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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
FACULDADE NACIONAL DE DIREITO
PROGRAMA DE PS GRADUAO EM DIREITO (PPGD)
RELATRIO FINAL DO PROJETO DE PESQUISA
JUSTIA AUTORITRIA? O JUDICIRIO DO RIO DE JANEIRO E A
DITADURA MILITAR (1964-1988)
Foto: Luiz Humberto
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Coordenao Geral: Profa. Dra. Vanessa Oliveira Batista Berner (UFRJ)
Coordenao Acadmica: Profa. Dra. Luciana Boiteux (UFRJ)
Pesquisadores docentes:
Prof. Dr. Alexandre Bernardino Costa (UnB, Professor Visitante bolsista da FAPERJ na
UFRJ)
Prof. Dra. Caroline Proner (UFRJ)
Profa. Dra. Juliana Neuenschwander Magalhes (UFRJ)
Prof. Dr. Manuel Eugenio Gndara Carballido Ps Doutor Snior bolsista da FAPERJ
na UFRJ
Demais pesquisadores
Ana Carolina Anto Mestranda (PPGHCS Fiocruz, pesquisadora voluntria)
Ayra Guedes Garrido - Graduanda em Cincias Sociais (UFRJ, bolsista de Iniciao
Cientfica da FAPERJ)
Beatriz Rodrigues Neves da Costa - Graduanda em Direito (UFRJ, bolsista de Iniciao
Cientfica da FAPERJ)
Bianca Casais Machado Guimares Graduanda em Direito (UFRJ, bolsista da
FAPERJ)
Carolina Genovez Parreira - Mestre em Direito (PPGD/UFRJ, bolsista da FAPERJ)
Lusmarina Campos Garcia - Mestranda em direito (PPGD/UFRJ, bolsista da FAPERJ)
Rafaela Domingues Pereira - Graduanda em Histria (UFRJ, bolsista da FAPERJ)
Ricardo Azevedo Mestrando em Direito (PPGD UFRJ, pesquisador voluntrio)
Roberta Maia Gomes Bacharel em Direito (UFRJ, bolsista da FAPERJ)
Thiago da Silva Pacheco - Doutorando em Histria (UFRJ, bolsista da FAPERJ)
Vicente Arruda Cmara Rodrigues Mestrando em Direito (PPGD/UFRJ)
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SUMRIO:
INTRODUO ................................................................................................................ 4
I - ATIVIDADES DESENVOLVIDAS ......................................................................... 29
II - ENQUADRAMENTO TERICO DO TEMA DA PESQUISA ............................. 34
1. Alguns Pressupostos Epistmicos da Pesquisa Acerca da Construo da Verdade e
da Memria a Partir dos Direitos Humanos ................................................................... 34
1.1. Nosso ponto de partida: a opo tico-poltica pelos vitimados ............................ 34
1.2. Verdade e Memria Histrica ................................................................................. 37
2. Contextualizao Terica e Antecedentes da Formao do Estado Brasileiro .......... 40
2.1. O Papel do Poder Judicirio no Marco de um Estado Liberal Capitalista ............ 40
3. O Estado Brasileiro na Ditadura Civil Militar ........................................................... 47
4. Referencial Terico Para uma Anlise do Papel do Judicirio Durante a Ditadura
Civil Militar .................................................................................................................... 55
III - CONTEXTUALIZAO ....................................................................................... 58
III.1. O Contexto da Crise Institucional e o Golpe contra a Panair do Brasil ................ 58
III.2. Histria e Estrutura da Justia Militar Brasileira e sua Atuao em Crimes
Polticos .......................................................................................................................... 62
III.3. Contextualizao histrica do Caso das Bombas: ................................................. 85
IV- RESULTADOS OBTIDOS ..................................................................................... 91
V- CONCLUSES ....................................................................................................... 197
VI- RECOMENDAES ........................................................................................... 207
VII BIBLIOGRAFIA ................................................................................................ 213
VIII - LISTA DE ANEXOS ......................................................................................... 221
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INTRODUO
A participao e a conivncia do Poder Judicirio em ditaduras na Amrica
Latina vm sendo reveladas nos distintos processos de Justia de Transio em curso
que, por sua vez, denunciam que a estrutura da represso no prescindiu da palavra final
da magistratura para legitimar as arbitrariedades e os respectivos crimes cometidos. Fato
que o prprio Poder Judicirio atuou na estrutura da represso, tendo sido um aparato
a mais na construo de um projeto militar autoritrio, o que torna discrepante ou
contraditrio que tenha o condo de condenar o regime do qual ele prprio foi parte
fundamental. Ainda que existam diferentes graus de responsabilidade na movimentao
da mquina judiciria da represso, que inclui a importante presena de juzes
independentes e muitos deles perseguidos, os fatos revelam que as aes da justia
foram, em geral, cmplices das aes da ditadura.
Assim como em outros casos na Amrica Latina, tambm no Brasil a ditadura
no criou um aparato judicirio prprio, mas montou-se sobre a estrutura preexistente
para utiliz-la conforme seus interesses, incorporando, nesta lgica, as Justias Federal
(Lei n. 5.010, de 30 de maio de 1966), Estadual e Militar. Tambm foram nomeados
juzes adaptados ou coniventes pelo regime, que manejou pessoas, promoveu acordos e
estabeleceu procedimentos corporativos capazes de acomodar e adaptar as novidades do
aparato repressivo, como o reconhecimento do crime de subverso e a aplicao de
penas draconianas.
A busca pela verdade no pode prescindir de vasculhar a atuao do Judicirio
e de seus funcionrios, os mtodos utilizados para privilegiar as leis da ditadura em
detrimento dos direitos fundamentais, os laudos forjados, as denncias infundadas, as
omisses e conluios que resultaram no aparelhamento do Poder Judicirio para os fins
da represso. Sendo um dos poderes do Estado, levanta a discusso entre regimes de
governo e crimes de Estado. A discusso sobre crimes de Estado inclui o aparato do
Judicirio como um dos apoios fundamentais atuando no campo da legitimidade da qual
goza esse prprio poder estrutural do Estado brasileiro.
Outra perspectiva que pode ser aberta na investigao da relao ditadura-
judicirio est no plano das permanncias autoritrias. Ainda que existam muitos
crticos dentro do prprio Poder Judicirio, incluindo associaes progressistas e
defensoras da democracia e dos direitos fundamentais, segue sendo evidente a atuao
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corporativista de magistrados, acusadores e agentes de polcia na defesa de teses
adaptadas e coniventes com setores reacionrios de outrora e de hoje.
A conivncia do Judicirio com a ditadura no se restringiu aplicao da
legislao dos atos institucionais e leis severas no campo militar, mas abrangeu diversos
tipos de autoritarismo no exerccio da administrao da justia e da interpretao e
aplicao das leis, inclusive na esfera civil.
Assim, tanto quanto outros agentes polticos do Estado, tambm os membros
do Poder Judicirio, notadamente desembargadores dos tribunais estaduais e federais e
ministros superiores passaram inclumes e impunes da ditadura para a democracia,
tendo suas responsabilidades por atos cometidos durante o regime ignoradas, situao
esta legitimada pela cultura da cordialidade e do esquecimento que tende a prevalecer
at os dias de hoje. O papel das Comisses da Verdade est tambm em revelar a
atuao desses funcionrios pblicos que deveriam estar a servio dos direitos humanos
e da justia, resistindo ditadura e defendendo o Estado Democrtico de Direito.
Por outro lado, para a realizao da justia de transio no que se refere
dimenso da responsabilizao, etapa mais dramtica e que encontra os maiores
obstculos, tambm o Poder Judicirio que ocupa um papel protagonista por ser
aquele capaz de reabrir os caminhos para a responsabilizao de agentes da ditadura,
bem como de permitir a reparao das injustias histricas individuais e coletivas. o
Poder Judicirio aquele que possui competncia para permitir (ou impedir) a
possibilidade de reviso histrica do marco legal da represso, incluindo leis de anistia
em contextos autoritrios que serviram para tornar impunes os crimes de lesa
humanidade.
No Brasil o aparato judicirio foi conivente e, mesmo tendo passado mais de
duas dcadas, segue resistente em cumprir seu papel constitucional e convencional na
busca dos responsveis pelos crimes mais graves em matria de direitos humanos. O
judicirio brasileiro e, em especial, o Supremo Tribunal Federal, tem sido chamado a
decidir sobre temas de justia de transio no tocante verdade, reparao e justia.
Nesse sentido, ao Poder Judicirio cabe a dupla misso de, por um lado, permitir a
abertura de processos de reviso histrica para a reparao de erros do passado,
incluindo a possibilidade de anulao dos efeitos da Lei de Anistia quanto aos crimes de
lesa humanidade (sentena Gomes Lund da Corte Interamericana de Direitos Humanos);
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e, ao mesmo tempo, como j dito, no exerccio de rever seus prprios atos, admitir
que participou da excepcionalidade ao Estado de Direito, atuando como um elo da
estrutura de represso que, no mnimo, se omitiu diante do cometimento dos mesmos
crimes de lesa humanidade e outros.
nesta contradio de imaginar que o prprio Poder Judicirio poderia superar
o vcio histrico do corporativismo que se insere o papel das Comisses da Verdade ao
investigar a relao conivente entre ditadura e judicirio. Afinal, cabe a ele fazer a
reviso de sua prpria atuao dentro da ilegalidade sistmica da qual fez parte, o que
no encontra um panorama favorvel atualmente.
Neste sentido, o objetivo perseguido pelo Grupo de Pesquisa sobre Justia
Autoritria da UFRJ foi investigar a atuao do Poder Judicirio no Estado do Rio de
Janeiro durante a ditadura civil-militar brasileira (1964-1988), ou seja, a atuao de
magistrados, por vezes independente, por vezes colaborativa com o regime ditatorial.
Como delimitao geogrfica, o projeto teve como foco o Poder Judicirio no Estado do
Rio de Janeiro, centrando-se em trs casos especficos: a atuao da Justia Militar; a
atuao da justia comum no caso da empresa Panair do Brasil; e nos casos de atentados
com bombas, nomeadamente a Bomba da OAB e a Bomba do Riocentro, a atuao
tambm da Justia Federal.
A investigao seguiu uma metodologia especfica para atingir seus objetivos
em cada um desses casos:
Caso Panair do Brasil1
O tema do subgrupo dedicado ao estudo do caso Panair do Brasil diz respeito a
anlise da atuao do poder judicirio tanto nos aspectos da decretao da falncia da
empresa Panair do Brasil e consequentes atos que resultaram na sua extino, como na
perseguio aos empresrios, dirigentes e trabalhadores. O Caso Panair bastante
conhecido da realidade brasileira, possui ampla documentao e evidencia como o
regime militar contou com a colaborao de civis e da prpria magistratura para atingir
objetivos e interesses econmicos que o modelo autoritrio potencialmente
oportunizava. A participao de setores privados no caso Panair possibilita a
1 Coordenado pela Professora Caroline Proner.
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investigao sobre o que alguns entendem como a gnese da ditadura, entendendo que a
mesma contou com a colaborao e conivncia de civis para atingir determinados fins,
inclusive perseguir o de perseguir outros civis, empresrios e empresas.
Objetivos Gerais:
1. Compreender a extenso da perseguio poltica e dos danos aos afetados no
caso Panair do Brasil, entendendo este como paradigmtico do modus operandi em
relao ao gnero apropriao ilegal de empresas como parte do plano econmico e
de reestruturao do Estado por setores civis e militares, com a colaborao do poder
judicirio;
2. Especificamente o comportamento do poder judicirio, dos trs magistrados
que atuaram no caso e da trama de aes e reaes que envolveram o Estado, incluindo
a posio do Supremo Tribunal Federal que, em 18 de maio de 1966, rejeita o Mandado
de Segurana impetrado pela empresa e acata, por unanimidade, a deciso sumria da
decretao de falncia. Por fim, a defesa ininterrupta feita por meio de advogados da
empresa e dos empresrios em uma sequncia persecutria durante dcadas e que
conduziram destruio da empresa e do projeto de vida dos empresrios que tiveram
sua reputao aniquilada.
Objetivos especficos e metodologia:
1. Analisar os documentos do Arquivo Nacional diretamente correlacionados
com os empresrios Mario Wallace Simonsen provas de envolvimento com Juscelino
e Joo Goulart documentos secretos e acusatrios, que instruram o Ministrio da
Justia em Processo aberto 1969 visando ao enquadramento do empresrio no crime de
enriquecimento ilcito; (Objetivo alcanado parcialmente pela CNV Relatrio Final)
2. Analisar como uma empresa slida, solvente e de grande reputao (voou
de 1930 a 1965), tendo como scios majoritrios os empresrios Celso da Rocha
Miranda e Mario Wallace Simonsen, sem aviso prvio, sem ttulos protestados, sem
dvidas e com patrimnio de garantia, foi desmantelada pelo regime militar; (Objetivo
alcanado parcialmente pela CNV Relatrio Final)
3. Analisar as razes do regime militar que levaram ao fechamento e falncia
de empresas s quais eram geridas por scios ou empresrios que aparentemente no se
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alinhavam aos interesses dos militares ou de aliados do regime (linha de investigao do
extenso dossi encontrado no Arquivo Nacional de monitoramento da vida dos
empresrios); (Objetivo alcanado parcialmente pela CNV Relatrio Final)
4. Analisar a eventual coincidncia de beneficiamento de outras empresas e
companhias em detrimento do autoritarismo no mbito civil que atingiu a Panair
especificamente o episdio notrio do voo de 10 de fevereiro de 1965, suspenso do
voo da Panair para Frankfurt e imediata assuno, por parte da Companhia Varig, da
rota de voo com o embarque dos passageiros (o avio que j estava pronto para decolar
em rota indita para a Companhia), (Objetivo alcanado parcialmente pela CNV
Relatrio Final)
5. Identificar o processo de decretao da falncia da Empresa pelo ento
Presidente Castelo Branco e a consecutiva cassao ou suspenso das linhas areas.
Quando foi que o judicirio comeou a atuar e com que atos, com que justificativas,
quais magistrados especificamente atuaram no caso;
6. Analisar as consequncias em decorrncia do fechamento da empresa a 5
mil funcionrios e suas famlias, houve tambm suicdios, entre os quais aqueles que
pediram indenizao por razes diversas (fechamento no dia do pagamento 10 de
fevereiro). Como agiu o judicirio diante dos pedidos de indenizao?;
7. Analisar a extenso da perseguio e o atingimento de outras empresas do
grupo Simonsen-Rocha Miranda, incluindo a TV Excelsior, companhias de seguro, a
CELMA, entre outras, se existir tempo, e se for tambm flagrante a atuao do
judicirio nesses casos; (Objetivo alcanado parcialmente pela CNV Relatrio Final);
8. Analisar o processo de nomeao de Procurador da Repblica com a
funo especfica de perseguio da Panair do Brasil. A acusao de que haveria essa
nomeao, como afeta as decises do judicirio?;
9. Analisar a sindicncia do Processo de falncia da Panair assumido pelo
Banco do Brasil e a liquidao de patrimnios no exterior e sem leilo por quantias
irrisrias? Bem como o confisco de avies que passaram a ser operados por outras
companhias que adquiriram por metade do preo internacional (Varig e Cruzeiro do
Sul). Como atua o judicirio?;
10. Analisar os processos de indiciamento dos diretores e gestores da Panair
por crimes falimentares e o resultado desses processos e analisar os laudos sobre crimes
falimentares considerados falsos pela justia posteriormente. Como foi o
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comportamento do judicirio nesses casos? Havia fora de opinio pblica que pode ter
influenciado a deciso final?;
11. Analisar o resultado dos processos sobre eventual abuso de autoridade e
difamao imposto pessoa jurdica Panair, sobre as denunciaes caluniosas
praticadas contra seus scios majoritrios e gestores e sobre o esbulho possessrio
cometido em relao s suas propriedades. Como foi o comportamento do judicirio
nesses casos?;
12. Analisar o pedido de abertura do CGI para investigar enriquecimento
ilcito e a exposio de motivos que inicialmente conclui que o empresrio seria o
grande beneficirio dos enormes prejuzos causados Unio. Em seguida analisar a
consequente devassa fiscal solicitada pela mesma exposio de motivos, devassa da
Panair e de outras empresas atravs na nomeao de diversos fiscais de imposto de
renda a fim que examinem os livros de contabilidade devassa entre 1965 e 1978.
Comparao desses documentos com a anlise dos resultados da CGI que demonstra
que no havia esses crimes - em sntese, de toda a documentao carreada no bojo dos
autos, no emerge fato relevante caracterizao de enriquecimento ilcito e sonegao
fiscal;
13. Em suma dos itens anteriores: Analisar como o Estado utilizou de todos
os meios possveis, inclusive o Judicirio, para obter os resultados da aplicao dessa
Poltica contra a Panair do Brasil, em especial por meio da: Convolao em Falncia da
sexta para segunda sem pedido ou existncias de credores; Participao pessoal do
Ministro da Aeronutica na Vara; Juiz com assistncia de advogados da Varig,
Generais, Coronis; Cpia de qualquer despacho compulsoriamente dirigida ao SNI;
Sndicos indicados pela Aeronutica; No aprovao das contas do Sindico Banco do
Brasil; Segundo Sindico espoliou o patrimnio; Processo de Exceo de suspeio
contra o Juiz da Vara; Cobranas de valores irreais para manter a empresa falida;
Perseguio Continuada, com a utilizao de Decretos Inconstitucionais.
14. Vale frisar a hiptese a respeito da persecuo continuada e ininterrupta,
primeiro empresa e, na sequncia, por vezes concomitantemente, aos empresrios,
gerando uma conexo persecutria ao longo do tempo desde 1965 at os dias atuais,
tendo em vista que o Decreto 496 de 1969 no foi revogado e permanece em vigor o
impedimento de exercer sua atividade econmica (Decreto 496 de 11 de maro de 1969,
cito: as empresas de transporte areo ficam impedidas de operar aeronaves ou explorar
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servios areos de qualquer natureza durante ou depois do encerramento dos processos
de sua liquidao, falncia ou concordata).
Apresentao das Fontes
A seguir listamos os principais documentos e a descrio do contedo de cada um.
(1) Doc. Panair do Brasil EXPLICAES PRESTADAS PELO GOVERNO AO STF
FALNCIA DA PANAIR. (44 pginas)
a) Transcrio das acusaes originais atribudas PANAIR por parte do Governo e as
consequentes explicaes prestadas ao STF, firmadas pelo Ministrio da Aeronutica
(Marechal do Ar Eduardo Gomes) por ocasio do Mandado de Segurana impetrado
pela empresa. O documento inclui os motivos para falncia de dissoluo, a indicao
judicial da massa falida, a situao econmico financeira da empresa, subveno e
auxlios financeiros concedidos, indicao de manobras financeiras para obter capital de
giro e diversas outras alegaes contra a empresa e os acionistas majoritrios, contesta
os motivos do Mandado de Segurana. Faz meno ao laudo pericial (posteriormente
considerado falso pela justia);
(2) Doc. Seabra DA ARGUIO E EXPLICAO (17 pginas)
a) Resposta da Panair transcrio das acusaes originais atribudas PANAIR por
parte do Governo e as consequentes explicaes prestadas ao STF, firmadas pelo
Ministrio da Aeronutica (Marechal do Ar Eduardo Gomes) por ocasio do Mandato
de Segurana impetrado pela empresa;
b) Resposta ao discurso proferido pelo Senador Agripino Maia;
c) Esclarecimento por parte da empresa elaborado pelo jurista Miguel Seabra Fagundes.
(3) Doc. Panair do Brasil 3 PARECER DO PROCURADOR GERAL DE JUSTIA
AO EGREGIO CONSELHO DA MAGISTRATURA FALNCIA DA PANAIR (41
pginas)
a) Parecer do Procurador Geral da Republica Dr. Leopoldo Braga. Meno no
documento transformao do caso de falncia em escndalo nacional, meno aos
principais jornais da poca com referncias exatas das publicaes (arquivo);
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(4) Doc. Victor Nunes Leal. EXECUTIVO DA UNIO CONTRA A MASSA FALIDA
DA PANAIR DO BRASIL.
a) Documento que contm o pedido de anulao do processo para que se apure,
contenciosamente, no s o valor dos bens da Panair, tomados em pagamento, como
tambm cada uma das parcelas do crdito da Unio, a ser compensado com valor
indicado.
(5) Cpia DECRETO-LEI 474, DE 19 DE FEVEREIRO DE 1969.
a) Inclui o artigo 3 Para efeito de aplicao das normas do Decreto-lei n 960, de 17
de dezembro de 1938, entendem-se, tambm, por dvida ativa os crditos da Unio
Federal, Distrito Federal, Estados e Municpios, ou de suas agncias financeiras,
decorrentes de contratos ou operaes de financiamentos, ou de sub-rogao de
garantia, hipoteca fiana ou aval.
(6) Doc. ACORDAO STF 19/12/1980 (43 pginas)
a) Conhecido e provido o recurso da falncia. Prejudicado o da massa falida.
(7) Doc. CRM. DOSSIE JORNAIS E REVISTAS SOBRE CELSO DA ROCHA
MIRANDA (10 pginas)
a) Matria sobre Celso da Rocha Miranda Revista Manchete edio 10 aniversrio
(8) Doc. APENSO I (165 pginas)
a) Enviado pelo Delegado da Receita Federal do Estado da Guanabara ao Presidente da
Subcomisso Geral de Investigao da Guanabara. Contra Celso da Rocha Miranda
documentos de 1969 juntada de imposto de renda, recibos de rendimento, declarao
de bens, documentos de empresas estrangeiras, relao e clientes, inclui documentos
sobre a Companhia de Seguros do grupo, informe de rendimentos, extratos de banco etc.
(9) Doc. ARQUIVO NACIONAL ORIGINAL (82 pginas)
a) Documentos secretos do CISAR - difuso SNI sobre Celso da Rocha Miranda: (...)
Celso da Rocha Miranda forte influncia na estruturao dos negcios da Industria de
Materiais Blicos do Ministrio do Exrcito (IMBEL)
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b) (...) acusao de maquinaria perigosa que conduziu a Panair do Brasil falncia...
c) Concluso da investigao sumria da aeronutica.
d) Documentos sobre apoio econmico, donativos e contribuies a candidatos e
campanhas eleitorais.
e) Informe da Polcia Militar do Quartel do Comando Geral do Estado Maior So Paulo
documentos com leitura prejudicada, m qualidade da reprografia.
f) Doc. Ministrio das Relaes Exteriores Diviso de Segurana e Informaes
informaes sobre a Fundao Casas do Brasil no Exterior, do qual Celso da Rocha
Miranda presidente vitalcio (Londres, Madrid ...);
g) Documento original que aponta CRM como scio fundador da Sociedade Bolivariana
do Brasil;
h) Documentos da Subcomisso Geral de Investigaes sobre bens e valores da empresa
sigilo incluindo a relao de outras empresas do grupo a fim de apreciar
irregularidades (1973);
i) Resultado do inqurito atribuindo ao grupo a reponsabilidade.
(10) Doc. ARQUIVO NACIONAL RESULTADO DO PROCEDIMENTO
SUMRIO (4 pginas)
a) Aps apurao por fraude fiscal de RUBENS BERNARDO, gerente/administrador
responsvel, este tem seu mandato cassado pelo prazo de 10 anos.
b) Tambm Celso da Rocha Miranda incriminado no inqurito e sugesto para que
seja condenado por crime de sonegao fiscal.
(11) Doc. VOLUME I - PDF (211 pginas)
a) Cpia integral do I volume do processo perante a subcomisso Geral de Investigao
da Guanabara.
(12) Doc. VOLUME I - PDF (362 pginas)
a) Cpia integral do II volume do processo perante a subcomisso Geral de Investigao
da Guanabara.
(13) Doc. VOLUME I - PDF (374 pginas)
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b) Cpia integral do III volume do processo perante a subcomisso Geral de
Investigao da Guanabara.
(14) Cpia Exposio para a audincia pblica sobre o Caso Panair, CNV Daniel Leb
Sasaki (13 pginas)
a) Jornalista, autor do livro Pouso Forado e de documentrios onde resgata a memria
de Wallace Simonsen. Grupo Editorial Record. Depoimento perante a Comisso
Nacional da Verdade.
(15) Cpia Apresentao Rosa Cardoso audincia pblica sobre o Caso Panair
a)Transcrio da abertura da Audincia Pblica e Discurso Rosa Cardoso.
(16) Cpia Carta de Rodolfo da Rocha Miranda Comisso Nacional da Verdade
a)Indicao dos documentos entregues CNV e do dossi.
(17) Cpia Carta da Comisso Nacional da Verdade Rosa Cardoso a Rodolfo da
Rocha Miranda
a) Comprometimento.
(18) Cpia Dossi A DESTRUIO PATRIMONIAL E MORAL DE UM
PERSEGUIDO POLTICO
a) Representao para abertura de investigao tortura indireta ao empresrio
juntada de documentos que comprovam a perseguio poltica por parte do empresrio
Celso da Rocha Miranda (112 pginas)
b) A candidatura de JK e a participao de CRM;
c) As ligaes polticas do empresrio;
d) As empresas participantes do grupo empresarial;
e) Os atos de perseguio poltica (CISA, Comisso de Investigao Sumria, Devassa
Fiscal), o Caso Ajax, o Caso Prospec S/A, o Caso Companhia Internacional de Seguros,
Comisso Geral de Inqurito (enriquecimento Ilcito);
f) Era Ps Geisel e Acordo Presidente Joo Figueiredo;
g) Extrato de documentos enviados pelo Arquivo Nacional
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Segue abaixo a descrio das tarefas executadas mensalmente:
Abril 2014 Apresentao do caso
Maio 2014 Reunies regulares com o grupo de pesquisa.
Junho 2014 Reunio especfica para definir a metodologia de anlise dos documentos,
referncias bibliogrficas e definio de tarefas;
Julho 2014 Entrega do primeiro relatrio parcial com as impresses iniciais aps anlise
documental;
No dia 15 de julho de 2014, das 14h s 16h, as Professoras Carol Proner,
Vanessa Batista e a pesquisadora Lusmarina Campos Garcia estiveram
reunidas com a advogada Eny Moreira, ocasio em que obtiveram acesso a
uma srie de documentos que haviam sido entregues pela Comisso Nacional
da Verdade por ocasio da realizao da Audincia Pblica do Caso PANAIR
(27/03/2013).
Agosto 2014 Reunies regulares com os demais subgrupos para definio do marco terico
da pesquisa;
Setembro 2014 Contato com o jornalista e autor do livro Pouso Forado, Daniel Sasaki, para
coleta de mais informaes sobre o caso Panair do Brasil;
Outubro 2014 Incorporao do pesquisador Ricardo Azevedo ao subgrupo Panair do Brasil e
definio de tarefas para elaborao do segundo relatrio parcial;
Novembro 2014 Entrega do segundo relatrio parcial do subgrupo Panair do Brasil, j
incorporando pedidos especiais CEV Rio para complementao de
documentao, entre os quais o contato com a famlia do empresrio Celso da
Rocha Miranda;
Dezembro 2014 Apresentao das concluses do relatrio parcial em reunio na Comisso
Estadual da Verdade. Expectativa com a divulgao do Relatrio Final da
Comisso Nacional da Verdade no que se refere ao marco da ditadura civil-
militar e os empresrios perseguidos;
Janeiro 2015 Anlise do Relatrio Final da Comisso Nacional da Verdade no que se refere
ao marco da ditadura civil-militar;
Fevereiro 2015 Primeiro contato com a famlia Panair e o empresrio Rodolfo da Rocha
Miranda
Maro 2015 Reunies regulares com a presena do empresrio Rodolfo da Rocha Miranda
que aportou documentos complementares para a pesquisa.
Abril 2015 Entrega do terceiro relatrio parcial do subgrupo Panair do Brasil
Maio 2015 Reunies regulares com a presena do empresrio Rodolfo da Rocha Miranda
que aportou documentos complementares para a pesquisa.
Junho 2015 Reunies regulares com os demais subgrupos para aplicar marco terico
pesquisa e definir recomendaes;
Julho 2015 Realizao de reunio com o grupo de pesquisa, o jornalista Daniel Sasaki e o
empresrio Rodolfo da Rocha Miranda com o fim de elucidar questes
adicionais aps anlise da documentao final apresentada.
Entrega do Relatrio Final subgrupo Panair do Brasil
Caso da Justia Militar2
Esta parte especfica da pesquisa investiga a atuao concreta da Justia Militar
do Rio de Janeiro (JMRJ), na qual foram julgados um grande nmero de presos
polticos no perodo da Ditadura Civil-Militar (1964-1985), e sua colaborao efetiva
2 Coordenado pela Professora Luciana Boiteux
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com o projeto poltico da ditadura, na represso e neutralizao da resistncia poltica ao
regime. A fonte de anlise ser uma seleo de processos criminais julgados pelas
auditorias do Rio de Janeiro iniciados no perodo entre 1964 e 1971 (e os seus recursos
aos tribunais superiores), os quais foram lidos em profundidade e estudados por meio de
uma metodologia qualitativa.
O objetivo geral da investigao deste subgrupo compreender como se deu a
atuao da JMRJ e de seus magistrados, no perodo indicado, suas ambiguidades, papel
histrico e as alteraes legislativas que a instrumentalizaram para essa tarefa. Dentre
seus objetivos especficos, podemos apontar:
1. Analisar as modificaes constitucionais que serviram de embasamento para
o regime militar;
2. Compreender o desenho institucional da Justia Militar, sua estrutura
normativa e as alteraes legislativas (constitucionais e infraconstitucionais) que
incidiram diretamente nos processos contra crimes polticos, como reflexo das
necessidades de controlar/reprimir a resistncia ao regime ditatorial;
3. Estudar a atuao da Justia Militar de primeira instncia no Rio de Janeiro
(1a. CIJ), seu funcionamento e de os personagens (juzes e acusados), por meio da
anlise dos processos selecionados representativos dos casos de crimes polticos;
4. Analisar denncias de tortura formalmente levadas ao conhecimento da
Justia Militar e verificar como esses casos eram tratados pelos magistrados, verificando
se havia conivncia ou resistncia tortura;
5. Identificar permanncias autoritrias daquele perodo que ainda sejam
percebidas nos dias de hoje, especialmente no que se refere ao desenho institucional da
Justia Militar no Brasil atual, 50 anos aps o Golpe;
6. Realizar mapeamento dos locais de memria desses julgamentos e propor
medidas de resgate histrico (ex. Antigo prdio do STM na Praa da Repblica-RJ, ao
lado da FND).
A partir desses objetivos, a hiptese da qual partimos a de que a Justia
Militar atuou de modo conivente e colaborativo com a Ditadura, e foi elemento
essencial na construo do projeto militar autoritrio instaurado no pas (legitimando as
-
16
leis autoritrias e atuando como essencial apoio jurdico na represso aos opositores ao
regime).
Assim, nos propomos a responder as seguintes questes sobre a atuao da
Justia Militar do Rio de Janeiro no perodo estudado:
1. O Governo Militar tinha controle sobre a Justia Militar e a orientava, ou
esta tinha ainda alguma autonomia e conseguia atuar de forma legalista dentro do
limite determinado pelas leis autoritrias da poca? Como isso ocorreu nos perodos (ou
fases) da Ditadura?
2. Houve violao de direitos nos julgamentos analisados? Indicar exemplos
concretos e artigos de lei violados.
3. Os magistrados eram independentes, adaptados ou coniventes? Uma vez que
as alteraes legislativas e os procedimentos foram efetuados de acordo com as
necessidades dos governos militares conforme as demandas polticas por maior ou
menor represso, como se verificava, na prtica, a atuao da Justia Militar quanto s
provas para levar condenao, as penas aplicadas e as denncias de tortura?
A Metodologia utilizada a qualitativa e o estudo do tema se far por meio da
compreenso do arcabouo legal construdo pela ditadura, que foi a base tanto para o
funcionamento do regime militar como especialmente para definir o papel da Justia
Militar nesse desenho institucional autoritrio articulado com a leitura e anlise da
ntegra das peas de uma amostra de processos que tramitaram na 1a. Circunscrio de
Justia Militar situada no Rio de Janeiro. Assim, foram realizados:
1. Levantamento das normativas sobre a Justia Militar e as alteraes
legislativas (constitucionais e infraconstitucionais) entre 1964-1988, com descrio de
seu funcionamento e da legislao penal-militar aplicvel;
2. Coleta e anlise qualitativa de sentenas da Justia Militar do Rio de Janeiro
no perodo entre 1964 e 1974 por crimes polticos, identificao e seleo de casos
emblemticos por perodo, levando em conta: interesse histrico, importncia poltica
do acusado(a), relevncia do caso (ex. denncia de tortura, precedente, etc.); setor ao
qual estava vinculado o acusado (religioso, sindical, organizao poltica, etc.);
3. Aplicao de questionrio para anlise das sentenas/acrdos, da 1a.
Instncia/STM com base nas questes indicadas nos objetivos especficos (Anexo I -
Questionrio) e redao de resumo analtico com os achados mais importantes (Anexo
-
17
II Resumos Analticos);
4. Realizao de entrevistas com atores-chave que atuaram nesses processos:
juzes, advogados, acusados (Anexo III Transcrio das Entrevistas);
5. Reviso de obras e artigos de diferentes reas do saber: jurdicos, cincias
sociais e histria sobre o perodo, incluindo livros com entrevistas e narrativas de
advogados que atuaram na ditadura;
6. Levantamento e anlise de documentos e fontes nos arquivos da Ditadura
(Arquivo Nacional e APERJ) referentes aos casos estudados, por meio de palavras-
chave tais como: nome do acusado, codinome, data da priso, organizao qual
pertencia, local de atuao, nmero do processo na Justia Militar (Anexo IV Pesquisa
nos Arquivos);
Em relao a esse ltimo item da metodologia, vale a pena destacar a
apresentao das fontes consultadas na pesquisa, a seguir indicadas:
Apresentao das Fontes
A documentao utilizada nesta pesquisa constitui-se de seleo de processos
criminais contra presos polticos julgados pela Justia Militar Federal do Rio de Janeiro
no perodo da Ditadura civil-militar brasileira (1964-1985). A escolha de processos
julgados no Rio de Janeiro a serem estudados se deveu a dois fatores: i) pelo fato de a
Comisso da Verdade do Rio de Janeiro ter como objeto de anlise o Judicirio militar
deste Estado; ii) o grande nmero de processos julgados no Rio de Janeiro, o que
demonstra centralidade poltica da represso e da atuao da Justia Militar no referido
estado, que totalizou 28% dos processos julgados no Brasil (de 708 processos totais
digitalizados, 200 foram julgados no Rio de Janeiro dados referentes ao banco de
dados do Projeto Brasil Nunca Mais - BNM3), como se verifica da tabela abaixo:
Estado Nmero de
Processos
%
AM 4 1%
BA 32 5%
CE 37 5%
DF 24 3%
ES 6 1%
GO 12 2%
3 Disponvel em: http://bnmdigital.mpf.mp.br/#!/.
-
18
MA 1 0%
MS 1 0%
MG 58 8%
PA 8 1%
PB 7 1%
PR 35 5%
PE 44 6%
PI 4 1%
RJ 1984 28%
RN 14 2%
RS 49 7%
RO 2 0%
SC 10 1%
SP 161 23%
SE 1 0%
Total 708 100%
Assim, a JMRJ pode ser considerada como parte representativa da atuao da
Justia Militar no Brasil, no s pelo grande nmero de processos, como por ter sido
palco de intensa luta de resistncia ao regime e de feroz represso. Para Modesto da
Silveira, isso ocorria porque "aqui se concentrava a massa de interesse poltico e
militar".5
Do ponto de vista da organizao da Justia, no Rio de Janeiro se situavam,
Auditorias Militares (1a. Instncia), compostas por um juiz togado e quatro oficiais das
Foras Armadas e, at 19736, a segunda instncia da Justia Militar, o Superior Tribunal
Militar (STM), composto por dez juzes togados e cinco militares.
Registre-se que a presente investigao, at pelo seu limitado tempo de
concluso, no teve por escopo buscar acesso a todos os processos polticos julgados
pela justia castrense no Brasil naquele perodo, mas sim teve como objetivo realizar
uma anlise qualitativa tendo como ponto de partida os processos disponveis no Banco
de Dados BNM7 acessveis na internet, o que indica que possvel que haja outros
4 Segundo o projeto Brasil Nunca Mais, h 200 processos do Rio de Janeiro, porm, dois dos processos
relacionados eram de outros Estados, sendo o total correto 198, conforme constou da tabela. 5 Entrevista de Modesto da Silveira (SPIELER e QUEIROZ 2014).
6 Este, alis, foi o ltimo tribunal superior a mudar-se para Braslia, o que ocorreu somente em 1973, visto
que a mudana de capital se deu em 1960, sendo os demais tribunais transferidos logo em seguida. 7 O projeto Brasil: Nunca Mais BNM foi desenvolvido pelo Conselho Mundial de Igrejas e pela
Arquidiocese de So Paulo nos anos oitenta, sob a coordenao do Rev. Jaime Wright e de Dom Paulo
Evaristo Arns. A iniciativa teve trs principais objetivos: evitar que os processos judiciais por crimes
polticos fossem destrudos com o fim da ditadura militar, tal como ocorreu ao final do Estado Novo,
obter informaes sobre torturas praticadas pela represso poltica e que sua divulgao cumprisse um
papel educativo junto sociedade brasileira Mais de 900 mil pginas de processos foram copiadas e
microfilmadas poca. Por temor que os processos fossem destrudos, o material foi enviado aos Estados
Unidos pelo Conselho Mundial de Igrejas, posteriormente digitalizado e sua anlise e divulgao do livro
-
19
processos que no estejam compilados em tal banco de dados. A opo metodolgica de
partir dessa fonte decorre de sua ampla acessibilidade, pela rede mundial de
computadores, diante do limitado tempo limite da investigao e das dificuldades de
acesso aos originais.
Com essa ressalva acima, para definir a nossa amostra, o nosso ponto de
partida foram os processos j sumariados8 pelo Ministrio Pblico Federal no momento
do incio da pesquisa. Assim, nossa seleo inicial teve por base os primeiros 50
processos sumariados disponibilizados em maro de 2014, dos quais 18 eram referentes
aos casos julgados pelas auditorias da 1a. Circunscrio da Justia Militar da Unio,
localizada no Rio de Janeiro (recorte geogrfico). Como posteriormente o nmero de
processos sumariados alcanou o total de 708, conforme foi avanando o trabalho de
organizao pelo MPF, ampliou-se a amostra inicial para o total de 27 processos
julgados pela1a. CJM (RJ) que foram lidos e estudados em sua integralidade.
Tal escolha levou em considerao a necessria ponderao na escolha que
levasse em conta o nmero de processos por perodo, por setor ao qual estavam
vinculados os acusados (setores religioso, sindical, poltico, jornalista e estudantil, que
eram os mais frequentes). O critrio de seleo, de forma complementar, levou ainda em
conta o interesse histrico, importncia poltica do acusado(a), relevncia do caso e sua
especificidade (ex. denncias de tortura, acusado menor de idade, etc.), bem como a
representatividade das diversas organizaes polticas envolvidas:
Vejamos abaixo:
Brasil Nunca Mais, lanado em 15 de julho de 1985, quatro meses aps a retomada do regime civil,
estando este atualmente na sua 40a. Edio. Vide http://bnmdigital.mpf.mp.br/#!/o-que-e-o-bnm. Sem
esse esforo, possivelmente o Brasil no teria nunca tido acesso essa realidade de violao a direitos
humanos verificada nos processos contra presos polticos na ditadura. 8 O Ministrio Pblico Federal realizou o trabalho de organizar digitalmente as peas judiciais dos
processos, por meio de sumrios cujo ndice est disponvel no site com indicaes das peas principais e
descries dos casos, com o objetivo de estudar a possibilidade de abertura de processos criminais de
responsabilizao por violaes a direitos humanos praticados durante a Ditadura civil-militar. Segundo
consta do site, impulsionado pela vontade de tornar mais detalhada e produtiva a pesquisa no acervo do
BNM Digital, o Ministrio Pblico Federal coordenou um trabalho de leitura, compilao e classificao
de informaes relevantes de cada um dos 710 processos, organizando-as sob a forma de um Sumrio.
Diversas informaes do Sumrio trazem links para a pgina do processo do qual foram extradas,
facilitando o acesso fonte originria. Vide: http://bnmdigital.mpf.mp.br/sumarios/ .
-
20
Assim, foram lidos e estudados em profundidade 27 processos, todos julgados
na 1a. CJM (Rio de Janeiro), de acordo com a seguinte especificao: um processo
referente ao setor religioso BNM 04 (n. 7423/64); trs do setor militar: BNM 25 (proc.
1574/64), BMN 45 (proc. 8255/64), BNM 48 (Proc. 8180/64); dois processos do setor
sindical: BNM 31 (proc. 235/64), BNM 32 (proc. 1650/65); um do setor jornalista:
BNM 154 (proc. 146/71); um do setor estudantil: BNM 509 (proc. 49/68);dezesseis
processos do setor poltico: trs casos referentes ALN (BNM 22 (proc. 12/70), BNM
27 (proc. 1520/71), BNM 44 (proc. 677/69)); um caso ALN+COLINA: BNM 29 (proc.
41/68); dois casos referente VAR-Palmares: BNM 30 (proc. 29/70) e BNM 57
(proc.01/72); um processo sobre o PCBR: BNM 33 (proc. 20/70); um sobre a POLOP:
BNM 34 (8216/65); quatro processos sobre o MR-8: BNM 36 (proc. 1651/73), BNM
112 (proc. 1.542/72), BNM 74 (proc. 56/71) e BNM 166 (proc. 1683/73); um caso da
VPR (proc. 47 (18/71); um do PC do B: BNM 439 (proc. 10/71); um do PCB:BNM 347
(proc. 69/70-C) e um referente a um deputado federal:BNM 78 (proc. 56/70-C); alm de
trs de setores no identificados:BNM 06 (proc. 7470/64), BNM 17 (proc. 7477/69) e
BNM 23 (proc. 7500/66).
Destaque-se que essa classificao em setores no esgota as possibilidades,
nem as combinaes, sendo certo que algumas categorias se sobrepem, como por
exemplo, setores poltico e estudantil, ou setor militar e sindical que podem ser referidos
no mesmo caso. Outra importante categoria no expressada nessa conceituao do BNM
Setor No. de
Processos RJ
% Processos
analisados
%
Org./Partidos 138 70% 16 57,14%
Militar 21 9.5% 3 11,11%
S/I 20 9.5% 3 7,14%
Sindical 9 5% 2 7,14%
Jornalistas 5 2.5% 1 3,57%
Estudantil 4 2% 1 3,57%
Religioso 1 0.5% 1 3,57%
TOTAL 198 100% 27 100%
-
21
foram os casos de represso no campo, aqui representado nos casos BNM 17 e 57.
Entendemos que essa amostragem de casos representativos e emblemticos nos permite
ter uma viso ampla da atuao da JMRJ.
O recorte temporal para a seleo das fontes de pesquisa inicialmente traado
iria de 01.04.1964 (data do Golpe) at o final do ano de 1980, para se alcanar a
aplicao da Lei de Anistia havendo notcias de que isso teria ocorrido nos processos at
meados de 1980. Porm, diante da disponibilidade da base de dados e a verificao da
reduo do nmero de processos instaurados a partir de 1974, bem como do longo
tempo que estes demoravam a ser concludos, e considerando que a nossa proposta de
investigao se baseava no acompanhamento desses casos at a sua concluso, optamos
por limitar o alcance temporal inicialmente proposto, em relao aos casos iniciados.
Assim, nessa primeira etapa, decidimos no analisar processos iniciados partir de 1974,
quando a prpria atuao dos tribunais militares reduziu muito, mas isso poder ser feito
a partir da 2a. Etapa da pesquisa.
Por uma questo metodolgica, portanto, escolhemos analisar os processos
divididos por perodos/fases, relacionados s circunstncias da competncia da Justia
Militar e de fatos histrico-poltico, como indicado abaixo:9
1a. Fase: 1964-1965 - do Golpe at a ampliao da competncia da JM pelo AI-
2.10
Processos iniciados nessa fase: n. 04, 06, 25, 31, 32, 34, 45, 48
2a. Fase: 1965- 1968 - do AI- 2
11 at o AI-5, que proibiu o HC para crime
poltico. Processos iniciados nessa fase: n. 23, 29
3a. Fase: 1968 1974 do AI-5
12 at o fim do Governo Gal. Mdici (1969-
1974), incluindo a parte final do Governo Costa e Silva (1967-1969).13
Processos
9 Por opo metodolgica, a anlise no incluir processos da 4
a. Fase: 1974 1979 e da 5
a. Fase: 1979-
1980. 10
Em 1964, teria havido absolvies de presos polticos na Justia Comum, o que teria levado demanda
por transferncia da competncia da Justia Militar. H notcias de que os militares no confiavam na
Justia Comum, porque vrios inquritos foram arquivados havia juzes que absolviam os acusados por
crimes contra a LSN - ex. Basileu Ribeiro Filho. Cf. Entrevista de Tcio Lins e Silva, SPIELER e
QUEIROZ 2014:753. 11
Pelo Ato Institucional n. 2 (editado em 27/10/1965), a Justia Militar teve sua jurisdio modificada e
passou a ser responsvel pelo julgamento no s de militares, mas tambm de civis enquadrados na Lei de
Segurana Nacional. 12
O Ato Institucional n. 05 foi editado em 13.12.68. 13
Aponta-se o ano de 1971 como sendo o perodo que deu incio a um processo de intensificao do
combate s organizaes armadas de esquerda pela Ditadura (torturas, prises ilegais, Centros de
interrogatrios e execues). Questo que se coloca: teriam sido reduzidos ou intensificados os processos
contra autores de crimes polticos nesse perodo?
-
22
iniciados nessa fase: n. 17, 22, 27, 30, 33, 36, 44, 47, 57, 74, 78, 112, 154, 166, 347,
439, 509.
A comparao entre os perodos mostra-se essencial pois, apesar de a Ditadura
no ter criado um judicirio prprio, utilizou a estrutura preexistente para atender a seus
interesses, tendo ampliado, em 1965, a competncia da Justia Militar para julgar casos
envolvendo civis, justamente em decorrncia da resistncia poltica ao Golpe.
Os pesquisadores, ento, procederam leitura e anlise em profundidade dos
27 processos judiciais selecionados, desde o seu incio, a partir das primeiras pginas
dos inquritos, passando pelas audincias, depoimentos, acareaes, alegaes at as
sentenas proferidas pelas Auditorias da JMRJ e os respectivos julgamentos dos
recursos e habeas corpus pelos tribunais superiores, STM e STF, e aplicaram um
questionrio para anlise das sentenas/acrdos, da 1a. Instncia/STM/STF (Anexo I),
depois resumido em um sumrio analtico aprofundado, com base nas questes
indicadas nos objetivos especficos.
Em um segundo momento da pesquisa, depois que foi iniciada a leitura dos
processos, foram realizadas entrevistas com atores-chave que permitiram aprofundar as
anlises a partir da experincia de pessoas que atuaram como advogadas naquele
perodo: Rosa Maria Cardoso, Arthur Lavigne, Luiz Felipe Monteiro, Antonio Modesto
da Silveira e Eduardo Seabra Fagundes14
e realizada reviso bibliogrfica, notadamente
obras de referncia da rea de Histria e livros com depoimentos de advogados que
atuaram na Justia Militar poca.15
Foram usadas como fontes secundrias entrevistas realizadas com outros atores
como ministros do STM e advogados e o depoimento produzido pela CNV do Juiz
Auditor da Justia Militar de SP, Nelson da Silva Machado Guimares16
, alm de
entrevistas realizadas e transcritas pelo CPDOC/FGV.17
14
Na 2. Parte da pesquisa iremos ampliar esse rol de entrevistados para incluir Eny Moreira, Cezar
Benjamin, Lucia Murat, Tecio Lins e Silva e Jesse Jane, personagens importantes para compreender o
perodo, os quais no foram ainda entrevistados por uma questo de agenda, j tendo alguns deles sido
contatados pelos pesquisadores. 15
BARANDIER 1994; FRAGOSO 1984; SPIELER e QUEIROZ 2014; SA, MUNTEAL e MARTINS
2010. 16
Disponvel no link https://www.youtube.com/watch?v=Ud4NKjw3_o4 17
Dossi CPDOC/FGV, disponvel em: http://cpdoc.fgv.br/justicamilitar contm entrevistas sobre vrios
temas, dentre eles a atuao da Justia Militar durante o Regime Militar (1964-1985). Trata-se de um
conjunto de 12 entrevistas realizadas entre 2005 e 2006 durante a realizao de uma pesquisa sobre os
200 anos de Justia Militar no Brasil, sob a coordenao de Maria Celina DAraujo e Celso Castro.
Dentre os depoentes, encontram-se 10 ministros do STM, alm de dois advogados que se relacionaram,
de modos distintos, com a Justia Militar.
-
23
Portanto, a presente investigao ter como fonte principal as sentenas de
primeira instncia das Auditorias Militares do RJ e os seus acrdos respectivos,
julgados em segunda instncia pelo STM. Sero verificados na anlise como eram
proferidos os julgamentos, se julgadores se curvavam aos anseios da represso poltica
ou se mantinham uma postura garantista. No STM, considerando que, de um lado, havia
ministros, como o General Peri Bevilacqua (nico ministro do STM aposentado pelo
AI-5) tidos como garantistas assim como outros apoiadores do Golpe desde a primeira
hora18
, ser analisado como essas posies eram manifestadas nos votos, em temas
como penas aplicadas, admisso da tortura, preconceitos/rtulos ideolgicos aplicados
aos acusados, dentre outros. (Anexo I - Questionrio).
Alm disso, realizamos um levantamento de fontes dos arquivos da Ditadura
(Arquivo Nacional e APERJ) referentes aos casos estudados, por meio das seguintes
palavras-chave: nome do acusado, codinome, data da priso, organizao qual
pertencia e local de atuao (Anexo IV Pesquisa nos Arquivos).
Este tipo de documentao levantada pode ser classificado, conforme Barros
200519
, como documentaes oficiais, diferentes da documentao privada que
produzida ao nvel das vidas individuais: os relatos de viagem, os dirios pessoais,
correspondncias entre particulares. Barros enumera vrios tipos de fontes desta
natureza: inventrios e registros fiscais, censitrios, testamentrios, cartoriais, e
paroquiais, por exemplo.
Este o caso das fontes selecionadas para esta anlise acerca do Judicirio na
Ditadura ps-64, posto tratar-se de documentao oriunda dos sistemas repressivos e
ligados justia e polcia. BARROS 2005, tratando das questes terico-
metodolgicas em torno da Histria Social, observa o valor deste tipo de fontes, posto
que lanam luz a elementos normalmente invisveis - como as vitimas e os
perseguidos pelo poder vigente atravs de depoimentos, confisses e sentenas. Tais
registros so importantes tambm por sua diversidade, pois a maneira como devem ser
18
SILVA 2014:753 afirma que o STM era composto por oficiais generais que tinham participado do
Golpe e que era o prprio poder representado na Justia Militar e aponta que os oficiais generais que
foram nomeados, no fim de carreira, ao STM: Olympio Mouro Filho, que iniciou o golpe, vindo com as
tropas de Juiz de Fora para o Rio; Ernesto Geisel e Syzeno Sarmento, comandante da Primeira Regio
Militar do RJ. Ele citou, por outro lado, o nome do Ministro Otavio Murgel de Rezende, auditor antes do
Golpe e que depois se tornou um juiz militar do STM como sendo um juiz com uma postura garantista
(que trancou a Ao Penal no IPM contra o CACO em 05.04.67 (vide o HC 28.780). Este IPM foi
distribudo originalmente 21a. Vara Criminal (Lei n. 1.802/53), mas depois foi transferido, em 1965,
para a 2a. Auditoria do Exrcito, que funcionava em frente FND.
19 BARROS 2005.
-
24
organizados os processos, entrecruzando indivduos dos mais diversos tipos, acaba
conferindo a este tipo de fonte uma posio muito rica no repertrio de documentos
disposio de um historiador. Tal documentao no raro tambm expe as contradies
internas que podem aparecer sob a forma de conflitos de autoridade, e um universo
multifocal que passa por um vasto nmero de depoentes e de testemunhas, at chegar ao
criminoso ou ao inquirido.
No afirmamos com isso nem BARROS o faz - que o posicionamento
expresso pelos acusados e pelos advogados pode ser aceito acriticamente, j que a
tortura fsica e psicolgica foi e tem sido utilizada como instrumento de coero. Alm
disso, BARROS fala especificamente sobre o trabalho da Histria Social, enquanto
nesta pesquisa, mesmo que no ignoremos as origens das vitimas - suas trajetrias de
vida, organizao, ideologia ou resistncias concentramo-nos em compreender o
Judicirio do Rio de Janeiro enquanto instituio atrelada ao sistema poltico de sua
poca. Ainda assim, as caractersticas deste tipo de documentao ora utilizada, que
expressa a voz dos acusados - mesmo que no raro sob coero e tortura - e o
posicionamento dos indivduos que estavam em posio de poder nos permitem
perseguir o problema proposto, que compreender se a Justia do Rio de Janeiro foi de
fato garantidora da legalidade ou exerceu um papel autoritrio concomitante com o
regime.
Portanto, em resumo, a pesquisa ser qualitativa. Alm da anlise de sentenas
e processos judiciais da JMRJ, reviso bibliogrfica de livros, artigos e trabalhos
acadmicos sobre o tema, levantamento de material nos Arquivos Pblicos sobre os
acusados e entrevistas semidiretivas com atores destacados foram realizados seminrios
temticos e exibio e debate de filmes/documentrios sobre o perodo que permitiram
uma ampla anlise daquele momento da atuao da Justia Militar.
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25
Caso das bombas da OAB/RJ e do Riocentro20
Objetivo Geral:
Analisar o comportamento da Justia no caso dos atentados bomba da OAB e
do Riocentro.
Objetivos Especficos:
1. Analisar a narrativa contida nos autos dos processos como base para a
construo de uma verdade judicial acerca dos episdios;
2. Identificao dos principais atores envolvidos, desde os rus, as possveis
vtimas e seus parentes, advogados, delegados, juzes e promotores que atuaram nos
casos;
3. Identificao das contradies narrativas e erros evidentes contidos nos
respectivos processos judiciais, de modo a resultar na no apurao e, portanto, na
impunidade dos crimes cometidos;
4. Indicar caminhos para desdobramentos possveis a partir da anlise
realizada.
Hipteses:
1. A representao de uma legalidade e de um normal funcionamento das
instituies judiciais caracterstica do regime militar brasileiro do perodo 1964-1985;
2. Os processos judiciais em anlise no buscaram apontar os verdadeiros
responsveis pelos atentados, mas to somente representar um tratamento judicial dos
episdios que lhes deram causa;
3. Houve uma efetiva colaborao do Judicirio com a Ditadura Militar, tendo
o empresariado atuado tambm de forma colaborativa para a formao de um consenso
entorno aos episdios objeto dos processos em anlise.
20
Coordenado por Juliana Neuenschwander Magalhes e Alexandre Bernardino Costa
-
26
Metodologia:
A pesquisa orientou-se primariamente pela anlise dos autos dos processos
judiciais (Processos: 01/81-8 JM/1C/2AEX, 95.0029861-9 JF/1I/4VC,
08100.001644/96-88 PGR/GAB, 114.384/94 OAB/CDHAJ). Subsidiariamente
recorreu-se a outras fontes, tais como:
1. Pesquisa arquivstica junto ao Arquivo Nacional e ao APERJ, com coleta de
dados sobre os processos e os principais envolvidos nos casos;
2. Consulta a jornais, revistas e publicaes que trataram dos atentados;
3. Entrevistas com pessoas envolvidas direta ou indiretamente e atores
relevantes ao perodo em estudo;
A pesquisa em arquivos e hemerotecas foi realizada principalmente no Arquivo
Nacional, no Arquivo Pblico do Estado do Rio de Janeiro e na Biblioteca Nacional.
Subsidiariamente, foram realizadas pesquisas em arquivos pessoais.
O material coletado encontra-se em diferentes suportes, podendo estar em meio
fsico ou digital. O material em meio fsico est acondicionado em sala nas
dependncias da ps-graduao da Faculdade Nacional de Direito. O material em meio
digital est sendo guardado em computadores e discos rgidos externos.
No Arquivo Nacional, a pesquisa foi conduzida por dois pesquisadores
bolsistas, um pesquisador voluntrio e uma bolsista de graduao. Entre os acervos
pesquisados, destaca-se o conjunto documental do SNI Servio Nacional de
Informaes. O acesso ao acervo do SNI realizado via banco de dados e em espao
dedicado para comisses da verdade e grupos de pesquisa associados.
As pesquisas foram feitas a partir de nomes de agentes da represso, civis ou
militares, de rus e vtimas relacionadas aos casos pesquisados. A pesquisa por tema
(bomba, justia etc.) foi considerada demasiado genrica e inadequada em virtude
do grande nmero de resultados gerados apenas o acervo do SNI possui mais de trs
milhes de pginas de documentos textuais.
No Arquivo Pblico do Rio de Janeiro, a pesquisa centrou-se no acervo de
polcia poltica, especialmente no que se refere a processos administrativos e inquritos
policiais.
Na Biblioteca Nacional, foram objeto de interesse os jornais do perodo de
1964-1986 e, em especial, os jornais da primeira metade da dcada de 1980.
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27
Os documentos coletados em arquivos pblicos foram classificados conforme
notao original atribuda pela entidade de guarda. Os arquivos obtidos a partir de
outras fontes foram classificados a partir de notao especialmente criada para tanto,
que leva em considerao o rgo produtor da documentao.
Atividades Realizadas
a) Reviso bibliogrfica pertinente ao perodo em anlise, em especial com
respeito ao Poder Judicirio e os julgamentos dos crimes cometidos;
b) Leitura e anlise do material jornalstico produzido sobre a temtica no
perodo dos eventos objeto da pesquisa;
c) Leitura dos processos de apurao dos casos das Bombas da OAB e do
Riocentro, bem como de bombas deflagradas durante o perodo de abertura
democrtica, aps a Lei de Anistia;
d) Seleo de nomes importantes no processo da Bomba da OAB;
e) Buscas no Arquivo Nacional dos nomes dos principais envolvidos no
Processo da OAB e do Riocentro (Anexo V - Termos pesquisados nas bases de dados
do Arquivo Nacional (D- SPACE/SNI e Sala Virtual de Leitura; Anexo VI - Bomba na
OAB: pesquisa nos acervos do SNI a partir de nomes prprios extrados do IPM e
Anexo VII - Documentos sobre Ronald James Watters (Caso da bomba da OAB)
localizados no acervo do Servio Nacional de Informaes SNI, atualmente sob
guarda do Arquivo Nacional);
f) Realizao de entrevistas com pessoas relevantes para a pesquisa. Foram
entrevistas seis pessoas at julho de 2015 (Anexo III Transcrio das Entrevistas)
g) Desenvolvimento de uma base de dados na qual as principais peas
processuais relacionadas ao caso da OAB foram registradas. So 174 peas selecionadas
dentre os processos nas diferentes esferas do Poder Judicirio (Federal e Militar). A
constituio desta base de dados facilita a identificao dos documentos a partir dos
seguintes dados: data, justia, rgo, diviso, processo, tipo de documento, folhas, local,
ru, autor, cargo do autor, destinatrio, cargo do destinatrio, anotaes acerca do
contedo (Anexo VIII Base de Dados);
-
28
h) Desenvolvimento da cronologia das peas constitutivas dos processos
(Anexo IX -Calendrio do Processo das Bombas OAB/SUNAB/Cmara/Tribuna
Operria);
Estruturao das Entrevistas
As entrevistas foram uma realizao da Pesquisa Justia Autoritria? em
parceria com o Arquivo Nacional.
Gravadas pela equipe do Arquivo Nacional, as entrevistas foram realizadas por
entrevistadores pertencentes ao grupo de pesquisa Justia Autoritria? e ao Arquivo
Nacional.
Cada entrevistado respondeu a cinco perguntas gerais e demais especficas
relacionadas temtica de cada grupo.
Entrevistas Possveis para a segunda etapa da pesquisa:
a) Dr. Antnio Cavalcanti Siqueira Filho, Juiz-Auditor substituto, cujo voto
para remeter o processo Justia Comum, foi vencido (fls. 1137 ou 14 da Sentena).
Houve conflito entre o Juiz-Auditor Helmo Sussekind e o Juiz-Auditor substituto
Antnio Cavalcanti Siqueira Filho, pois o primeiro reclama que o segundo no manteve
nenhuma das decises tomadas pelo primeiro Juiz e Conselho Permanente de Justia
que atuava juntamente com ele (fls. 1113-1114 JM/1a. CJM/2a AE, vol. V). O Juiz-
Auditor Antnio Cavalcanti Siqueira Filho responde que no h hierarquia entre juzes e
que, portanto, ele (Antnio) no deve obedincia a Helmo Sussekind (fls. 1124-
1137JM/1a. CJM/2a AE, vol. V). De igual modo, o Dr. Antnio Cavalcanti Siqueira
Filho enfrentou seriamente o Procurador Militar Jos Manes Leito declarando que o
Promotor estava tumultuando o bom andamento dos trabalhos. Diante disto, Jos Manes
Leito se declara impedido de continuar funcionando no presente feito. O Juiz
Auditor respondeu que comunicar ao Procurador Geral da Justia Militar para que as
devidas providncias sejam tomadas. Aps dilogo entre os dois, houve reconsiderao
das posies, e os trabalhos prosseguiram (fls. 1002-1004 JM/1a. CJM/2
a AE, vol. V).
b) Dr. Pedro Berwanger (delegado responsvel pela parte operacional da
investigao conforme Doc. Cmara dos Deputados/DETAQ 1494/99)
-
29
c) Dr. Jos Armando da Costa (delegado, presidente do inqurito, responsvel
pela parte processual)
d) Luiz Antnio da Silva Dutra (agente da Polcia Federal, parte da equipe
responsvel pela investigao da bomba da OAB)
e) Darcy de Carlo, ex-agente da Polcia Federal que deixou a PF por causa da
abrupta mudana de rumo das investigaes.
f) Coronel Jos Ribamar Zamith, seo de Inteligncia do 1 Exrcito do Rio
de Janeiro.
g) Gen. Octvio Costa, ex-diretor de Especializao e Extenso do Exrcito.
h) Jos Argolo, Ktia Ribeiro e Luiz Alberto Fortunato (autores de A Direita
Explosiva no Brasil)
i) Chico Otvio, jornalista que conhece o processo melhor do que ningum,
segundo Luiz Felippe Monteiro Dias (Anexo III Transcrio das Entrevistas)
j) Oswaldo Ferreira de Mendona Junior, advogado do vereador Antonio
Carlos Nunes de Carvalho
O texto do presente relatrio est dividido da seguinte forma: apresentao das
atividades realizadas pelo grupo, o enquadramento terico da pesquisa, a
contextualizao histrica dos fatos especficos de cada caso estudado, os resultados
obtidos por cada um dos subgrupos, as concluses nas quais foram analisados os
resultados obtidos luz dos objetivos do projeto.
I - ATIVIDADES DESENVOLVIDAS
I.1. Atividades realizadas pelo Grupo de Pesquisa Justia Autoritria?
1. Realizao de reunies semanais s 5as. Feiras de maro de 2014 a julho de 2015 na
Faculdade Nacional de Direito
2. Participao em reunies com a Comisso da Verdade do Rio de Janeiro;
30/04/2015 - Faculdade Nacional de Direito
09/12/2014 - Faculdade Nacional de Direito
09/09/2014 - Auditrio da CAARJ
-
30
21/08/2014 - Sede da CEV-RIO
10/06/2014 - Auditrio da CAARJ
22/05/2014 - Faculdade Nacional de Direito
3. Participao em audincias pblicas da Comisso Estadual da Verdade (CEV-Rio):
Encontro sobre recomendaes de polticas de memria para o Estado do Rio de
Janeiro 10/07/2015, na CAARJ
Testemunho da Verdade - Conflitos no Campo no Rio de Janeiro 19/05/2015,
no Plenrio da OAB/RJ
Audincia Pblica dos Mdicos Legistas Graccho Guimares Silveira e Roberto
Blanco dos Santos 07/05/2015, na sede da CEV-Rio
Frum de Participao da CEV/Rio - Desmilitarizao da Justia - 29/04/2015
na FND
Ato Nacional das Comisses Estaduais da Verdade 17/04/2015, no auditrio
da CAARJ
Roda de Conversa sobre o Relatrio Final da CNV e as suas Recomendaes -
17/12/2014, ISER
Audincia Pblica sobre o Hospital Central do Exrcito (HCE CEV RIO
09/12/2014)
Audincia Pblica sobre o Caso dos Nove Chineses - 26/09/2014, Auditrio da
CAARJ
Frum de Participao sobre as recomendaes da CEV-RIO ao Estado
brasileiro, 05/09/2014, s 15h, Auditrio da CAARJ
Frum de Participao sobre o Balano da CEV-Rio e discusso sobre o trabalho
das outras Comisses da Verdade (municipais e setoriais)
27/06/2014, Auditrio da CAARJ
4. Participao nas audincias pblicas da Comisso Nacional da Verdade
Relatrio da CNV sobre o Caso Riocentro- 29/04/2015, Arquivo Nacional.
Audincia Pblica sobre a Casa da Morte - 25/03/2014, Arquivo Nacional
Audincia Pblica sobre Stuart Angel - 09/06/2014, Arquivo Nacional
-
31
5. Realizao de quatro seminrios internos com a equipe de pesquisa;
6. Exibio de Filmes e Debate: Cineclube Justia Autoritria?
Abril 24/04/2014 Os Advogados contra a Ditadura: por uma questo de Justia
(FND) Debatedores: Eny Moreira (advogada) e Modesto da Silveira
(advogado)
Set. 29/09/2014 - Que bom te ver viva (IFCS) Debatedores: Lcia Murat
(cineasta) e Jessie Jane (UFRJ)
Out. 28/10/2014 - Jango (FND) Debatedores: Adrianna Setemy (UFRJ) e
Demian Melo (UFF)
Nov. 28/11/2014 - Lamarca (IFCS) Debatedores: Cristiana Buarque de
Hollanda (UFRJ) e Thiago Pacheco (UFRJ)
7. Realizao de entrevistas com personagens importantes do cenrio politico-jurdico
no perodo da ditadura militar
Rosa Cardoso (06/07/2015)
Arthur Lavigne (27/05/2015)
Luiz Felippe Monteiro Dias (08/06/2015)
Antonio Modesto da Silveira (14/04/2015)
Eduardo Seabra Fagundes (27/05/2015)
Mauro Osrio (31/03/2015)
8. Apresentao de Trabalhos em Congressos pelos pesquisadores do grupo:
JIC-JUR/UFRJ - Justia Autoritria? O Judicirio do Rio de Janeiro e a Ditadura
Militar (1964-1988) (Autores: Ayra Guedes Garrido - Beatriz Rodrigues N. Da
Costa - Bianca Casais M. Guimares - Rafaela Domingues Pereira, orientao
Luciana Boiteux e Vanessa Batista) trabalho inscrito e aceito, aguarda
apresentao
IX Encontro Regional Sudeste de Histria Oral - Entre heris e bandidos: Ins
Etienne, um personagem em construo (Autor: Ayra Guedes Garrido) UFF (9
de julho de 2015)
-
32
IDEJUST Lei de anistia e responsabilizao criminal dos agentes da ditadura
civil-militar brasileira (1964-1985): retrocessos e avanos judiciais na
democracia (Autor: Roberta Maia Gomes) apresentado em So Paulo (27 de
maro de 2015)
JICTAC UFRJ Justia Autoritria: A atuao da Justia Militar na Ditadura e
suas permanncias (Autores: Ayra Guedes Garrido - Beatriz Rodrigues N. Da
Costa - Bianca Casais M. Guimares - Rafaela Domingues Pereira, orientao
Luciana Boiteux e Vanessa Batista) trabalho inscrito e aceito, aguarda
apresentao
9. Elaborao de Dissertaes de Mestrado
. Lusmarina Campos Garcia. O direito como lugar de memria social: Uma
aproximao construo narrativa do caso das bombas da OAB e do Riocentro.
Orientao: Juliana Neuenschwander, orientadora e Vanessa Batista Berner, co-
orientadora.
. Vicente Arruda Cmara Rodrigues. Acesso Informao e Arquivos da Ditadura
Militar em tempos de Justia de Transio Brasileira. Orientao: Carlos Alberto
Bolonha.
. Thiago Pacheco Uma Comparao das Atividades de Inteligncia da Polcia
Poltica no Estado Novo e na Repblica de 1946. PPGHC. Orientador: Cristina
Buarque de Hollanda.
. Ricardo Azevedo O Procedimento Administrativo como Legitimao do
Autoritarismo: O Caso Itamaraty. Orientao Carol Proner.
10. Organizao de eventos
Justia Autoritria? O Judicirio do Rio de Janeiro e a Ditadura Civil-Militar
(1964-1988) na Faculdade Nacional de Direito da UFRJ. Apresentao da
Pesquisa 22/05/2014
11. Seminrios do Grupo com convidados
- 9 de julho de 2015 caso PANAIR Rodolfo da Rocha Miranda (Presidente da Panair
do Brasil) e Daniel Sasaki (jornalista e autor do livro Pouso Forado)
-
33
- 18 de junho de 2015 Jos Carlos Moreira da Silva Filho (Conselheiro da Comisso
Nacional da Verdade e professor da PUC-RS) e Vanessa Schinke (Doutoranda em
Cincias Criminais da PUC-RS)
12. Visita ao Superior Tribunal Militar reunio da Prof. Luciana Boiteux com a
Presidente do STM, Ministra Maria Elizabeth Rocha, Nadine Borges, da CEV-Rio e
Daniella Barcellos do IBMEC - 08.09. 2014 Braslia DF e visita Comisso
Nacional da Verdade.21
21
http://www.stm.jus.br/informacao/agencia-de-noticias/item/1906-comissao-da-verdade-do-rio-de-
janeiro-pede-acesso-ao-acervo-historico-durante-visita
-
34
II - ENQUADRAMENTO TERICO DO TEMA DA PESQUISA
Com a finalidade de estabelecer uma anlise suficientemente fundamentada
sobre a participao do Poder Judicirio na ditadura civil-militar que deteve o poder no
Brasil a partir de 1964, queremos pautar alguns tpicos que nos permitam fazer o
necessrio enquadramento contextual e a base terica que vai nos nortear. Com isto
queremos dar conta do marco scio-histrico no qual a ditadura se situa; queremos
tambm elencar os principais conceitos que utilizaremos como referencial terico da
construo e anlise investigativa. Mas, antes de tudo, parece-nos indispensvel
explicitar os pressupostos epistemolgicos que nos orientam nesta pesquisa.
1. Alguns Pressupostos Epistmicos da Pesquisa Acerca da Construo da
Verdade e da Memria a Partir dos Direitos Humanos
Em nosso esforo para compreender a realidade, a fim de nela intervir,
devemos pretender ter o mximo rigor metodolgico e a permanente honestidade em
relao ao real, mas isto no disfaramos sob a capa de uma suposta (e impossvel)
neutralidade. No somos neutros, ningum , ainda que alguns se escudem na referida
pretenso para se furtar ao debate e crtica de seus pressupostos e posicionamentos.
Como no h neutralidade, a melhor maneira de se buscar alguma objetividade por
meio da submisso ao exame intersubjetivo de nossas apostas. A partir desta
perspectiva, nossa aposta epistmica naqueles que se submeteram violao de seus
direitos, sendo vitimados pelo poder de fato.
1.1. Nosso ponto de partida: a opo tico-poltica pelos vitimados
Dizia Theodor Adorno, um dos principais representantes da teoria crtica da
Escola de Frankfurt, que a necessidade de dar voz ao sofrimento condio de toda a
verdade (ADORNO 2005:28).22
Com isto, se posicionava e alertava contra toda
22
No original: la necesidad de prestar voz al sufrimiento es condicin de toda verdad.
-
35
pretensa neutralidade cmplice por parte do labor cientfico. Esta mesma opo tica
deve seguir alentando o trabalho do pensamento crtico contemporneo.
Diante da suposta neutralidade axiolgica da cincia, defendida pela teoria
tradicional, necessrio reconhecer que toda cincia movida por um interesse, e que
neg-lo pode no ser mais que uma forma de mascaramento ideolgico.23
Tendo ou no conscincia disso, todo pensamento se posiciona de uma
determinada maneira no mbito do conflito de interesses que atravessa nosso mundo;
por isto, faz-se necessria uma perspectiva crtica que se encarregue da forma pela qual
se endossa ou se confronta as diferentes opes a partir das quais se compreende e se
intervm na realidade.24
Como bem afirma Boaventura de Sousa Santos, a teoria crtica
sempre teve como pressuposto a pergunta: de que lado estamos? E a respectiva
resposta. (SANTOS 2003:286).25
Assim, para uma teoria crtica no indiferente o
lugar e a perspectiva a partir da qual se pensa e se tenta intervir na realidade.
Todo trabalho de investigao, ainda que de forma implcita, supe uma srie
de decises prvias que correspondem a uma determinada forma de pensamento e lhe
servem de base, condicionando suas apostas epistemolgicas e metodolgicas.26
Por
isto, perigosa a postura ingnua que desconhece o significado que tem o
conhecimento; os postulados tericos surgem em um determinado contexto histrico e
respondem a ele, cumprindo a funo de dificultar ou impulsionar determinados
projetos sociais.27
Nas palavras de Hugo Zemelman:
O movimento da realidade scio-histrica e sua estreita vinculao com a
prtica social obriga a um constante esforo para decifrar os limites (que podem
ser tericos, ideolgicos ou axiolgicos) que compreendem um espao que
reveste de um significado particular o fenmeno que se quer estudar.
Esses limites expressam a opo social a partir da qual se constri o
conhecimento; implicam, portanto, em uma forma de entender a realidade, mas,
especialmente, em como e para qu construi-la em uma determinada direo. O
que dizemos se reveste de um significado relevante quando observamos que os
parmetros que em geral se impem sem, muitas vezes, intermediar qualquer
conscincia do investigador, so os que conformam o poder, em cujos
23
Cfr. CORTINA (2008). La Escuela de Frncfort. Crtica y Utopa. Madrid: Sntesis, pp. 48-49. 24
Cfr. ROMERO CUEVAS, J. (2008). Ellacura: una teora crtica desde Amrica Latina. En: Revista
Internacional de Filosofa Poltica N 32, Madrid: UAM-UNED, p.7. 25
No original: la teora crtica siempre ha tenido como presupuesto suyo la pregunta: de qu lado
estamos? y la respectiva respuesta. 26
Cfr. MEDICCI, A. (2010). El arraigo de Anteo: las lecciones polticas de Joaqun Herrera Flores. En
REDHES N 4. San Luis Potos: Universidad Autnoma San Luis Potos, julio-diciembre, p. 17. 27
Cfr. ZEMELMAN, H. Debate sobre la situacin actual de las ciencias sociales, p. 5. En lnea:
http://www.archivochile.com/Ideas_Autores/zemelmanh/zemelman0007.pdf. Consulta realizada el 19 de
septiembre de 2012. Ver tambin SENENT DE FRUTOS, J. (2002) Notas sobre una Teora Crtica de los
Derechos Humanos En Anuario Iberoamericano de derechos humanos 2001-2002. Ro de Janeiro, p.
411.
-
36
parmetros se pretende conferir aos fenmenos o estatuto de reais; com o
adicional de estabelecer sua identidade como nica e excludente de outras
possveis vises dos mesmos. (ZEMELMAN, pg. 3)28
Em nossa pesquisa, no quadro do pensamento crtico, assumimos, pois,
conscientemente, uma srie de opes, de posicionamentos ticos e polticos diante da
realidade; e queremos faz-los explcitos, com o fim de abri-los ao discernimento, ao
juzo e crtica como forma de validao intersubjetiva.
preciso que se entenda que nossa escolha no apenas uma opo tica e
poltica, tambm um posicionamento hermenutico. Assume-se que a perspectiva das
pessoas que foram vitimadas, daqueles a quem lhes foi negada as condies necessrias
para viver com dignidade, o lugar hermenutico por excelncia para compreender os
processos sociais em curso.29
Entendendo que a neutralizao epistemolgica do passado sempre foi a
contrapartida da neutralizao social e poltica das classes perigosas (SANTOS
1991:235)30
, decidimos optar por uma aproximao do processo scio-histrico que
permita visibilizar e reconhecer a perspectiva daqueles que, na referida dinmica, foram
marginalizados, excludos e invisibilizados a partir das narrativas oficiais e dos saberes
hegemnicos. Como bem coloca Enrique Dussel:
O mtodo crtico consiste em se colocar no espao poltico dos pobres, das
vtimas, e desde aquele local fazer a crtica das patologias do Estado. A partir
desse lugar epistemolgico o das vtimas, as do sul do planeta, dos
oprimidos, dos excludos, dos novos movimentos populares, dos povos
ancestrais colonizados pela Modernidade, pelo capitalismo que se globaliza,
tudo o que se expressa nas redes mundiais altermundistas ser a partir de
onde teremos que ir fazendo a crtica de todo o sistema das categorias da
filosofia poltica burguesa. (DUSSEL, 2007:552)31
28
No original: El movimiento de la realidad socio-histrica y su estrecha vinculacin con la prctica social
obliga a un constante esfuerzo por descifrar los lmites (que pueden ser tericos, ideolgicos o axiolgicos)
en cuyo espacio reviste un significado particular el fenmeno que se quiere estudiar.
Estos lmites expresan la opcin social desde la cual se construye el conocimiento; implican, por lo tanto,
una forma de entender a la realidad, pero especialmente de cmo y para qu construirla en una direccin
determinada. Lo que decimos reviste un significado relevante cuando observamos que los parmetros que en
general se imponen, sin mediar muchas veces conciencia alguna del investigador, son los que conforman el
poder, en cuyos parmetros se pretende conferir a los fenmenos el estatus de reales; con el agregado de
establecer su identidad como nica y excluyente de otras posibles visiones de los mismos. 29
Cfr. ETXEBERRIA, J. en el Prlogo a MARTNEZ DE BRINGAS, A. (2004) Exclusin y
victimizacin. El grito de los derechos humanos en la globalizacin. Bilbao: Alberdania, S.L., 2004, p.
13. 30
No original: la neutralizacin epistemolgica del pasado siempre ha sido la contraparte de la
neutralizacin social y poltica de las clases peligrosas. 31
No original: El mtodo crtico consiste en colocarse en el espacio poltico de los pobres, las vctimas, y desde all llevar a cabo la crtica de las patologas del Estado. Desde ese lugar epistemolgicos -el de
las vctimas, las del sur del planeta, los oprimidos, los excluidos, los nuevos movimientos populares, los
pueblos ancestrales colonizados por la Modernidad, por el capitalismo que se globaliza, todo lo cual
-
37
Mas, insistimos, assumir este posicionamento no traz consigo apenas a
pretenso de oferecer uma oportunidade de visibilizao das narrativas que foram
marginalizadas do debate pblico, o que seria um ato de justia e uma ampliao das
perspectivas de debate que asseguraria um maior rigor metodolgico; mais que isto, esta
perspectiva das vtimas do sistema social e das violaes de direitos humanos por parte
do Estado permite uma melhor compreenso do sistema e dos desafios que o mesmo
Estado apresenta, do que a perspectiva daqueles que dele se beneficiam.
No entanto, no se coloca uma postura revanchista, orientada para gerar novas
excluses, de um novo tipo. Em nossa aposta subjaz a inteno ltima de iniciar
processos de leitura e transformao da realidade que, ao se identificar a injustia,
permitam que todos e todas possam desfrutar de condies de vida digna; e esta uma
tarefa impossvel se se olha para a realidade a partir daqueles grupos ou setores sociais
que foram favorecidos pela injustia estrutural vivida durante a ditadura. No final das
contas, trata-se de optar pelas pessoas vitimadas, de pensar a partir delas, e contra as
dinmicas de vitimizao32
. A luta por uma sociedade sem vtimas, que tenha
conseguido erradicar toda forma de vitimizao, figura como um horizonte utpico.33
1.2. Verdade e Memria Histrica
Se, conforme Foucault, toda relao de poder correlativa constituio de um
campo de saber e todo saber supe relaes de poder34
, necessitamos estar alertas diante
das razes com as quais se arma o poder, denunciar as estratgias de que se vale [o
poder] para se dotar de razes que lhe so funcionais, e a partir das quais configura um
saber autorizado, que lhe permite invisibilizar e excluir outros saberes no oficiais
que lutam pela conservao da ordem social injusta.35
queda expresado en redes mundiales altermundistas- ser desde donde tendremos que ir efectuando la
crtica de todo el sistema de las categoras de la filosofa poltica burguesa. 32
Cfr. DUSSEL, E. (2006) tica de la Liberacin en la Edad de la Globalizacin y de la Exclusin.
Madrid: Trotta, p. 417. 33
Cfr. SNCHEZ RUBIO, D. (1999) Filosofa, derecho y liberacin en Amrica Latina. Bilbao:
Descle de Brouwer, p. 204. 34
Cfr. FOUCAULT, M. (2002) Vigilar y Castigar. Buenos Aires: Siglo XXI Editores Argentina, S.A.,. 35
Cfr. SOLRZANO, N. (2007) Crtica de la Imaginacin Jurdica. Una mirada desde la
epistemologa y la historia al derecho moderno y su ciencia. San Luis de Potos: Universidad
Autnoma de San Luis de Potos, Nota 162, p. 123.
-
38
Toda tecnologia de exerccio do poder cria certos saberes, ao mesmo tempo em
que o saber traz consigo efeitos de poder. Sendo assim, o que concebemos como
verdade, consequentemente se torna inseparvel do processo pelo qual se estabelece,
assim como da configurao de poder em que gerado.36
O que chamamos verdade, e, mais concretamente, a verdade dos
acontecimentos histricos, das narraes sobre as construes sociais, um campo de
luta entre projetos de sociedade opostos. A verdade, longe de estar margem do
contraditrio lavor humano, um campo semeado de conflitos de poder. Esta
constatao, alm de chamar a ateno sobre a muito frequente manipulao do passado
com a pretenso de legitimar alguns abusos do presente, pretende assinalar que certas
formas de conceber o que se entende por verdade atuam, efetivamente, como
condio de possibilidade para a constituio de modos especficos de organizar a
sociedade. Como afirma Helio Gallardo a propsito do tema da verdade, este
um tema ideolgico, ou seja, socialmente funcional ou no para o poder e
sua reproduo nas sociedades modernas, e no tem muito sentido epistmico
moral ou metafsico discutir quem a tem ou em que ela reside. Seu sentido
poltico.(GALLARDO 2008:233)37
Como j dito, nossa posio reconhece uma opo tica e poltica a favor
daqueles que foram perseguidos polticos, marginalizados, submetidos a relaes de
opresso que lhes negaram a possibilidade de formular e construir seus projetos de vida.
Por isto, consideramos que no h verdade quando se silencia as vtimas.
A partir desta busca pelo fortalecimento das vozes silenciadas, perifricas e
subalternas, reivindica-se a necessidade de levar em considerao os conhecimentos, a
verdade daqueles grupos que, ao longo da histria (histria que hoje continua sendo
construda), foram subalternizados e continuam sendo invisibilizados.
Nesse sentido, assim como afirma Ins Virgnia Prado Soares, a verdade deve
ser usada como valor de referncia que tem por finalidade recuperar esse passado graves
violaes de direitos humanos para enriquecer e transformar o presente (QUINALHA;
PRADO SOARES 2001:266). Queremos que no seja esquecido, para que nunca mais
ocorram fatos como os que o povo brasileiro teve que viver durante o perodo ditatorial.
36
Cfr. GARCA, M. (1993). La eficacia simblica del derecho. Examen de situaciones colombianas.
Bogot: Ediciones Uniandes, p. 76. 37
No original: es un tema ideolgico, o sea socialmente funcional o no para el poder y su reproduccin
en las sociedades modernas, y no tiene mucho sentido epistmico moral o metafsico discutir quin la
tiene o en qu reside. Su sentido es poltico.
-
39
Procuramos verdade e memria para sustentar nossa demanda de aes concretas que
assegurem a no repetio de violncias.
No Brasil, a dimenso entre lembrar e esquecer traz em si uma
considervel problematizao. Em 2007, houve grande polmica acerca da publicao
do livro Direito Memria e Verdade, pela Comisso Especial sobre Mortos e
Desaparecidos Polticos. No faltaram articulistas de revistas e jornais de circulao
nacional para retomar o discurso do esquecimento como forma de superao dos
traumas vividos no perodo ditatorial. Para o direito, crucial estabelecer a
possibilidade de diferenciar o que necessrio lembrar e o que se pode esquecer. O
direito memria e verdade a possibilidade de exigir que a histria institucional
seja pensada tambm a partir de informaes ocultadas ou propositadamente
esquecidas (BARBOSA 2010:31).
Por isto, a pergunta central que orienta nossa leitura dos processos ditatoriais e
suas consequncias na conformao de nossas sociedades tem a ver com o legado
autoritrio que tais processos nos deixaram. Quanto a este aspecto, de particular
interesse uma compreenso do papel da memria, voltada para reivindicar sua funo de
luta contra os efeitos do passado de graves violaes de direitos humanos e sua herana
autoritria na histria brasileira contempornea.
Reconhecer os legados autoritrios originados no perodo da ditadura exi