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Filosofia Clínica e Educação
César Mendes da Costa é especialista em filosofia clínica e presidente da Associação Paulista de Filosofia Clínica, a APAFIC.
Costumeiramente acreditamos saber o que é melhor para o sistema educacional. Não faltam
artigos que tentam solucionar a crise na educação. Em consideração aos educadores que
normalmente são deixados de lado por suas respectivas secretarias, o grupo de estudo Filosofia
Clínica e Educação se dispõe a pensar junto com o educador, a discutir as questões elencadas por
ele.
Filosofia Clínica e Educação
A filosofia clínica aplicada a educação se torna possível na medida em que ela não se propõe
dona de uma descoberta pedagógica, outrossim, ela se percebe refletindo a prática pedagógica em
seu acontecimento, isto é, o docente que estudou a filosofia clínica encontrará instrumentais para
refletir, planejar e promover uma prática docente contextualizada.
Antes de qualquer resposta, o filósofo clínico pesquisa, para inquirir melhor, e com os dados
coletados, formula planejamentos para aprimorar a pesquisa, e assim compreende o que se passa, os
conflitos subjacentes e as possibilidades de intervenção.
Não há um modelo prévio de como o filósofo clínico deve agir no contexto escolar. O que
norteará o trabalho do filósofo clínico é a queixa inicial da escola, ou do professor, ou do aluno;
com base nela começa-se a pesquisa, e conforme a pesquisa avança, a forma de intervir será
construída.
Essa coluna trará a reflexão que antecede os encontros do Grupo de Estudos Filosofia
Clínica e Educação. Para cada encontro do grupo selecionamos um autor como ponto provedor de
questões. Neste mês, nosso provedor de questões, que se somará às questões dos educadores
presentes, será Gaston Bachelard. O filósofo francês dedicou-se à epistemologia. Neste ramo,
destacou-se ensinando em que consiste a ciência, como ela se desenvolve, como iniciá-la.
Refletindo a Educação a partir de alguns recortes de Gaston Bachelard
Gaston Bachelard não escreveu um livro dedicado à educação. Sua obra traz algumas
referências ao tema. Em especial, nos deteremos, neste momento, à obra “A formação do espírito
científico” - publicada em 1938 na França.
O aluno não chega a escola à margem da vida, dos saberes. Ele já pratica o idioma, já reflete,
faz a suas descobertas. A crença de que o aluno é uma lousa em branco - pronto a receber de forma
bancária os saberes professados pelo professor, demonstrando a sua capacidade de memorizar e
registrar de forma a comprovar que assentiu e foi capaz de reproduzir o que aprendeu em uma
avaliação - é insuficiente para o fato que salientado cotidianamente, coloca em xeque o modo de
ensinar e aprender, isto é, o aluno chega à escola com as suas noções do que é o tempo, do que é a
realidade, da pronúncia, entre outros.
“Quando o espírito se apresenta à cultura científica, nunca é jovem. Aliás, é bem velho, porque tem a idade de seus preconceitos.” (1996: 18).
Todos os saberes que o aluno traz devem ser postos em dúvida. O conhecimento científico,
em Bachelard, tem sua origem no equívoco inicial: nenhuma descoberta científica encontra-se
imune à dúvida e à retificação. É premente provocar o aluno a ser pesquisador, ao invés de
mergulhá-lo em uma cultura que o fará crer que não há mais nada a descobrir.
“Em resumo, o homem movido pelo espírito científico deseja saber, mas para, imediatamente, melhor questionar” (1996: 21).
O saber que ensinado cristaliza o entendimento representa um obstáculo, segundo
Bachelard, pois, inviabiliza a descoberta, tornando o aluno insensível ao novo.
Obstáculo pedagógico
“Quem é ensinado deve ensinar.”(1996: 300).
O educador deve reconsiderar a sua prática à luz do que se passa na sala de aula.
Vejamos:
“Os professores de ciências imaginam que o espírito começa como uma aula, que é sempre possível reconstruir uma cultura falha pela repetição da lição, que se pode fazer entender uma demonstração repetindo-a ponto por ponto. Não levam em conta que o adolescente
entra na aula de física com conhecimentos empíricos já constituídos: não se trata, portanto, de adquirir uma cultura experimental, mas sim de mudar de cultura experimental, de derrubar os obstáculos já sedimentados pela vida cotidiana. Um exemplo: o equilíbrio dos corpos flutuantes é objeto de uma intuição habitual que é um amontoado de erros.”(1996: 23).
Para tanto Bachelard propõe que seja provocada uma catarse Intelectual e afetiva, para que
então seja posta em movimento a cultura científica, promovendo a substituição do conhecimento
fechado e estático, por um conhecimento aberto e dinâmico. “Oferecer enfim, razões para a razão
evoluir.”(1996: 24).
Diante desse quadro:
“É preciso também inquietar a razão e desfazer os hábitos do conhecimento objetivo. Deve ser aliás, a prática pedagógica constante.”(1996: 304).
A inquietação, da qual nos fala Bachelard, impulsiona o indivíduo a querer uma pesquisa
cada vez mais acurada, sem aceitar verdades prontas, mas pronto a querer desvendar a verdade,
retificar a última certeza que se mostrou frágil, aguçada para o conjunto de dúvidas que suscitam as
verdades embaladas em manuais muito bem feitinhos, de capa bonita e boa escrita.
“Eis, portanto, a tese filosófica que vamos sustentar: o espírito científico deve formar-se contra a Natureza, contra o que é, em nós e fora de nós, o impulso e a informação da Natureza, contra o arrebatamento natural, contra o fato colorido e corriqueiro. O espírito científico deve formar-se enquanto se reforma.”(1996: 29).
Enfim, o obstáculo pedagógico inviabiliza a descoberta científica por não se dar conta da
bagagem cultural do aluno, que na maioria das vezes reflete um conjunto de preconceitos, que não
serão sanados em aula, mas só com um processo catártico que o faça perceber que o conhecimento
tem que ser posto em dúvida a todo momento, visto que o espírito científico deve formar-se
enquanto se reforma.
O encontro
A Filosofia Clinica aplicada a educação, em seu encontro com Gaston Bachelard, percebe-se
instigada a continuar no processo de intensa pesquisa, indagando em que consiste a arte de ensinar?
O que aprender? Quem ensina e quem aprende? Como promover o espírito científico, disposto a
novas descobertas? Portanto, a educação não se encontra determinada em sua orientação
pedagógica, mas provocada em sua prática docente e discente, ou discente e docente: é o que se
apreende desse encontro.
Bibliografia:
AIUB, Mônica. Para entender Filosofia Clínica: o apaixonante exercício do filosofar. Rio
de Janeiro: WAK, 2004.
_____. Filosofia Clínica e Educação: A atuação do Filósofo no cotidiano escolar. Rio de
Janeiro: WAK, 2005.
BACHELARD, Gaston. Ensaio sobre o conhecimento aproximado. Rio de Janeiro:
Contraponto, 2004.
_____. A Formação do espírito científico. 1ª ed. Rio de Janeiro. Contraponto,.. 1996.