexo no contexto das discusses sobre a formao do educador, tambm o ser. A sociedade da informao e da comunicao, a mundializao e a globalizao dos processos de vida, o multiculturalismo em todas as suas vertentes , pem em xeque as antigas funes da instituio escolar e a obrigam a re-configurar sua identidade e tarefas fundamentais. Espera-se, hoje, que a Educao Escolar transmita saberes e fazeres evolutivos, adaptados civilizao cognitiva, pois so as bases das competncias do futuro. Simultaneamente, compete Escola organizar referncias formativas para que os homens e mulheres qualifiquem as informaes recebidas, selecionando-as e integrando-as s suas aes. Deve-se reconhecer que este empenho, embora extremamente necessrio, e vlido, no simples nem fcil de ser concretizado, especialmente na atualidade. Isso indica, portanto, a necessidade de se refletir sobre as questes da decorrentes. Por razes anlogas, a Cultura tambm merece ser revisitada. Nunca antes se falou tanto acerca da Cultura, como atualmente. Conceitos hoje to em voga como multiculturalismo, ou pluralidade cultural, por exemplo supem uma concepo de Cultura, ou concepes diferenciadas de Cultura, que nem sempre esto suficientemente clarificadas. De que Cultura se fala hoje? Como se d sua transmisso? Onde se forjam estas concepes de Cultura que hoje permeiam o cotidiano social e escolar? At que ponto a Escola de hoje pode ser responsvel, tambm, pela formao cultural das crianas e jovens que a freqentam, como j o foi outrora (SILVA, 2003)? Como se compreende, hoje, a Cultura Escolar, e quais so as relaes entre ela e a formao do cidado, ou com o desenvolvimento da sensibilidade humana? Talvez se possa arriscar a seguinte afirmao: hoje, quando mais se fala em Cultura, menos se vive culturalmente; isso, tanto na sociedade em geral, como na escola em particular... Enfim, estas so algumas das inquietaes que venho enfrentando no decorrer de meu percurso como pesquisadora. Mas, todas elas esto sempre relacionadas com a dimenso

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axiolgica do trabalho educativo (SILVA, 2000). Considero que ao se pensar, discutir, intencionalizar e organizar, seja a Educao Escolar como processo, ou a formao pedaggica e cultural dos professores que nela atuam, deve-se, obrigatoriamente, operar uma reflexo sobre os valores. Sendo assim, h algumas questes recorrentes que no se pode deixar de lado; por exemplo: quais so os valores propostos pela Escola, hoje? Como essa transmisso axiolgica est se processando na Escola, na Famlia e na Sociedade mais ampla? Quais so as orientaes pedaggicas mais em evidncia nas escolas, atualmente, e como se trabalha com os valores segundo cada uma delas? Considero que o enfrentamento das tarefas obrigatrias de revigoramento da Escola - e de reviso de sua identidade e funes - conduz necessariamente retomada dos Valores na Educao, da especificidade da Cultura Escolar, da discusso sobre a formao tica do educador, bem como acerca do desenvolvimento das dimenses esttica e afetiva que devero tambm estar presentes no fazer pedaggico. Esse o meu atual objeto de investigao, dando continuidade, assim, aos questionamentos decorrentes de pesquisas anteriores. Quanto formao de professores, tarefa complexa qual venho me dedicando h mais de trs dcadas, penso que ela implica, necessariamente, na discusso de pressupostos e intenes dessa formao, na considerao de concepes epistemolgicas inerentes a esse processo concepes estas que sero diferenciadas, quando se enfatiza, por exemplo, a formao para a docncia, ou quando a nfase recai sobre a formao do educador que poder tambm atuar alm dos limites da instituio escolar. Evitando entrar na discusso das posies especficas da rea ou de suas eventuais divergncias, devo esclarecer que considero a formao do educador enquanto processo sciopoltico e epistmico, que necessariamente se forja no confronto com as dimenses educacional e cultural, considerando que os Valores perpassam e esto presentes (implcita ou explicitamente) nos dois mbitos do processo aqui indicados. No entanto, convm ainda explicitar que concordo com Severino (2002, p. 141142), quando ele ao enfrentar a polmica acerca da identidade do pedagogo afirma que o denominador comum entre pedagogos, especialistas e professores que todos so profissionais da educao cujo lastro comum, em termos de formao e identidade, a competncia e a qualificao para trabalhar, de modo intencional, sobre a educabilidade dos sujeitos. Nessa perspectiva, a atuao desses profissionais tanto poder se dar nos espaos internos, como externos escola, e a relao pedaggico-educacional dever ir alm da docncia, se esta for entendida como pura interveno didtico-curricular em situao de ensino formal. Em vista do exposto, estarei me reportando, aqui, ao processo de formao do educador, a partir de uma reflexo sobre a escola de hoje, a cultura e os valores. Educao Escolar e Formao do Educador Por que a Escola hoje, no Brasil, em especial a Escola Pblica (nos nveis Fundamental e Mdio), veio progressivamente deixando de ser um espao significativo de produo do conhecimento e de difuso da cultura? Eis uma questo que, de algum modo, incomoda aos especialistas - e mesmo a

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no-especialistas - em educao, nos ltimos tempos; e que tambm est na base de reflexes e das proposies tericas e prticas que, a partir das trs ltimas dcadas, tm servido de referncia e orientao para os que militam no magistrio em nosso pas. Especialmente no processo de formao de professores tal questionamento vem sendo, de algum modo, considerado. A preocupao com processos e contedos; a discusso sobre a significao social e poltica da ao educativa; a nfase no carter histrico da educao -, s a ttulo de exemplificao - so algumas formas de abordagem e de reflexo sobre a educao que, em meu entender, tm como fundamento e base o seguinte dado de realidade: no passado, a educao escolar pblica foi capaz de viabilizar uma efetiva relao entre os processos pedaggico e cultural, atendendo a intenes bem definidas e historicamente determinadas. Isso foi o que pude registrar a partir de pesquisa feita sobre a Escola Pblica Paulista, de 1930 a 1950 (SILVA, 2003). Por certo, os tempos eram outros. Hoje, olhando o passado, possvel entender um pouco melhor as transies, os avanos e os recuos da sociedade brasileira, e o papel que a educao escolar desempenhou nessas diferentes etapas histricas. evidente que a crise no exclusiva deste nosso tempo. Ao contrrio, ela vem se re-criando no decurso da histria brasileira e mundial. Nas ltimas dcadas, porm, ela se manifestou agravada pela no soluo dos problemas estruturais de nossa sociedade; pelo subdesenvolvimento econmico crescente; pela falncia das instituies poltico-administrativas; pela ausncia da tica na poltica e nas relaes sociais em geral; pela incapacidade de se estabelecer quais so as necessidades prioritrias que devem ser enfrentadas atravs de projetos, que venham a ser viabilizados pelo conjunto da sociedade - Estado e Sociedade Civil. Sendo assim, ainda estamos vivendo um tempo de crises e de necessidades fundamentais no resolvidas. S que, tudo isso, convivendo com um outro tempo: o dos avanos tecnolgicos e predomnio da mdia. Nesse novo tempo, a mdia, sobretudo a televiso, colocam-se como os maiores formadores de opinio. Mas no s: so tambm os efetivos promotores e difusores de valores, conhecimentos, comportamentos, sentimentos e vises de mundo; so, atualmente, os maiores e mais diretos responsveis pela formao cultural da grande maioria da populao brasileira; e, o que mais problemtico, de nossas crianas e jovens. Enfim, tais meios de comunicao e avanadas tecnologias - o computador e outros aparelhos eletrnicos, a que boa parte da populao comea ter acesso, quase que obrigatoriamente - acabam por invadir um territrio que antes era da competncia da escola. E o que mais srio: impondo o reinado do conhecimento tcito, no explicitado, porque as pessoas vo se tornando cada vez menos relacionais, fechando-se cada vez mais nos limites do contexto que abrange o seu eu e a mquina; acostumando-se progressivamente a trilhar uma via de mo nica, em que o outro desligvel a qualquer momento; no se incomodando com as instigaes e inquietaes constantes, caractersticas dos seres humanos, e das instituies sociais - como a Escola - que deles devem se ocupar. Com isso, o questionamento, a crtica, o prprio conhecimento, enfim, vo deixando de ter sentido e funo. Os tempos individuais e sociais vo se diluindo num mesmo e nico

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tempo da indiferenciao e da impessoalidade em que tudo importa muito pouco; principalmente, deixam de importar o humano, as relaes sociais, as prioridades coletivas. Enfim, instaura-se o reino do no-valor. Nesse contexto, qual o significado de conceitos e processos como os referentes educao e cultura? Como poder a escola atual - principalmente a escola pblica - enfrentar esse estado de coisas? O que fazer para detectar e dar respostas aos problemas a engendrados? E, nessa perspectiva, como fica a formao do professor que vai atuar na Educao Escolar? Em que medida sua formao cultural poder auxili-lo nesse empreendimento da Educao Escolar? Parece-me que esse profissional, para enfrentar a crise de identidade da Escola e a necessria reviso dos objetivos da Educao Escolar, deve ser obrigatoriamente crtico e reflexivo. Alis, os estudos sobre a formao de professores, nas ltimas dcadas, tm indicado essa necessidade (FRANCO, 2003; PIMENTA e GHEDIN, 2002; PIMENTA, 1999, ao lado de outras referncias nacionais e internacionais igualmente expressivas). Reflexes, especialmente na rea de Filosofia da Educao (SAVIANI, 1982, 1983; SEVERINO, 1991, 2002, dentre outros), tambm vm definindo esse pressuposto h tempo considervel. Dessa forma, numa escola em crise, no h mais lugar para o professor tcnicoreprodutivista. Ao formar esse profissional, portanto, ser necessrio focalizar e oferecer condies para o desenvolvimento de seu potencial crtico e transformador, de modo que ele se capacite ao exerccio cotidiano da reflexo, a partir dos problemas concretos que se presentificam na realidade escolar, na busca de encaminhamento e resoluo dos mesmos. Para tanto, como afirma Pimenta (1999, p. 25), preciso reinventar os saberes pedaggicos a partir da prtica social da educao. Ou, ainda, conforme Severino (2002, p. 142), essa formao (do professor/educador) deveria ser uma autntica Bildung, formao humana em sua integralidade, superando, portanto, a formao do educador como mera habilitao tcnica, aquisio e domnio de informaes e habilidades didticas. Isso, tendo em vista a complexidade da funo scio-cultural do professor/educador, que envolve, obrigatoriamente, valores intelectuais, ticos, estticos e afetivos, no exerccio do trabalho educativo. Portanto, a formao do professor, dever ser entendida nessa perspectiva de formao humana integral (Bildung), o que indica a necessidade de anlise da dimenso cultural desse processo formativo. Cultura e Formao do Educador: a contribuio terico-conceitual e metodolgica de Raymond Williams Para o enfrentamento da complexidade e amplido do assunto tratado e em funo dos limites impostos a este trabalho optei por discutir, aqui, a dimenso cultural da formao do educador a partir das posies de Raymond Williams (1921-1988) sobre a Cultura, expressas em trs de suas principais obras traduzidas para o nosso idioma (WILLIAMS, 1969, 1979, 1989). Devo ressaltar que o pensamento desse autor vem subsidiando, h tempos, meus estudos e pesquisas na rea da educao. Penso, portanto, que suas consideraes acerca da cultura podero auxiliar reflexes sobre a formao do educador, em suas vrias dimenses. Para

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isso, preciso conhecer, pelo menos um pouco, os movimentos de formao de seu pensamento e de suas concepes. Crtico literrio ingls, proveniente de famlia operria, Williams chegou direo do Departamento de Ingls de Cambridge (onde comeou como estudante, em 1939), tendo sua produo fundamental fortemente marcada por sua situao de classe. Provavelmente, suas vivncias e experincias familiares o tenham levado a acatar a anlise e a argumentao poltica e econmica marxistas. As investigaes que fez sobre as questes literrias e da cultura conduziramno, porm, crtica do determinismo mecanicista, no aceitao de que os argumentos culturais e literrios sejam tomados como mera extenso dessa aplicao poltica e econmica, ou uma forma de filiao a ela. A partir de meados da dcada de 1950, Raymond Williams reconheceu em formaes como a Nova Esquerda, alguma afinidade com sua produo cultural e literria. Seu contato com esses novos posicionamentos revelou-lhe: o prprio marxismo como um fato histrico, com posies altamente variveis e at mesmo alternativas (WILLIAMS, 1979, p. 9). Ao estudar a histria do marxismo Williams chegou a crticas e consideraes importantes sobre os principais conceitos da teoria cultural marxista, apresentando, por fim, seu interesse em desenvolver uma posio baseada em investigaes por ele feitas, e que difere, em vrios pontos-chave, do que se conhece mais geralmente como teoria marxista: uma posio que se pode descrever brevemente como materialismo cultural: uma teoria das especificidades da produo cultural e literria material, dentro do materialismo histrico (WILLIAMS, 1979, p. 12). No captulo sobre Marxismo e Cultura, do livro Cultura e Sociedade, Williams (1969, p. 276-293) retomou as proposies tericas de Marx e Engel quanto cultura, procurando evidenciar que Marx esboou, mas no desenvolveu por completo, uma teoria da cultura. Afirmou, alm disso, que nos prprios escritos de Marx e de Engels h o reconhecimento da complexidade e historicidade das questes culturais, o que indica que o econmico no o nico elemento determinante da histria. Com base nesses supostos Raymond Williams enuncia uma Teoria Marxista da Cultura:que admitir diversidade e complexidade, levar em conta a continuidade dentro da mudana, aceitar o acaso e certas autonomias limitadas; mas, com essas ressalvas, considerar os fatos da estrutura econmica e as relaes sociais deles decorrentes como um fio condutor que entretece uma cultura e, acompanhando-o, que podemos compreend-la (WILLIAMS, 1969, pp. 279280).

Importante ressaltar a crtica de Williams ao uso inadequado do termo cultura, por parte de alguns marxistas. Esse termo indica, via de regra, os produtos intelectuais e de imaginao de uma sociedade e isso corresponde a um modo incorreto de usar o termo superestrutura. Segundo sua afirmao:

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... os marxistas deveriam logicamente empregar o termo cultura no sentido de um processo integral da vida, ou de um processo geral de carter social, j que do nfase interdependncia de todos os aspectos da realidade social e definida importncia dinmica da mudana social (WILLIAMS, 1969, p. 291 / Grifo nosso). Pode-se considerar, no entanto, que Williams no questionou a validade das teorias econmicas e polticas de Marx e Engels, mas sim o determinismo economicista e seu impacto na maneira de se encarar a cultura. Portanto, alm de ter contestado a relao de determinao mecnica estrutura superestrutura, e a conseqente concepo de cultura como mero reflexo das condies econmicas, Raymond Williams tambm refutou concepes tradicionais de cultura: enquanto estado ou hbito mentais, ou corpo de atividades intelectuais e morais. Na crtica a essas posies, forja-se a sua concepo prpria, e extremamente atual, de que cultura significa, tambm, todo um modo de vida. Ou, melhor dizendo: para Raymond Williams (1969, p.290), s possvel compreender as culturas, levando-se em conta o modo de viver globalmente considerado. Segundo sua afirmao, para realizar uma anlise cultural sria indispensvel que se tenha plena conscincia do prprio conceito: uma conscincia que, antes de tudo, deve ser histrica. O que, no entanto, conforme o prprio autor reconhece, no algo fcil de ser operado. A esse respeito, o autor faz uma importante observao:... quando percebemos de sbito que os conceitos mais bsicos os conceitos, como se diz, dos quais partimos no so conceitos, mas problemas, e no problemas analticos, mas movimentos histricos ainda no definidos... resta-nos, apenas, se o pudermos, recuperar a substncia de que suas formas foram separadas (WILLIAMS, 1979, p. 17/ Grifo nosso).

Concordo com Williams: a cultura consiste numa problemtica a ser investigada. Corresponde a um conjunto de situaes, de aes, que se do historicamente; num tempo/ espao definido a partir de um conjunto de circunstncias. Os fatos da estrutura econmica e as relaes sociais da decorrentes compem um fio condutor que entretece a cultura, compreendida, ento, como a prpria complexidade do modo global de vida individual/social, e que passa, necessariamente, pela apreenso de estruturas de sentimentos, valores, pensamentos, usos e costumes, prticas sociais, etc. Os estudos e reflexes de Raymond Williams, sobre a cultura, tm sido referncia terico-conceitual de fundamental importncia em minhas pesquisas. Sua compreenso das questes culturais como problemas a serem investigados, como movimentos a serem acompanhados e reconhecidos, tem papel e valor decisivos na objetivao da relao Educao Escolar/Cultura, e podem constituir-se, tambm, como referencial para se pensar as questes referentes dimenso cultural da formao do educador. importante registrar a contribuio dessa experincia metodolgica que, sem dvida, exemplar. Diz o prprio autor que precisou recriar essa experincia lentamente, em si

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mesmo e na literatura, a fim de recuperar o presente e o futuro atravs de uma compreenso diferente de um passado que nos deu forma e nos fascina (WILLIAMS, 1989, p. 409). Esse movimento de aproximar passado/presente/futuro, de historicizar o objeto de investigao, tal como Williams prope, deve ser reconhecido como frtil contribuio para os estudos na rea da educao. No entanto, o que tem me fascinado, alm de sua contribuio em termos de contedo e mtodo, tambm o fato de Raymond Williams no tomar conceitos como categorias prontas, mas sim como problemas de investigao da realidade, como movimentos histricos ainda no definidos, com os quais se deve trabalhar. Conforme ele mesmo indica, resta-nos apenas, se o pudermos, recuperar a substncia de que suas formas foram separadas (WILLIAMS, 1979, p. 17). Embora no seja fcil enfrentar essa complexidade, minha proposta a partir das contribuies de Raymond Williams trabalhar a cultura escolar como um campo de foras em que as contradies se exprimem. Ou seja, captar e trabalhar a dimenso cultural da educao escolar, e da formao do educador, implica em que se busque a compreenso dos modos de vida individuais/social dos sujeitos envolvidos, a investigao de suas estruturas de sentimentos, valores, pensamentos, usos e costumes, prticas sociais, etc. Para tanto, importante recuperar vnculos, aproximaes e afastamentos, determinaes mltiplas, decorrncias diversas, entre os vrios componentes desse campo de foras cultural, privilegiando-se a anlise das contradies que se evidenciaro, muito provavelmente, durante todo o processo. Esse o caminho que tenho seguido, em minhas pesquisas e reflexes sobre a relao entre educao e cultura, e por onde pretendo continuar na investigao em curso. Consideraes finais: Os Valores na Formao do Educador Ao falar dos valores, refiro-me a significaes que funcionam como referncias para nossas reflexes e aes. Os valores no so um fim em si mesmos, mas fazem a mediao entre a situao atual e outras que se pretende alcanar. Por isso, os valores aparecem no esforo humano da valorao, podendo ser caracterizados como o prprio esforo do homem em transformar o que naquilo que deve ser (SAVIANI, 1980, p. 41). Este empenho conceitual, ainda que muito breve, necessrio para que se possa situar a discusso acerca dos valores e valoraes, no processo de formao do educador. Sempre considerei que o conhecimento histrico, tanto quanto os valores e as valoraes, bem como o prprio processo educativo/cultural no qual conhecimento, tica, valores transformam-se em praxis. Nessa mesma perspectiva inclui-se, pelo que entendo, a formao do educador. Uma vez que a educao mediao universal da existncia humana (SEVERINO, 2002, p. 83), o processo de formao do educador apresenta-se concretamente como um dos espaos em que as mulheres e os homens envolvidos podem construir o conhecimento significativo e necessrio ao seu tempo e ao seu contexto, simultaneamente sua prpria construo como sujeitos histricos. E fazem isso, a partir dos princpios e valores ticos, intelectuais, estticos, vitais e afetivos, teis ou econmicos - fundamentais sua sociedade e ao seu tempo histrico, avaliando, valorando, atribuindo significado a tudo aquilo que est ao seu redor.

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Enquanto processo sistematizado numa sociedade historicamente determinada, e com contornos culturais especficos, a formao do educador deve ser encarada como praxis fecundada pela significao simblica, mas cuja finalidade tem como alvo os trs planos da existncia da prpria educao. Ou seja, se a educao prtica simultaneamente tcnica, tica e poltica, atravessada por uma intencionalidade terica e fecundada por uma significao simblica, conceitual e valorativa (SEVERINO, 2002, p. 84), a formao do educador tambm dever contemplar estas perspectivas, no mbito da cultura vivida pelos sujeitos envolvidos. Sendo assim, o contexto da formao do educador obrigatoriamente um espao de valoraes, em que os valores esto presentes em todo o processo, embora nem sempre se tenha conscincia plena desta presena ou de suas interferncias. Todas as decises tomadas nos processos de formao e auto-formao do educador, as escolhas feitas, as significaes, as atribuies, os comportamentos ensejados, as atitudes assumidas, implicam procedimentos valorativos nem sempre claramente compreendidos e explicitados. Por isso, conveniente admitir e reconhecer as inegveis bases axiolgicas da formao do educador. Penso que o maior desafio ser a concretizao dessa dimenso axiolgica no s em nossos empenhos de reflexo, mas tambm nas aes cotidianas. Da as provocaes e instigaes presentes neste trabalho. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS FRANCO, Maria Amlia Santoro. Pedagogia como cincia da educao. Campinas/SP: Papirus, 2003. PIMENTA, Selma Garrido. Saberes pedaggicos e atividade docente. SP: Cortez, 1999. PIMENTA, Selma Garrido e GHEDIN, Evandro. Professor reflexivo no Brasil: gnese e crtica de um conceito. SP: Cortez, 2002. SAVIANI, Dermeval. Educao: do senso comum conscincia filosfica. 2. ed. SP: Cortez: Autores Associados, 1982. SEVERINO, Antonio Joaquim. A pesquisa em educao: a abordagem crtico-dialtica e suas implicaes na formao do educador. CONTRAPONTOS - Revista de Educao da Universidade do Vale do Itaja. Ano I n. 1, Jan./jun. 2001, pp. 11-22. SEVERINO, Antonio Joaquim. Educao, sujeito e histria. So Paulo: Olho dgua, 2002. SILVA, Sonia Aparecida Ignacio. Valores em educao: o problema da compreenso e da operacionalizao dos valores na prtica educativa. 4. ed. Petrpolis: Vozes, 2000. SILVA, Sonia Aparecida Ignacio. Ouvir e contar a Histria: memrias da Escola Pblica Paulista (1930 1950). Santos: Editora Universitria Leopoldianum, 2003. WILLIAMS, Raymond. Cultura e Sociedade. SP: Companhia Editora Nacional, 1969. Traduo dentre outros e apresentao da edio brasileira por Ansio Teixeira / (3 edio inglesa: 1960). WILLIAMS, Raymond. Marxismo e Literatura. R.J.: Zahar, 1979 (1 edio inglesa em 1971). WILLIAMS, Raymond. O campo e a cidade: na histria e na literatura, SP: Cia. da Letras, 1989.

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FATORES QUE CONDICIONAM PROFESSORES DE SUCESSOMOISSA, Selma Cristina vila; MORETTI,Lucia Helena Tiosso (UNOESTE)

INTRODUO O presente estudo procurou investigar o que determina o desempenho do professor com sucesso na prtica da sala de aula; seus pressupostos tericos, seus saberes sobre o desenvolvimento das crianas na aprendizagem e no processo de ensino, suas tendncias metodolgicas, sua prpria formao, a conscincia que tem sobre si e sua atividade profissional. Em seus estudos, Cunha (1994, p.24) aponta que estudar o que e, especialmente, porque ocorre em sala de aula tarefa primordial daqueles que se encontram comprometidos com uma prtica pedaggica competente. Localizou, no ambiente escolar, professores que se destacaram em sala de aula, que obtiveram sucesso no processo de ensino e aprendizagem,observar este professor em seu trabalho, na sala de aula, analisar os planejamentos e produes do professor; questionar o professor sobre sua formao, sobre sua experincia profissional, para uma anlise sobre o como e o porqu da eficincia de sua prtica. Estudar o trabalho desenvolvido por estes professores competentes levaria compreenso sobre as caractersticas de um bom professor. A descoberta destes docentes conduziria valorizao dos mesmos e divulgao de que possvel um trabalho de qualidade, pois, como afirma Pimenta (2002, p.7), valorizar o trabalho docente significa dotar os professores de perspectivas de anlise que os ajudem a compreender os contextos histricos / sociais / culturais / organizacionais nos quais se d sua atividade docente . No mundo contemporneo, a acelerao do desenvolvimento requer a cada instante, mais e mais empenho, criatividade, reflexo, novas formas de ser e conviver nas atividades profissionais, principalmente na educao. Diante de tantas mudanas e desafios, percebe-se que todo o processo educativo um grande Neste novo milnio, conforme Kuenzer (1999, p.171), a maior lio a ser desenvolvida ser a necessidade de rever a funo e o papel do professor, pois so outros os saberes que o professor precisa constituir: saberes ligados prtica, ao contedo, organizao e gesto do ensino e da aprendizagem. As dificuldades para ensinar so muitas, mas estas no so admitidas. Se estas condies fossem assumidas, estaramos mais abertos para o novo, para aprender. Mas ao pensar que sabemos muito, limitamos nosso foco, repetimos frmulas, avanamos devagar (MORAN, 1999). O professor precisa aceitar mudanas profundas na concepo e desempenho da sua profisso, pois muitos so os indicadores do rebaixamento da qualidade do ensino. Neste

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sentido, assinalamos a colocao de Esteve (1995, p. 98) que ressalta a necessidade de se evitar o desajustamento e a desmoralizao do professorado, bem como o crescente mal-estar docente, pois um ensino de qualidade torna-se cada vez mais imprescindvel. De acordo com Esteve (apud Nvoa et al, 1995, p.100), o aumento de exigncias em relao ao trabalho do professor um processo histrico, que aumenta sua responsabilidade, pois atualmente, o professor declara que o seu exerccio profissional ultrapassa os limites do domnio cognitivo, pois preciso conhecer o contedo ministrado, ser um facilitador do processo de aprendizagem, entre outras tantas qualidades requeridas para a prtica docente. Com base nestas afirmaes, procurou-se investigar,neste estudo, os fatores que condicionam o xito de professores, seu olhar sobre o objeto de ensino, acerca do aluno e em relao sua prtica. Examinou-se o que determina o desempenho com sucesso no exerccio da sala de aula, do professor: seus pressupostos tericos, seus saberes sobre o desenvolvimento das crianas na aprendizagem e no processo de ensino, suas tendncias metodolgicas e a sua prpria formao. Segundo Rios (2002, p.12), a partir da varivel desempenho do professor, busca-se absorver e reorganizar o fazer pedaggico, analisando certezas pedaggicas, idias pr-concebidas, delineamentos de currculo, o que acontece na prtica pedaggica e porque assim acontece, sobretudo o grau de conscincia do professor, pois, sem o consentimento dos professores, as mudanas no se realizam. Mediante a anlise da experincia dos docentes que deram certo, averiguamos a possibilidade de compreender, no mbito da prxis educacional, o trabalho de qualidade, eficiente e analis-lo frente reforma das polticas da educao bsica, apresentada na Lei de Diretrizes e Bases da Educao, de 1996, a fim de relacion-lo com as formas contemporneas de saber fazer, saber conviver, saber ser e saber relacionar-se com os recursos naturais, produzindo e distribuindo bens, servios, informaes e conhecimentos. A princpio, analisamos como concebido o sucesso e como esse triunfo delineia a competncia do professor, que atinge os objetivos educacionais (no tecnicista, aos quais no estamos acostumados a empreend-los, enquanto seguimos passivos em nosso treinamento, nosso comodismo). Educador este que, segundo Moyss (1994, p.15), julgando-se compromissado com seus alunos, reconhece-os e emprega, de maneira apropriada, o mtodo adequado para o desenvolvimento da aprendizagem, sobretudo permitindo-lhes que se tornem cidados habilidosos e competentes. O conceito de competncia demanda cuidado, pois esta abordagem encarada sem muita clareza epistemolgica por ensejar mltiplas interpretaes. Em face das novas demandas do mundo do trabalho, o conceito de competncia tem assumido novos significados. Para Kuenzer (1999, p.171), estas demandas, a partir da substituio progressiva dos processos rgidos tm deslocado o conceito de formao profissional dos modos de fazer para a articulao entre conhecimentos, atitudes e comportamentos, com nfase nas habilidades cognitivas, comunicativas e criativas. Ou, para usar as expresses correntes, trata-se agora, no apenas de aprender conhecimentos e modos operacionais, mas de saber, saber fazer, saber ser e

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saber conviver, agregando saberes cognitivos, psicomotores e scioafetivos. A essncia de aptido, desse modo, extrapola a formao bsica do profissional e aproxima-se do conceito de saber tcito, conhecer que no se ensina e no passvel de explicao; trata-se de conhecimentos provenientes da prtica laboral adquirida ao longo de diferentes oportunidades; tais saberes no esto sistematizados e no identificam suas possveis relaes com o conhecimento terico. A fundamentao terica do trabalho est assentada na literatura sobre a configurao da educao hoje; polticas de formao; a formao do professor; a profisso professor; tendncias educacionais; concepo sobre avaliao; concepo sobre interdisciplinaridade; concepo sobre ensino e aprendizagem. Em cada momento histrico, identificam-se diferentes situaes polticas e sociais, que interferem no mundo do trabalho, delineando tendncias educacionais. Procuramos, ento conceber o momento educacional que vivenciamos, para identificarmos qual sucesso desejado em educao, atualmente, bem como compreender as polticas de formao dos atuais professores. Para esta anlise, em nossa pesquisa, foram de grande importncia as contribuies literrias de Franco, Freire, Kuenzer, Moran, Nvoa, Pimenta, Morin. Os estudos de Contreras, Cunha, Freire, Franco, Meirieu, Morais, Moran, Moyss, Nvoa, Rios, Sheppard, Zabala subsidiaram as investigaes sobre o professor em sua prtica de sala de aula, o qual desenvolve uma forma particular de trabalhar, ligada sua formao bsica e continuada, sua identidade pessoal e profissional, sua conscincia sobre sua profisso. Os aspectos especficos da sala de aula e do trabalho docente, tendncias educacionais, concepo sobre avaliao, interdisciplinaridade e ensino e aprendizagem, foram estudados de acordo com as referncias de Contreras, Hoffmann, Freire, Franco, Meirieu, Moran, Moyss, Moreira, Perrenoud, Pimenta, Zabala. No dia-a-dia da sala de aula, na vivncia do professor e do aluno, na dialtica do ensino e da aprendizagem, perguntamos: O que acontece na sala de aula? A esta pergunta correspondem mais indagaes do que respostas. Assim, o professor comprometido est em constante reflexo e pesquisa, buscando as melhores formas de atingir os melhores resultados e respostas. Portanto, o desafio do professor comprometido estar em constante pesquisa, em permanente busca da compreenso do que est ocorrendo. Isso significa investigar o porqu dos erros que os alunos cometem, investigar porque determinado contedo parece to fcil ou to difcil. Alm disso, h a necessidade de constante aperfeioamento por parte do professor para que possa ter cada vez mais melhores condies de compreender o que est ocorrendo (FRANCO, 1999). A reflexo sobre a prtica e a leitura crtica sobre o cotidiano escolar desvela espaos de tenso a serem trabalhados. Porm, necessrio que a reflexo, ao tempo em que contribua para a superao de limites e construo de possibilidades, esteja fundamentada em slidas bases tericas e epistemolgicas. Dessa forma, estar sendo concebida a autonomia intelectual do professor, necessria para o redimensionamento da sua prtica, para a luta e a resistncia em defesa da qualidade e do respeito a seu exerccio profissional.

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Ser professor, hoje, requer uma forma de ser, de viver, de fazer, sendo o processo de comunicao o que efetiva a relao ensinar-aprender: O professor enfrenta tambm, na sociedade contempornea, os desafios dos avanos tecnolgicos que configuram, segundo Rios (2002, p.11), a sociedade virtual e os meios de informao e comunicao. Esta forma de sociedade aumenta ainda mais o desafio do professor em efetivar a democratizao do ensino. Este profissional, no mundo atual, precisar desenvolver novas habilidades, para, a partir da sua realidade contextual (escola, aluno, recursos fsicos e financeiros, formao), selecionar contedos, organizar situaes de aprendizagem em que as interaes entre aluno e conhecimento se estabeleam de modo a desenvolver as capacidades de leitura e interpretao do texto e da realidade, comunicao, anlise, sntese, crtica, criao, trabalho em equipe. Dessa forma, poder promover situaes em que o aluno poder passar do senso comum ao comportamento cientfico. Entre as qualidades deste profissional dever estar presente a capacidade de transpor os conhecimentos a serem ensinados, promover situaes educativas, apreciar a maneira de como se afere a aprendizagem em cada etapa de desenvolvimento humano, as formas de organizar o processo de aprendizagem e os procedimentos metodolgicos prprios a cada contedo. Isso exige do professor em uma ao-formao a aquisio aguda da conscincia da realidade e uma slida fundamentao terica para poder direcionar a realidade e instrumentalizar seus alunos para o exerccio da cidadania. Em meio a esta teia complexa e enigmtica de acontecimentos, a educao busca sua vez e lugar, procurando redescobrir o papel social da escola e do professor no fazer pedaggico do dia-a-dia escolar. METODOLOGIA Este trabalho foi desenvolvido segundo uma metodologia de pesquisa de campo. Compuseram a amostra, duas professoras do Ensino Fundamental, do 1 e 2 ciclos regentes de classe da 3 srie, e uma professora de Literatura, do Pr II 4 srie, de duas escolas municipais. A pesquisa foi realizada na zona urbana do municpio de Castro, Estado do Paran, que possui 13 escolas. Destas, duas escolas foram sorteadas, aleatoriamente, para a seleo dos professores considerados de sucesso. As duas Instituies escolares localizam-se em diferentes bairros: Na primeira, o corpo docente consta de cinqenta e quatro professoras, uma diretora, uma diretora- auxiliar, trs supervisoras e uma orientadora educacional, atendendo a 550 alunos. Na segunda escola, o quadro docente consiste de trinta e oito professoras, uma diretora, duas supervisoras e uma orientadora educacional, atendendo a 450 alunos. Ambas escolas localizam-se na periferia do municpio e so tambm orientadas e supervisionadas pela Secretaria Municipal de Educao. Quanto aos procedimentos de coleta de dados, a escolha das escolas nas quais foram aplicados os questionrios obedeceu ao critrio sorteio aleatrio, de uma lista numerada de

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1 a 13, que continha o nome das 13 escolas urbanas do municpio de Castro. Na presena da coordenao pedaggica da Secretaria Municipal de Educao do municpio, retiramos dois papis que continham os nmeros das respectivas escolas. Para iniciar o estudo, realizamos um encontro com as Direes das escolas sorteadas, solicitando autorizao para a realizao da pesquisa, com objetivo tambm de explicar como esta seria desenvolvida nestas instituies. Neste encontro, foi-lhes entregue uma carta, explicando os procedimentos da realizao do estudo na escola: realizao de uma reunio e entrevista semi estruturada com a diretora, com a equipe pedaggica e com os professores para apresentao da carta de autorizao e explicaes sobre a pesquisa; esclarecimentos a respeito da aplicao de questionrios, entrevistas formais e informais, observaes da rotina da escola e da sala de aula, bem como verificao dos planejamentos das professoras futuramente indicadas. Houve aceitao por parte das diretoras, das equipes pedaggicas e dos professores sobre a realizao do estudo, pois compreenderam a importncia do trabalho para a valorizao dos bons docentes, atravs da divulgao de suas prticas e a contribuio para a melhoria no processo ensino aprendizagem, delineando um perfil profissional de sucesso. Nestas escolas, foi realizada a indicao annima, pelas diretoras, supervisoras, orientadoras e professoras, atravs de um questionrio, sobre quem consideravam o melhor professor e por qu. A anlise quantitativa dos questionrios permitiu a determinao das trs professoras que participariam da pesquisa. Quanto aos questionrios, dos 102 distribudos, foram devolvidos 55, que sugeriam a indicao das professoras de sucesso, efetuamos a anlise dos mesmos, sendo trs as professoras mais votadas, duas delas, na mesma escola. Os profissionais da escola que responderam ao questionrio e o devolveram, justificaram sua escolha por determinada professora, atribuindo-lhe diversas caractersticas/qualidades, que em vrios questionrios se repetiram. Estas trs professoras foram entrevistadas quanto aceitao em participar da pesquisa. As mesmas sentiram-se inseguras, tendo medo de no corresponderem qualificao de bom profissional. Aps aceitarem participar do trabalho, as docentes responderam a um questionrio contendo itens gerais e especficos sobre a sua formao geral e formas de atuao. Foi observada uma aula destas professoras mediante critrios pr-estabelecidos, entre os quais: relao professor/escola, professor/alunos e alunos/alunos; momentos e instrumentos de avaliao, anlise do planejamento, metodologia utilizada, seqncia didtica dos contedos, materiais didticos. Tais apreciaes foram, posteriormente, registradas. Os dados foram analisados quantitativa e qualitativamente segundo a literatura que norteou a presente pesquisa. RESULTADOS E DISCUSSO Na primeira escola foram entregues 60 questionrios, dos quais 27 foram respondidos, enquanto que na segunda, dos 42 questionrios distribudos, foram confirmados 28. Cerca de 88,67% das professoras tm, em nvel de Ensino Mdio, o Magistrio completo; aproximadamente 7,57% tm formao em Educao Geral e 1,88% diplomou-se em

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