filho da pub no jornal expresso - cartazes autárquicas 2013

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OS POLÍTICOS podem ser filhos de muita coisa mas filhos da pub é que não são de certeza. Salvo rarís- simas exceções, não há memória de uma campanha decente em Portugal. Do ponto de vista da co- municação, entenda-se. Todos os anos, como ex-publi- citário, mas, acima de tudo, como eleitor, faço figas para que apare- ça alguma que me surpreenda. “Es- te ano é que é!” (expressão tam- bém muito utilizada por mim en- quanto sportinguista). Mas não, mal colocaram os primeiros carta- zes, vi logo que ainda não era este ano (quanto ao Sporting mante- nho a esperança, ou não fosse o verde a cor da própria). Mas seria um problema só aqui da zona onde vivo? Foi então que, a convite do Expresso, ence- tei um périplo pelo país em busca da resposta. Uma espécie de volta a Portugal em cartazes. Mário Gil cantava “Pelos ca- minhos de Portugal eu vi tanta coi- sa linda, vi um mundo sem igual.” No meu caso, a música foi outra. Cante comigo: E O PRÉMIO DE MELHOR CARTAZ DAS AUTÁRQUICAS VAI PARA... O Expresso pediu ao autor e apresentador do programa televisivo “Filhos da Pub” para escolher e comentar alguns dos — digamos assim — mais singulares cartazes eleitorais das autárquicas do próximo mês e atribuir-lhes o prémio que considerasse mais adequado. Eis o resultado. TEXTOS DE GONÇALO MORAIS LEITÃO HUMOR 30 REVISTA 24/AGO/13

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Prémios Cartazes Autáquicas 2013

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OS POLÍTICOS podem ser filhos

de muita coisa mas filhos da pub é

que não são de certeza. Salvo rarís-

simas exceções, não há memória

de uma campanha decente em

Portugal. Do ponto de vista da co-

municação, entenda-se.

Todos os anos, como ex-publi-

citário, mas, acima de tudo, como

eleitor, faço figas para que apare-

ça alguma que me surpreenda. “Es-

te ano é que é!” (expressão tam-

bém muito utilizada por mim en-

quanto sportinguista). Mas não,

mal colocaram os primeiros carta-

zes, vi logo que ainda não era este

ano (quanto ao Sporting mante-

nho a esperança, ou não fosse o

verde a cor da própria).

Mas seria um problema só

aqui da zona onde vivo? Foi então

que, a convite do Expresso, ence-

tei um périplo pelo país em busca

da resposta. Uma espécie de volta

a Portugal em cartazes.

Mário Gil cantava “Pelos ca-

minhos de Portugal eu vi tanta coi-

sa linda, vi um mundo sem igual.”

No meu caso, a música foi outra.

Cante comigo:

E O PRÉMIODE MELHORCARTAZ DASAUTÁRQUICASVAI PARA...O Expresso pediu ao autor e apresentador do programa televisivo “Filhos daPub” para escolher e comentar alguns dos — digamos assim — mais singularescartazes eleitorais das autárquicas do próximo mês e atribuir-lhes o prémioque considerasse mais adequado. Eis o resultado. TEXTOS DE GONÇALO MORAIS LEITÃO

HUMOR

30

REVISTA 24/AGO/13

OS POLÍTICOS podem ser filhos

de muita coisa mas filhos da pub é

que não são de certeza. Salvo rarís-

simas exceções, não há memória

de uma campanha decente em

Portugal. Do ponto de vista da co-

municação, entenda-se.

Todos os anos, como ex-publi-

citário, mas, acima de tudo, como

eleitor, faço figas para que apare-

ça alguma que me surpreenda. “Es-

te ano é que é!” (expressão tam-

bém muito utilizada por mim en-

quanto sportinguista). Mas não,

mal colocaram os primeiros carta-

zes, vi logo que ainda não era este

ano (quanto ao Sporting mante-

nho a esperança, ou não fosse o

verde a cor da própria).

Mas seria um problema só

aqui da zona onde vivo? Foi então

que, a convite do Expresso, ence-

tei um périplo pelo país em busca

da resposta. Uma espécie de volta

a Portugal em cartazes.

Mário Gil cantava “Pelos ca-

minhos de Portugal eu vi tanta coi-

sa linda, vi um mundo sem igual.”

No meu caso, a música foi outra.

Cante comigo:

E O PRÉMIODE MELHORCARTAZ DASAUTÁRQUICASVAI PARA...O Expresso pediu ao autor e apresentador do programa televisivo “Filhos daPub” para escolher e comentar alguns dos — digamos assim — mais singularescartazes eleitorais das autárquicas do próximo mês e atribuir-lhes o prémioque considerasse mais adequado. Eis o resultado. TEXTOS DE GONÇALO MORAIS LEITÃO

HUMOR

30

REVISTA 24/AGO/13

Pelos caminhos de Portugal

eu vi muita coisa feia

vi cartazes sem igual.

Eu vi Estoril,

Eu vi Sintra, eu vi Cascais,

Da Batalha eu fui a Vagos

Onde a banalidade impera

mais.

Em Trás-os-Montes

Com carinho eu fui

a Bragança

Mas quando lá cheguei

Perdi logo a esperança.

Eu vi sedes

Vi muitas fachadas

Onde os políticos mostram

Campanhas muito

pouco amanhadas

Eu vi o sul

Eu vi o norte, eu vi de tudo

Eu vi cartazes

De ficar completamente

mudo

E aos melhores (ou piores,

depende do ponto de vista)

decidi atribuir um prémio.

Porquê? Porque eu sou

um Filho da Pub.

FO

TO

MO

NT

AG

EM

GONÇALO MORAISLEITÃO, AUTORDO PROGRAMA “FI-LHOS DA PUB”,DA SIC RADICAL

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REVISTA 24/AGO/13

EM PUBLICIDADE, quando alguém copia

uma ideia utilizada noutro anúncio

(geralmente de outro país, para ter

menos hipóteses de ser apanhado)

costuma usar-se a palavra “picar”. E

quando os criativos são apanhados

dizem sempre que não “picaram”, que é

coincidência haver um anúncio igualzi-

nho ao seu. Normalmente, rematam

com uma expressão estrangeira, dizen-

do: “Great minds think alike.”

Mas não se rouba — desculpe: “pica” —

só outros anúncios. Também se vai

buscar ideias a outras áreas. À política,

por exemplo. Há poucos anos, uma

conhecida marca de distribuição em

Portugal “picou” uma conhecida campa-

nha política do Brasil. E mais não digo.

Sim, estou a armar-me em Octávio

Machado, que passa a vida a dizer: “Se

eu falasse isto vinha tudo abaixo.”

Falando agora do cartaz da Figueira, o

“picanço” do “Prà Frente Portugal” de

Freitas do Amaral em 1986 é tão gritan-

te que deve ser de propósito, pois tam-

bém estamos a falar de uma aliança

democrática a apoiar o candidato. Sendo

assim, a pergunta que se impõe é se o

Miguel Almeida também irá vestir um

loden verde.

PRÉMIO “FREITASDO AMARAL 86”

FIGUEIRA DA FOZ

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REVISTA 24/AGO/13

PRÉMIO “ENTÃO PODIACOMEÇAR PELO CARTAZ”

“CONTINUAR A FAZER” o quê?

Atenção que há muita coisa que

foi feita no passado que dá

prisão. Mas Paulo Vistas não

anda a dormir. À fraude fiscal e

abuso de poder do antecessor

responde com um azul muito

clarinho no topo do cartaz que

significa... serenidade. À corrup-

ção passiva para ato ilícito e

branqueamento de capitais

responde com um fundo branco

que significa... pureza e limpeza.

À perda de mandato autárquico

responde com letras a verde

que significa... liberdade.

E para rematar escreve “Isaltino

Oeiras mais à frente” numa

barra amarela que significa...

felicidade, luz, verão. Tudo

coisas que não há na prisão.

Mauzinho!

OH, CUSTÓDIO, não é que o teu cartaz seja

muito mau (como o do fadista em Sin-

tra), mas também não é bom (como o

do... o do... assim de repente não estou a

ver nenhum exemplo). É o chamado

cartaz certinho, que tem poucos elemen-

tos (como mandam as regras da eficácia)

e até estão bem arrumados (como man-

dam as regras do bom gosto). Só que isso

é condição necessária mas não suficien-

te, pois tem muita coisa que leva um

insuficiente. E agora, Custódio, vou dar

uma de Paulo Portas, que gosta tanto de

enumerar.

1) A mensagem é muito vaga, pondo

Famalicão ao nível de Vagos (vide pré-

mio “Mais Vago era Impossível”);

2) A escolha de letras brancas sobre

fundo azul claro não é lá muito feliz. A

mensagem que, per si (um pouco de

latim fica sempre bem num artigo do

Expresso), é fraca de conteúdo, fica,

assim, igualmente fraca na forma;

3) A tua expressão está ao nível de um

António Cordeiro. Medo. Nada que um

sorriso não resolva.

Como vês, Custódio, tens razão, há que

fazer melhor. E podes começar pelo

cartaz.

PRÉMIO “PRESOAO PASSADO”

OEIRAS

FAMALICÃO

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REVISTA 24/AGO/13

PRÉMIO “AI QUE SOFRIMENTO”(VÁLIDO PARA A CARA DO CANDIDATO E PARA A CARADE QUEM VÊ O CARTAZ)

DIZ O MIC que “O importante são as

pessoas”. Cliché, mas concordo. O que já

não concordo é terem levado o cartaz à

máquina. Desbotou. Se calhar não esco-

lheram o programa certo. Já para não

falar da cara do senhor do meio. Está

verde e sofredora. Sofre do quê, meu

caro João Teodoro Miguel? Nervos?

Cólicas? Não gosta do cartaz mas não

teve coragem de dizer? Pois devia ter

dito. Não é tão mau como o do seu colega

da Nova Democracia em Sintra, mas para

lá caminha. O nome do movimento do

tamanho do cartaz, o logótipo do tama-

nho da sua colega e a mensagem princi-

pal perdida do lado direito são tudo erros

de palmatória.

Por falar nessa frase, o importante num

cartaz (político ou não) não são as pes-

soas, é a arrumação e o equilíbrio entre

os elementos. Aliviado?

HÁ 52 ANOS, perto de Santo Tirso...

Mãe — Amor, estive a pensar e gostava

que o nosso rebento se chamasse... Alírio.

Pai — Alírio?!?!

Mãe — Sim, Alírio. Foi um nome de que

sempre gostei. E, além disso, estive a ver

na internet, significa ousadia, espírito

competitivo, força de vontade e originali-

dade.

Pai — Lá original, é.

(Pausa)

Pai — Olha lá, nós estamos em 1961. Não

há internet.

Mãe — Eu disse internet? Nem sei o que é

isso. Deve ter sido erro de quem escreveu

este texto.

(Pausa)

Pai — E se ele quiser ser político?

Mãe — Quem? A pessoa que escreveu

este texto?

Pai — Não! O nosso filho.

Mãe — O que é que tem de mal?

Pai — Tem que ninguém vota numa

pessoa chamada Alírio Canceles.

Mãe — Então, faz-se um cartaz cheio de

cores, ondas e degradés. Assim, as pessoas

já não reparam no nome.

PRÉMIO “COMO ÉQUE TE CHAMAS?!”

SANTO TIRSO

RIO MAIOR

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REVISTA 24/AGO/13

MEDO, MUITO MEDO. Foi a primeira

sensação que tive quando vi este cartaz.

Mas o medo (vá: pavor) não foi pelo

cartaz propriamente dito. Esse, está

certinho e é igual a tantos outros.

Aquilo que me causou pavor (vá: ter-

ror) foi a fotografia do candidato. E não

estou a falar da forma, da técnica como

a fotografia foi tirada. Essa também

está certinha e igual a tantas outras.

Aquilo que me causou terror (vá: que

me provocou incontinência urinária)

foi a expressão do candidato. Ou a falta

dela. O olhar, a boca, a barba. É tudo de

fugir.

E tudo se resolvia com uma pequena

coisa. Uma coisa que está na cara o que

é. Já adivinhou? É isso, um sorriso. Não

é um líder que falta a Cascais, é um

sorriso que falta a Cordeiro.

PRÉMIO “SE NÃO COMESA SOPA TODA CHAMOO JOÃO CORDEIRO”

CASCAIS

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REVISTA 24/AGO/13

VERDE, AZUL E VERMELHO são as cores

mais usadas em cartazes políticos. O

verde para transmitir esperança, vitalida-

de e liberdade (ver prémio “Preso ao

Passado”). O azul para transmitir tranqui-

lidade, serenidade e harmonia. E o

vermelho para transmitir energia e

paixão. Seria então natural que Vasco

Cunha, do Cartaxo, que diz ter “Paixão

pela nossa terra”, utilizasse essa cor. Mas

não, Vasco atirou-se para fora de pé.

Decidiu misturar 70% de tranquilidade,

serenidade e harmonia (leia-se azul)

com 30% de energia e paixão (leia-se

vermelho). Resultado: um cartaz triste,

pálido, sem energia, com pouca leitura.

E isso passa para a cara do candidato,

que aparece deslavada, mortiça e sem a

paixão que diz ter.

“Ah. Mas isso foi cunha da minha senho-

ra”. É para aprender a não dar ouvidos a

Cunhas.

PRÉMIO “A ESCOLHADO LILÁS FOI CUNHADA MINHA SENHORA”

CARTAXO

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REVISTA 24/AGO/13

PRÉMIO “MAIS VAGOERA IMPOSSÍVEL”

FÁBRICAS, carros, lixeiras,

aviões, cartazes do Nuno da

Câmara Pereira. Em termos

de fazer mal ao ambiente,

está tudo ao mesmo nível. A

Quercus devia interpor uma

providência cautelar para

acabar com esta poluição

visual provocada pela Nova

Democracia em Sintra. E

deveria juntar-se à Prevenção

Rodoviária Portuguesa para

os cartazes serem retirados

do IC19. Aquilo é um perigo.

Ou melhor, são vários peri-

gos, porque o PND não se

limitou a pôr só um, pôs

vários. Todos diferentes,

todos maus. É o que dá po-

rem um fadista a brincar

com o Powerpoint. Proponho

mudarem o significado de

PND. Em vez de Partido Nova

Democracia, poderia passar a

chamar-se Powerpoint Não

Disponível. O ambiente

agradecia. E assim já não

teríamos na mesma campa-

nha do mesmo candidato não

sei quantos tipos e tamanhos

de letras, várias cores, baten-

tes foleiros, imagens a entrar

de diferentes formas, o uso

de pontos de exclamação, etc.

Provavelmente só não nos

safaríamos de trocadilhos do

nível de “Sintra a diferença!”

Ah, fadistra! R

DESDE QUE PARTI para esta dura jornada

que ia com uma certeza: atribuir um

prémio a um cartaz que simbolizasse o

grande mal de que padecem 99% das

mensagens políticas. Seja para legislati-

vas, europeias ou autárquicas e indepen-

dentemente da forma como são embru-

lhadas (geralmente mal, vide prémio

“Dedica-te ao fado”), a esmagadora

maioria são mensagens que não acres-

centam nada, são vazias de conteúdo,

repletas de banalidades.

“Pela nossa terra”, “Consigo é possível”,

“A força de todos”, “Vale a pena”, “Perto

de si”. Tudo muito vago.

Foi então que me deparei com o expoen-

te máximo deste problema. Foi em

Vagos, a capital dos cartazes com o

mesmo nome. Além de dizer a muito

concreta mensagem “Mais por Vagos”, é

reincidente e diz “honestidade e novas

ideias”.

Uma ideia: concretizem. Muito vago?

PRÉMIO “DEDICA-TEAO FADO”

SINTRA

VAGOS

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REVISTA 24/AGO/13