fome zero virou bolsa, sem porta de saÍda · fonte: ministério do desenvolvimento social e...

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O GLOBO PÁGINA 9 - Edição: 19/12/2010 - Impresso: 15/12/2010 — 21: 34 h AZUL MAGENTA AMARELO PRETO O PROGRAMA • Quem tem direito: famílias com renda per capita de até R$ 140 por mês O valor dos beneficíos mensais varia de R$ 22 a R$ 200. Em média, é de R$ 96 Família com renda per capita de até R$ 70 por mês é considerada extremamente pobre e tem direito ao chamado benefício básico, de R$ 68 por mês Quem tem renda per capita de R$ 71 a R$ 140 só tem direito ao benefício variável e jovem. O benefício variável, no valor de R$ 22, é pago a famílias com filhos de até 15 anos, limitado a três filhos por família. O benefício jovem, no valor de R$ 33, é dado a famílias com adolescentes de 16 e 17 anos, limitado a dois filhos por família. Famílias que recebem o benefício básico podem acumular os demais benefícios 93% dos titulares do cartão do Bolsa Família são mulheres O Bolsa Família é pago a 12,7 milhões de famílias no Brasil, beneficiando 50,8 milhões de pessoas. Em média, cada família tem quatro membros EXPANSÃO FONTE: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome Em 2003 Em 2010 Atendimento 3,6 milhões de famílias 12,7 milhões de famílias Custo R$ 3,4 bilhões R$ 13 bilhões DISTRIBUIÇÃO DOS BENEFÍCIOS POR REGIÃO NORTE 1,35 milhão de famílias NORDESTE 6,48 milhões de famílias SUDESTE 3,14 milhões de famílias SUL 1,08 milhão de famílias CENTRO-OESTE 701 mil famílias Rosane Marinho/27-1-2004 mbate à Fome 010 lias míl s es Da primeira geração de beneficiários do Bolsa Família, a família de Carminha Maria da Conceição (de camiseta branca) volta, em janeiro de 2004, da feira em Carnaubeira da Penha (PE) com a comida do mês ERA LULA “NUNCA ANTES...” DOMINGO, 19 DE DEZEMBRO DE 2010 9 FOME ZERO VIROU BOLSA, SEM PORTA DE SAÍDA Nascido da integração de programas existentes de transferência de renda, o Bolsa Família é o maior sucesso do governo Lula. Apesar dos resultados, ainda falha por não oferecer oportunidades Gustavo Miranda/29-8-2007 EM UM CASEBRE de madeira numa cidade-satélite de Brasília, Reni Pereira de Oliveira vive com o marido e sete filhos: Bolsa Família de R$ 120 ajuda a pagar contas POR DEMÉTRIO WEBER BRASÍLIA N o começo era o Fome Zero. E a promessa para lá de ou- sada: acabar com a fome no país. Mas a ação que mar- cou o primeiro ano do pri- meiro mandato da Era Lula virou ape- nas uma marca. O programa acabou en- golido pelo Bolsa Família, que chega a 2010 como a maior ação social do go- verno federal. Com 12,7 milhões de fa- mílias atendidas hoje, até a oposição pareceu adotar o programa que foi pa- ra o centro do debate da corrida pre- sidencial deste ano. O candidato do PSDB a presidente, José Serra, prometeu ampliar o pro- grama, com o pagamento de um be- nefício a mais por ano — o 13 o - do Bolsa Família. A presidente eleita, Dil- ma Rousseff, fala em aumentar o nú- mero de famílias atendidas. Em nove dos dez estados com maior cobertu- ra, Dilma recebeu votos suficientes para ser eleita já no primeiro turno. O programa já transferiu R$ 60,2 bilhões nos últimos sete anos. Nesse período, a miséria no Brasil teria di- minuído 45% — a população em ex- trema pobreza caiu de 28% para 15%, com 20,5 milhões de pessoas deixan- do essa situação, segundo estimativa da Fundação Getulio Vargas (FGV). Apesar do reconhecimento de es- pecialistas sobre a importância do programa como fonte de transferên- cia direta de renda, passados sete anos da sua criação, o Bolsa Família ainda não encontrou uma fórmula pa- ra dar às famílias a chamada porta de saída. O governo tenta oferecer alter- nativas por meio da qualificação pro- fissional e do microcrédito. Segundo o Ministério do Desenvolvimento So- cial e Combate à Fome, 1,7 milhão de beneficiários têm conta bancária. O Banco do Nordeste concedeu em- préstimos a 285 mil beneficiários. O Bolsa Família nasceu em meio aos tropeços do Fome Zero, espécie de guarda-chuva das políticas sociais que esbarrava em burocracia, complexida- de e falta de foco. Do discurso de pos- se do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando ele lançou a meta de ga- rantir pelo menos três refeições diá- rias a todos brasileiros, passaram-se dez meses até a criação do Bolsa Fa- mília, em outubro de 2003. Os primeiros meses do governo Lula frustraram quem esperava uma revolu- ção petista na área social, especialmen- te depois que o presidente pôs o tema da fome no centro da agenda política. Mesmo com toda a mobilização nacio- nal e internacional em torno do Fome Zero, pequenos detalhes exibiam a dis- tância entre desejo e realidade. Em mar- ço de 2003, o cheque com a doação de R$ 50 mil da modelo Gisele Bündchen ainda não fora descontado. Motivo: a conta bancária não tinha sido aberta. A dispersão de ações herdadas do governo Fernando Henrique Cardoso foi ampliada. Além do Bolsa Escola, do Bolsa Alimentação e do Vale Gás — programas de transferência de renda vinculados a diferentes minis- térios —, o novo Ministério Extraor- dinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome (Mesa) tratou de criar o Cartão-Alimentação. Percebendo que a área social batia cabeça, o Palácio do Planalto decidiu unificar os quatro programas sob a responsabilidade de uma secretaria- executiva vinculada diretamente à Pre- sidência. Assim, no final de 2003, sur- giu o Bolsa Família. Logo em seguida, na linha de unificar ações, o governo criou o Ministério do Desenvolvimen- to Social e Combate à Fome, que assu- miu as funções do Mesa, do Ministério da Assistência Social e da própria se- cretaria-executiva do Bolsa Família. Daí em diante, o programa cresceu sob críticas e denúncias de fraudes. No fim de 2003, o número de beneficiá- rios atingiu 3,6 milhões. Em 2004, a me- ta era chegar a 6,5 milhões. Falhas e fraudes no cadastramento de famílias, assim como a falta de fiscalização, de- ram origem a todo tipo de irregulari- dade e denúncia. De norte a sul do país, beneficiários de classe média ou com renda acima do permitido eram flagrados recebendo o dinheiro. Em outubro de 2004, uma reporta- gem do “Fantástico”, da TV Globo, re- velou que moradores de três cidades — Pedreiras (MA), Cáceres (MT) e Pi- raquara (PR) — ganhavam Bolsa Fa- mília, ainda que vivessem em casas de alvenaria, com carro na garagem. Havia casos também de parentes de prefeitos entre os beneficiários. O uso eleitoral do programa veio a público nas eleições municipais de 2004. Em São Francisco de Itabapoa- na (RJ), a prefeitura cadastrou milha- res de eleitores carentes para rece- ber o Bolsa Família a duas semanas da votação. Cartazes de um candida- to a prefeito foram afixados em um Ciep onde se formou uma longa fila. Em 2005, o Ministério Público Federal denunciou que 1.107 servidores da pre- feitura de Teresina (PI) eram beneficiá- rios do Bolsa Família. O Ministério do Desenvolvimento Social anunciou o blo- queio dos repasses. Em 2009, uma au- ditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) descobriu que 577 políticos elei- tos estavam incluídos no programa. Inicialmente atordoado pelas irregu- laridades, o governo começou a cons- truir mecanismos de controle até então inexistentes nos programas de transfe- rência de renda. Hoje, o cadastro dos beneficiários deve ser atualizado a cada dois anos. O ministério reservou R$ 308 milhões este ano para ajudar as prefei- turas a gerir o programa. Afinal, cabe a elas cadastrar as famílias pobres. Outra fonte de críticas foi o descaso do governo, num primeiro momento, com a exigência de contrapartidas por parte das famílias: filhos em idade es- colar deveriam frequentar a escola, en- quanto crianças e gestantes tinham de ir ao posto de saúde. Mas não havia uma rede de controle nem regras para desligar beneficiários que descum- priam. Hoje, a frequência escolar de 89% das crianças e jovens é fiscalizada. Na área de saúde, esse percentual é de 68% — o que significa que quase um terço dos beneficiários segue sem ser monitorado. Segundo o ministério, 4,8 milhões de beneficiários já foram ex- cluídos do programa por estarem aci- ma do limite de renda ou descumprir as condicionalidades. O programa enfrentou também acusações de ser eleitoreiro, mera- mente assistencialista ou de repas- sar valores tão baixos que, na verda- de, deveria chamar-se “Bolsa Esmo- la”. Mas entidades internacionais passaram a elogiar o programa. Par- ceiro do governo para corrigir as fa- lhas de gestão do Bolsa Família foi o Banco Mundial. Em 2004, o banco emprestou US$ 572 milhões ao pro- grama. Em setembro de 2010, apro- vou novo financiamento de US$ 200 milhões com o mesmo propósito. — Nestes últimos sete anos, o Bol- sa Família chegou à maioridade co- mo um programa de redução da po- breza e proteção social. O Brasil está exportando esse considerável co- nhecimento para vários outros paí- ses em desenvolvimento e até mes- mo para a cidade de Nova York, que modelou o seu programa de transfe- rência condicionada de renda no pro- grama Bolsa Família — disse, em se- tembro, o gerente de Projeto pelo Banco Mundial Ian Walker. O economista-chefe do Centro de Po- líticas Sociais da FGV, Marcelo Neri, destaca que o Bolsa Família atinge a parcela mais pobre da população e é eficaz no combate à desigualdade de renda, mesmo gastando menos de 0,5% do PIB (Produto Interno Bruto, soma das riquezas produzidas no país), o que é consi- derado baixo em termos de políticas públicas dessa magnitude: Há especialistas, po- rém, que defendem que o investimento em edu- cação é que traz resul- tados positivos no so- cial no longo prazo. Os repasses mensais variam hoje de R$ 22 a R$ 200, conforme o grau de miséria e o nú- mero de filhos. Em mé- dia, são R$ 96. Em 2010, o programa con- sumiu R$ 13 bilhões, distribuídos a 12,7 mi- lhões de famílias. O universo atendido, po- rém, alcança 50,8 mi- lhões de pessoas, já que cada família tem, em média, quatro membros. O diretor de Estudos e Políticas Sociais do Instituto de Pesquisa Econômica Apli- cada (Ipea), Jorge Abrahão, considera o Bolsa Família um programa eficiente. E destaca a criação do Cadastro Único, base de dados com informações sobre as famílias pobres. É nesse cadastro que são selecionados os beneficiários do programa: — Tem 20 milhões de famílias ca- dastradas, com todos os detalhes so- bre a situação da família. Isso é quase um terço das famílias brasileiras. O cadastro é um elemento importante para fazer política pública: você po- de, a partir dele, montar toda uma re- de de proteção social e distribuição de recursos — diz Abrahão.

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Page 1: FOME ZERO VIROU BOLSA, SEM PORTA DE SAÍDA · FONTE: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome Em 2003 Em 2010 Atendimento 3,6 milhões de famílias 12,7 milhões de

O GLOBO ● ● PÁGINA 9 - Edição: 19/12/2010 - Impresso: 15/12/2010 — 21: 34 h AZUL MAGENTA AMARELO PRETO

O PROGRAMA• Quem tem direito: famílias com renda percapita de até R$ 140 por mês

• O valor dos beneficíos mensais varia deR$ 22 a R$ 200. Em média, é de R$ 96

• Família com renda per capita de até R$ 70por mês é considerada extremamente pobre etem direito ao chamado benefício básico, deR$ 68 por mês

• Quem tem renda per capita de R$ 71 aR$ 140 só tem direito ao benefício variável e jovem.O benefício variável, no valor de R$ 22, é pago afamílias com filhos de até 15 anos, limitado a trêsfilhos por família. O benefício jovem, no valor deR$ 33, é dado a famílias com adolescentes de 16 e17 anos, limitado a dois filhos por família. Famíliasque recebem o benefício básico podem acumular osdemais benefícios

• 93% dos titulares do cartão do Bolsa Famíliasão mulheres

• O Bolsa Família é pago a 12,7 milhões defamílias no Brasil, beneficiando 50,8 milhões depessoas. Em média, cada família tem quatromembros

EXPANSÃO

FONTE: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

Em 2003 Em 2010

Atendimento

3,6 milhões de famílias

12,7 milhões de famílias

Custo

R$ 3,4 bilhões

R$ 13 bilhões

DISTRIBUIÇÃO DOSBENEFÍCIOSPOR REGIÃO

NORTE1,35 milhãode famílias

NORDESTE6,48 milhõesde famílias

SUDESTE3,14 milhõesde famílias

SUL1,08 milhãode famílias

CENTRO-OESTE701 milfamílias

Rosane Marinho/27-1-2004

mbate à Fome

010

íliasamíl

as

ões

Da primeira geraçãode beneficiários doBolsa Família, afamília de CarminhaMaria da Conceição(de camisetabranca) volta, emjaneiro de 2004, dafeira emCarnaubeira daPenha (PE) com acomida do mês

ERA LULA “NUNCA ANTES...” DOMINGO, 19 DE DEZEMBRO DE 2010 9

FOME ZERO VIROU BOLSA,SEM PORTA DE SAÍDANascido da integração de programas existentes de transferência derenda, o Bolsa Família é o maior sucesso do governo Lula.Apesar dos resultados, ainda falha por não oferecer oportunidades

Gustavo Miranda/29-8-2007

EM UM CASEBRE de madeira numa cidade-satélite de Brasília, Reni Pereira de Oliveira vive com o marido e sete filhos: Bolsa Família de R$ 120 ajuda a pagar contas

POR DEMÉTRIO WEBER

BRASÍLIA

No começo era o Fome Zero.E a promessa para lá de ou-sada: acabar com a fome nopaís. Mas a ação que mar-cou o primeiro ano do pri-

meiro mandato da Era Lula virou ape-nas uma marca. O programa acabou en-golido pelo Bolsa Família, que chega a2010 como a maior ação social do go-verno federal. Com 12,7 milhões de fa-mílias atendidas hoje, até a oposiçãopareceu adotar o programa que foi pa-ra o centro do debate da corrida pre-sidencial deste ano.

O candidato do PSDB a presidente,José Serra, prometeu ampliar o pro-grama, com o pagamento de um be-nefício a mais por ano — o 13o- doBolsa Família. A presidente eleita, Dil-ma Rousseff, fala em aumentar o nú-mero de famílias atendidas. Em novedos dez estados com maior cobertu-ra, Dilma recebeu votos suficientespara ser eleita já no primeiro turno.

O programa já transferiu R$ 60,2bilhões nos últimos sete anos. Nesseperíodo, a miséria no Brasil teria di-minuído 45% — a população em ex-trema pobreza caiu de 28% para 15%,com 20,5 milhões de pessoas deixan-do essa situação, segundo estimativada Fundação Getulio Vargas (FGV).

Apesar do reconhecimento de es-pecialistas sobre a importância doprograma como fonte de transferên-cia direta de renda, passados seteanos da sua criação, o Bolsa Famíliaainda não encontrou uma fórmula pa-ra dar às famílias a chamada porta desaída. O governo tenta oferecer alter-nativas por meio da qualificação pro-fissional e do microcrédito. Segundoo Ministério do Desenvolvimento So-cial e Combate à Fome, 1,7 milhão debeneficiários têm conta bancária. OBanco do Nordeste concedeu em-préstimos a 285 mil beneficiários.

O Bolsa Família nasceu em meio aostropeços do Fome Zero, espécie deguarda-chuva das políticas sociais queesbarrava em burocracia, complexida-de e falta de foco. Do discurso de pos-se do presidente Luiz Inácio Lula daSilva, quando ele lançou a meta de ga-rantir pelo menos três refeições diá-rias a todos brasileiros, passaram-sedez meses até a criação do Bolsa Fa-mília, em outubro de 2003.

Os primeiros meses do governo Lulafrustraram quem esperava uma revolu-ção petista na área social, especialmen-

te depois que o presidente pôs o temada fome no centro da agenda política.Mesmo com toda a mobilização nacio-nal e internacional em torno do FomeZero, pequenos detalhes exibiam a dis-tância entre desejo e realidade. Em mar-ço de 2003, o cheque com a doação deR$ 50 mil da modelo Gisele Bündchenainda não fora descontado. Motivo: aconta bancária não tinha sido aberta.

A dispersão de ações herdadas dogoverno Fernando Henrique Cardosofoi ampliada. Além do Bolsa Escola,do Bolsa Alimentação e do Vale Gás— programas de transferência derenda vinculados a diferentes minis-térios —, o novo Ministério Extraor-

dinário de Segurança Alimentar eCombate à Fome (Mesa) tratou decriar o Cartão-Alimentação.

Percebendo que a área social batiacabeça, o Palácio do Planalto decidiuunificar os quatro programas sob aresponsabilidade de uma secretaria-executiva vinculada diretamente à Pre-sidência. Assim, no final de 2003, sur-giu o Bolsa Família. Logo em seguida,na linha de unificar ações, o governocriou o Ministério do Desenvolvimen-to Social e Combate à Fome, que assu-miu as funções do Mesa, do Ministérioda Assistência Social e da própria se-cretaria-executiva do Bolsa Família.

Daí em diante, o programa cresceu

sob críticas e denúncias de fraudes.No fim de 2003, o número de beneficiá-rios atingiu 3,6 milhões. Em 2004, a me-ta era chegar a 6,5 milhões. Falhas efraudes no cadastramento de famílias,assim como a falta de fiscalização, de-ram origem a todo tipo de irregulari-dade e denúncia. De norte a sul dopaís, beneficiários de classe média oucom renda acima do permitido eramflagrados recebendo o dinheiro.

Em outubro de 2004, uma reporta-gem do “Fantástico”, da TV Globo, re-velou que moradores de três cidades— Pedreiras (MA), Cáceres (MT) e Pi-raquara (PR) — ganhavam Bolsa Fa-mília, ainda que vivessem em casas

de alvenaria, com carro na garagem.Havia casos também de parentes deprefeitos entre os beneficiários.

O uso eleitoral do programa veio apúblico nas eleições municipais de2004. Em São Francisco de Itabapoa-na (RJ), a prefeitura cadastrou milha-res de eleitores carentes para rece-ber o Bolsa Família a duas semanasda votação. Cartazes de um candida-to a prefeito foram afixados em umCiep onde se formou uma longa fila.

Em 2005, o Ministério Público Federaldenunciou que 1.107 servidores da pre-feitura de Teresina (PI) eram beneficiá-rios do Bolsa Família. O Ministério doDesenvolvimento Social anunciou o blo-queio dos repasses. Em 2009, uma au-ditoria do Tribunal de Contas da União(TCU) descobriu que 577 políticos elei-tos estavam incluídos no programa.

Inicialmente atordoado pelas irregu-laridades, o governo começou a cons-truir mecanismos de controle até entãoinexistentes nos programas de transfe-rência de renda. Hoje, o cadastro dosbeneficiários deve ser atualizado a cadadois anos. O ministério reservou R$ 308milhões este ano para ajudar as prefei-turas a gerir o programa. Afinal, cabe aelas cadastrar as famílias pobres.

Outra fonte de críticas foi o descasodo governo, num primeiro momento,com a exigência de contrapartidas porparte das famílias: filhos em idade es-colar deveriam frequentar a escola, en-quanto crianças e gestantes tinham deir ao posto de saúde. Mas não haviauma rede de controle nem regras paradesligar beneficiários que descum-priam. Hoje, a frequência escolar de89% das crianças e jovens é fiscalizada.Na área de saúde, esse percentual é de68% — o que significa que quase umterço dos beneficiários segue sem sermonitorado. Segundo o ministério, 4,8milhões de beneficiários já foram ex-cluídos do programa por estarem aci-ma do limite de renda ou descumprir ascondicionalidades.

O programa enfrentou tambémacusações de ser eleitoreiro, mera-mente assistencialista ou de repas-sar valores tão baixos que, na verda-de, deveria chamar-se “Bolsa Esmo-la”. Mas entidades internacionaispassaram a elogiar o programa. Par-ceiro do governo para corrigir as fa-lhas de gestão do Bolsa Família foi oBanco Mundial. Em 2004, o bancoemprestou US$ 572 milhões ao pro-grama. Em setembro de 2010, apro-vou novo financiamento de US$ 200milhões com o mesmo propósito.

— Nestes últimos sete anos, o Bol-sa Família chegou à maioridade co-mo um programa de redução da po-breza e proteção social. O Brasil estáexportando esse considerável co-nhecimento para vários outros paí-ses em desenvolvimento e até mes-mo para a cidade de Nova York, quemodelou o seu programa de transfe-rência condicionada de renda no pro-grama Bolsa Família — disse, em se-tembro, o gerente de Projeto peloBanco Mundial Ian Walker.

O economista-chefe do Centro de Po-líticas Sociais da FGV, Marcelo Neri,destaca que o Bolsa Família atinge aparcela mais pobre da população e éeficaz no combate à desigualdade derenda, mesmo gastando menos de 0,5%do PIB (Produto Interno Bruto, soma

das riquezas produzidasno país), o que é consi-derado baixo em termosde políticas públicasdessa magnitude:

Há especialistas, po-rém, que defendem queo investimento em edu-cação é que traz resul-tados positivos no so-cial no longo prazo.

Os repasses mensaisvariam hoje de R$ 22 aR$ 200, conforme ograu de miséria e o nú-mero de filhos. Em mé-d ia , são R$ 96 . Em2010, o programa con-sumiu R$ 13 bilhões,distribuídos a 12,7 mi-lhões de famílias. Ouniverso atendido, po-rém, alcança 50,8 mi-lhões de pessoas, jáque cada família tem,e m m é d i a , q u a t r omembros.

O diretor de Estudose Políticas Sociais do

Instituto de Pesquisa Econômica Apli-cada (Ipea), Jorge Abrahão, considera oBolsa Família um programa eficiente. Edestaca a criação do Cadastro Único,base de dados com informações sobreas famílias pobres. É nesse cadastroque são selecionados os beneficiáriosdo programa:

— Tem 20 milhões de famílias ca-dastradas, com todos os detalhes so-bre a situação da família. Isso é quaseum terço das famílias brasileiras. Ocadastro é um elemento importantepara fazer política pública: você po-de, a partir dele, montar toda uma re-de de proteção social e distribuiçãode recursos — diz Abrahão. ■