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A relação entre sociedade e meio ambiente vem se afirmando como uma das principais preocupações, tanto no campo das políticas públicas quan- to no da produção de conhecimento. A antropologia, tal como se expressa nas revistas especializadas e também na constituição de grupos de pes- quisa que pretendem influir diretamente sobre as políticas e organizações da sociedade civil, não permaneceu alheia a esse movimento (Little 1999). O que não é de surpreeender, já que, por seus antecedentes empíricos e metodológicos, ela está entre as ciências sociais mais bem situadas para entender a questão ambiental, abordando-a de um ponto de vista global e interdisciplinar. A antropologia nasceu, afinal, perguntando-se sobre a transformação antrópica que diferentes sociedades produziram em seu ambiente, sobre a continuidade e diferença da espécie humana em rela- ção aos demais seres vivos, e sobre o lugar da consciência na evolução so- cial. Além disso, o advento da disciplina no contexto colonial, ligado às políticas de controle e mudança social (Leclerc 1973; Kuper 1973), fazem- na herdeira de uma vocação de “análise e intervenção” (Brosius 1999). Este artigo destaca duas áreas em que a antropologia pode contri- buir para a compreensão da problemática ambiental e de suas políticas. A primeira é informativa, e nela seu papel é desmistificar os preconceitos sobre a relação das sociedades com seus ambientes naturais — precon- ceitos tais como os mitos da existência de um vínculo harmonioso entre sociedade e natureza nos tempos pré-industriais, o da tecnologia moder- na como causa última da crise ecológica, ou o do papel sacrossanto da ciência como guia em direção à sustentabilidade. A segunda área é me- todológica, e concerne à questão de como abordar os problemas ambien- tais de modo a caminhar rumo a sociedades mais sustentáveis. Está claro que, em qualquer dos casos, os méritos não são exclusivos da antropolo- gia, e que esta procede em colaboração com muitas outras disciplinas. UM OLHAR ANTROPOLÓGICO SOBRE A QUESTÃO AMBIENTAL Guillermo Foladori e Javier Taks MANA 10(2):323-348, 2004

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  • A relao entre sociedade e meio ambiente vem se afirmando como umadas principais preocupaes, tanto no campo das polticas pblicas quan-to no da produo de conhecimento. A antropologia, tal como se expressanas revistas especializadas e tambm na constituio de grupos de pes-quisa que pretendem influir diretamente sobre as polticas e organizaesda sociedade civil, no permaneceu alheia a esse movimento (Little 1999).O que no de surpreeender, j que, por seus antecedentes empricos emetodolgicos, ela est entre as cincias sociais mais bem situadas paraentender a questo ambiental, abordando-a de um ponto de vista global einterdisciplinar. A antropologia nasceu, afinal, perguntando-se sobre atransformao antrpica que diferentes sociedades produziram em seuambiente, sobre a continuidade e diferena da espcie humana em rela-o aos demais seres vivos, e sobre o lugar da conscincia na evoluo so-cial. Alm disso, o advento da disciplina no contexto colonial, ligado spolticas de controle e mudana social (Leclerc 1973; Kuper 1973), fazem-na herdeira de uma vocao de anlise e interveno (Brosius 1999).

    Este artigo destaca duas reas em que a antropologia pode contri-buir para a compreenso da problemtica ambiental e de suas polticas.A primeira informativa, e nela seu papel desmistificar os preconceitossobre a relao das sociedades com seus ambientes naturais precon-ceitos tais como os mitos da existncia de um vnculo harmonioso entresociedade e natureza nos tempos pr-industriais, o da tecnologia moder-na como causa ltima da crise ecolgica, ou o do papel sacrossanto dacincia como guia em direo sustentabilidade. A segunda rea me-todolgica, e concerne questo de como abordar os problemas ambien-tais de modo a caminhar rumo a sociedades mais sustentveis. Est claroque, em qualquer dos casos, os mritos no so exclusivos da antropolo-gia, e que esta procede em colaborao com muitas outras disciplinas.

    UM OLHAR ANTROPOLGICO SOBRE A QUESTO AMBIENTAL

    Guillermo Foladori e Javier Taks

    MANA 10(2):323-348, 2004

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  • Contra o fundamentalismo: entre romnticos ecolgicos e cornucopianos

    O carter complexo, global e interdisciplinar da problemtica ambientaltem gerado uma gama de posies que nem sempre correspondem s ex-pectativas polticas. H grupos, tanto de esquerda quanto de direita, quetomam as sociedades simples como ideal de equilbrio ecolgico; parale-lamente, h grupos de direita e tambm de esquerda que rechaam asleis da ecologia como guia para o comportamento humano (Foladori2000). Vrias aparentes incoerncias entre posio poltica e propostaambiental devem-se complexidade do tema, e no vo desaparecer.Outras derivam de argumentos de forte contedo mtico e fundamenta-lista que refletem, em parte, falta de informao sobre o assunto, e a an-tropologia tem um papel importante na desmitificao de muitos dessesargumentos. Utilizaremos as seguintes afirmaes como exemplo:

    1) As sociedades primitivas estabeleciam uma relao harmnicacom a natureza. freqente encontrar afirmaes como essa, seja emtextos de divulgao, seja em propostas polticas. A imagem de socieda-des pr-industriais ou pr-capitalistas vivendo em harmonia com a natu-reza tem o apelo de, presumidamente, oferecer exemplos reais de convi-vncia equilibrada com esta. Trata-se, todavia, de uma afirmao duvi-dosa, no apenas por sua generalidade, ao considerar como iguais todasas sociedades pr-industriais, como tambm por seu romantismo, que su-gere possurem as ditas sociedades um grau de conscincia e atividadeplanificadas difcil de imaginar mesmo no caso de grupos pequenos.

    Reconhece-se, hoje, que as populaes que, h cerca de 12 mil anos,cruzaram a ponte de Beringia do nordeste asitico para o Alasca, par-ticiparam na extino de mamutes, mastodontes e outros grandes mam-feros, medida que avanavam rumo ao sul do continente. A conhecidatese de Martin (1984), sobre o papel dos caadores paleolticos na extin-o de animais em continentes de colonizao tardia, forneceu uma pro-va dos efeitos diretos e indiretos que sociedades com tecnologias sim-ples so capazes de provocar a longo prazo sobre o meio ambiente ainda que outras variveis, como mudanas climticas, possam tambmintervir (Haynes 2002).

    A responsabilidade de caadores e coletores na extino da mega-fauna nos continentes de colonizao tardia se repete no caso das gran-des aves, nas ilhas (Steadman e Martin 2003; Anderson 2002; Leacky eLewin 1998). A fragmentao do habitat, resultante da derrubada dasmatas, a caa indiscriminada e a introduo de espcies predadoras ex-

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  • ticas so causas que no diferem, qualitativamente, daquelas que, hoje,so identificadas como responsveis pela extino de espcies. Leacky eLewin concluem:

    No so necessrias mquinas de desmatamento macio para provocar gran-

    des danos ambientais. As sociedades com tecnologia primitiva estabelece-

    ram, no passado recente, uma marca insuperada nesse sentido, j que de-

    sencadearam o que, nas palavras de Storrs Olson, consistiu em umas das

    mais rpidas e graves catstrofes biolgicas da histria da Terra (Leacky e

    Lewin 1998:192).

    A destruio da megafauna apenas a manifestao mais visvel dastransformaes que, desde os homindeos que antecederam o Homo sa-piens, vm sendo impostas aos ecossistemas.

    Tambm em um nvel orgnico menor registraram-se conseqn-cias significativas. Em suas atividades de coleta e de caa, os homindeosadquiriram parasitas prprios aos primatas e outros microrganismos, quetransformaram os ecossistemas. A domesticao de plantas e animais, haproximadamente 10 mil anos, implicou alteraes radicais, com o se-dentarismo, novas dietas, concentraes populacionais e de lixo, de ani-mais domsticos e de plantas, que afetaram radicalmente a coevoluodos microrganismos. possvel que muitas infeces contemporneas(tuberculose, antraz, brucelose etc.) tenham sua origem na domesticaode animais, no contato direto com eles e no consumo de produtos delesderivados, como leite, peles e couros (Barret et alii 1998). As epidemiasde varola entre os anos 251 e 266 d.C., a peste bubnica nos sculos XIIIe XIV, e as catstrofes provocadas pelas epidemias na Amrica espanho-la do sculo XVI so exemplos eloqentes de uma relao pouco harm-nica com a natureza externa e interna ao ser humano, ainda que estes re-sultados tenham sido indiretos e no intencionais. Inhorn (1990) revisa aliteratura da antropologia mdica dedicada s doenas infecciosas, reve-lando suas contribuies e ressaltando exemplos de comportamentos quefavorecem ou limitam as epidemias e destacando o papel das doenas noprocesso de seleo natural.

    Na discusso sobre as atitudes e relaes das sociedades no-oci-dentais com o meio ambiente, a antropologia tem se detido no estudo dastransformaes materiais e se ocupado da anlise da concepo que ospovos fazem da natureza exterior1. Nesse processo, foi necessrio ques-tionar a prpria teoria da relao entre sociedade e natureza. Abando-nando-se o ponto de vista etnocntrico, que considerava a natureza co-

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  • mo a ordem objetiva a ser descrita segundo as cincias naturais, e qual cada povo atribua significados culturais diversos segundo um mo-delo mental intra- ou supraorgnico , passou-se a uma atitude, no m-nimo, cuidadosa no tratamento do dualismo natureza/cultura, de origemcartesiana (Ellen 1996), tendo-se chegado at mesmo a visar sua total dis-soluo (Ingold 2000a). O foco da ateno est centrado na anlise dasinter-relaes e mediaes entre socioprticas materiais e construoideolgica. Embora as concluses sejam ainda provisrias, h consensode que as ideologias organicistas, prprias dos grupos caadores-coleto-res, no tm necessariamente como correlatos formas que permitam a re-produo a longo prazo de processos biofsicos (Escobar 1999; Headland1997). E, como assinala Milton (1996), h sociedades no-industriais, es-tudadas por antroplogos, como os Nayaka da ndia, que no reconhe-cem a responsabilidade humana na proteo do ambiente, pois isso osobrigaria a rever a idias de que a natureza quem cuida deles.

    Em todo caso, se alguma concluso geral pode ser tirada, a de quea natureza no pode ser considerada como algo externo, a que a socieda-de humana se adapta, mas sim em um entorno de coevoluo, no qualcada atividade humana implica a emergncia de dinmicas prprias eindependentes na natureza externa, ao mesmo tempo que, em um efeito-bumerangue, produz impactos na natureza social e na biologia das po-pulaes humanas. No interior desse complexo de foras, no possvelesperar que as atividades das sociedades no-industriais sejam adapta-tivas (no sentido de tender ao equilbrio), enquanto que a sociedade in-dustrial moderna seria no-adaptativa.

    A revitalizao contempornea do mito da sabedoria ambiental pri-mitiva tem vrias explicaes (Milton 1996; 1997). Primeiro, uma falsaidentificao entre as prticas econmicas e rituais de grupos detentoresde tecnologias de baixo impacto ambiental, de um lado, e as tcnicas apa-rentemente similares descritas pelos modernos tericos da agroecologia,de outro. Isto constitui uma bandeira poltica de grande apelo em socie-dades com uma populao rural significativa, tendendo a justificar as mo-dernas propostas conservacionistas ou ecologistas de gesto ambiental,que incorporam populaes nativas. De fato, toda sociedade possui de-terminados conhecimentos e prticas que conduzem reproduo da na-tureza externa, ou ao cuidado com ela, sem por isso excluir outros queacarretam efeitos depredatrios ou degradantes sobre os ecossistemas.Segundo, a crtica ao industrialismo como causa ltima da crise ambien-tal tem necessidade da alternativa que as sociedades primitivas apa-rentemente oferecem: satisfao de necessidades bsicas acoplada a sis-

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  • temas tecnolgicos elementares e ao uso de fontes energticas renov-veis. Terceiro, os prprios nativos tm visto, na divulgao de sua ima-gem como protetores da terra, uma ferramenta poltica e econmicapara obter o apoio e financiamento de grupos ambientalistas de pressoem nvel internacional, contra a marginalizao e opresso por parte dosgovernos e burocracias nacionais.

    Conhecer a realidade contraditria dos supostos guardies da na-tureza (povos primitivos) causa confuso a muitos grupos ambientalis-tas bem intencionados, ou os leva recusa irrefletida das evidncias. To-davia, h que enfatizar a ambigidade da prtica social humana, comosublinha Ellen para o caso dos Sioux: a espiritualidade ambiental dosSioux anda de mos dadas com uma dieta vorazmente carnvora, da mes-ma maneira que o vegetarianismo hindu encontrado em uma socieda-de de extrema pobreza e desequilbrio ambiental (Ellen 1986:10). E con-clui: nenhuma cultura humana detm o monoplio da sabedoria am-biental, e [] parece improvvel que possamos um dia escapar de algunsdos mais profundos dilemas da vida social humana (Ellen 1986:10).

    Criticar o pensamento ambiental romntico no significa ser indife-rente s prticas tradicionais que, freqentemente, so consideradas ine-ficientes pela cincia hegemnica. Um exemplo eloqente o reconheci-mento de que a propriedade coletiva dos recursos naturais no conduznecessariamente, ao contrrio do que sugere a hiptese de Hardin (1989)sobre a tragdia dos espaos coletivos, a uma atitude negligente oudepredatria sobre o meio ambiente. Segundo Hardin, os espaos coleti-vos so depredados porque, no sendo propriedade privada, no so dointeresse de ningum. A conseqncia implcita que o problema so-lucionado estendendo-se s reas comuns os direitos de propriedade pri-vada. A confuso conceitual provm da viso ideolgica de Hardin, paraquem o sistema capitalista o nico existente, e o nico possvel. No in-terior de um regime de propriedade privada, os espaos pblicos, comunsou coletivos tendem a ser utilizados para fins privados, j que tal a l-gica das relaes de produo dominantes. Mas, quando estamos diantede recursos apropriados de forma coletiva, que no se regem totalmentepor relaes de propriedade privada, ou esto menos integrados ao mer-cado, os recursos coletivos no necessariamente se degradam, como de-monstram muitos estudos recentes (Ostrom 1990; Berkes e Folke 1998;Orlove 2002). Este outro exemplo da falsidade da contradio entre so-ciedade capitalista e no-capitalista. Para Hardin e outros, existem ape-nas dois plos, o capitalismo e o resto. Mas essa dicotomia no se susten-ta. Existem mltiplas formas pr- ou no-capitalistas de organizao so-

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  • cial, que estabelecem regulaes diferentes e contraditrias com a natu-reza externa (Glacken 1996; Ellen 1999; Foladori 2001).

    Alguns informes das Naes Unidas reconhecem, hoje, que socieda-des agrcolas menos incorporadas ao mercado exibem maior equilbrioambiental, e que sua integrao ao mercado seria causa de um incremen-to da degradao do ambiente (Ambler 1999).

    Segundo Ingerson (1994, 1997), at mesmo os estudantes de antro-pologia se surpreendem ao reconhecer o carter contraditrio das socie-dades menos complexas em suas relaes com o meio ambiente. Por umlado, aqueles que tinham no mito do bom selvagem uma ferramentade esperana frente degradao ecolgica contempornea sentem-sefrustrados. Por outro lado, aqueles que supunham que a degradao am-biental era uma prerrogativa da sociedade industrial ou capitalista vem-se sem alternativa, j que essa degradao se afiguraria como um com-portamento cultural universal. Ingerson conclui que o maior desafio paraa antropologia ecolgica de corte histrico e comparativo ensinar que[] uma relao benigna de longo prazo entre os seres humanos e a na-tureza [] pode ser algo sem precedentes sem que, por isso, seja neces-sariamente impossvel (Ingerson 1997:616).

    A desmistificao da sabedoria ecolgica primitiva no exclui quea antropologia social tenha gerado contribuies sobre o alcance e sta-tus dos conhecimentos e tcnicas tradicionais de gesto de recursos(Descola e Plsson 1996:12), resgatando assim o conhecimento prticodos diversos povos e a necessidade de participao das populaes locaisna produo de uma nova sntese, lado a lado com a cincia gerada noslaboratrios e centros de investigao (Richards 1985; Toledo 1992). Estaarticulao de saberes no deve ser entendida em termos de anexaode uma cincia nativa para complementar a cincia ocidental, mas comoestabelecimento de um ecletismo inovador (Ellen e Harris 2000).

    A antropologia, de certa maneira, pretende oferecer um olhar sobrea relao sociedade-natureza, que no caia nem no romantismo ambien-talista daqueles que vem, em algumas sociedades pr-capitalistas, ummodelo de sustentabilidade ambiental (e s vezes social), nem na apolo-gia modernista do capitalismo, baseada na aplicao da cincia e da tec-nologia hegemnicas.

    2) A crise ambiental um resultado do grau de desenvolvimento tc-nico. Alguns movimentos ambientalistas contemporneos e muitos auto-res ecodesenvolvimentistas centram sua crtica da crise ambiental no de-senvolvimento tecnolgico e industrial2. Partem do suposto, muitas vezesno explicitado, de uma evoluo autnoma da tcnica e da tecnologia,

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  • uma evoluo linear desde instrumentos simples at mquinas comple-xas, paralela alienao dos homens com respeito aos instrumentos detrabalho e ao meio ambiente o que Pfaffenberger chama a viso pa-dro da tecnologia (1992).

    Diante da idia da crescente alienao da humanidade com relaoaos instrumentos que cria, a antropologia contempornea questiona a su-posta autonomia da tecnologia frente s relaes sociais de produo, sdecises polticas e ao papel do conhecimento. Os estudos mais recentesdemonstram o intrincado vnculo entre relaes de produo e desenvol-vimento da tcnica e da tecnologia de qualquer poca (Guyer 1988; Pfaf-fenberger 1988, 1992; Hornborg 1992). Guyer, por exemplo, escreve:Tecnologias so necessariamente sociais e polticas na medida em queimplicam [] formas de organizao e dominao [] e so necessaria-mente imbudas de significados culturais por meio de associaes simb-licas (Guyer 1988:254). Neste sentido, relativiza-se a grande diviso en-tre as sociedades pr-modernas e as industrializadas.

    Embora ningum seja tolo para negar as significativas conseqncias do ad-

    vento das mquinas, os sistemas sociotcnicos pr-industriais eram eles mes-

    mos complexos e implicavam dominao e explorao econmicas []. Um

    sistema sociotcnico pr-industrial unifica recursos materiais, rituais e so-

    ciais em uma estratgia de conjunto para a reproduo social. No curso da

    participao em um tal sistema, muitos indivduos, seno a maioria, vem-se

    desempenhando papis dependentes e sendo explorados. A reificao no

    de modo algum restrita tecnologia industrial (Pfaffenberger 1992:509).

    A fonte da alienao no estaria na tcnica, mas nas relaes sociaisde produo (MacKenzie 1984). Tanto no caso industrial como no pr-in-dustrial, a avaliao dos impactos da mudana tecnolgica exige um es-tudo do contexto, no qual as pessoas sejam distinguidas na qualidade deprodutores ou de usurios, mais do que vistas exclusivamente como vti-mas consumistas da tecnologia transferida.

    Ingold (1986), referindo-se s sociedades de caadores e coletores,mostra de que maneira a forma de apropriao do espao como naturezaexterna sociedade condiciona a forma de distribuio da produo. Emmuitas dessas sociedades, os indivduos no detm mais do que a cust-dia de uma posse coletiva. Essa relao de apropriao coletiva do espaopelos caadores e coletores contrasta claramente com a propriedade pri-vada da sociedade capitalista. Suponhamos, em um exemplo hipottico, acaa de um animal por parte de um indivduo pertencente a uma socieda-

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  • de de caadores e coletores. Uma vez capturada, com tcnicas de arco eflecha, a presa deve ser distribuda entre os membros do bando. A repar-tio do animal no ser, possivelmente, arbitrria, mas deve obedecer adeterminadas pautas culturais, como o assinalam as mais diversas etno-grafias. Agora, imaginemos a caa do mesmo animal, realizada por umexcntrico rentista, que vive de aplicaes na bolsa de Londres, mas que,em seus momentos de cio, tem como hobby a caa, em sua propriedade,com arco e flecha semelhantes ao do caador anterior. Ele tambm temsucesso em sua atividade, mas, no seu caso, o animal por vezes armaze-nado no congelador, outras vezes dado como comida aos ces, e outrasainda servido em banquetes para amigos e convidados. Em termos tcni-cos, ambas as caas so similares: um caador, um mesmo instrumento(arco e flecha), um mesmo resultado (por exemplo, carne de javali).

    A distribuio do produto, todavia, ser distinta. Em um caso, ele repartido conforme regras; em outro, o caador faz o que bem deseja. Apartir apenas das relaes visveis e da tcnica utilizada, nada se podersaber sobre isso. Mas existem relaes invisveis, relaes sociais, que con-dicionam a produo a caa e explicam a distribuio. No primeirocaso, a natureza aparece como uma extenso do corpo do bando. No inte-rior dos limites em que este se move, a natureza pertence a ele. Trata-se em termos modernos de uma posse virtual, mas que garante que o java-li, mesmo em liberdade, pertena ao grupo. Quando um de seus integran-tes caa o animal, deve, forosamente, distribuir o produto entre os deten-tores dessa posse. Em contraste, o moderno yuppie caa em sua proprie-dade privada, o javali lhe pertence e ele faz com ele o que quiser.

    Esse exemplo revela que qualquer processo de trabalho (a caa e acoleta tambm so formas de trabalho) condicionado por uma pr-dis-tribuio dos meios e objetos de trabalho. Em nossos exemplos: a apro-priao coletiva da natureza por um lado, a propriedade privada do solopor outro. Dessa maneira, em qualquer momento, uma sociedade noapenas produz segundo o nvel de desenvolvimento tecnolgico que her-dou das geraes passadas (e que eventualmente pde incrementar), mastambm o faz segundo a forma de distribuio dos meios e objetos de tra-balho. As relaes de produo condicionam e determinam as relaestcnicas, fazendo com que, s vezes, uma mesma relao tcnica seja re-gida por diferentes relaes sociais. E estas relaes sociais se incorpo-ram prpria tcnica, expressando-se em determinadas relaes de po-der (Winner 1985).

    3) Os problemas ambientais so objetivos e devem ser assumidoscientificamente. Antes de meados da dcada de 80, os problemas am-

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  • bientais eram nacionais, regionais ou locais; eram discretos e se relacio-navam contaminao dos rios, ao desmatamento, poluio ambientalurbana, depredao de espcies animais e vegetais, aos efeitos de pro-dutos qumicos sobre a sade, etc. A partir de meados dos anos 80, a mu-dana climtica tornou-se o denominador comum de toda a problemticaambiental, e o aquecimento global, o ru principal (Sarewitz e Pielke2001). Tudo est ligado ao clima, e a reduo do aquecimento global pas-sou a ser o objetivo da poltica ambiental internacional. De modo acrti-co, muitas organizaes e grupos ecologistas e ambientalistas aceitaramconsiderar o aquecimento global como o responsvel pela crise ambien-tal (Lenoir 1995). A mudana climtica representa a relao de cada as-pecto com o todo. Incide sobre a biodiversidade, tem impacto sobre a si-tuao das florestas e sofre os efeitos dela, atinge a atividade produtivahumana, est conectada a muitas doenas infecciosas, etc. A mudanaclimtica unifica os diversos problemas ambientais. Reflete, assim, per-feitamente aquela idia da inter-relao entre os fenmenos e os ciclosde vida, to importante na ecologia. Ademais, ningum fica alheio s mu-danas climticas. Elas aparecem como uma preocupao de todos, uni-ficam ideologicamente a espcie humana. Seguindo os preceitos da eco-logia, a mudana climtica representa um desafio para a sociedade hu-mana como espcie. Por fim, a mudana climtica estudada cientifica-mente. Apenas um grupo seleto de cientistas, com um sofisticado equi-pamento tcnico, pode realizar medies e monitoramentos atmosfricos,alertando-nos para o fato de que, e o grau em que, o mundo est se aque-cendo, e indicando a influncia desse aquecimento sobre cada regio doplaneta. A mudana climtica delegou cincia o papel de avaliar seusimpactos (Tommasino e Foladori 2001).

    Isso criou uma grande elitizao e tecnicizao do problema ambien-tal. Ningum pode sentir o aquecimento global: quem determina o grau, aamplitude e os efeitos da problemtica ambiental so agora os cientistas3.

    A antropologia comparativa alerta para o fato de que sempre existi-ram formas institucionalizadas de apropriao elitista do conhecimentosobre a natureza externa. O conhecimento indgena, que em princpioparece o mais democrtico, ele mesmo socialmente diferenciado, pelomenos segundo o sexo e a idade (Ellen e Harris 2000). Os magos ou xa-ms nas sociedades de caadores, os druidas na sociedade agropastorildescentralizada dos celtas (Crumley 1994), os governantes e sacerdotesnas sociedades agrrias baseadas na captao de tributo, ou a Igreja Ca-tlica na sociedade feudal, reservaram a si prprios o saber ambiental desua poca e, em geral, lograram objetiv-lo, separando-o do saber coti-

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    diano. Mais ainda, a forma de conceber a natureza, e os problemas que anatureza impe, no podem ser isolados dos agentes que criam essa cons-cincia definitivamente, no se trata simplesmente da sociedade,mas de estratos e grupos determinados. O conceito de natureza, que ex-clui as relaes entre os seres humanos, faz com que os problemas am-bientais apaream como comuns espcie humana, sem considerar queas prprias relaes e contradies no interior da sociedade humana so,elas tambm, naturais. A definio do que natureza delimitao b-sica para a ao tcnica sobre o ambiente depende dos conflitos so-ciais e do poder ideolgico. Diz Ellen a esse respeito:

    Precisamos examinar em que medida as definies oficiais de natureza sim-

    plesmente legitimam aquelas dos agentes poltica e moralmente poderosos,

    e o grau em que combinam definies de diferentes grupos de interesse. Pre-

    cisamos perguntar-nos de que maneira definies particulares de natureza

    servem a interesses de grupos particulares, sejam estes o lobby conservacio-

    nista, a Igreja Catlica Romana, ou povos indgenas que vem vantagens

    em reinventar uma tradio particular de natureza o modelo do den eco-

    lgico (Ellen 1996:28).

    A antropologia pode concorrer para uma revalorizao do conheci-mento tradicional, contra uma viso cientificista definitivamente aliadaaos grupos mais poderosos da sociedade contempornea. Como sugereIngold (2000b), a antropologia deveria contribuir para abalar, por meiode sua crtica epistemolgica, os argumentos tecnicistas.

    Houve um tempo em que os cientistas eram menos arrogantes, e natural

    pensar que eles devam aprender com os atores locais, mas essa humildade

    desapareceu faz muito tempo, na medida em que a cincia aceitou tornar-

    se, em uma proporo cada vez maior, a servial do poder corporativo e es-

    tatal. O objetivo ltimo da pesquisa ambiental em antropologia social deve

    ser, com certeza, o de desestabilizar essa hierarquia de poder e controle. Os

    recursos que o antroplogo deve trazer para esse projeto no so tanto tc-

    nicos e metodolgicos quanto polticos e epistemolgicos (Ingold 2000b:222).

    Essa crtica, contudo, no pode degenerar em um ataque infantil razo e cincia, mas deve reconhecer formas distintas de se fazercincia, e suas mltiplas relaes com os interesses econmicos e polti-cos dos grupos envolvidos na problemtica ambiental (Ellen e Harris2000). Plsson analisa os efeitos do sistema de cotas de pesca na Islndia.

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    Diz que o sistema de cotas individuais e transferveis (isto , comercial)baseia-se em uma racionalidade modernista, que exclui as variveis so-ciais da gesto ambiental, homogeneza conceitualmente o mar e as es-pcies marinhas, ao mesmo tempo em que marginaliza as pequenas em-presas familiares de pesca. E conclui:

    A resposta adequada agenda modernista no o apego romntico ao pas-

    sado, o fetichismo do conhecimento tradicional, mas antes um modelo de

    gesto que seja democrtico o suficiente para permitir um dilogo significa-

    tivo entre especialistas e praticantes, e flexvel o bastante para permitir uma

    adaptao realista s complexidades e contingncias do mundo em suma,

    uma tica comunitria de muddling through*. Aqueles que esto direta e

    cotidianamente envolvidos no uso de recursos podem, afinal, dispor de in-

    formaes altamente valiosas sobre o que se passa no mar em momentos de-

    terminados. importante prestar ateno ao conhecimento prtico dos capi-

    tes dos barcos, levando em considerao a contingncia e as extremas flu-

    tuaes no ecossistema (Plsson 2004).

    Vemos ento a importncia do conhecimento prtico e do conheci-mento local, no apenas com respeito a uma melhor abordagem do diag-nstico ambiental, mas tambm no exerccio da democracia na produode conhecimento. Todavia, adverte este autor, quando falamos de conhe-cimento prtico ou conhecimento local, no devemos supor tratar-se deuma forma de apreender o mundo, similar que se pratica na academia,mas sim de um tipo de conhecimento ancorado em situaes concretas,flexveis e mutveis.

    O conhecimento indgena por vezes apresentado como uma mercadoria

    vendvel um capital cultural, similar a uma coisa. Grande parte do co-

    nhecimento do praticante tcito, consistindo em disposies inscritas no

    corpo como resultado do processo de engajamento direto com tarefas coti-

    dianas. Uma discusso exaustiva do que constitui o conhecimento tcito e

    de como este adquirido e utilizado parece essencial, tanto para a renego-

    ciao da hegemonia da expertise cientfica quanto para a reconsiderao

    das relaes entre os humanos e seu ambiente. Nesse processo, os antrop-

    logos tm um papel crucial a desempenhar, dado o mtodo etnogrfico e sua

    imerso rotineira na realidade dos praticantes (Plsson 2004).

    * Em ingls no original: to muddle through significa se virar, fazer como se pode [N. E.].

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    A antropologia atua aqui revalorizando o conhecimento tradicional no apenas, entretanto, com base naquilo que os grupos humanospensam acerca do entorno natural e social, mas sim, principalmente,com base no que fazem nele. As mltiplas expertises (Scoones 1999) doambiental constituem prticas sociais, e no um conhecimento em abs-trato (embora algumas formas de expertise tendam em maior ou menormedida a distanciar-se do concreto).

    Contribuio metodolgica para a sustentabilidade

    Outra rea na qual antropologia pode contribuir diz respeito forma deconsiderar a cultura, aos diferentes papis que os setores e classes so-ciais tm na produo dessa cultura e, portanto, das prticas e concep-es referentes ao meio natural.

    Tanto a poluio quanto a depredao de recursos as duas gran-des reas em que possvel agrupar todos os problemas ambientais podem ser relativizados pela cultura. O que sujo ou limpo?; quandouma espcie ou recurso est em extino? so perguntas cuja respos-ta depende de critrios relativos cultura. Constitui um paradoxo o fatode que a antropologia tenha criado o problema do relativismo culturale, nos ltimos anos, esteja tentando aboli-lo.

    O relativismo cultural, como corrente terica e mtodo de aborda-gem do estudo das sociedades de pequena escala, tornou-se dominantea partir do desenvolvimento da escola boasiana na segunda dcada dosculo XX. Boas sublinhava a necessidade de estudar cada cultura em simesma, em seu particularismo histrico, mas sem ir busca de leis ge-rais do desenvolvimento humano (Boas 1948). O relativismo cultural, quesurgiu em contraposio ao evolucionismo positivista do sculo XIX, con-verteu-se em um lastro moral para a antropologia. Levado at suas lti-mas conseqncias pelo ps-modernismo, pode ser enunciado assim: ne-nhuma sociedade superior a outra e, portanto, as sociedades no po-dem ser comparadas. O resultado foi a proliferao de estudos de caso, ea dificuldade de elaborar snteses que consolidassem teoricamente todoesse material. Todavia, interessante destacar terem sido os autores maisprximos aos problemas ecolgicos e ao estudo da relao natureza-so-ciedade aqueles que apresentaram as teorias mais generalizantes, quepermitiam comparar sociedades com diferentes nveis de desenvolvimen-to, como o caso de Julian Steward, Leslie White, Marvin Harris (Wors-ter 1993) e, inclusive, Marshall Sahlins (1964) ainda que esse tipo de

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    comparao nunca tenha estado isento de dificuldades metodolgicas(De Munck 2002).

    O argumento do relativismo cultural serviu para deixar os antrop-logos com a conscincia tranqila, j que no existiriam critrios paramedir comparativamente a sustentabilidade. Limpo ou sujo, ordem oudesordem, so padres de certo ou errado que dependem de um sis-tema de valores (Douglas 1966). Cada cultura decide sua prpria felici-dade e no se podem impor os cnones das sociedades desenvolvidas ssociedades tradicionais. Segundo esse critrio, tudo vlido, desde asmutilaes at a misria, em nome do relativismo cultural4. A antropolo-gia, com este conceito, complicou involuntariamente a vida de polticos eplanejadores.

    Todavia, a prpria antropologia tem, recentemente, entabulado es-foros para escapar do dilema entre a equivalncia das culturas e a ne-cessidade de tomar uma posio poltica posio que sempre reflete osinteresses de uma cultura ou grupo social. Esta disjuntiva poderia serconsiderada um obstculo ou uma virtude (Ellen 1996; Descola e Plsson1996; Milton 1996; Brosius 1999). Obstculo, porque pode ser paralisantee signo de conservadorismo, quando chega o momento de propor metaspara um melhor desenvolvimento humano. Tambm aparece como umobstculo ao dificultar o dilogo com outros agentes e cincias envolvi-das na prtica do desenvolvimento sustentvel. Como diz Ellen, em suaintroduo a uma das principais coletneas da antropologia ecolgicacontempornea:

    Manejar um discurso relativista da natureza e da cultura muito mais fcil

    para aqueles que esto em posio de tratar seus dados como texto, que ne-

    gam ou no tm nenhum interesse em comparaes explcitas e generaliza-

    es pan-humanas. Torna-se bem mais difcil faz-lo se queremos traduzir o

    aporte de tais idias em termos que sejam compreensveis e produtivos no

    trabalho dos cientistas naturais e daqueles que, em vrias profisses apli-

    cadas, fazem uso das idias e modelos de mundo desses ltimos; ou, ento,

    se buscamos explicar de que modo uma experincia particular do mundo

    parece ser suficientemente compartilhada pelos humanos para que eles pos-

    sam reconhecer as coisas de que falam (Ellen 1996:2).

    Por outro lado, a sustentao de um princpio de relativismo razo-vel (Maybury-Lewis 2002) consistiria em uma virtude epistemolgica,no sentido de se reconhecer que no existe nenhuma sociedade humanaque tenha vivido em harmonia perfeita com seu entorno natural, nenhu-

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    ma civilizao ecologicamente inocente (Gonzlez Alcantud e Gonzlezde Molina 1992:30).

    Depois da hegemonia das correntes ps-modernas nos anos 80 e naprimeira metade dos anos 90 que viam como impossvel a comparaoetnogrfica , a acumulao de materiais de campo, a maior comunica-o entre os investigadores e a discusso dos princpios relativistas no in-terior das prprias sociedades tradicionais levaram ao ressurgimento deprojetos comparativos orientados para a identificao de tendncias naevoluo social. Descola e Plsson, por exemplo, afirmam:

    Paradoxalmente, uma f renovada no projeto comparativo pode ter emergi-

    do da riqueza mesma da prpria experincia etnogrfica, isto , do reconhe-

    cimento partilhado de que certos padres, estilos de prtica e conjuntos de

    valores, descritos por colegas antroplogos em diferentes partes do mundo,

    so compatveis com o conhecimento que cada um tem de uma sociedade

    particular. [] Em outras palavras, a etnografia promove o foco no particu-

    lar, e a multiplicao de particulares etnogrficos reaviva o interesse pela

    comparao (Descola e Plsson 1996:17-18).

    Um dos resultados do exerccio comparativo, e do retorno a uma con-cepo histrica transcultural, a idia de que a evoluo dos humanosexibe uma tendncia em direo complexidade. O uso da categoria decomplexidade, contudo, enquanto indicador de diferenas entre socieda-des, tem, para alguns, conotaes negativas, associadas ao evolucionismolinear de princpios do sculo XX, ao qual to firmemente se ops a escolarelativista. No obstante, hoje se entende por complexidade uma caracte-rstica emergente dos sistemas sociais, nos quais a acumulao de mudan-as graduais conduz a outra estrutura, original porm no arbitrria, e simenraizada na herana ecolgica e social legada pelas geraes preceden-tes. Isto nos permite, em princpio, escapar da armadilha lgica de umaantropologia que reconhece a unicidade da espcie humana mas, ao mes-mo tempo, defende o relativismo de suas culturas (Gardner 1987). Se con-ferimos ao dado antropolgico uma profundidade histrica, podemos iden-tificar uma tendncia complexidade por acmulo de informao (Lewin1992), respeitando as peculiaridades e recusando uma hierarquizao mo-ral das culturas ou de seu comportamento diante do meio ambiente. Destamaneira, escapamos do relativismo cultural extremo, que no leva a lugarnenhum, e podemos dialogar com outras disciplinas e cincias.

    Para superar o paradoxo do relativismo cultural, a antropologia preci-sou passar a analisar a cultura como um processo, e no como uma entida-

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    de dada (Ingold 1986). Precisou analisar a diferente participao dos seto-res, estratos ou classes sociais na produo da cultura, em lugar de tom-la como uma resultante indiferenciada da sociedade. Apenas entendendoa cultura em sua trajetria histrica e em sua relao diferencial com osgrupos que a criam, pde a antropologia criticar o relativismo cultural ab-soluto. Ela foi capaz, assim, de justificar historicamente determinados com-portamentos e, ao mesmo tempo, identificar e responsabilizar aqueles quese beneficiam dos ditos comportamentos; pde passar a analisar a culturacomo um produto contraditrio da experincia humana (Foladori 1992).

    A reconsiderao conceitual da cultura forou, tambm, o questiona-mento da dicotomia natureza/cultura. Ingold (2000b) demonstrou as in-congruncias dessa dicotomia. Se revisamos os principais conceitos utili-zados na tradio antropolgica para explicar a reproduo da cultura, ve-mos que todos conduzem a uma mesma concluso: a concepo da culturacomo algo dado, resultado do consumo (Foladori 1992). As noes de en-culturao, endoculturao ou socializao se referem aos mecanismos pe-los quais a cultura se transmite de uma gerao a outra. A linguagem, asprticas do comportamento cotidiano, a educao etc. so meios por inter-mdio dos quais as novas geraes vo adquirindo a cultura do grupo noqual se inserem. Ao consumir a cultura, essas novas geraes fazem-nasua, interiorizam-na e, por essa via, se convertem em seus transmissores.

    A palavra etnocentrismo se refere ao valor positivo e superior que osintegrantes de uma cultura atribuem a suas prprias pautas culturais,desmerecendo cultura alheias. O etnocentrismo aparece, pois, como a so-ma dos preconceitos que uma sociedade tem sobre si mesma. Mas se nosperguntamos de onde surgem esses juzos, a resposta circular: a comu-nidade de vida, de cultura, impe preconceitos que seus membros conso-mem e, ento, transmitem e ostentam.

    O relativismo cultural supe a suspenso de juzos de valor sobre asdiversas culturas. No h culturas superiores ou inferiores, apenas dife-rentes. Porm, avaliar as condutas de acordo com as regras tnicas docontexto em que elas se produzem equivale a julgar uma cultura aps terconsumido seus preconceitos. De novo agora sob o conceito de relati-vismo cultural revela-se a necessidade de consumir a cultura para po-der entend-la.

    A aculturao ou mudana cultural explica os processos de trans-misso cultural, de adaptao de uma cultura a outra. Inclui a decultura-o ou perda de pautas culturais por parte de uma sociedade, e a poste-rior adaptao a novas pautas, ou aculturao. Na anlise da mudanasocial, a nfase posta sobre o elemento externo. As mudanas se origi-

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    nam do contato de uma cultura com outra. Nos casos mais favorveis, acultura pode mudar internamente, em resultado de uma ao individual,uma inveno ou uma descoberta. Os conceitos de aculturao ou de mu-dana cultural so coerentes com o conjunto terico anteriormente men-cionado; se uma cultura se reproduz a si mesma, a nica possibilidade demudana reside em agentes externos: contato entre povos ou catstrofenatural. Trata-se, ento, do consumo que uma sociedade realiza das pau-tas culturais de outras sociedades, por mecanismos que podem ser de im-posio violenta ou de aceitao voluntria.

    A implicao dos conceitos anteriores simples: cada indivduo re-produz a cultura por meio do consumo de suas pautas culturais. No hum s conceito, na antropologia acadmica dominante, que privilegie oudestaque quem produz a cultura, como e em que grau. Est claro, almdisso, que o que se consome algo terminado, um produto. No obstan-te, evidente que algo que existe deve ter sido produzido. Mais do queisso, a produo implica um processo, o produto apenas seu resultado.

    As modernas correntes da antropologia que redirecionaram seu ob-jeto de estudo para o simblico so outro exemplo dessa viso consumistada cultura. Vejam-se, nas trs ltimas dcadas, a etnometodologia de Gar-finkel (1967) e seu derivado, a etnoecologia (Durand 2002), bem como ointerpretacionismo simblico (Geertz 1973) e o culturalismo de um Sah-lins (1976) ps-materialista. Essas correntes de pensamento reivindica-vam o simblico como exclusividade da antropologia, relegando a segun-do plano a anlise da ordem material. Tratava-se de uma autolimitaodesprovida de qualquer justificativa, j que o simblico sempre foi objetode estudo antropolgico, desde os primeiros trabalhos holistas de pensa-dores evolucionistas como Tylor e Morgan. claro que essa orientao daantropologia para o simblico encontra sua explicao tanto no contextoexterno disciplina como em suas debilidades internas. A penetrao dosistema capitalista at o ltimo rinco do planeta torna invivel estudar ospovos primitivos sem considerar sua integrao ao mercado, esfera de co-nhecimento para a qual os antroplogos no esto preparados. O desapa-recimento crescente de sociedades primitivas ou indgenas priva os antro-plogos de seu objeto de estudo. A reao foi lamentvel: o refgio dosestudos antropolgicos em uma esfera de manifestao humana o sim-blico na qual, em princpio, as demais cincias sociais no poderiamcompetir5. A fragmentao das cincias e sua luta pela sobrevivncia nomercado acadmico legou antropologia uma definio restrita da cultu-ra, e uma quantidade de termos de difcil preciso. Segundo Milton,

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    [o objeto de estudo da antropologia] veio a restringir-se a uma categoria de

    fenmenos que se supunha existir na mente das pessoas [] H uma confu-

    sa gama de termos usados para glosar esta categoria de fenmenos, incluin-

    do idias, conhecimento, e modelos folk (Milton 1996:18).

    A crescente participao de antroplogos em equipes inter- ou mul-tidisciplinares tambm contribuiu para essa marginalizao temtica dadisciplina. Relega-se a eles a tarefa de cobrir a dimenso humana, maso vis unilateral das cincias naturais representadas nessas equipes pres-siona no sentido de reduzir o campo da antropologia. No dizer de Ingold:

    Enquanto os cientistas fazem o trabalho de revelar a realidade objetiva l

    fora, do antroplogo espera-se que se contente em descobrir os princpios

    de sua construo cultural dentro da cabea das pessoas, supostamente a

    partir de atitudes e crenas convencionais de racionalidade questionvel,

    mais do que por meio da observao emprica e anlise racional (Ingold

    2000a:222).

    Felizmente para a tradio antropolgica, essa virada para o simbli-co tem recebido crticas irrefutveis por parte do realismo crtico (Dickens1996), com o que a viso holista da antropologia voltou a ser reconhecidacomo sua ferramenta talvez mais importante (p.ex., Croll e Parkin 1992).Desse modo, apesar da leitura consumista da cultura e de sua variantesimblica, a antropologia ecolgica tem, recentemente, exercido pres-ses no sentido de considerar o comportamento e o pensamento humanoscomo processos em construo, derivados da heterogeneidade interna dassociedades (Plsson 1991; Foladori 1992). Os estudos dedicados anlisedos discursos ambientalistas contemporneos, por exemplo, mostram suaancoragem nas contradies e desigualdades das relaes sociais mate-riais (Brosius 1999). Esses discursos ambientalistas so considerados comouma cosmoviso ocidental hegemnica, construda a partir das prticasreais das pessoas em seu ambiente (Milton 1996:214-218).

    Um claro exemplo da produo de cultura, girando em torno de te-mas ambientais e segundo distintos grupos de interesse, o caso das mu-danas no conceito de toxicidade nos Estados Unidos durante as lti-mas dcadas. Tesh (2000), em seu estudo das alteraes na definio enos valores-limite dos indicadores de toxicidade, mostra como a falta desustentao cientfica no constituiu obstculo para que o movimentoambientalista norte-americano obtivesse, em um perodo de vinte anos,do incio dos anos 70 at os 90, uma srie de conquistas tanto na legisla-

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    o como no desempenho cientfico. Algumas das conquistas na determi-nao do critrio de toxicidade dos produtos lanados no mercado so:a) A incluso de indicadores de outras doenas alm do cncer, como

    distrbios endcrinos, nervosos e at psquicos. Antes, se o produtono mostrava sinais de que poderia produzir cncer, no era consi-derado txico.

    b) A incluso, alm das investigaes concernentes a um ser humanomdio, daquelas voltadas para setores pobres da populao e paraminorias tnicas. Antes, considerava-se apenas a possibilidade deum produto ser txico para um indivduo mdio, ao passo que, porestarem em uma etapa diferente do ciclo de vida, ou por terem umadieta alimentar diferente, muitos grupos no representados pelo in-divduo mdio poderiam sofrer, de forma individualizada, os efeitosde certos produtos qumicos.

    c) A considerao dos efeitos no apenas de cada produto qumico to-mado isoladamente, mas tambm daqueles de suas combinaes, jque elementos que isoladamente so inofensivos podem se tornaragressivos quando combinados com outros.

    d) Uma mudana no conceito de doena, que passou a levar em contaos biomarkers indicadores de possveis tendncias negativas, re-conhecidos mesmo que no se possa identificar imediatamente adoena , j que o organismo pode s apresentar os efeitos de umacontaminao aps o acmulo, por um perodo prolongado, do agen-te txico em questo.

    e) Uma reduo da porcentagem considerada requisito epidemiolgicopara que se estabeleam correlaes com elementos contaminado-res. Se, para ser considerado txico, um produto tinha de apresentaros efeitos em 90%, ou mais, dos casos analisados, esse percentualfoi reduzido para 70% ou mesmo 50%, segundo o produto.Conhecendo a diferente participao dos grupos sociais no processo

    de produo da cultura, a antropologia se encontra em condies de ofe-recer aos estudos ambientais uma explicao das formas de atuar e re-presentar que facilitam ou bloqueiam determinados fenmenos de conta-minao e/ou depredao da natureza (Durand 2002), por parte dos seto-res responsveis, dos beneficiados e dos prejudicados.

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    Reflexes finais

    O reconhecimento, por parte da moderna antropologia ecolgica, da cul-tura como um processo em formao, como um resultado de interessescontraditrios e de participao desigual, conduz a importantes conclu-ses para a discusso da problemtica ambiental, e, tambm, para aorientao das polticas pblicas. Algumas delas seriam:

    A necessidade de considerar as diferenas entre os grupos sociais e

    no interior destes. No basta distinguir grupos qualitativamente diferen-tes por sua aparncia externa, como a diviso entre homens e mulheres,entre crianas, adultos e velhos, ou entre grupos tnicos. necessrio es-tudar o interior de cada grupo, j que, de outro modo, as mdias estatsti-cas ou os tipos qualitativos ocultaro as diferenas de classe. Um estudorecente (Taks 2001) revela, por exemplo, nas prticas e atitudes diante daterra e dos animais domsticos, a variao entre trabalhadores rurais as-salariados e produtores familiares no Uruguai: estes ltimos manifestammaior preocupao com a reproduo da fertilidade dos solos. Essa dife-rena permanece oculta quando se analisa o produtor de forma genrica,sem considerar os tipos de relaes sociais de produo. Os enfoques dascincias naturais sobre a degradao ambiental perdem de vista as con-tradies no interior das sociedades, e tomam o grupo humano como umaunidade. O resultado so propostas de sustentabilidade ecolgica que,paradoxalmente, podem acarretar insustentabilidade social: prticas agro-nmicas ecologicamente sustentveis podem marginalizar pequenos pro-dutores; limites explorao de recursos naturais podem empobrecercamponeses, coletores, caadores e pescadores; o ordenamento territorialurbano pode remover assentamentos precrios sem oferecer alternativas.

    A necessidade de que existam processos de monitorao, em tempo

    real, da aplicao das polticas. Se a cultura um processo, se a culturase produz, vital a participao ativa dos grupos envolvidos para garan-tir a correspondncia entre planos e atividades, no que diz respeito sa-tisfao das necessidades. No possvel partir da cultura como algo da-do para, depois, adaptar as polticas. As polticas devem ser corrigidaspermanentemente na prpria prtica. Isso no realizvel sem a partici-pao ativa dos envolvidos, monitorando o processo. Scoones (2002:497)menciona a gesto adaptativa de Holling (ver Winterhalder 1994:36), oaprendizado iterativo e a deliberao inclusiva, como aspectos metodol-gicos cruciais dessa monitorao. A gesto adaptativa se baseia no fatode que no h relao mecnica de causa-efeito na transformao do am-biente as incertezas esto sempre presentes, razo pela qual neces-

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    sria uma aproximao gradual da resoluo de problemas, que inclua aavaliao contnua como parte integral do mesmo processo. Esse tipo degesto deveria permitir canalizar as distintas percepes e discursos dosdiferentes grupos envolvidos. Dessa maneira, ser possvel prevenir-secontra mudanas inesperadas e fortalecer a capacidade de resposta dian-te delas, em lugar de apenas remediar problemas ambientais. Torna-seimperativo, ento, modificar o enquadramento formal dos projetos de de-senvolvimento, estabelecendo cronogramas flexveis e objetivos ajust-veis e em sintonia com as necessidades e possibilidades em nvel local eregional (Drijver 1992).

    necessrio reconhecer que, segundo sua posio na distribuioda riqueza social, na ocupao do espao construdo e nas decises pol-ticas, os grupos e classes sociais respondem de maneiras diferentes tantoaos impactos internos quanto queles provenientes da natureza externa por exemplo, eventos extremos que podem culminar em desastres.Alm disso, antroplogos e outros cientistas sociais, preocupados com asrelaes entre a experincia prtica e as representaes do mundo, de-vem estar prontos para observar percepes do ambiente distintas, mut-veis e no raro ambivalentes (ORiordan 1976; Carrier 2001). Essas ambi-valncias esto enraizadas nas distintas prticas concernentes ao mundomaterial e nas posies particulares das pessoas e grupos em determina-da estrutura social, assim como na dinmica da luta ideolgica, por meioda imposio de certos discursos sobre o ambiente, sua conservao etransformao. A cincia normal, no sentido de Kuhn (1962), limita-da para fazer frente a impactos ambientais que afetam diferenciadamen-te os grupos e classes sociais e so por eles percebidos tambm de ma-neiras distintas. preciso, por um lado, promover uma integrao maisestreita entre cincia normal e conhecimento prtico. Por outro, neces-srio que as agendas de investigao cientfica se estabeleam de baixopara cima. Exemplos de polticas cientficas orientadas nessa direo,como no caso da community-based research [pesquisa de base comunit-ria], so uma alternativa para se resgatar o interesse dos afetados e per-mitir que se utilizem vantajosamente os avanos da cincia normal, emconjuno com os conhecimentos prticos e tradicionais (Invernizzi 2004).

    Recebido em 26 de agosto de 2002

    Aprovado em 2 de julho de 2004

    Traduo de Marcela Coelho de Souza

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    Javier Taks professor do Departamento de Antropologa Social y Cultural,Universidad de la Repblica, Uruguay; Guillermo Foladori professor doDoctorado en Estudios del Desarrollo, Universidad Autnoma de Zacatecas,Mxico.

    Notas

    1 No podemos discutir aqui as denominaes das diferentes escolas queabordam a relao sociedade-natureza (ver Blanc-Pamard 1996; Milton 1997; Bro-sius 1999; Little 1999). Chamamos de antropologia ecolgica o conjunto de estu-dos, institucionalmente marcados no interior da antropologia, que buscam conhe-cer a diversidade e as similaridades das experincias humanas em relao a seusambientes. Os trabalhos antropolgicos nesse campo partem da descrio das re-laes materiais das sociedades em seus ambientes, sem negligenciar o papel fun-dante que tm as prticas simblicas.

    2 Vejam-se as crticas de Goldblatt (1998) a Giddens sobre este tema.

    3 A tomada em considerao da percepo vulgar da mudana climtica,como demonstra o exemplo dos povos do rtico (Nuttal 2001), muito recente.

    4 Maybury-Lewis (2002) diz que os antroplogos so acusados injustamentede um tal relativismo extremo. Ainda que a idia de que todo antroplogo sejaum defensor do vale-tudo constitua uma caricatura, deve-se reconhecer que o re-lativismo tem sido um dos argumentos levantados para evitar comprometimentos(ver Durand 2002:169-70). Esta problemtica tem sido discutida extensamentepor Brosius (1999) em relao aos estudos ambientais empreendidos de uma pers-pectiva antropolgica.

    5 O que sempre foi equivocado, uma vez que, a partir da linguagem, a se-mitica compete com igual autoridade nesse mesmo campo.

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    Resumo

    A presente crise ecolgica conduziu auma reviso de paradigmas em antro-pologia, e ao questionamento da con-tribuio da disciplina para a elabora-o das polticas ambientais e para aluta dos movimentos ambientalistas.Este artigo argumenta que a antropo-logia valiosa para aqueles que pre-tendem construir uma sociedade maissustentvel. Primeiro, produzindo in-formao e conhecimento crtico acer-ca dos significados das atitudes peran-te o meio natural de humanos moder-nos e premodernos. Segundo, e maisimportante, a antropologia poderiacontribuir, mediante pautas metodol-gicas, para o estudo das relaes entrecultura e ambiente. Por um lado, en-tendendo essas relaes como resulta-do de processos contraditrios de pro-duo de sentido, enraizados na trans-formao e apropriao desigual danatureza, e contra a viso consumistada cultura. Por outro lado, entendendo-se a cultura como um processo histri-co, a antropologia seria capaz de supe-rar os erros derivados do relativismocultural radical, que at o presente temlimitado a participao da disciplina naelaborao das polticas ambientais.Palavras-chave Antropologia ecolgica,Relaes cultura-natureza, Desenvol-vimento sustentvel.

    Abstract

    The current ecological crisis has led toa critical review of anthropologysmainstream paradigms and to ques-tions over its contribution to environ-mental policy-making and the politicalaims of environmental movements.This article argues that anthropologyis valuable in two ways for those at-tempting to build a more sustainablesociety. Firstly, it produces critical in-formation and knowledge about themeanings of pre-modern and modernhuman attitudes towards the naturalenvironment. Secondly, and more im-portantly, by providing methodologicalguidelines for studying relations bet-ween culture and the environment,anthropology allows us to understandthese relations as the outcome of mu-tually contradictory processes of pro-ducing meaning one rooted in theunequal transformation and appropria-tion of nature, the other opposed to aconsumerist vision of culture. At thesame time, by apprehending culture asa historical process, anthropology iscapable of overcoming the failures ofradical cultural relativism which haveso far limited the disciplines participa-tion in environmental policy making.Key words Ecological anthropology,Culture-nature relations, Sustainabledevelopment.

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