filosofia espírita

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JOSÉ HERCULANO PIRES INTRODUÇÃO À FILOSOFIA ESPÍRITA

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  • JOSHERCULANOPIRES

    INTRODUO

    FILOSOFIA

    ESPRITA

  • 2 JosHerculanoPires

    INTRODUOFILOSOFIAESPRITA

    JosHerculanoPires(19141979)

    Primeiraedioem1983EditoraPAIDEIA

    Versodigitalizada2011Brasil

    www.luzespirita.org.br

  • 3 INTRODUOFILOSOFIAESPRITA

    INTRODUO

    FILOSOFIAESPRITA

    JosHerculanoPires

  • 4 JosHerculanoPires

    CONVITE:

    Convidamosvoc,queteveaoportunidadedeler

    livrementeestaobra,aparticipardanossacampanha

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    divulgaodoEspiritismoeincentivandoaspessoas

    boa leitura.

    Essaao,certamente,rendertimosfrutos.

    AbraofraternoemuitaLUZparatodos!

    www.luzespirita.org.br

  • 5 INTRODUOFILOSOFIAESPRITA

    ndice

    FICHADEIDENTIFICAOLITERRIA pag.6

    I PERFILDAFILOSOFIA ESPRITA1 Introduo pag.7

    II FILOSOFIAEESPIRITISMO pag.111 0queFilosofia?2 OqueEspiritismo?3 ATradioFilosfica

    III TEORIAESPRITADOCONHECIMENTO pag.161 Comoconhecemos?2 Oqueconhecemos?3 Oprocessognoseolgico

    IV FIDESMOCRTICO pag.22

    V ONTOLOGIAESPRITA pag.27

    VI EXISTENCIALISMO ESPRITA pag. 34

    VII COSMOSSOCIOLOGIAESPRITA pag.40

  • 6 JosHerculanoPires

    FichadeIdentificaoliterria

    JOS HERCULANO PIRES nasceu em 25 de setembro de 1914 naantiga provncia de Avar, no Estado de So Paulo e desencarnou em 9 demaro de 1979, filho de Jos Pires Corra e de Da. Bonina Amaral SimonettiPires.FezseusestudosemAvar,ItaieCerqueiraCsar.Revelousuavocaoliterria desde que comeou a escrever. Aos 16 anos publicou seu primeirolivro:SonhosAzuis(contos),eaos18,osegundolivro:Corao(poemaslivresesonetos).Jcolaboravanosjornaiserevistas dascidadesdeSoPauloedo Rio de Janeiro. Foi um dos fundadores da Unio Artstica do Interior.Mudouse paraMarlia em 1940 onde adquiriu o jornal Dirio Paulista e odirigiu durante 6 anos. Com Jos Geraldo Vieira, Zoroastro Gouveia, OsrioAlvesdeCastro,NichemjaSigal,AnatholRosenfeldeoutrospromoveu,atravsdo jornal, um movimento literrio na cidade e publicou Estradas e Ruas(poemas)quericoVerssimoeSrgioMilletcomentaramfavoravelmente.Em1946mudouseparaSoPauloelanou seuprimeiroromance, OCaminhodoMeio, que mereceu criticas elogiosas de Afonso Schimidt, Geraldo Vieira eWilson Martins. Reprter, redator, secretrio, cronista parlamentar e criticoliterriodosDiriosAssociadosondemanteve, tambm,porquase20anos,acoluna espritacomo pseudnimode Irmo Saulo. Exerceu essas funes naRuaSete deAbrilporcercadetrintaanos.Em1958bacharelouseemFilosofiapela Universidade de So Paulo, e pelamesma Universidade licenciouse emFilosofiatendopublicadoumateseexistencial:OSereaSerenidade.Autordeoitenta e um livros de Filosofia, Ensaios, Histrias, Psicologia, Espiritismo eParapsicologia sendo a sua maioria inteiramente dedicada ao estudo e divulgaodaDoutrinaEsprita,evriosde parceriacomChicoXavier.Lanou,recentemente,a sriedeensaiosPensamentodaEraCsmica ea sriederomancesdeFicoCientficaeParanormal.FoidiretorfundadordaRevistadeEducao Esprita publicada pela EDICEL. Em 1954 publicou BarrabsquemereceuPrmiodoDepartamentoMunicipaldeCulturadeSoPauloem1958,constituindooprimeirovolumedatrilogiaCaminhosdoEsprito.Em1975publicou Lzaro e, como romance Madalena, editadopela EDICELemmaiode1979,aconcluiu.

    Ao desencarnar, deixou prontos vrios originais os quais vm sendopublicadospelasEditoras PAIDIA e EDICEL.

  • 7 INTRODUOFILOSOFIAESPRITA

    IPERFILDA

    FILOSOFIAESPRITA

    1. Introduo

    UmaintroduoFilosofiaEspritaexigelongapesquisadesuas razesnascoordenadasdaevoluohumana:otempoeopensamento.AHistriadaFilosofiaumcontinuum,quenascedaprimeiraindagaodohomemsobreaNaturezaedepoissobreavidaesobreelemesmo.Da Magia Religio edesta Filosofia1 o pensamento se desenrola numa sequncia ininterrupta deformulaes pessoais que se encadeiam em processo dialtico. No existe asequnciatantasvezesapresentadadeMagiaReligioCinciaFilosofia.Oquerealmente existe um paralelismo de ao mental que parte da primeiratomadadeconscincia doMundopelo homem.Naprimeira paralela temos asequncia MagiaReligio, que se desenvolve no plano da afetividade. Nasegunda paralela temos a sequncia ExperinciaCinciaFilosofia, que sedesenvolve no plano da razo. Entre as duas, interligando o fluido dosentimentoedarazo,temosafaixadeterradaprxis,ondeohomemoperadesenvolvendo a sua capacidade de manusear as coisas e os seres. Dessemanuseio nasce o complexodoConhecimento, delta emque vo desaguarascorrentes paralelas para a fuso que dar forma ao dualismo CulturaCivilizao.

    Kercheinsteiner caracterizou com clareza os dois elementos dessecomplexocomsuateoriadaCulturaSubjetivae CulturaObjetiva.Aprimeiraoacmulodeconhecimentosabstratosdeumaglomeradosocialisoladoporcontingnciasgeogrficas.Asegundaoacervodeobrasmateriaisproduzidoporesseaglomerado.OdesenvolvimentodaTcnicavaisuperandonotempoasdistncias dos aglomerados humanos e promovendo as aproximaes quedeterminam a fuso das culturas isoladas num sistema cultural nico, j emviasdeconclusoemnossotempo.

    ErnstCassirermostroucomoasculturasdesaparecidasconcentramsenas obrasmateriais que produziram, das quais renascem ao toque de novasculturas,comoaconteceunoRenascimento.Os resduosvlidosdeantigasesuperadas culturas so ento incorporados a novos sistemas culturais. Asequnciaaparentementeinterrompidaserestabeleceeaacumulaocultural

    1Osdestaquesemnegritosodaversodigitalizada Notado Digitador.

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    seagiganta,gerandoa tragdiadaCultura,poisoenormeacervotranscendeacapacidadedeassimilaodamentehumanaedeterminaa fragmentaodasespecializaes. Arnold Toynbee assinalou a relao entre Religio eCivilizao,quesecaracterizanodesenvolvimentodosciclosculturais.Ateoriadosciclosvemde longee tevegrandevogaentreosgregos.Cadacicloumafase do desenvolvimento cultural, que se encerra para dar incio a outro. Dociclo das Civilizaes Agrrias surgiu o ciclo gigantesco das CivilizaesOrientais,massivase teocrticas,quese fechounaPrsia,projetandoassuasconquistas na Grcia, onde surgiram as civilizaes antpodas de Esparta eAtenas. Roma herdou e desenvolveu ao mximo o esplio espartano, emmistura com o florescimento da democracia ateniense, tipicamente filosfica.PlotinodeusequnciaaoplatonismoetentourealizaracampanhaitalianadosonhodaRepblicadePlato.Masociclodacivilizaogrecoromanachegavaao fim.Duas novas civilizaes lutavampara definirse asfixiadas pelo poderromano:aJudaica,nasia,eaCelta,naEuropa.

    Foientoquesurgiua SnteseCrist,infiltrandosenaEuropacomseusprincpios renovadores, minando o Imprio Romano em suas bases eencontrando ressonncia na Cultura Celta, dominante nas Glias. OCristianismo iniciava um novo ciclo, que iria desenvolverse penosa masrapidamente, graas dinmica social dos seus princpios. O esplendor daFilosofiaGregadeixarianasombraosprincpiosdoCeltismo.MasAristtelesjhaviaadvertidoqueosceltaseraonicopovofilsofodomundo.DoismilniospassariamnaestruturaodosprimrdiosdaCivilizaoCrist,impregnadaderesduosgrecoromanose judeus.MasassementesdoDruidismo,religiodosceltas,aguardavamnochodaEuropaomomentopropciosuagerminao.Coube aAllanKardecumnomedruida revelar a sintonia celtacrist eanunciar o nascimento de um novo ciclo. Rejeitado pela cultura dominante,como fora Cristo em se tempo, Kardec enfrentou os poderes da poca eproclamouoadventoda EraEsprita.Elaborouosseusfundamentos,apoiadonas bases trplices daCincia, da Filosofia e daReligio. A Filosofia Espritadefiniusecomoofulcrodeumnovociclodaevoluohumana.Nosetratadeumfatoocasionalouisolado,masdoresultadodetodooprocessohistricodopensamento, ou da razo, como queria Hegel, em seu desenrolar natemporalidade.

    DOINDIVDUOCOMOREPRESENTAOCOLETIVA

    Na tribo ou na horda, nas civilizaes agrrias ou nas civilizaesteocrticas, o indivduo apenas uma pea da engrenagem social. Funcionasegundo as exigncias do meio, guiado pelas foras operantes da estruturasociocultural.DenisdeRougemontdemonstroucomoessasforasdeterminamasujeioabsolutado indivduoestrutura.Quandoele se reconhecedotadode caractersticas prprias, realizandose na transcendncia horizontal. Darelaosocial,destacasedamassa.Correentooriscodaexcomunho.Masse

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    dispuser de estrutura individual suficientemente unificada (personalidade)poder elevarse sobre o meio, iniciando a fase da transcendncia vertical.Nesse caso ele se projeta como uma forma de representao coletiva. Serentoochefe,older,oguia,integrandoogrupodirigentedacomunidade,asuainteligncia.Masassimmesmo estar freadopelos condicionamentos sociais,terdefazerconcessesmoralsocial,aossistemasestabelecidos,screnasvigentes, ao contexto geral da tradio.Se quiser sobreporse a esses fatorespoder ser esmagado pela presso da massa, traduzida nas sanesinstitucionais.FoiocasodeScrates,comofoiocasodeJesus.

    Nas civilizaes sociocntricas do passado, que se desenvolviamisoladas,esseprocessoderepresentaocoletiva,quenatribosedividiaentreocaciqueeopagoprimeirorepresentandoopoderhumano,osegundoopoder espiritual, fundiuse na sntese do ReiDeus, sagrado e ungido paradirigiredefenderopovo.Areaonatural rigidezdessa institucionalizaoperigosa se fez sentir no campo das manifestaes paranormais, atravs deprofetas, orculos e pitonisas. JooBatista degoladopor ordemdeHerodes talvez o smbolo mais vigoroso da profecia social como revolta contra asagraoartificialdosreisdeuses.Masa representaocoletivaatingiuoseupontomximo na figura doMessias o sol fecundador dasmesses aps asagrurasdoinverno,segundoatesemitolgica.Osmessiaseramossalvadoreseaomesmotempoosvingadores,osquevinhamsalvaroshumildesecastigarospoderosos.InvestidosdasagraodivinapeloprprioDeus,centralizavam,nasuaindividualidadeprivilegiada,ospoderesdaTerraedoCu.Osseusensinosconstituam uma revelao divina, pela boca desses arautos falava o prprioDeus.

    Kardec analisou esse processo e definiu as revelaes messinicascomo pessoais e locais, tpica das civilizaes isoladas, dirigidas a umacomunidade determinada em sua localizao geogrfica.Nos fins do ciclo deisolamento, quando a sntese sociocultural grecoromana tentava abranger omundoecriavacondiesnovasdevida, omessiasjudeu,JesusdeNazar quemais tarde seria designado, significativamente, pelo nome domessias grego:Cristo apresentouse ainda como revelador pessoal e local,mas j abrindoperspectivas, em seus ensinos, para a universalidade que caracterizaria odesenvolvimento do Cristianismo, rompendo ao mesmo tempo osociocentrismo judeueaspretensesromanasdehegemonia.Areao, tantojudaica quanto romana, foi esmagadora, mas no conseguiu deter o fluxonatural da evoluo humana. A Igreja Crist, formada segundo os modelosjudaico e pago, por fora das determinantes histricas, apresentase entocomocuriosasntesedoTemplodeJerusalmedoCapitlio.ACadeiradeSoPedrosubstitui,aomesmo tempo,aCadeiradeMoisseoTronodeCsar.ODeusPai de Jesus se reveste dascaractersticas de Jpiter Capitolino eRomavolta a dominar omundo. OBispo de Roma transformase na representaocoletiva dasmassas brbaras convertidas ao Cristianismo.Na figura do Papaconcentramseospoderesda TerraedoCu.

    Entretanto,nomilniomedievaloprocessodialticoprossegue,lentoe

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    seguro.Ummundonovoest fermentandonasquerelasabsurdaseumanovarevelaoestsendoelaboradanassuasentranhaspsquicas.

    AFilosofiaGregainflamaopensamentocristo,despertandooparaacompreenso dos poderes do homem, do valor intrnseco do ser humano. OdogmadaencarnaohumanadeDeus,reflexodasteoriasegpciaseindianasdo avatar bdico, produz efeitos contraditrios. De um lado, reforatemporariamente o conceito do homemdeus do passado; de outro lado,desperta a ateno dos pensadores para os poderes divinos do homem. AsubversovaiseconfirmarnessalinhacomodesenvolvimentodoHumanismo.ACincia renascer das cinzas deAristteles e o homem se far o reveladorracionaldosmistriosencobertospelamsticareligiosa.

    As revelaes pessoais e locais esto definitivamente superadas. Osmessiasdopassadotornamsemsticosignorantes,incapazesderevestirsedospoderes da representao coletiva. A Revoluo Francesa proclamar asupremacia da razo sobre todo o passado fidesta. Kardec poder entodistinguirdoistiposderevelao,ambosdivorciadosdamsticaedomistrio:arevelao cientfica, feita pelos pesquisadores dosmistrios da Natureza, e arevelaoespiritual,feitaatravsdamediunidadeedapesquisadosfenmenosparanormais,dascondiesdomundosuprassensvel.Apartirdessemomentoasrevelaespessoais,locaisouno,noteronenhumsentido.Averdadenopertenceaningumemparticular,anenhumprofeta,messiasouvidente.umpatrimniocomum,aoalcancedetodososqueseesforamparadescobrila.Arevelaocoletiva.

    O indivduo como representao coletiva existiu e funcionou nasdimenses do passado, como exigncia natural de ummundo fechado em simesmo, incapaz de superar os condicionamentos sociomesolgicos de cadacivilizaoisolada,entreguessuasprpriasforas.Nomundonovoquesurgiudaaberturacrist,tendoporparadigmaaespeculaoatenienseeporbssolaa mensagem racional do Evangelho, no h mais lugar para a autoridadeindividualnotocanteproblemticadaverdade,quebrotadorealemsienodas interpretaes individuais, sujeitas a condicionamentos desconhecidos.Nenhumindivduotransformadoemrepresentaocoletivaenenhumcolgiode iluminados por sabedoria infusa pode decretar a verdade. A Filosofiadedutiva e sistemtica do passado cedia lugar lgica indutiva, liberta daspredeterminaesarbitrriasdossistemas.

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    IIFILOSOFIAEESPIRITISMO

    1.0queFilosofia?

    comum ouvirse de pessoas que no aceitam o Espiritismo aafirmaodequeaFilosofiaEspritanoexiste.Conhecidoprofessorbrasileirode Filosofia chegou a declarar numa entrevista imprensa brasileira que OLIVRODOSESPRITOSnada temde filosfico.AmesmacoisaacontececomoMarxismo.Papiniesforouse,emtodaasuavida,paraprovarqueMarxeraumeconomista,e, portanto,nodeviaserconfundidocomumfilsofo.Comoseumeconomista no pudesse e at mesmo no precisasse filosofar. Sartre, pelocontrrio, considera o Marxismo como a nica Filosofia do nosso tempo. Asopiniessocontraditrias,masissononosdeveimpressionar,poisopiniesno passam de palpites, de pontos de vista individuais, sujeitos sidiossincrasias de cada um. E Pitgoras, o criador do termo Filosofia, jafirmavaqueaTerraamoradadaopinio.Maistarde,Descartesadvertiuqueo preconceito e a precipitao, dois vcios comuns da espcie humana,prejudicamojuzoeimpedemadescobertadaverdade.

    Um filsofo, um professor de filosofia, um pensador honesto e atmesmouma simplescriatura debomsensonopodemnegara existncia daFilosofiaEsprita,amenosquenosaibamoqueessapalavrasignifica.Muitomenos negar a natureza filosfica de O LIVRO DOS ESPRITOS, que umverdadeiro tratadodeFilosofia.Vejase,porexemplo, comoYvonneCastellan,que no esprita, encara esse livro em seu estudo sobre o Espiritismo.ConsulteseoDICIONRIOTCNICOECIENTFICODEFILOSOFIA,deLalande.Eleiase o admirvel ensaio de Gonzales Soriano, desafiadoramente intituladoELESPIRITISMOESLAFILOSOFIA.

    So muitas as definies de Filosofia, mas a que subsiste comoessencialaindaadePitgoras:AmordaSabedoria.Daiaexatidodaqueleaxioma: A Filosofia o pensamento debruado sobre si mesmo. Eis adescrioperfeitadeumatodeamor:amesedebruasobreofilhoporqueoamaedesejaconheclo.Asabedoriafilhadopensamento,queaembalaemseusbraos,alimentandoae fazendoacrescer.Assim,oobjetodaFilosofiaelamesma,noestfora,noexterior,masdentrodela.Podemosdefinilocomoarelaoentreopensamentoearealidade.EssaarazodeGonzalesSorianoafirmar que o Espiritismo a Filosofia. Razo, alis, que ele demonstrafilosoficamenteemseulivro.OEspiritismo,segundosuadefinio,asnteseessencialdosconhecimentoshumanosaplicadainvestigaodaverdade.opensamentodebruadosobresimesmoparareajustarserealidade.

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    2. OqueEspiritismo?

    RespondidaaperguntasobreFilosofiadevemostratarligeiramentedanaturezadoEspiritismo.Enadamaisnecessriodoqueisso,porquenadamaisdesconhecidoemnossomundodoqueele.FalasemuitoemEspiritismo,masquasenadasesabea seurespeito.Kardecafirma,na introduodeOLIVRODOS ESPRITOS, que a fora do Espiritismo no est nos fenmenos, comogeralmente se pensa, mas na sua filosofia, o que vale dizer na suamundividncia, na sua concepo da realidade. Mas de onde vem essaconcepo?Comofoielaborada?

    Os adversrios do Espiritismo desconhecem tudo a respeito e fazemtremenda confuso. Os prprios espritas, por sua vez, na sua esmagadoramaioria esto na mesma situao. Por qu? fcil explicar. Os adversriospartemdopreconceitoeagemporprecipitao.Osespritasemgeralfazemomesmo: formularamuma ideiapessoal daDoutrina, um esteretipomental aqueseapegaram.Amaioria,dosdoislados,seesquecedestacoisaimportante:o Espiritismo uma doutrina que existe nos livros e precisa ser estudada.Tratase, pois, no de fazer sesses, provocar fenmenos, procurarmdiuns,masdedebruaropensamentosobresimesmo,examinaraconcepoespritadomundoereajustaraelaacondutaatravsdamoralesprita.

    Assim, temos alguns dados: o Espiritismo uma doutrina sobre omundo,dnosasua interpretaoenosmostracomonosdevemosconduzirnele.Mas comonasceu essa doutrina, emque cabeaapareceupela primeiravez?Dizemque foinadeAllanKardec,masnoverdade.OprprioKardecnosdizocontrrio.Osdadoshistricosnosrevelamoseguinte:oEspiritismose formou lentamente atravs da observao e da pesquisa cientfica dosfenmenos espritas, hoje parapsicologicamente chamados de fenmenosparanormais.OsestudoscientficoscomearamseisanosantesdeKardec,nosEstados Unidos, com o famoso caso das irms Fox em Hydesville. QuandoKardec iniciou as suas pesquisas na Frana, em 1845, j havia uma grandebibliografia esprita, com a denominao de neoespiritualista, nos EstadosUnidos e na Europa. Mas foi Kardec quem aprofundou e ordenou essaspesquisas, levandoas s necessrias consequncias filosficas, morais ereligiosas.

    OLIVRODOSESPRITOS"nosofereceasmuladotrabalhogigantescodeKardec.Mas sequisermosconheceresse trabalhoemprofundidade temosde ler toda a bibliografia kardeciana: os cinco volumes da codificaodoutrinria, os volumes subsidirios e mais os doze volumes da RevistaEsprita, que nos oferecem o registrominucioso das pesquisas realizadas naSociedadeParisiensedeEstudosEspritas.Eprecisamosnosinteressartambmpelos trabalhos posteriores de Camille Flammarion, de Gabriel Dellane, deErnesto Bozzano, de Lon Denis (que foi o continuador e o consolidador dotrabalhodeKardec).

    Veremos,assim,queKardecpartiudapesquisacientfica,originandosedesta a CinciaEsprita;desenvolveuaseguirainterpretaodosresultados

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    da pesquisa, que resultou na Filosofia Esprita; tirou, depois, as conclusesmoraisdaconcepofilosfica,quelevaramnaturalmenteReligioEsprita.por isso que o Espiritismo se apresenta comodoutrina de trplice aspecto. ACincia Esprita o fundamento da Doutrina. Sobre ela se ergue a FilosofiaEsprita. E desta resulta naturalmente a Religio Esprita. Muitas pessoas seatrapalhamcom isso e perguntam: Comoumadoutrina pode ser, aomesmotempo,Cincia,FilosofiaeReligio?Masessaperguntarevelaaignornciadoprocesso gnoseolgico. Porque, na verdade, o conhecimento se desenvolveunessamesmasequncia eemtodasasformasatuaisdeconhecimentorepeteseoprocessofilogentico.

    No Espiritismo, porm, esse processo aparece bem preciso, bemmarcadoporsuasfasessucessivas,entrosadasnumasequncialgica.PodemalgunscrticosalegarqueKardecnopartiudapesquisa,masdacrena.Algunschegam a afirmar que foi assim, que ele j acreditava nas comunicaesespritasantesdeiniciaroseutrabalhodeinvestigao.Masessaafirmaofalsa, a suposio gratuita. Basta uma consulta s anotaes ntimas deOBRASPSTUMASesbiografiasdomestreparaseverocontrrio.Quandolhefalarampelaprimeiravezemmesinhasfalantes,Kardecrespondeucomoofazemoscticosdehoje:Issoconversaparafazerdormiremp.Sdeixouessa atitude ctica depois de constatar a realidade dos fenmenos. Entopesquisou,aprofundouaquestoelevouasltimas consequncias,comoera,alis,deseuhbito,doseufeitiodeinvestigador.CharlesRichetlhefazjustia(emboradiscordandodele)emseu TratadodeMetapsquica.

    Encarando a obra de Kardec pelo seu aspecto cientfico, sem ospreconceitosquetmimpedidoasuajustaavaliao,elanospareceinatacvel.Alegasequeoseumtododepesquisanoeracientfico,masfoieleoprimeiroaexplicarquenosepodiamusarnapesquisapsquicaosmtodosdascinciasfsicas.OdesenvolvimentodaPsicologiaprovariamaistardequeKardecestavacomaRazo.Hoje,aspesquisasparapsicolgicasoconfirmam.No tocanteaoaspecto filosfico, o desenvolvimento atual das investigaes mostram aposio acertada do Espiritismo como doutrina assistemtica, livre dosprejuzos de esprito de sistema, como declara O LIVRO DOS ESPRITOS",utilizandoaconjugaodosmtodosindutivoededutivoparaoesclarecimentodarealidadeemseuduplosentido:oobjetivoeosubjetivo.AFilosofiaEspritase apresenta como antecipao das conquistas atuais do campo filosfico eaberturadeperspectivasparaofuturo.

    3.ATradioFilosfica

    A Filosofia Esprita se apresenta naturalmente integrada na tradiofilosfica. Foi por isso que Kardec colocou, sobre o ttulo de O LIVRO DOSESPRITOS",aindicao:FilosofiaEspiritualista.EmOEVANGELHOSEGUNDOOESPIRITISMO eleindicaScratesePlatocomoprecursoresdoCristianismoedoEspiritismo,sendoesteodesenvolvimentohistricodaquele.Maspodemos

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    irmaislonge,demonstrandoasmltiplasrelaesdaFilosofiaEspritacomasmais significativas escolas filosficas do passado. Na verdade, a FilosofiaEsprita seapresenta,parao investigador imparcial,comoodeltanaturalemquedesembocanopresentetodaatradiofilosfica.

    Essaconvergncia,porm,nosefazde sbito,noum arranjo,comopretendemosadversriosgratuitosdoEspiritismo.Podemosver comosolhos oprocesso de convergncia delinearse na prpria Histria da Filosofia. Dospitagricos (com sua simbiose espiritual traduzida na doutrina dametempsicose) aos jnicos (com sua busca da origem nica, da substnciaoriginria), aos eleatas (com a procura do Ser em seu sentido absoluto), atPlotino (o neoplatonismo investigando a alma viajora), passando pelacontribuio da doutrina de forma ematria, de Aristteles (antecipao dateoriaespritadoperisprito),chegamosaoRenascimento.Enestafasequeaconfluncia se define: primeiro com a rebelio de Abelardo, preparando oadvento de Descartes; depois, com este, o pai do pensamento moderno, queescreveuo DISCURSODOMTODO sob inspirao doEsprito daVerdade;aseguir com Espinosa, que fez da TICA um livro precursor (em estrutura,substnciaeligaeshistricas)de OLIVRODOSESPRITOS.

    A tradio filosfica o terreno vasto e profundo em que podemosdescobrir as razes da Filosofia Esprita. Mas, como vimos, essa tradio seprolongaatomundomodernoquecomeounoRenascimentoeveiofindarnaguerra de 191418. E depois, no mundo contemporneo, reencontramos asconotaes filosficas do passado. No mundo moderno podemos lembrar asfigurascentraisdeHegeleKant,oprimeirocomsuadialticada ideia (evoluodo princpio espiritual atravs da matria) e o segundo com sua teoria donmeno edofenmenoesuacrticadarazo(correspondentesteoriaespritada alma e matria e a crtica da f em Kardec). Na atualidade as principaisescolas filosficas apresentam relaes evidentes com a Filosofia Esprita.Estudaremos essas relaes no prosseguimento deste trabalho. Mas convmdestacar desde logo o paralelismo da corrente filosfica caracterstica dopensamentoatual comoEspiritismo.Paralelismo tantomaisevidentequantose apresenta no tempo e no espao (contemporaneidade), no mtodo deabordagemdos problemas filosficos (o enfoque ontolgico existencial), e naprocuradacompreensoracional(humanaenoteolgica)daproblemticadaexistncia.EacorrentedasFilosofiasdaExistncia,quesurgiunamesmapocadoEspiritismo;naEuropa,namesmaposioassistemtica(Kierkegaardesuaaversoaossistemas),comomesmoprocessodeabordagemdoproblemadoSer(atravsdoserhumanonaexistncia)eamesmabuscadetranscendncianainterpretaodanaturezahumanaouessnciadoser.

    MasacontececomoExistencialismooqueKardecassinalounotocantes cincias materiais: o paralelismo com o Espiritismo vai at o limite daconceituao da existncia. Depois desse limite o Espiritismo prosseguesozinho, investigando e aprofundando o problema das relaesinterexistenciais, que abre as possibilidades de comprovao das antigasintuiessobreasexistnciasmltiplasdoser.NoEspiritismoessasintuies,

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    que desde a antiga metempsicose egpcia, adotada pelos pitagricos, at aressurreiojudaicaeateoriacatlicaderessurreiodacarnesemantiveramno plano sobrenatural, transformamse em conceitos racionais comprovadospelaexperinciaeainvestigaocientfica.

    Chegamos assim a um ponto de contato da Filosofia Esprita com opantesmodeEspinosa,que odanegaodosobrenatural.AFilosofiaEspritanopantesta o queestexplcitoem OLIVRODOSESPRITOS.Masissonoimpede que haja entre Espinosa e Kardec a concordncia no tocante aosobrenatural. Para a Filosofia Esprita o sobrenatural, segundo a concepovigente at nossos dias, apenas o natural ainda no conhecido, pois tudoquantoexistepertenceNaturezaetudoquantoestiveralmdaNaturezanoacessvelaonossoconhecimento(posioparaleladocriticismokantiano).EsseconceitodeNaturezanoEspiritismoumdospontosmaissignificativosda Filosofia Esprita e a coloca numa posio de vanguarda perante opensamento contemporneo. Quando as cincias atuais se viram obrigadas aadotar a expresso paranormal, como substitutiva da expressosobrenatural,nasinvestigaessobreanaturezahumana,nadamaisfizeramdo que seguir a orientao firmadapelo pensamento esprita hmais de umsculo.

    Como se v, desta simples exposio inicial, inegvel a natureza desntese da Filosofia Esprita. Ela representa um daqueles momentos deconflunciadetodasasconquistasculturaisdohomemparaumdeltacomum,aquese refereArnoldToynbeenosseusestudossobreodesenvolvimentodascivilizaes. Ernst Cassirer, filsofoalemocontemporneo, em seu ensaio ATRAGDIA DA CULTURA; analisa o processo de evoluo cultural do homematravsdascivilizaessucessivas,demonstrandoqueasconquistasessenciaisdecadapocasotransmitidasoutrapormeiodeconcretizaes,deformassintticasdeexpresso.OEspiritismo,comoafirmaramKardec,LonDenis, SirOliver Lodge, Gustave Geley e Gonzales Soriano, entre outros, a snteseculturaldonossotempo.AFilosofiaEspritasintetizaemsuaamplaedinmicaconceituaotodasasconquistasreaisdatradiofilosfica,aomesmotempoem queiniciaonovociclodialticodanovacivilizaoemperspectiva.

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    IIITEORIAESPRITADO

    CONHECIMENTO

    1. Comoconhecemos?

    JvimosqueoproblemadoconhecimentobsicoemFilosofia.Poisseesta tem por objeto a Sabedoria, o que vale dizer o nosso saber, aquilo quesabemos,claroqueoconhecimentoeamaneirapelaqualoadquirimosdeimportnciafundamentalem todaaindagao filosfica.Por issoaTeoriadoConhecimentoumadaspartesmaiscomplexasemaisdebatidasdaFilosofia,em todos os tempos.Na Filosofia Esprita ela assumeuma importncia aindamaisprofunda,poisapergunta Comoconhecemos? implicaarelaoespritocorpo. E essa relao exigea definio dosseus componentes, envolvendo asperguntas oque esprito? e oquecorpo?.

    Mas antes dessas questes h outra, relacionada com os prprioselementosdoatodeconhecer.A tradiofilosficanosmostraduasposiesclssicas diante desse problema: a platnica ou socrticoplatnica, queenvolveaquestodareminiscncia,das ideias inatas,ea sofstica ou empricaque se refere apenas aos nossos sentidos. H entre esses dois camposnumerosasescolasesubescolas,masparaonossopropsitobastamessasduaslinhasfundamentais,quepermanecemvlidasemnossosdiaserepresentamaspontasdodilemadeconhecer.Nessasduaslinhasarespostapergunta Comoconhecemos? dadapelaseguintecontradio:

    a) Conhecemospeloesprito;b) Conhecemospelossentidos.

    O primeiro a dar uma resposta conciliatria, ao que nos parece, foiAristteles com a sua teoria dos dois espritos do homem: o formativo e oreceptivo. Esta dualidade resolvida pela Filosofia Esprita de maneiradialtica,comoveremos.

    Os elementos do conhecer podem ser definidos como a razo e osensrio. Nesses dois elementos encontramos os seus respectivosinstrumentos, que podemos chamar os instrumentos do conhecer. Na razoencontramos os conceitos ou ideias, que Scrates foi o primeiro a descobrir(escondidosatrsdaspalavras)equeKantchamariamaistardedecategorias.No sensrio encontramos as sensaes, que na Psicologia atual podemoschamardepercepes.Assim,oconhecerumatoderelao.Oconhecedorque o homem se pe em relaocom alguma coisa, percebe essa coisa e

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    procuraidentificla.Masidentificlacomoque?Comosconceitosouideias,com as chamadas categorias da razo, que no esto nos sentidos, mas noesprito. Essa identificao o prprio ato de conhecer. Captamos pela vistauma forma distncia. Ela nos parece um cavaleiro. Identificamos a formavisual com a ideia ou conceito de um cavaleiro. Mas, ao nos aproximarmos,verificamos que se trata de uma pedra com forma de cavaleiro: refazemos aidentificao automaticamente. E assim que um objeto captado pelos nossossentidospodeenganarnos,masaverificaodarazocorrigeoerro.

    Esto a os dois espritos da teoria de Aristteles. O primeiro oespritoformativo,queparaAristteles eraaprpriaalmahumanaprocedentedomundoespiritual,nosujeitasinflunciasdomundoexterior.Osegundooespritoreceptivo,umaespciedematriaemqueseimprimemassensaesdo mundo exterior, segundo Aristteles. Isto implica a teoria aristotlica daforma ematria. As formas domundo exterior se imprimem namatria dossentidosedoformaaessamatria.MasnaFilosofiaEspritanoassim.Ossentidossoapenasinstrumentosdecaptao.Eessesinstrumentospertencemcondioexistencialdohomemencarnado,dohomemnomundo.Ohomemumcompostodeespritoecorpo.OcorpooescafandrodequeoEspritoseserve para mergulhar nas profundidades da matria. Quando deixamos oescafandroosseusinstrumentosnofuncionam.Quandodeixamosocorpoosseusinstrumentosmorrem.

    Para a Filosofia Esprita, portanto, a dualidade de espritos da teoriaaristotlica no existe. O homem essencialmente um Esprito. Assim, oEspritoasubstnciadohomemeocorpooseuacidente.Apercepoumafaculdade do Esprito e no do corpo. o escafandrista que v atravs dosvidros do escafandro e no este que v pelos seus vidros. A contradio dasteoriasplatnicaesofisticadoconhecimentoseresolvenumasntesefuncional.Essa contradio ainda existe na Filosofia atual. Podemos representla pelateoriaracionaldeKanteaempricaousensorialdeLocke:aescolaracionaleempricadoconhecimento.Asntesefuncionalaquenosofereceareuniodoracionalismo e do empirismo num sistema de funes. Esse sistema oprocesso vital do homem, ou seja, um Esprito encarnado, uma razoprisioneiradaredesensorial,funcionandoemrelaoaomundoatravsdessarede.

    A percepo, segundo a Filosofia Esprita, uma faculdade geral doEsprito, que abrange todo o seu ser. Vejase o ensaio terico sobre assensaesdosEspritos,emOLIVRODOSESPRITOS.OEspritonopercebeatravsdosrgos,novpelosolhosnemouvepelosouvidos.Veouveportodooseuser.Somentequandosujeitoaocorpotemasuaperceporeduzidaaoorganismosensorial.Mas,apesardisso,asujeiocorpreanoabsoluta.OEsprito,mesmoencarnado,extravasadoslimitessensoriaisetempercepesextrassensoriais.Essaagrande descoberta da Parapsicologia,que,segundooprprio prof. Rhine: s nova para a Cincia. Sim, pois os homens sabem,desdetodosostempos,quepodemversemosolhosepercebersemossentidosemtodososcamposdapercepo.

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    Masseoshomenspodemversemosolhos,hodevertambmcoisasnovisveisparaosolhos.Eisaquesto,diriaShakespeare.EessaquestonoslevadevoltateoriadasreminiscnciasdeScratesePlato.Queteoriaessa?Adequeosnossosespritos,ouseja,nsmesmos,antesdeencarnarmosnestemundojconhecamosmuitascoisas.Esseconhecimentoestdentrodensnaformadereminiscncia,delembranaamortecidapelacarne.PorissoScratesinventouamaiutica,oprocessodetiraroconhecimentodasprofundezesdoignorantecomosetiraguadopoo.EPlatoensinou,comofamosomitodacaverna, que na terra somos apenas sombras, as projees passageiras eirreaisdensmesmos,dosnossosespritos,quenarealidadevivemacimadamatria, transcendema ela. E hoje os parapsiclogosmais esclarecidos,maisconsequentesconsigomesmos comoocasalRhine,osprofs.Soal,Carington,Price, Tischner e outros , afirmam que a mente e o pensamento no somateriais, pertencem a outro plano da natureza, a outro plano da complexaestrutura do Universo. A teoria esprita do conhecimento tem a sano dasltimasconquistascientficas.

    Masvoltemosaindaaosinstrumentosdoconhecimentoparatratarmosdeumdeles,queparaaFilosofiaEspritademuitaimportncia.Tratasedaideia ouconceitode esprito.Todasasespeculaesforamfeitasparaexplicaraexistncia desse conceito. Conhecese a teoria da projeo anmica, deFeuerbach,adotadapeloMarxismo:NofoiDeusquemcriouohomem,masohomemquemcriouDeus;ateoriaanimistadeTaylor;ateoriadaimaginaoprimitivadeSpencer,queoseudiscpuloErnestoBozzanoampliouparatornlaesprita.EemBozzano(POPOLIPRIMITIVIEMANIFESTAZIONESUPERNORMALE)quevamosencontrararespostaespritaatodasessashiptesesimaginosas.Oconceitodeesprito umacategoria lgica, semelhantesdeespaoe tempo,queohomemdesenvolveucomaexperinciasensvel.AspesquisascientficasdaMetapsquica,dachamadaCinciaPsquicaInglesa,daantigaParapsicologiaalemedaatualParapsicologia,aoladodasinvestigaesclssicasemodernasda Cincia Esprita confirmam essa teoria. No foi da imaginao primata(incapazdetalabstrao)quesurgiuoconceitode esprito,masdosfenmenosde aparies, de materializaes e de todos os tipos de manifestaesparanormais.

    2 Oqueconhecemos?

    OEsprito,pois,oconhecedor,oprincpiointeligentedaNatureza,cujafaculdadeperceptivasedesenvolveatravsdefasessucessivas.Primeiro,temos a sensibilidade vegetal; depois, a perceptibilidade animal; por fim, ainteligncia humana. Uma frase clebre de Len Denis resume todo esseprocessomilenar: Aalmadormenapedra, sonhano vegetal, agitasenoanimaleacordanohomem.OconceitodealmafoiestudadoporKardecnaintroduodeOLIVRODOSESPRITOS.AFilosofiaEspritadefineaalmacomooEspritoencarnado.Oprincpiointeligente,quandomanifestadonamatria,produz a vida, segundo o nosso restrito conceito de vida. Assim, ele anima a

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    matria, animodoslatinos,aalmadascoisasedosseres.Nohomem,aalma o Esprito que anima o corpo. Quando o homemmorre sua alma volta aoestadodeEsprito, libertasedafunodealma.Noexistemalmasdooutromundo, pois estas, na verdade, soEspritos.Mas o que que o conhecedorconhece,oquequeconhecemosatravsdanossafaculdadeperceptivaedanossacapacidadeintelectiva?Hoconhecimentodascoisasexterioreseodascoisas interiores. H a percepo objetiva, que estabelece a relao sujeitoobjeto, e a percepo subjetiva, que faz do sujeito o seu prprio objeto. Issoquerdizer,emtermosepistemolgicos(nateoriadascincias)quehCinciaehFilosofia.Comojvimos,aCinciainvestigaosobjetosexteriores,aFilosofiainvestiga a si mesma, o pensamento debruado sobre si mesmo. PodemosretornarsexplicaesdePlato:homundosensveleomundo inteligvel.Temos acesso ao sensvel por meio da percepo, captamos, sentimos,percebemosascoisasexteriores.Temos acessoaointeligvelpormeiodarazoe da intuio. So essas as duas faces da realidade. O verso e o reverso damoedacomquepagamosodireitode saber.DesdeotempodosgregosanossaCivilizao Ocidental vem se debatendo entre esses dois campos doconhecimento. Hoje, temos o mundo dividido em duas partes: numa sedesenvolve o pensamento materialista como ideologia oficial dos Estados;noutra, o pensamento espiritualista namesma posio. Nem uma nem outradessas formas de pensamento, dessas sistematizaes do conhecimento,conseguiutrazernempodertrazeraohomemasoluodosseusproblemas.AFilosofiaEsprita secolocaentreambasenosoferecea soluodialtica,nostermos da velha e boa dialtica de Hegel, mostrando o equvoco dessedivisionismo artificial e anunciando o advento da compreenso global darealidade.

    EspritoematriaensinaaFilosofiaEspritasoosdoiselementosconstitutivos do universo. Sobre ambospaira o poder unificador que Deus.Essa,dizOLIVRODOSESPRITOS,atrindadeuniversal.Masarealidadenosefechaapenasnessetrptico,nesseesquemageral.Elaunaemessncia,masmltiplanassuasmanifestaes.Aleicsmicaadadiversidadedaunidade.Quererreduzirorealaumdosseusaspectos,omaterialistaouoespiritualista,simplesutopia.AprpriaHistriadaFilosofianosmostraa impossibilidadede uma interpretao esquemtica da realidade. Os esquemas das diversasescolasfilosficasserviramapenasdemuletasdopensamento,emsua buscadaverdade.Hoje,os filsofoscompreendemqueasescolasservemcomopontosde observao, comoposies estratgicas e nocomotrincheiras definitivasno campo de batalha do conhecimento. No mais se formulam grandessistemas. A poca dos sistemas passou. A sistemtica foi substituda pelaproblemtica:importamosproblemas,noasexplicaesconclusivas.

    A Filosofia Esprita foi umaantecipaodessa nova atitude filosfica.Namesmapocaemquesurgiamosdoisltimosgrandessistemasfilosficos:oPositivismodeAugustoComteeoMarxismo,osEspritosdiziamaKardecqueeranecessrioapresentaraomundoumaFilosofiaracional, livredosprejuzosdo esprito de sistema. E lhe davamas linhasmestras do novo pensamento

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    atravsdoprocessodinmicododilogo,quehojeestconsagradoemtodoomundo.Aformadeperguntaserespostasde OLIVRODOSESPRITOS,svezesconsiderada como antiquada por alguns espritas sequiosos de novidades, hoje a forma preferida para a busca de solues em todos os setores dasatividadeshumanas.OdilogoamaiuticadeScrateseadialticadePlatoe de Hegel ressuscitadas em nosso tempo. o instrumento mais prtico deconhecimentonoplanosocial.EfoiatravsdelequesurgiuaFilosofiaEsprita,nodilogomedinicodeKardeccomosEspritos.

    A mediunidade se apresenta como a oportunidade do dilogoparanormal.Apalavra paranormal simplesmenteumasubstitutadapalavrasobrenatural.ClassificaofenmenonaturalinabitualaquesereferiaRichet.Naproporo em que os homens avanam na evoluo espiritual o dilogomedinico se integra na normalidade. Quando Scrates dialogava com o seudaimon (demnio ou Espritoprotetor)ouquandoJoanaD'Arcdialogavacomassuas vozes, ou quando Abraho Lincoln ( maneira do patriarca bblico)dialogavacomosEspritosnaCasaBranca,emWashington,noestavamforadaNaturezanemdenormalidades.Saignornciadasleisnaturaisqueregemacomunicao interexistencial (acomunicaomedinica entreos diferentesplanosdeexistncia) levouoshomensatrataremoassuntocomprevenoeexcesso de superstio. O dilogomedinico que fez a Donzela de Orlans aempunhar a espada e salvar a Frana, que levou Scrates a impulsionar oconhecimento, que fez Lincoln assinar a lei de libertao dos escravos nosEstadosUnidos,queorientouMackenzieKingnogovernodoCanad,eassimpordiante,levouKardecaformularaDoutrinaEspritaeofereceraomundoamaiorsntesefilosficadetodosostempos,que aFilosofiaEsprita.

    3 Oprocessognoseolgico

    Aplicada ao Espiritismo, na avaliao da totalidade da Doutrina, aTeoriaEspritadoConhecimentonosmostraessadoutrinacomoaltimafasede um processo gnoseolgico que abrange toda a evoluo humana. Kardecexplica,nocap.Ide AGNESE,osmotivosdoaparecimentodoEspiritismoemmeadosdo sculo passado. Era necessrio o desenvolvimento das Cincias, asuperaoracionaldosestgiosanterioresdaevoluoparaqueohomemsetornassecapazdecompreenderoproblemaesprita.Oprocessognoseolgicoiniciadonaera tribal sedesenvolveatravsdas fasesanmica,mgica,mtica,mstica ou religiosa, atingindo a cientfica ou racional e passando ento psicolgicaouesprita.

    Lembremonos rapidamente da lei dos trs estados da evoluognoseolgica segundoAugusto Comte. Temosprimeiroo estado teolgico emquetudoseexplicapelaintervenodosdeuses;aseguir,oestadometafsicodasexplicaesabstratas(opiofazdormirporquetemavirtudedormitiva)edepoisoestadopositivoemquepredominamasCincias.Kardecacrescentouaessateoria,porsugestodeumleitordaREVISTAESPRITA(Vejaseon.deabril de 1858) o estado psicolgico iniciado pelo Espiritismo. Vemos hoje o

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    acertodesseacrscimo.Ascinciaspsicolgicasdominamomundoatualejseabriramparaofuturoatravsdainvestigaoparapsicolgica.AHumanidadeavana,segundoaobservaodeSimonedeBeauvoir,quenoesprita,numconstante devir. O homem se liberta da matria, emancipandose comoEsprito.

    Mas o Espiritismo no apenas a fase derradeira do processognoseolgico em que nos encontramos como componentes da Humanidadeterrena.Eleapresentatambm,emsi mesmo,ascaractersticasdeumprocessognoseolgico especial. A Teoria do Conhecimento nos mostra que as fasessucessivasdoconhecerserepetemnodesenvolvimentodo Espiritismo.Atravsdo seu aspecto cientfico ele nos oferece a captao sensorial do mundofenomnico,dessafaixadaNaturezaemqueo Espritosemanifestanosensvel,e a captao extrassensorial do inteligvel, da realidade espiritual. Atravs daFilosofia Esprita nos d a interpretao racional do Universo e do Homemnumavisointegral.AtravsdaReligioEspritamoral,normativaejamaisritual,sacramental,destitudaderesduosmgicos,determinaaorientaoadequada,noplanoexistencial,nossacondutaemfacedarealidadeamplaqueconseguimosdescortinar.

    Assim,aTeoriaEspritadoConhecimentoexplica,aomesmotempo,oproblemadoconheceremsuaexpressomaissimpleseemsuaexpressomaiscomplexa. Aprendemos, graas a ela, que o processo gnoseolgico umaconquista e uma integrao. Conquistando pelo conhecimento progressivo osaber esprita integramonos na realidade multidimensional da era csmica.No pensamos mais em termos geocntricos, organocntricos ouantropocntricos e por issomesmo no vivemosmais apegados a temores esupersties.OEspiritismonosconfereaemancipaoespiritualdecidadosdoCosmos.PertencemosHumanidadeCsmica.

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    IVFIDESMOCRTICO

    A Teoria Esprita do Conhecimento nos levou da simples sensaoat a captaoda realidade espiritual. O Espiritismo, como sntese de todo oprogresso espiritual da Humanidade, repete em seu desenvolvimento oprocessofilogenticodoconhecer.OEspiritismoaparece,assim,comoumnovoser da famlia doconhecimento. Amaneira dascrianas que repetem em suavida intrauterina o processo da evoluo animal, o Espiritismo reinicia adescoberta do mundo no campo fenomnico atravs da sensao e dapercepo, passando pelo desenvolvimento racional para atingir o planometafsico da f.Masa f espritaapresentase como raciocinada e,portanto,provenientedoraciocnio.umafilhadarazo,enoobstantetemcomopaiosentimento.

    Se ns lembrarmos de que a razo, no plano existencial procede dasensao, veremos que a imagem do processo filogentico se justifica. ParaKant a razo era um sistema de princpios universais e necessrios queorganizavaosdadosdaexperinciasensvel.Eraoespritohumano,dotadodopoderdediscerniredisciplinarassensaes,queorganizavaoconhecimentoapartir das categorias racionais. Para os neokantianos atuais, na corrente doRelativismoCrticodeOctaveHammelineRenHubert,ascategoriasdarazose formam na experincia, so as prprias experincias sensoriaistransformadas em elementos dinmicos do psiquismo. Na Filosofia Espritaesses elementos so apriorsticos, segundo entendia Kant, mas comopotencialidades.Aexperincia sensvelosdesenvolveeatualiza, transformaapotnciaemato.

    Vemos assimque a sensao excita e desenvolve a razo,mas esta quedsentido sensao.Oprincpio inteligenteuniversalpossuiosgermesdarazo,queaexperinciasensorialfazdesabrochar.Nocap.ProgressodosEspritos,de OLIVRODOSESPRITOS,itens114a127,vemosqueaevoluoespiritual (semelhante ao desenvolvimento psquico das crianas) parte dogeral indiferenciado (indiferenciao psquica) para a diferenciaoprogressiva dos reinos vegetal, animal e hominal, atingindo neste a plenaindividualizao e buscando conscientemente a perfeio. Os Espritoshumanosaparecemnoplanoexistencialdotadosdeinteligncia(capacidadedecaptaronexodascoisasedas ideias),delivrearbtrio(liberdadedeescolha)eda misso (obrigao a cumprir) a desenvolver na ordem universal ou naharmoniadoUniverso,aperfeioandosemoralmenteparaseaproximaremde

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    Deus. Issonosmostraoconhecimentocomoumprocessoquevaidofinito(oplano fenomnico ou sensorial) ao infinito (Deus) demaneira que sensao,razoeintuioaparecemcomosimplesfases(dedesenvolvimentosucessivo,mascoexistentesnodinamismoespiritual)daevoluodosseres.

    Razo e F constituem, portanto, elementos essenciais do Esprito,conjugados em torno de um eixo que a Vontade. Esta, a Vontade, serepresentapelolivrearbtrio,oprincpiodaliberdade,semoqualaRazodenadaserviriaeaFnoteriasentido.VseclaramenteanaturezasintticadoEspiritismo. Todas as antinomias, todas as contradies se resolvem numavisomais ampla do problemauniversal.O racionalismoeo empirismo, opositivismo e o idealismo, o materialismo e o espiritualismo, oontologismo e o existencialismo, e assim por diante, encontram o seudeltacomumnumavisogestlticaouglobaldoUniverso.Nohmotivopara as interminveis disputas a respeito de Razo e F, pois ambaspertencemprpria substnciadoser,quedesprovidodeumadelas jnopoderiaser.

    FeRazoestoimplcitasnaprpriadestinaodossereseaRazosedesenvolve,aomesmotempo,apoiadanaFebuscandoaF.Viceversa,aF serve de apoio Razo e nela encontra omeio de se desenvolver. Para ademonstraodessesincronismoaFilosofiaEsprita tevedecumprira tarefadeexplicaraF.IssolevouKardecarealizaracrticadaF,comoKantseviraobrigado, para superar as divergncias do empirismo e do racionalismo, arealizar a crtica da Razo. Kardec no faz um trabalho sistematicamentefilosficoporqueoseuobjetivonofundarumsistemanovodeFilosofiamasofereceraomundoumaFilosofiaRacional, livredosprejuzosdoespritodesistema,comojtivemosoportunidade dever.MasasuacrticadaFpenetranaraizdoproblema.Depoisdemostrarqueelapertenceprpriaessnciadoser,estudaoprocessodasuamanifestao.Psicologicamente(itens960a962de O LIVRO DOS ESPRITOS) a f se apresenta como o sentimento inato dejustia que todas ascriaturas humanaspossuem. Sentimento que seapoia naideia inata de Deus, nessa certeza intuitiva que faz do homem uma criaturanaturalmentereligiosa,apontodenuncahaverexistidoumatriboouumpovoateu.Assim,sociologicamenteaFsemanifestacomoumelementodeligaosocial, o cimento que embasa as estruturas da sociedade e se concretiza nasinstituiesreligiosas.GnoseologicamenteaFsetraduznaLeideAdorao,leinaturalquedirigetodooprocessodaevoluohumana,individualecoletiva,equesaparecedefinidaeestudadaem OLIVRODOSESPRITOS.

    Nocap.XXdeOEVANGELHOSEGUNDOOESPIRITISMOKardecestudaosaspectosimanenteetranscendentedaF.OimanenteoqueelechamaaFhumana,queconsistenaconfiananarealizaodealgumacoisa,acertezadese atingir um fim.O transcendente a f religiosa.Ohomem tem f em simesmo,nasua fora,nasua inteligncia,nasuacapacidade.Mas temf,tambm,noseudestino,nasforassobrenaturaiseemDeus.Emtodososestgiosdasuamanifestao,desdeaserasprimitivasatosnossosdias,aFse justifica pela Razo. Mas somente na era esprita, no momento em que o

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    Espiritismo desvenda novas perspectivas compreenso humana, a f seconfirmapela explicao racional e se demonstra demaneira cientfica. A Fcega do passado se transforma ento na F racional e raciocinada doEspiritismo.

    AposiocrticadeKardecemrelaoFassemelhasedeKantemrelao ao problema da Razo. Ambos procuram tirar a Filosofia de umimpasse.Nosculodezoitoesseimpassesereferianaturezaeaoslimitesdoconhecimento. Ao dogma metafsico da Razo como elemento nico doconhecimento,eaodogmaempiristaquecolocavaas sensaesnessamesmaposio, sucederaoagnosticismodeHume,paraquemtodoconhecimentosetornava impossvel e toda verdade ilusria. Kant se prope a realizar umacrticaprofundadaRazoeconseguechegaraumasnteseparcialdoprocessognoseolgico,superandoacontradioracionalemprica.Recorreticaenelaseapoiapara superar as contradies eoferecer umanova baseMetafsicadestrudapelapocadasluzes.KantrestabeleceovalordaRazoereconstrios fundamentosdaF.Anaturezamoraldohomem lheofereceoselementosnecessriosvitriasobreHume.DeKantparafrenteaexistnciadeDeussetorna uma verdademoral que nodependedos sofismas racionais.Mas a f,reduzida ao campo tico, fica exposta s controvrsias que logo mais setravarosobreoprpriovalordaMoralequeaindahojeconturbamomundofilosfico.

    Ograndeproblemadosculodezenoveeraodavalidadedaf.Kardecenfrenta esse problema com a simplicidade do bomsenso cartesiano. Nonecessitadeentrarnaarenadasgrandesespeculaes.Dispededuasarmasexcelentes: o bomsenso e a pesquisa cientfica. O bomsenso lhe oferece omelhor da conquista kantiana: a liberdade de julgar, que prova a naturezatranscendentedoHomem.Apesquisacientficalheasseguraaprovapositivaeat mesmo material dessa transcendncia. Fica, pois dispensado doscircunlquios infindveisdaargumentaofilosfica.Ecomessasduasarmasqueele respondeaodesafiodosculo.Ecomelas realizaacrticanecessria,quecompletaa especulaokantiana,provandoavalidadeuniversaldaf.

    A crtica de Kardec revestese das exigncias fundamentais dochamado espritocrtico: gentica ou externa, examinando a origem e a.manifestao objetiva da F no plano social; e ontolgica ou interna,investigando a substncia e o significado da F em simesma, como um fatosubjetivo.Nadafalta,pois,suacrticadaFparaserfilosoficamentevlida.Noitem4deOLIVRODOSESPRITOSencontramosaafirmaodaexistnciadeDeus como necessidade lgica. A filosofia Esprita reafirma o postuladocartesiano: A ideiadeDeusestnohomemcomoamarcadoobreironasuaobra.EcompletaopensamentodeDescartesdeque:TirarDeusdoUniversoseria como tirar o Sol do nosso sistema solar, com o clebre postuladokardeciano: Todoefeitointeligentetemumacausainteligente,eagrandezadacausacorrespondegrandezadoefeito.

    A posio esprita no tocante ao problema da F est hojesuficientementeconfirmadapela investigao filosfica.ORelativismoCrtico,

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    essacorrenteneokantianaaquejnosreferimos,estabeleceoprimadomoraldas exigncias da razo no campo do conhecimento. A primeira dessasexigncias, para o conhecimento do Universo e o desenvolvimentomoral dohomemaexistnciadeDeus.AsegundaaFemDeus,aconfianainterna,intuitiva,noseupoderenasuaprovidncia,nocomoumaentidadepessoal,antropomrfica,mascomo aintuiodeumaPresenaeaidentificaoaessaPresena, segundoaexpresso finaldeHubertemEsboodeUmaDoutrinada Moralidade. Por outro lado, a F esprita no se enquadra num sistemadogmticoeritual:oseuambientenaturalenecessrioodaliberdademoral.ParaKardec,comoparaseumestreEnricoPestalozzi,areligioverdadeiraaMoralidade, a que leva o homem, no santidade convencional, mas suarealizaocomosermoral.Kanteosneokantianosdizemomesmo.

    OpecadodeKantfoiodadicotomianoplanodoconhecimento,negarRazo a possibilidade da metafsica. Essa posio estimulou em nossos diasalguns pensadores que procuram manterse no campo do empirismo,entendendo que as cincias no podem ir alm do sensvel. Mas toinsustentvel esse argumento que os prprios filsofos materialistas o tmrecusado.JohnLewis,filsofomarxistaingls,afirmaemseulivroCINCIA,FE CETICISMO", que talargumento implica a rejeio darealidade objetiva dasprpriasleiseteoriascientficas.WilhelmDilthey,ofamosofilsofohistoricistaalemo,estudaa formaodaconscinciametafsicadoOcidenteapartirdosgregos, passandopela IdadeMdia e eclodindonaRenascena, para concluirqueomtodoexperimentaldascinciassefundamentanaF.

    Um trabalho de Alfred North Whitehead, A Cincia e o MundoModerno, pe gua na fervura demonstrando que toda a nossa estruturacientficasealiceranumafingnuaejamaisdemonstrada.SeareligiopartedopressupostodaexistnciadeDeus,dequetantozombamalgunscientistas,averdade que a Cincia faz o mesmo, partindo do pressuposto da ordemuniversal.Essaordem,porsuavez,exigeumpodermantenedor,umaforaouumconjuntodeforasquegarantaocontroleearegularidadepermanentedasfunes criadoras e renovadoras da Natureza. O que Kardec chamou desentimento intuitivo da existncia de Deus, o filsofoWhitehead chama deconvico instintiva.Os termos se equivalem,masa expresso deKardec mais adequada. Ouamos Whitehead: Em primeiro lugar no pode haverCinciavivasenoestiverdifundidaaconvicoinstintivadeumaordemdascoisas e, em particular, de uma ordem da Natureza. E acrescenta: Useiintencionalmente a palavra instintiva. Referindose ao agnosticismo dafilosofiadeDavidHume,lembraWhiteheadqueaCinciaorepeliuecontinuouapegadafnaordemuniversal,semoquevoltaramosIdadeMdia.

    UmapassagemcuriosadeWhiteheadnoslembraoEvangelho.Escreveele: A f cientfica se manteve altura das circunstncias e aplainoutacitamenteamontanhafilosfica.umaconfirmaohistricaecientficadequea fremovemontanhas.AidasCinciasseassimno fosse!EWhiteheadconfirma a seguir a teoria de Dilthey: Minha explicao que a f napossibilidade da Cincia, originada antes da teoria cientfica moderna, um

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    derivadoinconscientedateologiamedieval.TeramosdevoltaraDiltheyparalembrarqueemseulivroOHOMEMEOMUNDOeleconsideraaIdadeMdiacomoumlongoperododetreinamentodaRazo,duranteoqualfermentounaEuropa o racionalismo iluminista que deveria eclodir noRenascimento e darincioaomundomoderno.Dessamaneira,aCinciaaparecenoRenascimentocomouma reaodaTeologiaMedieval contra simesma. Por isso,Descartessurge como o continuador de Abelardo, cujo racionalismo levado pelocartesianismo sobinspiraodoEspritodaVerdade (segundoasdeclaraesdoprpriofilsofo)sltimasconsequncias.Ospressupostosmetafsicosdaordem universal e das conexes de causa e efeito no puderam serabandonados nemmesmopeloPositivismoeoMaterialismoDialtico,poissemesses pressupostos seria impossvel qualquer conhecimento e voltaramos aoagnosticismodestruidordeHume.A fcientficapermitiuodesenvolvimentodasCinciasecontinuaasustentla.

    E podemos ir alm, acrescentando que neste momento, quando umfoguete csmico lanadono espao (faanha que tem servidopara novas eingnuas esperanas de parte dos negadores sistemticos), o poder da F seconfirmaesedemonstra.Poroutrolado,olanamentodeumfogueteumatodesubmissoaDeus.Poisoquefazaintelignciahumanaparaconseguiressarealizao, seno curvarse ante a realidade das leis universais e obedecerrigorosamenteaessasleis,sobpenadeacabarnumacatstrofe?

    AFilosofiaEspritanodicotmica,nodividea realidadeemduaspartes,noabreumabismoentrematriaeesprito.Pelocontrrio,suaposiomonista,suacosmovisoglobal.Asleisnaturais, fsicas,psquicas,moraisoumetafsicassotodasleisdeDeus.Afhumanadovendedorqueconfiaemsimesmo,aFcientficadosbioqueconfianaordemuniversal,aFmsticadocrentequeconfianoseusantoounoseuDeussotodasmanifestaesdeumamesmalei,queestudadaemOLIVRODOSESPRITOScomoleideadorao.Essa lei universal levou Pierre Gaspar Chaumette a entronizar a bailarinaCandeillenoaltardaCatedraldeNotreDamecomoaDeusaRazo;fezofilsofopositivista Augusto Comte cair de joelhos ante a deusa Clotilde de Vaux;obrigou Marx e Engels a proclamarem a classe operria como o Messias daredenosocialista;esencontrou,apesardetudoisso,naFilosofiaEspritaasuaanlise,asuacrticaeasuaexplicaoracional.

  • 27 INTRODUOFILOSOFIAESPRITA

    VONTOLOGIAESPRITA

    O problema do ser empolga toda a Histria da Filosofia e podemosconsiderlocomooeloquemantmauniodopensamentoreligiosocomofilosfico.DeixandodeladoaFilosofiamsticadoOriente,quepertenceaindafasedosincretismognoseolgico,naqualaFilosofiaeReligioformamumtodoconfuso, podemos situar o incio da cogitao ontolgica de Pitgoras. DelepassamossescolasemcontradiodosEleatasedos Jnios,atravessamosaera helenstica, emquePlotino se destaca no neopitagorismoconsiderando oSer como a alma viajora do Infinito, passamos pela IdadeMdia em que amsticavoltaa impregnaropensamentofilosfico,peloRenascimentoemqueserepetecomDescartesoepisdiopitagrico,peloMundoModernoemqueoproblemadoServaiserpostoemquestoechegamospocaatual,aoMundoContemporneo,emqueoSerseapresentanovamentedominandoaFilosofia.

    AFilosofiaEspritaintegraseperfeitamentenessatradiofilosfica.Ecumprindo a sua funo de sntese esclarece, como vimos no caso de F eRazo,osincretismodasfasesmsticas, mostrandooSercomooCentronaturalde todo o processo do conhecimento. A contradio eleatajnica, que aindahoje domina omundo filosfico, encontra a sua soluodialtica naFilosofiaEsprita. Bem sabemos que esta afirmao da mais alta gravidade, maspodemosassegurarquejseriaumlugarcomumseosfilsofosqueimperamnopensamentoatualhouvessemexaminadosemprevenesaquestoesprita.Infelizmente,comoescreveuKardechmaisdecentoevinteanos,aindahojepodemos repetir que os homens eminentes no campo do saber assumem svezes atitudes bastante pueris, deixando de lado questes importantes pormotivospuramentecircunstanciais.

    O Ser, para Pitgoras, era representado pelo nmero 1. a inefvelunidade pitagrica, geralmente considerada como a substncia numrica darealidade. Pitgoras, como acentuou Bertrand Russel, o primeiro filsofo etambm o primeiro homem em que F e Razo se definem como um par. AMatemtica o processo racional de que ele se serve para esclarecer osproblemasdafnocampodamstica.Deumlado,Pitgorasumrfico (ligadotradiodeOrfeunahistriareligiosadosgregos)edeoutroladoumjnico(ligado ao desenvolvimento das pesquisas fsicas de Tales, na Jnia). Assim,nelesefundemaconcepodeZenodeEliaeParmnides(escolaeleata)doSer como imvel, uma esfera sem qualquermovimento (porque a esfera afigura geomtrica da perfeio e o nomovimento a imagem ideal da

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    perfeio), e a concepo de Tales de Mileto, do Ser como incessantemovimento,aqueHerclito,defeso,davaacondiodeconstantedevir,derenovaoinfinita.DefinindooSercomoaUnidade,oNmeroUm,Pitgorasoconsiderava imvel.Masadmitindoqueessa imobilidadepodiasofrerabalos,davalheapossibilidadedeagitarse.EeraassimqueeleexplicavaagnesedoUniverso:umestremecimentodeUmproduzoDoisedesencadeiaaDcada,onmero10querepresentaoUniverso.

    O Ser teolgico da Mstica se transforma assim no Ser racional daFilosofiaesemultiplicanumainfinidadedeseres.Osnmerossoinfinitoseoinfinito matemtico representa a natureza infinita do Universo. Na Filosofiamaisrecentevoltamosaencontraraposiopitagrica.ParaSartre,ocriadordoExistencialismoAteu,oSerumaespciedessesovoidesdequenosfalamos livros de Andr Luiz (influncia eleata) uma conscincia fechada em simesma, envolta numa espcie de membrana limbosa (segundo a prpriaexpresso sartreana em L'ETRE ET LE NANT), mas que se projeta naExistncia (influncia pitagrica) saindodesua imobilidade e seu isolamentoparaexistir.EnasdemaiscorrentesdaFilosofiacontemporneaoSercontinuanaposiodeproblemafundamental.Nomarxismoenoneopositivismooserhumanooqueimporta.Eoqueoserhumano,senoaprojeopitagricadoSernicoeaprojeosartreanadomistrio limboso?Assim,oSer sempre,emqualquersistemaouconcepo,omistriodoUmedoMltiplo.

    NaFilosofiaEspritaessemistrioseaclaraatravsdarevelaoedacogitao. A revelao, como vimos, pode ser humana ou divina. No caso divina,poisreservamosparaocampohumanoaexpressoclssicadatcnicafilosfica: a cogitao. Os Espritos revelaram a existncia do Ser pelacomunicaomedinica(eaprovarampelafenomenologiamedinica),masoshomens confirmaramessa existncia pela cogitao, pela pesquisamental doproblema. Todos conhecemos a expresso de Descartes, Cogito, ergo sum(penso,logoexisto).KardecnorepetiuDescartes,masacrescentouumverbonovo ao pensar, ampliando o conceito da presena de Deus no homem.Podemos interpretar assim a posio de Kardec: Sinto Deus em mim, logoexisto.Eoquevemosnocap.10deOLIVRODOSESPRITOS,ondeaquestoassim colocadano item6: O sentimento intuitivo da existncia deDeus quetrazemosemnsseriaefeitodaeducaoeoprodutodeideiasadquiridas?Aresposta dos Espritos esta: Se assim fosse, porque os vossos selvagensteriamtambmessesentimento?

    A essas duas perguntas, a esse duelo que travou com os Espritos,Kardec acrescenta no comentrio ao mesmo item: Se o sentimento daexistnciadeumSersupremofosseapenasoprodutodeumensino,noseriauniversal e s existiria, como as noes cientficas, entre os que puderamreceberoensino.OconceitoespritadeDeus,portanto,comotodososnossosconceitos,seoriginanoplanodosentimento,daafetividadehumana.Ohomem,primeiramente, sente que Deus existe. o caso do selvagem, que Feuerbachacusou de medroso (criando Deus pela imaginao aterrorizada diante daNatureza) e que Spencer dotou de uma capacidade de abstrao mental

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    inaceitvel,tantonumaapreciaopsicolgica,comoantropolgicaehistrica.Primeiro sentimos, depois pensamos. H um livrinho de Emmanuel,PENSAMENTO E VIDA, recebido psicograficamente, por Chico Xavier, queexplicarbemesseprocessoparaaquelesquedesejaremconheclodopontodevistaesprita.

    Talvezagorase tornemaisclaraanossaafirmaoanteriorqueaFpertenceprpriasubstnciadoSer.Aocriarosseres(ouEspritos)Deuslhesimprimiusuamarca,segundoDescartes,eessamarcaa ideiadeDeus, inatanohomem.MasKardecserefereaumsentimentointuitivoque precede ideiaeessesentimentoquerepresentaaverdadeiramarcadoobreiroemsuaobra.Assim,primeirosentimosDeusedepoispensamosnele.OSerestemnsporessa intuio,masns tambmsomos seres. Cadacriatura humana um serespiritual,mastambmumserfsicoouumsercorporal.EsseproblemadoSerfsico,hojecolocadopelachamadaOntologiadoObjeto,puramenteverbaleportantoabstratonoplanodaFilosofiaatual.MasnaFilosofiaEspritaumproblemaconcretoesuscetveldeverificaoexperimental.Encontramolonoitem605adeOLIVRODOSESPRITOS,queassimocoloca:Seohomemnopossuiumaalmaanimal,queporsuaspaixesorebaixeaonveldosanimais,temoseucorpo,quefrequentementeorebaixaaessenvel,porqueocorpoum ser dotado de vitalidade, que possui instintos, mas no inteligentes,limitadosaosinteressesdesuaconservao.

    Nas experincias de exteriorizao da sensibilidade e damotricidaderealizadaspeloCel.AlbertdeRochas,diretordoInstitutoPolitcnicodeParis,foipossvelconstatarsearealidadedesseservital,queosantigosconheciam,mas tomavam por uma espcie de alma humana, como vemos a partir dosgregos.Tambmemexperinciasdedesdobramentomedinicoeemsessesde materializao e efeitos fsicos vrios observadores reconhecerammaterialmente a existncia de uma espcie de corpo fludico mais denso epesado que o perisprito, que, ao retirarse do corpo material do mdiumembaraavaoperispritoeaomesmotempodeixavaocorpocarnalemestadodemorteaparente.Eochamadocorpovitaldecertasdoutrinasespiritualistasantigas,umserquerealmentecorrespondenaturezaanimaldonossocorpoe o responsvel direto pelas nossas funes vegetativas. Assim, a FilosofiaEspritasatisfazasexignciasatuaisdeligaodopensamentofilosficocomosdados da investigao cientfica, o que alis constitui uma de suascaractersticasfundamentais.

    O ser, portanto, no apenas o Esprito, tambm o perisprito e ocorpo vital. Isso a partir do desencadeamento da Dcada, ou seja, damultiplicaodoSernicoousupremoqueDeus.Existeuma ideiageraldeSer,umconceitodoSerque foibemdefinidoemAristtelese naBblia.ParaAristteles, o Ser aquilo que . Na Bblia Deus quem fala, emborafiguradamente, e se explica: Eu sou o que . Esse conceito desce do planodivinoparaohumanoemDescartes,quandoverifica,nocogitoqueeleporquepensa.MasoprprioDescartesvoltaaoconceitodivinoaoafirmar aexistnciadeDeusnohomem,aoencontraressaexistncianofundodoCogito,ouseja,da

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    suacogitaofilosfica.Ento,DeuseseafirmanaintuiocartesianadeUmSersupremo,comoseafirmanosentimentointuitivokardeciano.Parmnides,eleata,diziaqueopensamentodoSeroprprioSer.EoSer,paraele,eraumaesfera pensante (a esfericidade correspondendo perfeio), mas comopensante,eraativoemsimesmo.IssonoslembraaafirmaodeAristtelesdequeDeusoatopuro,ouseja,oSerabsolutoemquetodasaspotencialidadesseencontramatualizadas,realizadasemato.

    Na Filosofia Esprita o conceito do Ser abrange todas as categoriasdaquilo que , concordando portanto com o pensamento filosfico antigo emoderno.Maselatemassuaspeculiaridades.AdefiniodoSersupremo,porexemplo, nos dada no item 1 de O LIVRO DOS ESPRITOS da seguintemaneira: Deus a inteligncia suprema, causa primria de todas as coisas.Houve quem considerasse essa definio como antropomrfica, pois aintelignciacaractersticadohomem.Essacrticapecaporignorncia:ignoraque no Espiritismo o homem criao de Deus e reflete no finito os seusatributosinfinitos.Antesdepertenceraohomem,aintelignciadeDeus.Masvejamosasproposiesquesurgemdessadefinio:Deusapresentadocomointeligncia porque a causa de efeitos inteligentes; esses efeitos constituemtodo o Universo e todos os seres; a inteligncia o aspecto de Deus maisacessvel a nossa compreenso e mais suscetvel de verificao para ns noplanofenomnicoouexistencial.Nocomentrioaoitem5Kardecexplica: ParacreremDeussuficientelanarosolhossobrasdaCriao.Ouniversoexiste;tem,portanto,umacausa.DuvidardaexistnciadeDeusserianegarquetodoefeitotemumacausaeavanarque onadapodefazeralgumacoisa.

    Narespostapergunta14de OLIVRODOSESPRITOS,quandoKardecinsistenumadefiniomaiscompletadeDeus,vemosaseguinteafirmaodosEspritos: Deus existe, no o podeis duvidar e isso o essencial. Noprecisamosexaminarorestodaresposta,poisoexame destasimplessentenacolocanosemvriaspistas.Sotrsproposiesquesurgemdessaafirmao:

    1) AafirmaodeDeuscomorealidadeabsolutaefundamental;2) A afirmao da existncia de Deus, que coloca Deus no plano

    existencial,comorealidadeconcretae acessvelaosnossossentidos;3) A afirmao da impossibilidade de se negar Deus, que no apenas

    mastambmexiste,edecujosereexistir somospartcipes.

    A primeira proposio Deus existe,mas se desdobra logicamenteem duas, afirmando primeiro a realidade de Deus como Ser e a seguirafirmandoaexistnciadeDeus.DeuscomoSeressncia,comoexistnciaseprojetanoplano fenomnico.EssadeduoprovmdoaspectoexistencialdoEspiritismo, formulado independentemente das chamadas Filosofias daExistnciamascontemporneodelas.OexistirdeDeusvisvelnaNatureza,noUniversocomsuasleis: ParacreremDeussuficientelanarosolhossobrasdaCriao.IstolevoualgunstelogosaacusaremoEspiritismodepantesmo,mas o prprio O LIVRO DOS ESPRITOS trata do assunto, repelindo porantecipaoaacusaodostelogos.AexistnciadeDeusreconhecidapelasreligiespositivascomoimanncia.Ora,a imannciadeDeusnaNaturezaa

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    sua prpria existncia, a sua forma de existir no plano fenomnico. Se oEspiritismoforpantesta,todasasreligiessuperiorestambmoso,eissodemaneirairrevogvel.

    AterceiraproposioadequenopodemosduvidardaexistnciadeDeus. Ela refora as duas anteriores. No podemos duvidar da existncia deDeus porque ela implica a nossa prpria existncia e a do Universo em queexistimos.NegarDeusserianegaransmesmos enegaratodaarealidadequenos cerca. Mas a Filosofia Esprita nos mostra tambm que no podemos iralmnaafirmaodessa realidade suprema.Temos osnossos limites: somosEspritos encarnados em corpos animais, submetidos a uma experinciasensorial que restringe a nossa percepo e o nosso entendimento. Faltanosumsentido,dizoitem10de OLIVRODOSESPRITOS,parapodermospenetraranaturezantimadeDeus.Atentativade entrarnumlabirinto paraexplicaroque nos inexplicvel s poderia levarnos ao engano e estimular o nossoorgulho.Entretanto,comovimospelaafirmaodoitem10,oEspiritismonoagnstico.AFilosofiaEspritaevolucionistaesustentaqueohomemchegaracompreenderDeusemmaioramplitudeeprofundidade, naproporoemquedesenvolverassuaspotencialidadesespirituais.

    Mas quando descemos do Ser supremo para os seres mltiplos quepovoam o universo o problema se torna mais fcil. Compreendemos semdificuldadequeDeuscriaosserescomoselementosconstitutivosdoUniverso.AimagemsimblicadoGnese: Deuscriouohomemdolimodaterra adquireumsentidoprofundoegrave.Aexpressobblicasenimbadeluzepoesia.No mais um absurdo nem uma infantilidade: a expresso de um processocsmicodecriao.Deusnofazohomemdebarronumsentidovulgar,masdobarrodaterra,atravsdaaoprogressivadassuasleisqueElearrancanocorrer dosmilnios os seres damatriz do noser. OsEspritos so os seresmltiplosefinitosqueDeuscriacomobarrosimblicodoprincpiointeligente,envolvidos na ganga do fluido universal e do princpio material. So comosementesmergulhadasnaterraparagerminar.

    Mas a ontologia esprita, como todas as demais, implica ainda osproblemasdeessncia,existnciaeforma.Osdoisprimeirosdessesproblemasobrigamnos a uma referncia histrica.O essencialismo filosfico sofreuumabaloemnossapocacomodesenvolvimentodoexistencialismo.AschamadasFilosofias da Existncia encaram as coisas em sua realidade imediata, aocontrriodoclssicoprocedimentodosessencialistasquebuscamasubstnciadas coisas. Na verdade, tratase de um simples mtodo de abordagem doproblema filosfico. Mas na Filosofia Esprita encontramos a sntese dessasposies. Os seres tm essncia e essa essncia se desenvolve atravs daevoluo:oprincpiointeligente.Essaessnciaserevestedeformasdiversasno processo evolutivo: a variedade infinita dos seres forma uma gigantescaescala que as Cincias distribuem em numerosas classificaes de espcies,tanto na Mineralogia quanto na Botnica, na Zoologia e na Antropologia.Essnciaeformaconstituemaexistncia.Tudooqueexisteseconstituideumaessnciaquetomadeterminadaformaeserevestedematria.Aforma,como

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    Aristteles j descobrira, no pertence matria mas dela se apossa paraamoldla.Procededeumelemento intermedirio:o fluidouniversal,queemsuas modificaes diversas se apresentava como magnetismo, eletricidade,princpiovital.Lemosno item27deOLIVRODOSESPRITOS: Ele secolocaentreoespritoeamatria;fluido,comoamatriamatria,suscetvel,emsuas inumerveiscombinaescomestaesobaaodoEsprito,deproduzirinfinitavariedadedecoisas,dasquaisnoconheceismaisquenfimaparte.

    Essa expresso: fluido, como a matria matria mostra que adenominaode fluido temum sentido hipostsico. Esprito, fluido ematriaso as hipstases (ou as faixas) do real. A realidade ontolgica reflete arealidade csmica. No ser humano essa realidade se apresenta no complexoesprito,perispritoematria.Entreosdoisltimosexisteaindaofluidovital,como j vimos. Toda essa complexidade, entretanto, simplesmente aexpresso pluralista de um monismo fundamental. A essncia que tudodomina. Ela a realidade ltima. Mas s atravs da existncia conseguimosatingila. Temosde penetrar as capas existenciais do ser para encontrlo nasua realidade essencial. E por isso que o Espiritismo tem o seu aspectoexistencialista: vivemos na existncia, evolumos atravs das existnciassucessivas,vemostodasascoisasnaperspectivaexistencialmasbuscamosemtudoasuaessncia,poissabemosquesomentenelairemosencontraroreal.

    A ontologia esprita oferecenos uma viso dialtica das coisas e dosseres.Aprendemosquearealidadeaparente ilusria(comoaprpriaFsicahoje nosmostra)mas que tambm necessria para chegarmos realidadeverdadeira.Oserhumanoestnopicedaescalaevolutivaexistencial.Acimadele se abrem as perspectivas de outra existncia, a dos Espritos quesuperaram o domnio da matria e que as religies chamam anjos, devas,arcanjos e assim por diante. Esses Espritos conservam sua individualidadeaps a morte do corpo e a conservam atravs da evoluo nos mundossuperiores.Saparteformalperecvel:ocorpoeoperisprito.AessnciadoEsprito indestrutvel, pois representa a atualizao das potencialidades doprincpio inteligente, umaconstruo oucriao deDeuspara fins queaindaignoramos. Comoa essncia amesma em todos os Espritos, encarnados edesencarnados ou encarnados em mundos inferiores ou superiores, acomunicabilidade dos Espritos uma lei universal, regida por princpiosnaturais, como os de afinidade, justia e amor. Essa lei de comunicabilidademostra na prtica o absurdo da teoria existencial da incomunicabilidadepropostaporKierkegaard.Asdificuldadesdacomunicaohumanadecorremdo estgio evolutivo da Terra, mas j esto sendo superadas por todas asformas de desenvolvimento material e psquico, particularmente pelodesabrochar progressivo da percepo extrassensorial, no processo deaprimoramentomedinicodohomemterreno.

    Um problema difcil o da transio do princpio inteligente para oreino hominal, aps a evoluo nos reinos inferiores. Em O LIVRO DOSESPRITOSKardecseesquivouaesseproblema,emboraosEspritosotenhamcolocado em algumas passagens. E em A GNESE, o volume final da

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    Codificao,queele resolveenfrentloatravsdecomunicaescomGalileu,dadas na Sociedade Parisiense de Estudos Espritas pelo mdium CamilleFlammarion. Ali se define, no n 19 do cap. VI do referido livro, como umailuminaodivinaessemomentodecisivo.OEspritoentorecebe, comolivrearbtrio e a conscincia, a noo dos seus altos destinos. E a comunicaoacentua:UnicamenteadatardodiaemqueoSenhorlheimprimenafronteoseuaugustoselooEspritotomalugarnoseiodaHumanidade.

    H uma espcie de seres que no figura na ontologia esprita: a dosseres condenados para sempre ou voltados eternamente ao mal. A FilosofiaEspritanoadmiteessaconcepoaberrantedajustiaedoamordeDeus.Hdiversidades no processo de evoluo dos Espritos, em virtude do livrearbtrio,indispensvelaodesenvolvimentodaresponsabilidadeespiritual.Masno h nem pode haver seres maus por natureza, pois isso estaria emcontradiocomoprincpiodacriaodetodososseresporDeus.Duranteumsculo o Espiritismo foi acusado de demonaco por negar a existncia deespritoseternamentemaus.Agora,aprpriateologiacatlicasemodificaemsuas bases para, graas a alguns pensadores corajosos, aproximarse daconcepoesprita. conhecidoolivrorevolucionriodeGiovanniPapinisobreoDiaboe suas concluses favorveisposioesprita.MenosconhecidaaposiodopadreTeilharddeChardin,quenoavanoutantocomoPapinimasacabouafirmandoqueocondenadonofica excludo daordemdivina.

    Alis, em linhas gerais, Chardin uma espcie de aproximaoconceptualdoEspiritismo,umreferendumcatlicoDoutrinaEsprita.

    AescalaespritaquefiguraemOLIVRODOSESPRITOS,apartirdon100,oferecenosumesquemaontolgicodaevoluodohomem.Nosetrata,comolembraKardec,deumesquemargido,masdeumasimplesclassificaoem linhasgerais,paraorientaodosestudiosos.Encontramosaliasdiversasordens e graus dos Espritos, encarnados e desencarnados, com que nosdefrontamos neste mundo. uma classificao espiritual que tem a suaaplicaopsicolgicano tocanteaosencarnados,oferecendonosumacuriosatipologiaquemuitonosauxiliarnasrelaessociais.APsicologiaEsprita,hojeem desenvolvimento,mostrar a validade e o interesse da escala esprita naorientao dos estudos de tipologia e caracteriologia. Como se v, andamenganadososquepensamqueoEspiritismoumaespciedefugarealidade.Alm de mostrarnos as dimenses ocultas do real, ele nos oferecepossibilidades de maior compreenso e controle da realidade aparente ouexistencialqueenfrentamosnavidaterrena.

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    VIEXISTENCIALISMOESPRITA

    AnaturezaexistencialdaFilosofiaEspritaserevelanasuaxtase,ouseja,nasuaposiodentrodomundo,enfrentandoosproblemasdohomemnaexistncia. Por isso mesmo o Espiritismo no pode ser confundido com oExistencialismo, mas no h dvida que encontramos na sua investigaoontolgica uma fase existencialista. E essa fase que chamamosExistencialismoEsprita,aarenafilosficaemqueoEspiritismosedefrontacom o Existencialismo protestante de Kierkegaard, com o ExistencialismoCatlico de GabrielMarcel, com o Existencialismoateu de Jean Paul Sartre eassimpordiante,armadodosmesmosinstrumentosconceituaisecolocadonamesma posio de pesquisa das diversas correntes existenciais da FilosofiaContempornea.

    NicolaAbbagnano,existencialistaitaliano,entendequeasFilosofiasdaExistncia podem ser divididas em trs grupos, tomandose como critrio osentidoeoempregoquedocategoriafilosficadopossvel.Estacategoriaimplica todas as possibilidades do homem como um Ser na Existncia.Abbagnanoestabeleceaseguintediviso:

    A. Grupo da impossibilidade do possvel, formado por Kierkegaard,Martin Heideggar, Karl Jaspers e Jean Paul Sartre, como figurasexponenciais;

    B. Grupodanecessidadedopossvel,comLouisLavelle,ReneLeSenneeGabrielMarcel;

    C. Grupo da possibilidade do possvel, iniciado pelo prprioAbbagnano.

    Embora o grupo (B) constituaarea espiritualista, o ExistencialismoEsprita se aproxima mais da posio de Abbagnano, dadas as relaesevidentesdessaposiocomanaturezacientficadaconceituaoexistencialesprita.

    Tentemos uma explicao deste problema. Para o primeiro grupo aspossibilidadeshumanassoirrealizveis;paraosegundogruposorealizveis,e mais do que isso, necessariamente se realizam graas ao Absoluto, aoTranscendentequesuperaaExistncia(aceitaodosconceitosmetafsicosdoSer e do Valor numa perspectiva religiosa); para o terceiro grupo, aspossibilidadessooqueso,ouseja,possveisemsimesmas,demaneiraqueno podem tornarse impossveis, nem apresentarse como necessidades. A

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    frustrao de um possvel no o anula, pois ele continua como possvel, damesmamaneiraporqueumahiptesepodesersubmetidaaumaexperincianegativa,mas continuar vlida e posteriormente se comprovar. A posio deAbbagnanorepresentaumasntese,umasoluodialticadosimpassesemquecaram os dois grupos anteriores. E por issomesmo se aproxima da posioesprita.

    Aomencionara xtase daFilosofiaEspritaestamosreconhecendonelaumaestruturaontolgica.AFilosofiaEspritaumSerconceitual,comotodosossistemas filosficos,mas livredosprejuzosdoespritodesistema,porquesua estrutura dinmica e aberta, sem nenhuma ossatura dogmtica.Expliquemos: os dogmas da Filosofia Esprita so princpios de razo e nopostuladosdef,soosfilamentosdeumaestruturalgicaeporissomesmoflexveis. Assim, podemos discernir nessa estrutura as suas hipstases ouregiesontolgicas:

    1) O xtase, no sentido berkeleano de relao inicial, em que o serpermanece fechado em si mesmo; o momento em que a FilosofiaEsprita nasce do sensvel, do concreto, pelo processo cientfico dainduo,apartirdoexamedosfenmenos;omomentoemqueelasefechanaexistnciacomoumsernomundo;

    2) O xtase em que ela se abre na prpria induo em direo transcendncia,naformulao deseusprincpiosmetafsicos;

    3) Oxtase,emqueelasedefinecomoumanovaconcepodoSer,umanova cosmoviso, que partiu de um ponto existencial terreno paraabrangertodooUniverso.

    Assim, o que chamamos de Existencialismo Esprita a FilosofiaEspritadaExistncia,apartedessaFilosofiaqueencaraohomemnomundo,damesmamaneiraqueoser saiaquesereferiaHeidegger.Atoaparecimentodo Espiritismo o pensamento espiritualista era platnico: admitia opressuposto de uma realidade metafsica da qual decorria toda a realidadefsica. O Espiritismo assumiu a posio aristotlica: buscar na realidadeconcretaasuaessnciapossveledelapartirparaasinduesmetafsicas.OLIVRODOSESPRITOScomeacomaafirmaodaexistnciadeDeus,mas jvimosqueessaexistnciaseprovanaprpriaexistnciadomundo,queDeuspodeserencontradonumsimpleslanardeolhossobreanatureza.TemosdefigurarKardeceducador,aestudaroserhumanoparapodereduclo;Kardecmagnetizador,aestudara influnciamagnticadohomemeentreoshomenspara poder conheclos melhor; Kardeccientista, a observar os fenmenosfsicosemsessesmedinicaseposteriormentea investigarosproblemasdodesprendimento espiritual durante o sono, numa srie de experimentaesrigorosamentecontroladas,parapodermoscompreenderaposioexistencialdoEspiritismonaabordagemdoproblemadoSer.

    OsproblemascomunsdasFilosofiasdaExistnciasoprecisamenteosproblemasespritas:oHomemcomoumsernomundo;aExistnciacomoumaforma peculiar da vivncia humana, uma atualizao absoluta (segundo

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    Bochenski) e um constante refazerse no tempo; o ser humano como umprojetoqueatravessaaExistncia,quenelaaparecefeito(afacticidadehumanase constituindo de subjetividade, afetividade e liberdade), de maneira que ohomemumseratiradoaomundocomonascimento,paraavanaremdireomorte,atravsdodesespero,daangstia,dador.AsFilosofiasdaExistnciaprocuramresolveressesproblemaspelainvestigaofenomenolgica,apartirdos dados do existir, que , na verdade, a prpria vivncia do mundo. Essavivncia se caracteriza pela percepo da fragilidade humana que gera odesespero e a angstia do homem. Nas correntes espiritualistas, como emMarcel, a angstia substituda pela esperana conferida pela f, mas essasoluometafsicanoconseguerepercutirnosdemaispensadores.Heideggerconsidera o homem como ser para amorte,mas essa definio pessimista atenuadapelasuaafirmaodequeosersecompletanamorte.

    Toda essa temtica existencial est presente na Filosofia Esprita.Bastaria lembrarmos,porexemplo,o livrofamosodeLonDenis,umclssicodo pensamento esprita e continuador da obra de Kardec, intitulado OPROBLEMA DO SER, DO DESTINO E DA DOR, para vermos como a posioexistencialdaFilosofiaEspritaseentrosanacorrenteexistencialdaatualidade.Mas O LIVRO DOS ESPRITOS, contemporneo das obras de Kierkegaard, oiniciadordessamodernacorrentefilosfica,jcolocaosproblemasexistenciaisdemaneiraprecisa,comoveremosaseguir.

    Comecemospeloproblemadafacticidade.Comonascimento,ohomemaparece feito no mundo. Sua Facticidade se compe do seu corpo e do seupsiquismo (corpo e esprito), de sua afetividade e sua liberdade (suacapacidadedepercepoeseulivrearbtrio)eestafacticidadeestcarregadade possveis, das possibilidades que iro se desenvolver na existncia. Ohomemparte,comoumaflecha,doventrematernoparaobero,desteparaavivnciadomundo(atravessandoaexistnciacomoumprojtil)paraatingiroseualvonamorte.Numaperspectivapuramenteexistencialohomem,nasuafacticidade,notemmaisdoquepossibilidades,masestaspossibilidadesvoseatualizar na existncia, nos limites permitidos pelas circunstncias. No h,portanto, uma essncia no homem, considerado o homem como o existente,mas apenas possibilidades. Sartre define a essncia do homem como umsuspensonasuaexistncia,poisaessnciahumanavaiserelaboradaatravsdasuavivncianomundo.Essaessncia,portanto,ssecompletacomamorte,com o fim da existncia. Isto nos lembra a imortalidade memorial doPositivismodeComte.Oqueohomem feznaexistnciaqueconstituia suaessncia.Comamorteohomemseacabaesuaessnciapermanecenomundocomoumsimples fatocultural.Noobstante,avidadohomemumapaixointil, um esforo constante de superao, de transcendncia. O animal vive,masohomemexiste,eesseexistirsecaracterizapelapaixo,peloimpulsodetranscendncia conscientemente dirigido. S existe o homem que segue esseimpulso.

    fcil compreenderqueas filosofiasdaExistncia,maneiradoqueKardecdiziadasCincias,avanamparalelasaoEspiritismoatcertopontoe

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    depois se detm, perplexas diante do mistrio. O momento em que elas sedetmolimiardainterexistncia,esseintermndioemqueosersecompletana morte, mas no qual se passam tambm fatos da mediunidade. E nessemomentoqueoExistencialismosetranscendeasimesmoparatransformarseem Interexistencialismo. A Filosofia Esprita da Existncia no se limita aoexistir no mundo, como um fato simplesmente fenomnico, mas graas aoconceito de mediunidade oriundo da investigao cientfica objetiva e neladesenvolvido descobre o existir no intermndio (que os gregos j conheciamcomo o existir dos deuses) e descobre ainda o suceder das existncias nomundo como um processo palingensico inerente a toda aNatureza (que osgregostambmconheciam).

    Assim, a Filosofia Esprita, em seu xtase existencial, ilumina osproblemasobscurosdoExistencialismo.AfacticidademisteriosaseexplicapelofazeranteriordoSer,atravsdodesenvolvimentodoprincpiointeligenteesuaprojeonaexistnciacomoserhumano.Atravessandoaexistncia,comoumprojtil(oprojetoexistencial)ohomemcompletanamortenooseuprprioSer,masoserdocorpoquechegouaos limitesdesuaspossibilidades,nemasua prpria essncia, mas apenas a essncia de uma existncia, atravs davivnciadasexperinciasnecessriasaoseuatualizarprogressivo.

    ParaaFilosofiaEspritaocorponouma instnciaontolgica,masumainstnciaexistencial.Daexistnciamaterialoserpassaparaaexistnciaespiritual,mudandodeinstnciaexistencial:substituiocorpofsicopelocorpoenergtico do perisprito. E na existncia espiritual encontramos ainda oproblemaexistencialda facticidadecomtodasassuas implicaes.OEspritoaparece feito no plano espiritual, dotado de um corpo que foi elaboradoanteriormente,deumpsiquismoquesedesenvolveunavivnciamundana,comsuaafetividadee suaintelectualidadepreparadasnasexistnciassucessivaseconsumadas na derradeira existncia material. No obstante, e at por issomesmo,aexistnciaespiritualumatranscendnciadaexistnciamaterial,omomento em que a sntese do em si e do para si, que Sartre consideraimpossvel, se realiza no emsi parasi, ou seja, na existncia espiritual que,paraosgregos,eradivinaeoslevavaachamarosEspritosdedeuses.

    Masoconceitodemediunidade ilumina tambmaexistncia terrena,dandolhe uma nova dimenso. O existente ou homem no mundo adquire acondio esprita de interexistente ou homem no intermndio. O avano dasCincias Psicolgicas est comprovando essa realidade j demonstrada peloEspiritismo e sustentada pela Filosofia Esprita. A descoberta da percepoextrassensorialprovouqueosrgidoslimitesexistenciaisnocorrespondemrealidade existencial. H, na prpria existncia terrena, corporal, mundana,umarealidadepsquicasuperandoeenvolvendoarealidadepuramentevitaldohomem.EquandoHeideggerserefereaosernomundo,comoMitsein(sercomoutros, o ser social) e Mitdasein, ou coexistncia (vida social), temos deacrescentaraessesdois conceitosadimensomedinicadas testemunhasdeque falava o apstolo Paulo, dos outros espirituais que nos envolvem e,portanto,daconvivnciaespiritualqueexperimentamosatravsdaexistncia.

  • 38 JosHerculanoPires

    Para a Filosofia Esprita da Existncia o existente se define pelamediunidade. Esta consiste na faculdade normal (nem sobrenatural nemparanormal)depercepoextrassensoriale,portanto,decomunicaocomosexistentes do intermndio. A dinmica e a mecnica dessa comunicao soestudadas em O LIVRO DOS MDIUNS, que um desenvolvimento dosproblemasmedinicosde OLIVRODOSESPRITOS.Oexistenteatualizaassuaspossibilidadesmedinicasquelheampliamaconscinciadesi mesmoedasuanaturezaexistencial,atravsdodesenvolvimentomedinico,quenoapenaso sentarse mesa de sesses para receber espritos, mas principalmenteaguar a viso espiritual, entendendose por viso todo o complexo dapercepo extrassensorial. Esse aguamento equivale a um transcender doslimites existenciais, pois um liberar progressivo da percepo global doesprito, um escapar da priso sensorial orgnica para outras dimenses darealidade. O existente, com essa atualizao dos seus possveis espirituais,tornaseum interexistente,umserno intermndio.Maso intermndiono um conceito espacial e sim um conceito hipostsico, no quantitativo,masqualitativo.A intuiogregadosdeusesseconvertena realidadeespritadosEspritoseadointermndioespacialnarealidadedointermndiopsquico.

    O interexistente no apenas intuio, nem apenas hiptese, ouformulao terica.Pelocontrrio,o interexistente umarealidadehistrica,antropolgica, que podemos encontrar em todos os tempos e lugares. Foraminterexistentesosvidenteseprofetasdetodasaspocas,osxansepagsdastribosselvagens,osorculos,aspitonisas,ostaumaturgosdetodasasreligies.Sointerexistentesosmdiunseosparanormaisdehoje,osgniosdetodas aspocas, os fundadores e propagadores de religies. A Histria da Filosofiaoferecenos as figuras de Scrates, Plato, Plotino,Descartes eBergson comointerexistentes.NaHistriadaPsicologiatemosocasorecentedeKarlJung.NaHistriaPolticaeMilitarasfigurasde JoanaD'Arc,AbraoLincoln,MakenzieKing (doCanad), LordDowding (Comandante daRAFna defesa de Londresdurante a ltima guerra mundial), e assim por diante. Os casos famosos deFrancisco Cndido Xavier e Jos Pedro de Freitas (Arig) foram objeto deestudos numerosos, inclusive um estudo do primeiro como interexistente,publicadonolivroCHICOXAVIER,QUARENTAANOSNOMUNDODAMEDIUNIDADE,deRoqueJacintho.Oconceitoespritadeinterexistente secomprovanarealidadehistricaenarealidadecotidianadasnossasprpriasexistncias,quandonoemnsmesmos.

    O problema da comunicao, que a partir de Kierkegaard oExistencialismo colocou de maneira dramtica Kierkegaard rompeu onoivado porque no podia comunicarse nem mesmo com a noiva,considerando como nica forma de comunicao a do homem com Deus (ooutro,segundosuaexpresso)esseproblemaamplamenteresolvidopelaFilosofia Esprita da Existncia. A comunicao uma categoria filosfica doEspiritismoque temamplitude csmica. Vemos em O LIVRODOS ESPRITOSqueofluidouniversaloveculodopensamento,assimcomooaroveculodapalavra.Ohomempodecomunicarsesmaioresdistncias.Daavalidade

  • 39 INTRODUOFILOSOFIAESPRITA

    da prece, que forma de comunicao. As experincias atuais de telepatia distncia confirmaram essa tese esprita, a ponto de levarem os cientistassoviticos,materialistas,aseempenharemnaspesquisastelepticas.

    O aguamento da viso espiritual pelo desenvolvimento medinicoimplica um problema filosfico de comportamento. A Filosofia Esprita daExistnciacolocaesseproblemaemtermosdemoralidade.Opeseassimaossistemasorientaisdedesenvolvimentoartificialdas faculdadespsquicas,porentenderqueessessistemasperturbamoequilbrioexistencialdohomem.Samoralidade, a evoluomoral do ser e, portanto, o desenvolvimento de suaspotencialidadesespirituaispodepermitircriaturahumanaoaguamentodesua viso espiritual. Cada existncia um processo condicionado pelasanterioresepelapreparaodoSernomundoespiritual.Temoseuplanoeosseus limites, sendoestesdeterminadospelograudedesenvolvimentorealdoSer e pelos compromissos que o liga s circunstncias terrenas. Qualquertentativadefugaaessesdeterminismosexistenciais oquepodeserfeitoemvirtude do livrearbtrioatenta contra o equilbriomoral do Ser. Assim, aFilosofiaEspritadaExistnciarevelamaisumavezsuanaturezadesntesedoConhecimento: colocase entre as posies contrrias ao hedonismomaterialista ou existencialista, de um lado, e do absentesmo religioso oumstico,deoutrolado,postulandoaobedinciasleisnaturais,oque,nocasodaconcepoexistencial,equivaleaorespeitopelaexistnciaeseusfins.

  • 40 JosHerculanoPires

    VIICOSMOSSOCIOLOGIA

    ESPRITA

    A Filosofia Esprita foi a primeira a apresentar uma concepocosmossociolgicadeordemcientfica.EmileDurkheimtratariamaistardedeumtipodecosmossociologiaanmicaaoreferirsescidadesgregasdoperodoarcaico, em que deuses e homens conviviam em estreita comunho com aNatureza (L'EVOLUTION PDAGOGIQUE EN FRANCE, v.I, pgs. 1389), e RenHubert esclarece: As cidades gregas. esto ainda muito prximas de suasorigensculturaisparahaveremrompidoocomplexodeinteraesqueligamavidasocialeavidacsmica,bemcomoavidapsquicaindividualeavidasocial;o indivduo forma corpo com a cidade e esta com o meio que a envolve; asdivindades politestas simbolizam ao mesmo tempo as grandes foras daNatureza (TRAIT DE PDAGOGIE GNRALE) pgs. 24 e 25). Mas noEspiritismo que a Cosmossociologia se define como uma realidade nova,marcando um avano decisivo no processo do Conhecimento. No se trataapenas da relao simblica da fasemitolgica,mas deuma relao positivaqueseafirmaemtermosconcretoseseconfirmanainvestigaocientfica.

    OscrticoseadversriosdoEspiritismo,queemgeralodesconhecem,novacilariamemcontestaressaafirmao,recusandospesquisasespritasocartercientfico.Mas jagora teriamdeenfrentar tambmasconclusesdaCinciaemoutroscampos,comoodaFsica,ondeosconceitosevoluramparauma verdadeira Parafsica; da Astronomia, onde a teoria da pluralidade dosmundoshabitadosentrouparaodomniodaspossibilidadesincontestveis;daBiologia, onde o problema da vida rompeu a estreiteza da concepoorganocntrica; da prpria Teologia, que pas