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WEI XIV Workshop sobre Educação em Computação l 14 a 20 de julho de 2006 Campo Grande, MS Anais do XXVI Congresso da SBC Formação em Informática na Era da Convergência Digital André Dantas Vieira 1 , Arlei José Calazans Moraes 1 , Bárbara Siqueira Santos 1 , Daniel Thiago Vasconcelos Pereira 1 , Jayro Januário dos Santos Neto 1 , Fábio Queda Bueno da Silva 1 1 Centro de Informática – Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Caixa Postal 7851 – CEP: 50.732-970 – Recife – PE – Brasil. {adv,ajcm,bss,dtvp,jjsn,fabio}@cin.ufpe.br Resumo. Este artigo apresenta um estudo comparativo entre a grade curricular do Centro de Informática da UFPE e o modelo de formação profissional desenvolvido no projeto Europeu Career Space. O resultado do estudo mostra que a adoção de uma grade curricular baseada na estruturação de perfis flexíveis de formação torna possível alinhar as exigências curriculares oficiais, a busca pela excelência acadêmica e o atendimento das demandas atuais e futuras do setor produtivo de alta tecnologia. Abstract. This article presents a comparative study between the undergraduate curriculum of the Centre of Informatics at UFPE and the Career Space, na European project. The results show that the use of a flexible curricular structure is essential to satisfy the demands and expectations of the various stakeholders involved: government regulatory agencies, the university, and the private sector. 1 Introdução A construção de perfis e grades curriculares de cursos superiores nas áreas de alta tecnologia sempre enfrentou a tensão existente nas demandas e expectativas de três grupos sociais importantes: o setor público que regula a formação superior, o setor produtivo que demanda profissionais adequados à solução de seus problemas de curto e médio prazo e a própria academia que busca avançar o estado-da-arte formando cientistas e profissionais capazes de redesenhar a demanda atual e futura. Esta tensão pode ser destrutiva quando se tenta negar a legitimidade das demandas de qualquer dos atores e pode ser construtiva quando se emprega a parceria e o diálogo para a busca de soluções e modelos que levem a um ciclo virtuoso entre os três setores. O Centro de Informática da UFPE tem obtido sucesso na construção deste ciclo virtuoso através de um currículo flexível e extensivo, com um forte componente de formação empreendedora e uma relação empresa-universidade profissional realizada através do Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (CESAR). Este tripé tem permitido uma formação acadêmica sólida com bases empreendedoras capaz de gerar cientistas, profissionais do mercado e empresários capazes de atuar hoje e no futuro. Um exemplo desta combinação foi a experiência com a disciplina de “Negócios OnLine: Empreendimentos da Convergência Digital”, realizada no segundo semestre de 2004. A disciplina eletiva está colocada na grade curricular a partir do sexto semestre. Sua realização foi em parceria com o Instituto Brasil para a Convergência Digital, uma 138

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WEI XIV Workshop sobre Educação em Computação l

14 a 20 de julho de 2006Campo Grande, MS

Anais do XXVI Congresso da SBC

Formação em Informática na Era da Convergência Digital

André Dantas Vieira1, Arlei José Calazans Moraes1, Bárbara Siqueira Santos1, Daniel Thiago Vasconcelos Pereira1, Jayro Januário dos Santos Neto1, Fábio

Queda Bueno da Silva1

1Centro de Informática – Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Caixa Postal 7851 – CEP: 50.732-970 – Recife – PE – Brasil.

{adv,ajcm,bss,dtvp,jjsn,fabio}@cin.ufpe.br

Resumo. Este artigo apresenta um estudo comparativo entre a grade curricular do Centro de Informática da UFPE e o modelo de formação profissional desenvolvido no projeto Europeu Career Space. O resultado do estudo mostra que a adoção de uma grade curricular baseada na estruturação de perfis flexíveis de formação torna possível alinhar as exigências curriculares oficiais, a busca pela excelência acadêmica e o atendimento das demandas atuais e futuras do setor produtivo de alta tecnologia.

Abstract. This article presents a comparative study between the undergraduate curriculum of the Centre of Informatics at UFPE and the Career Space, na European project. The results show that the use of a flexible curricular structure is essential to satisfy the demands and expectations of the various stakeholders involved: government regulatory agencies, the university, and the private sector.

1 Introdução A construção de perfis e grades curriculares de cursos superiores nas áreas de alta tecnologia sempre enfrentou a tensão existente nas demandas e expectativas de três grupos sociais importantes: o setor público que regula a formação superior, o setor produtivo que demanda profissionais adequados à solução de seus problemas de curto e médio prazo e a própria academia que busca avançar o estado-da-arte formando cientistas e profissionais capazes de redesenhar a demanda atual e futura. Esta tensão pode ser destrutiva quando se tenta negar a legitimidade das demandas de qualquer dos atores e pode ser construtiva quando se emprega a parceria e o diálogo para a busca de soluções e modelos que levem a um ciclo virtuoso entre os três setores.

O Centro de Informática da UFPE tem obtido sucesso na construção deste ciclo virtuoso através de um currículo flexível e extensivo, com um forte componente de formação empreendedora e uma relação empresa-universidade profissional realizada através do Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (CESAR). Este tripé tem permitido uma formação acadêmica sólida com bases empreendedoras capaz de gerar cientistas, profissionais do mercado e empresários capazes de atuar hoje e no futuro.

Um exemplo desta combinação foi a experiência com a disciplina de “Negócios OnLine: Empreendimentos da Convergência Digital”, realizada no segundo semestre de 2004. A disciplina eletiva está colocada na grade curricular a partir do sexto semestre. Sua realização foi em parceria com o Instituto Brasil para a Convergência Digital, uma

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organização do terceiro setor criada por empresas de TIC, universidades e outras ONG para tratar dos desafios colocados pela convergência de tecnologias e serviços que acontece em nível global. O IBCD participou da disciplina viabilizando palestras de acadêmicos e profissionais das empresas e com informações sobre tendências mercadológicas que subsidiaram os projetos dos alunos.

Esta disciplina foi implementada dentro da estrutura do currículo do CIn-UFPE sem necessidades de alterações curriculares. Esta flexibilidade tem se mostrado valiosa quando a interação entre a universidade e a sociedade gera demandas que precisam ser rapidamente atendidas. A implementação da disciplina mostra como o CIn-UFPE tem sido capaz de responder de forma ágil às demandas externas pela formação de profissionais. Uma explicação para esta capacidade é o alinhamento do currículo com modelos modernos como o Career Space, conforme será discutido nas próximas seções.

Este artigo apresenta um estudo comparativo da grade curricular do CIn-UFPE com o modelo de formação profissional desenvolvido no projeto Career Space [Career Space, 2005]. Este projeto é uma proposição de um consórcio formado pelas principais empresas de TIC da Europa para a montagem de currículos de nível superior de graduação e pós-graduação capazes de atender a demanda atual por profissionais no contexto globalizado da convergência de tecnologias e serviços pelo qual passa o setor de TIC. Os resultados da comparação mostram que o currículo do CIn-UFPE está em sintonia com o modelo proposto pelo projeto.

O artigo está organizado da seguinte forma. A Seção 2 descreve o projeto Career Space. A Seção 3 apresenta o currículo do CIn-UFPE. A Seção 4 faz a comparação entre o modelo do Career Space e o currículo do CIn-UFPE. Finalmente, a Seção 5 apresenta as considerações finais do trabalho.

2 Projeto Career Space Com a finalidade de criar um framework que ajude estudantes, instituições de ensino e governos a terem uma descrição dos papéis, habilidades e competências requeridas pela indústria de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) no contexto atual da convergência digital, um consórcio formado pelas nove maiores companhias da areado setor (British Telecom, Cisco Systems, IBM Europe, Intel, Microsoft Europe, Nokia, Philips Semiconductors, Siemens AG, e Thales), e a Associação Européia da Indústria de Informação, Comunicações e Consumo Eletrônico (EICTA) foi criado com o apoio da Comissão Européia.

Para isso, este consórcio desenvolveu perfis de habilidades genéricas relevantes aos trabalhos na área de TIC através de um documento e criaram um website (http://www.career-space.com/) dedicado a fim de divulgar amplamente estas informações. Este documento desenvolvido mostra as necessidades do mercado de TIC na Europa e assim infere 18 perfis agrupados segundo quatro áreas:

• Telecomunicações: Engenharia de Rádio Freqüência, Projeto Digital, Engenharia de Comunicação de Dados, DSP (Processamento de Sinal Digital) – Projeto de Aplicações, Projeto de Redes de Comunicação;

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• Software e Serviços: Desenvolvimento de Software e Aplicações, Projeto e Arquitetura de Software, Projeto de Multimídia, Consultoria de Negócios de TI, Suporte Técnico;

• Produtos e Sistemas: Projeto de Produto, Engenharia de Integração e Teste / Implementação e Teste, Especialista de Sistemas;

• Setor Transversal: Gerência de Marketing de TIC, Gerencia de Projetos em TIC, Pesquisa e Desenvolvimento de Tecnologias, Gerência de TIC, Gerência de Vendas em TIC.

O objetivo do Career Space é que estes perfis profissionais possam atrair mais estudante para cursos em TIC, prover projeto de currículo atualizado para universidades e fácil acesso à informação das habilidades exigidas pela indústria e ajudar os Governos no desenvolvimento de políticas para promover o crescimento das habilidades em TIC na Europa.

Os perfis fornecem uma descrição do tipo de áreas de trabalho na indústria de TIC, suas atividades e tecnologias associadas, habilidades (de tecnologia e pessoais) e competências requeridas, e oportunidades de carreira disponíveis no mercado. Mas além das características técnicas, particulares a cada profisional, este precisa ter algumas características pessoais tais como: ser criativo, ser interessado em tecnologia, ter entendimento de matemática e ciências, possuir boa habilidade em comunicação, gostar de lidar com pessoas, saber trabalhar em equipe, etc. A Tabela 1 descreve um dos perfis definido pelo Career Space.

Tabela 1. Exemplo de profissional descrito pelo Career Space

Consultoria de Negócios de TI – é o profissional que tem uma larga experiência comercial e que orienta seus clientes no desenvolvimento de soluções em tecnologia da informação para atingir objetivos de negócio.

Algumas tarefas: definir os requisitos de negócio para as soluções de TI; definir a estratégia tecnológica para o negócio; identificar e definir oportunidades – otimizar e remodelar processos de negócios de TI; planejar, analisar e configurar o desenvolvimento de soluções de TI; ter visão e coordenação sobre vários aspectos da solução incluindo: fluxo de informação, segurança de dados, implementação de sistemas, etc.

Perfil comportamental: flexibilidade, pesquisa, pensamento criativo, comunicação, persuasão, trabalhar em equipe, estratégia e planejamento.

Perfil técnico: planejamento estratégico de negócio, análise de requisitos de negócio, projeto e análises de sistemas e arquiteturas, conhecimento de mercado, métodos de desenvolvimento de sistemas, tendência tecnológica.

Exemplos de profissões: Especialista de Informação Coorporativa, Conultor de e-Commerce, Analista de Negócios, Arquiteto de Negócios, Especialista de Aplicação, Consultor Estratégico de TI, Consultor de Gerência de Informação Estratégica, Consultor de Gerência de Informação.

Áreas de tecnologia associadas: e-commerce e Internet, telefonia celular e redes, tecnologia de hardware (computação / terminais / middleware), plataformas de aplicação (e.g. SAP R/3, Lotus Notes/Domino, MS SQL Server, Oracle), modelagem (e.g. negócios, dados, processos), criação de solução de serviço e integração (per application service).

Oportunidades de mercado: Siemens, Cisco, IBM, Philips, Nokia, Microsoft, Intel, etc.

A segunda fase das atividades do consórcio foi trabalhar com o setor de educação (com a participação direta de vinte universidades e de instituições técnicas) da Europa para desenvolver guias que ajudem na elaboração do currículo de TIC. Estes guias, que podem ser vistos no website do projeto, pretendem ajudar no projeto dos cursos a combinar os perfis das habilidades e as necessidades da indústria de TIC na

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Europa. Nesta fase, participaram ativamente as seguintes organizações: CEN/ISSS - corpo de padronização europeu para a informação da sociedade, Eurel - convenção nacional de engenheiros elétricos da Europa e NTO - a organização nacional Britânica de treinamento para TIC. O resultado é a construção de um currículo com informações e sugestões das companhias e das associações, fornecendo uma base para que universidades e instituições técnicas revisem seus cursos.

Figura 1. Escopo de competências, mostrando o conteúdo do Modelo de

Currículo de TIC

A figura acima mostra a estrutura básica de conhecimento requerida para a formação do um profissional. O eixo horizontal indica as áreas especializadas e o eixo vertical indica o nível de conhecimento nessas áreas. O diagrama sugere um método de organização de cursos que formam esses profissionais, dividido em quatro elementos: princípios básicos ou base científica; base tecnológica; aplicação e planejamento; habilidades pessoais e de negócios. Na seção 4 deste artigo serão detalhados esses elementos.

Neste contexto, são sugeridos dois ciclos de graduação para o estudante, incluindo um período de experiência na indústria, imprescindível entre esses dois ciclos: um primeiro ciclo de no mínimo quatro anos de bacharelado; e um segundo ciclo de dois anos de mestrado.

De acordo com as necessidades da indústria é necessária uma fundamentação sólida das técnicas desde o nascimento da engenharia à cultura da informática, com uma ênfase particular na perspectiva de sistemas. É também necessária, a experiência de se trabalhar em equipe, com a real experiência em times de projeto onde diversas atividades são feitas em paralelo, e um entendimento básico de economia, mercado e características de negócio. Além disso, é necessário ter boas habilidades pessoais como habilidade em resolver problemas, habilidades de comunicação e persuasão, consciência da necessidade de aprendizagem, prontidão para compreender inteiramente as necessidades do cliente e de seus colegas do projeto, e estar ciente das diferenças culturais ao agir em um ambiente global.

O currículo deste tipo de profissional deve ser revisado e remodelado pelo menos a cada três anos, devido à atualização constante das tecnologias e exigências do mercado de TIC. E deve estar de acordo com as necessidades de todo o ambiente local ou externo ao profissional, e com outros stakeholders (alunos, e professores) num feedback contínuo e constante para que o aluno que está sendo preparado possa refletir positivamente o currículo da universidade.

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Estudante do1º ano

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EstudantesProfessores

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Estudante do1º ano

(qualificação deEntrada)

Graduação(qualificação de

grau)

• Processo Educacional• Processo de Avaliação• Processo de Treinamento• ...

EstudantesProfessores

Administradores

Figura 2. Sugestão de processo de elaboração do currículo para as

Universidades, segundo o Career Space

A qualidade dos resultados do currículo é medida pelo sucesso do profissional graduado na sua profissão. Isto depende de diferentes stakeholders dentro e fora da universidade, e eles devem estar envolvidos no projeto, controle e operação deste processo.

3 Ciência da Computação no Centro de Informática – UFPE O Centro de Informática (CIn) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) oferece dois cursos na graduação: Bacharelado em Ciência da Computação e Bacharelado em Engenharia da Computação. Criado em 1974, o curso de Bacharelado em Ciência da Computação tem hoje duração de 4 anos e meio. Durante esses 30 anos de funcionamento o curso passou por algumas reformas curriculares, a última grande reforma aconteceu em 2000 sendo implantada inicialmente na primeira turma de 2001.

O processo desta última reforma durou mais de um ano e foi um trabalho conjunto de todos os docentes do centro. Esta reforma sofreu influência direta das novas diretrizes curriculares para os cursos de graduação sugeridas pela Secretaria de Educação Superior (SESu) do Ministério de Educação (MEC), do Currículo de Referência da SBC e da ACM (Association for Computing Machiney), dos currículos de universidades tradicionais (Stanford, Berlim).

As principais conseqüências diretas da reforma foram: a duração do curso passou de cinco anos para quatro anos e meio (nove semestres), o conjunto de disciplinas obrigatórias diminuiu de sete para cinco semestres e as disciplinas eletivas foram organizadas em 23 perfis curriculares.

O resultado dessa reforma foi uma grade curricular com formação básica bem fundamentada, possibilitando aos alunos sua especialização em um conjunto de áreas por eles escolhidas permitindo ingressarem tanto em uma carreira acadêmica quanto no mercado de trabalho, com particular incentivo à criação de novas empresas através da infra-estrutura de encubação existente no próprio Cin.

O conjunto de perfis idealizados na reforma inclui áreas interdisciplinares como Negócios On-line, Entretenimento Digital, Bio-informática. Essas áreas podem ser consideradas de base convergente porque demandam profissionais com características especiais: eles devem ter uma formação básica em áreas complementares como empreendimentos e multimídia e devem ser pessoas mais dinâmicas, criativas e arrojadas.

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Além da influência acadêmica e oficial, outro importante fator que influenciou a reforma curricular foi a atuação do CIn junto ao setor produtivo realizada através do CESAR e potencializada com o inicio do projeto Porto Digital no ano 2000. A parceria com CESAR apresenta-se como ponto chave no aprimoramento da grade curricular do CIn porque alguns docentes participam ativamente da junta diretiva do C.E.S.A.R o que contribui para a adequação do currículo segundo as reais necessidades do mercado.

4 Comparação entre os Modelos Career Space e CIn-UFPE O Projeto Career Space considera de extrema importância às questões de capacitação profissional e para isso desenvolveu um guia de referência para as universidades reformularem seus currículos para formarem os profissionais adequados às necessidades das indústrias de TIC do século 21.

O curso mais apropriado do CIn-UFPE para ter o currículo comparado com o Career Space seria a Engenharia da Computação, porque combina elementos de engenharia elétrica e de computação. Porém, este curso somente foi implantado em 2002 não sendo possível uma avaliação por completo. Vamos analisar o curso de Bacharelado em Ciência da Computação, porque representa um importante pilar na capacitação do profissional e pode ser facilmente analisado. Além disso, podemos utilizar também as recomendações genéricas que o projeto Career Space explicita para ambos.

O curso de Ciência da Computação da UFPE passou por uma grande reformulação curricular que foi implementada no primeiro semestre de 2001.1, conforme discutido anteriormente. Essa reforma tomou por base diretrizes curriculares da Secretaria de Educação Superior do MEC (SESu) além do plano estratégico da UFPE e orientações e inspirações de diversas outras fontes. A proposta aqui é analisar essa reformulação e verificar se o currículo proposto está de acordo com as recomendações do Career Space.

Segundo as diretrizes curriculares da SESu, os cursos da área de computação devem ser compostos por quatro áreas de formação:

• Formação Básica (40%): compreende os princípios básicos da área de computação, a ciência da computação, a matemática para definição formal e física para o entendimento e projeto de computadores tecnicamente viáveis. Neste contexto, destacam-se como disciplinas: Programação, Computação e Algoritmos, Arquitetura de Computadores, Matemática e Física;

• Formação Tecnológica ou Profissional (40%): aplica os conhecimentos básicos no desenvolvimento tecnológico da computação. Pode-se destacar nesta formação disciplinas como: Sistemas operacionais, Redes de computadores, Sistemas Distribuídos, Compiladores, Banco de Dados, Engenharia de Software, Sistemas Multimídia, Interface homem-máquina, Inteligência Artificial e Computação Gráfica;

• Formação Complementar (5%): conduz à interação do egresso com outras profissões. Dentre elas podemos citar disciplinas como: Administração, Direito, Economia e Bio-Informática;

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• Formação Humanística (15%): dá ao aluno uma dimensão social e humana. As principais disciplinas nesta formação são: Empreendedorismo, Computador e Sociedade, Ética e História e Futuro da Computação.

Já o projeto Career Space sugere a seguinte distribuição:

• Base Científica (30%): semelhante a ”Formação Básica” sugerida pelas diretrizes curriculares da SESu, porém com um foco nos conceitos utilizados na indústria. Além de uma base em ciência e matemática, esta base prove também o entendimento de métodos científicos para análise e projeto;

• Base Tecnológica (30%): novamente semelhante a “Formação Tecnológica” das diretrizes da SESu. Também é sugerida uma forte ligação entre as bases Científicas e Tecnológicas, para que os alunos vejam as aplicações práticas e relacionamentos com outras tecnologias, bem como também o desenvolvimento de novas tecnologias.

• Base em Aplicações e Habilidade de Pensar sobre Sistemas (25%): o projeto Career Space sugere que o aluno possua um conhecimento mais aprofundado em áreas de sua especialidade, conhecimento de métodos de resolução de problemas, juntamente com o entendimento de aplicações tecnológicas nessas áreas. A Habilidade de Pensar sobre Sistemas (Systems Skills ou Systems Thinking) é necessária devido à complexidade de grandes projetos desenvolvidos pela indústria atualmente. Portanto, os profissionais devem ter a visão de interação e interdependência entre componentes dos sistemas;

• Habilidades Pessoais e de Negócios (15%): essa sessão é semelhante à “Formação Humanística” das diretrizes da SESu, salientado capacidade de trabalhar em equipe, negociação, apresentação e aprendizado contínuo.

Os cinco primeiros períodos do curso do CIn-UFPE representam a grade básica e suas disciplinas totalizam 2.370 horas. Eliminando 300 horas de estágio e 150 de Trabalho de Graduação (que analisaremos depois) restam 1.920 horas de disciplinas obrigatórias. Percebemos que segundo a divisão do SESu cerca de 49% das disciplinas fazem parte da Formação Básica, 34% da Formação Tecnológica, 9% da Formação Humanística e 8% Formação Complementar. E analisando o currículo segundo a divisão do projeto Career Space, a grade obrigatória possui aproximadamente 31% de disciplinas de Base Científica, 52% de disciplinas de Base Tecnológica, 4% de disciplinas de Base em Aplicações e Habilidade de Pensar sobre Sistemas e 13% de disciplinas de Habilidades Pessoais e de Negócios. Segue abaixo uma tabela com a percentagem das cadeiras obrigatórias do CIN-UFPE segundo as áreas de formação do SESu e do Career Space.

Tabela 2. Percentagem das áreas de formação segundo o SESu e segundo o Career Space

SESu Career Space

Bás

ica

(49%

)

Tec

noló

-gi

ca (

34%

)

Com

ple-

men

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)

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É perceptível a diferença entre as proporções das diretrizes da SESu e dos guias do projeto Career Space: uma diferença inicial é que a SESu classifica as disciplinas de Introdução a Programação e Paradigmas de Linguagens Computacionais como Formação Básica e o Career Space como Base Tecnológica, o que proporcionou uma grande disparidade entre as proporções sugeridas. Além disso, de acordo com sua característica, a disciplina de Projeto de Desenvolvimento de Sistemas foi classificada pelo Career Space como Base em Aplicações e Habilidade de Pensar sobre Sistemas, o que aumentou um pouco essa proporção.

Temos que observar que essa análise é feita a partir das disciplinas básicas do curso, portanto o aluno possui ainda 1.125 horas (37% do curso) de disciplinas eletivas para complementar sua formação. Muitas dessas disciplinas se enquadram na classificação de Base em Aplicações e Habilidades Pessoais e de Negócios do Career Space, o que pode complementar essas áreas com o objetivo de ser atingir a carga horária de 25%, e diminuir a proporção de disciplinas de Base Tecnológica, aproximando-a da carga de 30% recomendada.

O Career Space recomenda também que o estudante passe por um período de experiência de no mínimo de 3 (três) meses em projetos reais da Indústria. Esse é o tempo requerido na disciplina de Estágio. Além disso, o Career Space acredita que a experiência de trabalho em equipe em um projeto de médio porte ainda durante o curso é de essencial importância para o aluno. Essa é justamente a proposta da disciplina de Projeto de Desenvolvimento de Sistemas, ministrada no quinto período do curso.

O projeto Career Space explicita que uma das necessidades do novo currículo de TIC é uma maior mobilidade entre a Academia e a Indústria para que haja retro alimentação entre os dois. Essa mobilidade deve ser tanto de estudantes quanto de professores. Neste caso o Centro de Informática possui grande facilidade devida sua interação com o C.E.S.A.R. e o Porto Digital, onde vários professores possuem projetos cooperatives de pesquisa e desenvolvimento com empresas e uma grande parcela de alunos realiza seus estágios profissionais.

Depois desta análise, percebemos que o currículo de Bacharelado em Ciência da Computação do CIn-UFPE implementa plenamente as diretrizes curriculares da SESu do MEC, e se aproxima muito dos guias do projeto Career Space. O maior problema detectado é a ausência de disciplinas específicas do conjunto de Base em Aplicações e Habilidade de Pensar sobre Sistemas, embora as habilidades sugeridas para essas disciplinas estejam embutidas em disciplinas de outro conjunto. A tabela abaixo, faz uma relação entre as profissões propostas pelo projeto Career Space e os perfis profissionais oferecidos pelo currículo do CIn-UFPE, o critério usado para essa relação foi a semelhança entre os perfis.

Tabela 3. Perfis profissionais no Career Space e os perfis do CIn-UFPE

Career Space Perfil Engenharia de Integração e Teste / Implementação e Teste

Engenharia de Software, Desenvolvimento

Gerência de Marketing de TIC Negócios on-line, Empreendedor Projeto de Multimídia Entretenimento Digital, Mídias Especialista de Sistemas Suporte à Decisão, Inteligência Artificial Desenvolvimento de Software e Aplicações Engenharia de Software, Desenvolvimento Consultoria de Negócios de TI Empreendedor, Negócios on-line Projeto de Redes de Comunicação Comunicação, Computação Distribuída, Engenharia de

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Computadores Engenharia de Comunicação de Dados Engenharia de Software, Comunicação, Engenharia de

Computadores, Gerenciamento de Dados e informação Projeto de Produto Sistemas embutidos, Engenharia de Computadores, Robótica e

Automação Projeto e Arquitetura de Software Engenharia de Software DSP (Processamento de Sinal Digital) – Projeto de Aplicações

Engenharia de software, Teoria da Computação, Matemática Computacional

Projeto Digital Mídias, Entretenimento Digital Engenharia de Rádio Freqüência - Suporte Técnico - Gerencia de Projetos em TIC Engenharia de Software Pesquisa e Desenvolvimento de Tecnologias - Gerência de TIC - Gerência de Vendas em TIC -

O currículo do CIn cobre as profissões propostas pela Career Space, porém, algumas delas superficialmente. Principalmente as que demandam profissionais da área de Engenharia de Software, são bem abordadas, já profissões na área de Suporte Técnico deixam a desejar, vale ressaltar que o domínio baseado para a construção do Career Space, foi o mercado de telecomunicações europeu, diferente do cenário local de tecnologia onde o CIn está inserido, no qual predomina o mercado de multimídia e desenvolvimento de software em geral. Este mercado precisa principalmente de profissionais capacitados em engenharia de software, comunicação, desenvolvimento, mídias e entretenimento digital.

O currículo do CIn poderia melhorar no aprofundamento de alguns perfis que hoje são superficiais, na criação de outros, que segundo o Career Space, são de grande importância, mas que não estão presentes no currículo do CIn, como o de Suporte Técnico, Engenharia de Rádio Frequência, Gerenciamento de Tecnologia de Informação e Comunicação, e na reavaliação de perfis que não tem uma boa projeção de futuro, para dar margem a inclusões e inovações.

5 Conclusão O trabalho descrito acima foi realizado pelos alunos da disciplina de “Negócios OnLine” no segundo semestre de 2004. A metodologia empregada é essencialmente qualitativa e visa estimular o debate sobre a formação curricular dos profissionais de TIC no contexto da convergência digital. Estudos futuros devem buscar uma análise quantitativa que permita conclusões estatisticamente confiáveis.

De qualquer forma, os resultados mostram que, qualitativamente, o CIn-UFPE possui um currículo de formação de graduação em Ciência da Computação que está sintonizado com as demandas do mercado global do setor. Porém, esta adequação é dinâmica e, segundo proposição do Career Space, currículos da área de TIC devem ser revisados a cada três anos. Isto pode ser inviável em função dos tempos necessários para realização de mudanças curriculares mais profundas nas universidades. Portanto, é necessário que as estruturas curriculares sejam suficientemente flexíveis para acomodar modificações de conteúdo sem ferir as regras e regulamentos formais. O currículo do CIn-UFPE tem se demonstrado adequado neste sentido e capaz de acompanhar as demandas sociais pela formação de profissionais.

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