formação cultural e educação - teoria crítica, tecnologia e internet

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    FORMAO CULTURAL E EDUCAO:UM DILOGO ENTRE A CONCEPO DE FORMAO DA TEORIACRTICA FRANKFURTIANA E A PROPOSTA DA INTERNET COMO

    FERRAMENTA FORMATIVA CONTEMPORNEA

    Bruno Pedroso Lima SilvaMestrando em Educao Brasileira

    Faculdade de Educao/[email protected]

    RESUMO

    O presente artigo de reviso terica objetiva apresentar a teoria crtica frankfurtiana,baseando-se principalmente em Adorno, Horkheimer e Benjamin, enfatizando sua conceposobre formao, e, ao mesmo tempo, apresentar e discutir a proposta da utilizao da Internete do ciberespao como ferramentas formativas contemporneas. Dito isso, pretendo relacionar

    essa nova proposta com os preceitos e idias da teoria crtica sobre formao, com a intenode mostrar que a Internet, hoje, tem a possibilidade de ser um dos principais meios deformao da nova gerao e que se constitui como importantssima experincia formativa,conceito esse defendido por Adorno como principal meio para a formao crtica eemancipadora. Ser feita, ento, uma reviso da teoria crtica e a tentativa de estabelecer umarelao entre o tempo histrico dos frankfurtianos e a contemporaneidade, com o objetivoprincipal de provar que os espaos educativos precisam incluir a Internet em seus processos

    formativos, na busca da formao de sujeitos autnomos.

    Palavras-chave : teoria crtica, formao cultural, educao, Internet.

    INTRODUO

    A teoria crtica frankfurtiana da sociedade, neste trabalho fundamentadaprincipalmente em Adorno, Horkheimer e Benjamin, procuraram em seus escritos tecer uma

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    crtica feroz sociedade capitalista e ao seu modo de vida. No propunham a prxis, nopropunham, com exceo de Marcuse, a revoluo. Dedicaram-se a enxergar, a ver o obscuro.Enxergavam por dentro e criticavam essa sociedade onde as relaes sociais se tornammercadoria, onde o trabalho se coisificou tambm como mercadoria, onde os bens culturais setransformam em indstria, onde meios hegemnicos de produo fazem de tudo paraparcializar essa cultura numa perspectiva mantenedora, fechando-a as mudanas sociais.Inquietavam-se com o fato de que a sociedade, em vez de entrar num estado verdadeiramentehumano, se afundava cada vez mais em uma nova espcie de barbrie.

    O que diferencia os tericos crticos da Escola de Frankfurt de outros grandespensadores crticos sociedade capitalista a capacidade que tinham de apontar as

    contradies e de tecer a crtica dos mais variados temas. Formao, educao, poltica,cultura, economia, sociedade. Nada passava do crivo crtico dos frankfurtianos, sempreguiados pela sua mentalidade marxista.

    Bruno Pucci (2011) resume dessa maneira a teoria crtica da sociedade:

    Quando falamos em Teoria Crtica nos referimos ao pensamento de um grupode intelectuais marxistas no ortodoxos, alemes, que, a partir dos anos 1920,desenvolveram pesquisas e intervenes tericas sobre problemas filosficos,sociais, culturais e estticos gerados pelo capitalismo tardio e influenciaramsobremaneira o pensamento ocidental particularmente dos anos 40 aos anos 70do sculo passado. Esses pensadores constituem a chamada Escola deFrankfurt, pelo fato de se estabelecerem enquanto um grupo de pesquisadoresnesta cidade alem, criando a seu instituto de investigao e o rgo dedivulgao de suas produes, a Revista de Pesquisa Social. Destacam-se entreseus membros, Max Horkheimer, coordenador da Escola de 1930 at 1967,Herbert Marcuse, (...), Theodor Adorno, (...), Walter Benjamin, bolsista doInstituto nos anos 1933-1940 e Jrgen Habermas (...). O termo teoria crticase consagrou a partir do artigo de Max Horkheimer, em 1937 Teoriatradicional e teoria crtica, em que o autor prefere utilizar essa expresso parafugir da terminologia materialismo histrico utilizada pelo marxismo

    ortodoxo, hegemnico na poca, e por querer mostrar que a teoria marxiana eraatual, mas devia se importar em suas reflexes com outros aspectos crticospresentes na abordagem da realidade: o filosfico, o cultural, o poltico, opsicolgico e no se deixar conduzir predominantemente pelo economicismodeterminista. Os autores frankfurtianos clssicos dos anos 1930 a 1970 escreveram fundamentalmente sobre temas filosficos (crtica razoiluminista; dialtica negativa; particular concreto; verdade inintencional),culturais (cultura e civilizao; Indstria cultural; semiformao); sociais(indivduo e sociedade; sociedade unidimensional; sociedade administrada);estticos (ensaio como forma; constelao; experincia esttica; mimese eracionalidade na obra-de-arte); psicolgicos (personalidade autoritria;preconceito; antissemitismo). E mesmo permanecendo nos horizontes do

    pensamento marxista, dialogaram critica e intensamente com Kant, Hegel,Weber, Nietzsche e Freud. (PUCCI, 2011).

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    Para Adorno e seus companheiros da Escola de Frankfurt, as coisas, o mundo e asociedade esto sempre em eterno movimento. Por isso criticam duramente a noo de cinciaque se instaurou na sociedade, guiada pela tendncia positivista da sociedade capitalista.Criticavam a necessidade de conceituaes e a definio de que o que a cincia diz averdade absoluta. Por isso, um dos principais questionamentos que guiavam as suas reflexesera de como poderia ser a prxis de uma pedagogia crtica, transformadora e emancipadoradentro de um sistema capitalista com essa mentalidade de mtodo cientifico. A desilusodesses tericos com a cincia se baseava no fato de que, para eles, esse tipo de mentalidadecientfica significava o fim da autocrtica e da dialtica. Por isso, a desiluso com a cinciasignificava tambm a desiluso com a sociedade e com o mundo.

    A teoria critica expe a realidade. No prope solues diretamente, mas prope umrequisito bsico para a mudana: a disponibilidade total para novas experincias. As soluesdos problemas sociais, da alienao, da indstria cultural, da coisificao do trabalho e dasrelaes sociais, da semiformao e da semicultura, da dominao do capital entre outros,esto em ns mesmos. A teoria crtica l, reflete e mostra como funcionam, em seu cerne, asociedade e o mundo. Defendem e enfatizam que o primeiro passo para se atingir a mudana o conhecimento da realidade: saber que estamos sendo dominados.

    O que sinto, o que me inquieta, ento, a partir da minha reflexo, a minha opinio deque a contemporaneidade possui um trunfo, como nova experincia formativa, para a crtica epara o acesso informao e ao conhecimento, que os tericos crticos no possuam em seucontexto histrico e por isso no analisaram: A Internet e o ciberespao. Farei uma proposta,ento, da Internet participar do processo educativo como uma motivadora da crtica social,com o objetivo de conscientizar a nova gerao das boas possibilidades que essa ferramentaoferece. Essa a minha reflexo do papel da escola em relao a esse novo meio, ofereceruma formao que permita o bom uso dessa ferramenta, que estimule a pesquisa, oconhecimento, o compartilhamento, o acesso crtico informao, a discusso, o debate e aintegrao.

    Proponho-me ento, nesse artigo, a pensar a questo da formao nacontemporaneidade com o olhar de um terico crtico frankfurtiano. Ao ler as questes queeles pem sobre a formao cultural, sinto que as palavras deles so ainda muito atuais. Umaformao cultural inexistente, alienada, manipulada, desumanizadora, que s presta aos

    interesses das classes dominantes e reservam s classes populares apenas o no-ser, a no-

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    existncia como sujeito, a completa alienao da realidade e de suas possibilidades ecapacidades humanas.

    Primeiramente, ento, apresentarei resumidamente a teoria crtica e seus principais

    escritos sobre a questo da formao, partindo dos conceitos de semiformao e semicultura,de indstria cultural e da idia principal da educao como responsvel pela formao de umaconscincia verdadeira. Aps, apresentarei - de forma resumida - os principais pontos daproposta da incluso da Internet nos processos educativos, na perspectiva formativa crtica.Abordarei os conceitos de ciberespao e cibercultura, e tentarei mostrar o que esse meio tem aoferecer em busca da formao autnoma, de como ela pode possibilitar a crtica, aconscincia e a atuao social, a partir do acesso informao, da pesquisa, da discusso

    livre, do compartilhamento de informao e do conhecimento. Enfim, meu objetivo principal compartilhar a idia de que a Internet , hoje, parte da cultura, e precisa ser apropriada, nocontexto de suas boas possibilidades, pelos sujeitos.

    O conceito de formao para os tericos crticos

    Afinal, o que formao? Pergunta instigante, que pensadores de todas as partes domundo e em todas as pocas histricas tentaram e ainda tentam responder. Resumidamente,podemos dizer que formao reflexo. Mas ser somente isso? Ao refletir, estamos nosautoformando, isso inegvel. Mas e o meio social? A sociedade forma? O contexto scio-histrico? Nossas opes so livres? Dispomos de algum meio que nos d liberdade eautonomia para desenvolvermos nossa crtica social, nossa emancipao como sujeitos e quemotive nossa atuao prtica na transformao da sociedade? Temos possibilidades para nosformar para a prxis da mudana social?

    Para Adorno (1996), formao no mais que a cultura pelo lado de sua apropriaosubjetiva, ou seja, o acesso universalizado e democratizado aos bens culturais. E o que realmente, no contexto contemporneo, se apropriar da cultura? Uma das hipteses quedefendo nesse trabalho que, no contexto histrico dos tericos crticos, a sociedade nodispunha, mesmo com o incio do desenvolvimento tecnolgico, de um meio, um bemcultural, onde a possibilidade de crtica, compartilhamento de informao e de opinio,

    conscientizao e atuao social pudessem ocorrer, mas que hoje, atualmente, possumos.Trago aqui ento, a proposta de tentar trazer as ideias da teoria crtica frankfurtiana para os

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    nossos tempos atuais. Considerando principalmente essa ideia de formao, a sua crtica aofalar da semiformao que a nossa sociedade oferece e as suas idias em relao importncia das experincias formativas, pretendo com este trabalho introduzir a discusso dautilizao da Internet no processo educativo nesses contextos. Defendo aqui que a Internet seconfigura, hoje, na mais importante experincia formativa para a nova gerao, quandoutilizada atravs de suas boas possibilidades, ou seja, suas possibilidades realmenteformativas.

    Nesse ponto, vejo muita importncia em discutir com Adorno e tambm com Marxsobre esse papel da educao, como fonte de experincias formativas, e o papel do professor.Para a difcil e intrigante pergunta Quem educar os educadores?, respondo com a teoria de

    que tendo tido uma formao bsica e universitria autnoma, que tenha enfatizado aliberdade e a crtica, os prprios educadores, na nova gerao, se autoformaro e, assim,atuaro na formao crtica das prximas geraes. Est implcito na ideia de autonomia queos prprios educadores se formaro, e durante sua formao seguiro a sua vocao paraensinar. Professores semiformados, ento, devero buscar a formao propriamente dita, comajuda de todas as ferramentas possveis, para, ao se educar, poder estar apto para educaroutros indivduos.

    O principal papel do professor para mim, me apoiando em Adorno (1995), seria tornarsuprfluo, comum, natural, que seu aluno caminhe rumo autonomia. Tendo a formaoescolar e a universitria oferecido essa formao ideal para o professor, se tornar suprfluopara ele ajudar seus alunos a se formar como ele se formou. Com liberdade, com autonomia,com crtica. E para que ocorra esse processo, novamente me apoiando em Adorno, sonecessrias a apropriao subjetiva da cultura, alm da liberdade para criar e executarexperincias formativas. A proposta da Internet na escola como uma ferramenta crtica econscientizadora no passa, para mim, de uma importantssima experincia formativacontempornea. impossvel negar que vivemos hoje em uma cultura que tem comoelemento o mundo digital, portanto, uma formao que se identifique como apropriao dacultura pelos sujeitos precisa incluir a Internet e o ciberespao em seus processos, porquehoje, para a nova gerao, a Internet e o ciberespao se configuram como elemento cultural.

    Ento, como formar se ns mesmos, atuais ou futuros professores, estamos emformao? Formemos-nos junto com nossos alunos. Faamos parte dessa rede formativa,

    integremo-nos nessa perspectiva coletiva de formao. Crtica constante formaoconstante. A profisso de ensinar, segundo Adorno, no deve ter o orgulho de no aceitar que

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    a formao de seus alunos no depende s deles. Eles se formam com o mundo, com asociedade, com a famlia e com ele mesmo. E isso maravilhoso, isso se configura emautonomia, que para os tericos crticos, o objetivo primeiro da educao e do processoformativo. A verdadeira razo aquela que motivo de dvida e questionamento o tempotodo. A que se pensa, a que traz a reflexo constante, que traz a crtica constante e que terminaem formao constante.

    Adorno e Horkheimer (1985) j diziam: a escola pode ser uma ferramenta deresistncia, transformadora, crtica. Conhecendo sua realidade, o individuo pode criarcondies para a mudana. Por isso, com exceo de Marcuse, a teoria crtica no propenada. Eles oferecem o conhecimento, a viso deles da sociedade e suas opinies sobre ela e o

    mundo. Quem tem que propor solues somos ns, enquanto sujeitos que vivemos nessemundo. O individuo precisa ter autonomia para rejeitar a sua realidade, ressignificar suahistria, ir contra a realidade de sua famlia e at mesmo da escola. um individuo, pode edeve ser diferente O indivduo autnomo precisa se confrontar com outras realidades, eescolher a que mais lhe agrada. Isso se configura como experincia formativa.

    A disponibilidade para novas experincias, para os frankfurtianos, to importantequanto formao pedaggica em si. A internalizao da cultura se d a partir de um processo

    formativo que garanta essas novas experincias. A experincia formativa seria umaexperincia que te leve a uma reflexo da realidade de modo a atuar sobre ela. So atividades,mas podem ser tambm ao mental: mudana de viso de mundo, mudana do indivduo,no necessariamente s o fazer. Analisar, refletir e ressignificar a realidade, se autocriticar apartir de sua cultura e sua formao individual. Isso se configura em apropriao subjetiva dacultura. A educao, ento, est dentro da formao cultural. Independente do espaoformativo, o objetivo deve ser sempre o mesmo. A educao formal, a no formal, qualquertipo de formao deve ter o mesmo objetivo: autoreflexo, autonomia e emancipao. Oindivduo emancipado consegue perceber a realidade, pensar por si mesmo e detectarcontradies sociais e se posicionar criticamente. Consegue perceber que outras realidadesso possveis.

    A formao, para a teoria crtica frankfurtiana, ento, se resume na perspectivadialtica-crtica. A capacidade de pensar o que eu posso fazer?, que sujeito eu posso ser?,que discurso posso utilizar?, entre outros autoquestionamentos, so a formao. Formao

    o incentivo ao ato de pensar!

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    A questo da semicultura e da semiformao

    A teoria crtica frankfurtiana, neste caso principalmente em Adorno, nas suas ideiassobre formao, caracterizou o processo formativo da sociedade atual como um processo queno pode ser chamado de formativo, porque no forma pessoas autnomas, e sim pessoas queso formadas com a inteno de simplesmente atuar na manuteno do sistema, semperspectiva crtica sobre ele. Essa fetichizao acaba com o conceito de autonomia,desrespeitando a essncia humana e qualquer ideal de formao humana j teorizado. Adorno(1996) chama esse processo de semicultura ou semiformao, e o define assim:

    O que hoje se manifesta como crise da formao cultural no um simplesobjeto da pedagogia, que teria que se ocupar diretamente desse fato, mastambm no pode se restringir a uma sociologia que apenas justaponhaconhecimentos a respeito da formao. Os sintomas de colapso da formaocultural que se fazem observar por toda parte, mesmo no estrato das pessoascultas, no se esgotam com as insuficincias do sistema e dos mtodos daeducao, sob a crtica de sucessivas geraes. Reformas pedaggicas isoladas,indispensveis, no trazem contribuies substanciais. Poderiam at, em certasocasies, reforar a crise, porque abrandam as necessrias exigncias a seremfeitas aos que devem ser educados e porque revelam uma inocentedespreocupao frente ao poder que a realidade extrapedaggica exerce sobre

    eles. (...)A formao cultural agora se converte em uma semiformao socializada, naonipresena do esprito alienado, que, segundo sua gnese e seu sentido, noantecede formao cultural, mas a sucede. Deste modo, tudo fica aprisionadonas malhas da socializao. (ADORNO, 1996).

    Essa formao encara os bens culturais como simples bens, como o dinheiro ou osbens materiais, e se esquece da implantao desses bens culturais na vida humana. Aformao que se esquece disso acaba por se transformar em semiformao, que porconseguinte, leva semicultura, pois no prope nenhuma perspectiva de acesso oudemocratizao desses bens culturais, ou seja, descansa em si mesma e se absolutiza.Parafraseando Adorno (1996), na idia de formao cultural necessariamente se postula asituao de uma humanidade semstatus e sem explorao.. Sabemos que, da forma que vivee se comporta nossa sociedade, isso no existe e est ainda longe de existir. Portanto,enquanto estivermos inseridos nesse sistema, s estaremos sendo semiformados. necessriaento a atuao, a crtica que traga a prxis transformadora.

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    Adorno, de acordo com seu contexto histrico, fala em trabalhadores e pequenosempregados. Eu, na atualidade, penso na juventude como principal esperana. Essacomunidade formativa, formada pelos focos de resistncia semiformao, pode dar incio aum processo formativo da nova gerao que as incite a escapar da semiformao e dasemicultura.

    No tenho a inteno de deixar a impresso de que esse processo pode, de algumaforma, ser fcil. Longe disso. Demanda um longo prazo e uma imensa dificuldade. Asemiformao e a conseqente semicultura so conceitos enraizados em nossa sociedade.Adorno (1996) analisa, de forma um tanto quanto pessimista, esse contexto:

    O esprito da semiformao cultural pregou o conformismo. No somente seextraram os fermentos de crtica e de oposio contra os poderes estabelecidosque caracterizavam a formao cultural no sculo XVIII, como tambm firmou-se o assentimento ao j existente e sua duplicao espiritual se faz seu prpriocontedo e sua prpria justificao. Ao mesmo tempo, a crtica fica rebaixada aum meio para impor medo, a um puro borboletear-se superficial e que atingealeatoriamente os adversrios que elege.(...) O que se apresenta ao sujeito comoinaltervel se fetichiza, se torna impenetrvel e incompreendido. (ADORNO,1996).

    E completa seu raciocnio crtico:

    A semicultura defensiva: exclui os contactos que poderiam trazer luz algode seu carter suspeito. (...) ao socializar-se a semicultura, seus mpetospatticos comeam a contagiar toda a sociedade, instaurando o pequenoburgus posto em circulao como carter e tipo social dominante. (ADORNO,1996).

    Mas, ratificando a afirmao dos tericos crticos de que so pessimistas tericos, masotimistas prticos, completa, propondo a reflexo crtica como a sada: Contudo, a nicapossibilidade de sobrevivncia que resta cultura a auto-reflexo crtica sobre asemiformao, em que necessariamente se converteu. (ADORNO, 1996). Com essa frase,Adorno mostra que existe a esperana, mesmo que essa esteja, como diz a filosofia deBenjamin, nos desesperanados. A autoreflexo sobre essa semiformao, sendo a nicaesperana, precisa fazer parte do processo educativo da nova gerao. E para isso, como jafirmei, diferentemente do contexto histrico dos tericos frankfurtianos, podemos, hoje,propor solues prticas, como neste caso, a Internet e o ciberespao como espaos

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    formativos e que devem fazer parte do processo educacional. A Internet pode possibilitar umadiscusso mais livre e mais ampla, que, bem orientada, pode se afirmar como essaautoreflexo crtica proposta por Adorno, o que, a meu ver, concordando com o autor, podeser a esperana da mudana.

    O conceito de indstria cultural e as relaes sociais se tornando mercadorias

    O conceito de indstria cultural, idealizado por Adorno e Horkheimer, nos descrevecriticamente como o sistema capitalista toma posse e manipula os bens culturais da forma que

    mais lhe interessa, no disponibilizando a ampla formao cultural para sua base social. Paraeles, os bens de formao cultural se encontram totalmente petrificados e neutralizados, o queresulta numa s perspectiva de posio: a manuteno. Isso , basicamente, a semiformao ea semicultura. Tanto na contemporaneidade como no contexto histrico dos tericos crticosfrankfurtianos, a mdia o maior alvo das crticas nessa perspectiva. A atividade miditicacresceu e se desenvolveu muito rapidamente, de forma que se tornou o principal meioinformativo da populao. A mdia escrita e imagtica adquiriu uma importncia essencial,sendo ela a responsvel por definir a agenda de discusses da sociedade e sendo o principalmeio de informao e de conhecimento do mundo antes inacessvel. Mas o sistema capitalistafoi rpido nesse sentido, e se apossou desses meios de produo e difuso de informaes,formando, praticamente no mundo inteiro, grandes conglomerados miditicos privados. Comisso, podemos deduzir que as informaes divulgadas so apenas as de interesse do veculo decomunicao, o que produz o que chamo de semiinformao, que, sendo parte importantedo processo formativo, ajuda ainda mais na instaurao da semiformao e da semicultura.

    O que defendo, ento, que a Internet se configura atualmente como umapossibilidade para se fugir dessa semiinformao, e que a escola e a universidade, comoespaos formais de educao que ainda conservam um pouco de sua autonomia frente sociedade e ao Estado, precisam incluir nos seus processos educativos o uso da Internet e dociberespao como meio formativo, como meio de formao cultural, como meio de acesso ainformao crtica, objetivando a mobilizao, a atuao prtica no meio social. Comodefende Adorno (1973), responsabilidade da educao a produo de uma conscinciaverdadeira, e a liberdade que o ciberespao oferece, se bem utilizada, pode ser um caminhopara se chegar a essa conscincia.

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    O que pretendo nessa perspectiva mostrar que os movimentos de luta e de resistnciano acabaram, diminuram, sim, mas os que so atuantes hoje so calados pela mdia e soinvisveis aos olhos da maioria do publico, principalmente no Brasil, onde a grande mdiahegemnica, quase monopolista, privada, e no passa de uma ferramenta capitalista demanuteno dessa cultura. Acreditando ser o ciberespao ainda um espao livre e que ofereceimensas possibilidades de crtica, pesquisa e atuao com o objetivo da transformao,proponho o estudo sistemtico desse meio no cotidiano escolar, na formao da nova gerao.

    O sistema capitalista transforma pessoas e relaes sociais em mercadoria, em objetode explorao, e fetichiza, cada dia mais, os seus interesses, tudo em nome de uma aparnciade tranqilidade e de bem-estar social, que totalmente enganosa. Essa aparncia s

    atingida atravs da represso, da ocultao e da obscurao das opinies, mobilizaes emanifestaes de resistncia contra ele. E isso muito fcil para o capitalismo, afinal, comodemonstrei no pargrafo anterior, a divulgao e o acesso a essas informaes esto nas mosdo prprio sistema. Transformando as pessoas e suas relaes em pura mercadoria,transformando indivduos e sentimentos em valor de uso e de troca, esse sistema passa aimpresso de que trata bem suas mercadorias, pois est oferecendo, enganosamente,condies de vida, cultura e lazer. Essa alienao tem como resultado a acomodao coletiva.A sociedade se sente vivendo bem, se sente em geral satisfeita com esse mundo que em seucerne se mostra injusto, desigual e totalmente desrespeitoso quanto ao ser humano em suaessncia.

    Otvio de Melo (2004) resume esse processo desonesto e mentiroso, que acaba setornando corriqueiro, ao refletir:

    Aquilo que deveria ser um esforo recusvel, isto , o de estabelecer uma

    relao com outrem cuja racionalidade que o orienta toma-o como coisadestituda de potencialidade e capacidade humana, , na cultura presente, opadro, capaz de tornar ridculo e mesmo desprezvel quem no age de acordo.(MELO, 2004).

    Um questionamento muito comum e muito intrigante, que eu mesmo j me fiz muitasvezes e que tenho certeza que faz parte das dvidas de muitas pessoas, : mas se esse sistema to ruim, se ele to desrespeitoso, desonesto e at mesmo desumano, por que aceitamosviver nele? Por que aceitamos viver assim? Por que aceitamos sermos os dominados, osexplorados? A mdia e a informao desonestas no podem ser as nicas responsveis por

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    isso, pois existem pessoas muito bem estudadas e informadas que tambm aceitam essesistema sem crticas, aceitam-no como a melhor forma de se viver. Existir alguma explicaoconclusiva a esse respeito? Creio que explicaes conclusivas ainda no existem, mas existemhipteses. A que, em minha opinio, mais se aproxima de uma explicao satisfatria, ateoria da angstia e do medo prprios do ser humano, que defendida pelos tericos crticos,se baseando nas explicaes psicanalticas de Freud (1980).

    Essa teoria, resumidamente, defende que o homem traz em seu cerne o medo de serdiferente. Viver em sociedade um sofrimento para o homem, pois desenvolve nele o medoprimitivo de estar sozinho, de ser negado, de ser destrudo. Isso faz com que sejam levados aaceitar, acriticamente, a ordem social vigente, seguir o caminho que a sociedade est

    seguindo. Isso impede a autonomia dos homens, e a falta de autonomia os leva a seremdominados. Segundo essa perspectiva, a angstia um sentimento que predomina no homemem sociedade, e esse sentimento de angstia faz que suas aes no sejam, todas elas,resultados de pensamento anterior. O indivduo angustiado s se preocupa em acabar comesse sentimento, e, sendo a vida em sociedade uma angstia constante para o homem, esseindivduo acaba por resumir suas atividades apenas em adaptao, acomodao e manutenodo modelo que lhe traga um mnimo de conforto. Resende (2003) resume esse processo:

    O medo surge diante da possibilidade de diferenciao diante do mundoindiferenciado. H dois tipos bsicos de medo: um, de ser destrudo, e outro, aameaa de no pertencer unidade social. E esses medos acabam por impedir aautonomia dos homens, e sem a autonomia que os diferenciem, a dominaoinstala-se. A dominao ocorre contra os interesses racionais, (...) nos homensque se mantm como prisioneiros, mesmo estando postas as condies para aliberdade. (RESENDE, 2003).

    Otvio de Melo (2004) tambm reflete sobre essa possibilidade de explicao daaceitao da dominao pelos homens:

    O risco, a possibilidade de ter a existncia negada, inicialmente em relao natureza e, posteriormente, em relao participao social, movimenta nohomem foras primitivas. A angstia a resposta diante da possibilidade de noexistncia.(...)A cultura promete a felicidade, o prazer, o gozo, desde que se cumpraabsolutamente a ordem estabelecida; na sociedade da economia poltica, oindivduo encontra-se absolutamente desamparado se quiser agir de outra formaque no a esperada. (MELO, 2004).

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    A Internet como ferramenta formativa: uma proposta para a formao autnomana contemporaneidade

    A pergunta que fica : Como acabar com esse medo? Analisando atenciosamente essaperspectiva dos tericos crticos e de Otvio de Melo a partir do pensamento de Freud (1980),sou levado a concluir que a soluo que os indivduos que conseguirem escapar dasarmadilhas da semiformao e da semicultura, que consigam, mesmo dentro desse sistemaque faz de tudo para impedi-los, uma formao humana crtica e reflexiva, que tenha acapacidade de enxergar os podres da sociedade e da necessidade de atuar na transformaosocial, no se sintam sozinhos. Que no sintam esse medo, essa angstia social, essesentimento primitivo que acaba por tomar conta do homem social. E como impedir osurgimento desses sentimentos? Criando as possibilidades para que no se sintam sozinhos,que no se sintam desapoiados e desconsolados nas suas opinies e atitudes. Creio que aInternet seja uma tima possibilidade nesse contexto. O ciberespao cria comunidades virtuaisdesterritorializadas, que se formam a partir de interesses mtuos, e que possibilitam aintegrao, o conhecimento, a discusso e o compartilhamento de opinio e de informao.Pode ser o caminho de fuga do que Adorno descreve como a angstia mediada, o medo da

    solido, o medo de no se sentir parte da sociedade.

    Atravs do suporte da Internet, os indivduos podem ver e sentir que no estosozinhos, podem trocar idias e opinies de forma desterritorializada, direta e quaseinstantnea, estimulando assim a crtica, a emancipao e a autonomia frente sociedade.Basta, a meu ver, que tenham o conhecimento das boas possibilidades que essa ferramentaoferece, o que justifica a proposta do estudo sistemtico e da utilizao crtica desse meio noprocesso formativo, nos espaos educativos formais. Exemplos atuais no faltam, como a

    revoluo poltica nos pases rabes e as grandes manifestaes e a iminente revoluo daeducao no Chile, movimentos que tiveram sua origem e mobilizao inicial no ciberespao,atravs de indivduos que tiveram a possibilidade de ver que no estavam sozinhos em suasopinies e ideais de transformao social, e que, com isso, partiram para a atitude prtica eencontraram ainda mais apoio na sociedade. Indivduos que puderam ver que a desesperanaque os levaram s idias de transformao no pertencia s a eles, mas que encontravam coroem outros indivduos, grupos sociais e comunidades.

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    Apoiando-me em Pierre Lvy (1996, 1999), defendo aqui que o ciberespao umaconstruo da prpria sociedade, dos prprios jovens, jovens que hoje so vidos por novasexperincias e por novas formas de comunicao diferentes das que nos propem as mdiasclssicas. Lvy reflete sobre as novas tecnologias dizendo que elas no passam de umaatividade multiforme dos seres humanos. uma demanda social. a criao de uma novacultura, uma cultura conectada, uma cultura universal, que ele denomina de cibercultura. Eledefine ciberespao e cibercultura, resumidamente:

    O ciberespao, que tambm pode ser chamado de rede, o novo meio decomunicao que surge da interconexo mundial dos computadores.Cibercultura especifica o conjunto de tcnicas materiais e intelectuais, deprticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespao. (LVY, 1999).

    A Internet e suas redes, hoje no s acessadas por computadores, mas por vrias outrasmdias hoje se acessa a Internet por celular, portablets, Ipads , entre outros um universoindeterminado e que s podemos prever que ser para sempre indeterminado, pois suas redesdo cada vez mais novos ns, que se expandem constantemente, e cada um desses novos nsdas redes podem, a qualquer momento, tornar-se emissores ou produtores de informao,autoorganizando novamente essa rede conectiva, cada um por sua conta. Para Lvy (1999), aInternet uma mdia, e se a mdia a mensagem, como diz a clssica formulao deMcLuhan, a mensagem dessa mdia no outra seno a universal, a sistematicidadetransparente e ilimitada.. (LVY, 1999).

    Sendo assim, entro com minha proposta principal: que os espaos educativos seadequem nova realidade e essa nova gerao conectada e vida por informao, porformao, por comunicao e por novas formas de se relacionar e de viver. Se a educao temque ser uma educao para o mundo e no para a vida, o mundo tecnolgico precisa serconhecido e suas possibilidades de crtica, de conscincia local e global, de formao humanae de mudanas de mentalidades e paradigmas precisam ser ensinados e apreendidos noprocesso educativo.

    A escola precisa incluir em seus objetivos e na formao da nova gerao a anlisecrtica das redes de informao que a rede mundial de computadores traz para nossa vida epara a nossa sociedade. A escola e a universidade, sendo as principais instituies formaisformadoras da sociedade futura, precisam incorporar em seus processos o estudo sistemtico e

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    a utilizao do ciberespao em seus processos, objetivando a apreenso dos jovens spossibilidades que essa ferramenta oferece para a crtica, o compartilhamento, a liberdade deopinio, o acesso informao e pesquisa, ao dilogo e a discusso livres, enfim, que elesapreendam que tm acesso a um mundo livre atravs dessa ferramenta, que podem, se bemorientados, se ver livres das amarras que a sociedade capitalista e principalmente as grandesmdias privadas pertencentes a esse sistema, os impem.

    Tomando como base de pensamento as idias de Adorno, minha proposta da Internetna escola como uma ferramenta crtica e conscientizadora no passa, para mim, de umaimportantssima experincia formativa contempornea. A minha idia central trazer essafilosofia formativa frankfurtiana para o nosso tempo, onde a Internet se mostra, para mim,

    uma ferramenta com imensas possibilidades para se iniciar o caminho para a to desejadaformao cultural. Levando em conta a idia de formao para Adorno, que para ele no outra coisa seno a cultura pelo lado de sua apropriao subjetiva, considero que acibercultura, hoje, se encontra legitimada no meio social e poltico, como um elementocultural, elemento esse que precisa ser apropriado pelos sujeitos, para que possam ter novaspossibilidades de se atingir uma formao plena, j que o ciberespao, na minha opinio,apresenta possibilidades incrveis de fuga da semiformao e da semicultura.

    essa a noo que quero passar da Internet, da educao, da formao e dacomunicao. Todos esses conceitos esto, para mim, interligados, numa grande redeformativa que, atingindo o objetivo que proponho, pode iniciar, a longo prazo, a construode uma nova sociedade. Esse o papel fundamental e primeiro da educao que defendo:estabelecendo uma analogia com o mito da caverna de Plato, o papel da educao no outro seno motivar-nos a virar o pescoo, ao no acreditar nas sombras como a realidadeabsoluta, enfim, levar-nos luz. E a minha hiptese se configura na perspectiva de que aInternet no a luz, mas faz parte fundamental do caminho para se chegar luz, ou seja, ainformao honesta e direta, a comunicao formativa, a formao no contexto das redes derelaes e de informaes precisam ser levadas em conta pelo processo educativo. As redesdigitais e o ciberespao fazem parte do caminho, a luz a educao. Partindo da teoria crticae trazendo suas idias de formao para o contexto contemporneo, defendo que ociberespao se configura em um espao de excelncia para a crtica social, para ocompartilhamento de opinio e expresso, para a mobilizao transformadora. A escola e auniversidade, principalmente, precisam formar a nova gerao, que ser ainda mais

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    tecnolgica e digital que a atual, para lidar com essa ferramenta de maneira formativa,recusando o lixo e aproveitando as possibilidades oferecidas.

    Para dar base e estabelecer esse pensamento e essa proposta, parto de duas grandes

    hipteses: A primeira que a Internet ser, no sculo XXI, o que a televiso foi no sculoXX. A televiso, no seu incio, assim como a Internet hoje, tambm se mostrava um meiocom imensas possibilidades formativas. A possibilidade de se produzir e divulgarentretenimento, informao e conhecimento poderiam muito bem ter sido usada comoexperincia formativa, como meio de formao de conscincia, como meio emancipador. Masesse meio foi quase que completamente tomado pela grande mdia privada capitalista, que seapossa dessas possibilidades e as obscurece, transmitindo apenas os seus interesses e ideais de

    manuteno do sistema posto. No Brasil principalmente, onde quatro grandes conglomeradosprivados so responsveis por 95% da audincia televisiva, vemos que a situao ainda maisgrave. Portanto, o que penso, a partir dessa hiptese, : no podemos repetir o mesmo errocom a Internet e o ciberespao. Temos um exemplo claro de um meio de comunicao queacabou corrompido e tomado pelo capitalismo, pelas empresas privadas e seus interesses.

    Tenho o objetivo aqui de ajudar em uma conscientizao de que a Internet, apesar deser um meio mais livre, mais aberto e que oferece menos possibilidades de dominao, j

    alvo de tentativas de manipulao e de censura, como os exemplos da proposta da nova lei daInternet no Reino Unido e, aqui mesmo no Brasil, o projeto de lei n 84 de 1999, de autoria dodeputado Eduardo Azeredo, que pretendia praticamente instaurar uma ditadura digital no pas,e que felizmente se encontra praticamente engavetado, superado pela nova proposta do MarcoCivil, que a presidenta acabou de apresentar cmara dos deputados no dia de escrita desseartigo. Essa conscincia necessria, pois essa discusso sobre os limites da Internet ir seespalhar pelo mundo, e a sociedade precisa lutar para que essas polticas pblicas enfatizem odebate social, a liberdade e a possibilidade de autonomia na rede.

    Minha segunda grande hiptese consiste em acreditar que o sistema de produo dogrande capital, o modo de produo desenfreado, na presso de fazer cada vez mais, na minhaopinio, criou sua prpria destruio. As novas tecnologias da comunicao e a Internet foramcriadas e desenvolvidas como ferramentas de mercado, de afirmao do modelo hegemnicode sociedade, mas na sua amplitude elas abrem espao para a mobilizao social, para ocompartilhamento de informaes, para o debate desterritorializado e para a crtica. A soluo

    ento a educao que envolva essa tecnologia. Como us-la contra o sistema imposto?Como compartilhar suas idias com o maior nmero de pessoas possvel? Como pesquisar,

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    como conhecer, como recusar o lixo? Faz-se necessria uma educao que aborde esses novosmeios. E ao mesmo tempo, precisa-se que esses novos meios participem do processoeducativo. As pessoas, hoje, tm a possibilidade de produzir sua prpria comunicao e suaprpria informao, e no somente consumi-las do sistema miditico imposto.

    Me apoio aqui em uma citao de Adorno, para enfatizar a importncia de esseprocesso estar sempre permeado pela crtica:

    A educao seria impotente e ideolgica se ignorasse o objetivo de adaptao eno preparasse os homens para se orientarem no mundo. Porem ela seriaigualmente questionvel se ficasse nisto, produzindo nada alm dewelladjusted people , pessoas bem ajustadas, em conseqncia do que a situaoexistente se prope precisamente no que tem de pior. Nestes termos, desde oinicio existe no conceito de educao para a racionalidade a para a conscinciauma ambigidade. (ADORNO, 1995apud RESENDE, 2003).

    impossvel ignorarmos hoje que uma educao para o mundo contemple a Internet. AInternet no s parte da vida das crianas e jovens. o mundo para elas, a possibilidade deconhecimento. Elas tm acesso, tem a possibilidade de conhecer, de se conscientizar e deconscientizar outrem, de criticar a sociedade e o sistema em que vivem. Isso tudo de maneira

    prazerosa, ldica, formativa, autnoma. A nova gerao no pode mais formar sua opinioatravs da grande mdia privada cheia de interesses, e sim junto com pessoas iguais a elas, apartir do compartilhamento, da produo de textos e vdeos, do dilogo desterritorializado, dafacilidade de fazer com que vrias pessoas vejam e leiam as suas idias. Claro que o idealsempre foi esse. A diferena que hoje existem as possibilidades.

    Podemos citar como algumas das boas possibilidades que a Internet oferece: a produo,divulgao e compartilhamento de vdeos, as redes sociais, os blogs, os fruns, o

    compartilhamento de contedos, a possibilidade de ter voz (ser lido, ser ouvido), e muitasoutras, como as agncias de notcias alternativas, os movimentos sociais que se fazempresente na rede e etc. Na rede, discusso gera compartilhamento, que pode gerar crtica, quepode gerar conhecimento, que gera conscincia, que pode gerar atuao social. Esse oprincipio ideal do ciberespao e da Internet. Esse o princpio ideal de um processo formativoque se considere crtico, emancipador e transformador, no contexto contemporneo.

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    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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    ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M.Dialtica do esclarecimento : fragmentos filosficos.Rio de Janeiro: Jorge Hazar, 1985.

    ADORNO, T.W.Palavras e Sinais: modelos crticos . Traduo de Maria Helena Ruschel.Petrpolis: VOZES, 1995.

    ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M.Temas bsicos de sociologia . So Paulo:Cultrix/USP, 1973.

    FREUD, S.O mal-estar na civilizao . In: FREUD, S. Obras psicolgicas. Rio de Janeiro:Imago, V-XXI, 1980, p. 81-178.

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    PLATO. A Repblica . Trad. Maria Helena da Rocha Pereira. 2. ed. Lisboa: CaloustreGulbenkian, 2000.

    PUCCI, Bruno.Teoria Crtica e Educao: contribuies da Teoria Crtica para aformao do professor . Disponvel em: http://www.unimep.br/~bpucci/teoria-critica-e-educacao.pdf. Acesso em: 17 ago 2011.

    RESENDE, M. R. S.A educao com base em uma formao para a emancipao: umareflexo . Inter-Ao: Rev. Faculdade de Educao. UFG, n28, p. 37-49, jan./jun. 2003.