filosofia e psicologia

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FILOSOFIA E PSICOLOGIA: AS DIFICULDADES DE UMA INTERFACE João de Fernandes Teixeira Departamento de Filosofia, Universidade Federal de São Carlos Capítulo 3 do livro “Psicologia: Novas direções no Diálogo com outros campos do saber. Antonio Virgílio Bittencourt Bastos Nádia Maria Dourado Rocha Editora Casa do Psicólogo, 2007 Também disponível na página www.filosofiadamente.org “Na psicologia há métodos experimentais e confusão conceitual” L. Wittgenstein Falar das interfaces entre psicologia e filosofia não é tarefa fácil. Tanto uma como outra mais se apresentam como agregados de saberes onde se mesclam modelos e metáforas

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Descreve os principais problemas envolvidos em uma fundamentação filosófica da psicologia, passando pelo problema mente-cérebro e o chamado problema da causalidade mental.

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Page 1: FILOSOFIA E PSICOLOGIA

FILOSOFIA E PSICOLOGIA: AS DIFICULDADES DE UMA INTERFACE

João de Fernandes Teixeira

Departamento de Filosofia, Universidade Federal de São Carlos

Capítulo 3 do livro “Psicologia: Novas direções no Diálogo com outros campos do saber.

Antonio Virgílio Bittencourt Bastos

Nádia Maria Dourado Rocha

Editora Casa do Psicólogo, 2007

Também disponível na página www.filosofiadamente.org

“Na psicologia há métodos experimentais e confusão conceitual”

L. Wittgenstein

Falar das interfaces entre psicologia e filosofia não é tarefa fácil. Tanto uma como

outra mais se apresentam como agregados de saberes onde se mesclam modelos e

metáforas oriundos de outras ciências do que como disciplinas autônomas. Quando o saber

filosófico mais próximo da psicologia – a contemporânea filosofia da mente – aborda temas

psicológicos como a natureza da mente e da consciência a utilização destes modelos e

metáforas torna-se mais conspícua, e com ela, a aproximação entre psicologia, neurociência

e filosofia. Ciência e filosofia convergem na filosofia da mente que, ao contrário do saber

filosófico tradicional, mistura análise conceitual com resultados empíricos. Este

empréstimo inevitável força-nos uma indagação fundamental: teremos chegado, finalmente,

a uma situação de diálogo, com parceiros definidos ou estaremos ainda presenciando uma

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mescla indistinguível de conhecimentos? Em outras palavras, terá a psicologia, afinal,

adquirido uma real cidadania científica, desvencilhando-se da “enciclopédia filosófica” –

que conglomerava ou subordinava todo o conhecimento sob a filosofia, chamando, por

exemplo, a física de “filosofia natural”. Poderá a psicologia sair da enciclopédia filosófica

da mesma maneira que o fizeram a física, a química e a biologia ao se tornarem disciplinas

autônomas?

Não se trata, aqui, ao modo positivista, de supor a possibilidade de uma ciência sem

pressupostos filosóficos, mas de perguntar pela possibilidade da psicologia se desenvolver,

como diria Heidegger1, “contornando o incontornável”, para se tornar uma ciência, da

mesma maneira que hoje podemos fazer biologia sem perguntarmo-nos o que é a vida ou

fazer física sem nos questionarmos acerca da essência última da matéria. É isto que nos

permite hoje, falar de uma filosofia da física ou uma filosofia da biologia onde nos

indagamos pelos fundamentos e pressupostos destas disciplinas sem, entretanto, que estes

se confundam com as próprias disciplinas das quais o filósofo fala.

Esta é, sem dúvida, uma pergunta ampla e fundamental; uma pergunta pela natureza

do objeto da psicologia que teria, historicamente, oscilado entre as idéias de mente, de

cérebro e de comportamento. Uma pergunta cuja resposta definitiva ultrapassa o escopo

deste trabalho, mas para a qual podemos contribuir com uma primeira aproximação: por

não definir seu objeto, defenderemos que a psicologia ainda é dependente da “enciclopédia

filosófica” e, mais precisamente, da herança cartesiana ou cripto-cartesiana2 – o

cartesianismo dissimulado. É este que constitui a história secreta dos pressupostos da

psicologia; uma longa história da qual podemos aqui focalizar brevemente apenas alguns

momentos fundamentais: as terapias (a psicanálise, a terapia cognitivo-comportamental e a

psicossomática) a psicologia (e a ciência) cognitiva e, finalmente, a neurociência cognitiva.

I

1 Esta não é, na verdade, a expressão autêntica do pensamento heideggeriano. Adaptei-a para os propósitos específicos deste ensaio.2 O cripto-cartesianismo é uma expressão cunhada por Bennett & Hacker (2003) para designar o modo específico da herança cartesiana na neurociência cognitiva contemporânea. Falaremos dela na terceira parte deste ensaio.

2

Page 3: FILOSOFIA E PSICOLOGIA

A psicologia nasce de um paradoxo: explicar cientificamente a natureza da

experiência subjetiva quando esta precisou ser desterrada do discurso do conhecimento para

que este se erguesse em ciência – o mundo da ciência moderna iniciado por Descartes. A

modernidade é o primeiro passo em direção a um mundo desencantado, onde se obliteram

as figuras míticas e os heróis, para dar lugar a uma concepção de universo apoiada na

metáfora do relógio à qual se seguiu a mecânica newtoniana e as explicações físicas

baseadas no conceito de força. O melhor representante desta metáfora é o relógio, pois ele

nos remete às idéias de interação mecânica (causal) entre partes (peças) e de precisão na

contagem (e divisibilidade) do tempo. Mas nesta concepção de mundo não há lugar nem

para a vida nem para a mente.

A exclusão das causas psíquicas do domínio da ciência é herdeira da dicotomia

entre mente e corpo (que mais tarde tornou-se dicotomia entre mente e cérebro) proposta

por Descartes no século XVII. Ele foi o pai da medicina moderna ao separar o físico do

mental. O físico é o mensurável e orgânico. O mental não tem dimensão, peso ou

espacialidade. Ao fundar a medicina, Descartes excluiu a possibilidade de uma psicologia

científica. Tratar da interação entre mente e corpo tornou-se impossível na medida em que

o psíquico não pode ser causa de nenhum fenômeno no mundo material. A passagem entre

o físico e o mental – a verdadeira dimensão do problema mente-corpo - não nos é

cognitivamente acessível no mundo cartesiano. A solução proposta por Descartes era

atribuir a um órgão, qual seja, a glândula pineal, a função de interface entre a mente e o

corpo, mas esta era uma solução inaceitável, pois não explicava ainda como e porque algo

físico poderia ter um duplo papel. Uma psicologia cartesiana torna-se, assim, uma

psicofísica, ou seja, o estabelecimento de uma correlação entre o físico e o mental – a

mesma correlação que encontraremos na psicossomática contemporânea entre grupos de

doenças orgânicas e perfis psicológicos.

Versões sofisticadas de uma psicofísica cartesiana podemos encontrar, ainda hoje,

na neurociência cognitiva. Basta ver os trabalhos de Libet (1985) que comparam o tempo

de disparo de uma reação eferente com o tempo de seu registro consciente. Em vez de

medir correlações entre sensações e estados mentais podemos agora, graças à sofisticação

de nossa instrumentação, medir o tempo de impulsos cerebrais. O paradoxo das conclusões

de Libet começam a surgir quando ele deriva deste resultado uma teoria determinista do

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comportamento – ou seja, usando um arcabouço conceitual cartesiano deriva uma

conclusão francamente anti-cartesiana, qual seja, a de que somos controlados pelos nossos

cérebros.

A psicossomática também se deriva de uma visão cartesiana, como apontamos

acima. Mas antes de abordá-la precisamos falar de um outro filho pródigo do universo de

Descartes que a precedeu no tempo: a psiquiatria. A psiquiatria surge antes da psicologia

nas formas do chamado tratamento moral. Pinel e Tuke, os criadores desta nova disciplina

médica tentaram definir as primeiras nosologias e as primeiras técnicas para a cura dos

insanos. O tratamento moral era uma destas, senão a principal: tratava-se de trazer o doente

mental para um controle social e moral; a cura significava “reinculcar-lhe os sentimentos de

dependência, humildade, culpa, reconhecimento que são a armadura moral da vida

familiar” (Foucault, 1968). O tratamento moral não era nem mental nem físico, submetia-se

o doente a duchas ou banhos para refrescar seus espíritos ou ele era colocado numa

máquina rotatória que girava, para que o curso de seus espíritos demasiadamente fixos

numa idéia delirante fosse recolocado em movimento e re-encontrasse seus circuitos

naturais. A literalidade destas metáforas “refrescar a cabeça” ou “colocar as idéias no

lugar” reflete o pano de fundo sobre a qual a psiquiatria nascente surgia: a separação

cartesiana entre mente e corpo como um problema não resolvido.

Ora, terá este problema sido resolvido na psiquiatria contemporânea? Existe,

atualmente, uma tensão implícita entre as práticas da psiquiatria organicista e a utilização

de diferentes psicoterapias para o tratamento de distúrbios psíquicos. Esta tensão reflete,

sem dúvida alguma, a separação cartesiana. O fenômeno endêmico da depressão parece

acentuar ainda mais este tipo de conflito, que surge ora de forma aberta, ora de forma

camuflada. De um lado existem aqueles que defendem a utilização de fármacos como

instrumento para alívio do desconforto psíquico (que se tornaria evitável) e de outro,

aqueles que identificam esta prática com “a [substituição] da camisa-de-força e os

tratamentos de choque pela redoma medicamentosa”.3

Nos últimos anos há pesquisas sugerindo que o uso complementar destas duas

estratégias tem levado a resultados mais rápidos, mais eficientes e mais duradouros no

tratamento da depressão. Neste caso, o conflito estaria superado, não fosse a ausência de

3 Ver Roudinesco, 2000, p. 21.

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uma justificação científica, para além de uma simples constatação estatística, do porque a

utilização conjunta destas duas estratégias leva a melhores resultados, evitando, inclusive, a

recidiva freqüente. Este tipo de discurso parece, entretanto, traduzir mais um mal-estar

entre, de um lado, os defensores da biopsiquiatria e de outro os defensores das talking cures

do que propriamente uma crença na possibilidade de uma conciliação de estratégias de

tratamento.

Ora, esta questão não se situa num patamar unicamente científico nem tampouco

pode ser decidida pela constatação estatística da superioridade de uma estratégia sobre a

outra. Sua formulação correta revela-nos um problema filosófico – a questão da natureza da

causação mental - e que é neste terreno que ela deve ser primordialmente discutida, ou seja,

como uma variante do problema mente-corpo ou do problema da passagem entre o físico e

o mental.

O problema das talking cures – sejam elas psicanalíticas ou cognitivo-

comportamentais - está na ausência de uma teoria da causação mental. Em outras palavras,

a desconfiança, e no limite até a rejeição das psicoterapias pela biopsiquiatria reside no fato

de não ter sido formulada, até o momento, uma hipótese consistente acerca de como estas

práticas podem afetar/modificar a atividade cerebral. Estranhamente, encontramos nos

trabalhos de neurobiólogos eminentes como Damásio (1996) o reconhecimento da

existência de uma causalidade psíquica, ou seja, de que estados mentais podem afetar o

funcionamento cerebral, mas nenhuma justificativa de como isto se daria4. Ou seja,

nenhuma explicação inteligível da passagem entre o físico e o mental, o que situaria esta

explicação num patamar além das correlações entre sessões psicoterápicas e modificações

cerebrais posteriores constatadas por tomografia ou fMRI (Ressonância Magnética

Funcional).

Nos últimos anos o problema da causação mental readquiriu grande espaço no

cenário da filosofia da mente (Kim, 1997, 1998, Velmans, 2002). Tratamentos como o

biofeedback, as terapias holísticas e outras formas de intervenção mental sobre pacientes

afetados por distúrbios psíquicos têm provado que a filosofia da mente enfrenta um 4 “A tristeza e a ansiedade podem alterar de forma notória a regulação dos hormônios sexuais, provocando não só mudanças no impulso sexual, mas também variações no ciclo menstrual. A perda de alguém que se ama profundamente, mais uma vez um estado de um processamento cerebral amplo, leva a uma depressão do sistema imunológico a ponto de os indivíduos se tornarem mais propensos a infecções e, em conseqüência direta ou indireta, mais suscetíveis a desenvolver determinados tipos de câncer. Pode-se morrer de desgosto, tal qual na poesia” (Damásio, 1996).

5

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problema de duas mãos: não se trata apenas de mostrar como o cérebro pode produzir a

mente, mas como esta pode, por sua vez, afetar o cérebro. O efeito placebo, por exemplo,

seria um exemplo típico desta forma de intervenção, embora alguns sustentem que a

administração do placebo diminui apenas a dor e não os distúrbios orgânicos que a

produzem.5

Não há dúvida que a medicação psiquiátrica amortece a angústia e que a intervenção

farmacológica encontra-se plenamente justificada quando há risco de suicídio ou iminência

de uma situação de violência. A questão que permanece, contudo, é a de porque esses

remédios mostram-se, com freqüência, insuficientes para conter uma recidiva ou até mesmo

insuficientes para conter crises agudas pelas quais o paciente pode passar – crises que só

são evitadas se a sua administração for conjugada com a psicoterapia. Neste caso, resta-nos

perguntar que tipo de coadjuvante torna-se a psicoterapia no tratamento psiquiátrico,

examinando brevemente como a psicanálise e as terapias comportamentais lidam com o

problema da causação mental, a principal herança cartesiana.

Psicanalistas tradicionais responderão que só a talking cure desloca os sintomas

para depois efetivamente suprimí-los e, assim fazendo, restaura ao paciente a dignidade de

sujeito, o retornar à primeira pessoa ou à descoberta do desejo antes ocultado pela

despersonalização. O mérito da psicanálise estaria precisamente em deixar de “tratar os

pacientes como organismos à deriva, ao sabor das leis naturais” (Schiller, 2003). Embora

reconhecendo um papel privilegiado para a causação mental como base das talking cures o

ataque de psicanalistas à utilização de recursos farmacológicos parece inconsistente com os

próprios escritos de maturidade de Freud, nos quais ele defendia abertamente o sonho de

tratar as angústias e outros distúrbios através de medicação, ao afirmar, no Esboço de

Psicanálise , que “o futuro talvez nos ensine a agir diretamente com a ajuda de algumas

substâncias químicas, sobre as quantidades de energia e sua distribuição no aparelho

psíquico [...] Por ora dispomos somente da técnica psicanalítica”.6

5 Velmans (2002), p. 56 Interessante notar, não apenas o compromisso materialista assumido nesta passagem como também um compromisso com o materialismo eliminativo assumido em passagens de O inconsciente e em Para além do princípio do prazer onde Freud afirma que “as deficiências de nossa descrição do psiquismo decerto desapareceriam se já estivéssemos em condições de substituir os termos psicológicos por termos da fisiologia ou da química”. O materialismo eliminativo é a doutrina que sustenta a provisoriedade da psicologia e a sua progressiva substituição pela neurociência a medida em que os termos da chamada folk psychology forem substituídos por termos neurocientificos. Esta passagem de Freud poderia com certeza ser atribuída ao casal Churchland, os pioneiros do materialismo eliminativo na filosofia da mente contemporânea. Contudo, Freud

6

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Poderíamos afirmar que a psicanálise ataca a tradição cartesiana ao tentar mostrar

que o mental não é co-extensivo com o consciente. Mas aqui estaríamos encontrando uma

(ou mais uma) ambigüidade na obra freudiana: a psicanálise enfrenta o problema da

interação mente-cérebro e da causação mental sem resolvê-lo ao sustentar que um sintoma

pode se modificar a partir de uma interpretação. O sujeito se definiria pela sua história

individual, seja ela consciente ou não. O vivido não teria representação neurológica ou,

mesmo que a tenha, ela pouca diferença faz para a remoção de um sintoma. Tudo se

passaria como no filme recente de Michel Gondry, Eternal Sunshine of the Spotless Mind

(Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças, EUA, 2004) onde se sugere a possibilidade

de apagar memórias traumáticas por uma intervenção neurológica. Como observa um

psicanalista brasileiro famoso7, se fizéssemos uma operação neurológica para nos livrar de

um trauma, continuaríamos nos lembrando de porque fizemos tal operação: no limite, não

poderíamos, por este método, livrar-nos do trauma. Ou seja, não é a representação

neurológica da memória traumática que importa para o psicanalista (e nem tampouco para o

paciente, neste caso) mas sua dimensão enquanto experiência vivida (o que é na verdade

sugerido por Gondry como conclusão de sua obra cinematográfica). Entre o vivido (a

experiência individual) e o neurológico haveria um abismo intransponível – uma versão do

abismo cripto-cartesiano.

Outra ambigüidade da obra freudiana é identificada por alguns de seus exegetas que

sustentam a existência de uma clivagem entre “antes” e “depois” de 1920. Haveria o Freud

médico e neurólogo (que hoje se procura recuperar através da neuropsicanálise de Solms,

que arrepia os lacanianos) e o Freud da tópica cerebral abstrata, mais adiante caminhando

para uma teoria da cultura, deixando para trás a neurociência como lócus privilegiado para

a explicação psicológica.

A crítica veemente à neuropsicanálise parece se voltar contra ela mesma: quanto

mais a psicanálise tenta garantir sua cidadania como disciplina autônoma, mais ela parece

perder lugar no cenário científico pós-moderno. A tentativa de garantir um espaço próprio

para o discurso psicanalítico fora das ciências duras se traduz, sutilmente, um sucedâneo da

distinção cartesiana entre mente e corpo na forma de uma diferença abissal entre natureza e

cultura. Na forma como ela é freqüentemente colocada ela acaba por nos remeter a uma

parece ter sempre evitado enfrentar abertamente o problema mente-cérebro ao longo de sua obra. 7 A referência é a Caligaris (2004)

7

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distinção entre biológico e simbólico que se parece à intransponibilidade entre o físico e o

mental de que nos falava Descartes. Curiosamente, muitos antropólogos posteriores a Freud

tentaram buscar algo parecido com a “glândula pineal de Descartes”, ou seja, algum tipo de

ligação entre a natureza e a cultura que servisse de interface para superar essa

intransponibilidade: esse seria o papel da interdição do incesto em Levy-Strauss e do

aparecimento do cemitério humano em Vercors.8

Voltemo-nos agora, brevemente, para as psicoterapias cognitivo-comportamentais.

Estas, embora não excluindo totalmente a intervenção farmacológica, atribuem

implicitamente grande peso à palavra como instrumento para buscar a correção da

representação do ambiente por parte do sujeito. No caso da depressão, onde elas são mais

usadas, trata-se de fazer com que o sujeito livre-se dos chamados “pensamentos negativos

automáticos” (PNAs). Ou seja, a terapia cognitivo-comportamental não pode, tampouco,

tratar o mental como epifenômeno, pois é de sua alteração que se espera a modificação do

comportamento, que, em seguida alterará o ambiente onde ele ocorre, para que este,

fechando o ciclo, retroaja sobre o comportamento e assim por diante.

Em outras palavras, os aspectos cognitivos e os aspectos comportamentais do

sujeito estariam em mútua interação neste tipo de terapia – embora o modo como esta

interação ocorre continue sem explicação. Afinal, será a cognição dependente da mudança

no comportamento ou vice-versa? Que peso deve ser atribuído à talking cure e ao

comportamento no ciclo retroativo (operante) que se instaura entre o organismo e o meio

ambiente? Para o behaviorista radical a explicação periferalista, baseada nas

contingências/variáveis ambientais teria um papel predominante. Mas é preciso notar que

uma leitura cuidadosa da obra de Skinner nos revela que este não considera o mental como

epifenômeno a não ser na medida em que sua proposta de uma ciência psicológica visa

banir o problema da causação mental e, assim, livrar-se da herança cartesiana. Mas banir

não é resolver. A teoria skinneriana ainda precisa ser explorada e completada para que se

possa vislumbrar como nela ocorreria a interação entre o físico e o mental.9

A psicossomática – da qual prometêramos falar - parece marcar, igualmente,

contornos para esta discussão: se admitirmos sua cidadania como disciplina científica, não

8 Ver Vercors (1954/1984) Les animaux dénaturés9 Ver o capítulo “ Notas para uma teoria do pensamento no behaviorismo radical” in Teixeira, J. de F. (no prelo).

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podemos mais apostar na inércia causal do psiquismo. Seu aparecimento marca um passo

histórico importante na medida em que tenta re-inserir o mental no campo de estudos da

medicina que estaria se concentrando quase que exclusivamente na fisiologia e na patologia

do corpo. Mas o desafio colocado pela psicossomática é bastante claro: além de

encontrarmos uma relação causal entre fenômenos mentais (como o fez a psicanálise) e

entre fenômenos físicos (como faz a medicina tradicional), é preciso encontrar uma relação

causal ou uma passagem entre o mental e o físico. A fundamentação da psico-neuro-

imunologia apresenta as mesmas dificuldades epistemológicas.

Schiller (2003) observa que a medicina tradicional tem freqüentemente incorrido no

erro categorial de confundir causa com mecanismo. Por exemplo, diz-se que um aumento

da freqüência cardíaca é causado pela produção de adrenalina quando este não passa do

mecanismo que leva à taquicardia. A causa se encontra na esfera psíquica e pode ser um

drama existencial ou uma situação de medo. As causas psíquicas ficam, porém fora do

domínio da ciência e nesta medida a intervenção psiquiátrica nos mecanismos bioquímicos

da angústia ou da depressão limita-se quando muito a ser um controle do quadro clínico e

não um ataque às suas verdadeiras causas. O mesmo ocorre numa série de outros quadros

clínicos cuja correlação com causas psíquicas já foi constatada estatisticamente:

- irrupção de herpes causada pelo stress,

- ocorrência de câncer de cólon e stress,

- incidência de doença cardíaca e desesperança,

- taxa de ataque cardíaco e depressão,

- taxas de sobrevivência a câncer de mama e participação em grupos de apoio.

Ora, a exclusão das causas psíquicas é uma das mais legítimas heranças cartesianas.

No limite, a obra de Descartes tornou o projeto de uma psicologia científica impossível ao

excluir a experiência consciente do domínio da ciência – ou do domínio do modelo de

ciência que se instaurava no século XVII, inspirado pela física de Galileu. Anos mais tarde

quando Wundt se lançou à tarefa de fundar uma psicologia científica tropeçou no paradoxo

de ter de fazer uma ciência do psiquismo que ao mesmo tempo excluísse de seu escopo a

subjetividade. A solução era distinguir entre a “má” e a “boas” introspecção e eliminar a

primeira. Um projeto que tinha, contudo, como pano de fundo, a proposta de conciliar o

9

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irreconciliável: a experiência subjetiva com um modelo de ciência que a excluía do mundo

por tornar este um domínio exclusivo da física.

Não é à toa que no século XX encontraremos uma plêiade de movimentos

psicológicos que tentaram, de uma forma ou de outra, superar a herança cartesiana. O

behaviorismo de Watson, por exemplo, foi uma tentativa de livrar-se do problema da

interação entre mente e cérebro tentando, deliberadamente, ignorar a atribuição de qualquer

tipo de estatuto ontológico ao mental. O behaviorismo de Skinner, embora muito diferente

do behaviorismo metodológico com o qual é indevidamente confundido, tentará fundar uma

psicologia na qual o acesso a estados mentais e estados cerebrais seria mais complicado do

que o estudo da história de reforçamento dos indivíduos, além do fato de que a mediação de

estados mentais poderia ser prescindível na predição do comportamento. Se por um lado, a

psicologia skinneriana deu um passo contra o dualismo cartesiano ao recusar a distinção

entre mente e comportamento como sucedânea da distinção mente/corpo ela peca, por outro

lado, por não conseguir explicar algumas atividades cognitivas humanas fundamentais,

como, por exemplo, nossa capacidade de planejar. Como poderíamos, por exemplo,

explicar nossa capacidade de projetar uma ponte sobre um rio a partir de contingências de

reforço? Ou, como explicar os movimentos que fazemos num jogo de xadrez a partir

destas? Não estaríamos tornando a explicação psicológica, neste caso, uma tarefa hercúlea?

O suposto “desgaste histórico” do behaviorismo skinneriano teria levado à

insurgência dos cognitivistas que proclamaram a revolução cognitiva e também se auto-

proclamaram os únicos a desenvolver uma psicologia verdadeiramente pós-moderna. Mas

teriam estes dado um passo em direção à superação da herança cartesiana? A verdadeira

herança cartesiana reside na concepção de causalidade que ela inspira; uma noção

tradicional e senso comum de uma causalidade linear que não nos permite vislumbrar uma

saída para a interação mente®matéria, confinando-nos em dois mundos distintos onde as

relações causais ocorrem entre mente®mente e matéria®matéria. Ou seja, o problema a ser

enfrentado consiste em saber como, dado que para cada estado mental existe um estado

físico que o produz, como pode o primeiro (a mente) retroagir sobre o segundo (o cérebro)?

Produzir esta explicação esclareceria – entre outras coisas - porque a psicoterapia é

necessária além do tratamento psicofarmacológico no caso de alguns transtornos graves: a

talking cure seria responsável por esta retroação. Mas, para isto, é preciso saber como essa

10

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retroação é possível, ou seja, é preciso explicar a possibilidade da existência da causação

mental, o que requer, por sua vez, uma teoria robusta das relações entre mente e cérebro.

Um primeiro passo nesta direção poderia ser dado pela modificação de nossas próprias

idéias cotidianas acerca de causalidade. Mas até agora poucas sugestões neste sentido

foram apresentadas pela ciência cognitiva e pela filosofia da mente.

Idéias como as de, por exemplo, a existência de uma causalidade circular já

sugerida na física e na neurociência contemporâneas (Freeman, 1999, 1999a) parecem

oferecer uma alternativa à visão cartesiana e com isto restaurar a possibilidade de uma

interação entre mente®matéria. A causalidade circular pode expressar inter-relações entre

níveis em uma hierarquia: um evento de nível superior afeta simultaneamente eventos que

um nível inferior gerou e que mantém o próprio evento de nível superior. Esta idéia já é

utilizada, por exemplo, na física. Haken (1983) relata o caso no qual os átomos excitados

por um laser causam uma emissão de luz e esta, por sua vez impõe ordem nos átomos. No

caso de nosso cérebro, a causalidade circular explicaria a retroação de experiências

conscientes sobre a base cerebral que as produz. No caso específico que discutimos, ela nos

explicaria a complementaridade (e a necessidade) da associação entre fármacos e

psicoterapia: esta seria o evento de nível superior que afeta os eventos que um nível inferior

gerou (a modificação cerebral ocasionada pelos fármacos) para manter o próprio evento de

nível superior (a modificação da vida mental do paciente).

Mas a idéia de causalidade circular ainda é vista com muita desconfiança não

apenas por físicos e psicólogos como até mesmo pelos próprios epistemólogos

contemporâneos. Nossa concepção de mundo ainda é próxima, cognitivamente, do universo

concebido como relojoaria e da física newtoniana, o que faz com que as idéias cartesianas

de causalidade e das relações entre mente e cérebro, explicitamente ou não perdurem até

nossos dias. Nunca fomos efetivamente pós-modernos.

II

A partir dos anos 30 (no século passado) a metáfora do relógio começa a ser

substituída pelo computador como máquina dominante na sociedade – uma máquina que,

11

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progressivamente vai se tornando a ferramenta principal para a ciência. Surge uma nova

metáfora do universo, baseada no conceito de informação. Esta metáfora culminará, nos

anos 60, com a revolução cognitiva e com o aparecimento da inteligência artificial. Ambas

seriam novas alternativas para a explicação psicológica na medida em que esta seria obtida

pela possibilidade de replicação da vida mental humana (ou aspectos dela) através de

programas computacionais.

Terá a revolução cognitiva mudado o cenário cripto-cartesiano em que se encontra a

psicologia? Uma primeira resposta, de caráter geral, é inevitavelmente negativa. A

digitalização pressupõe uma concepção de tempo como um fluxo de instantes – uma idéia

cartesiana de onde se deriva o universo binário sobre o qual se baseia a ciência da

computação contemporânea. Mas precisamos examinar os modelos cognitivos de mente em

maior detalhe para fundamentar esta resposta.

Nas décadas de 60 e 70 ocorre uma influência mútua entre ciência cognitiva e

neurociência – uma influência que se inicia a partir da concepção do cérebro como um

computador (a metáfora computacional) e culmina na idéia da mente como o software do

cérebro. A noção de uma inteligência artificial como realização de tarefas por dispositivos

que não têm uma arquitetura nem uma composição biológica e físico-química igual à nossa

abala profundamente a idéia de que funções cognitivas responsáveis pelo comportamento

inteligente dependeriam de características específicas dos cérebros vivos. Esta idéia é

fundamentada numa doutrina filosófica subjacente à inteligência artificial e à ciência

cognitiva dessa época, qual seja, o funcionalismo.

Uma noção intuitiva, mas ao mesmo tempo precisa do que é o funcionalismo nos é

proporcionada por Haugeland (Haugeland, 1993). Ele nos convida a considerar o que está

envolvido em um jogo de xadrez, se são as regras do jogo e a posição das peças no

tabuleiro ou se é o material, tamanho, etc de que é feito este último. Certamente são as

regras e a posição das peças. Pouco importa se o bispo e o cavalo são feitos de madeira ou

de metal, se o tabuleiro é grande ou é pequeno. Em outras palavras, o jogo de xadrez tem

uma realidade independente do material que utilizamos para fazer as peças e o tabuleiro.

Mas não haveria jogo de xadrez se não dispuséssemos de algum material para representar o

tabuleiro, as peças, e as regras. Não podemos suprimir inteiramente o material com o qual

construímos um tabuleiro e suas peças, mas podemos variá-lo quase indefinidamente.

12

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Ademais, as regras e estratégias do xadrez não serão redutíveis ao marfim se as peças forem

desse material, tampouco ao plástico se elas forem de plástico e assim por diante.10

Façamos agora uma analogia entre jogo de xadrez e a mente. A idéia do

funcionalista é que a mente não se reduz ao cérebro, da mesma maneira que no jogo de

xadrez as regras e estratégias não se reduzem à composição físico-química do tabuleiro e

das peças. O cérebro instancia uma mente, mas essa não é o cérebro nem tampouco se

reduz a ele. Podemos agora perceber porque os pesquisadores da inteligência artificial

apoiaram o funcionalismo, pois se tratava de apoiar a possibilidade de replicação mecânica

de segmentos da atividade mental humana por dispositivos que não têm a mesma

arquitetura nem a mesma composição biológica do cérebro.

O aspecto mais interessante do funcionalismo é sua característica não-reducionista,

do qual podemos derivar a chamada tese da múltipla instanciação (multiple realizability).

De acordo com esta tese, dois computadores podem diferir fisicamente um do outro, mas

isso não impede que eles possam rodar o mesmo software. Inversamente, dois

computadores podem ser idênticos do ponto de vista físico, mas realizar tarefas

inteiramente distintas se seu software for diferente. A mesma analogia vale para mentes e

organismos: um mesmo papel funcional que caracteriza um determinado estado mental

pode se instanciar em criaturas com sistemas nervosos completamente diferentes. Um

marciano pode ter um sistema nervoso completamente diferente do meu, mas se ele puder

executar as mesmas funções que o meu, o marciano terá uma vida mental igual à minha.

Isto é uma conseqüência do materialismo não-reducionista: um rádio (hardware) toca uma

música (software); a música e o aparelho de rádio são coisas distintas, irredutíveis uma a

outra, embora ambas sejam necessárias para que possamos ouvir uma música. Nunca

poderemos descrever o que o rádio está tocando através do estudo das peças que o

compõem.

Os funcionalistas advogaram que sua tese seria um monismo neutro, que poderia

abrigar visões opostas, desde que nenhuma delas fosse reducionista. Não há dúvida de que,

neste sentido, o funcionalismo foi uma das grandes novidades da filosofia da mente do

século XX. Contudo, a idéia de que a mente seria o sofware do cérebro levou à concepção

equivocada de que estes se assemelhariam a idealidades matemáticas desencarnadas e

10 Ver Teixeira, (2000), p. 124, f.f

13

Page 14: FILOSOFIA E PSICOLOGIA

portáteis e não à descrição das transformações de um hardware ao longo do tempo – e foi a

partir deste momento que o funcionalismo passou a poder ser visto como um sucedâneo do

dualismo cartesiano11. Sua versão materialista baseia-se na token-token identity; que

sustenta que alguma instância de um tipo mental é idêntica a alguma instância de um tipo

físico, sendo que este pode ser o sistema nervoso de um ser humano, de um marciano ou o

hardware de um computador. Neste sentido, o funcionalismo poderia igualmente ser

interpretado como uma variante do materialismo – mas seria um materialismo/fisicalismo

minimalista.12

A inteligência artificial dos anos 70 herda a teoria clássica da representação que

começa no século XVII e parte da pressuposição da estranheza do mundo em relação a

mente que o concebe - uma estranheza que resulta de uma caracterização da mente como

algo distinto e separado do mundo. Neste sentido, a representação tem de recuperar esse

mundo do qual a mente não faz parte; é preciso instaurar uma garantia de correspondência

com aquilo que se tornou exterior ou externo, seja ela através de um Deus não-enganador

(Descartes) ou das formas a priori da intuição e do entendimento (Kant).

A ciência cognitiva dessa época, qual seja, o representacionalismo baseado na

inteligência artificial desenvolvida nos laboratórios do MIT, herdou estes pressupostos da

teoria clássica da representação. Ela desenvolveu uma visão da cognição e do chamado

"modelo computacional da mente" onde ambos são definidos como computações de

representações simbólicas. A idéia de representação mental identificada com símbolo não

está tão distante da noção de idéia cartesiana, definida por imagem intelectual ou da

semiótica lockeana que concebia as "idéias" como signos.

Mas não é apenas a idéia da representação mental identificada com símbolos (ou

"imagens intelectuais") que é herdada pela inteligência artificial dos anos 70. Ela herda

também - talvez sem perceber ou a contragosto - a pressuposição do ghost in the machine, a

mesma pressuposição que fazia com que Descartes reconhecesse as limitações dos

autômatos, limitações em princípio que os impediriam de vir a ter uma vida mental

semelhante a nossa por mais que a tecnologia pudesse avançar. O problema do ghost in the

11 Fodor, por exemplo, chega a afirmar que “o fisicalismo token-token não descarta a possibilidade de máquinas e espíritos desencarnados virem a ter propriedades mentais. “Token physicalism does not rule out the logical possibility of machines and disembodied spirits having mental properties” ((Fodor, 1981, p. 127).12 Os três últimos parágrafos foram reproduzidos, com modificações, do livro Cérebro e Comportamento: neurociência, computadores e behaviorismo radical”. Teixeira, J. de F. (no prelo).

14

Page 15: FILOSOFIA E PSICOLOGIA

machine reaparece nas críticas à inteligência artificial esboçadas no início dos anos 80, sob

a forma do argumento intencional ou o argumento do quarto do chinês13 desenvolvido por J.

Searle (1980). O problema da intencionalidade ou do significado como algo indissociável

de uma consciência (seja esta resultado de um fantasma oculto ou da atividade biológica

dos organismos como queria Searle) não constitui uma efetiva crítica à inteligência

artificial no sentido forte: ele é menos uma ruptura do que a constatação natural dos limites

da computação simbólica; um desdobramento natural da tradição cartesiana herdada pela

inteligência artificial dos anos 70.14

A construção de sistemas conexionistas nos anos 80 levou os teóricos da ciência

cognitiva, num primeiro momento, a supor que esta poderia pura e simplesmente prescindir

da idéia de representação. Esta perspectiva, entretanto, logo se revelou errônea: o

conexionismo não prescinde das representações, mas introduz um aspecto convencionalista

na maneira de concebê-las, ao propor trocar o modelo de inspiração discursiva, baseado

numa metáfora visual (ou semanticamente transparente, para usar a terminologia de Clark,

1989) por um modelo de inspiração matemática onde se constroem representações de

representações, na forma de equações diferenciais que expressam relações entre neurônios

artificiais. Rompem-se possíveis semelhanças entre representação e objeto representado,

mas a idéia tradicional de representação é re-instaurada na medida em que se mantém

inquestionável a dicotomia entre cognição e mundo.

É somente a chamada “terceira onda” da ciência cognitiva, na metade dos anos 90

que procura desvencilhar-se definitivamente dos pressupostos cripto-cartesianos. O

protagonista desta nova onda na ciência cognitiva parece ser a nova robótica de Brooks.

13 O argumento do quarto do chinês, formulado por J. Searle consiste basicamente no seguinte:Uma pessoa que só conhece português está em um quarto trancado, e em seu poder essa pessoa tem um texto em chinês e um conjunto de regras de transformação em português, que permite executar operações sobre o texto em chinês. A pessoa trancada no quarto recebe periodicamente novos textos em chinês e com seu conjunto de regras essa pessoa passa a escrever novos textos em chinês. A pessoa na verdade só aplica as regras dadas a ela sem realmente compreender o que está escrevendo. Um observador externo vendo os textos produzidos na sala poderia dizer que a pessoa trancada na sala realmente compreende chinês, o que não é verdade.

A idéia de Inteligência Artificial Simbólica é a de que a inteligência resulta do encadeamento adequado de representações mentais, que são símbolos. A sala chinesa de Searle contradiz isso muito bem, por que seguir regras não significa compreender, da mesma maneira que executar determinadas funções e produzir resultados esperados tampouco significam compreender.

14 Os últimos parágrafos foram reproduzidos, com modificações, do livro Filosofia e Ciência Cognitiva, p.35 ff.

15

Page 16: FILOSOFIA E PSICOLOGIA

Com ela estaríamos retornando ao verdadeiro sentido da inteligência artificial que teria se

perdido ao longo da história, qual seja, a de que ela deveria ser uma ciência experimental;

um ramo da engenharia e não da matemática.

A reflexão de Brooks sobre a sua prática científica parte da idéia de que a

inteligência artificial precisa retomar suas origens, ou seja, a cibernética, esta disciplina de

vida efêmera e injustamente esquecida pela historia da ciência. A cibernética começa pela

observação do comportamento e não pelo estudo da cognição entendida como representação

simbólica e computações baseadas em regras formais. É esta a estratégia seguida por Brooks

no seu laboratório no MIT. Insetos podem apresentar comportamento complexo, sem que

para isso seus cérebros tenham que representar regras lógicas. O mesmo podemos afirmar

acerca de gaivotas que fazem vôos rasantes para apanhar peixes no mar – certamente seus

cérebros não representam regras e equações da balística para evitar que um desses vôos

resulte em algum tipo de colisão fatal ou afogamento. Se há representações nestes cérebros,

elas são representações implícitas ou encarnações físicas de processos, como é, por exemplo,

o caso de uma calculadora de bolso que encarna funções matemáticas – embora suas regras

de funcionamento sejam estáticas e invariáveis. Certamente outros hardwares mais flexíveis

podem ser formados a partir das interações comportamentais dos organismos/robôs com a

complexidade do meio ambiente. Neste caso, estamos diante de hardwares plásticos que

podem se modificar a si mesmos nestes processos interativos e este é o verdadeiro sentido da

afirmação de que processos/comportamentos podem se transformar em hardwares ou no

limite em wetwares.

Os trabalhos teóricos de Brooks (1991,1991a, 1991b ) sugerem que as dificuldades

enfrentadas pela ciência cognitiva são muito mais conceituais do que práticas ou

tecnológicas. É a ausência da análise conceitual que pode envolver-nos em confusões

teóricas e até mesmo em pseudo-questões como a interpretação não-materialista do

funcionalismo e suas conseqüências. A crítica a um funcionalismo des-cerebralizado pode

ter outras conseqüências que não poderemos explorar aqui, como, por exemplo, uma

reflexão sobre o estatuto ontológico do que chamamos software e nossa tendência a

concebê-lo como entidade matemática com uma existência independente de sua realização

física. No mesmo esteio, seria preciso rever a idéia de cognição concebida como

computação abstrata sobre símbolos – uma computação que aspira a uma total

16

Page 17: FILOSOFIA E PSICOLOGIA

independência em relação a seu substrato físico, ou seja, a versão contemporânea da mente

imaterial cartesiana.

III

Quando afirmamos no início deste trabalho que a psicologia não teria conseguido se

tornar independente da “enciclopédia filosófica” quisemos dizer que as teorias psicológicas

ainda são, em grande parte, teorias filosóficas, pois a explicação da passagem entre o físico

e o mental só pôde, até agora, ser abordada especulativamente. Estas teorias resistem a um

critério de falseabilidade na medida em que a psicologia permanece sem um objeto definido

e, por vezes, fazem com que seu discurso beire àquele da auto-ajuda.

Nos últimos anos (a década do cérebro) a biopsiquiatria e a neurociência cognitiva

fizeram com que a psicologia perdesse ainda mais de sua já precária cidadania, tendendo a

desfigurar-se em apenas uma variedade de assistência social. A proposta de um

mapeamento cerebral pela neuroimagem passa a centralizar as pesquisas na neurociência

cognitiva, e, com este, surge algo parecido com uma frenologia eletrônica. A mente

finalmente seria o cérebro! – proclamaram alguns neurocientistas cognitivos mais

entusiasmados e embalados pelo sonho reducionista. Eles não mais procuravam funções

cognitivas nas saliências ósseas do crânio, mas nas cintilações dos belíssimos mapas

cerebrais produzidos pela fMRI. Pioneiros da neurociência cognitiva, como Gazzaniga

(1998), chegaram a vaticinar o fim do próprio conceito de mente e a morte da psicologia.

Mais do que isto: a neurociência e a sua parceira, a biologia molecular, passaram

implicitamente a se proclamar como fundamento de todas as outras ciências realizando o

sonho de uma ciência geral que abrangeria todas as outras, o tronco mestre do

conhecimento na medida que é do cérebro e do DNA de suas células que este emana. O

estudo da natureza do pensamento e da consciência – tema central da filosofia e da

psicologia ao longo de suas histórias – deixaria de ser da competência exclusiva dos

filósofos e psicólogos. O pensamento seria apenas o metabolismo do cérebro. Desta forma,

problemas filosóficos seriam progressivamente dissolvidos da mesma maneira que a

dissolução do conceito de mente levaria a psicologia a um fim. Paradoxalmente, os

17

Page 18: FILOSOFIA E PSICOLOGIA

neurocientistas estariam se esquecendo de que se a ciência não fosse independente do

cérebro que a produz, as condições de verdade de suas proposições (ou seja, se estas são

verdadeiras ou falsas) seriam tão transitórias quanto o é a bioquímica deste...

Mas, terá a neurociência cognitiva dado um passo decisivo para superar a herança

cartesiana e seus implícitos e sutis pressupostos? Ou estaria ela apenas revivendo um

cartesianismo às avessas, no qual a mente é substituída pelo cérebro, ou seja, não

eliminando verdadeiramente o dualismo mas apenas revertendo-o? Esta é, sem dúvida, uma

questão muito complexa para cuja resposta podemos oferecer apenas algumas

considerações. O mais provável é que a neurociência cognitiva tenha se perdido na sua

obsessão pelo mapeamento do cérebro. Uma obsessão que tem como conseqüência a

restrição do lócus da explicação psicológica unicamente ao cérebro (internalismo)

excluindo, assim, ambiente e comportamento do escopo da psicologia. Paradoxalmente,

neurobiólogos contemporâneos eminentes têm apontado para a necessidade de direcionar a

investigação do cérebro na direção contrária, rejeitando o mito do cérebro na proveta, ou

seja, do cérebro separado do seu ambiente e do seu corpo em movimento. Mas, o que será

um mapa do cérebro? Que critérios utilizar para construí-lo?

Mapear a anatomia do cérebro não é tarefa fácil, afigurando-se como atividade

complexa e desafiadora. Hoje em dia, apesar de algumas falhas, os mapas de Brodmann são

canonicamente aceitos na neurociência. Os problemas mais graves, contudo, começam a

surgir quando se tenta correlacionar áreas cerebrais demarcadas anatomicamente com

funções cognitivas conscientes – ou seja, quando passamos da neurociência para a

neurociência cognitiva.

Uma primeira crítica contra este tipo de estratégia metodológica consiste em apontar

que esta não nos proporciona uma redução do mental ao cerebral como se pode supor à

primeira vista, mas tão somente o estabelecimento de correlações, não entre apenas

sensações e estados mentais como fazia a psicofísica, mas entre estados mentais e sua

representação cerebral (cintilação). Falta, contudo, passar das correlações à relação causal,

o que daria a estas últimas a inteligibilidade da relação entre mente e cérebro que se procura

com este tipo de investigação. Em outras palavras, o problema cartesiano estaria

reaparecendo pela porta dos fundos.15

15 Esta é a discussão acerca da existência ou não de correlatos neurais da consciência. Veja-se a este respeito Chalmers (2000) e seus oponentes Alva Noë e Thompson (2004).

18

Page 19: FILOSOFIA E PSICOLOGIA

Mas não é só aqui que o gênio maligno cartesiano reaparece. A correlação entre

áreas cerebrais e funções cognitivas exige que se assuma a possibilidade de uma

divisibilidade metodológica do mental – dizemos metodológica, pois Descartes não

acreditava na possibilidade de uma divisão real da mente, embora sustentando que a divisão

do complexo em partes simples era componente fundamental do método científico. Ora,

será a possibilidade de divisão do mental, mesmo que assumida apenas metodologicamente,

uma premissa sustentável? Ou, em outras palavras, podemos assumir a modularidade da

mente – mesmo numa versão mais branda do que aquela sustentada por cientistas

cognitivos contemporâneos como Fodor e Pinker? Que critérios estabelecer para relacionar

módulos mentais com módulos cerebrais? A dificuldade de mapear a mente no cérebro

parece mais residir em ter de mapear primeiro o mental para depois correlacioná-lo com

representações neurológicas.

É muito difícil chegar a um mapeamento unívoco do mental. Esta já era uma

dificuldade sentida pelo próprio Gall ao fundar sua frenologia. Gall distinguia vinte e sete

capacidades abstratas como individualidade, benevolência, esperança, auto-estima, etc. A

neurociência cognitiva parece ter embarcado numa aventura parecida ao tentar construir um

mapa correlacionando a mente e o cérebro a partir de instrumentos novíssimos e altamente

sofisticados, mas tomando como pressuposto conceitos e entidades psicológicas derivados

da psicologia do século XIX e do senso comum. Tentar encontrar os correlatos neurais de

entidades tão etéreas como a inteligência, a consciência, a humildade, a desesperança e

outros conceitos formados pela nossa linguagem e que impregnam as teorias psicológicas

pode acabar se tornando uma tarefa tão ingrata quanto tentar fotografar o trópico de

capricórnio. Estes termos e entidades são aceitos sem uma análise conceitual prévia.

São estas as razões – ou melhor, apenas algumas delas - que impedem a psicologia,

mesmo quando apoiada inteiramente na neurociência, de se tornar um corpo científico

legitimamente autônomo que possa, então, dialogar com a filosofia para que esta discuta

seus fundamentos epistemológicos, da mesma maneira que ocorre com outras disciplinas

como a física, a química e outras ciências duras. A maturidade da psicologia – se algum dia

esta vier a ocorrer – será atingida não pelo seu desenvolvimento e especialização como foi

o caso da física, da química e da biologia. O caminho terá de ser diferente. Para que isto

possa acontecer será preciso submeter a psicologia a uma cuidadosa análise conceitual que

19

Page 20: FILOSOFIA E PSICOLOGIA

deverá incluir – sem querer incorrer no trocadilho – uma terapia lingüística. Eliminar a

confusão conceitual é tarefa essencialmente filosófica. Estranhamente, será a própria

filosofia que tornará a psicologia livre da filosofia, colocando-a no caminho da ciência –

através de outras alianças da psicologia com a reflexão filosófica que excluam o cripto-

cartesianismo.

Mas para isto será preciso que a filosofia também recupere seu lugar ao sol. É

preciso que o filósofo reassuma sua posição de fabricante de conceitos . Como observam

Deleuze e Guattari (1992) “os conceitos não nos esperam inteiramente feitos, como corpos

celestes. Não há céu para os conceitos. Eles devem ser inventados, fabricados ou antes

criados e não seriam nada sem a assinatura daqueles que os criam.16 Nas últimas décadas

este lugar foi perdido para o marketing, para o design de griffes e para os produtores de

virtualidades que povoam as sociedades pós-modernas. Ou, para citar novamente Deleuze e

Guattari “como a filosofia, essa velha senhora, poderia alinhar-se com os jovens executivos

numa corrida aos universais da comunicação para determinar uma forma mercantil do

conceito?”17

Da mesma maneira que a atividade cientifica a criação de conceitos deve ser vista

como atividade autônoma e sua utilização como uma mera aplicação possível. Isto quer

dizer que, se queremos que a psicologia se torne ciência, após uma análise conceitual

cuidadosa, não queremos, por outro lado, que a filosofia se torne ancilla scientia, ou em

termos mais prosaicos, que a filosofia se exaura na instrumentalidade de uma ferramenta

que a transformaria apenas na faxineira dos cientistas.

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16 Ver Deleuze e Guattari, 1992, p. 13.17 Deleuze e Guattari, 1992, p. 19.

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