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O fichamento tem como objetivo a síntese do capitulo de base para o seminário de
Sociologia, de tema: Desigualdade e pobreza social no Brasil.
O texto foi retirado do capítulo IV do livro: “Viver por um fio: Pobreza e política
social”; já o título do capítulo é “O Enigma Brasileiro da questão social: A reprodução
das desigualdades sociais”
Dividido em 7 Subcapítulos, sendo a primeira uma contextualização do capitulo
e sua intenção, o primeiro subcapitulo na página 111 de nome “Os homens Livres:
os ‘inadaptos’, ‘indolentes’ e ‘vadios’ da ideologia colonial”; o segundo na página 117
“O Trabalho livre no final do Século XIX: novas institucionalidades, a abolição da
escravatura e a proclamação da República”; o terceiro na página 124 “A
modernização periférica: o projeto nacional desenvolvimentista e a constituição do
mercado de trabalho urbano-industrial”; a quarta subdivisão na página 125 “A teoria
da modernização da CEPAL e a Noção de marginalidade”; a quinta na página 127 “A
crítica às teorias da marginalidade: o debate Sobre o ‘exercito industrial de reserva’
ou ‘massa marginal”; a sexta subdivisão na página 132, de nome “Modernidade e
mercado de trabalho urbano-industrial: efeitos de um debate” e a sétima e última
localizada na página 135, de nome “Tendências das décadas de 1980 e 1990”
O início do capitulo procura contextualizar a questão proposta pelo capitulo IV,
resumindo que “ a questão social, do ponto de vista clássico, refere-se as
contradições e ambiguidades entre os direitos civis e políticos (o princípio da
igualdade) e as formas concretas e desiguais da matriz socioeconômica. ” Dentro do
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cenário brasileiro, a autora expressa que no brasil, a questão é representada na
persistência de um contingente de indivíduos que se reproduz nos limites mínimos
da subsistência e fora das atividades econômicas predominantes, levando a
perpetuar um padrão elevado de desigualdades sociais e de rendas, que deixa e
deixou de fora “um contingente expressivo de trabalhadores empobrecidos” do
benefícios de um crescimento econômico rápido na economia brasileira, aos longos
dos anos de 1930 até os anos de 1980.
As razões dessa iniquidade estão no padrão altamente concentrador de renda
e de poder, garantido por uma herança lusitana de relações políticas e sociais
autoritárias, que radicaliza desde o período colonial, uma oposição entre homens
uteis, os que detêm patrimônio, e os inúteis, os “homens livres” fornecedores de mão
de obra não proprietários.
Explicando que a discussão sobre a exclusão social ressurge nos anos 80,
posta em pauta pelos inúmeros movimentos sociais organizados em torno de um
acesso a cidadania e pleno direitos aos portadores dessa, em um quadro de
transição e democratização, por outro lado, ao fim do século XX, o cenário de
decomposição estrutural da economia brasileira e o desemprego resultado dessa,
alimenta a discussão sobre os processos de pobreza e exclusão social, que retorna
como preocupação central das ciências sociais no Brasil.
Pobreza e exclusão social teria uma articulação e relação, não sendo
sinônimas. A pobreza é um estado de privação e carência a partir de uma
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categorização socioeconômica, já a noção de exclusão social expressa os
processos – social, econômico, político, cultural – qual os indivíduos ou grupos são
desprovidos das condições de participação e reconhecimento, de uma sociedade,
assim, expressa as dificuldades historicamente construídas ao acesso aos direitos
civis, políticos e sociais (ao acesso a cidadania).
Na América Latina e Brasil, acontece a constituição de um amplo mercado de
trabalho informal, a partir dos anos sessenta, permite as famílias em condição de
pobreza uma integração social, apesar em condição de precariedade, fora da
proteção social dos trabalhadores registrados formalmente. Existindo uma dualidade
inerente a sua definição – a existência de uma “inclusão”. Essa constituição desse
mercado informal, do início a uma ampla pesquisa historiográfica acadêmica nos
anos 60 e 70, que busca compreender e criticar a natureza da exclusão social no
Brasil, relacionando as teses da Teoria do Capitalismo Periférico, da “massa
marginal”, das teorias da dependência, e, da crítica às teses dualistas, sobre as
formas especificas e funcionamento de um exército industrial de reserva para a
acumulação capitalista periférica.
Ressurge a discussão sobre as novas formas de apresentação da exclusão
social em vários países, incluído o Brasil, ao longa da década de 90, tendo o
contexto de um desemprego estrutural emergente e precarização do ambiente e
matriz laboral.
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Terminando a introdução e contextualização geral do capitulo a autora
expressa, que o capitulo, busca examinar as formas de produção, deste “excedente”
de “desocupados”, empobrecidos até os anos 90, suas formas de representação ao
longa da história, em quais segmentos da sociedade ele se reproduz, tendo de
intenção o resgate do processo histórico que influenciou a configuração da questão
social no brasil, marcada por desigualdades profundas e formas inclusivas abaixo do
patamar da pobreza. Se trata aqui de uma demarcação das principais inflexões na
formação de uma força de trabalho livre “desocupada” e as tentativas de
encaminhamento e sintetização dessa questão social no cenário atual de
modernização da sociedade brasileira.
No último parágrafo da introdução ela explicita, que a análise será estruturada
em quatro partes: (BRITO, 2008, p. 139)
Os Homens Livres: os “inadaptados”, “indolentes” e “vadios” da ideologia
colonial
Dois fatores indicativos da constituição da massa de homens livres no período
colonial:
1) Resistencia da oligarquia rural à formação da pequena propriedade agrícola
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(i) a primeira apresenta a posição dos “homens livres” no período colonial até fins do século XIX; (ii) a segunda analise os avanços institucionais que acompanharam a formação de uma força de trabalho livre na virada do século XIX (com a abolição da escravatura e a proclamação da Republica) até a era Vargas (anos 30); (iii) a terceira observa a constituição do mercado urbano-industrial e a pespectiva do projeto desenvolvimentista, nas décadas 50-70; (iv) a quarta e ultima parte apresenta algumas tendências da década de 80, marcadas por ampla mobilização da sociedade civil por direitos políticos, civis e sociais, e pelo retorno da discussão da “nova” exclusão social, na década de 90, frente ao desemprengo e a precarização das relações de trabalho, no Brasil.
2) Ideologia colonial desqualificadora dos não-proprietários
A segunda, era a associação à imagem do “homem livre”, não-proprietário, a uma
“incapacidade para o trabalho”, dita como algo intrínseco deles (natural), inato e
resultado de uma escolha para a “preguiça e indolência”, sendo eles produtores da
“desordem”, “ociosos”, e, ditos como efetivamente “incapazes”.
O trabalhador livre não tinha espaço no mercado de trabalho, mercado dominado
pelos usos escravos. Durante a extensão do período escravista, a classe dominante
(oligarquia rural) nunca precisou conhecer as razoes de existência desse vasto
contingente de “desocupados” (desempregados) ou pensar em seus efeitos. Justo o
contrário, o predominante era de criação de leis que transformassem os
“desocupados” que fossem pegos em condição de “vadios” em semiescravos.
Sob um certo ideal “moral” de correção pela disciplina, quando o trabalhador livre
se dispunha a trabalhar na lavoura, era usado o mesmo tratamento dado aos
escravos, usando a disciplina cruel dos feitores para todos.
Trabalhadores tratados como parias, menos que nada, como “coisas”,
incomodas e inválidas, sangue sugas e indolentes, inviabilizados de qualquer tipo de
cidadania – cidadania inexistente, já que faltava o sentimento nacional, a identidade
de povo. O trabalhador livre, não calava ou aceitava o regime de “correção”, para
cura contra a dita “indolência” da sua “inaptidão” para o trabalho. Tendo em frente
duas opções, o trabalho aceitando a disciplina do couro dos feitores ou a procura de
outros pastos e lugares, já que o lugar de suas existências e vivencias era invalidado
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– e o acesso a cidadania inexistente. Tornando-se nômade sua própria terra, em
uma terra farta de espaços vazios, não aproveitados pela oligarquia proprietária
desta mesma terra. (BRITO, 2008)
Para aquele pequeno agricultor de economia de subsistência era formada leis que
tentavam os transformarem semiescravos, chegando a existir verdadeiros códigos
de trabalhos forçados, a exemplo das Leis de Locação de Serviços de 1830, 1837
e 1879. Tendo mecanismos como a escravidão por dividas, sendo o devedor
obrigado a trabalhar forçosamente até dar por suas dividas quitadas, como podemos
ver na lei nº 108, de 11 de outubro de 1837:
Só muito mais tarde a pequena propriedade começou a surgir, surgindo em
resultado de pressão exercida por lutar entre trabalhadores livres e os senhores de
terra, estes procurando impedir o exercício de agricultura de subsistência por parte
desses grupos de posseiros ou “intrusos”, significava então, que a população
“desocupada” e “preguiçosa” fazia pressão para penetrar os espaços livres e vazios
dos latifúndios.
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Art. 9º O locador, que, sem justa causa, se despedir, ou ausentar antes de completar o
tempo do contracto, será preso onde quer que fôr achado, e não será solto, em quanto não
pagar em dobro tudo quanto dever ao locatario, com abatimento das soldadas vencidas: se
não tiver com que pagar, servirá ao locatario de graça todo o tempo que faltar para o
complemento do contracto. Se tornar a ausentar-se será preso e condemnado na
conformidade do artigo antecedente.
Através da pesquisa bibliográfica, Brito chegou ao Levantamento de 1875 entre
a população dos braços livre, escravos e “desocupados” empregados na lavoura em
seis das principais províncias do Brasil da época – Minas Gerais, Ceará (antes da
seca), Rio de Janeiro, São Paulo, Pernambuco e Bahia – do o índice o total de
empregados na lavoura livres era de 1.434.170; o de escravos era de 650.450; os de
desocupados 2.822.583, sendo a província que mais possuía “desocupados” Minas
Gerais, com 1.032.314 da população. O auge e o declínio do ciclo de mineração em
Minas Gerais, explica esse alto índice de desocupados, tendo sido um período de
rápida e intensa urbanização nas vilas.
Representa uma substituição gradual da mão de obra escrava para a mão de obra
assalariada. Observando-se os números de trabalhadores na lavoura em seu todo, e
de “desocupados”, os números são de 59,24% de desocupados em comparação
com empregados (livres e escravizados) na lavoura, isso é, para cada 10 pessoa, 6
dessas estariam “desocupadas” (sem emprego formal) e 4 estariam em um vínculo
formal de trabalho. Porém, como detalha Brito, o levantamento foi feito apenas nas
províncias “desenvolvidas”, este número certamente seria muito maior se tivesse
levado em conta as outras províncias.
Inúmeras “teorias” procuravam naturalizar as razoes desses “desocupados”, pondo
em justificativa da exclusão social como “inferioridade racial”, fatalismo histórico,
resultado do clima tropical rigoroso, entre várias outras causas ditas “naturais”,
inerentes do ambiente e indivíduos.
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Essas teorias, prevalecem até a década de 1930, sendo apenas formalmente
destruídas no pós-guerra e com o processo global de descolonização.
Linhas Abissais no Brasil Colonial do Século XIX
Observando as distinções explicitadas por Brito sobre as distinções ideológicas e
jurídicas que excluíam e produziam os chamados “desocupados” do uso fruto da
terra, do trabalho, chegando a ter a classificação de que os motivos de tal exclusão
eram de ordem “biológica” e “natural”, invalidando as vivencias que estes possuíam,
chego à conclusão que estas eram as linhas abissais das sociedades coloniais
brasileiras da época.
Primeiramente, o que seriam as linhas abissais, seus elementos e
distinções¿ Esse conceito é trabalhado por Boaventura de Souza Santos no livro
Epistemologias do Sul de 2008, logo no primeiro capítulo que fundamenta a razão
dos capítulos seguintes, estes escritos por diversos autores em parceria com Souza
Santos. As linhas abissais ou pensamento abissal são um sistema de distinções
(linhas) visíveis e invisíveis, sendo que as invisíveis fundamentam a existência das
visíveis. As invisíveis são uma separação radical global em dois universos distintos:
o universo “deste lado da linha” e o “do outro lado da linha”, tão profundas, que o
“outro lado da linha” desaparece e é invalidado como uma realidade relevante,
sendo o mesmo produzido para isso. Todos os saberes, vivencias, culturas e
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pessoas é excluído, tornado irrelevante ao ser posto fora do universo do conceito e
definição aceita de pessoa ‘deste lado da linha’. Impossibilitando a co-presença dos
dois lados da linha.
Santos (p. 32) caracteriza a modernidade ocidental como sendo fundada em
um uma tensão entre a tensão e regulação e a emancipação social, sendo este uma
distinção visível que alimenta todos os conflitos modernos. Mais à frente a distinção
abissal invisível é a distinção entre sociedades metropolitanas e os territórios
coloniais, detalha que “ (…) a dicotomia regulação-emancipação apenas se aplica a
sociedades metropolitanas. Seria impensável aplica-la aos territórios coloniais. “, nos
territórios coloniais outra dicotomia é aplicada, a da apropriação-violência.
O conhecimento e o direito moderno, seriam as manifestações do pensamento
abissal, que fundam as duas principais linhas abissais globais dos tempos
modernos, que são distintas e operam diferenciadamente, porém mutuamente
interdependentes. No que diz respeito a ciência moderna, esta recebe a concessão
de um monopólio da distinção universal entre o verdadeiro e o falso, classificando
conhecimentos alternativos – até mesmo da filosofia e teologia – como falsos, não-
científicos, inválidos, negando a validade de verdades possíveis que poderiam
reclamar um estatuto superior, pelo fato de que essas verdades não se formarem
como explicitas a partir de um método cientifico – método este, que é construído e
ensinado nas universidades das sociedades metropolitanas.
No direito moderno, este lado da linha é definido pelo o que é legal ou ilegal, sendo
as duas únicas formas de existência perante a lei, sendo assim uma distinção entre
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ambos, uma distinção universal. Dicotomia que deixa de fora, todo um território,
onde a aplicação dela como um princípio organizador é impensável, neste território é
o do sem lei, fora da lei, do a-legal, sendo a linha abissal invisível do direito,
separando o domínio do não-direito, fundamenta a dicotomia visível entre o legal e
ilegal, que organiza o domínio do direito (e sociedade) deste lado da linha (SANTOS,
2008, p. 34).
Nestes dois grandes domínios, as divisões são abissais, pois eliminam e
excluem as realidades que se encontram do outro lado da linha, uma negação e
descarte radical das existências e experiências do outro lado da linha, tornadas
invisíveis e sem validade. Existindo uma localização territorial exata, essa
localização era a da zona colonial. Separando o Novo Mundo do velho Mundo,
através, primeiramente, do Tratado de Tordesilhas, porém as verdadeiras e
distintamente visíveis linhas abissais, surgem no século XVI com as Linhas de
Amizade.
“Para além do Equador não há pecados”, máxima popular da época, de fato tudo
que não podia ser pensando pelo paradigma regulação-emancipação, do verdadeiro
e do falso, do legal e ilegal, acontecia na zona colonial, deste ponto de vista, a linha
abissal do direito moderno, precede a da ciência.
O objetivo, na época era o acerca da deliberação – de recursos e terras – do outro
lado da linha, do Novo Mundo, e não na ordenação interna da zona colonial, aqui era
o lugar não da Sociedade Civil, mas sim do Estado de Natureza.
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O esforço era o de anular, tornar irrelevantes todas as experiências existentes nas
colônias, entre essas colônias, a de Portugal, ampla margem de terra tornada sua
por “direito”, que mais tarde vem a se tornar Brasil. Entre os métodos utilizados,
estavam o uso – a apropriação e violência epistemológica dos colonizadores – de
habitantes locais como guias, uso de cerimonias e mitos locais como instrumento de
conversão, pilhagem de conhecimentos indígenas sobre a biodiversidade local, a
violência se dava pela proibição do uso das línguas dos indígenas, adoção forçada
de nomes cristãos, conversão e destruição dos símbolos e locais de culto, além de
toda forma de descriminação e exclusão cultural e racial.
Na esfera do direito, a tensão entre apropriação e violência é ainda mais
complexa, tendo o intuito da maior extração de valor possível: tráfico de escravos e
trabalho forçado, uso manipulador do direito de das autoridades tradicionais através
do governo indireto, pilhagem, tratados desiguais, guerras e genocídio de tribos
indígenas, apartheid, etc (SANTOS, 2008, p.38). Sendo que a lógica da regulação-
emancipação - usada nas sociedades metropolitanas europeias da época – fazia um
uso jurídico e societal da distinção entre direito das pessoas e direito das coisas, a
lógica da apropriação-violência, utilizada na zona colonial, reconhecia apenas o
direito das coisas, humanas ou não.
A utilização manipuladora do direito, por parte da oligarquia brasileira do século
XIX, era abissal pois, este era usado para negar o uso e direito a terras, ao trabalho
digno, ao insistente uso de trabalho escravo, assim como tentativa de tornar os
trabalhadores livres semiescravos. No âmbito do conhecimento o pensamento
abissal estava no uso de “teorias” que buscavam naturalizar a exploração de
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escravos, a exploração e exclusão social dos trabalhadores livres, seu
etiquetamento social como “indolentes”, “vadios”, “preguiçosos”, etc.
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