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Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLT 56 – Arquivos da memória literária e cultural da América Lusa. 1 FONTES PRIMÁRIAS E REDESCOBERTAS: O CASO DE EMÍLIA DA MAIA Mauro Nicola PÓVOAS 1 RESUMO O presente trabalho originou-se de estágio pós-doutoral que realizei na Biblioteca Nacional de Portugal, em 2008, com o apoio da CAPES. O projeto, intitulado “Um estudo de fontes primárias: a presença da literatura brasileira em periódicos portugueses do século XIX (1850-1900)”, intentou mapear, em jornais, revistas e almanaques de procedência portuguesa, textos de e sobre escritores canônicos e não-canônicos pertencentes à literatura brasileira. Entre as inúmeras composições coletadas ao longo da pesquisa, constam vários poemas – publicados nas revistas A Voz Feminina e O Progresso, nos anos de 1868 e 1869 – da hoje pouco lembrada poetisa luso-brasileira Emília da Maia. O texto, a partir de fontes primárias e periódicas, busca rastrear, analisar e divulgar a obra dessa autora, que teve, com o passar dos anos, a sua produção literária obscurecida, como aconteceu, por uma série de razões, com tantas outras mulheres escritoras do século XIX. PALAVRAS-CHAVE Emília da Maia; periodismo literário; fontes primárias; século XIX; Romantismo. Em 2008, passei alguns meses em Lisboa, para, com o apoio da CAPES, realizar estágio de pós-doutorado intitulado “Um estudo de fontes primárias: a presença da literatura brasileira em periódicos portugueses do século XIX (1850-1900)”, projeto que teve como fim específico analisar a literatura brasileira em periódicos – jornais, revistas e almanaques – portugueses, em especial lisboetas. Pesquisando no acervo da Biblioteca Nacional de Portugal, um das “descobertas” que mais me chamaram a atenção foi ter me deparado, nas páginas de A Voz Feminina (depois O Progresso), com dezessete poemas de uma autora que eu ignorava quem fosse: “D. Emília A. M. da Maia”, maneira como em geral ela era referenciada nas páginas dos dois periódicos, que circularam nos anos de 1868 e 1869. 1 Professor da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Instituto de Letras e Artes (ILA). Endereço: Rua Duque de Caxias, 88/302, CEP: 96200-020, Rio Grande/RS, Brasil. [email protected].

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Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLT 56 – Arquivos da memória literária e cultural da América Lusa.

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FONTES PRIMÁRIAS E REDESCOBERTAS: O CASO DE EMÍLIA DA MAIA

Mauro Nicola PÓVOAS1 RESUMO O presente trabalho originou-se de estágio pós-doutoral que realizei na Biblioteca Nacional de Portugal, em 2008, com o apoio da CAPES. O projeto, intitulado “Um estudo de fontes primárias: a presença da literatura brasileira em periódicos portugueses do século XIX (1850-1900)”, intentou mapear, em jornais, revistas e almanaques de procedência portuguesa, textos de e sobre escritores canônicos e não-canônicos pertencentes à literatura brasileira. Entre as inúmeras composições coletadas ao longo da pesquisa, constam vários poemas – publicados nas revistas A Voz Feminina e O Progresso, nos anos de 1868 e 1869 – da hoje pouco lembrada poetisa luso-brasileira Emília da Maia. O texto, a partir de fontes primárias e periódicas, busca rastrear, analisar e divulgar a obra dessa autora, que teve, com o passar dos anos, a sua produção literária obscurecida, como aconteceu, por uma série de razões, com tantas outras mulheres escritoras do século XIX. PALAVRAS-CHAVE Emília da Maia; periodismo literário; fontes primárias; século XIX; Romantismo.

Em 2008, passei alguns meses em Lisboa, para, com o apoio da CAPES, realizar

estágio de pós-doutorado intitulado “Um estudo de fontes primárias: a presença da

literatura brasileira em periódicos portugueses do século XIX (1850-1900)”, projeto que

teve como fim específico analisar a literatura brasileira em periódicos – jornais, revistas

e almanaques – portugueses, em especial lisboetas. Pesquisando no acervo da Biblioteca

Nacional de Portugal, um das “descobertas” que mais me chamaram a atenção foi ter

me deparado, nas páginas de A Voz Feminina (depois O Progresso), com dezessete

poemas de uma autora que eu ignorava quem fosse: “D. Emília A. M. da Maia”,

maneira como em geral ela era referenciada nas páginas dos dois periódicos, que

circularam nos anos de 1868 e 1869.

1 Professor da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Instituto de Letras e Artes (ILA). Endereço: Rua Duque de Caxias, 88/302, CEP: 96200-020, Rio Grande/RS, Brasil. [email protected].

Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLT 56 – Arquivos da memória literária e cultural da América Lusa.

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Como naquele momento não conhecia a origem da poetisa, despertou o meu

interesse o fato de os seus textos, por momentos, fazerem referência explícita a

escritores e elementos brasileiros, o que trouxe à baila a expectativa de que fosse Emília

da Maia brasileira, o que depois se confirmou, não sem alguma dificuldade, advinda da

quase completa ausência da autora em livros referentes às Literaturas Brasileira e

Portuguesa.

São raras as ocorrências ao nome de Maia nas mais diferentes fontes, seja em

críticos e historiadores da Literatura Brasileira, seja da Portuguesa. As mais diferentes

obras – manuais, dicionários bibliográficos, antologias, histórias – foram consultadas,

sem sucesso: Inocêncio Francisco da Silva, Sacramento Blake, Jacinto do Prado Coelho,

Raimundo de Menezes, Massaud Moisés/José Paulo Paes, Celso Pedro Luft, Afrânio

Coutinho e J. Galante de Sousa, entre outros; sem contar os livros específicos de

literatura feminina, cuja consulta também resultou infrutífera: Alzira Freitas Tacques,

Hilda Agnes Hübner Flores, Nelly Novaes Coelho e Zahidé Lupinacci Muzart.

Porém, dois verbetes de dicionários dedicados ao sexo feminino trouxeram

alguma luz sobre quem era essa mulher que escrevia em Portugal, na segunda metade

do século XIX. O Dicionário mundial de mulheres notáveis (1967), de Américo Lopes

de Oliveira e Mário Gonçalves Viana, aponta o seguinte:

MAIA, Emília Adelaide Moniz da (1848-1919). Poetisa portuguesa,

natural do Rio de Janeiro; mulher do general português José Rufino

Moniz da Maia. Tinha 15 anos, quando publicou, na Revista Popular,

do Rio de Janeiro, a poesia “Súplica”, que foi muito bem recebida.

Colaborou em jornais portugueses: A Voz Feminina, Almanaque das

Senhoras etc. Publicou as seguintes obras: Fleurs (1878); Penas

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(1912); As sete palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo (1916);

Angelus etc. Era muito caritativa; o produto da venda dos seus livros

destinava-se, em parte, a fins benemerentes. Nunca esquecia os

infelizes e os pobres: viúvas, soldados de comportamento exemplar,

órfãs etc. // Foi mãe do actor Fernando Maia, falecido

prematuramente, quando ocupava o cargo de gerente do Teatro

Nacional de D. Maria II. (OLIVEIRA; VIANA, 1967, p. 790)

Embora parcas, as informações são importantes frente à exigüidade de dados

sobre Emília da Maia. Por meio do verbete, fica-se sabendo que a escritora é brasileira

de nascença, embora tenha vivido e constituído família em Portugal. Elementos tanto da

sua vida particular como da sua vida literária também vem à tona, como o nome

completo, os anos de nascimento e falecimento, o nome de seu marido e filho, a estréia

com a publicação de um poema no Rio de Janeiro, as revistas em que publicou e os seus

livros.

Já Ilda Maria Assunção e Silva Soares de Abreu, no verbete “Emília Adelaide

Moniz da Maia”, incluído no Dicionário no feminino (2005), corrige algumas

informações anteriores e acrescenta outras. Por exemplo, sabe-se que era filha de José

Alves da Silva Gatueiro e de Maria Rosa da Silva, e que faleceu, na verdade, em 1912,

em Lisboa, para onde veio em 1863. Antes, aos 14 anos de idade, escreveu o poema

“Adeus à pátria”, em homenagem ao Brasil. O texto de Ilda de Abreu ainda registra,

com detalhes, as ações de benemerência da poetisa, assim como a sua participação na

Voz Feminina e no Almanaque das Senhoras, de propriedade de Guiomar Torresão, de

quem era amiga. Por fim, diz que os poemas “Amor e desejo” e “Amélia”, de Maia,

foram traduzidos para a Língua Francesa por Gonçalves Dias.

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Assim, foi a presença mínima de Emília da Maia na historiografia literária de

Língua Portuguesa, de ontem e de hoje, o motivo maior de trazer à tona, de novo, os

poemas dessa, nos dias que correm, pouco conhecida escritora. Antes, porém, algumas

palavras sobre os periódicos (na verdade, era como se os dois fossem um só; apenas

houve uma mudança de nome no decorrer da existência da revista) onde foram

publicados os textos da poetisa luso-brasileira.

A Voz Feminina era, conforme o seu subtítulo apontava, um “Jornal semanal,

científico, literário e noticioso exclusivamente colaborado por senhoras. Dedicado à

ilustração das senhoras”. Pode-se ver, somente por aí, que o periódico tinha um público

bastante definido, qual seja, as mulheres, que eram, cada vez mais, no século XIX, alvo

de empreendimentos tipográficos. A intenção de A Voz Feminina era a de ser um órgão

completo para o sexo feminino, servindo de fonte de informação, diversão e cultura,

publicando, para tanto, textos literários (em especial, poemas), críticas literárias, artigos,

notícias, charadas, correspondências, anúncios. De inicio, eram proprietários do jornal

os Srs. Janeiro e Macedo, sendo redator o Sr. Pinho Almeida; logo porém William T.

Wood (de origem inglesa) e Francisca de Assis Martins Wood passaram a ser os

administradores do órgão, que era impresso na Tipografia da Voz Feminina, depois

Tipografia Luso-Britânica; as gráficas localizaram-se, sucessivamente, às ruas de São

Bento, Fonte Santa e São Domingos à Lapa. Além de Francisca Wood e Emília da

Maia, podem ser ainda destacadas, entre as colaboradoras (que não eram apenas

mulheres, como prometia o cabeçalho), Amélia Janny, Guiomar Torresão, Mariana

Angélica de Andrade e Maria Cândida Colaço. Circulou de 5 de janeiro de 1868 (n. 1) a

27 de junho de 1869 (n. 76), sob o título A Voz Feminina, e entre 4 de julho (n. 77) e 26

de dezembro de 1869 (n. 102), com o nome de O Progresso; nas duas fases, sempre

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teve quatro páginas por edição. Cumpre repetir que a troca de denominação não trouxe

mudanças editoriais, gráficas ou de colaboradores ao periódico; o único elemento que

varia de um para o outro é que O Progresso tinha a numeração de páginas contínua ao

longo de suas edições.

Os dois jornais, embora de vida curta, tiveram uma trajetória acidentada, em

especial devido às reações da sociedade portuguesa da época, cujo pensamento burguês

não permitiu, muitas vezes, compreender os intentos do casal Wood. Foram diversas

trocas de caráter formal ou logístico – nome, diretores, redatores, endereço, tipografia:

Todas estas mudanças não são obra do acaso. Ao folhear com atenção

a colecção completa do jornal facilmente compreendemos que se

devem, sobretudo, ao choque entre a mensagem que a Voz Feminina

transmite e as resistências declaradas ou sub-reptícias que a

mentalidade comum oferecia aos ideais de libertação da mulher

(LEAL, 1992, p. 68).

Porém, o pensamento ideológico, político e religioso do “primeiro jornal

feminista surgido na Europa” (LEAL, 1992, p. 71) não mudou com o passar das

edições, o que igualmente acabou por trazer prejuízos ao empreendimento, afastando o

público, em geral de índole conservadora. Assim, o fato de mulheres escreverem e a

defesa da causa feminista eram aspectos ridicularizados, com os leitores, muitas vezes,

não acreditando na autoria feminina dos textos (ILDEFONSO, 1998, p. 11-12); a

questão ibérica, que teve um dos seus picos em 1868, foi mal conduzida pelo periódico

(ILDEFONSO, 1998, p. 23-25); e, por fim, em muitos momentos, o casal Wood trouxe

à baila textos em que se sobressaía um posicionamento anticlerical e antijesuítico, o que

desagradava à maioria católica do país luso (ILDEFONSO, 1998, p. 25-26).

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Ana Maria Costa Lopes, em livro que discute as imagens femininas na imprensa

feminina oitocentista, aponta que A Voz Feminina e O Progresso eram periódicos ricos

e multifacetados, abundantes em material passível de estudos. A intervenção do casal

Wood na imprensa periódica lusitana, nos terrenos social, político e lítero-cultural, é

notável, só encontrando par em Antónia Pusich, que dirigiu os jornais A Assembléia

Literária, A Beneficência e A Cruzada, desde o final da década de 1840 e ao longo da

década de 1850. Para Costa Lopes, os periódicos dirigidos pelos Wood contribuem para

o desenvolvimento de uma nova geração de mulheres, relacionando-as a outras

capacidades que não as ligadas estritamente à moda ou à vida doméstica e mundana. A

Voz Feminina e O Progresso, entre outros assuntos, discutem a educação e a instrução,

temas importantes, à época, para se pensar a emancipação intelectual das mulheres:

De facto, eles [William e Francisca Wood] seguem uma clara

estratégia de reversão das práticas que levavam à subordinação

feminina, através da comunicação entre elas. Com isto, alargava-se o

espaço doméstico, o do país, a outros mais dilatados, os de além-

fronteiras. Queria-se mostrar e provocar outros modelos de

comportamento através de imagens diferentes das habituais,

condenando algumas das existentes; multiplicar os espaços de

intervenção feminina e redefinir os papéis masculinos e femininos.

(LOPES, 2005, p. 361)

Emília da Maia tem artigos sobre esses assuntos analisados por Ana Maria Costa

Lopes, como o que foi publicado à página 4 de A Voz Feminina, n. 63, de março de

1869, em que a autora luso-brasileira deseja

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que em Portugal (...) e que o nosso sexo, que até hoje tem olhado com

indiferença para uma coisa tão importante como é a aplicação ao

estudo, se desembaraçasse dessa inação tão prejudicial que o tem

subjugado há tantos séculos. (LOPES, 2005, p. 425)

Se a Maia-articulista era solidária com o despertar de uma nova era para as

mulheres, a Maia-poetisa foge da linha feminista, como se a literatura não fosse o

espaço adequado para tais reflexões; como se a poesia, “pura”, não pudesse ser

manchada por discursos comprometidos com o cotidiano, enfadonho e comezinho. Nos

dezessete poemas de Emília da Maia encontrados nas revistas A Voz Feminina e O

Progresso, abaixo relacionados, a vertente predominante será a romântica, com temas

como a evasão, a infância, a pátria e a religiosidade dando o tom à lírica da autora2:

1) “Saudades da infância”, A Voz Feminina, Lisboa, n. 5, p. 3-4, 8 fev. 1868;

2) “A vida”, A Voz Feminina, Lisboa, n. 8, p. 4, 8 mar. 1868;

3) “O quê?”, A Voz Feminina, Lisboa, n. 13, p. 4, 12 abr. 1868;

4) “A suicida”, A Voz Feminina, Lisboa, n. 17, p. 4, 10 maio 1868;

5) “A Virgem do mar”, A Voz Feminina, Lisboa, n. 20, p. 4, 31 maio 1868;

6) “A fé”, A Voz Feminina, Lisboa, n. 23, p. 4, 21 jun. 1868;

7) “Charadas”, A Voz Feminina, Lisboa, n. 30, p. 4, 9 ago. 1868;

8) “Canção do exílio”, A Voz Feminina, Lisboa, n. 34, p. 4, 6 set. 1868;

9) “Oração de virgem”, A Voz Feminina, Lisboa, n. 35, p. 4, 13 set. 1868;

10) “Recordações”, A Voz Feminina, Lisboa, n. 39, p. 4, 11 out. 1868;

2 Pela digitação e atualização dos poemas, agradeço a Suellen Rodrigues Rubira, acadêmica do curso de Letras Português/Inglês da FURG e bolsista PIBIC/CNPq no projeto “Um estudo de fontes primárias: a presença da literatura brasileira em periódicos portugueses do século XIX (1850-1900)”.

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11) “Canto materno. À minha inocente filhinha”, A Voz Feminina, Lisboa, n. 43, p.

4, 8 nov. 1868;

12) “Uma lágrima. À memória de uma amiga”, A Voz Feminina, Lisboa, n. 53, p. 4,

17 jan. 1869;

13) “Tu’alma. À minha irmã Elisa”, O Progresso, Lisboa, n. 81, p. 130, 1º ago.

1869;

14) “És um anjo. A uma menina”, O Progresso, Lisboa, n. 84, p. 142, 22 ago. 1869;

15) “O velho pescador”, O Progresso, Lisboa, n. 94, p. 181 e 183, 31 out. 1869;

16) “Aos anos de uma menina”, O Progresso, Lisboa, n. 101, p. 210, 19 dez. 1869;

17) “A monja”, O Progresso, Lisboa, n. 102, p. 214, 26 dez. 18693.

Em muitos deles, há a recorrência à evasão do eu-lírico que, aborrecido com a

sua vida e com o mundo que o cerca, demonstra enfado, muitas vezes querendo fugir,

seja pela morte, pela fé ou pelo sonho e pelo devaneio. “A vida”, por exemplo, traz

esses elementos configurados na primeira estrofe:

A vida! O que é a vida mais que um sonho

Que aborrece ou apraz?

A vida é como a nuvem passageira,

Que antes os raios do sol passa ligeira,

E breve se desfaz.

Às vezes, não é o sujeito poético que se mostra cansado, mas as pessoas que o

rodeiam, como a moça que fica a cismar, em “O quê?”:

Em que cismas donzela? Que amargura

Enluta a tua fronte entristecida?

3 Alguns desses poemas foram, a partir da década de 1870, republicados no Almanaque das Senhoras, conforme aponta o verbete de Ilda de Abreu do Dicionário no feminino.

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Nessa idade feliz, doce e risonha

Dos sonhos juvenis, o que te pesa?

– A vida.

A existência como fardo, como peso, é aspecto que fica claro também em “A

suicida”, em que um eu-lírico feminino morto vem do além para justificar o seu ato de

dar cabo à própria vida: não foi por covardia, mas pelo cansaço causado pelas contínuas

mágoas e traições a que foi exposta, e pela falta de encanto do mundo. Tanto é assim

que, em “Uma lágrima. À memória de uma amiga”, a homenageada é uma “flor

delicada” que caiu “ao sopro do vendaval”; após a sua morte, “risonha”, ela voou “para

o seio do Senhor”, deixando para os que na terra ficaram um “fundo abismo de dor”.

O agasalho na religiosidade – presente nos poemas “A fé”, “Oração de virgem”

e “A monja – mostram, por outro viés, essa contínua insatisfação do eu-lírico frente a

uma vida que se descortina infeliz e dolorosa, com a morte, outra vez, constituindo-se

na única solução possível. Não à-toa, a moça do título de “Oração de virgem” reza ao

Senhor pela “glória, mas a glória / Que só pode existir do mundo além”. Já a monja do

poema de mesmo nome ora para sair do isolamento do claustro, para assim poder “sentir

no seio virgem / A chama divinal dum casto amor”; o sujeito poético a admoesta, no

entanto, pois a vida que ela leva é pura e tranqüila, até porque “O mundo é caos que

devora”, e nele “só há espinhos”.

Cantam-se, igualmente, a infância e a meninice, momentos de “gozo”,

“ventura”, “fulgores”, “fulgente luz”, “prazer”, “encantos”, como os poemas “És um

anjo. A uma menina” e “Aos anos de uma menina” deixam entrever. Exalta-se a

juventude por ser este um período em que as ilusões permanecem intocadas, como pode

ser visto em “Tua’alma. À minha irmã Elisa”:

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Oh! folga Elisa, folga enquanto o mundo

Em deleitosos sonhos te embalar,

Que depois chorarás por esse tempo,

Que embalde o buscarás sem mais achar.

Ou, ainda, em “O velho pescador”, em que o eu-lírico lembra do dia, há muitos

anos, em que brincava à beira-mar, momento em que um pescador aproxima-se em sua

embarcação e pergunta se a criança não teme brincar sozinha em lugar tão ermo, ao que

a menina responde serem preocupações em demasia do velho. Este, em sua tréplica,

responde longamente, sempre tentando mostrar a falsidade do mundo, como fica claro

nos trechos abaixo selecionados:

– Quando dos sonhos de ilusões douradas

Romper-se o véu,

Verás a terra se tornar inferno

Em vez de céu.

(...)

– Verás no meio dos salões pomposos

Linda donzela.

Com negra mancha de pesar infausto

Na fronte bela.

Além dos pontos acima vistos, na poesia de Emília Maia estampada em A Voz

Feminina e em O Progresso também se observa a glosa de dois autores canônicos do

Romantismo brasileiro, Casimiro de Abreu e Gonçalves Dias, numa evocação de algo

que já passou, seja temporalmente, seja espacialmente. A reminiscência temporal é

evocada em especial com o retorno à infância, tema caro aos escritores brasileiros de

cariz romântica, explícita em “Saudades da infância”; a lembrança espacial configura-se

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na saudade do torrão natal, clara em “Canção do exílio”. Em ambos, a autora luso-

brasileira empreende um jogo intertextual que se caracteriza pela paráfrase, primeiro de

Casimiro de Abreu, segundo de Gonçalves Dias – entenda-se, por paráfrase, aquele

texto que, de certa forma, reafirma, com palavras diferentes e por meio de um

deslocamento e de um distanciamento mínimos, aquilo que o texto primeiro coloca (cf.

SANT’ANNA, 1985, p. 16-33).

Em “Saudades da infância”, a matriz de Emília da Maia é o célebre poema de

Casimiro de Abreu, “Meus oito anos”, publicado no livro Primaveras4:

Saudades da infância

Oh! dias da minha infância

Oh! meu céu de primavera.

(C. d’Abreu)

Oh! vida da minha infância!

Doce vida sem igual

Oh! quanto não dera agora,

Para gozar como outrora

Esse viver divinal.

Eu choro, choro os encantos

Do passado viver,

D’aurora da minha vida,

Da minha infância querida

Que nunca mais hei de ver.

Choro saudosa a lembrança

4 Por motivos de espaço, não se publica aqui o texto de Casimiro de Abreu; recomenda-se a leitura comparativa das duas composições, a fim de que fiquem claras as semelhanças entre ambas.

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Daquele tempo ditoso,

Em que eu ia alegremente

Sorrindo brincar contente

No lindo prado viçoso.

Andava, pobre louquinha,

Pelos vergéis a correr

Atrás das aves mimosas,

Que iam nas moitas frondosas,

Mil gorjeios desprender.

Sorria quando nas ondas

Via um batel navegar,

E mais alegre ficava,

Se o pescador modulava

Um canto próprio do mar.

E quando atrás das montanhas,

O sol a fronte encobria,

Eu ia logo a correr,

Com minha mãe aprender

Rezar a Ave-Maria.

Quando o sol dourava os montes,

Ia eu com minha irmã,

Pelas formosas campinas,

Colher as lindas boninas

Rociadas da manhã.

Que céus, que jardins, que flores,

Vinham meus sonhos vestir!

Passava os dias folgando,

Adormecia cantando,

E despertava a sorrir.

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Pobre louca! Mal cuidava

Naquele sonho embebida,

Do mundo tão descuidada,

Que aquela glória sonhada,

Era uma glória mentida!

E hoje, embalde pranteio

O encantado prazer,

D’aurora da minha vida,

Da minha infância querida,

Que mais nunca hei de ver!

8 de fevereiro de 1868.

O título e a epígrafe do poema de Emília da Maia já apontam que a obra

casimiriana é o substrato para a sua construção poética. Parafraseando e ao mesmo

tempo, óbvio, homenageando o poeta fluminense, Maia traz um eu-lírico feminino (a

própria poetisa, em exercício autobiográfico?) que se volta com emoção para a infância,

quadra feliz a que não se pode mais voltar, e que se opõe à vida enfadonha e cansativa

que se afigura no presente, prática evasiva já observada anteriormente na sua produção.

A temática parecida entre ambos encontra eco na questão formal-lingüística,

pois o texto de 1868 traz semelhanças com o poema de nove anos atrás (1859): ambos

são heptassílabos, embora Casimiro se utilize de sete octetos, num total de 56 versos,

enquanto Maia faz uso de dez quintetos, num total de 50 versos; há a cópia literal de

versos de Abreu, por Maia, como em “D’aurora da minha vida, / Da minha infância

querida”; e várias são as palavras que aparecem nas duas produções, evocando os

Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLT 56 – Arquivos da memória literária e cultural da América Lusa.

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mesmos sentimentos, lugares e/ou imagens – “céu”, “mar”, “irmã”, “flor”, “mãe”,

“Ave-Marias” etc.

Na “Canção do exílio” de Emília da Maia também fica cristalino que o seu ponto

de partida é um outro poema clássico; no caso, o homônimo de Gonçalves Dias5,

publicado nos Primeiros cantos6:

Canção do exílio

Minha terra tem palmeiras

Onde canta o sabiá

(G. Dias)

Quero ver esses encantos

Da minha terra natal,

Quero sentir os perfumes

Do meu clima tropical

Quero ver essas palmeiras

Gemendo às brisas do sul.

Quero ver as áureas nuvens

Daquele céu tão azul.

Quero à sombra dos palmares

Nessa terra de Tupã,

Ouvir às horas da sesta

O canto do sabiá.

Quero nas noites estivas

5 O dado retirado do Dicionário no feminino, anteriormente referido, de que Gonçalves Dias traduziu poemas de Emílio da Maia para o Francês, permite deduzir que ambos os autores mantinham algum contato, e que reciprocamente se conheciam e se liam. 6 Por motivos de espaço, não se publica aqui o texto de Gonçalves Dias; recomenda-se a leitura comparativa das duas composições, a fim de que fiquem claras as semelhanças entre ambas.

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Sentar-me à beira do mar,

E ver a lua nas ondas

A nívea face espelhar.

Quero sentir o murmúrio

Das cachoeiras frementes,

Quero ver no céu da pátria

Essas estrelas luzentes

Quero ver entre as estrelas

Um grupo que tem mais luz,

Aquele santo cruzeiro7

Da terra de Santa Cruz.

Quero à sombra das mangueiras

Nas horas do sol ardente,

Na leve rede de penas

Embalar-me docemente.

Naqueles climas ardentes

Há mais doce animação,

Há mais amores na vida

Mais vida no coração.

As serras são mais altivas,

As flores mais peregrinas,

As veigas são mais extensas,

As águas mais cristalinas.

Quero ver esses encantos

Da minha terra natal,

Quero sentir os perfumes

7 Uma constelação de estrelas, que formam perfeitamente uma cruz, e que é conhecida pelo nome de Cruzeiro do Sul. (N. da A.)

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Do meu clima tropical.

Assim como no decalque anterior, aqui também Emília da Maia segue os passos

de seu antecessor, escrito em 1843 e publicado em 1847. Maia escreve em 1868,

momento em que a “Canção do exílio” gonçalvina já tinha se tornado uma referência na

literatura brasileira, com vários escritores rendendo a sua homenagem ao poema – óbvio

que no século XIX não há a presença da paródia e da estilização que aparecerão em

textos como os de Oswald de Andrade, Juó Bananére, Cassiano Ricardo, Carlos

Drummond de Andrade e Jô Soares e muitos outros que, nos séculos XX e XXI,

retomam os famosos versos do poeta maranhense.

Em Maia, o caráter é mesmo de paráfrase; não há a tentativa de inovar, mas sim

de retomar o anterior, com respeito – isso pode ser observado no título, na epígrafe, no

uso do heptassílabo (verso popular, presente também em Casimiro, conforme se viu

acima) e no sentido da composição da luso-brasileira, em que, como em Gonçalves

Dias, também se observa um eu-lírico que diz querer voltar a ver os encantos da terra

natal. Maia, todavia, não traz a mesma ênfase do texto primeiro, que clama: “Não

permita Deus que eu morra, / Sem que eu volte para lá;”; aqui, o verbo-chave é “querer”

(que, aliás, não aparece em Dias): o sujeito poético quer ver (os encantos, as palmeiras),

quer sentir (o clima tropical, o murmúrio das cachoeiras), quer se sentar (à beira do

mar), quer se embalar (na leve rede de penas), sem nunca, no entanto desfazer o local de

onde fala, Portugal, já que não ocorre as comparações efetivamente realizadas em Dias,

por meio do par opositivo “cá” e “lá”. No poema de Maia, se o eu-lírico “quer”, ele,

contudo, nunca pede ajuda aos Céus para que esse intento seja alcançado, e não usa, em

nenhum momento, o verbo “voltar”. Se há arroubos ufanistas, ocorrem sem que se

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procure a comparação que porventura poderia melindrar a nação que a acolhia no

momento, onde, aliás, o texto foi publicado e lido.

Por seu turno, “Recordações” é um poema que realiza a junção das temáticas

trabalhadas a partir da leitura dos poemas de Casimiro de Abreu e de Gonçalves Dias,

demonstrando a devoção de Maia por ambos:

Recordações

Oh! que saudades que eu tenho

Da minha infância gentil,

Daqueles dias tão belos

Passados lá no Brasil!

Naquelas praias tão alvas

Quantas carreiras eu dei!

Naqueles campos viçosos

Que lindos dias passei!

Oh! que saudades que eu tenho

Daquelas várzeas fagueiras,

Onde eu contente brincava

À sombra das bananeiras!

Gostava tanto de ouvir

Nas terras do meu Tupã

À sombra dos cafezeiros,

O canto do sabiá!

Oh! que primores se encontram

No Guanabara gentil.

Naquelas ledas manhãs

Do mês formoso de abril!

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Que noites tão deleitosas

Que às almas lembram amar,

Quando nas ondas brasílias

A lua se vão mirar!

A brisa sempre bafeja

O perfumado tapiz,

As flores sempre se mostram

Trajando verde matiz.

É tão altiva e formosa

A minha terra natal,

Que na beleza e tesouros,

No mundo não tem rival!

Oh! que saudades que eu tenho

Da minha infância gentil,

Daqueles dias tão belos

Passados lá no Brasil!

28-9-1868.

Também publicada em 1868, “Recordações”, construída a partir de versos

heptassílabos, como as duas anteriores, sintetiza o desejo de se estar em um tempo e em

um espaço diferentes daqueles que se conformam no presente. Juntam-se, aqui, as

saudades da infância e do Brasil, pois a primeira está relacionada ao segundo, já que

provavelmente o tempo infantil foi vivido em terras brasileiras; a vida adulta em

Portugal (caso se faça a leitura biográfica), para o eu-lírico, então, significa dupla

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distância: tanto da criança que ficou longe no tempo, tanto do país natal, que ficou

distante no espaço.

Na composição, ficam patentes as saudades dos tempos idos, da “infância

gentil”, em que o sujeito poemático vivia na terra “brasília”, “altiva e formosa”, de

“beleza e tesouros” sem rival no mundo, embora, como já foi antes apontado, sem a

“retórica da volta” de Gonçalves Dias. Talvez, mais do que o desejo ardente por retornar

à terra natal (até possível, caso esse fosse realmente um desejo incontornável) ou à

infância (impossível, a não ser pela memória ou pelo sonho), configura-se a vontade de

explicitar o amor àquilo pelo qual o eu-lírico passou, e que ele lembra com emoção e

nostalgia, segundo se observa na estrofe que funciona à guisa de refrão, e que abre e

fecha o poema, conforme se lê na reprodução acima.

Com uma poética apoiada na vertente romântica da literatura de Língua

Portuguesa, Emília da Maia, nos poemas coletados nos periódicos dirigidos pelo casal

Wood, repisa temas-clichê, numa postura epígona, típica daquele momento histórico em

ambos os lados do Atlântico, de transição do Romantismo para o Realismo: melancólica

e saudosa nos poemas, engajada e idealista nos artigos em prosa, a fim de atender a

todos os tipos de leitoras dos periódicos.

Essa dualidade fica clara também na sua identidade hifenizada, luso-brasileira,

fratura que a deixou a meio caminho, nem citada no Brasil, nem lembrada em Portugal,

vazio que nos leva a perguntar qual o lugar de Emília da Maia, já que ela é tanto

brasileira, no preito que faz à pátria em que efetivamente nasceu e nas homenagens que

presta a Gonçalves Dias e a Casimiro de Abreu, na forma de alusões intertextuais e de

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epígrafes8, quanto lusa, na dicção e na recepção, pois foi lida, essencialmente, por

portugueses.

É mais uma escritora que ressurge, como tantas outras (cf. MUZART, 1999-

2004), a provar que as mulheres produziam em pé de igualdade, quantitativa e

qualitativamente, com os homens, no século XIX. A intenção, na seqüência, é descobrir,

com o avanço das pesquisas, mais dados sobre a vida e a obra de Emília da Maia, a fim

de que ela possa ser devidamente inserida na historiografia, sendo possível, assim, aos

interessados pela literatura produzida por e para mulheres nos oitocentos, tanto no

Brasil como em Portugal, lê-la e estudá-la.

Referências bibliográficas ABREU, Casimiro de. Obras de Casimiro de Abreu. Org. Sousa da Silveira. Rio de Janeiro: Centro de Pesquisas da Casa de Rui Barbosa; Ministério da Educação e Cultura, 1955. ABREU, Ilda Maria Assunção e Silva Soares de. Emília Adelaide Moniz da Maia. In: CASTRO, Zília Osório de; ESTEVES, João (Dir.). SOUSA, António Ferreira de; ABREU, Ilda Soares de; STONE, Maria Emília (Coord.). Dicionário no feminino (séculos XIX-XX). Lisboa: Horizonte, 2005. p. 303-304. COELHO, Nelly Novaes. Dicionário crítico de escritoras brasileiras: 1711-2001. São Paulo: Escrituras, 2002. DIAS, Gonçalves. Obras poéticas de A. Gonçalves Dias. 1º tomo. Org. Manuel Bandeira. São Paulo: Nacional, 1944. FLORES, Hilda Agnes Hübner. Dicionário de mulheres. Porto Alegre: Nova Dimensão, 1999.

8 Cumpre registrar que além das epígrafes a Casimiro de Abreu, em quatro poemas (“Saudades da infância”, “Oração de virgem”, “Uma lágrima. À memória de uma amiga” e “Tu’alma. À minha irmã Elisa”), e a Gonçalves Dias (“Canção do exílio”), há ainda a referência a José Zorrilla (1817-1893), poeta e dramaturgo espanhol, em “A fé”, o que permite inferir, ainda que fragmentariamente, algumas das leituras de interesse da poetisa em tela.

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ILDEFONSO, Maria Isabel Moutinho Duarte. As mulheres na imprensa periódica do século XIX: o jornal A Voz Feminina (1868-1869). Dissertação (Mestrado em Estudos sobre as Mulheres). Universidade Aberta, Lisboa, 1998. LEAL, Maria Ivone. Um século de periódicos femininos: arrolamento de periódicos entre 1807 e 1926. Cadernos Condição Feminina n. 35. Lisboa: Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres, 1992. LOPES, Ana Maria Costa. Imagens da mulher na imprensa feminina de oitocentos: percursos de modernidade. Lisboa: Quimera, 2005. MUZART, Zahidé Lupinacci (Org.). Escritoras brasileiras do século XIX: antologia. 2 v. Florianópolis: Mulheres; Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 1999-2004. OLIVEIRA, Américo Lopes de; VIANA, Mário Gonçalves. Dicionário mundial de mulheres notáveis. Porto: Lello & Irmão, 1967. SANT’ANNA, Affonso Romano de. Paródia, paráfrase & cia. São Paulo: Ática, 1985. TACQUES, Alzira Freitas. Perfis de musas, poetas e prosadores brasileiros: antologia de escritores brasileiros e estrangeiros. 5 v. Porto Alegre: Thurmann, 1956-1958.