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FILOSOFIA DE FRONTEIRA Entradas à espiritualidade do Logos em Heráclito e João miolo-filosofiadefronteira.indd 1 4/20/2017 8:28:34 PM

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FILOSOFIA DE FRONTEIRAEntradas à espiritualidade do Logos

em Heráclito e João

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Rio de Janeiro, 2017

FILOSOFIA DE FRONTEIRAEntradas à espiritualidade do Logos

em Heráclito e João

Rogério de Sousa

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Filosofia de fronteira: entradas à espiritualidade do Logos em Heráclito e Joãosousa, Rogério da Costa de

isbn: 978-85-518-0177-21ª edição, abril de 2017.

capa e editoração eletrônica: Guilherme Peres

Editora Autografia Edição e Comunicação Ltda.Rua Buenos Aires, 168 – 4º andar, Centrorio de janeiro, rj – cep: 20070-022www.autografia.com.br

Todos os direitos reservados.É proibida a reprodução deste livro com fins comerciais sem prévia autorização do autor e da Editora Autografia.

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 7

1. INTRODUÇÃO AO OBSCURANTISMO DE HERÁCLITO 13

2. A POLÊMICA DO DEVIR 17

3. A POLÊMICA DO NÃO-SER 21

4. O PANTA REI HERACLIANO APLICADO À RELIGIOSIDADE 23

5. INTRODUÇÃO AO ΛΌΓΌΣ E AO ἌΠΕΙΡΌΝ DE HERÁCLITO 25

6. A POLÊMICA SOBRE A INFINITUDE DE DEUS 29

7. RELAÇÃO DOS ARQUÉTIPOS MÍTICOS COM O EVANGELHO DE JOÃO 33

8. A CONTRADIÇÃO COMO METODOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO 39

9. NUMINOSIDADE, ESPIRITUALIDADE E RELIGIOSIDADE 43

10. RELAÇÃO ENTRE O ΛΌΓΌΣ E ΠΆΝΤΆ ῬΕΙ DE HERÁCLITO 47

11. A COMPLEXIDADE DO FATOR NOUS (MENTE) 51

12. A EVOLUÇÃO DO LOGOS POPULISTA AO LOGOS FILOSÓFICO 55

13. A INVENÇÃO DA ESCRITA - OBRA DO LOGOS OU DA NOUS? 59

14. PRIMÓRDIOS DA DOUTRINA DO LOGOS 65

15. O LOGOS E AS ESTRUTURAS DA REALIDADE 69

16. OS NÍVEIS LÓGICOS QUE ESTRUTURAM A REALIDADE 73

17. SUPERANDO A INFANTILIZAÇÃO DA MENTE 77

18. CONCLUSÃO 83

BIBLIOGRAFIA 89

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APRESENTAÇÃO

Qual é a diferença entre religiosidade e espiritualidade? Este é um dos grandes dilemas da humanidade. Qual é a fron-teira entre as duas e qual é a intersecção entre ambas? Es-tão amalgamadas e grudadas uma na outra, ou podem ser separadas?

Filosofia de Fronteira se propõe a trabalhar a questão da al-teridade entre a religiosidade e a espiritualidade, dogma e pen-samento, entendendo que há uma transcendência do espírito sobre a religião, forçando o ser humano a amadurecer intelec-tualmente, libertando-o de seu enclausuramento dogmático. O problema maior é que a estrutura religiosa se mostra onipre-sente ao fenômeno humano e para onde se vira, esbarra com a força dogmática, com o poder do sistema e com a esmagadora massa de religiosos.

Filosofia de Fronteira entra no rio da espiritualidade e se vê tomada pelas forças das correntezas. Vê-se transformada em um ente fluindo com o rio, e não estatizado com a institucio-nalidade do dogma, ou dogmatização institucional. Olha o de-vir como aberto às mudanças, rumo ao enigma da eternidade.

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Filosofia de Fronteira não é para os tímidos, os timoratos, os amorfos e dogmáticos da religiosidade. Desde que João fez a apropriação do conceito heracliano e afirmou que “no prin-cípio era o Logos, e o Logos estava com Deus e Logos era Deus”, o sono dogmático (conforme Barth), se tornou em pesadelo! Ao trazer Heráclito, o obscuro, para as fronteiras com o Evange-lho, João chamou toda a cristandade a filosofar, construindo uma ponte entre o pensamento e a fé.

O panta rei saiu de Éfeso, seiscentos anos antes de Cristo e passou por João, como um rio caudaloso e com fortes corren-tezas. Veio para mudar e transformar a teologia dogmática em filosofia cristã. João poderia ter evitado esta aproximação entre Logos e Cristo, mas não o fez. Os demais evangelistas evitaram, começando o Evangelho com seus arquétipos judaicos (genea-logias e citações de profetas). Mas João foi inspirado a identifi-car o logos com o Cristo. Isto nos dá mostras de que a sabedo-ria se apresenta em graus e níveis, que vão desde as doutrinas rudimentares às mais altas categorias do pensamento humano.

A espiritualidade do Logos não foge à luta das ideias, não engessa o intelecto, não amedronta a investigação teológica. Ela emancipa o crente de sua ortodoxia para a heterodoxia, justamente por causa da amplitude que o Logos carrega em si. É impraticável que um crente espiritual seja ortodoxo, confor-me rezam os dogmas. Uma vez no mundo do pensamento, as amarras soltam-se e o espírito voa alto, como lhe é característi-co por natureza.

Filosofia de Fronteira é uma abordagem heterodoxa da fé cristã que possibilita a abertura para grandes compreensões acer-

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ca de Jesus Cristo e seu Evangelho, jamais comprimindo o espí-rito a um amontoado de fórmulas prontas. Desde o primeiro ao último capítulo o leitor encontrará as provocações ao dogmatis-mo estanque, mas ficará livre para optar entre filosofia e dogma.

Todos os capítulos foram escritos em uma dinâmica de poucos parágrafos, com a inserção de citações livres, coerentes com a vasta bibliografia do mundo filosófico. O leitor encon-trará um breve resumo no inicio de cada capítulo, tendo por fim nortear sua leitura, como lente de aumento.

No capítulo I há uma Introdução ao Obscurantismo de Heráclito, onde a doutrina do logos tem suas abordagens em termos filosóficos. É feita uma genealogia conceitual crítica ao “tudo flui” e o problema do devir é pensado como uma ques-tão em aberto para a filosofia, mas que pode ser interpretado de maneira prática.

No capítulo II aprofundamos a Polêmica do Devir, com-parando a forma ocidental de contar o tempo com o modelo heracliano. Usando a metáfora do rio que tudo flui, desafiamos a ideia do fatalismo trágico contrapondo-o com a liberdade humana e o poder de alterar o destino.

No capítulo III trabalhamos a Polêmica do Não-Ser e a problemática da possibilidade contra a realização das coisas. Neste ponto retomamos os capítulos anteriores com os concei-tos da mítica e do heraclianismo.

No capítulo IV, O panta rei heracliano aplicado à religio-sidade, investigamos a diferença entre o não-ser ideal com o memorial e o desafio que a dogmatização impõe à dinâmica da espiritualidade.

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No capítulo V há uma Introdução ao logos e ao ápeiron de Heráclito, com a transliteração dos conceitos para o português, ligados ao rio que faz tudo fluir, vindo e voltando ao infinito.

No capítulo VI abordamos A Polêmica sobre a Infinitude de Deus, trazendo a contribuição de Aquino ao problema do ápeiron e as aporias que o conceito provoca à mente dos filósofos e teólogos.

No capítulo VII analisamos a Relação dos Arquétipos Míticos com o Evangelho de João. Fizemos uma releitura de Homero e outros mitos gregos e depois construímos uma ponte até o Novo Testamento.

No capítulo VIII pensamos sobre A Contradição como Metodologia do Novo Testamento, ou seja, veremos que os apóstolos ao escreverem pautavam-se pelo polemiscismo ante os moldes da religiosidade grega e hebraica.

No capítulo IX, Numinosidade, Espiritualidade e Reli-giosidade, o mito de Psique foi pensado á luz da ideia de alma em contraste com o espírito e feita uma provocação ao vicio da religiosidade.

No capítulo X voltamos a investigar a Relação entre o lo-gos e o panta rei de Heráclito, dedicando este momento para irmos até as origens do conceito de logos e sua equivalência com a ideia de Palavra de Deus.

No capítulo XI temos A Complexidade do Fator Nous, onde a mente é vista como incompreensível quando dissocia-da do logos. Há uma interdependência entre razão e mente que deve ser mantida para a compreensão do fenômeno filosófico.

No capítulo XII percebemos que houve A evolução do lo-gos populista ao logos filosófico. Também vimos o conceito

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da Memra judaica ocupando seu espaço no embate pela filoso-fia da Palavra de Deus.

No capítulo XIII nos perguntamos se A invenção da Escri-ta é obra do logos ou da nous? Vimos que desde os fenícios a nossos dias a tentativa em comunicar os altos padrões na men-te às baixas categorias da linguagem tem se esbarrado no prin-cipio do distanciamento.

No capítulo XIV nos voltamos aos Primórdios da Doutri-na do Logos e uma conseqüente revisão de todos os conceitos abordados antes, mas por uma perspectiva de avanço ao pensa-mento filosófico.

No capítulo XV percebemos que O Logos e as Estruturas da Realidade se apresentam como presentes a todos os seres, levando-os a se decidirem por suas particularidades ou pela universalidade.

No capítulo XVI há um avanço ao tema anterior, pois des-cobrimos que há Níveis Lógicos que estruturam a Realida-de desde o pensamento mítico à abstração filosófica. O aco-modamento das pessoas a um só nível de realidade pode lhes passar a impressão de que não há nada alem deste nível.

O capítulo XVII encerra o livro denunciando que há uma necessidade de Superar a Infantilização da mente, pois os al-tos níveis de pensamento são inacessíveis ao homem enquanto se mantém preso às formas comuns de ver as coisas.

Espero em Deus que este livro sirva a finalidade que se pro-põe, a saber, causar uma pequena fissura no modo de enten-dermos o Logos de João.

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1INTRODUÇÃO AO OBSCURANTISMO

DE HERÁCLITO

Neste capítulo a doutrina do logos tem suas abordagens em termos filo-sóficos. É feita uma genealogia conceitual crítica ao “tudo flui” e o pro-blema do devir é pensado como uma questão em aberto para a filosofia, mas que pode ser interpretado de maneira prática.

Ἐν ἀρχῇ ἦν ὁ λόγος, καὶ ὁ λόγος ἦν πρὸς τὸν θεόν, καὶ θεὸς ἦν ὁ

λόγος, (No princípio era o Logos, o Logos estava perante Deus e Deus era o Logos.)

Quando remontamos ao final do século I, no tempo em que foi escrito o Evangelho de Jesus segundo João, descobrimos que o apóstolo se apropriou de muitos conceitos filosóficos, começando com a ideia do logos: “No princípio era o Logos, e o Logos estava com Deus, e o Logos era Deus” (João 1:1). Sabe-mos que o Novo Testamento foi escrito em grego, a mesma língua em que a filosofia surgiu na antiguidade questionan-do tudo: a natureza, os deuses, a sociedade, vida, morte, e até mesmo sobre “o que é filosofar”. Dentre os filósofos gregos sur-

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giram os chamados “pré-socráticos”, homens que iniciaram o arrazoamento sobre uma nova aplicação da mitologia à rea-lidade humana, a exemplo de Heráclito, o filósofo do pensa-mento obscuro.

Se ele tivesse nascido na índia, teria sido conhecido como um Buda. Mas na história da Grécia, na filosofia grega, foi considera-do um estrangeiro, um estranho. [...] o enigmático, o ambíguo. [Para Aristóteles], deve haver alguma deficiência no caráter de Heráclito, algo biologicamente errado – é por isso que ele fala por meios tão obscuros e paradoxais. (OSHO, 2000)

Heráclito falava em frases curtas e não se preocupava em ser entendido por todos. Discursava entre os dentes, em voz baixa e átona. Para entendê-lo, era necessário adestrar o ouvi-do e prestar muita atenção a seus apólogos, além de manter a paciência e guardar tudo na memória. Era apelidado de “o obs-curo” e passava a impressão de estar possuído por um demô-nio, quando, na verdade, estava a falar por adágios, enigmas e sem preocupações didáticas. Pretendia alcançar, tão somente, ouvintes atenciosos que entendessem a questão filosófica tal qual ele entendia. Em seu tempo o conceito de logos era muito popular. A sociedade era extremamente falante, daí, imprimir ao “logos” uma importância capital a seu uso. Mas, em Herácli-to, o conceito sai do uso comum para ganhar aprofundamento filosófico. Ele acercou-se do logos, e abstraiu uma ideia parado-xal: πάντα ῥεῖ (panta rei). Tudo flui! Nada permanece! Nada é do jeito que é para sempre, por que o “para sempre” não existe!

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Quem afirma o “para sempre” nega a essência do κόσμος (kós-mos / mundo), do universo e da vida. Tudo flui - panta rei.

O erro não está em afirmar que Heráclito tratou e constatou a fluência ou a mobilidade. O erro está em desconhecer que o “tudo flui” restringe-se à dinâmica do kósmos, um mundo de transformação por excelência. O problema é pensar que o “tudo flui” é tudo; é lembrar de pánta e esquecer de hén. (COSTA, 1999)

Heráclito afirma que as coisas acontecem em dois momen-tos obscuros: no futuro (o devir), e no passado (o não-ser). Vem do futuro, se realiza no presente e vai para o passado. Há um paradoxo aqui! Os ocidentais contam o tempo de forma linear e ordenada, da esquerda para a direita: 1, 2, 3, 4, 5... Mas Herá-clito inverte esta lógica, pois o rio do tempo está correndo em outro sentido. Seu mais famoso aforismo emprega esta metáfo-ra dizendo que “ninguém se banha duas vezes no mesmo rio”. Por quê? Por causa do fenômeno ontológico de quem se banha: É um ser ao entrar e outro ao sair! Tudo flui – PANTA REI! Ain-da que se entre muitas vezes no mesmo lugar do rio, já não é o mesmo ser que desce às correntezas.

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2A POLÊMICA DO DEVIR

Neste capítulo aprofundamos a Polêmica do Devir, comparando a for-ma ocidental de contar o tempo com o modelo heracliano. Usando a metáfora do rio que tudo flui, desafiamos a ideia do fatalismo trágico contrapondo-o com a liberdade humana e o poder de alterar o destino.

...a reunião dos aspectos ou traços primordiais da dinâmica do kósmos – antítese, tempo, movimento, fogo, transformação e tam-bém fluência – constitui o processo total que se denomina devir – a verificação do kósmos heraclítico de que todo ente que é possui irresistível e irrevogavelmente ímpeto de tornar-se. (COSTA, 1999)

De onde vieram as águas em que nos banhamos? Do passa-do, como propõe nosso modelo de calendário? Não! As águas vieram do “devir”, ou seja, do futuro. É uma contagem cons-tantemente regressiva: 5, 4, 3, 2, 1. Ao chegar no 1, entramos no rio e as correntezas do devir nos banham e vão para o passado, o não-ser (-1,-2,-3,-4,-5). Percebeu o obscurantismo deste pensa-mento? Procure entender:

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MODELO DO CALENDÁRIO OCIDENTAL:

1Passado

Já foi

2Presente

Está sendo

3Futuro

Será

Você está no ponto 2. Seu passado está no 1. O futuro está no ponto 3. Segundo a lógica do calendário, o devir está cor-rendo de você, está lá na frente, sempre inalcançável. É você quem deve correr na linha ordenada, em sentido horário, em busca do futuro. Mas quando chegar no 3, o futuro já pulou para 4, e você continua no passado em relação ao futuro.

MODELO DO RIO DE HERÁCLITO

2Futuro Devir

1PresenteTudo flui

-1PassadoNão ser

O rio está vindo do ponto 2 (devir / futuro). Você está des-cendo às águas no ponto 1 (tudo flui). O devir te encontra e transforma teu ser e seu presente é um fluxo contínuo. Ao sair do rio, seu futuro foi ao passado não volta mais. Foi para o não--ser, em estado inalterável.

A lógica invertida de Heráclito permite ao ser a participa-ção ativa nos dois momentos da vida (futuro e passado). Já o calendário ocidental tira do ser a oportunidade de alterar o fu-

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turo, uma vez que este sempre continua à frente do homem, e nunca se relaciona com a existência no tempo.

O arquétipo do pensamento heracliano tem raízes na ideia de reminiscência defendida na mitologia grega. Tudo nes-ta vida seria uma espécie de lembrança, como se estivésse-mos re-vendo a história tecida pelo destino nas mãos das deu-sas primordiais (chamadas de Moiras) antes de chegarmos ao mundo.

As moiras gregas [...] constituem a personificação do destino de cada um. Encarnam uma lei que nem mesmo os deuses podem transgredir. É a moira que impede um deus de prestar socorro a um herói, num campo de batalha, por exemplo, desde que sua hora de morrer tenha chegado. São as três moiras: Árropos, Cloto e Láquesis que regulam a duração da vida de cada um por meio de um fio, que uma fia, a outra emenda e a última corta. (PATRÍ-CIO, 2006)

Nesse esquema, nós seríamos seres aprisionados no tem-po, guiados cegamente a um fim trágico (o não-ser). Para nos livrarmos do destino, precisamos tomar o fuso das mãos das moiras e fiarmos nós mesmos o futuro como possibilidade de mudança, não como fatalidade imutável. Esta tarefa ficou à cargo do Logos joanino (não heracliano). O conceito do de-vir chegou ao Evangelho de João, embora transformado pela metodologia do Novo Testamento. O devir joanino é o Logos, aquele que era antes do kósmos. Note-se que este grande após-tolo exerceu seu ministério dentro da comunidade cristã gre-

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ga na Ásia Menor, em Éfeso, cidade de Heráclito, onde se dizia a mais de quinhentos anos que “ninguém se banha duas vezes no mesmo rio” por que “tudo flui”.

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3A POLÊMICA DO NÃO-SER

Neste capítulo trabalhamos a Polêmica do Não-Ser e a problemática da possibilidade contra a realização das coisas. Neste ponto retomamos os capítulos anteriores com os conceitos da mítica e do heraclianismo.

O não-ser [...] manteve ocupados os antigos filósofos de modo bem diferente daquele dos modernos. O não-ser era entendido de manei-ra ontológica pelos eleatas, de modo tal que tudo quanto fosse dito a respeito dele não seria mais do que contradição, existindo somen-te o ser. [...] Para a metafísica propedêutica, a fórmula é assim expres-sa: quem enuncia o não-ser, nada enuncia. (KIERKGAARD, 2007)

Outra matriz na filosofia de Heráclito é tratada em termos de ser e não-ser. O ser é aquilo que é enquanto é, e o não-ser é aquilo que não é enquanto não é. O não-ser possui estados de possibilidade (que existe em ideia) e de realização (que exis-te na memória).

A diferença entre ambos está em sua natureza. Enquanto ideia, o não-ser pode sofrer todas as variações do fluxo contínuo,

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pois vem do “futuro” em estado livre, aberto, inédito. Mas ao es-barrar com o não-ser do “passado”, gera o ser e choca-se com a necessidade de realizar transformações ao longo de sua traje-tória. Chamamos este encontro das águas de “presente”, aque-le instante em que o fluxo se paralisa por um instante, trans-forma-se em ser e se move para o passado, para a memória, o não-ser imutável. Dessa forma, uma característica da eternida-de se apresenta como algo “no passado”, imutável, inalterável, perfeita, e que não pode ser vivida novamente, está morta, ou, adormecida na memória. Nós, seres humanos, estamos entre o não-ser (ideia, possibilidade, futuro, devir) e o não-ser (memória, eternidade e perfeição). Com as bases conceituais do ser e não--ser, Heráclito prepara o caminho para seu “logos”.

Conhecer o pensamento traduz-se de epistasthai gnômên, de modo que a gnósis a que Heráclito se refere vem a ser sinônimo de logos, enquanto que episthasthai expressa uma competência (objetivamente considerada) ou uma habilidade, destreza. Nessa relação entre logos (referido a Cosmos) e sabedoria, resulta numa competência que se estende ao viver humano. (SPINELLI, 2012)

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4O PANTA REI HERACLIANO

APLICADO À RELIGIOSIDADE

Neste capítulo investigamos a diferença entre o não-ser ideal com o memorial e o desafio que a dogmatização impõe à dinâmica da espi-ritualidade.

A relação entre personalidade e religiosidade pode configurar-se de tal maneira que (1) a religiosidade saudável cure a personalida-de enferma; [...] (2) a religiosidade doentia torne enferma a per-sonalidade. (FRAAS, 2007)

O “panta rei” vem como um rio em sentido inverso, com aberturas para mudanças, pois o não-ser ideal ainda não é um não-ser memorial. É como um relacionamento imprevisível, mas que deixa suas marcas depois de relacionar-se. O ser tem a tendência de manter-se inalterado, mas o fluxo contínuo não lhe permite permanecer no mesmo estado de sempre. O que se acrescenta ao ser é justamente o influxo do não-ser, transformador de tudo o que esteja ao seu alcance. E isto in-clui a religiosidade.

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É provável que uma pesquisa sobre a noção de espiritualidade, conduzida segundo critérios histórico-religiosos e antropoló-gicos, se apresente, sob muitos aspectos, desconcertante, pois os seus resultados propõem um conceito de espiritualidade forte-mente distanciado daquele que a religião se apropriou. (GOFFI e SECONDIN, 1983)

Há uma tendência de nos mantermos dentro das inaltera-ções da religião, por um acomodamento estanque, existencial, em busca de repouso. Mas o fluxo contínuo perturba nossa co-modidade e a religiosidade se mostra incapaz de satisfazer as as-pirações do espírito. Os dogmas imexíveis que nos são apresen-tados tendem a tolher nossas habilidades espirituais, não nos permitindo ir “além” do dogma. Como o espírito humano tem a característica de inquirir sobre a dinâmica de todas as coisas, chega um momento em que esbarramos no dogma e ao inves-tigarmos a origem deste conceito, somos levados ao termo “do-kein”, de onde vem “doxa”, ou seja, um ponto de vista, uma opi-nião, tomada como expressão da máxima da verdade. Dentro da filosofia de Heráclito os dogmas também estão sujeitos ao fluxo contínuo do não-ser.

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5INTRODUÇÃO AO ΛΌΓΌΣ E AO

ἌΠΕΙΡΌΝ DE HERÁCLITO

Neste capítulo há uma transliteração dos conceitos de logos e ápeiron para o português, ligados ao rio que faz tudo fluir, vindo e voltando ao infinito.

Ἐν ἀρχῇ ἦν ὁ λόγος, καὶ ὁ λόγος ἦν πρὸς τὸν θεόν, καὶ θεὸς ἦν ὁ λόγος. (No princípio era o Logos, o Logos estava perante Deus e Deus era o Logos.

Heráclito levantou a doutrina do logos, retirando o conceito se uma vala comum e dando-lhe o revestimento filosófico. Sécu-los mais tarde, o evangelista João deu-lhe um sentido cristão, e isto nos chama a atenção, pois o Logos deixa de ser dos gregos para ser evangélico. Havia outras fórmulas para serem aplica-das, mas a terminologia heracliana foi eleita e os cristãos viram o Evangelho de Deus dividir fronteira com a filosofia dos ho-mens. A provocação joanina é flagrante! Dois termos caros aos gregos estão conjugados no primeiro versículo: arché e logos. O princípio está ligado a logos, palavra, discurso e razão. Como entender João sem Heráclito?

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Visto que os gregos não acreditavam na possibilidade de se co-nhecer Deus porque ele não é corpo, porque não se mostra ou é tangível... o nascimento de Jesus é narrado como uma ruptu-ra dessa condição. Duas descrições de São João, uma contida no preâmbulo do Evangelho e, outra, no da primeira epístola, são muito expressivas nesse sentido. Elas foram elaboradas com ter-mos filosóficos, e sua linguagem remonta a Heráclito. O curioso é que foi na mesma cidade de Heráclito, em Éfeso, que São João es-creveu tanto o Evangelho quanto as epístolas. (SPINELLI, 2002)

Desde Heráclito o logos se debatia com a ideia do ser e do não-ser. O ser como entidade que é enquanto é e que mergu-lha no rio do não-ser, fluindo em correntezas caudalosas. Ao sair do rio, o ser está transformado e não pode voltar ao que era antes. Este raciocínio heracliano é chamado de “obscuro”, pois encerra uma polêmica existencial, afirmado que uma coi-sa é e não é ao mesmo tempo. De onde surge esta ideia do pan-ta rei, de que tudo flui - tudo muda e se transforma? Vem de ἄπειρον (ápeiron). Que é isto? É a ideia do infinito, indefinido, ilimitado.

APEIRON (gr. ἄπειρον). O infinito ou o indeterminado: segun-do Anaximandro de Mileto, o princípio e o elemento primordial das coisas. Não é uma mistura dos vários elementos corpóreos, em que estes estejam compreendidos cada um com as suas qua-lidades determinadas, mas é matéria em que os elementos ainda não estão distintos e que, por isso, além de infinita, é também in-definida e indeterminada. Essa determinação dupla de infinitude

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no sentido de inexauribilidade e de indeterminação permaneceu por muito tempo ligado ao conceito de infinito. (ABBAGNA-NO, 2007)

A fonte do rio heracliano (que faz tudo fluir) é o ápeiron, o infinito. De lá vem o não-ser, das coisas que não podem ser pronunciadas, pensadas, descritas ou localizadas. E uma vez emergindo infinitamente do não-ser, pergunta-se: para onde elas vão? Vão para o infinito! É com esta lógica que Heráclito constrói o panta rei, com tudo fluindo constantemente e não podendo ser afirmada a permanência do ser. Este ápeiron foi representado em um escudo descrito por Homero na Ilíada, no final do Livro XVIII.

A descrição feita por Homero do “escudo enorme e poderoso” que Hefesto molda para Aquiles é [...] uma imagem do mundo, uma representação moral e simbólica do universo grego [...] um círculo da Terra, circunscrita aos limites do “poderoso rio Ocea-no”, que define a fronteira (peirata) de um mundo potencialmen-te ilimitado (ápeiron). (BROTTON, 2014)

A problemática de se estabelecer o infinito como fonte de todas as coisas está em sua inexatidão cósmica. Ele não pode ser localizado dentro das estruturas do tempo e do espaço. Ele é imensurável e intemporal, sem começo nem fim. O ápeiron está para além das condições lógicas do pensamento e até as mentes mais adestradas da fé cristã tem dificuldade em conci-liar o atributo da infinitude com Deus. Ele não pode ser cate-

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gorizado como “infinito”, pois o infinito não se presta a ser co-nhecido. Se Deus é infinito, significa que Ele não conhece a si mesmo.

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6A POLÊMICA SOBRE A INFINITUDE DE DEUS

Neste capítulo A Polêmica sobre a Infinitude de Deus, trazendo a con-tribuição de Aquino ao problema do ápeiron e as aporias que o conceito provoca à mente dos filósofos e teólogos.

Art. 1 — Se Deus é infinito.O primeiro discute-se assim. — Parece que Deus não é infinito.

1. — Pois, todo infinito é imperfeito, porque implica as carac-terísticas de parte e de matéria, como diz Aristóteles. Ora, Deus é perfeitíssimo. Logo, não é infinito.

2. Demais. — Segundo o Filósofo, finito e infinito se referem à quantidade. Ora, Deus, não sendo corpo, não tem quantidade, como já se demonstrou. Logo, não é infinito.

3. Demais. — O que está em um lugar porque não está em ou-tro é localmente finito; e, portanto, de substância finita também há de ser o que é uma coisa, por não-ser outra. Ora, Deus é o que é e não outro ser, pois não é pedra, nem madeira. Logo, não é de substância infinita. (AQUINO, 2016)

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Por definição, o ápeiron se estende infinitamente à frente da possibilidade de ser conhecido, impedindo Deus de conhecer seu fim, portanto, sendo maior que Deus. Se o infinito é maior que Deus, Deus é finito e não pode ser Deus. Esta lógica pro-põe uma aporia, um raciocínio circular que não permite ir além dele mesmo. O contraponto ao ápeiron seria πέρας (pe-ras), ou seja, limite, fronteira, fim. Se aplicarmos πέρας a Deus, estamos limitando-o. Se aplicarmos ἄπειρον, entramos em apo-ria e ficamos em círculos.

APORIA. Esse termo é usado no sentido de dúvida racional, isto é, de dificuldade inerente a um raciocínio, e não no de estado subjetivo de incerteza. É, portanto, a dúvida objetiva, a dificulda-de efetiva de um raciocínio ou da conclusão a que leva um racio-cínio. (ABBAGNANO, 2007)

Deus só pode ser Deus se ele conhecer a si mesmo. Só pode ser conhecido aquilo que possui limites. Deus é Deus por que conhece tudo sobre todas as coisas, inclusive, a si mesmo. Mas ao conhecer-se a si mesmo, Deus se limita, portanto, não é infinito. Se for finito não pode ser Deus, pois Deus não pode ser limitado por nada, nem mesmo pelo infinito. Se Deus conhece o infinito, significa que o infinito não existe, portanto, tudo é finito, inclu-sive Deus. O infinito, quando aplicado a Deus, nos leva ao ateís-mo, já que não o infinito é maior que Deus sem ser Deus, logo, Deus não existe. Este é o poder que o pensamento filosófico pro-duz no raciocínio humano, e contrasta com o senso comum, ou seja, aquela opinião generalizada entre o povo acrítico.

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SENSO COMUM. Aristóteles designou com esta expressão a ca-pacidade geral de sentir, à qual atribuiu duas funções: 1- consti-tuir a consciência da sensação, que é o “sentir o sentir”, porquanto tal consciência não pode pertencer a um órgão especial do senti-do, como, p. ex., à visão ou ao tato. 2- perceber as determinações sensíveis comuns a vários sentido, como o movimento, o repou-so, o aspecto, o tamanho, o número e a unidade. Essa noção foi admitida também pelos estóicos, que atribuíam ao S. comum as mesmas funções. Retomada por Avicena, passou para a escolásti-ca medieval e mais tarde também foi comumente aceita por to-dos os aristotélicos e pelos escritores que se inspiraram de algum modo na psicologia aristotélica. (ABBAGNANO, 2007)

O senso comum não se presta a depurar o pensamento de suas contradições. É simplista, baseando-se em afirmações ar-bitrárias e não se preocupa com o irracionalismo de suas pro-posições. Se levarmos o senso comum e suas “verdades” até as últimas consequências, ficaremos rodeando o círculo vicioso das aporias, nunca avançando para além deste senso. Tomás de Aquino nos grita aos ouvidos contra o doxa do infinito, cha-mando-nos para um refinamento teológico-filosófico além do senso comum da cristandade.

Mas o conceito de infinito não surgiu em Aquino, e sim, entre os pré-socráticos, tendo em Anaximandro (610-547 A.C) um realce filosófico. Nele o ápeiron se manifesta de forma pri-mordial, como ar e água, depois se transmutando em elemen-tos mais sólidos. Depois dele temos Heráclito com sua meto-dologia de polemizar o ser e não-ser de todas as coisas. Sua

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doutrina do logos é uma evolução do ápeiron, pois surge do in-definido, e nos remonta até Hesíodo (séc. VIII A.C.), o autor da teogonia e a origem dos deuses.

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7RELAÇÃO DOS ARQUÉTIPOS MÍTICOS

COM O EVANGELHO DE JOÃO

Neste capítulo analisamos a Relação dos Arquétipos Míticos com o Evangelho de João. Fizemos uma releitura de Homero e outros mitos gregos e depois construímos uma ponte até o Novo Testamento.

Segundo Hesíodo, o Caos é o ser primordial e dele surgem to-das as coisas do kósmos e que estão organizadas segundo sua própria physis (natureza). Nós traduzirmos Caos por confusão e desordem e, com isso, afirmamos um paradoxo, haja em vis-ta que o kósmos é ordeiro e não desorganizado. De Caos vem a ideia do ápeiron, o infinito que se estende em todas as dire-ções gerando todos os deuses, como Eros, o mais belo de to-dos; Gaia (a terra); Tártaro, o tenebroso; Nix, a noite e Eter, irmã de Hemera, o dia. Éter nos trará o conceito de eterni-dade, como um deus que gera as coisas eternas, e não podem deixar de existir. (Não podemos confundir este conceito com a ideia ensinada pelos teólogos cristãos). Para os gregos, eter-nidade é o estado natural do kósmos (o mundo), já que sur-ge do infinito e gira circularmente até o infinito, eternamen-

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te... Assim é, por que todas as coisas são feitar de éter, inclusive, o πνεῦμα (pneuma / espírito), o ar, que dará origem ao concei-to de Ψυχή (psique / alma), também feita de éter, imortal, que não pode deixar de existir. Ambas (pneuma e psique) possuem a physis (natureza) da eternidade.

Padovani e Castagnola afirmam que pelo fato de ser uma reli-gião, uma sabedoria, o cristianismo pressupõe uma específica concepção do mundo e da vida, o que é um fator de integração com a filosofia, além de implicar uma elucidação e sistematiza-ção racional do próprio conteúdo sobrenatural da Revelação, me-diante uma disciplina específica, que é a teologia dogmática. O teísmo herdado dos hebreus, por exemplo, não tem uma justifi-cativa racional, como em Aristóteles, e é da grande tradição espe-culativa grega que o pensamento cristão tomará essa justificativa. (ATAIDE, 2009)

A riqueza do Evangelho nos leva aos arcanos da filosofia grega, pois o Logos cristão tem seus primórdios no logos helê-nico. Antes de João os pré-socráticos trabalharam a conceitua-ção em termos filosóficos, permitindo que a antítese surgisse antes que a tese. O logos de Heráclito vem do ápeiron de Ana-ximandro, e seu ápeiron vem do Caos de Hesíodo, que dá ori-gem a éter, donde surge o pneuma, o ar, o vento, o hálito, a alma, aquilo que anima e vivifica, dando sinais de vida. Os sal-tos conceituais se agigantam de um ao outro, e quando vem para o Evangelho ganham o revestimento da sabedoria cristã, presente em o Novo Testamento pela autoridade dos apóstolos

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de Jesus Cristo. Os filósofos cristãos se vêem com um riquíssi-mo material de investigação, tendo como base os arquétipos dos filósofos gregos: o pneuma vindo do éter, surgindo do ápei-ron se parece com o Espírito vindo eternamente de Deus.

ÉTER. Este termo, que Empédocles usou como equivalente a ar e Anaxágoras como equivalente a fogo, foi empregado por Aris-tóteles para indicar a substância que compõe os céus e que, por não ser gerada, por ser incorruptível e inalterável, distingue-se dos quatro elementos que constituem as coisas sublunares. Aris-tóteles atribui o uso desse termo, que considera o mais adequa-do para indicar os céus como sede da divindade, a uma tradição muito antiga: “Os homens, querendo indicar que o primeiro cor-po é algo diferente da terra, do fogo, do ar e da água, chamaram a região superior pelo nome de Éter, pelo fato de ‘sempre correr’ para a eternidade do tempo”. (ABBAGNANO, 2007)

Anaximandro fala em ápeiron. Anaxímenes fala em pneuma. Ambos conjugam a ideia do espírito infinito, portanto, um ar que sopra eternamente desde sempre e para sempre não po-dendo jamais deixar de se movimentar e que movimenta todas as coisas. Esta herança vem a Heráclito, que poderia tratar es-tes conceitos seguindo a metodologia de Parmênides (540-485 A.C), eliminando a contradição dos contrários, ou aceitando a polêmica como método de pensamento. Parmênides queria por um fim ao caos, pelo método da não-contradição e pelo princípio de identidade. Em sua filosofia, “o ser e o não-ser formam uma antítese inconciliável”. Não podemos dizer que

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o ser é o não-ser ou que o não-ser é o ser. Sua lógica impõe o princípio da não-contradição.

Junto com o princípio da identidade, Parmênides também afir-mou outro principio lógico: o princípio da não contradição, ou, como alguns preferem chamar, o princípio da contradição. O que esse princípio afirma? Quem ninguém pode pensar a identidade dos contrários. Algo que nega a si mesmo se autodestrói, desapa-rece, deixa de existir. Não é possível pensar algo que é, ao mesmo tempo, o contrário de si mesmo. (MADUREIRA, 2008)

Parmênides é um lógico! Ele dizia que não podemos afir-mar e negar a mesma coisa. Ou afirmamos ou negamos. Já He-ráclito afirmava o oposto. Dizia que as coisas possuem dois pó-los, contraditórios e verdadeiros, inseparáveis e necessários, que são e não são ao mesmo tempo. O culpado é vitima e a ví-tima é culpada. Com esta “lógica” estabelecemos a polêmica, ou seja, sustentamos os dois pólos ao mesmo tempo, conferin-do validade aos dois lados contraditórios de uma questão.

A lógica de Parmênides exclui a contradição, mas a de He-ráclito mantém. E João utiliza-se do método heracliano para apresentar o Logos, contraponto arché (princípio) com Logos (Palavra) e Theós (Deus). Faz os trocadilhos dos verbos “era” com “estava”, demonstrando que Jesus possuía entidade (era o Logos), autenticidade (estava com Deus) e identidade (era Deus). João polemizou afirmando que o Logos possui identida-de divina. Isto é contraditório, afinal, Deus não pode ser iden-tificado com o logos ou com qualquer outra manifestação do

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visível ou invisível. Os muçulmanos entenderam isto, assim, re-pudiam qualquer aproximação entre Deus e a criação. Qual-quer sinal de identificação constitui-se em idolatria (shirk). A polêmica do Evangelho aumenta ainda mais ao dizer que “o lo-gos se fez carne”. Isto era impensável aos gregos! O logos univer-sal não pode se particularizar em um único ser. Não pode di-minuir sua infinitude em um corpo finito, pois a carne não suporta o logos. Mas a fé cristã assume a contradição como me-todologia para sua base doutrinária.

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8A CONTRADIÇÃO COMO

METODOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO

Neste capítulo veremos que os apóstolos ao escreverem pautavam-se pelo polemiscismo ante os moldes da religiosidade grega e hebraica.

Καὶ ὁμολογουμένως μέγα ἐστὶν τὸ τῆς εὐσεβείας μυστήριον· θεὸς ἐφανερώθη ἐν σαρκί, ἐδικαιώθη ἐν πνεύματι, ὤφθη ἀγγέλοις, ἐκηρύχθη ἐν ἔθνεσιν, ἐπιστεύθη ἐν κόσμῳ, ἀνελήφθη ἐν δόξῃ. (E, sem dúvida alguma, grande é o mistério da piedade: Deus se ma-nifestou em carne, foi justificado no Espírito, visto dos anjos, pre-gado aos gentios, crido no mundo, recebido acima na glória.) I Timóteo 3.16

Por que o logos teria que assumir, justamente, a carne huma-na? Não poderia Deus agir à distância, direto da eternidade? Por que não agiu do céu na terra? Sendo Todo Poderoso, pode-ria estalar os dedos e terminar com o mal no mundo sem cau-sar dano a nada que fosse bom. Mas o Evangelho apresenta o Logos de Deus assumindo o empobrecimento da carne, a ver-

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gonha de uma cruz e a redução dos mortais. Qual a lógica da encarnação? Para quê este absurdo divino? Onde ficou sua oni-potência? Sua transcendência? Sua imensurabilidade? Sua ina-cessibilidade?

Na mentalidade dos gregos os deuses mantinham-se fora da vida humana. Viviam no Olimpo, e quando adentravam ao mundo dos mortais, agiam inescrupulosamente, sem con-tato real com os homens. Esta era a lógica da religião! A en-carnação de um deus jamais foi pensada na mitologia antiga. O mais próximo que chegaram destra ideia, era o nascimento de um semideus, por união entre uma divindade e um huma-no, mas a encarnação de Zeus, passando pelo ventre de uma mulher mortal e o rebaixamento ao nível dos fracos mortais? Nunca se aventou esta hipótese!

Nietzsche expõe claramente em suas obras esse conflito e esse dis-tanciamento entre homens, deuses e natureza, dois mundos ar-tísticos e antagônicos que uniam homem e natureza, cada um em seu mundo, um de sonhos e de beleza onírica, outro de uma profunda realidade. No entanto um deles havia morrido para o mundo. (GRAMA, 2016)

Ao adentrar pelo caminho da filosofia, o cristão se depara com a contradição flagrante entre o pensamento religioso e o Evangelho. Os apóstolos utilizaram arquétipos da filosofia gre-ga, mas por uma metodologia de contradição aos modelos das lógicas mitológicas, pré-socráticas e platonistas. Ainda que se utilize do polemiscismo, como fez Heráclito, acaba por distan-

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ciar-se dele, inaugurando a lógica cristã. A polêmica é a chave mestra para se filosofar, e quem tenta anular o contraditório, compromete sua missão. Somente na tensão entre os pólos e as contradições polêmicas se pode pensar filosoficamente. “Kant entendeu por ‘uso Polêmico da razão’ a defesa de seus enunciados contra as negações dogmáticas” (ABBAGNANO, 2007). É preciso manter o finito e o infinito, o ser e o não-ser, o presente e o de-vir, aceitando que tudo está em constante fluxo de mudanças, com nada permanecendo imóvel, pois “tudo flui” – panta rei.

Para os cristãos, a filosofia serve como provocadora de mu-danças extremas. Tenha-se em mente, que nosso objetivo em filosofar é encontrar um extrato de espiritualidade acima do fenômeno religioso e mítico. Pela fórmula de Parmênides, de-vemos optar: espiritualidade ou religiosidade? Mas como decidir isto em estado de imaturidade existencial? Geralmente sacri-ficamos o espírito e ficamos com a religião. Se optarmos pela espiritualidade, nos defrontaremos com o infinito e nos vere-mos perdidos em meio à eternidade, ao etéreo, ao pneuma e ao indescritível. O espírito exige o exercício pleno da liberda-de, pois é tangido pelo éter e pelo ápeiron, conjugando-se com a psique (a alma). O mundo aerado do espírito não suporta o aprisionamento que os sistemas provocam.

Nas traduções portuguesas da Bíblia, “espírito” representa o heb. ruah e o grego pneuma. A palavra encontra-se 378 vezes no AT hebr. e ainda 11 vezes na parte aramaica do livro de Daniel. [...] Na Septuaginta, pneuma traduz 264 vezes o ruah em parte [indican-do] a vida espiritual de uma pessoa. (BAUER, 1994)

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9NUMINOSIDADE, ESPIRITUALIDADE

E RELIGIOSIDADE

Neste capítulo o mito de Psique foi pensado á luz da ideia de alma em contraste com o espírito e feita uma provocação ao vicio da religiosidade.

Mas, o que é, e como é esse numinoso em si, objetivo, sentido fora de mim? Como ele é irracional, ou seja, não pode ser expli-citado em conceitos, somente poderá ser indicado pela reação es-pecial de sentimento desencadeado na psique: “Sua natureza é do tipo que arrebata e move uma psique humana com tal e tal sen-timento”. Esse sentimento específico precisou tentar sugerir pela descrição de sentimentos afins correspondentes ou contrastantes. (OTTO, 2007)

Os gregos elaboraram uma ideia numinosa do mundo espiri-tual. Através de seus mitos, podemos entender a espiritualidade como primordial sobre tudo. A Psique, por exemplo, é irmã gê-mea de outras duas desconhecidas. Isto nos faz pensar na len-da das almas gêmeas, das pessoas que se entranham em relações siamesas e não conseguem se desprender jamais, ou vivem em

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constante inveja uma da outra, pois Psique é a mais bela das ir-mãs. Sua beleza ameaça Afrodite e incita a inveja da deusa, crian-do uma trama que torna Psique uma prisioneira no paraíso de Eros, o deus do amor. Mas Eros não faz o mesmo com o pneuma (o espírito). Há um dualismo entre alma e espírito, sendo que a primeira cai e se conforma com os confortos do amor, mas o es-pírito é augusto e não se relaciona com o Eros. O Pneuma se re-laciona com nous (a mente), com o ápeiron (infinito) e o éter. Suas categorias relacionais exigem eternidade, infinitude e men-toração. O espírito vem do infinito e se lança ao infinito, anima-do pelo éter, aquele elemento etéreo imortalizador, propulsor da vida eterna, aquela que se completa em si mesma. O pneuma é infinito e impõe ao humano o dever de escolher a numinosida-de do éter ou a opacidade da existência religiosa psíquica.

A numinosidade é um Intensitätfaktor. Corresponde à intensida-de com a qual uma representação apodera-se do consciente e faz sentido para ele. Ela é, portanto sinal de um fenômeno energéti-co. Um símbolo que tem a capacidade de animar a vida e arrastá--la, por que transforma uma energia psíquica inconsciente em ex-periência. (ELIE, 1985)

A religiosidade pode até possuir uma engenharia com apa-rência espiritual, mas todo seu programa tem prazo de valida-de e expira antes da data. Ela nunca toca no pneuma e jamais produz espiritualidade autêntica. Está sempre devendo e pro-duzindo mais dívidas para com seus seguidores. Sua aura de insatisfação cria ramificações intermináveis entre os religiosos,

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dispersos em milhares de seguimentos e seitas. Ela não possui atrativos imutáveis e convincentes ao espírito, por isso, o man-tém fora de seu esquema.

O espírito impõe uma dinâmica de transformação à religio-sidade semelhante ao panta rei de Heráclito. Tudo flui violenta-mente! Ele quer inconformidade, desprendimento, fluxo, avan-ço, liberdade, amplitude e infinitude. Não reconhece fronteiras! Ele se apresenta como “ar, vento, hálito”, algo que desconhece li-mites e se mostra onipresente, desafiando até o conceito de “vá-cuo”. O espírito habita na imensidão do infinito e não se permi-te engaiolar em uma religião, como fizeram ao gênio da lâmpada de Alladim. Estamos filosofando com as ideias gregas, mas o ideá-rio é cristão, pois estão implícitos na mensagem do Evangelho.

ὁ δὲ Κύριος τὸ Πνεῦμά ἐστιν · οὗ δὲ τὸ Πνεῦμα Κυρίου, ἐλευθερία. (O Senhor é o Espírito e, onde está o Espírito do Senhor, ali há liberda-de.) 2 Coríntios 3:17

O exemplo maior está em Cristo, o Logos que entra no mundo em carne humana, mas se mantém livre o tempo todo, ao ponto de afirmar que “Se, pois, o Filho vos libertar, verdadei-ramente sereis livres”. (João 8:36), e dá mostras disto no episódio em que livrou a mulher adúltera de seus acusadores e de seus pecados, dizendo-lhe:

Mulher, onde estão aqueles teus acusadores? Ninguém te condenou? E ela disse: Ninguém, Senhor. E disse-lhe Jesus: Nem eu também te con-deno; vai-te, e não peques mais. João 8:10,11

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10RELAÇÃO ENTRE O ΛΌΓΌΣ E ΠΆΝΤΆ ῬΕΙ DE HERÁCLITO

Neste capítulo voltamos a investigar a Relação entre o logos e o pan-ta rei de Heráclito, dedicando este momento para irmos até as origens do conceito de logos e sua equivalência com a ideia de Palavra de Deus.

Ἐν ἀρχῇ ἦν ὁ λόγος, καὶ ὁ λόγος ἦν πρὸς τὸν θεόν, καὶ θεὸς ἦν ὁ λόγος. (No princípio era o Logos, o Logos estava perante Deus e Deus era o Logos.)

O termo grego “logos” traduz o conceito de “Palavra de Deus”, muito importante para o Antigo Testamento. Ele ensina que houve uma emanação do Poder de Deus, até a chegada do Novo Testamento, quando o próprio Deus se revela em Cristo. Para entendermos a importância desta revelação e nos trans-portarmos do âmbito religioso ao espiritual, devemos ir à gê-nese do conceito de logos. De onde vem tal doutrina sobre o poder da Palavra de Deus? Indo aos Salmos, encontramos o poeta dizendo:

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Inclinar-me-ei para o teu santo templo, e louvarei o teu nome pela tua benignidade, e pela tua verdade; pois engrandeceste a tua palavra acima de todo o teu nome. Salmos 138:2

A Palavra que Deus exaltou acima de todo o nome é o Lo-gos, e isto nos remonta às origens do termo grego, até as co-munidades helênicas, entre os quais se popularizou a “doutri-na do logos universal”, passando pelos cantos de Homero (sec. VIII A.C.), às especulações de Anaximandro (609 – 546 A.C.) e de Anaxímenes (585 – 528 A.C.) até as provocações de Herácli-to (540 – 470 A.C.). Em Heráclito o conceito sofre uma revo-lução, pois deixa seu uso comum para ganhar status filosófico. A partir dele, logos é entendido como o conjunto da realidade em sua totalidade. Como visto anteriormente, o logos heraclia-no tem origem na arché da teogonia de Hesíodo. Tudo se inicia com o Caos, a desordem. Em seguida surge a noção de ápeiron, (a infinitude) e do pneuma (o espírito), que vem do infinito e volta a ele, embasando a doutrina do panta rei.

Tales de Mileto é o criador [...] do problema concernente ao “prin-cípio” (arché), ou seja, a origem de todas as coisas. O princípio é, propriamente, aquilo de que derivam e em que se resolvem todas as coisas, e aquilo que permanece imutável mesmo na várias for-mas que pouco a pouco assume. (REALE e ANTISERI, 1990)

Este panta rei não é semelhante a uma maresia, uma bri-sa suave ou água de riacho. É um Tudo Flui como Tsunami ou Terremoto, semelhante ao Vendaval e ao Tufão. Para Herácli-

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to o panta rei é um Turbilhão, uma correnteza gigantesca. Sua metáfora do rio propõe uma correnteza veemente que arrasta tudo ao seu alcance. Tudo flui conjuntamente, o tempo todo! É como o passageiro na estação Sé do metrô paulistano às seis da tarde. Enquanto o transporte não chega todos se contém, para não cair na linha. Mas à chegada da composição, a turba avança e arrasta consigo todos os circunstantes. Não há volun-tarismo individual. Prevalece a força da multidão. Qualquer re-sistência é anulada ante o ímpeto do mar humano.

Heráclito ensina que caos (desordem), kósmos (mundo), ápeiron (infinito) e pneuma (espírito) formam um conjunto de fatores que impulsionam tudo de tal maneira à mudança que as coisas são mudadas obrigatoriamente de um estado a outro, involuntariamente. Há empurrões e empuxes. Não há lugar para voluntarismos particulares. Ele concebe o logos em conjunto com o espírito infinito, empurrando o ser e o não--ser de um estado a outro. É neste caudal que surge a noção de Nous (mente), para fazer uma conjugação entre o ápeiron e o pneuma. A mente é impulsionada pelo fulgor do infinito junto com o espírito, conjugando-se para impulsionar o elã da exis-tência e o fulgor da vida. A vida é algo que fulgura, faísca, toca fogo. Ela não é um sopro que se apaga, uma brisa amena. A vida é animada com as competências do pneuma e impulsiona tudo à frente, se recusando a ficar inerte e estatizada, pois a fal-ta de movimento é morte.

O pensamento de Heráclito está em fluxo contínuo e não encontra elenco para se expressar nem auditório para aplaudir. Mas o que consegue traduzir em metáforas é o suficiente para

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colocar a filosofia a trabalhar por milênios: tudo flui – panta rei. Nada é permanente, a não a ser a mudança. O kósmos está impulsionado pelo elã da vida e do espírito que vem e vai ao infinito, levando com ele tudo o que apanhou no kósmos. Mas o pneuma possui nous (mente), e é permeado pelo éter, o prin-cípio da eternidade, a physis do ápeiron (infinito). Em metáfo-ra, seria uma linha que se estende para sempre. Tudo flui. Tudo está correndo para arché (o princípio), o destino final.

Bergson reconheceu a fonte da Vida, outra coisa não é, senão consciência, e consciência criadora, que extrai de si mesma tudo o que produz. Bergson diz-. “O elã de Vida de que falamos consiste numa exigência de criação. Não pode criar de modo absoluto por-que encontra diante de si a matéria, ou seja, o movimento que é o inverso do seu ponto. Mas ele se apodera dessa matéria, que é a própria necessidade e tende a nela introduzir a maior soma possí-vel de indeterminação e liberdade”. (ABBAGNANO, 2007)

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11A COMPLEXIDADE DO FATOR NOUS (MENTE)

Neste capítulo temos A Complexidade do Fator Nous, onde a mente é vista como incompreensível quando dissociada do logos. Há uma in-terdependência entre razão e mente que deve ser mantida para a com-preensão do fenômeno filosófico.

A matemática, o mundo das ideias e todo o pensamento referente àquilo que não é sensível têm, para Pitágoras, Platão e Plotino, algo de divino; eles constituem a atividade do nous, ou ao menos o que de mais próximo podemos conceber a seu respeito. (RUSSELL, 2015)

Nous não pode ser entendido por nós. É mais uma das contra-dições de Heráclito. Ele não se importa em desfazer o parado-xo, pois sua filosofia não pretende impor ordem ao caos, mas se inserir nele, tomando parte na confusão e dar nexo. O nexo he-racliano não pretende ordenar, e sim, manter a tensão e a po-lêmica. Nous, éter, ápeiron e pneuma formam quatro elementos que de conexionam para dinamizar a vida que se manifesta em zoe e bios: vida na essência e na forma.

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Nous não pode ser e entendido por nós? Isto gera outra ten-são, pois somos racionais, e chegamos a um ponto de conce-ber nous, a mente. Por que não podemos entender o conceito que nós mesmos concebemos? Este irracionalismo heracliano é base para uma polêmica constante na história da filosofia. Se não compreendemos nous, como compreenderemos pneuma, ápeiron, zoe ou bios? O universo é animado pela vida em todas as suas manifestações, do kósmos (mundo) à physis (natureza). Fauna, flora ou minerais – tudo manifesta vida. Seja na água, no ar ou na terra, tudo flui com o pneuma, que dá vida, fôlego, alento e dinamismo.

Desde a Antiguidade os fenômenos da Vida têm sido caracteri-zados com base em sua capacidade de autoproduçào, vale dizer, com base na espontaneidade com que os seres vivos se movem, se nutrem, crescem, se reproduzem e morrem, de um modo que, pelo menos aparente e relativamente, não depende das coisas ex-ternas. (ABBAGNANO, 2007)

Tudo flui, não, mormente, mas vitalmente. O mesmo pneu-ma que anima o homem por oitenta anos também o faz com as moscas por quinze dias. O diferencial é que um dia da mosca equivale a seis anos humanos. Algumas chegam a viver 28 dias, ou seja, quase 170 anos de vida. Outra contradição da vida e do es-pírito. Ao compararmos a importância da mosca com o homem, chegamos à noção qualitativa do espírito. Todos participam do pneuma ápeiron, mas o humano se qualifica diante do kósmos, por causa de nous. Estes fatores que se conjugam no panta rei provo-

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cam contradições insolúveis e não cabe à filosofia resolver este di-lema, pois o paradoxo é o fio de prata que sustém o pensamento filosófico, a exemplo da doutrina do ser e do não-ser.

Não-ser é um dos conceitos mais difíceis e mais discutidos. Parmênides tentou eliminá-lo como conceito. Mas, agindo assim, tinha que sacrificar a vida. Demócrito restabeleceu-o e identifi-cou-o com o espaço vazio, a fim de tornar o movimento possível. Platão usou o conceito do não-ser porque sem ele o contraste da existência com as simples essências está além do entendimento. Está implícito na distinção de Aristóteles entre matéria e forma. (TILLICH, 1992)

Quando todos os fatores de conjugam o ser ganha eterni-dade, mas se um dos fatores se dissociar, o ser perde eterni-dade. Neste caso, as moscas não são eternas por que lhes fal-ta o fator nous, pois é a mente que se associa à razão para criar a noção de eternidade. Em outras palavras, é a mente que dá origem à eternidade do ser. Como a mosca não possui men-te, também não é eterna. Assim também é com todos os ele-mentos do kósmos, plantas, animais e minerais. Somente o ho-mem conjuga pneuma, éter, nous, ápeiron, bios e zoe. Somente o homem é eterno. Onde está sua eternidade? Está em Nous, na mente. Onde mora o homem? Na mente. Onde está a mente, ali está o homem.

Em definição simples, o termo mente possui os seguintes signifi-cados: “intelecto, pensamento, entendimento, alma, espírito”. De

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acordo com o Dicionário Técnico de Psicologia, mente é: “Sis-tema total dos processos mentais ou atividades psíquicas de um indivíduo”. No grego do NT (Lc 24.45) temos a palavra “nous”, mente ou o “lugar da consciência reflexiva, compreendendo as fa-culdades da percepção e entendimento, e do sentimento, julga-mento e determinação”. (BASTOS, 2010)

Todas as aspirações do homem estão em sua mente. Suas paixões, desejos, perdas, fracassos, derrotas e frustrações – tudo está na mente. A ideia de futuro e de passado, de memória e criatividade, de tempo presente e de instante imediato – tudo está na mente. E nada daquilo que passa pela mente pode ser apreendido pelo homem, deixando patente quem é maior e quem é menor na relação homem/mente. Por que é assim? Por causa da natureza etérea de nous. Ela transcende a tudo por causa do éter, do apeíron, do pneuma e de sua origem caótica, que não se permite ordenar.

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12A EVOLUÇÃO DO LOGOS POPULISTA

AO LOGOS FILOSÓFICO

Neste capítulo percebemos que houve uma evolução do logos popu-lista ao logos filosófico. Também vimos o conceito da Memra judaica ocupando seu espaço no embate pela filosofia da Palavra de Deus.

“Tudo escorre”, o mundo é dirigido pela luta dos contrários que se compõe em harmonia. O princípio é fogo/logos § 1-5. (REALE e ANTISERI, 1990)

Somos levados ao desestímulo do irracionalismo, forçando uma parada ao fluxo do pensamento e propondo a aporia, o dilema, o paradoxo, a contradição. Que faremos? Desistiremos por não conseguirmos pensar? Não! Pois é neste ponto que Heráclito levanta a doutrina do logos. O termo andava de boca em boca na comunidade grega, no bate-papo, nas conversas e tergiversações de andarilhos e taberneiros, servindo aos poetas e desbocados do mundo comum, assim como aos oradores e retóricos das praças. Estava na boca do povo, sem nenhum tra-tamento aristocrático e elitista. Todo mundo usava logos e o lo-

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gos se manifestava em todos. Graças ao polemiscismo, Herá-clito faz do logos seu projeto filosófico, notando que há algo a mais em logos. A mente está no logos! Isto é um achado.

No logos está a razão e a explicação que a mente não conse-gue expressar. Nele está a possibilidade de se penetrar no ob-jeto. Logos é a palavra, justamente o precioso conceito tão caro aos sábios de Israel: a Palavra. Foi por ela que Deus criou to-das as coisas. O encontro do logos grego com a palavra de Deus (concebida pelos hebreus) transformará o edifício filosófico da cristandade em uma construção eterna. Uma obra de engenha-ria impossível ao logos heracliano. É necessária a doutrina he-braica de Palavra de Deus.

Foi esse elemento intelectual da religião de Platão o que levou os cristãos – de modo especial o autor do Evangelho de João – a identificarem Cristo com o Logos. O Logos, nesse aspecto, é tradu-zido como “razão”, o que nos impede de empregar “razão” como tradução de nous. (RUSSELL, 2015)

Em o Novo Testamento a doutrina do logos ganha o reves-timento da sabedoria cristã, resgatando o corolário do Anti-go Testamento ao tratar da Palavra de Deus. Heráclito foi res-ponsável em adiantar esta problemática em quinhentos anos, fornecendo um esboço precioso ao ideário joanino. Os he-breus pensavam em Memra (Palavra de Deus) como um atri-buto do divino. Mas Heráclito não chegou tão longe. Para ele, logos é a razão universal e isto significava que a mente (nous) possuía um canal compatível à sua natureza para se manifes-

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tar. Enquanto Nous é impossível à mente se fazer compreender, já que está conjugada com o pneuma, o éter e o ápeiron. Mas o logos está junto de cada ser, se manifestando no mais baixo ní-vel do kósmos, na boca de todos os seres, até do idiota, do imbe-cil e do louco.

O logos é o filtro por onde passa a mente. Ao pensarmos algo, a mente (nous) se comunica com nosso espírito (pneu-ma) por meio da palavra (logos). Há uma decodificação, onde a razão torna o pensamento (nous) em algo lógico, ordenado e razoável. Sem esta manifestação do logos, a mente não se co-munica. Quando falamos, usamos a palavra e materializamos a mente, tirando-a de sua transcendência e possibilitando sua imanência. Somente quem se materializa pode se comunicar, e assim, se mundanizar e tornar-se carne conosco, no kósmos. Sem a imanência a mente fica abstrata, intangível, indescritível e incomunicável. Não é assim com o logos, pois ele é palavra, razão que se apropria da mente, tornando-a encarnada em dis-cursos lógicos. Nas palavras de Aristóteles, “ho de lógos hemin kai ho noús tês physeos télos” (a razão e o intelecto são para nós o fim da natureza).

[...] logos, desde Platão, se tornou o fundamento. E o fundamen-to é sujeito de todo agir. Porém, temos três traduções e interpreta-ções do logos grego antagônicas, embora as três se dêem no âmbi-to da metafísica, pela qual o próprio logos já é empobrecido. Na cultura grega o logos é de uma riqueza intraduzível. Em Platão, o logos é sujeito por que ele é o fundamento como ideia ontológi-ca. (CASTRO, 2004)

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O logos se comunica com o homem. E por meio do logos, o homem se comunica com o kósmos. As coisas que estão na mente do homem são incomunicáveis, devido à sua transcen-dência, mas por meio do logos ocorre uma verbalização, um raciocínio e uma racionalização, portanto, um racionamen-to, uma economia com palavras. Não há desperdícios da men-te, pois o logos cuida em distribuir o pensamento em peque-nos blocos de discursos, até se construir o edifício da razão, a exemplo de um livro, dividido em partes, desde a capa até a bi-bliografia. Tudo distribuído em partes lógicas e compreensí-veis, didaticamente, contribuindo para a encarnação da mente por meio de palavras.

A mente transcende qualquer momento do kósmos, inclu-sive o ato da leitura, escrita, fala ou audição. Transcendência é características de Nous, Pneuma, Éter, Ápeiron e Caos. Somente o Logos possibilita a imanência de Nous ao Kósmos. Ele serve de operário neste processo de comunicação entre os homens e o restante do universo, tornando possível, e necessária, a inven-ção da escrita. Aqui se dá outro salto na história da filosofia, pois desde as pinturas rupestres até ao alfabeto grego transcor-reram milhares de anos.

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13A INVENÇÃO DA ESCRITA - OBRA

DO LOGOS OU DA NOUS?

Neste capítulo nos perguntamos se A invenção da Escrita é obra do lo-gos ou da nous? Vimos que desde os fenícios a nossos dias a tentativa em comunicar os altos padrões na mente às baixas categorias da lingua-gem tem se esbarrado no principio do distanciamento.

De que modo conceitos como tempo, infinito, mente e espírito po-deriam, sem a escrita, ganhar forma, transformar-se em objetos palpáveis e passados de mão em mão, de geração em geração? A escrita foi o poder que consolidou a linguagem humana, nossa capacidade de nos comunicarmos. (AGUIAR, 2005)

Os antigos fenícios, sumérios, acadianos, babilônios e egípcios deram inicio a este fenômeno do pensamento escrito, não com letras, mas com figuras icônicas. Pintaram suas paredes e mo-numentos com figuras humanas, animais e astrais, desafiando até nossos dias os melhores filólogos a decifrarem os enigmas do pensamento antigo. A origem da escrita está cercada pela ideia do sagrado, pois temos aqui os termos ex+cripta, ou seja,

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aquilo que está oculto e precisa ser tirado para fora. Somente os deuses têm acesso à krypta, ao oculto. Foram eles que ensi-naram aos homens a criptografar nas paredes, com figuras má-gicas que “imortalizavam” o ser pintado nas pedras. Assim sur-giram, no Egito, os hieróglifos (escritos sagrados), ícones cuja figura solitária representa um pensamento completo, dando força à ciência da simbologia.

A muito tempo os povos antigos acreditavam que a escrita era uma dádiva dos deuses. A escrita era algo secreto e sagrado e não da alçada das pessoas comuns. Só os escribas aprendiam a ler, a escrever e eram contratados pelos privilegiados (geralmente a realeza, a nobreza e a aristocracia). Tal informação era monopo-lizada pela elite e o povo comum era mantido ignorante através das eras. (HAN, 2012)

Há que se pontuar a importância do Egito na história da fi-losofia. Pitágoras de Samos (pai da matemática) foi um místi-co que viveu muitos anos entre os sacerdotes egípcios, toman-do conhecimento de astronomia e geometria. A ele se atribui o uso primário da palavra “sofos” aos sábios antigos. Voltando para a Grécia, levou as ideias dos números sagrados e a doutri-na da Unidade Universal, onde o Um é o único número real, enquanto os outros são frações do Um, portando, irreais. Pla-tão vai se apoderar do pitagorismo e levantar o Colosso filosó-fico do platonismo e o Mundo das Ideias.

Aquele movimento poderoso que o logos universal de He-ráclito promoveu em seu papel de operário conjugou-se com

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o nous e o fez encarnar-se no homem das cavernas, por meio de pinturas rupestres até se manifestar em hieróglifos egípcios e arquétipos filosóficos platônicos! A função do logos é tradu-zir os pensamentos originados na mente. Ele usa a palavra, em um discurso razoável, e sem este processo lógico não há mani-festação da mente e nenhuma comunicação entre os seres pen-santes. O logos se torna necessário, e sem ele, nada do que se pensa é lógico.

O grande problema da comunicação é o meio físico em que ela se processa, pois há muita perda de informações entre o emissor e o receptor. Em filosofia isto é chamado de “prin-cípio do distanciamento”, ou seja, há uma distância qualitati-va incalculável entre um ser e outro, tornando a comunicação impossível, senão por meios remotos e distanciais. Ao tentar diminuir este distanciamento, há uma perda de qualidade de um e de outro.

Aplicando o que estamos pensando aqui, devemos admitir que nossa capacidade de apreender o produto da mente é insu-ficiente, ante o fenômeno da ignorância humana. O tudo flui de Heráclito passa por um canal que compromete a verificação do todo, permitindo apenas uma percepção vaga do que seja o panta rei. Por isso, a filosofia impõe a necessidade da repetição de todas as coisas, para firmar o conhecimento e a recuperação de muito que se perdeu ao longo da estrada. Aqui se dará lugar à doutrina da reminiscência, onde estaríamos sempre nos lem-brando de havermos feito algo, embora não o tenhamos feito de maneira perfeita. Precisamos da memória para fazer o mes-mo que já fizemos antes, mas agora, de maneira perfeita.

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Observe quantas vezes citei Caos, Ápeiron, Éter, Pneuma, Nous e Logos. O método da repetição é fundamental para a fi-losofia, pois sem que se firmem os conceitos torna-se impos-sível prosseguir. Para racionalizar é importante fixar “na men-te” o que o logos ensinou de forma racionada, econômica, aos poucos. Cabe a você, leitor, voltar à leitura de tudo o que já leu até aqui, para depois avançar ao capítulo seguinte. Para quê? Para fixar o conhecimento pelo método da repetição e o exer-cício da memória. Mas, certamente, você não fará isto, pois jul-ga que já apreendeu tudo no fluxo da corrente contínua. O panta rei foi dominado por você e já não precisa voltar ao ini-cio para re-ver o que já viu. Pense, porém, na quantidade de in-formações que perdeu! E o que dizer da qualidade?

Tente o exercício de eternizar seu pensamento, escrevendo. Mas se não souber escrever, desenhe. Seu desenho será um íco-ne, uma imagem, uma ideia, um ídolo, um deus. A fenome-nologia da escrita está associada ao mundo sagrado, pois “ek” é a partícula grega que indica algo sendo tirado para fora da “krypta”, do oculto, do escondido e segredado. Quando estiver escrevendo, você estará tirando para fora aquilo que está guar-dado no secreto de sua mente, criptografado pelo nous, onde só o logos penetra.

Pense na quantidade de conhecimentos que estão segreda-dos na mente dos homens e que jamais virão à tona por não terem sido escritos! Pense em João, guardando somente a ele a introspecção sobre a doutrina do Logos! Mas ele não fez assim, antes foi aos gregos e aprendeu com eles a pensar e escrever de forma polêmica. Faça assim também: ESCREVA! Traga à luz

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aquilo que jaz na cripta de sua mente! Coloque em palavras teu pensamento e eternize-o! Se você fizer isto, estará agindo em conformidade com o espírito do logos, estará encarnando a mente, tirando-a de sua transcendência incomunicável e tra-zendo-a a imanência no mundo.

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14PRIMÓRDIOS DA

DOUTRINA DO LOGOS

Neste capítulo nos voltamos aos Primórdios da Doutrina do Logos e uma conseqüente revisão de todos os conceitos abordados antes, mas por uma perspectiva de avanço ao pensamento filosófico.

Ἐν ἀρχῇ ἦν ὁ λόγος, καὶ ὁ λόγος ἦν πρὸς τὸν θεόν, καὶ θεὸς ἦν ὁ λόγος. (No princípio era o Logos, o Logos estava perante Deus e Deus era o Logos.)

Para entendermos o Logos, retrocedemos até Heráclito de Éfeso, chamado de filósofo obscuro por sustentar a polêmica como método de investigação filosófica. O panta rei (tudo flui) é uma destas polêmicas! O panta rei leva consigo todas as coisas e não deixa coisa alguma para trás, mesmo contra a vontade, pois o voluntarismo não possui potência para resistir a fluxo hera-cliano. A potência do panta rei está no pneuma, que é o espíri-to presente em todas as coisas, emanando impetuosamente do ápeiron (infinito), com força, violência e truculência. Esta é a ca-racterística do pneuma: vitalizar com um sopro veemente.

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O tema do espírito como pneûma: trata-se da acepção literal do termo “espírito”, sobre a qual se opera a transposição metafóri-ca que consagrou o termo nas linguagens filosófica e teológica. Nela está presente a idéia do sopro ou respiração, comum seja a tradição greco-latina (pneûma, de pnêô, spiritus, de spiro), seja à tradição bíblica (ruah). Ela exprime a natureza do espírito como força vital, como o dinamismo organizador que é próprio da vida. O espírito aparece, pois, nessa sua primeira denominação, como princípio interno de vida ou como forma superior da vida. (VAZ, 2004)

Com o sopro veemente do espírito infinito, todas as coisas fluem em um movimento contínuo, inclusive a mente (nous), companheira do pneuma. Há uma identificação siamesa entre nous e pneuma, de tal forma que pode haver uma confusão en-tre um e outro, ou seja, o pneuma está em nous e nous em pneu-ma, portanto a onipresença de um se atribui ao outro, assim como a infinitude. Nous se diferencia por sua transcendência, pois acaba por escapar à possibilidade de qualquer compreen-são. Sua natureza é o éter (de onde nos vem o conceito de eter-nidade, que não deve ser confundido com infinitude).

O tema do espírito como noûs: trata-se aqui, de um tema especi-ficamente grego, que nasce no terreno da formação da ontologia de Parmênides e da visão teleológica da Natureza em Anaxágoras e Diógenes de Apolônia. Ele alcança sua expressão mais alta em Platão e Aristóteles. Segundo esse tema, o espírito é atividade de contemplação (theoría), assinalando a forma mais alta do conhe-

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cimento, que a tradição latina traduziu como intellectus, ou seja, visão em profundidade (intus legere). É no âmbito desse tema que se desenvolve vigorosa por toda a Antiguidade, nos tempos medievais e ainda e nos tempos modernos até Hegel, a metafísica do espírito. (VAZ, 2004)

Nós, que estamos uma ordem temporal, não percebemos a fluência de todas as coisas como propõe a doutrina de Herácli-to. Mas a polêmica heracliana se mantém justamente por afir-mar este absurdo, sem explicação. A estranheza do panta rei abre espaço à doutrina do logos, com uma lógica explicativa muito maior que à de indivíduos isolados no kosmos. Existe uma ra-zão, uma lógica maior que engloba as lógicas menores de todos os indivíduos isolados no kosmos. O logos é a lógica maior! É ele quem esquematiza as formas de todos entenderem o panta rei. Mas cada indivíduo possui graus de entendimento das coisas, desde os níveis mais elementares aos mais complexos.

O tema do espírito como logos: trata-se aqui da idéia de uma ra-zão universal ou ordem universal. Que está presente nas origens do pensamento filosófico e pode ser considerada mesmo sua ma-triz primigênia. No âmbito desse tema estabelece- se a relação en-tre espírito e palavra (lógos), sendo a palavra inteligível à manifes-tação do espírito que confere uma vida propriamente espiritual à palavra proferida, sobretudo no diálogo, e à palavra escrita. A tradição grega irá encontrar-se aqui com a tradição sapiencial do AT, e essa convergência irá exprimir-se na correspondência lógos--pneûma da tradição cristã, já presente no NT. (VAZ, 2004)

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15O LOGOS E AS ESTRUTURAS

DA REALIDADE

Neste capítulo percebemos que O Logos e as Estruturas da Realidade se apresentam como presentes ao todos os seres, levando-os a se decidi-rem por suas particularidades ou pela universalidade.

REALIDADE Em seu significado próprio e específico, esse ter-mo indica o modo de ser das coisas existentes fora da mente hu-mana ou independentemente dela. A palavra realiltas foi cunha-da no fim da escolástica, mais precisamente por Duns [que] a usou, sobretudo para definir a individualidade, que consistiria na “última realidade do ente”, que determina e contrai a natureza comum ad esse bane reiu. à coisa singular. Duns e seus discípulos preferiram chamar essa realitasóc baecceílas. [...] ou então no sen-tido com que os escolásticos talavam do universal “incorporado nas coisas”. (ABBAGNANO, 2007)

Podemos participar do logos infinitamente particularizados ou universalizados. Quanto mais particulares formos, menor participação no logos universal. Quanto mais universais, maior

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compreensão! É como se os particulares vivessem no subso-lo da existência, sem a menor ideia de quantos andares estão acima de suas cabeças. No subsolo as coisas fluem tão lenta-mente que passam a impressão de estarem paradas, estaciona-das e inalteráveis. Não há mundo exterior para quem se parti-culariza na visão de subsolo. É um nível minimizado do logos, que se faz universalmente presente em todas as estruturas da realidade.

A filosofia do logos heracliano não pode ser confundida com um abstracionismo poético, fora da estrutura da realida-de. Heráclito faz parte de uma geração de fisiocráticos, questio-nadores da mentalidade mítica de seu tempo. A comunidade grega dos séculos VIII a V a.C. era animada pelos mitos can-tados de cidade em cidade pelos aedos. Centenas de histórias fantásticas eram tomadas como verídicas pela mentalidade po-pular, pois versavam sobre a origem divina das coisas e sua ne-cessidade para a manutenção da vida e da ordem cósmica. As colônias helênicas, dispersas no arquipélago da Grécia Antiga patrocinava seus poetas, respirando o ar de suas mitologias, so-frendo de um bloqueio aos maiores níveis de entendimento da realidade epistêmica.

A ruptura com o mito não significa que a partir desse momen-to o mito deixe de existir. A filosofia ultrapassa o mito, mas não o extingue. O mito permanece como referência simbólica da com-plexidade do mundo: tal como o mito, do mesmo modo o mun-do se mantém aberto a uma pluralidade de interpretações. (BA-TISTA, 2012)

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O pensamento epistêmico se configura por dar primazia ao uso da razão, do cientificismo, acercando-se dos acontecimen-tos com uma visão mais crítica e lógica dos fatos. Procura ra-cionalizar a realidade dentro de suas estruturas naturais, físicas e normativas. A cultura mítica dos gregos valorizava o fantásti-co e o extraordinário, e as estruturas das realidades mundanas eram interpretadas sob o viés dos mitos, lendas e superstições. Até Alexandre Magno, discipulado por Aristóteles, grande ge-neral da Macedônia, era extremamente supersticioso. E nesse contexto surgem os pré-socráticos abrindo um flanco na com-preensão mítica do mundo, uma clareira epistêmica!

Os fisiocráticos propunham uma alternativa à leitura da realidade, partindo do princípio de que todas as coisas pos-suem uma explicação natural, física, intraterrena e intracósmi-ca. Nada deveria ser entendido como extraordinário, antes que houvesse passado por um escrutínio fisiocrático (naturalista). Assim fizeram Tales de Mileto, Anaxímenes, Anaximandro e Heráclito, não de forma ostensiva, combatendo os mitos, mas à moda filosófica, questionando pelas tabelas. Eles não podiam falar abertamente contra os deuses, pois a sociedade helênica os acusaria de ateísmo (como fizeram a Sócrates e mais tarde aos cristãos).

A questão de Deus sempre interessou ao homem. Mas os homens colocam e respondem esta questão de diversas maneiras. Sócra-tes, o filósofo grego, foi condenado como ateu porque, confiado em seu Deus, preferiu suicidar-se. Nos primeiros séculos, também os cristãos foram condenados como ateus, porque preferiram o

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Deus revelado por Cristo aos deuses do mundo greco-romano. (SOUZA, 1994)

Os gregos atribuíam desventuras, fracassos nas guerras, epi-demias, e qualquer infortúnio à ira dos deuses. Os templos eram sempre lotados por milhares de fieis com suas procis-sões e sacrifícios. Não havia espaço para reflexões fora do siste-ma religioso, pois o medo que os deuses olímpicos impunham bloqueava qualquer iniciativa antiteísta. Ainda assim, os fisio-cratas abriram uma fissura nesta mentalidade mítica, à moda de Heráclito, apelidado de “o obscuro”. Ele falava baixo, entre os dentes, e não se preocupava em fazer entender. Mas quem o entendia, percebia a ruptura entre a mentalidade mítica e a lógica.

Na solidão, escreveu um texto que, como a obra principal dos filósofos naturais, foi intitulado Da natureza. Depositou-a no templo de Artemisa, mas nenhuma das pessoas que a leu a com-preendeu. As frases soavam como profecias do oráculo, e as ima-gens ambíguas, com as quais Heráclito se expressava valeram-lhe o apelido de Obscuro. (HESSE, 2006)

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16OS NÍVEIS LÓGICOS QUE

ESTRUTURAM A REALIDADE

Neste capítulo há um avanço ao tema anterior, pois descobrimos que há Níveis Lógicos que estruturam a Realidade desde o pensamento mítico à abstração filosófica. O acomodamento das pessoas a um só ní-vel de realidade pode lhes passar a impressão de que não há nada alem deste nível.

A lógica é a encarnação da mente e a capacidade de coloca-mos o pensamento em cadeias de atividades práticas, dentro da realidade estrutural. A filosofia estrutura o pensamen-to dentro desta realidade, de acordo com o nível de com-preensão que os indivíduos particularizam em si, com uma visão de subsolo, rasteira, míope, provinciana, ou universa-lizada de forma panorâmica, no nível de um terraço. Há ní-veis lógicos, proporcionais a todos os seres do kosmos. Tam-bém há espiritualidade e de misticismo em todos os níveis, pois o pneuma e o logos se conjugam com nous para se uni-versalizarem e se infinitizarem em todos os aspectos da rea-lidade estrutural.

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É nesse contexto que cabe falar de mística do engajamento e da luta, sem constrangimentos ou pruridos motivados pelas resso-nâncias religiosas desta palavra. [...] Nesse contexto, ganha sen-tido falar-se de espiritualidade e de Deus, não como realidades pensadas em si mesmas, mas como referências presentes nos em-bates, nas grandes decisões, nos avanços e recuos, enfim, no dra-ma humano e histórico. (BETTO e BOFF, 2005)

O kosmos (mundo) faz parte de uma estrutura física e real, que não nos permite uma interpretação poética, surreal, lendá-ria e desvinculada da realidade humana. O atraso que o homem sofre por manter-se em níveis míticos de pensamento prejudi-ca, não somente, sua marcha existencial, como todo o contexto mundial. Embora a poética, e todas as formas de manifestações do espírito humano, tenha seu valor como produto criacional, a realidade tangível exige um tratamento mais sólido e responsá-vel por parte das pessoas e da sociedade. A amplitude da tragédia humana não pode ser tratada com base em histórias fantásticas e explicações poéticas! O logos heracliano rompe com a mítica, pois tem o dever de impacientar o espírito humano, pondo fogo em tudo e movimentando o todo com tudo o que nele está.

Não se pode entrar duas vezes no mesmo rio. Dispersa-se e reú-ne-se; avança e se retira. Essa ideia é sintetizada pela expressão grega “panta rei” (tudo flui). (CORTELLA, 2005)

Heráclito, possuído por essa compreensão do logos, se vê em meio a uma sociedade supersticiosa, que abre as entranhas de

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um animal para saber se deve ou não fazer alguma coisa. Eles observam o vôo dos pássaros para saber se devem ou não sair à guerra e sacrificam animais em favor de chuvas para as plan-tações. Mantém suas casas incensadas para atrair bons agouros e afastar espíritos ruins, fantasmas de mortos que não foram devidamente despachados para o Hades. Milhares de fieis em procissão aos templos, alimentando mais e mais o nível reli-gioso e mítico de pensamento. Será que não há uma base mais sólida para se estruturar a realidade? Sim! O panta rei. Tudo está fluindo: pneuma, nous, ápeiron e logos. O que é o logos?

Logos é a palavra! É a razão. É a criação da realidade a par-tir da fala racional, lógica, que estrutura as decisões com base em cálculos, da forma como ensinou Pitágoras. Este sábio an-dou o mundo (Egito, Índia e Pérsia) e trouxe a ciência dos nú-meros aos gregos, ensinando-os a calcularem geometricamen-te a vida.

Pitágoras pode ser sucintamente descrito como uma combina-ção de Einstein e Sra. Eddy. Ele fundou uma religião cujas princi-pais doutrinas eram a transmigração das almas e a iniqüidade no ato de comer feijão. Sua religião ganhou corpo numa ordem re-ligiosa que aqui e ali, alcançou o controle do Estado e instituiu uma regra de santos. Os desvirtuados, porém, ansiavam por feijão e cedo ou tarde acabavam por rebelar-se. (RUSSELL, 2015)

Podemos trazer à mente que todo o corolário proposto pelo heraclianismo, acerca da estrutura realista e física cons-truída pelo Logos, lembra que há níveis de razão em toda a es-

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trutura. Quanto mais baixo o homem estiver em seu nível de racionalidade, maior seu grau de superstição e de medo, pon-do-o em uma problemática de religiosidade e de infantilização revoltante ao espírito humano. Eternas crianças medrosas, te-mendo o barulho do trovão de Zeus. O baixo nível de raciona-lidade amedronta o homem em sua tomada de decisões e suas escolhas são feitas diante de ameaças. Os meninos se escondem no porão!

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17SUPERANDO A INFANTILIZAÇÃO

DA MENTE

Neste capítulo encerramos o livro denunciando que há uma necessida-de de Superar a Infantilização da mente, pois os altos níveis de pensa-mento são inacessíveis ao homem enquanto se mantém preso às formas comuns de ver as coisas.

Os altos degraus da racionalidade elevam o espírito humano às categorias da mente (nous) e provocam a experimentação do logos universal, junto com espírito e o infinito. É necessá-rio subir as escadarias do logos, e todos devem exercer o di-reito à palavra até alcançar a maturidade do Logos Maior. Os homens devem perder o medo de questionarem os mitos e de sustentarem polêmicas. A realidade estrutural se apresen-ta com pólos opostos, mas verdadeiros, apesar de contraditó-rios. Eles afirmam e negam, sustentam e questionam, soltam e prendem, provocando o espanto aos espíritos infantilizados. A infantilidade não permite que o homem toque os extremos da realidade. Ou nega ou afirma, pois os dois se excluem na-turalmente.

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Uma das marcas mais visíveis da infantilização é ter “causas”. As “causas” contemporâneas (crianças na África, meio ambiente, bi-kes). As “causas” funcionam como marketing moral. Simplifica a vida de uma forma como nem o puritanismo o fez, por que este se baseia no medo do “pecado em mim”, e os puros de hoje não tem pecados. A infantilização aqui se revela no fato de que essas pessoas são como Branca de Neve, cheias de bons sentimentos. Negam as contradições, por isso as redes sociais lhes servem tão bem. Uma de nossas tragédias está no fato de que quase sempre é o fracasso que torna a vida real. (PONDÉ, 2014)

A infantilidade humana evita a polemização dos assuntos. Mas a polêmica como método de investigação não pode ser evitada. Assim fazia Heráclito: convidava ao embate filosófico polemizando. Se o nível de compreensão de uma realidade es-tiver muito baixo, é necessário subir a um nível maior, com ur-gência, acessando as escadarias do logos ou os elevadores da ra-zão universal. Enquanto o indivíduo se escalona em busca dos andares superiores, a sociedade se mantém estatizada nos so-b-solos, evitando a polêmica dos altos degraus. Quem levanta vôo em direção ao espaço livre do Logos Maior, se defrontará com as próprias limitações de um pensamento menor, eivado de preconceitos. Querendo, ou não, nossa mente se acostuma com os baixos níveis de pensamento dos andares inferiores e fica difícil assimilar o “totalmente novo” e rejeitar o obsoleto da infantilidade humana.

Poucos conseguem chegar ao topo da existência com a mente livre para experimentar o ar rarefeito do Logos Maior.

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É como chegar ao terraço de um edifício com sessenta anda-res e encontrar o espetáculo único de uma visão panorâmi-ca com 360º de longitude e um vento original, vindo do ápei-ron infinito. A sensação de liberdade e o espanto da amplitude causada pelo encontro com o LOGOS de Heráclito, a Razão Universal é renovadora. Ao tentar enxergar as pessoas ao lon-ge percebe que elas estão ainda imersas no logos menor, cada um defendendo sua particularidade como se fossem univer-sais, sem o serem.

O universal se distingue em Aristóteles, enquanto geral, do indi-vidual. O universal se refere a uma totalidade plural de objetos, com o que o universal se opõe ao particular. [...] Hegel propôs a ideia de que o universal pode ser abstrato ou concreto e, portan-to, admitiu que se pode falar de um “universal concreto”. Assim, o universal abstrato (ou universalidade abstrata) se contrapõe em Hegel ao universal concreto (ou universalidade concreta). O uni-versal abstrato é simplesmente comum a vários particulares. Em tal caso, o universal é negado pelo particular. Mas se negarmos por sua vez o particular obtemos um universal que em vez de es-tar separado do particular é a realidade mesma do particular em sua rica concreção. (MORA, 1994)

Uma vez que o indivíduo alcança o Logos Maior, jamais re-torna ao menor, pois alcançou o fim da existência e abando-nou a guerra dos mundos particulares e se perdeu na Unidade do universalismo. Quem se embrenha pelo risco e o cansaço da busca, não se arrepende de encontrar ao Logos e passar pela

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transformação da mente e dos pensamentos. Mas o encontro é solitário, existencial, autêntico e irretocável. Coloca o indiví-duo em situação de solidão e incomunicabilidade. A grande maioria de pensadores que alcançaram o Logos Maior é acusa-da de se tornarem taciturnos, melancólicos e calados. Mas a so-lidão destes pensadores não é acidental, e sim, optativa. Não é taciturna, é reserva! Não é melancolia e depressão – é reserva!

Quando [um] logos menor se integra ao aglomerado, ele passa a introduzir gradativamente a sua energia naquele mundo em for-mação. Fará uma síntese de tudo que até então transcorreu nesse universo, começará a imprimir nele sua nota [particular] vibrató-ria e, em certo sentido, a prepará-lo para a fase seguinte, que po-derá ser regida [pelo] Logos [maior]. (NETTO, 1992)

Como transferir à massa do logos menor aquilo que se con-templa apenas na solidão do Logos Maior? Qual seria a via de comunicação entre os universais e os particulares? De que for-ma anunciar a amplitude do terraço a quem se acostumou com a estreiteza de uma portaria? Seria possível traduzir aos recepcionistas do edifício a sensação de liberdade e infinitu-de que a cobertura proporciona? Não! Não é possível. O Logos Maior isola o indivíduo de sua particularidade e o universaliza, o tornando incomunicável!

Platão, conhecendo esta dificuldade, criou a alegoria da ca-verna, onde o filósofo é representado pelo prisioneiro que esca-pou das correntes e viu o mundo exterior com espanto. Nada que viu se parecia com as sombras projetadas nas paredes da

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caverna. Ao retornar para seus amigos ainda aprisionados, con-tou-lhes a Verdade sem as sombras, mas não creram nele. Ao se aproximar para romper com as algemas de seus companheiros, acabou capturado e morto. Esta é a razão de muitos filósofos se afastarem das discussões populares, pois o baixo nível de com-preensão dos particulares gera discórdia e agressão.

Atualmente, as verdadeiras obras de arte [e filosofias], “renuncia-ram à ilusão de ter uma comunicação real entre os homens; são monumentos de uma vida solitária e desesperada que não encon-tra nenhuma ponte para com as outras consciências e, às vezes, nem sequer com a sua própria”. (RUDIGER, 2004)

Pense na doutrina de Jesus sobre a ressurreição dos mor-tos e na condenação eterna. Quantas ameaças mitológicas con-taminam o cerne deste ensinamento, oriundas dos leitores da bíblia, não da própria bíblia? Quando o filosofo cristão abor-da este assunto sob outro prisma, sem as máculas mitológicas, priorizando o Logos Maior e Universal, ao invés das particu-laridades da lógica menor, qual é o resultado? Os particulares o condenam como HEREGE e o ridicularizam ante a grande massa. Esta é a razão de muitos filósofos se afastarem das dis-cussões populares, pois o baixo nível de compreensão dos par-ticulares gera discórdia e agressão.

É fácil chamar os filósofos de obscuros, mas na verdade o obscurantismo está com a massa de pessoas que não se pres-ta a entender as coisas em níveis de uma Lógica Maior. Herá-clito não era obscuro, como diziam seus acusadores. Obscuros

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eram seus acusadores que não o entenderam. Quem está no es-curo? O logos de Heráclito não é o mesmo do Evangelho, mas o arrazoamento é semelhante. Ambos iluminam a todos, mas nem todos compreendem este logos.

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18CONCLUSÃO

O aner philosophos ama o sophon. O que esta palavra diz para He-ráclito é difícil traduzir. Podemos, porém, elucidá-lo a partir da própria explicação de Heráclito. De acordo com isto to sophon significa: Hen Panta, “Um (é) Tudo”. Tudo quer dizer aqui: Pan-ta ta onta, a totalidade, o todo do ente. Hen, o Um, designa: o que é um, o único, o que tudo une. Unido é, entretanto, todo o ente no ser. O sophon significa: todo ente é no ser. Dito mais precisa-mente: o ser é o ente. Nesta locução o “é” traz uma carga transiti-va e designa algo assim com “recolhe”. O ser recolhe o ente pelo fato que é o ente. O ser é o recolhimento – logos. (MARCON-DES, 2007)

Heráclito mexeu com todo o balanceamento da filosofia ao propor o “devir” como agente implacável da vida e do mun-do. O não-ser vem como um tsunami, arrastado tudo em seu alcance. Ao encontrar seu limite, o não-ser transforma tudo e flui ao passado, deixando sua memorável obra tsunâmica! E não há como escapar à sua influência, já que ele age por si mes-mo, sem perguntar nada a ninguém. A vida segue o fluxo do

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rio heracliano, tirando a criança do útero materno e jogando-a no mundo adulto, por força da existência. E a base da filosofia é a vida! Mas também é a morte, pois a doutrina do logos com-preende o não-ser como uma variável da morte, ou, a morte é um dos estados do não-ser.

Que nos animemos ao fluxo contínuo da Filosofia Cristã, ousando como João a identificar Cristo com o Logos e perce-bermos quantas nuances estão presentes no Santo Evangelho escrito de forma singular, provocativa, dialógica e com altos graus de sabedoria. Que venhamos a entender como os arqué-tipos do Logos estão vivos na filosofia joanina, apresentada a nós de forma evangélica e tomadas, letra a letra, palavra a pala-vra, frase a frase, fato a fato, símbolo a símbolo, como expres-são da Palavra de Deus.

Cristo não aprisionou a humanidade nem a ele mesmo. Deu-lhe liberdade para ir, livre de seus pecados e de seus acu-sadores. Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres! Esta é a natureza do Espírito, diferente da religião, represen-tada por aqueles homens que a trouxeram para ser julgada e morta. Toda religiosidade prende, aprisiona, apequena, acusa, aponta e pega em pedras, mas Cristo, que é o Espírito, enfren-ta os religiosos liberando-lhes a consciência para agirem como quiserem. O impacto do Espírito contra a religiosidade os levou ao chão e tiveram que ir embora sem realizar a lapidação pre-tendida. Mas para a acusada, o Logos diz: Vai!

A espiritualidade só pode ser autêntica em estado de liber-dade, para que assim possa se expressar diante do Criador sem as amarras da religião. Sem o espírito o homem está morto e

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sem a liberdade o espírito não se manifesta. Ele vem do infini-to para provocar a revolução, fluindo com tudo, como o rio de Heráclito. Você mergulha nele, mas ele não para seu fluxo por sua causa. Ao sair dele, você está mudado, mas o espírito não. Nas palavras de Cristo:

O vento assopra onde quer, e ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai; assim é todo aquele que é nascido do Espírito. João 3:8

Quem nascer do Espírito também será como o espírito! Irá e virá sem ninguém poder prendê-lo. Virá do infinito ao infini-to! Isto é incompreensível, como disse Aquino, para quem [o espírito] não pode ser categorizado como “infinito”, pois o infi-nito não se presta a ser conhecido. Se for infinito, significa que Ele não conhece a si mesmo. Por definição, o ápeiron se esten-de infinitamente à frente da possibilidade de ser conhecido, impedindo [o espírito] de conhecer seu fim, portanto, sendo maior que [o espírito]. Se o infinito é maior que [o espírito], [o espírito] é finito e não pode ser [espírito]. Esta lógica de Aqui-no propõe uma aporia, um raciocínio circular que não permi-te ir além dele mesmo. Mas a filosofia cristã não procurar eli-minar a contradição. Muito ao contrário, faz dela o fio de prata de sua compreensão do logos.

O que é o logos? O logos é a encarnação da mente. O que é o escrito? O escrito é a encarnação do logos. É quando você tira daquilo que está segredado, escondido, misterioso, incom-preensível, impensável, intangível, inabarcável, indescritível,

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inefável. É quando você tira do ápeiron (infinito) e traz ao kós-mos, possibilitando a geração do pensamento racional, seme-lhante à encarnação do Logos de João! Ele nos trouxe o misté-rio insondável da segunda pessoa da divindade, daquele que se escondeu em si mesmo desde todos os séculos, e se mostrou no Cristo despido de glória, vestido de carne. O Logos encarna em forma humana, ganhando presença, cor, cheiro, peso, esta-tura, corpo, localização e idade. O Logos do Evangelho andou pelas terras empoeiradas da Palestina, sentiu fome, sede, cansa-ço, tristeza, angústia e solidão.

Nós, acostumados com a banalização de todas as coisas, fi-zemos do Logos nosso vizinho ao lado. Acreditamos em um Cristo meramente humano, acessível a todos, a qualquer mo-mento. Será isto mesmo?

Será que o Logos de João é como o logos de Heráclito? Qual a ponte entre ambos? Qual a intersecção entre um e outro? Pense na possibilidade de havermos banalizado a cris-tologia, e tornamos o Cristo um agente secundário de nos-sa salvação, mais humano que realmente foi, ou, menos divi-no que realmente é. Que é Logos? Perdeu-se a noção de quem seja! Foi liquidado na última fera das religiões! Mas a Filoso-fia Cristã não barateou a ideia joanina em identificar o Cris-to com o Logos. O filósofo cristão não adere ao esquema re-ligioso de tornar comum aquilo que é incomum. Queremos manter o nível da cristologia joanina tal qual nos chegou, a saber, o Logos é a Palavra de Deus, a Memra dos profetas he-breus! O principio pelo qual Deus saiu de si para criar todas as coisas.

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Esta idéia, conforme nos explica Champlin (2008, p. 899), fora, então, introduzida pelos eruditos judaicos nos Targuns, “[...] ou seja, nas paráfrases inseridas no V.T., escritas no idioma aramaico”. (NETO e ÁVILA, 2012)

Há uma alta categoria de pensamento que passa pela ra-zão. O mundo inteiro passa pela razão dos particulares. Se for mundano, cósmico e estiver dentro de uma estrutura históri-ca, poderá passar pela razão de qualquer um e será inteligível, ainda que seja contraditório. Se for inteligível, deve ser enten-dido! Ninguém precisa fugir e evitar o encontro com o logos, com a razão. Para toda a problematização que há no mundo existe uma lógica que desembaraça o problema. Basta entrar com a mente e pensar, pensar e pensar, até que o logos ilumina o sujeito pensante e lhe fornece a solução do insolúvel.

O Logos Maior (que não é um ser pessoal) tem a solvên-cia para todos os problemas particulares. Sendo uma Razão Universal, mostra-se a qualquer que o buscar, sem, no entan-to relacionar-se pessoalmente com ninguém, pois ele mesmo mantém sua incomunicabilidade em relação a todos, inclusi-ve, com aqueles que o encontram e também se tornam inco-municáveis.

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