ficha técnica · 2017. 5. 15. · Índice de autores mariana almeida – 12º l ... as capacidades...
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Ficha técnica
Organização Lídia Teixeira
Teresa Saborida
Autoria Mariana Almeida – 12º L; Mariana Maurício Vieira– 12º A; Joana Rato – 12º L; Bhavini Vassaramo – 10º N; Marta Sanches – 11º K
Edição Escola Secundária de Camões
11ª edição abril 2016
Disponível em http://www.escamoes.pt/ebook/#%21/page_SOLUTIONS
Copyright Escola Secundária de Camões
Capa Lino Neves
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Índice
Ficha técnica ....................................................................................................... i
Índice ................................................................................................................... ii
Índice de Autores ............................................................................................... iii
Nota Introdutória ................................................................................................. 1
1º Prémio ............................................................................................................ 2
O Passageiro ...................................................................................................... 2
2º Prémio ............................................................................................................ 5
À distância de uma ponte ................................................................................... 5
3º Prémio .......................................................................................................... 10
Ser-se tudo, sendo nada .................................................................................. 10
A viagem ao futuro ........................................................................................... 13
A viagem a Sydney .......................................................................................... 18
Por vastas Terras ............................................................................................. 23
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Índice de Autores
Mariana Almeida – 12º L .................................................................................... 2
Mariana Maurício Vieira - 12º A .......................................................................... 5
Joana Rato – 12º L ........................................................................................... 10
Bhavini Vassaramo - 10º N .............................................................................. 13
Bhavini Vassaramo – 10º N .............................................................................. 18
Marta Sanches – 11º K ..................................................................................... 23
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Nota Introdutória
Esta 11ª edição do Concurso Literário Camões vem mais uma vez provar que a
escola tem cumprido um dos seus objetivos, o de estimular, juntos dos alunos,
as capacidades criativas de leitura e de escrita.
Nesta edição a participação foi menor em quantidade mas melhor em
qualidade, cientes de que o desafio não era fácil – Mudam-se os tempos,
movem-se as pontes. Por isso o resultado final, materializado neste pequeno
livro e em e-book, é positivo e fica lançada a ponte para futuras edições deste
concurso literário que envolve a nossa comunidade escolar.
A todos os seus autores, por igual, a nossa gratidão. Sentimento que tornamos
extensivo a quantos, formal ou informalmente, colaboraram e tornaram possível
esta iniciativa.
Lídia Teixeira
Teresa Saborida
A comissão organizadora
(abril 2016)
_______________________________
Nesta coletânea são reproduzidos todos os textos apresentados a concurso e considerados válidos pelos júris – em primeiro lugar, os textos premiados e, em seguida, os restantes, ordenados por ordem alfabética do nome dos seus autores.
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1º Prémio
O Passageiro
Mariana Almeida – 12º L
Como todas as manhãs o fizera, hoje voltava a passar a ponte. Todos os
dias tinha de percorrer aquele longo e enfadonho caminho para chegar ao
outro lado. Costumava ir sozinho mas sempre na companhia de um bom livro.
Considerava-os melhor companhia que muitas pessoas que por vezes faziam
questão de o acompanhar a qualquer lado. Ele fugia, pelo menos fazia todo o
esforço que conseguisse para evitar esses momentos constrangedores. Não
sabia o que havia de falar, não tinha nada para dizer. Mas os outros, esses
tinham sempre muito que conversar. Era nesses momentos que agradecia por
todo o caminho que tinha de percorrer todas as manhãs. Mal entra no comboio
é como se entrasse na sua bolha, encontrando a paz que procura. Senta-se
abre a página marcada e é levado para outro lugar. Ali, conhece outras
pessoas, vive outras coisas e passa outras pontes percorrendo outros
caminhos. Tudo é diferente e ora aí está. É isso que o faz adorar os seus livros.
Passa o caminho todo concentrado, mal pisca os olhos e nunca os tira de cima
daquelas páginas. Mas hoje, algo se passava.
Como todos os dias, saiu de casa, caminhou cerca de oito minutos até à
estação, chegou às 11h41 com quatro minutos de espera até à chegada do
comboio. Entrou na segunda carruagem, subiu até ao andar de cima e sentou-
se na terceira fila do seu lado direito junto à janela. Para sua surpresa o lugar
estava ocupado. No último ano e meio em que percorrera aquele caminho e se
sentara naquele preciso lugar nunca se tinha deparado com uma situação
destas. Mas o lugar não estava ocupado por uma pessoa qualquer. No seu
lugar estava sentada uma jovem nos seus vinte anos, aproximadamente a
mesma idade que ele. Toda ela estava também levada pelo livro que carregava
ao colo. E as mãos que o folheavam, que bonitas mãos. Dedos compridos,
claros e delicados. Uma pele graciosa e suave. Tentava-lhe ver os olhos, mas
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estes caiam sobre as folhas que segurava e estavam tapados pelo cabelo que
caía, igualmente, perfeitamente, sobre o livro e sobre ela. Todo o seu corpo
caía na obra, estava a ser levada, tal como ele o era todos os dias naquele
mesmo lugar. Mas hoje estava de pé, petrificado perante aquele espectáculo.
Não sabia o que dizer ou fazer. Será que lhe fala ou diz para sair; que aquele é
o seu lugar? Não será demasiado indiscreto? Talvez o melhor será mesmo
sentar-se no lugar da frente e não incomodar a rapariga naquele momento tão
solene. Mas já era demasiado tarde, mergulhado nos seus pensamentos,
quando deu conta já estava ela pasmada a olhar para a sua figura atrapalhada.
- Quer-se sentar? Sente-se bem?
- - Não, desculpe, estava só baralhado. Não se preocupe, eu sento-me
aqui no lugar da frente.
A rapariga sorriu-lhe como resposta. Estava perturbado com aquela
conversa. Sentia que tinha desgastado todas as suas energias para lhe
conseguir responder.
Estava instalado no lugar da frente ao seu que tão pouco lhe agradava,
mas, por alguma súbita razão, por ela tudo seria capaz de fazer. Até abdicar do
seu recanto de sossego. Tirou o livro e pôs-se, finalmente, em condições de se
deixar levar. Percorreu as primeiras linhas, embalado pelo caminhar do
comboio, mas algo se passava. Esforçava-se para se concentrar e deixar o dia-
a-dia acontecer, mas por algum motivo não era capaz de penetrar na história
como tantas vezes fizera. Olhava para a frente e lá estava ela, mas ao
contrário dele, esta não parecia perturbada com a sua presença. Continuava
concentrada e angelical no seu espectro. Isto de alguma maneira mexia com
ele, mesmo assim tentava prosseguir com a leitura. Estava atento a todos os
seus movimentos, reações ou respirações, através das quais a tentava
compreender, ou até conhecer. Notava que por vezes a sua respiração
acelerava e ficava mais intensa. Parecia ser sensível, até aos mais recônditos
pormenores, o que lhe dava ainda mais vontade de a proteger. Pensava nestas
coisas mas ao mesmo tempo achava toda esta situação completamente
desprovida de sentido. Sentia que era uma perda de tempo que poderia estar a
usufruir de algo muito mais útil como era a sua leitura, mas acabava por ser
incontornável. E irreversível até. Queria conversar com ela. Nunca pensara que
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alguma vez fosse querer uma coisa destas. Saber o que a motiva a acordar
todos os dias e o que a inspira. Isto olhando para ela, agora que a podia ver
diretamente sem qualquer obstáculo.
Aos poucos ela começava a aperceber-se dele. Sorria ao reparar no seu ar
atrapalhado. Ele pensava-se discreto, mas na verdade deixava passar tudo
aquilo que lhe passasse pela cabeça. Ela também lhe achava piada.
Sobretudo, reparou nas covas nas suas bochechas quando tentava sorrir.
Adorável, pensava ela.
Deste modo, ambos iam sentados frente a frente enquanto percorriam o
caminho até à outra margem. Cada qual em seu hemisfério, de vez em quando,
dava uma escapadela para atentar ao que se passava em frente. Nenhum
deles sabia o que significava exatamente tudo isto, apenas se deixavam levar
pelo ambiente que daí se gerasse. Ambiente esse que, na verdade, acabaria
por não se gerar, pensava ele, sendo que daí a algumas estações ela viria a
sair e ele ficaria, finalmente, com o seu lugar por ocupar. E assim, nunca mais
se voltariam a ver.
Efetivamente, foi o que aconteceu. Aquilo que parecia ser uma loucura, um
sentimento estonteante e tão espontâneo acabara por ser efémero. Chegou ao
fim.
Assim, passara a ponte e chegara, finalmente, ao seu destino. Assim, uma
vez mais, não se mudaram os tempos e a ponte manteve-se no seu respetivo
lugar.
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2º Prémio
À distância de uma ponte
Mariana Maurício Vieira - 12º A
Lisboa estava a mudar. Cada vez mais os indícios dessa mudança se
tornavam evidentes para os seus habitantes que deixavam de ser tão
homogéneos e tão próximos uns dos outros, uma vez que a cidade se
expandia, tornando-se global, ou seja, o mundo despertara para os seus
encantos, incluindo João.
Como muitos jovens portugueses, João preparava-se para emigrar em
busca de melhores condições de vida e de explorar um mundo que, apesar de
tudo, era diferente do seu. Movido por esta ambição e curiosidade, decidira
partir para um dos centros de uma antiga colónia espanhola, Buenos Aires,
também uma cidade portuária em desenvolvimento e cuja história era marcada
pela emigração. Contudo, estas semelhanças com Lisboa só o fariam sentir
menos saudades, pois Lisboa era única. E, sabendo que partiria sem data de
regresso, optara por despedir-se dela naquele dia.
Começou pelos seus bairros típicos, desde o Castelo de S. Jorge onde
se erguia um castelo construído pelos mouros e onde os becos transportavam
as pessoas para um passado onde não existiam carros largos, apenas rapazes
a brincar no chão; seguiu para Alfama onde à noite se ouvia o fado e desceu na
direção da Catedral da Sé assim como da Igreja de Santo António, santo
padroeiro da cidade com um dia próprio. Sim, certamente sentiria saudades da
madrugada que antecedia este dia, quando a cidade não dormia, estava
envolta numa névoa de fumo com cheiro a sardinhas e via os representantes
dos seus recantos desfilarem na sua mais importante avenida.
Continuou a descida para a baixa pombalina, o coração da cidade,
sempre atento aos pequenos pormenores da calçada, das janelas floridas dos
prédios e dos lisboetas. Mesmo estando rodeado de turistas com mapas e
máquinas fotográficas, conseguia identificar um ou outro português pelo meio
empenhado em desviar-se das multidões rapidamente, " Há meses atrás teria
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feito o mesmo", pensou, " mas agora que a partida se avizinha, todos os
momentos em casa parecem poucos. Reparo em detalhes pela primeira vez e
quero muito guardá-los na minha memória" e, desta forma, ia caminhando,
nostálgico, revivendo a Lisboa da sua infância e imaginando a Lisboa do seu
regresso, se regressasse, talvez já nem a reconhecesse...
Via os famosos elétricos, ouvia diversos idiomas, escorregava nas
pedras dos passeios e, à medida que se aproximava das principais ruas da
baixa, a agitação aumentava, o arrastar de cadeiras nas esplanadas e a visão
dos artistas de rua a viverem uma pitada dos seus sonhos. Ali, o comércio
reinava tal como acontecera durante séculos de História da capital europeia
mais ocidental, mas o que mudara?
A Lisboa de outrora era habitada por um comerciante de nome Afonso,
forte, inteligente e curioso, o típico português de finais do século XV, que um
dia foi acusado de roubo.
Aproveitando a consequente falta de clientes, decidiu satisfazer a
curiosidade que os breves relatos que circulavam nas bocas do povo
suscitaram em si, fazendo parte da tripulação que partiria com destino à Índia,
comandada por Pedro Álvares Cabral. Como seriam aquelas terras exóticas,
ricas e longínquas? Como seriam os seus habitantes? Desejava responder a
estas perguntas vendo o Oriente com os seus próprios olhos, pelo que movido
pela ambição de propagar a fé cristã, trazer alguma riqueza, ultrapassar a
barreira do medo imposta pelo mar e escrever o seu nome na História de
Portugal (algo lhe dizia que aquela viagem seria épica) e pela curiosidade de
desvendar um mundo ao qual não tinha acesso ilimitado, voluntariou-se e foi
aceite. Semanas depois, despedia-se da mãe e da noiva, sem saber a data do
seu regresso, se regressasse, porém, sorrindo como qualquer ser humano
conquistador.
Nas ruas desenhadas pós-1755, João observava a multidão que ora
atravessava ora entrava apressadamente nas lojas e que ou espreitava pelas
montras das pastelarias ou imortalizava momentos para partilhar com o resto
do mundo. Na verdade, preocupavam-se tanto em parar o tempo que não o
aproveitavam, no entanto ele não tirou fotografias naquele dia nem utilizou
outras pontes que o levassem para longe, dado que a sua vontade era estar
completamente em Lisboa. Queria lembrar-se dos cheiros tão apetecíveis
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vindos da comida tradicional e das vozes que traduziam simples conversas de
uma maneira por si entendida, além de tudo o resto oferecido por Lisboa.
Assim, a sua ponte para cada vez que sentisse saudades de casa seria a
memória daquele dia e não uma ou dezenas de fotografias, " Já bastam as
outras tecnologias", pensou. De facto, a sua geração, no momento de navegar
para outros mundos, escolhia sempre uma ponte chamada " Tecnologia" que
era bastante útil, aliás ele utilizara-a no momento de escolher o local para o
qual emigraria, além de que cumpria o seu grande propósito, unir dois mundos
separados. A Internet, por exemplo, unia Lisboa e Buenos Aires.
Em 1500, a ponte de uma parte da população de Lisboa para um outro
mundo foi Afonso, após ter navegado no Oceano Atlântico.
Um dia, regressou aos braços da mãe a rir, desejoso de lhe contar as
novidades, apesar da pobre idosa se limitar a chorar pela emoção de ver o filho
novamente, como se a sua chegada fosse um milagre, tendo em conta o que
se dizia nas ruas sobre monstros imbatíveis, tempestades furiosas provocadas
pela ousadia daqueles homens e mau humor das " gentes das Índias". Mais
tarde, diria a toda a gente que o filho contribuíra para a riqueza que chegava do
Brasil, embora nem ela nem a quem ela dizia isso a vissem.
Desde que chegara, Afonso trabalhava como sapateiro na baixa durante
o dia e ao final da tarde sentava-se junto às margens do Tejo, a recordar a
viagem que fizera, até que um dia ao observar o fascínio que aquela vastidão
provocava num grupo de crianças, se dirigiu a elas e lhes disse, " Dá medo ver
as coisas e pensar que elas não têm fim, mas elas têm, tudo tem um princípio e
um fim, até o rio, até o mar. Há algum tempo atrás, descobri o fim do mar
quando vi terra pela primeira vez desde que saíra daqui. Naveguei rumo à Índia
e acabei por descobrir a Terra de Vera Cruz."
Assim começou a rotina de ouvir as histórias de um homem que fazia
parte da história dos que encontraram terras a partir do mar, num recanto da
cidade, sendo seguida por um grupo de pessoas que via em Afonso uma ponte
para o " Novo Mundo".
As suas narrativas começavam sempre da mesma forma, " Em 1500,
1500 homens feitos marinheiros embarcaram em naus e caravelas sob o
comando de Pedro Álvares Cabral com destino à Índia. Seria a segunda vez
que pisávamos esse território e, como tal, queríamos marcar a nossa posição,
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mas o mar quis que déssemos outras voltas antes de lá chegar por isso
colocou-nos muitas dificuldades pelo meio. A tripulação estava sempre cansada
e esfomeada e ao fim de algumas semanas começamos a sentir saudades da
terra. Também somos humanos e não peixes!", após uma pequena interrupção
para risos continuava, " Quando se está longe sente-se falta de tudo...
Sobrevivíamos porque tínhamos objetivos para a viagem e para o regresso. As
tempestades é que nos assustavam muito. Sentíamo-nos pequenos e tínhamos
medo de morrer, mas cuidávamos uns dos outros e os mais inteligentes
explicavam aos outros o porquê de estarmos ali. Às vezes diziam que era para
dar grandeza à coroa portuguesa, outras vezes diziam que estávamos a
competir com os castelhanos e, isto motivava-nos mais", alguns ouvintes
sorriram e outros ainda pensavam no medo do mar, " A viagem foi atribulada e
os mais experientes, quem mexia nos instrumentos, diziam que já nos
tínhamos afastado muito do caminho original, até que vimos algo estranho ao
fundo, era terra!", a emoção crescia paralelamente à curiosidade de saber o
que essa terra reservava, " Emocionados aproximámo-nos, mas saindo dos
barcos percebemos que, tal como previsto, não estávamos na Índia. Vieram ter
connosco os habitantes daquela terra, que andavam nus ou quase nus, tinham
cabelos escuros e compridos e a cor da sua pele era mais escura que a nossa.
Também transportavam um género de paus que deviam ser as suas armas e
não nos compreendiam. Primeiro sentiram-se ameaçados ao verem-nos
chegar, depois o seu olhar mudou, tornou-se terno e curioso. Enquanto
pregávamos uma cruz como marca da nossa passagem, olhavam para nós
curiosos e seguiam todos os nossos movimentos e, também o fizeram durante
a nossa primeira missa em terra. Pareciam interessados e não perigosos. Os
mais «experientes» não viram neles nem na terra grande interesse, mas eu
penso diferente porque vi bem os seus gestos e olhares curiosos." A seguir,
ouviam-se aplausos e perguntas às quais Afonso não respondia, dizendo
apenas, " Amanhã há mais" e, no dia seguinte havia sempre mais, novos
detalhes surgiam, apesar do núcleo da história não mudar. Estas narrativas
faziam o povo sentir que o mar e a terra de Afonso estavam apenas à distância
de uma ponte.
O caminho até ao Chiado pareceu curto ao lisboeta com os sentidos
mais apurados naquele dia. João subiu a Rua Garrett envolto no seu mar de
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gente tão característico e depressa atingiu o Largo do Chiado onde se
encontravam dois poetas homenageados. Reparava na quantidade de pessoas
que tirava uma fotografia com o " poeta fingidor" quando sentiu um toque no
ombro. Um homem alto, louro e bronzeado perguntou-lhe se era português e
depois de receber a confirmação perguntou-lhe quem tinha sido o " homem da
estátua". João explicou-lhe o quanto o génio de Fernando Pessoa havia
marcado a literatura do seu tempo, obtendo como resposta, " Em Lisboa, todos
os cantos têm uma história e os seus habitantes deveriam dedicar-se a contá-
la."
Em suma, João concordava, porém, sabia que a maioria dos habitantes
que tinham aprendido essas histórias estavam a sair, afinal Portugal sempre
fora um país de curiosos e ambiciosos que sonhavam com o além tendo
presente a ideia de que a sua terra-natal ficaria sempre à distância de uma
ponte, fosse ela qual fosse.
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3º Prémio
Ser-se tudo, sendo nada
Joana Rato – 12º L
Bárbara enverga a gabardine que comprara em Paris. O conforto do
tecido traz-lhe boas recordações, dissipa a mágoa e o medo que sente ao
percorrer aquele caminho. Vai ouvir cantar Lisboa.
As constantes paragens, o 'pára-arranca' tão comum, provocado pelo
trânsito infernal que reina naquele lugar, já tão longe de Lisboa, dão-lhe o
descanso de que tanto precisa. Bárbara perdera toda a força, se é que algum
dia a teve, se é que houve vontade nesse seu corpo franzino. Olha agora para
as mãos, entrelaçadas no volante do carro. Brancas. Nuas. Vazias. Era assim
que se sentia. Simplesmente adormecida, sem qualquer âncora que a consiga
puxar para cima depois de tantas correntes a arrastá-la, violentamente, para o
fundo, para o negrume por onde está perdida, entre o nevoeiro e todos os que
largaram as amarras. Já não se conhece. Deu tudo o que tinha até nada
sobrar. Nem alma, nem sorrisos, nem Bárbara. Está hoje despovoada. Já não é
alguém, deixou de o ser, deixou de ser Bárbara para ser ninguém. Custa-lhe
sorrir, custa-lhe a ausência.
Emana um cheiro nauseabundo a gasolina e a borracha gasta, pelo ar
circula um ruído intermitente de buzinas e motores impacientes, mas Bárbara já
não o consegue ouvir. O barulho dos seus pensamentos derruba qualquer
outro som. É um embalo que a acompanha, não, que a guia pela obscuridade.
Santiago, atrás, espreita o rio que se avizinha. A ingenuidade que o menino
carrega. Que injustiça, poder ser-se tão alheio, tão inocente. Que injustiça
Bárbara sentir-se vazia e o filho sentir-se tão cheio. Como será estar-se assim
tão pleno e ao mesmo tempo cheio de nada? Interroga-se, deseja
ardentemente ser como o filho, deseja poder roubar a luz dos olhos pequeninos
para os seus próprios, para que volte a sentir esse ardor de ser feliz Santiago
ri, alheio aos pensamentos da me tenta adivinhar qual das luzes de Alcântara
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será a última a acordar. A dos barcos? O que Santiago não sabe é que há uma
luz que nunca despertará.
Que visão bonita, fileiras de cores esbatidas e pequenas luzes contra um
céu rosado, e enormes pilares luminosos como portões que convidam a entrar.
Santiago ri ao imaginar os rostos dos homens dentro dos carros, enfurecidos
com a lentidão do trânsito de uma madrugada de domingo. Olha o céu. Não
consegue ver as estrelas e isso entristece-o. Sente saudades de falar com a
lua. Observa atentamente as rugas do rosto da mãe, que se vão alinhavando
caoticamente. Escolhe com cuidado os caracóis louros que escorrem sobre o
peito dela, tenta decidir qual o mais bonito, sem chegar a conclusão alguma.
Diria que os olhos vítreos são espelho da alma, se soubesse o que significa a
tristeza. Entende, no entanto, que a mãe já não é a mesma. Adeus, cidade.
Levanta o bracinho e a mão, esta, sim, imaculada, e pousa-a no vidro da
janela. Desenha uma estrela para que se possa sentir mais próximo delas s
estrelas de Santiago são diferentes das estrelas que vemos no céu. Tomam
formas de pessoas porque têm medo de ser esquecidas.
Avançam, lentamente, estão quase lá. Bárbara pensa em voltar para
trás, arrepende-se da decisão de abandonar a cidade onde nasceu. Relembra
os lençóis brancos estendidos nas varandas, consegue ainda vislumbrar um ou
dois que esvoaçam.
Sente que é àquela terra que deve obedecer, mas a vontade de
mudança cresce-lhe no peito. É um nó que se cria, uma constante revolta que
não consegue controlar A cidade chora e Bárbara chora com ela. Sabe de cor
cada esquina de Lisboa como a palma da sua mão que agora comanda um
carro, este que mais tarde ou mais cedo dissipará todas as memórias de uma
vida feliz.
Fora feliz? Não sabe dizer.
Bárbara sente o céu fugir-lhe das mãos. Olha para trás na esperança de
o ver escapar-se, cobiça agarrá-lo como se fosse só seu e trazê-lo para junto
de si. Neste movimento cruza o olhar com Santiago, o pesar das pálpebras
acusando uma noite de vigília. Os olhinhos inexpressivos, um vazio no lugar
onde outrora encontrara a luz. Talvez Santiago soubesse o que é ser-se nada.
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Deseja nunca ter nascido; não teria dado à luz um filho se soubesse o que
sabe hoje. Pobre mãe, esta que nem firmeza tem para educar um rebento, um
ser que por si foi gerado e que saiu de si e que é seu.
Mas Bárbara decide que é agora que vai mudar, é agora que arranja
força para viver. Bárbara retoma o rumo, ultrapassa todos os carros numa
velocidade atroz.
Porém é tarde, é demasiado tarde. Bárbara e Santiago têm já uma nova
vida, por se acharem perto do rio.
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A viagem ao futuro
Bhavini Vassaramo - 10º N
O sol estava a pôr-se, o dia estava a cair, era tempo de darmos boas vindas à noite, e
eu estava em casa a ver televisão.
Era por volta das oito horas da noite e eu estava prestes a ir jantar quando, de
repente, apareceu uma notícia na televisão que falava sobre a invenção de uma
eventual máquina que tinha sido descoberta por investigadores portugueses e que
permitia às pessoas viajarem durante dois dias no futuro. Aquilo que me despertou mais
a atenção foi o facto de eles estarem à procura de voluntários que quisessem
experimentar viajar no futuro, e para tal só precisavam de se inscrever num site da
Internet.
Após ver aquela notícia, comecei a pensar no assunto e, entretanto, durante o jantar
decidi conversar com os meus pais sobre o sucedido. A minha mãe não sabia
inicialmente da notícia mas quando soube a sua posição foi bastante crítica e defendeu
sempre que aquela descoberta nunca se iria realizar. Eu, naquele julgamento, tentei
defender sempre a tese oposta, ou seja, tentei dizer sempre que tudo podia ser possível
desde que a pessoa trabalhasse com suor e alma para concretizar o impossível em
possível. Quanto ao meu pai, já sabia da notícia mas não se deu ao trabalho de
defender uma posição, dizendo que só experimentando viajar nessa máquina é que uma
pessoa podia julgar alguma coisa.
Depois do jantar, voltei ao meu quarto e, pensando melhor no assunto, decidi
inscrever-me na viagem. O site onde eu tinha de me inscrever dizia que apenas seriam
selecionados dez voluntários e que os dados iriam ser revelados no mesmo site após
uma semana, relativamente à data em que a viagem se iria realizar. Outras informações
acerca da viagem iriam ser disponibilizadas daí a alguns dias. A inscrição apenas
poderia ser feita num período de dois dias. Ao ler isto, decidi rapidamente telefonar à
minha melhor amiga, Rita, antes que fosse tarde de mais.
- Olá Rita, sou eu, a Ana!
- Olá! Então, tudo bem?! -interrogou a Ana.
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- Sim! Eu telefonei-te para te falar sobre uma notícia que surgiu na televisão sobre a
máquina que permite viajar no futuro!
- Ah! Eu já vi essa notícia e, de facto, estive a pensar sobre a viagem, mas não sei se
devo ir.
- Após ter pensado bastante, decidi inscrever-me e também te aconselhava a
inscreveres-te o mais cedo possível porque só o podes fazer num período de dois dias,
que começa hoje!
- Boa! Então vou já inscrever-me e depois amanhã telefono-te. Boa Noite!
- Boa noite!
Entretanto, passaram os dois dias, e eu e a Rita estávamos repletas de entusiasmo
para saber se tínhamos ou não sido escolhidas para a tal viagem. Até às dez horas da
manhã ainda não tinha sido publicado nada. E, de repente, quando eram sensivelmente
duas horas da tarde recebi um telefonema da Rita.
- Olá Ana! Já foste consultar o site?
- Não!
- Então vai ver e depois vem até ao café da esquina para falarmos!
Eu fiquei bastante entusiasmada, parecia haver por parte da Rita algo que indicava
que tínhamos sido selecionadas, mas obviamente que só a consulta do site é que me
podia acalmar. Entretanto, rapidamente fui consultar e aquilo que vi foi fantástico! Eu e a
Rita tínhamos sido duas das dez selecionadas, o que era excelente! Após aquele
momento, preparei-me para ir até ao café para falar com a Rita sobre o sucedido.
Quando cheguei vi a Rita à porta do café, e dei-lhe logo um grande abraço, daqueles
que valem sempre a pena. Estávamos muito felizes e durante horas e horas ficámos a
conversar sobre o quão divertida iria ser a viagem, e sobre os utensílios, as roupas e
todas as coisas que iriam ser necessárias no decorrer da viagem. Uma coisa era certa,
aquele momento não era para uma pessoa qualquer e em tantas pessoas no mundo,
apenas dez pessoas iriam realizar uma viagem daquele tipo, e viver um momento quase
de ouro, como iria ser de certeza.
Quando cheguei a casa, lembrei-me de que, com isto tudo não tínhamos ainda
consultado as tais informações detalhadas e a data da viagem. E então, fui rapidamente
ao site e vi que as informações já tinham sido publicadas. A viagem ia ser realizada
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sensivelmente após dez dias, não se podia levar grandes utensílios, apenas roupas,
produtos de higiene que fossem indispensáveis e alguma comida, e ainda foi também
publicado que não haveria qualquer garantia por parte dos dirigentes da viagem se algo
corresse mal. Após consultar as tais informações, decidi informar a Rita sobre o assunto.
Entretanto, passaram os dez dias. Foi tão rápido que pareceu que o tempo tinha
acabado de voar a uma velocidade inacreditável. Eu e a Rita já estávamos à espera
desse momento há já muito tempo e tínhamos a certeza de que iria ser um marco na
nossa vida. Quando eram dez horas da manhã, deslocámo-nos até ao museu que era o
local e que estava indicado no site. No momento em que chegámos, havia lá muitas
pessoas, entre jornalistas, investigadores e muitos outros. Mas o inesperado foi quando
uma senhora idosa chegou ao pé de mim e disse:
- É melhor levares esta máscara, estas luvas, este capacete e estas botas pois ser-te-
ão bastante úteis no decorrer da viagem!
- Porquê?! - interroguei espantada.
- Irás obter a resposta quando saíres da viagem!
Como não queria perder muito tempo naquela conversa e, como era também uma
senhora idosa, decidi aceitar e agradecer o empréstimo feito. Passados alguns minutos,
chegou um senhor de fato e gravata que começou a discursar sobre a importância dessa
viagem; falou sobre a coragem que tínhamos demonstrado pelo facto de nos termos
inscrito nesta viagem e, por último, decidiu agradecer a todos os que até agora tinham
colaborado na sua preparação. Ouviram-se muitos aplausos ao discurso que se
repetiram quando a porta da máquina abriu. Aquele momento foi maravilhoso, a porta
abriu-se e havia dentro dessa máquina uma espécie de elevador bastante estranho para
onde nos mandaram entrar. A porta fechou-se e todos nós estávamos repletos de bichos
que não paravam de dançar das nossas barrigas e que, à medida que o tempo passava,
aumentavam. O pior é que estávamos em direto nas televisões, filmados por uma
câmara que se encontrava por cima das nossas cabeças, o que não permitia expressar
os nossos sentimentos de uma forma natural. Entretanto, o elevador começou a andar e,
passados alguns minutos, parou e a porta abriu-se.
A paisagem que apareceu diante de nós foi bastante nojenta! O chão estava repleto
de dejetos, alguns deles pareciam ser bastante velhos o que significava que o planeta já
não conseguia suportar mais processos de decomposição. O cheiro que aquele lixo
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provocava dava a sensação de estarmos dentro de uma lixeira, que por sua vez atraía
tantos bichos que até pareciam ser o quádruplo daqueles que estavam dentro das
nossas barrigas. Os rios e os oceanos estavam todos negros e repletos de petróleo, de
garrafas, papéis entre outros dejetos. Os peixes que ainda sobreviviam a todo aquele
ataque já pareciam estar prestes a desistir. As florestas já quase não existiam, e
pareciam ter sofrido um processo de desflorestação, a maioria das quais transformada
em fábricas. A temperatura estava insuportável e, se durante alguns minutos estava
imenso calor, no momento seguinte passava a estar um frio de morrer. Naquele mundo
era cada vez mais fácil ganhar dinheiro, mas tornava-se cada vez mais difícil obter
recursos naturais, por exemplo, se quiséssemos beber um litro de água, teríamos de ir a
leilões, e o mesmo se passava com os outros recursos naturais. As invenções
tecnológicas não paravam de aumentar e já eram tantas que as pessoas nem para se
deslocarem até à casa de banho necessitavam de andar. Apesar de haver cura par
todas as doenças, estas eram tantas e de tantos tipos que se tornava cada vez mais
difícil gerir tudo.
Os dois dias já estavam quase a acabar e, entretanto, eu já estava a perceber a
razão pela qual aquela senhora me tinha emprestado aquele equipamento, e que por
acaso estava a ser bastante útil durante todo o percurso. Quando chegou a hora de
entrarmos no elevador já não havia mais bichos a saltarem nas nossas barrigas, o que
havia era uma grande preocupação em relação ao futuro do nosso querido planeta. No
momento em que a porta se abriu já não havia aplausos, havia apenas alguns jornalistas
e investigadores que, bastante preocupados, apenas nos perguntaram a nossa opinião
acerca da viagem. Mas havia uma pessoa que ainda estava lá para além desses
jornalistas e investigadores e essa pessoa era a tal senhora idosa que me tinha
emprestado aqueles equipamentos. Então, surpreendida, perguntei:
- O que faz sozinha entre estes jornalistas e investigadores?
- Eu vim pedir os meus equipamentos de volta, e ainda vim perguntar-lhes se lhe
serviram para alguma coisa! – exclamou a senhora.
- Primeiro quero-lhe agradecer imenso pelo empréstimo feito, pois o seu
equipamento foi bastante útil, por último queria saber como tinha conseguido adivinhar
que eu iria precisar do equipamento!
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- É tudo muito simples de perceber, pois tudo o que acabaste de ver são todas
obras feitas por nós, ou seja o que eu pretendo dizer é que a causa de todas as
mudanças somos nós, as mudanças apenas nos transmitem as consequências de todas
as causas. Estas mudanças podem ter um destino predefinido, mas, no fundo quem as
define somos nós. As mudanças são imparáveis e constantes, e não há ninguém que as
possa proibir. Aquilo que somente podemos fazer é pensar antes de agirmos e refletir
sobre as consequências. Nomeadamente, aquilo que devemos fazer é refletir sobre o
que poderá mudar no futuro se nos agirmos de uma certa forma, e o que poderá mudar
no futuro se agirmos de outra forma.
O discurso emocionou-me bastante, e ao mesmo tempo ensinou-me muito.
Entretanto, com isto acabei de realizar uma viagem que não só foi um acontecimento,
como também foi uma experiência fantástica.
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A viagem a Sydney
Bhavini Vassaramo – 10º N
O sol estava a nascer, os galos estavam a cantar, eram sete horas da manhã e eu
estava a preparar-me para partir para uma das viagens mais emocionantes e divertidas
de sempre. As malas estavam todas prontas, só faltava tomar o pequeno-almoço e
despedir-me dos meus pais.
Quando já estava tudo pronto, saí rapidamente para apanhar o metro que me iria
deixar no aeroporto. Estava tudo a correr bem mas dentro de mim estava um sentimento
muito estranho, algo que parecia uma mistura de medo e entusiasmo como a mistura de
café com leite que no final tem um sabor delicioso, a diferença é que este tinha dois
ingredientes bem diferentes, o medo e o entusiasmo. O medo surgiu talvez por ser a
minha primeira viagem o que por um lado é normal acontecer, o entusiasmo talvez seja
pelo facto de ser uma viagem diferente, e longa pois teve como partida Lisboa, Portugal,
tendo como destino Sydney, Austrália.
A viagem ia começar às nove horas e meia da manhã e eu consegui chegar meia
hora mais cedo ao aeroporto de Lisboa, o que não foi mau. Tentei agir o mais normal
possível para que tudo corresse bem, apesar daquele movimento e daquele ruído das
pessoas aumentarem dentro de mim o sentimento de café com leite. Após seguir todos
os passos antes de entrar no avião decidi sentar-me num banco, já com o leite com café
a começar a ferver. E chegou o momento de eu entrar no avião, o relógio marcava nove
horas e meia da manhã e eu desloquei-me até ao avião, sentando-me no lugar que me
pertencia. Por sorte, fiquei ao pé da janela e ao pé de mim sentou-se uma senhora
idosa, com cabelo curto, que já estava quase branco como o meu champô, parecia ser
bastante fofo e macio. Também era de salientar que era bastante baixa, até um pouco
mais do que eu, o que foi de espantar pois é raro encontrar pessoas mais baixas do que
eu.
Na minha cabeça aquele leite com café nunca mais arrefecia e cada vez mais fervia.
Só de pensar naquilo que iria acontecer no aeroporto de Londres e Sydney onde eu
nunca pus o pé, e por sua vez como iria fazer o voo entre Londres e Sydney, estando
dentro de um avião durante onze horas? Entretanto, o avião preparou-se para descolar e
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passados alguns segundos levantou o voo. De repente, a senhora que se encontrava ao
meu lado virou-se para mim e perguntou:
- Como te chamas?
Primeiro fiquei um pouco baralhada e com um milhão de questões que se juntavam
com o café com leite, e após uns minutos de silêncio respondi:
- Chamo-me Beatriz, e a senhora?
- Chamo-me Adele e tenho 67 anos.- respondeu.
Depois de uns minutos de pausa, a senhora perguntou-me:
- O seu destino é Londres?
- Não, vou fazer apenas uma pausa de algumas horas em Londres e de seguida irei
apanhar de lá o voo para Sydney, Austrália.
- Que bom! Eu também vou fazer o mesmo percurso! - exclamou a senhora.
Após saber que o seu destino seria igual ao meu, fiquei um pouco mais aliviada e
durante alguns minutos seguiu-se uma conversa entre nós as duas sobre as notícias
que estavam a dominar o mundo. Passado algum tempo, chegámos a Londres, parecia
que o tempo tinha passado tão rápido que dava a sensação que tinha sido há um
segundo atrás que tínhamos entrado nesse avião. Na verdade aquele encontro com
aquela idosa tinha ajudado a arrefecer o meu café com leite.
Quando saímos do avião, confrontámo-nos com uma chuva de neve imparável. Foi
tão bonito ver aquela neve a cair, pareciam flocos de algodão que caíam como se
fossem estrelas revoltadas com o céu a caírem na terra. Foi a primeira vez que vi a neve
a cair ao vivo. Havia uma outra pessoa nessa viagem que tal como eu nunca tinha visto,
ao vivo, neve a cair, e essa pessoa era Adele que, nos seus 67 anos de vida, foi a
primeira vez que teve a oportunidade de viver um momento desses. Mas parecia que
não tínhamos sido as únicas a presenciar um momento tão bonito como esse, pois todos
os outros passageiros também ficaram pasmos e felizes; apareceu na cara deles como
que uma felicidade incomparável, daquelas que valem ouro e que para as obter é
preciso trabalhar muito.
Depois do momento que se seguiu, entrámos no aeroporto. Eu e Adele deslocámo--
nos até ao local donde iria partir o nosso avião para Sydney. Faltavam apenas duas
horas e nós decidimos passear um pouco pelas lojas do aeroporto e parecia que o café
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com leite arrefecido estava a ferver novamente mas com menos intensidade pois a
companhia de Adele fazia-me pensar que tudo estava controlado. Entretanto eu decidi
colocar uma questão a Adele:
- É a primeira vez que vai a Sydney?
O ambiente mudou completamente. O estado de espírito de Adele repentinamente
mudou como se uma rajada de vento tivesse passado por ela e tivesse roubado toda a
felicidade que ela tinha. Adele tinha lágrimas nos seus olhos, parecia que aquela
pergunta tinha provocado uma enorme tempestade dentro dela que por uns segundos
acabou por paralisá-la por completo. Durante algum tempo senti-me culpada pelo estado
de espírito de Adele, e então tentei pedir-lhe desculpa, mas parecia que ela não queria
ninguém ao pé dela, e então saí dali e fui-me sentar num banco.
Após o sucedido, chegou a hora de entrar no avião e então voltei a dirigir-me até ao
local onde tinha de me sentar. Por sorte novamente obtive um lugar ao pé da janela.
Depois de passarem alguns minutos aconteceu o inesperado, Adele voltou a sentar-se
ao pé de mim. Foi um momento difícil, por um lado queria perguntar como é que ela se
estava a sentir, e por outro queria saber qual tinha sido a razão de ela ter tido uma
atitude daquelas.
Entretanto, ela dirigiu-se para mim e disse:
- Peço desculpa pelo facto de não lhe ter respondido mas foi uma pergunta muito
triste para mim. Mas neste momento acho que sou capaz de lhe explicar tudo. Há 45
anos atrás eu estava a viver feliz, quando de repente apareceu uma verdade que foi
difícil de digerir. Acabei por descobrir que estava a ser vítima de traição pela minha
melhor amiga. No princípio foi difícil lidar com a situação, depois reuni forças para pedir
divórcio ao meu marido. Ele aceitou mas o pior foi a questão de quem iria ficar com os
nossos filhos. Eu tenho quatro filhos, Raquel, Rui, Gabriel e Sara e naquele momento foi
difícil, por um lado eu não tinha ninguém que me apoiasse pois os meus pais já tinham
falecido e por outro lado não tinha mais familiares a residirem em Portugal. O meu
marido, aproveitando-se dessa situação, separou os meus filhos de mim dizendo que eu
não teria condições para os sustentar. Desde aí vivo com uma amiga minha que me
apoiou sempre desde o início até ao fim. Entretanto tive constantes mudanças com as
quais vou lidando todos os dias. Até aí nunca tinha tido nenhum contacto com os meus
filhos apesar de eu os ter procurado bastante, até que um dia surgiu um telefonema e
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que graças a Deus era de uma das minhas filhas, Raquel. Aquele momento foi o melhor.
Ela disse-me que eles estavam a viver todos em Sydney e que estiveram à minha
procura durante muito tempo sem nunca me terem encontrado. Até que um dia,
decidiram apresentar o caso á polícia que, apesar de ter demorado algum tempo,
conseguiu apresentar algumas informações nomeadamente o meu contacto e a minha
morada. Após terem tido conhecimento destas informações todos eles tentaram planear
uma viagem até Lisboa mas as condições financeiras não permitiram que essa viagem
se realizasse. Ao ouvir isto disse-lhe sem hesitar que iria até lá apesar de ser a minha
primeira viagem de avião.
Aquela história comoveu-me bastante e um dos factos que mais me espantou foi a
confiança de Adele que, ao longo de todas estas mudanças, se manteve dentro dela e
que, apesar de tudo o que sofreu, nunca pensou em desistir. Então por curiosidade
perguntei-lhe:
- Como é que consegues gerir tantas mudanças na vida sem nunca pensares em
desistir?
E ela, sem hesitar, respondeu:
- Na vida, as mudanças têm de ocorrer, sem elas seria impossível vivermos. As
mudanças são algo difícil de lidar quando dizem respeito a mágoas, mas são fáceis de
lidar quando estão ligadas a sentimentos de alegria. É verdade que ao longo do tempo
sofri bastante com estas mudanças, nomeadamente com a morte dos meus pais, com a
separação dos meus filhos e do meu marido e ainda muitas outras coisas que ao longo
do tempo me trouxeram imensa mágoa. Mas também é verdade que tive na vida
mudanças que só me trouxeram alegria, como a experiência de viver com uma amiga
que me apoiou sempre desde o início até ao fim, ou o telefonema da minha filha, e
muitas outros momentos de paz e alegria que tive ao longo da minha vida. A verdade é
que nunca devemos chorar pelo que as mudanças nos levaram e nunca devemos temer
pelo que vem, pois não existe data prevista para que as mudanças apareçam, estas
acontecem num momento que ninguém conhece, portanto, o que realmente devemos
fazer é viver todos os momentos com toda a tranquilidade possível.
Ao ouvir aquele discurso, fiquei novamente emocionada, comecei a perceber que
era escusado aquele sentimento de café com leite e que na verdade devia viver esse
momento com toda a felicidade, sem pânico, sem grandes alarmes e com toda a
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harmonia e bem-estar possíveis, apesar de ser evidente que o medo e o entusiasmo
sejam difíceis de controlar e que normalmente a sua existência em períodos de
mudança seja bastante normal.
E nestas conversas nem nos apercebemos que tínhamos acabado de chegar a
Sydney, Austrália. Da janela já se viam as laranjas de Sydney, as ruas repletas de
pessoas, as pontes com imenso movimento e uma cidade à espera de acolher uma
turista que estava prestes a começar uma viagem que iria ser repleta de emoções!
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Por vastas Terras
Marta Sanches – 11º K
O destino é incerto e ela sabia-o. No entanto, nada a conseguia impedir,
nem mesmo o tempo: ela atravessava o tempo. Foi um daqueles fenómenos
que só os que presenciam podem explicar, mas em que nem todos acreditam.
Estava mais frio do que era habitual. Tapou-se com a manta de flanela,
encostou a cabeça ao vidro embaciado e mirou a paisagem. O movimento da
carruagem nos carris embalava-a e reconfortava-a. Ela estava segura ali,
rodeada por quatro paredes de madeira e assentos de pele; nunca se atreveria
a abrir a porta….Não! O mundo lá fora era impuro e ruim. Porque haveria de
pôr a sua pessoa em perigo quando podia observar o Mundo pela vidraça do
seu pequeno compartimento? De lá, ela via tudo: o mar, os bosques, as
cidades esquecidas pelo tempo… uma vez até conseguiu observar auroras
boreais no céu noturno; era como que se tivesse poder sobre a natureza e,
igualmente, caísse num silêncio profundo sobrenatural. Como? Nem ela o
sabia.
Tornava-se extremamente entediante às vezes. Em momentos de
desespero pedia que a ponte que suportava os carris chegasse ao fim. Sem
explicação! Ela queria que o tempo parasse e que a ponte não se movesse
mais, explorar aquilo para lá da vidraça e da porta clássica de mogno. O que
havia para lá das quatro paredes? O que era a neve? Ela já a tinha visto, mas
seria quente? Fria? Teria a mesma textura que a manta de flanela, ou que os
seus suaves cabelos ruivos? E o sol? Seria quente? E, porque é que se mexia?
Quem é que pintava os céus para ser de noite? Ela tinha tantas perguntas…
mas ninguém para lhas responder. A única pessoa que podia ver era uma
moça na vidraça. Chamava-lhe de Rosa, porque tinha os lábios sempre
rosados, o que se destacava bastante da sua pele morena e dos olhos
escuros. Embora a Rosa nunca lhe respondesse, era uma ótima companhia,
especialmente quando não conseguia dormir.
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Uma vez, a meio da noite, quando a única coisa que se via para lá da
vidraça era o céu estrelado e as dunas sob a ponte de metal, ouviu uma forte
batida vinda do outro lado da porta. A moça nunca tinha ouvido tal barulho
antes, olhou para Rosa mas também ela tinha os olhos arregalados. Sentou-se
no chão debaixo da janela, encostou-se ao assento e cobriu-se com a manta
de flanela, mantendo apenas os olhos de fora como quem estivesse prestes a
ser caçado. Finalmente, ao fim do que pareciam ser mil e um amanheceres, o
som parou.
O tempo passava, passava, passava e folhas castanhas, amarelas e
vermelhas infestavam a paisagem, o dia passava a ser mais curto. Ela gostava
daquelas paisagens e sabia que ia começar a ver as árvores nuas e chuva a
cair dos céus nublados.
O tempo passava, passava e as tempestades rebentavam. Estas eram
as piores noites. Às vezes a vela que iluminava o seu pequeno cubículo
apagava e ela tinha que abrir a mala de viagem para poder chegar aos
fósforos. A pequena odiava a escuridão, sentia-se sozinha quando não via
Rosa.
O tempo passava e o lenço de neve desaparecia, dando lugar aos
arbustos e às pequenas flores de que tanto gostava. Era raro precisar da
manta. Passava o tempo a contar nuvens com a sua companheira.
O tempo recomeçava e provocava nela uma sensação de êxtase. O céu
era azul como o mar e via o sol com mais facilidade. Estava tudo bem. Algo
que nunca desaparecia eram as estrelas nos céus… Estavam sempre lá para a
saudar.
- O que são as estrelas, Rosa? - perguntou uma vez ao adormecer –
Sabes, eu acho que são as velas das outras carruagens lá bem ao longe.
Nunca vamos parar, pois não? De vez em quando penso que, se calhar, é a
ponte que se move, que se vai criando e não o tempo que muda. É tudo uma
tela sem fim e nós apenas vagueamos.
O destino é incerto, e ela sabia-o.