ficha cat. flaviane de carvalho canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf ·...

235
FLAVIANE DE CARVALHO CANAVESI Tecnologias para quê e para quem? Um estudo da relação entre tecnologia agrícola e poder em assentamentos rurais no norte do Espírito Santo Tese apresentada ao Curso de Doutorado do Programa de Pós- Graduação em Planejamento Urbano e Regional do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – IPPUR/ UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Doutora em Planejamento Urbano e Regional. Orientação: Prof. Dr. Henri Acselrad RIO DE JANEIRO 2011

Upload: dokhanh

Post on 26-Jan-2019

219 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

FLAVIANE DE CARVALHO CANAVESI

Tecnologias para quê e para quem?

Um estudo da relação entre tecnologia agrícola e poder em assentamentos

rurais no norte do Espírito Santo

Tese apresentada ao Curso de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – IPPUR/ UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Doutora em Planejamento Urbano e Regional. Orientação: Prof. Dr. Henri Acselrad

RIO DE JANEIRO 2011

Page 2: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

C213t Canavesi, Flaviane de Carvalho. Tecnologias para quê e para quem? : um estudo da relação entre tecnologia agrícola e poder em assentamentos rurais no norte do Espírito Santo / Flaviane de Carvalho Canavesi. – 2011. 233 f. : il. (algumas color.) ; 30 cm. Orientador: Henri Acselrad. Tese (doutorado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, 2011. Bibliografia: f. 204-227. 1. Assentamentos rurais – Espírito Santo (Estado). 2. Movimentos sociais rurais. 3. Agricultura – Tecnologia – Brasil. 4. Poder (Ciências sociais). 5. Território. 6. Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra. I. Acselrad, Henri. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional. III. Título. CDD: 307.72

Page 3: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura
Page 4: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

Para Marcio, meu companheiro de ondas grandes. Go for it! Para Pedro e Daniel Bebês que me fortaleceram se embolando nessa tese.

Nesta vida, pode-se aprender três coisas de uma criança: Estar sempre alegre, Nunca ficar inativo

E chorar com força por tudo o que se quer.

Paulo Leminski

Page 5: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

2

Ciente – em ciência Com ciência – com consciência

Experiência faz ciência? Ciência faz experiência?

Ciência da paz – paciência Em paz ciente – paciente O ponto de consciência

Pode entrar em evolução, Re-evolui quando se educa a ação

Ah, minha mão, não jogue lixo no chão! Há vão entre? Paz – com – ciência

Educa – ação – re-evolução. Chiii! Ia me esquecendo de união!

Uni – ão de ser muitos!

LUIZ EUZ

(Casimiro de Abreu – RJ, outubro de 2009. Luiz, “agricultor urbano e agroecologista por religião” da Serra da Misericórdia, zona norte da cidade do Rio de Janeiro - RJ, numa poesia feita por ocasião da oficina sobre sistematização de experiências e construção do conhecimento agroecológico)

Page 6: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

3

Sumário Agradecimentos Resumo Abstract Lista de ilustrações Lista de gráficos, quadros e tabelas Lista de siglas e abreviações Introdução....................................................................................................... 13 Capítulo 1 Ciência, técnica e sociedade: abordagens da

relação entre tecnologia e poder ....................................... 24 1.1 Objetos técnicos e (des)contextualização social ................ 26 1.2 Objetos técnicos e a concentração de poder na

sociedade tecnológica ........................................................... 32 1.3 Tecnologias socialmente apropriadas ou retrocesso

tecnológico?.......................................................................... 35 1.3.1 Alternativas tecnológicas na perspectiva construtivista ...................................................................... 41 1.3.2 Substantivismo e as possibilidades de uma Teoria Crítica da Tecnologia ................................. 42

Capítulo 2 Técnicas, poder e agricultura ............................................ 45

2.1 Acerca da história das revoluções agrícolas .................... 46 2.2 Revoluções agrícolas e tempo presente ............................. 54

2.2.1 Revolução Verde: o “cerco” tecnológico e institucional, ou de como o modelo se faz dominante ................................................................ 57

2.2.1.1 Os papéis do ensino agrícola, da extensão rural, da assistência técnica e do crédito agrícola ....................................................... 58 2.2.1.2 As tecnologias “milagrosas” ...................... 64

2.2.2 Biorrevolução .......................................................... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura 81 2.4 As revoluções agrícolas e a atualidade do campesinato .... 87

2.4.1 Camponeses e políticas públicas no meio rural brasileiro ................................................................. 90

2.5 Agroecologia: tecnologia como resistência? ..................... 100

Capítulo 3 Tecnologias agrícolas e conflitos sociais: uma abordagem

Page 7: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

4

territorial ............................................................................ 109 3.1 O Espírito Santo ao norte do Rio Doce ............................ 113

3.1.1 O vazio, o atraso e os invisíveis ............................ 114 3.1.2 Grandes projetos e corporações na agricultura . 117 3.1.3 O norte na compreensão do Estado ..................... 124 3.1.4 A questão fundiária: o locus do latifúndio ......... 127

3.2 As disputas territoriais: articulações de resistência e enfrentamento ..................................................................... 132 3.2.1 Via campesina: reafirmação camponesa e

fortalecimento das lutas pelo território como abrigo 136

Capítulo 4 Geração e adoção de tecnologias em assentamentos rurais ..... 142 4.1 O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-terra

no Espírito Santo ................................................................ 144 4.1.1 Breve histórico ........................................................ 144 4.1.2 Acerca da organização do MST ............................. 146

4.2 O MST e a questão tecnológica na reforma agrária ....... 150 4.2.1 Primeiro período: a conquista dos primeiros

assentamentos ......................................................... 150 4.2.2 Segundo período: a cooperação ............................. 152 4.2.3 Terceiro período: o Setor de Produção,

Cooperação e Meio Ambiente ................................ 156 4.2.4 A ambientalização do MST ................................... 159

4.3 Assentamentos rurais nos municípios de São Mateus e Conceição da Barra ............................................................ 161 4.3.1 Respostas e dilemas nos sistemas produtivos

dos assentamentos rurais ....................................... 170 4.3.2 Experiências agroecológicas nos assentamentos rurais 184 4.3.3 Rede Nacional de Pesquisa Tecnológica em

Agroecologia e Reforma Agrária: das orientações políticas do MST à prática dos assentamentos .... 190

Conclusão .................................................................................................... 197 Referência ................................................................................................... 204 Anexos ......................................................................................................... 228

Page 8: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

5

Agradecimentos

Primeiramente me vêm à cabeça as inúmeras situações em que obtive ajuda de

pessoas cujos nomes nem mesmo sei listar aqui. Foram situações as mais diversas. Ter

dois bebês (ou melhor, dois moleques) durante o doutorado e a logística que isso

representa é pra ter muito a quem agradecer. Fica aqui, portanto, minha gratidão. Os

pontuais, dedicados e espontâneos apoios sempre me foram relevantes nesse período.

Gratidão às bisavós, aos avós e tios-avós. Agradecimento especial à Flavia,

minha mãe, que superou um grave problema de saúde e retomou os cuidados com as

crianças, sempre me ajudando para que eu pudesse me dedicar ao doutorado. Foram

apoios familiares muito fraternos.

Agradeço a Edna cujo exemplo foi fundamental para que eu não internalizasse a

ideia de incompatibilidade entre maternidade e formação acadêmica.

Gratidão aos sem-terra, principalmente do Pontal do Paranapanema que me

fizeram entender a importância do estudo e da luta cotidiana.

Aos dirigentes nacionais do SPCMA/MST, que mesmo organizando um

congresso com 10.000 sem-terras em Brasília, dedicaram parte do seu tempo às

entrevistas para essa tese.

Agradeço aos técnicos(as) da COOPTRAES, da ACASAMA, da APTA, da

FASE, do MDA/ES, do INCRA/ES. Ao MPA e ao MST. Ao professor Paulo Scarin –

Laboratório de Conflitos no Campo – UFES. Ao Eduardo Barcellos pela construção dos

mapas.

Ao professor Henri Acselrad e demais professores e funcionários do IPPUR.

Aos companheiros e companheiras da Articulação de Agroecologia do Rio de

Janeiro. Especialmente a Paulo Pertersen, Monica Cox e Claudemar Mattos que mesmo

tendo dúvidas sobre minha disponibilidade estando grávida de oito meses, não deixaram

de me agregar ao projeto de mapeamento de experiências agroecológicas no RJ, fato de

suma importância para que este trabalho pudesse ter chegado até aqui.

Page 9: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

6

Aos amigos João Marcio Mendes Pereira, Alain Pascal Kaly, Hercules

Quintanilha, Joilvo Ludolf Peixoto, Denis Monteiro e Luiz Dombek e amigas Carmen

Castro, Claudia Schmitt, Camila Rodrigues, Débora Lerrer, Iracema Moura, May

Waddington e Pierina German Castelli. Pelas trocas e incentivos.

Gratidão ao Marcio, pelo amor, compreensão e apoio neste período de buscas e

nenhuma certeza.

Graças a Deus!

Page 10: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

7

Resumo

CANAVESI, Flaviane. Tecnologias para quê e para quem? Um estudo da relação entre tecnologia agrícola e poder em assentamentos rurais no norte do Espírito Santo. Tese de Doutorado. IPPUR/UFRJ, 2011. A presente tese discute as dimensões tecnológicas da disputa entre distintas formas de produção vigentes na agricultura brasileira. A pesquisa delimitou como objeto de estudo os sistemas de produção em assentamentos rurais nos municípios de Conceição da Barra e São Mateus/ES. Esses assentamentos se localizam em um território em conflito entre corporações com grandes projetos que territorializam a lógica de acumulação de capital e movimentos sociais que resistem a esta lógica. Os assentamentos de famílias organizadas no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-terra são consequência de processo de resistência e formas de “re-territorialização” – nas palavras de Haesbaert (2007) – de camponeses outrora “des-territorializados” pela implantação de grandes projetos. Os sistemas produtivos de tais assentamentos rurais enfrentam os desafios socioprodutivos em um ambiente onde o modelo tecnológico dominante se apresenta de diferentes formas. Numa delas, as cadeias produtivas do eucalipto e da cana se apropriam de grandes extensões de terra no território, gerando um dos impedimentos à democratização do acesso à terra. De outra maneira, há uma integração dos assentados às unidades de acumulação de capital, como é o caso de cultivos presentes nos assentamentos como o café e a fruticultura. Dessa forma, as corporações se apropriam dos sistemas de produção nos assentamentos rurais, destituindo a autonomia dos camponeses e condicionando suas escolhas. Como consequência do modelo constituído, a pesquisa possibilitou discutir os dilemas dos sistemas produtivos nos assentamentos rurais frente à concentração de poder das corporações e às alternativas que são empreendidas como forma de resistência. Para o desenvolvimento desta pesquisa se precedeu, por um lado, à análise das iniciativas e reflexões do MST (mediante cartilhas, cursos, formações continuadas, campanhas e instâncias organizativas) para discutir a matriz tecnológica nos assentamentos; por outro, a entrevista de diferentes atores do território estudado e a dirigentes do MST no nível nacional. Também foram entrevistados agentes estatais de órgãos de extensão rural e de pesquisa, de ONGs, movimentos sociais e redes como Via Campesina e Rede de Alerta contra o Deserto Verde.

Palavras-chave: ciência, tecnologias agrícolas, poder, resistência, assentamentos rurais, movimentos sociais, território.

Page 11: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

8

Abstract

CAVANESI, Flaviane. Technologies for what and for who? A study of the relation between agriculture technology and power in rural settlements in northern Espírito Santo state. PhD thesis. IPPUR/UFRJ, 2011. This thesis discusses the technological dimensions of the dispute between different forms of production existing in Brazilian agriculture. The research has set as object of study production systems in rural settlements in Conceição da Barra and São Mateus counties. The settlements are located in a territory in conflict between corporations with large projects that territorialize the logic of capital accumulation and social movements that resist this logic. The settlements of families organized around the Movement of Landless Rural Workers are the result of processes of resistance and ways of “re-territorialization” – in the words of Haesbaert (2007) – of peasants formerly “de-territorialized” as consequence of the implementation of large projects. Production systems of these rural settlements face socioproductive challenges in an environment where the dominant technological model is presented in different ways. In one, productive chains of eucalyptus and sugar cane have been appropriated of large extensions of land in the territory, creating one of the impediments to a democratic land tenure system. Otherwise, there is an integration of the settlers to units of accumulation capital as is the case of crops present in the settlements as the coffee and fruits. Thus, corporations appropriate the production systems in rural settlements, removing the autonomy of the peasants and conditioning their choices. As a consequence of the model formed, the research allowed to discuss the intricacies of the production systems in rural settlements against the concentration of corporate power, and the alternatives undertaken as a form of resistance. The research focused on the initiatives and reflections of the Landless Movement – MST of its Portuguese acronym – (booklets, courses, continuing education, campaigns and organized instances) to discuss the technological matrix in the settlements. To develop this research was preceded on the one hand, to analyze initiatives and reflections of the Landless Movement – MST of its Portuguese acronyms – (through booklets, courses, continuing education, campaigns and organizing instances) to discuss the technological matrix in the settlements, on the other hand, interviews of different stakeholders of the territory studied and MST leaders at the national level. Were also interviewed state officials of agricultural extension and research institutions, Non-governmental Organizations – NGOs, social movements and networks as Via Campesina and Rede Alerta contra do Deserto Verde (Open Network Against the Green Desert). Key words: science, agriculture technologies, power, resistance, rural settlements, social movements, territory.

Page 12: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

9

Lista de ilustrações

Fotos Foto 1: Escola Estadual de Ensino Fundamental 27 de Outubro.................................146 Foto 2: Rede Nacional de Pesquisa Tecnológica em Agroecologia e Reforma Agrária..................................................................................191 Mapas Mapa 1: Espacialização dos cultivos de eucalipto no Espírito Santo – 2000...............119 Mapa 2: Estrutura fundiária do Espírito Santo: evolução do tamanho dos imóveis rurais 1970 – 2006 com destaque para os municípios de Conceição da Barra e São Mateus...........................................................................128 Mapa 3: Localização dos assentamentos rurais nos municípios de Conceição da Barra e São Mateus/ES......................................................................164 Mapa 4: Uso e ocupação do solo em São Mateus e Conceição da Barra – 2000........................................................................................168 Organogramas Organograma 1: Instâncias organizativas do MST no âmbito nacional, com destaque para as estruturas de produção, cooperação e meio ambiente................148 Organograma 2: Instâncias organizativas do MST no Espírito Santo, com destaque para as estruturas de produção, cooperação e meio ambiente................149

Page 13: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

10

Lista de gráficos, quadros e tabelas

Gráficos Gráfico 1: Usos e ocupação do solo no município de São Mateus/ES – 2006.............166 Gráfico 2: Usos e ocupação do solo no município de Conceição da Barra/ ES – 2006................................................................................167 Gráfico 3: Principais cultivos (em há) nos municípios de Conceição da Barra e São Mateus...........................................................................................................................168 Quadros Quadro 1: Comparativo dos principais instrumentos e técnicas utilizados na agricultura em diferentes ciclos históricos.................................................50 Quadro 2: Comparativo entre as estruturas institucionais da Revolução Verde e da Biorrevolução.........................................................................55 Quadro 3: Lista de liberações comerciais da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio.........................................73 Quadro 4: Distinção entre o padrão camponês e o padrão empresarial e capitalista de produção..............................................................................99 Quadro 5: Conferências realizadas pela Via Campesina de 1993 a 2008, com local, número de delegados e países......................................................................137 Quadro 6: Principais corporações com atuação nos municípios de Conceição da Barra e São Mateus............................................................................199 Tabelas Tabela 1: Valor da produção e financiamento no ES segundo segmento familiar e patronal...........................................................................126 Tabela 2: Evolução da concentração de terras no ES segundo o índice de GINI..............................................................................................130 Tabela 3: Aplicação do Crédito Fundiário no ES de 2003 a fevereiro de 2006...............................................................................................................................131

Page 14: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

11

Tabela 4: Comparativo das áreas cultivadas com cana e silvicultura nos municípios de Conceição da Barra e São Mateus.............................162 Tabela 5: Estabelecimentos não familiares e familiares nos municípios de Conceição da Barra e São Mateus por n° (unidades) e área (ha) .........................................................................................163 Tabela 6: Assentamentos rurais no município de Conceição da Barra/ES segundo o número de famílias, área correspondente e data de criação...........................................................................165 Tabela 7: Assentamentos rurais no município de São Mateus/ES segundo número de famílias, área correspondente e data de criação...........................................................................165 Tabela 8: Acampamentos de famílias sem-terras existentes no ES, segundo listagem de municípios onde se localizam movimentos que reivindicam o assentamento e n° de famílias acampadas. Com destaque para o acampamento no município de São Mateus em 2010.................169

Page 15: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

12

Lista de siglas e abreviações ATER – Assistência Técnica e Extensão Rural

ASPTA – Agroecologia e Agricultura Familiar

IDEC – Instituto de Defesa do Consumidor

CTNBio – Comissão Técnica Nacional de Biossegurança

SEAG – Secretaria de Estado de Agricultura e Pesca do Espírito Santo

INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

SPCMA – Setor de Produção, Cooperação e Meio Ambiente (do MST)

MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-terra

ES – Espírito Santo

PA – Projeto de Assentamento implantado pelo governo federal

PE – Projeto de Assentamento implantado pelo governo estadual

UTE – Unidade Técnica Estadual – operadora do Crédito Fundiário

ESALQ – Escola Superior de Agricultura Luis de Queiróz

ESAMV – Escola Superior de Agronomia e Medicina Veterinária

BANDES – Banco do Desenvolvimento do Espírito Santo

INCAPER – Instituto Capixaba de Pesquisa e Extensão Rural

PEDEAG – Plano Estratégico de Desenvolvimento da Agricultura

CEDRS – Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural Sustentável

PNRA – Plano Nacional de Reforma Agrária

PRRA – Plano Regional de Reforma Agrária

FASE – Solidariedade e Educação

RACEFFAES – Regional das Associações dos Centros Familiares de Formação em

Alternância do Espírito Santo

MPA – Movimento dos Pequenos Agricultores

CEB – Comunidade Eclesial de Base

CPS – Cooperativa de Prestação de Serviços

CPA – Cooperativa de Produção dos Assentamentos

SCA – Sistema Cooperativista dos Assentados

Page 16: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

13

Introdução

A tecnologia é uma forma de perpetuar (ou modificar) as relações sociais, uma manifestação do pensamento e dos padrões de comportamento dominantes, um instrumento de controle e dominação (MARCUSE, 1999 [1941] p. 73).

Não somos contra os avanços tecnológicos, a questão é a serviço de quem [a tecnologia está]. Não somos contra ter um micro trator. Não precisamos debulhar o milho na mão, podemos ter uma máquina para debulhar o milho. Podemos fazer a capina do mato com uma roçadeira. [Porém] uma máquina de grande impacto no solo deve ser banida [...] Será que tecnologia moderna é a transgênica? Tecnologia também é melhorar a semente crioula, selecionada. Os camponeses sabem fazer isso. De que tipo de tecnologia nós estamos falando? A boa é a que vem ensacolada? A que o camponês pesquisa, não é? [a questão da tecnologia] não é excluir o computador, mas é [saber] a serviço de quem ele está. [precisamos do] controle do território, das tecnologias, das raças, do que compramos (Representante do MPA na Via Campesina, entrevista, São Mateus, julho de 2010).

A presente tese discute a geração e a adoção de tecnologias no agro brasileiro,

com destaque para as bases conflituais e as relações de poder envolvidas na

configuração dos padrões tecnológicos prevalecentes no meio rural. Como base

empírica tomamos os processos de escolha técnica verificados na implantação de

assentamentos rurais, considerando, por certo, o contexto de dominação de uma

agricultura de corporações em vigor no norte do Espírito Santo.

Consideraremos como as formas capital-intensivas da agricultura empresarial

concentram o poder sobre os recursos do agro, remetendo, em vários aspectos à noção

de “acumulação via espoliação” formulada pelo geógrafo David Harvey (2004). Harvey

sugere que a acumulação via espoliação constitui uma espécie de atualização, na

geografia histórica do capitalismo contemporâneo, do conceito marxista de acumulação

primitiva, já previamente evocado por Rosa Luxemburgo. Tal acumulação se realiza a

partir de diversos mecanismos de expropriação camponesa. Entretanto, além dos

processos descritos por Marx, o autor cita mecanismos análogos, porém novos, como os

que implicam os direitos de propriedade intelectual, fundamentais para a configuração

das formas capital-intensivas no desenvolvimento de novas tecnologias na produção

agrícola contemporânea.

Page 17: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

14

Trataremos aqui, portanto, de uma forma de dominação social no espaço que

possibilita a acumulação de capital de forma cada vez mais concentrada, nela tendo o

desenvolvimento de tecnologias um papel fundamental.

Vale, a propósito, lembrar Marcuse (1999 [1941]), para quem

O poder tecnológico tende à concentração do poder econômico, a vastas unidades de produção, a enormes empresas associadas, produzindo grandes quantidades e quase sempre uma impressionante variedade de mercadorias; a impérios industriais que possuem e controlam materiais, equipamentos e processos, desde a extração de matérias-primas até a distribuição dos produtos finais; à dominação de toda uma indústria por um pequeno número de empresas gigantes. E a tecnologia paulatinamente expande o poder à disposição das empresas gigantes criando novas ferramentas, novos processos e produtos (MARCUSE, 1999 [1941] p. 76).

Ao nos referirmo-nos às corporações no agro, estaremos considerando-as

enquanto unidades de acumulação de capital, constituídas por via de dinâmicas de

desterritorialização de formas de apropriação do espaço não hegemônicas, em que

capitais internacionais, por vezes integrando capitais nacionais, têm, com frequência,

sua ação “facilitada” pelo Estado (Harvey, 2004). O Estado pode se apresentar não

somente como facilitador, mas também como partícipe, via aquisições de ações, de

unidades de acumulação de capital.

Tais corporações, assim caracterizadas, se conformam, no Brasil, com força

particular, a partir da década de 1990, quando fusões e aquisições de dezenas de

empresas menores promovem uma concentração de poder em torno das empresas

líderes, como observado, por exemplo, em estudo realizado por Pelaez et al. (2010).

Estudaremos aqui, de nossa parte, os modos pelos quais a concentração de poder na

agricultura de corporações e os modelos tecnológicos dominantes impactam os sistemas

de produção em assentamentos rurais configurados nos processos chamados de reforma

agrária.

Os assentamentos rurais, por sua vez, são áreas novas do ponto de vista de uma

democratização, por certo parcial, do acesso a terra, posto que se propõem a romper,

ainda que localmente, com a lógica da concentração fundiária, em regiões onde

historicamente a dominação de extensas áreas favoreceu o domínio do território por um

número reduzido de proprietários. Essa concentração fundiária, em grande medida se

deveu à plena implantação de modelos tecnológicos dominantes naquilo que Wanderley

Page 18: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

15

(1995) chama de “modernização [da agricultura] sob o comando da terra”. É desta

forma que extensas áreas agricultáveis são submetidas a um padrão moderno de

agricultura que, segundo entendem os que as detêm, justificaria seu uso.

Em contraposição à lógica da dominação do território por uma agricultura de

corporações, existem movimentos que, entretanto, lutam pela terra atribuindo-lhe um

novo sentido, ou seja, o de “território como abrigo”. Nesta noção, o território é visto

como meio de reprodução social dos trabalhadores rurais, e não imperativamente no

sentido hegemônico, como meio de transformar recursos naturais em lucro a partir de

atividades econômicas capitaneadas por formas capital-intensivas de produção agrícola

que tem o território visto como um “recurso” (SANTOS, 2002).

Assim, o presente trabalho propõe-se a analisar os sistemas produtivos dos

assentamentos rurais - bem como os sujeitos sociais a eles relacionados - localizados em

dois municípios do norte do Espírito Santo (ES), Conceição da Barra e São Mateus,

região de conflito entre formas de agricultura diferenciadas.

Nas disputas por terra no norte do ES é forte o papel do Movimento dos

Trabalhadores Rurais Sem-terra (MST), que não atua isoladamente, mas articulado,

tanto em nível nacional quanto na região de estudo, com outros sujeitos sociais

coletivos, entre eles o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e outros

articulados na Via Campesina e na Rede Alerta contra o Deserto Verde.

A organização do MST no Espírito Santo tem origem na década de 1980,

mostrando-se gradualmente como a principal força de pressão pela implantação de

assentamentos rurais. O primeiro assentamento implantado data do ano de 1986, ano

que coincide com o início da articulação do MST no estado. Trataremos neste estudo do

período que compreende os anos de 1986 a 2010, sem, contudo, perder de vista os

processos anteriores que mostram-se importantes para a compreensão das recentes

transformações na região.

O MST é um movimento de massas, de luta pela reforma agrária1 entendida não

somente como uma política fundiária de regularização de áreas, mas também aquela

relacionando diferentes tipos de ação como crédito agrícola, políticas públicas de

1 Navarro (2000) defende que o MST não pode mais ser considerado como movimento social e sim como uma organização social, pois administra uma estrutura e fundos para sua administração não característicos de um movimento social que o autor considera como um coletivo social que se utiliza de canais não institucionais, com estrutura organizacional flexível, sem liderança formalmente estabelecida. O autor não considera tais características inerentes ao MST.

Page 19: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

16

comercialização, educação, saúde, cuja aplicação integrada daria viabilidade à reforma

agrária onde esta seria uma luta mais ampla na sociedade.

Ao recortarmos para o estudo os assentamentos rurais e consequentemente

priorizarmos um dos setores de atividade do MST a eles diretamente relacionados, qual

seja, o Setor de Produção, Cooperação e Meio Ambiente (SPCMA), interessa-nos

compreender esta organização enquanto movimento socioterritorializado no sentido

empregado por Fernandes (2000), já que a implantação dos assentamentos rurais integra

um processo de disputa em situações contraditórias de des-re-territorialização

(HAESBAERT, 2007).

Os sem-terra são aqui entendidos como camponeses des-territorializados que se

re-territorializam a partir da conquista dos assentamentos rurais, não sendo, porém, um

processo que tem aí o seu fim. Contendo o território diferentes usos e significados,

encontram-se na região de estudo vários conflitos, como aqueles estabelecidos contra

modelos tecnológicos propugnados não somente pelo Estado facilitador, mas também

pelas corporações com atuação na agricultura.

Pelo exposto, a tese coloca duas questões para a análise. A primeira diz respeito

à luta pelo território, que, por certo, estende-se para além das áreas da agricultura

camponesa. Ao se relacionar em rede com outros movimentos, o MST, um dos

principais sujeitos na luta pela implantação de assentamentos rurais, torna denominador

comum entre eles os objetivos de re-territorialização e de recampenização2.

Neste processo envolvem e são envolvidos em disputas em que a questão da

terra é central, seja para movimentos como os indígenas ou quilombolas que lutam

contra a ameaça direta de “des-territorialização”, ou mesmo para movimentos que a

priori não estariam envolvidos diretamente com a questão da terra propriamente dita,

como poderia ser o caso dos pequenos agricultores ou mesmo ambientalistas. Observa-

se nestes movimentos em rede, a presença da perspectiva segundo a qual a luta pela

terra passa pela disputa pelo território, entendido em um sentido diferente daquele

assumido pelas corporações alvo de conflitos no território, como é o caso da Aracruz

2 Adotaremos a categoria camponês considerando que os sujeitos sociais assim se afirmam politicamente, disputando território e se distanciando de formas capitalistas de dominação definidas por corporações. Dessa forma, um processo de recampenização seria considerado pelas formas camponesas não reprodutoras dos modelos tecnológicos dominantes nas áreas em questão.

Page 20: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

17

Celulose S/A3 ou da Destilaria Itaúnas S/A – DISA, dentre outras usinas presentes na

região em menor medida. .

A segunda questão diz respeito a um processo de apropriação da terra

conquistada, na forma dos assentamentos rurais, por formas capital-intensivas de

produção agrícola, em grande medida multinacionais. Nesse processo, os sistemas

produtivos incorporam modelos tecnológicos de cadeias produtivas cujo controle está

em mãos de poucas empresas multinacionais, que concentram poder a partir das

tecnologias que vendem (fertilizantes, material propagativo, agrotóxicos, máquinas e

implementos agrícolas) ou das matérias-primas que compram (café e frutas,

principalmente).

Diante dessas questões primordiais, a tese discute como se constituem os

condicionantes para a reprodução dos modelos tecnológicos; como a ideologia

produtivista e os apelos pela obtenção de retornos econômicos pelos camponeses

assentados justificam a adoção acrítica de tais tecnologias. É assim que podemos ver se

constituir uma complementaridade entre os sistemas de produção dos assentamentos

rurais e os pacotes tecnológicos desenvolvidos por unidades de acumulação de capital -

a integração da agricultura camponesa à agricultura de corporações.

Discutiremos, assim, os condicionantes que levam a esta complementaridade,

que vai desde a formação “científica” de profissionais para a reprodução dos pacotes

tecnológicos que atuam via assistência técnica estatal ou privada nos assentamentos, à

presença direta de empresas que vendem insumos e compram matérias-primas ou

fornecem crédito agrícola, para citar alguns. Sugere-se que estes aparatos são

constituídos de forma a fazer operar, a contento, os modelos tecnológicos dominantes.

Cabe registrar a existência de experiências críticas que apontam para alternativas

nos sistemas de produção, mesmo que em número reduzido e com pouca visibilidade ou

mesmo reconhecimento. Tratam-se de experiências de produção ditas agroecológicas,

apresentadas como instrumento de comparação e discussão dos limitantes e

condicionantes do desenvolvimento tecnológico nos assentamentos rurais.

Essas experiências são trazidas como possibilidades de, em uma construção

política coletiva, poderem os camponeses assentados e suas articulações com outros

3 Em 2009, em um processo contínuo e acentuado de concentração de poder em que vão se constituindo as corporações a partir de fusões ou aquisições, na região em questão, a Votorantim Celulose e Papel incorpora ações da Aracruz Celulose, adotando a partir deste momento a denominação Fibria. Recursos como os do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) também são aportados, viabilizando a transação.

Page 21: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

18

sujeitos sociais romperem com os modelos “precondicionados” (MARCUSE, 1967 p.

92). Diante dessa perspectiva, certos camponeses assentados procuram desenvolver

formas mais autônomas de produção agrícola. Ainda que as relações de poder possam

permanecer, existe uma luta camponesa em curso que não deveria ser desconsiderada,

ao preço de entender como dada uma realidade em contínua transformação.

Isto posto, dentre os objetivos deste estudo estão o de analisar os processos

sociais de escolha técnica e de concepção de tecnologias, considerando as relações

sociais e de poder que são, na agricultura, mediadas pela tecnologia. Pretendemos

igualmente observar as práticas espaciais associadas às tecnologias agrícolas e buscar

compreender a dinâmica de adoção dos modelos tecnológicos dominantes no entorno e

dentro dos assentamentos rurais, assim como a forma como impactam a reprodução

social de segmentos sociais des-re-territorializados, como é o caso dos camponeses

assentados. Para tanto, será preciso caracterizar o contexto socioeconômico, político e

ambiental da região norte do Espírito Santo onde se localizam os assentamentos rurais,

identificando os principais modelos tecnológicos aí presentes, os sujeitos sociopolíticos

envolvidos e o impacto que exercem sobre os sistemas produtivos nos assentamentos.

Analisaremos, assim, no contexto histórico-geográfico do desenvolvimento das

tecnologias voltadas à produção capitalista, como as técnicas são adotadas em

assentamentos rurais implantados a partir da década de 1980, no âmbito da luta pela

reforma agrária no norte do Espírito Santo.

Espera-se com este trabalho contribuir para a reflexão sobre o papel das

tecnologias na questão agrícola e agrária contemporâneas, desde uma perspectiva da

“racionalidade subversiva”, em contraponto a uma “racionalidade tecnológica”

(SIMONDON, 2007; FEENBERG, 2008).

Para alcançar os objetivos propostos, a tese foi estruturada em quatro capítulos, a

saber:

No Capítulo 1 apresenta-se uma abordagem que discute as questões da ciência,

da técnica e da tecnologia enquanto práticas sociais que envolvem tanto relações entre

os homens quanto relações entre os homens e o mundo natural (BUTTEL, 1993). O

capítulo se constrói por referência à ciência natural aplicada moderna, desenvolvida a

partir do século XVIII juntamente com o desenvolvimento do capitalismo, passando-se

então a associar ciência e tecnologia, base pela qual se foram constituindo formas de

dominação e poder por grupos hegemônicos. A ciência contemporânea consagrou tal

modelo não somente interferindo nos objetos técnicos (SIMONDON, 2007), como faz a

Page 22: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

19

ciência moderna, mas também os criando (CHAUÍ, 1994), tal como hoje desenvolvido

pela biotecnologia.

No Capítulo 2 será discutido o modo como vão se constituindo no agro as bases

para a territorialização de uma agricultura baseada em unidades de acumulação de

capital, a partir da tecnociência, possibilitando a que objetos técnicos favoreçam

processos de concentração de poder. A resistência a este ciclo de dominação através das

tecnologias será considerada tal como configurada nos termos da chamada

agroecologia. Ao longo deste capítulo, apresenta-se um histórico da agricultura,

considerando, ainda que brevemente, períodos anteriores às revoluções modernas da

tecnociência.

No Capítulo 3 é apresentado o contexto dos conflitos na região norte do estado

do Espírito Santo. Em uma perspectiva histórica, os argumentos de representantes do

Estado e do capital ao longo das décadas de 1960 e 1970 são expostos através das teses

do vazio demográfico e do atraso tecnológico, respaldando a implantação de grandes

projetos, com reflexo direto sobre a invisibilidade de outros tipos de usos do território

que não aqueles favorecedores da especialização e da concentração de poder em

unidades de acumulação de capital. Discutir-se-á o modo como os movimentos sociais

se articularam em diferentes escalas, resistindo à dominação do agronegócio sobre o

território. A articulação entre escalas vai desde o nível local onde estão situados os

assentamentos rurais, através do que poderíamos denominar de processo de re-

territorialização camponesa, com a escala regional, onde a atuação em rede com demais

movimentos sociais fortalece a resistência à des-territorialização (HAESBAERT, 2007).

Para a construção deste capítulo, fez-se uso de estudos acadêmicos e de documentos do

Estado, que permitiram caracterizar e problematizar o contexto da área de estudo.

No Capítulo 4, os assentamentos rurais e as forças políticas que agem sobre eles

serão tratados mais detidamente. Se no Capítulo 3 olhou-se para a região como um todo,

no Capítulo 4 volta-se a análise para os processos verificados nos assentamentos rurais

dos municípios de Conceição da Barra e São Mateus. Far-se-á, para tanto, uma

contextualização prévia da atuação nacional do MST assim como de sua influência

sobre os processos locais. Uma pesquisa empírica foi necessária para observar-se a

relação dos camponeses assentados com o espaço multidimensional onde habitam, suas

inter-relações sociais, organizativas, políticas e, em uma análise interescalar, perceber as

influências que sofrem do mercado, representado, sobretudo, pelas corporações cuja

Page 23: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

20

atuação impacta de diferentes formas seus sistemas socioprodutivos e políticos, assim

como pelo Estado e pelos movimentos sociais existentes na região.

A pesquisa de campo

A pesquisa teve início em 2005, a partir de uma incursão nacional que procurou

entender como o MST pensava e articulava suas ações para a produção agrícola, ou seja,

as diretrizes e reflexões sobre a matriz tecnológica e a organização política adotada nos

assentamentos rurais. Parte do material pôde ser encontrada nos materiais produzidos

pelo Sistema Cooperativista dos Assentados (SCA). Os documentos analisados

ultrapassam no tempo aqueles produzidos pelo SCA entre o final da década de 1980 e

década de 1990, já que mais tarde, em 2002, tal sistema dará lugar ao Setor de

Produção, Cooperação e Meio Ambiente (SPCMA). A transformação do SCA em

SPCMA denota uma série de mudanças com relação às diretrizes para a produção

agrícola no MST, principalmente aquelas que passam a incorporar a dimensão

ambiental, fato que serviu de base para que se pudesse entender as transformações

ocorridas desde a década de 1980, quando do surgimento do MST e consequentemente

da implantação dos primeiros assentamentos rurais até os dias de hoje.

As cartilhas consultadas e demais documentos relacionados a cursos, formações

continuadas, campanhas e aqueles referentes a diferentes instâncias organizativas do

MST (setores, frentes, brigadas) permitiu uma aproximação da forma pela qual este

movimento respondia, no plano político-econômico, aos desafios que se apresentavam

quando da conquista dos assentamentos – em número que se tornou expressivo4 - e um

desafio colocado à organização, que, a partir de setores, cooperativas, coletivos, frentes

e brigadas, é responsável por organizar assentados e acampados em todo o Brasil.

Após a análise dessa primeira parte da pesquisa empírica sobre os documentos,

passou-se à etapa de entrevistas, que iniciou-se com dirigentes nacionais de dois setores

do MST mais diretamente ligados às reflexões e diretrizes sobre a matriz tecnológica

nos assentamentos. São eles: o Setor de Produção, Cooperação e Meio Ambiente – 4 Segundo Gohn (2010), o MST possui cerca de 1.500 militantes, em 24 estados brasileiros, e garantiu que fossem assentadas 370 mil famílias em 1.800 assentamentos. Ainda que haja divergência de dados segundo a autora, em 2003 o número estimado de acampados esperando ser assentados era de 150.000 famílias. No ES, região de estudo desta tese, são 57 assentamentos rurais coordenados pelo MST em um total de 87, sendo que 41 deles (72%), com 1.397 famílias assentadas, encontram-se na porção norte do estado segundo dados do INCRA. Somam-se a estes mais oito assentamentos com 192 famílias, resultado de pressões sobre o governo do Estado. Ainda segundo dados do INCRA, em 2010 existiam 272 famílias sem-terra em cinco acampamentos do MST no ES.

Page 24: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

21

SPCMA (vide roteiro no anexo A), e o Setor de Saúde (vide roteiro no anexo B). As

entrevistas puderam ser realizadas durante o V Congresso Nacional do MST, realizado

em Brasília de 11 a 15 de junho de 2007.

Com relação ao SPCMA, os dirigentes entrevistados dizem respeito àqueles que

estão à frente de toda a concepção e organização do setor. São os que traçam as linhas

estratégicas para a produção agrícola, subsidiam ou mesmo compõem a direção nacional

do MST e são responsáveis pelo encaminhamento das questões relativas à produção nos

assentamentos rurais, incluindo as equipes técnicas contratadas via convênios com

INCRA e que estão inseridos na organicidade do Movimento.

O objetivo de entrevistar o Setor de Saúde foi o de captar, dentre as instâncias

organizativas do MST, aquelas que estavam mais próximas às reflexões sobre a

produção agrícola. A tese de Vingnatti (2005) mostra como estes temas se entrelaçaram

na condução do Setor de Educação do MST. Não foram pesquisados os materiais ou

entrevistados dirigentes de outros setores, porém o debate da produção agrícola permeia

todos os setores, de formas e com prioridades diferenciadas.

Também fizeram parte da pesquisa os principais documentos elaborados por

ocasião do V Congresso Nacional do MST em 2007, por trazerem diretrizes políticas de

enfrentamento às transnacionais, que comprometem não só a luta pela reforma agrária

pelo espaço que ocupam para a produção de matéria-prima como também impactam

sobre a autonomia camponesa na reprodução socioeconômica dos assentamentos rurais.

A pesquisa qualitativa dentro do recorte regional do norte do Espírito Santo

focalizou as relações entre tecnologia agrícola e poder em assentamentos rurais nos

municípios de Conceição da Barra e São Mateus. Foram entrevistados dirigentes

políticos do MST, técnicos dirigentes do Setor de Produção, Cooperação e Meio

Ambiente (SPCMA) e da Cooperativa de Produção e de Prestação de Serviços

(COOPTRAES). Foram entrevistados também técnicos do MST que não tinham

representação direta nas instâncias políticas do Movimento, além de camponeses

assentados.

Com referência às articulações políticas que estão diretamente relacionadas ao

tema da pesquisa, foram entrevistados dirigentes do MST responsáveis por acompanhar

a Via Campesina e a Rede Alerta contra o Deserto Verde. Por não ser percebida

nenhuma delegação de representatividade do MST na Articulação Capixaba de

Agroecologia, a indagação sobre a participação nesta rede existente na região foi

integrada ao conteúdo das demais entrevistas.

Page 25: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

22

Também foram realizadas entrevistas com representantes das redes que

conformam a articulação de movimentos sociais parceiros no território. O objetivo

dessas entrevistas foi o de caracterizar as ações em rede, assim como as relações e

influências dos diferentes movimentos sobre o MST. Foram, portanto, realizadas

entrevistas com lideranças de outros movimentos que não o MST. Para tanto, foram

entrevistados integrantes da Via Campesina em representação do MPA, integrante da

Rede Alerta contra o Deserto Verde pela FASE e integrante da Articulação Capixaba de

Agroecologia, pela APTA. Também foram entrevistados técnicos do INCAPER, órgão

de pesquisa e extensão rural do Estado do ES que tem atuação indireta sobre os

assentamentos e movimentos sociais, mas que faz parte das ações de desenvolvimento

rural para os municípios e a região. As entrevistas na área de estudo ocorreram em

novembro de 2007 e, posteriormente, de julho a agosto de 2010.

Com o intuito de proceder a uma análise de agroecossistemas, em 2010 foram

visitados assentamentos (vide roteiro no anexo C). Por este viés foi possível observar e

discutir as principais questões da tese com assentados e assentadas, professores(as) do

ensino fundamental e técnicos(as) de campo contratados pela COOPTRAES, o que

serviu para a melhor fundamentar a análise e a sistematização de experiências.

Page 26: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

23

Capítulo 1 Ciência, técnica e sociedade: abordagens da relação entre

tecnologia e poder

Para caracterizar a problemática que subjaz a presente tese – da relação dialética

entre tecnologia agrícola e poder – é imprescindível compreender a cientificização dos

processos produtivos verificada no agro nos tempos modernos. Através das assim

chamadas “revoluções agrícolas”, configurou-se uma grande concentração de poder em

torno dos grupos hegemônicos no campo, impactando sobremaneira as formas de

agriculturas camponesas.

Segundo Habermas (1968), desde o final do século XIX é que se registra uma

pressão institucional para intensificar a produtividade do trabalho por meio da

introdução de novas técnicas, realimentada com o progresso das ciências modernas, ou

das ciências aplicadas, sobretudo das ciências naturais. Ou seja, para este autor, “a

investigação industrial de grande estilo, a ciência, a técnica e a revalorização do capital

confluem em um único sistema” (Ibdem p. 72).

As ciências modernas [experimentais] geraram um saber que, pela sua forma (não pela sua intenção subjetiva), é um saber tecnicamente utilizável, embora as oportunidades de aplicação, em geral, só tenham surgido posteriormente. Até ao fim do século XIX, não existiu uma interdependência de ciências e técnica (HABERMAS, 1968 p. 67).

Tais ciências nascem vinculadas à ideia de intervir na Natureza, de conhecê-la para dela

apropriar-se, para controlá-la e dominá-la.

A ciência não é apenas contemplação da verdade [como o era na ciência antiga], mas é sobretudo o exercício do poderio humano sobre a Natureza. Numa sociedade em que o capitalismo está surgindo e, para acumular o capital, deve ampliar a capacidade do trabalho humano para modificar e explorar a Natureza, a nova ciência será inseparável da técnica5 (CHAUÍ, 1994 p. 255).

5 A autora sugere que se adote o termo tecnologia para falar da inseparabilidade entre ciência e técnica/tecnologia, já que a técnica é considerada enquanto “conhecimento empírico, que, graças à observação, elabora um conjunto de receitas e práticas para agir sobre as coisas. A tecnologia é um saber teórico que se aplica praticamente” (CHAUÍ, 1994 p. 255). Marcuse (1999[1941]) distingue tecnologia – que considera um instrumento de controle e dominação – das técnicas, sendo que estas, ao contrário das tecnologias, podem “promover tanto o autoritarismo quanto a liberdade, tanto a escassez quanto a abundância, tanto o aumento quanto a abolição do trabalho” (Ibdem p. 74). A técnica, para o autor, refere-se a instrumentos como carros ou computadores. Essa distinção entre tecnologia e técnica caracteriza o modelo dialético adotado por Marcuse para o estudo da sociedade tecnológica, distanciando-se de concepções tecnofóbicas (considerando a tecnologia como dominação e controle) ou tecnófilas (como que podendo promover um “futuro dourado” a partir das tecnologias).

Page 27: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

24

Com o surgimento da ciência moderna e, por conseguinte, de uma sociedade

tecnológica, os sentidos de práticas utilizadas no próprio desenvolvimento da

agricultura ao longo da história vão sendo ressignificados e tidos como inapropriados

para os novos sentidos que passam a ser atribuídos ao desenvolvimento de uma ciência

natural aplicada. É dessa forma que a prática, ou o conjunto dos métodos e

procedimentos práticos essenciais à execução de uma arte ou profissão, destreza ou

habilidade, como sinônimos no léxico corrente, dão espaço a elaborações mais

complexas do que as possíveis a partir do conhecimento prático; desta forma, a ciência

“útil” vai dando o formato às tecnologias e conformando novas relações sociais.

Cupani (2004) assim discorre sobre a diferença entre técnica e tecnologia para o

qual é definidor o papel da ciência:

Entende-se por técnica o controle ou a transformação da natureza pelo homem, o qual faz uso de conhecimentos pré-científicos. A tecnologia consiste na técnica de base científica. A técnica, portanto, serve-se do saber vulgar tradicional, eventualmente impregnado de saber científico, que não é reconhecido como tal. A tecnologia, por sua vez, recorre explicitamente ao saber científico (CUPANI, 2004 p.495).

Destacar-se-á, por outro lado, que as técnicas são, por sua vez, importantes

formas de criação dos espaços sociais. Para Milton Santos, por exemplo, elas irão se

materializar nos meios de transporte, nas barragens, no telefone, no rádio e assim por

diante, conformando o desenho do espaço. Para este autor, as técnicas delineiam os

espaços.

É por demais sabido que a principal forma de relação entre o homem e a natureza, ou melhor, entre o homem e o meio, é dada pela técnica. As técnicas são um conjunto de meios instrumentais e sociais, com os quais o homem realiza sua vida, produz e, ao mesmo tempo, cria espaço (SANTOS, M, 2002 p. 29).

A constituição de tal espaço será, por certo, mediada pela aplicabilidade dos

conhecimentos. Segundo Habermas (1968), as ciências modernas geram um saber

tecnicamente utilizável, ainda que as oportunidades de aplicação só tenham surgido

posteriormente. Segundo o autor, até o fim do século XIX não existia uma

interdependência entre ciências e técnica.

Desde o final do século XIX, impõe-se cada vez com mais força a tendência evolutiva que caracteriza o capitalismo tardio: a

Page 28: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

25

cientifização da técnica. No capitalismo sempre se registrou a pressão institucional para intensificar a produtividade do trabalho por meio da introdução de novas técnicas. [...] a evolução técnica é realimentada com o progresso das ciências modernas. Com a investigação industrial de grande estilo, a ciência, a técnica e a revalorização do capital confluem num único sistema (HABERMAS, 1968 p. 72).

Se a captura da ciência pela tecnologia, ou a intervenção da ciência sobre os

objetos denotando a sua “utilidade” prática corresponde à ciência moderna, mas também

a ciência contemporânea, que por sua vez, mais do que intervir sobre os objetos

técnicos, ela própria, os cria6.

Os laboratórios são a forma paradigmática pela qual quando a ciência moderna

“atormenta a Natureza” para “conhecer seus segredos” no sentido de dominá-la e

transformá-la.

O tormento da realidade aumenta com a ciência contemporânea, uma vez que esta não se contenta em conhecer as coisas e os seres humanos, mas os constrói artificialmente e aplica os resultados dessa construção ao mundo físico, biológico e humano (psíquico, social, política, histórico) (CHAUÍ, 1994 p. 283).

1.1 Objetos técnicos e (des)contextualização social

Dentre as formas sociais de apropriação da matéria, existe uma racionalidade

científica que é dada e que vai formulando na sociedade relações de poder através da

tecnologia. A artificialização (SIMONDON, 2007) e a instrumentalização dos objetos

técnicos criam as possibilidades de uma interferência sobre a natureza de maneira a

dominá-la.

A instrumentalização dos objetos, ou seja, sua “desmundificação7”, se constrói a

partir de fragmentos da natureza que, depois de serem abstraídos de todos os contextos

específicos, aparecem em uma forma tecnicamente útil, portanto reducionista ao

considerar apenas as “partes” interessantes ao desenvolvimento das técnicas. São,

portanto, negligenciados outros componentes que determinam a existência de

6 Segundo Chauí (1994), na ciência antiga, ciência e prática não eram associadas, fato que muda com a ciência moderna, cujos objetos técnicos sofrem intervenção e cuja racionalidade permite o controle da natureza a partir das tecnologias que surgem como associadas ao conhecimento teórico. A ciência contemporânea, ela mesma, não mais interfere nos objetos técnicos, mas sim os cria como autômatos ou se aplica, segundo a autora, como na engenharia genética, política e social. 7 Utilizado, portanto, no sentido de “artificialização”, como adotado por Simondon (2007).

Page 29: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

26

determinado objeto na natureza, como por exemplo, em nosso caso, na utilização de

espécies arbóreas para extração de madeira quando seus outros atributos como sombra,

componente biodiverso, alimento e objeto de significação são considerados qualidades

secundárias.

Segundo Feenberg (2003), a tecnologia, ao instrumentalizar os objetos técnicos,

trata a natureza como matéria-prima, como materiais que esperam a transformação em o

que quer que desejemos, em uma compreensão mecânica na qual a natureza pode ser

controlada e usada. O Ocidente produziu feitos técnicos enormes tendo por base esse

conceito instrumental da realidade.

Estudioso das relações entre tecnologia e sociedade, principalmente as “novas”

tecnologias, o professor Laymert Garcia dos Santos (2003) interpreta, nesta perspectiva,

no contexto contemporâneo da discussão em torno da Lei de Patentes no Brasil,

sublinhando a ausência conceitual total da noção de ser vivo, posto estar aí a Natureza

entendida como “matéria-prima”, ou seja, como meio para uma transformação

biotecnológica.

Os objetos técnicos, ao serem instrumentalizados, são considerados como

elemento de um mundo exterior (são "desmundializados”) fabricado pelo homem, que

manipula e transforma coisas (dádivas da natureza) em objetos - ponte, casa, porto,

estrada, cidade, campo ou plantação, representáveis no espaço geográfico.

Ora, tais objetos técnicos, mesmo que artificializados, não são desprovidos de

significação, uma vez que enquanto as ações técnicas servem à transformação da

natureza, as simbólicas se fazem com relação ao ser humano - sujeitos que transformam

a natureza pela mediação das técnicas.

Os objetos técnicos são, assim, submetidos a processos de "desmundialização"

ao serem colocados fora de seus contextos originais no processo resultante do avanço

tecnológico. Feenberg (2003) chama atenção para o fato de que esse processo é

circunscrito às sociedades modernas, únicas a "desmundializar" o ser humano a fim de

sujeitá-lo à ação técnica, fato construído pela ciência contemporânea, ao desenvolver

uma ciência aplicada como, por exemplo, a engenharia genética.

Para compreender a “desmundialização” do objeto enquanto processo recente,

circunscrito ao período moderno, Feenberg (2003) resgata o conceito de techne presente

no pensamento de Platão: no nascimento da ontologia grega, não se considera apenas os

“artefatos” e sim todos os seres e a natureza; se entende que “a flor emerge ao longo do

que se vem fazendo numa flor”, não existindo aqui uma distinção entre phisis e poiesis,

Page 30: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

27

ou seja, entre existência (coisa) e essência (construção da coisa). Para Platão, o conceito

da coisa existe num domínio ideal anterior à coisa em si, que nos permite conhecer a

coisa. Portanto, techne é considerada como coisa e essência ao mesmo tempo, como

construção, existência e essência.

Simondon (2007), ao falar do que denomina “artificialização” do objeto, dá

exemplos de como ela opera um distanciamento da concretização dos objetos técnicos:

os objetos concretos estão mais próximos da natureza, ao passo que, ao serem

artificializados, eles dependem de intervenções do homem para que se lhes assegure a

existência, protegendo-os do mundo natural, dando-lhes um estatuto à parte.

Uma flor em estufa somente dá flores sem produzir frutos, é uma flor de uma planta artificializada: o homem desviou suas funções coerentes de maneira que não possa mais reproduzir-se sem que seja por procedimentos como a enxertia, que exigem a intervenção humana. A artificialização de um objeto natural dá resultados opostos aos da concretização técnica: a planta artificializada somente pode existir neste laboratório vegetal que é a estufa, com seu sistema complexo de regulações técnicas e hidráulicas. O sistema primitivamente coerente dos funcionamentos biológicos se converte em funções independentes umas das outras, vinculadas somente pelos cuidados do jardineiro; a floração se converte em floração pura, desligada, anômica; a planta floresce até o esgotamento, sem produzir sementes. Perde suas capacidades iniciais de resistência ao frio, à seca, à insolação; as regulações do objeto primitivamente natural se convertem nas regulações artificiais da estufa (SIMONDON, 2007 p. 67-68 Tradução livre).

No domínio da agricultura contemporânea, a artificialização dos objetos técnicos

pode ser identificada, por exemplo, naquilo que vem a ser uma das ações fundamentais

de conformação de pacotes tecnológicos – as sementes denominadas Variedades de Alto

Rendimento (VAR) – e que operaram, pelo impacto que tiveram, importantes

transformações socioeconômicas, ambientais e culturais8 no agro, problemática que será

por nós discutida no próximo capítulo.

No que diz respeito a tais impactos e transformações, ou mais especificamente à

forma espaço-temporal dos objetos técnicos, Simondon (2007) mostra como no

processo de concretização que estreita o intervalo que separa as ciências das técnicas, “o

objeto técnico é aquele que não é anterior a seu devir, mas que está presente em cada 8 As sementes passam a não mais ser representadas por suas denominações culturais, mergulhadas em significações como as sementes crioulas, mas são representadas por números correspondentes ao desenvolvimento das variedades em laboratórios multinacionais, promovendo com isso perdas materiais de recursos genéticos, e imaterias, no caso das representações culturais.

Page 31: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

28

etapa de seu devir”. O autor dá como exemplo o motor a gasolina, que não é tal e qual o

motor dado no tempo e no espaço, mas é de fato uma sucessão, uma continuidade, que

vai desde os primeiros motores até os que conhecemos e os que ainda estão em

evolução.

O motor do automóvel de hoje não é o descendente do motor de 1910 pelo fato de que o motor de 1910 é aquele que construíram nossos ancestrais. Tão pouco é seu descendente porque está relativamente mais aperfeiçoado para o uso; de fato, para tal e qual o uso, um motor de 1910 segue sendo superior a um motor de 1956 (Ibdem p. 42-43).

A obsolescência programada é, assim, tratada pelo autor não simplesmente

como uma concretização dos objetos técnicos, mas como fruto da necessidade de

conferir uma falsa evolução destes objetos com fins comerciais. Assim,

Os aperfeiçoamentos menores mantem uma falsa consciência do progresso contínuo dos objetos técnicos diminuindo o valor e o sentimento de urgência das transformações essenciais [...] esta falsa renovação que o comércio exige para poder apresentar um objeto recente como superior aos mais antigos (Ibdem p. 61).

Podemos fazer um paralelo com relação às questões de evolução do objeto

técnico com o conceito de “flexibilidade interpretativa” da tecnologia (PINCH e

BIJKER, 1989 p. 40-41 citado por SANTOS, M. 2002). Este é exemplificado a partir de

um objeto muito conhecido, no caso, a bicicleta: suas modificações técnicas seguiram

adaptações de acordo com as necessidades de utilização que lhes eram atribuídas, seja

para um esportista obter uma velocidade maior, seja para o trabalho no qual a

estabilidade fosse a característica mais buscada. Assim, o objeto se desenvolveu de

diferentes formas a partir das distintas apropriações sociais, sem, contudo, tornar alguns

formatos obsoletos ou mesmo, pré-condição da existência de outros. É desta maneira

que “alguns motores antigos funcionam sem falhas em barcos de pesca depois de terem

sido extraídos de automóveis fora de uso” (SIMONDON, 2007 p. 42). Há, portanto, a

partir desta exemplificação, uma relativização dos usos e significados dos objetos

técnicos segundo representações sociais e intencionalidades das quais estão imbuídos.

Em uma postura crítica à descontextualização do objeto concreto, vários autores

propõem a observação do objeto técnico de acordo com seu contexto. Assim, Winner

(1986) adverte que é preciso prestar atenção aos objetos técnicos sem ignorar os

contextos nos quais os mesmos estão situados. É o que defende também Feenberg

Page 32: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

29

(2008) em seu conceito de “instrumentalização secundária” sustentada como a

reintegração do objeto ao contexto; Simondon (2007), ao tratar do que denomina como

“meio associado”, define que

Este meio, por sua vez técnico e natural, é aquele através do qual o ser técnico se autocondiciona em seu funcionamento. Não é fabricado, pelo menos não está fabricado em sua totalidade; é um regime de elementos naturais que rodeiam o ser técnico, ligado a um regime de elementos que constituem o ser técnico. O meio associado é mediador da relação entre os elementos técnicos fabricados e os elementos naturais no seio dos quais funciona o ser técnico (Idem p.78).

Feenberg (2008) trata a questão do objeto e de seu contexto considerando a

integração subdeterminada das tecnologias a sistemas técnicos mais amplos, às ordens

simbólicas da ética e da estética, bem como sua relação com a vida e com os processos

de aprendizagem dos trabalhadores e dos usuários assim como, ainda, a organização

social do trabalho e do consumo. Para Dagnino (2004) também, deve-se “entender o

fenômeno científico-tecnológico no contexto social, tanto em relação com seus

condicionantes sociais como no que se refere a suas consequências sociais e

ambientais”. Esse posicionamento se coloca de forma crítica com relação às concepções

essencialistas da ciência e da tecnologia, que reduzem e descontextualizam os objetos

técnicos.

A significação dos objetos tem particular relevância nesta abordagem, uma vez

que

são coisas com que nos comprometemos e que remetem a um contexto social, cultural e ecológico dado. São coisas profundas, vale dizer, coisas cujos traços são todos, ou na sua maioria, significativos. E são, em resumo, coisas que reconhecemos e respeitamos em seu próprio direito (BORGMANN, 1984 citado por CUPANI, 2004 p. 503).

Cupani (2004) trata ainda de complementar este raciocínio, distinguindo entre

“práticas focais”, relativas a instrumentos vistos a partir de significações, e os chamados

dispositivos, ou seja, objetos técnicos desprovidos de qualquer contexto social. De uma

perspectiva integradora, que envolve técnica e contexto social, poderiam ser

recuperados valores técnicos tradicionais e formas organizacionais de uma nova

maneira em face da dinâmica da sociedade tecnológica moderna.

Page 33: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

30

Esta perspectiva é trazida por Feenberg quando evoca uma relação entre técnica

e trabalho que excede a contemplação passiva ou a manipulação externa por gerentes ou

outras máquinas envolvendo o trabalhador como um objeto corporal e membro de uma

comunidade na vida dos objetos. Ele sublinha o impacto reversivo - sobre os usuários -

de seus ambientes e das ferramentas de sua ocupação. Esta é uma dimensão essencial

das práticas técnicas mais humildes em algumas culturas tradicionais, como a japonesa

(pelo menos até bem recentemente), mas tende a ser reservada artificialmente para

profissões como medicina na maioria das sociedades modernas. Talvez isto se deva ao

trabalho assalariado, que substitui o emprego provisório sob controle administrativo

pela perícia do produtor independente, reduzindo daí tanto o impacto de qualquer

habilidade sobre o trabalhador quanto a responsabilidade individual por sua qualidade

implícita (Feenberg, 2008).

O autor destaca como a desqualificação dos trabalhadores fez com que estes se

transformassem em objetos da técnica, da mesma forma que as matérias-primas e as

máquinas; ele sugere que as dimensões privilegiadas da moderna tecnologia precisam,

portanto, ser vistas em um contexto maior, que inclua muitas práticas hoje em dia

marginalizadas, mas que tinham grande importância em tempos anteriores, podendo vir

a reocupar um espaço central. De acordo com o exemplo dado pelo autor, até a

generalização do taylorismo, as experiências técnicas diziam respeito essencialmente à

escolha de uma vocação, sem se estar inserido em uma racionalidade estritamente

instrumental: o trabalho era desenvolvido pela mediação das técnicas em seu contexto

social, que somente é transformado com a artificialização dos objetos técnicos.

É neste sentido que Cupani (2004) aponta a especificidade do trabalho (work)

tradicional, que estava inserido em uma rede social e cultural e que dava sentido à vida

do homem trabalhador orientando-o na natureza, na cultura e na sociedade. O labor

tecnológico significa, em contraposição, aquele de restringir-se à produção e

manutenção das maquinarias que fornecem os artifícios à produção capitalista.

É possível recuperar os valores técnicos tradicionais em diferentes contextos

sociais? Segundo Feenberg, em sua Teoria Crítica da Tecnologia, existem resistências

que desafiam o horizonte da racionalidade sob a qual a tecnologia é atualmente

projetada. Sabemos que a racionalização em nossa sociedade responde a uma definição

particular de tecnologia como um meio de obter lucro e poder. Uma compreensão mais

abrangente da tecnologia sugeriria uma noção muito diferente de racionalização,

baseada na responsabilidade para com os contextos humanos e naturais da ação técnica.

Page 34: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

31

Assim é que este autor define tal atitude como uma "racionalização subversiva", uma

vez que supõe avanços tecnológicos que só podem ser feitos em oposição à lógica

hegemônica.

1.2 Objetos técnicos e a concentração de poder na sociedade tecnológica

O emprego crescente de facilidades de poder nuclear conduzirá a sociedade ao autoritarismo. Na verdade, uma confiança segura no poder nuclear como principal fonte de energia só será possível em um Estado totalitário (WINNER, 1986 citando o ambientalista DENIS HAYES). um arco e flecha são extensões do nosso braço a distância. Automóveis são prolongamentos das nossas pernas e pés. Computadores amplificam nossa memória. Cada uma das ferramentas que criamos representa um aumento de poder, uma forma de exercer domínio sobre as forças da natureza e sobre os outros. Esse exercício de poder nunca é neutro, pois, no ato de utilizar a força inerente a cada novo instrumento que criamos, alguém ou alguma coisa do meio ambiente ficará comprometido, diminuído ou explorado, em nome do aumento ou da garantia de nosso bem-estar. O poder, essencialmente, nunca é neutro. Sempre que ele é exercido, existem vencedores e vencidos (RIFKIN, 1999 p. 241; 242).

A racionalidade que leva à descontextualização dos objetos técnicos o faz sobre

determinados fenômenos com os objetivos de maximização de lucros. A tecnologia é

então utilizada como forma de concentrar poder na sociedade. Isto se dá principalmente

(mas não somente9) na esfera do poder econômico, como pode ser visualizado, por

exemplo, no papel crescente das empresas multinacionais no mundo da economia

liberalizada.

Nessa perspectiva também se insere o Estado, no entanto sem que

necessariamente se veja uma sinonímia entre Estado e poder, posto existirem “formas

de exercício do poder diferentes do Estado, a ele articulados de maneiras variadas e que

são indispensáveis inclusive para sua sustentação e atuação eficaz” (MACHADO, 2004

p. 11).

9 Segundo Foucault (2004), “onde há poder, há resistência” e, portanto, não há relação estanque entre grupos dominantes de um lado e dominados de outro. A tese justamente toma como base conflitos e resistências que vêm sendo desencadeados, inclusive operando modelos tecnológicos distintos dos que são operados concentrando poder. Assim, como trata Arendt (1994), a desobediência civil (com relação às leis, aos dominantes, às instituições) rompe com relações de poder que são mantidas quando a obediência civil serve como manifestação de apoio e consentimento à ordem como está dada.

Page 35: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

32

No que respeita às dimensões espaciais da tecnologia, é sobretudo na dimensão

simbólica do território que podemos compreender de forma abrangente a vigência das

relações de poder. Como afirma Haesbaert (2007): “a noção de território que despreze

sua dimensão simbólica está fadada a compreender apenas uma parte dos complexos

meandros dos laços entre espaço e poder”. Assim, o poder não poderia ser apreendido

de maneira alguma à luz estrita de uma leitura materialista, como se este pudesse ser

devidamente localizado e “objetificado”. Assim, o poder, para este autor, assim como na

leitura foucaultiana, é relacional e não coisa que possuímos ou da qual somos

expropriados; envolve não apenas relações sociais concretas, mas também as

representações que elas veiculam e, de certa forma, também produzem.

A questão do poder, como veremos, é intrínseca à tecnologia. Esta é, no mundo

contemporâneo, expressão dos interesses de dominação em um contexto capitalista em

que a primazia é dada aos objetivos econômicos, configurados através das formas

sociais particulares das grandes organizações, centralizadas e hierárquicas e

administradas por gerentes altamente especializados.

Dagnino (2004 a) chama atenção para as formas que obscurecem as relações

sociais historicamente determinadas e o conteúdo de classe das escolhas tecnológicas,

afirmando que, se alternativas tecnicamente comparáveis têm implicações distintas em

termos da distribuição do poder, e se ocorre alguma disputa entre trabalhadores e

capitalistas (ou seus representantes técnicos, os engenheiros10), tende a ser escolhida

aquela que favorece o controle do processo por estes últimos.

A manutenção do controle técnico não seria então o efeito de um imperativo

tecnológico, mas da busca de afirmação do poder de classe sob as circunstâncias

especiais de existência de sociedades capitalistas.

Impõe-se distinguir entre atores que decidem e os outros. Um decididor é aquele que pode escolher o que vai ser difundido e, muito mais, aquele capaz de escolher a ação que, nesse sentido, se vai realizar. Essa ideia é

10 Para uma reflexão sobre os “mediadores” ver Neves, Delma Pessanha. O desenvolvimento de uma outra agricultura: o papel dos mediadores sociais. In: Ferreira ADD, Brandenburg A. (orgs.). Para pensar outra agricultura. Curitiba: Editora UFPR; 1998, p. 275, p. 147-168. Estas reflexões são pertinentes ao considerar opções organizativas e tecnológicas diversificadas que permitem a reprodutibilidade de formas sociais de produção agrícola, não priorizadas pelo modelo historicamente hegemônico – como a pequena agricultura familiar e os assentamentos rurais. Segundo a autora, a mediação se dá pela intervenção de outrem com o objetivo de propor o acordo ou compromisso, referindo-se a objetivação de sistemas de regulação instituídos para reduzir a dissonância entre visões de mundo e forma de comportamento de distintos segmentos constitutivos das sociedades complexas. Equivale à institucionalização de um sistema de regras destinadas a assegurar a hegemonia de uma ordem consagrada ou em busca de consagração.

Page 36: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

33

desenvolvida por J. Massini (1988, p. 112-113), que inclui, entre os grandes decididores, os governos, as empresas multinacionais, as organizações internacionais, as grandes agências de notícias, os chefes religiosos [...] a escolha do homem comum, em muitas das ações que empreende, é limitada (SANTOS, M. 2002 p.80).

Feenberg (2003, 2008) também destaca que as escolhas tornam-se ao mesmo

tempo técnica e política, sugerindo que as implicações políticas da escolha estarão

incorporadas na tecnologia que dela resulta. A escolha entre alternativas técnicas é feita

não em função de critérios puramente técnicos, mas sociais. O autor afirma que ao

introduzir inovações, o capitalista não estaria buscando só a acumulação de capital, mas

também o controle do processo de produção no interior da empresa. Suas decisões

técnicas seriam tomadas com o objetivo de reforçar seu poder e manter sua capacidade

de tomar, no futuro, decisões semelhantes.

Entendendo, juntamente com Winner (1986), que as mudanças tecnológicas

expressam uma vasta gama de motivações humanas, dentre as quais o desejo de alguns

agentes sociais em dominar outros, é que podemos ver na história alguns exemplos de

como objetos técnicos foram constituídos de maneira a concentrar poder em mãos de

grandes empresas capitalistas ou outros grupos sociais determinados em detrimento de

trabalhadores ou segmentos excluídos das condições sociais específicas para reprodução

do capital. Exemplos dados são as “pontes de Moses” nos Estados Unidos, construídas

propositalmente numa altura na qual poderiam transitar somente automóveis

particulares, em detrimento dos transportes de massa, contribuindo para uma lógica de

individualização do consumo, recusando alguns acessos da cidade a uma população

dependente de transporte público coletivo. Podem-se apontar ainda as largas avenidas

parisienses do Baron Haussmann, construídas sob a direção de Louis Napoleon para

prevenir a ocorrência de mobilizações e conflitos de rua, como os que aconteceram

durante a revolução de 1848. Pode-se visitar as enormes praças construídas nos campi

universitários nos Estados Unidos, nos finais dos anos 1960 e início dos anos 1970, para

perceber como se quis evitar as demonstrações de estudantes (Winner, 1986).

Quanto ao desenvolvimento agrícola, a colhedeira de tomates mecanizada

adotada na Califórnia é, com frequênica, citada para mostrar como as técnicas

beneficiam alguns grupos ao preço de lesionar outros. Assim, “o aumento na

produtividade que beneficiou os grandes plantadores se deu às custas do sacrifício de

outras comunidades agrícolas” (WINNER, 1986 p. [7]).

Segundo analisa Winner,

Page 37: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

34

o que podemos ver neste caso é um processo social em curso no qual o conhecimento científico, a invenção tecnológica e o lucro corporativo reforçam-se mutuamente em padrões profundamente entrelaçados, padrões que carregam o inequívoco selo do poder econômico e político. Por muitas décadas, a pesquisa e o desenvolvimento agrícolas nos colégios e universidades americanas têm favorecido os interesses dos grandes negócios agrícolas. É em face de tais padrões sutilmente enraizados que os oponentes de inovações, tais como a colhedeira de tomates, são feitos parecer “antitecnologia” ou “antiprogresso”. A colhedeira não é meramente o símbolo de uma ordem social que beneficia alguns e pune outros; ela é, na verdade, uma corporificação dessa ordem (WINNER, 1986 p. 7-8).

Pesquisador das ditas novas tecnologias, Laymert dos Santos (2003) mostra que

opções tecnológicas são sempre sociotécnicas, devendo ser encaradas pela sociedade

como de interesse público ainda que, segundo o autor, a tecnologia seja

constatadamente um exercício de poder pelo qual um grupo de poucos tenta dominar

um grupo de muitos de forma antidemocrática.

Este posicionamento se soma aos demais autores da filosofia das técnicas, que

propõem saídas à relação de poder que é estabelecida pelas tecnologias ou mesmo

intrínsecas a ela, ao mesmo tempo em que tentam definir seus redesenhos possíveis.

A constatação do poder envolvendo as tecnologias, portanto, não se deveria

caracterizar como vetor de imobilismo ou pessimismo como supunham os

substantivistas, mas sim como meio de se buscar superação, de modo a que as técnicas

aportem resistência e novas perspectivas.

1.3 Tecnologias socialmente apropriadas ou retrocesso tecnológico?

Passamos a ver os ‘avanços’ tecnológicos da mesma forma como vemos a evolução da natureza, como se fossem predestinados e irreprimíveis, ficando implícito que opor-se a eles seria tão insensato e inútil quanto opor-se ao contínuo curso da própria natureza [...] durante mais de um século temos trabalhado de acordo com a crença absurda, embora fortemente arraigada, de que a tecnologia é neutra e desinteressada. A simples ideia de que as inovações tecnológicas possam ser projeções socialmente delineadas de uma determinada visão de mundo, alimentadas por forças econômicas e difundidas pelo meio social dominante, já seria impensável para a maioria dos cientistas (RIFKIN, 1999 p. 241).

Page 38: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

35

Marcuse esboça uma teoria dialética da tecnologia que evita tanto a celebração

tecnocrática que a vê como instrumento de libertação e progresso quanto a denúncia

tecnofóbica que a considera apenas como instrumento de dominação.

Este modelo dialético é importante para o estudo de tecnologias específicas e da sociedade tecnológica como tal, mas vê que os discursos contemporâneos sobre a tecnologia tendem a dicotomizar-se ou em celebração tecnófila da chegada de novas tecnologias com base nas quais apregoavam um futuro dourado, ou discursos tecnofóbicos que demonizam a tecnologia como instrumento de destruição e dominação. A teoria crítica de Marcuse da técnica/tecnologia, ao contrário, diferencia as características negativas dos potenciais positivos que poderiam ser utilizados para democratizar e melhorar a vida humana (KELLNER, 1999 p. 28-29).

Assim, a “tecnologia social” tem sido uma noção contemporânea utilizada para

designar processos de geração de tecnologias que possam ser multiplicadas para atender

problemas básicos associados ao desenvolvimento econômico11. Baseia-se notadamente

em inovações tecnológicas que podem surgir a partir do saber popular no seio de

comunidades, podendo estar articuladas ao saber científico ou não. Atualmente, vários

são os movimentos que se utilizam desta noção para valorizar tais experiências, como a

Rede de Tecnologias Sociais e o movimento de “economia solidária”.

No debate acerca do desenvolvimento rural, contudo, este tema teve destaque a

partir dos anos 1980, quando um conjunto de intelectuais brasileiros, regressando da

França, em um período de abertura política do regime ditatorial brasileiro, engrossaram

os movimentos ambientalistas de oposição às tecnologias tidas por “antidemocráticas”.

“Tudo era contestado por esses novos movimentos sociais em termos das consequências

dos designs técnicos sobre a vida, saúde e dignidade. Temas semelhantes apareciam no

movimento trabalhista e evidenciavam aversão à tecnologia da produção”

(FEENBERG, 1991).

11 É possível observar que hoje existem, no Brasil, diferentes mecanismos de reconhecimento e apoio institucional à geração de “tecnologias sociais”, inclusive na agricultura. São apoios estabelecidos principalmente seguindo a metodologia de concursos, nos quais, a partir de uma chamada, se espera receber um número de “inovações sociotécnicas” que vá criando um banco de informações, ao mesmo tempo em que disponibiliza conceitos e conhecimentos empíricos para que sejam analisados pelo mais variado público. Exemplos disso são as chamadas do Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural do Ministério do Desenvolvimento Agrário e a Fundação Banco do Brasil. Ainda que na academia exista um processo mais lento de reconhecimento das tecnologias geradas fora do ambiente institucional, algumas iniciativas começam a aparecer como é o caso do Observatório de Tecnologias Sociais da Universidade de Brasília.

Page 39: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

36

Apesar de estas contestações apontarem as primeiras alternativas surgidas para

se contrapor ao modelo dominante da agricultura baseado na Revolução Verde12, os

debates sobre o desenvolvimento rural agregaram outras formas políticas de contestação

que extrapolaram a questão das tecnologias a partir da década de 1980. Por muitos anos,

porém, este debate promoveu a criação de uma rede de entidades de “Tecnologias

Alternativas” em todo o Brasil.

Hoje, pode-se observar que a tais questões tecnológicas foram agregadas outras

dimensões, como o desenvolvimento de metodologias de participação popular, em que

juntamente com técnicos que faziam a contestação às tecnologias hegemônicas,

somaram-se organizações de agricultores que passaram a desenvolver a agroecologia

gerando um movimento social. A tal temática daremos espaço posteriormente na

presente tese.

Retomando a questão daquilo que é entendido por “tecnologia social”, cabe

lembrara como a Índia do final do século XIX foi reconhecida como o berço do que

veio a se chamar no Ocidente “Tecnologia Apropriada”. Entre 1924 e 1927, Gandhi

dedicara-se a construir programas visando à popularização da fiação manual realizada

em uma roca de fiar reconhecida como o primeiro equipamento “tecnologicamente

apropriado”, a Charkha, como forma de lutar contra a injustiça social e o sistema de

castas que se perpetua na Índia. Isso despertou a consciência política de milhões de

habitantes das vilas daquele país sobre a necessidade da autodeterminação do povo e da

renovação da indústria nativa hindu, o que pode ser avaliado pela significativa frase por

ele cunhada: “Produção pelas massas, não produção em massa” (DAGNINO, 2004).

Quanto à “tecnologia social”, Carvalho (1985) ressalva que as inúmeras

adjetivações existentes ao termo tecnologia, na verdade, expressam uma dificuldade

teórica de se construir as alternativas. Assim, elenca-se uma variedade de termos

similares a designar o que se tenta diferenciar daquelas tecnologias consideradas de uso

intensivo de capital e poupadoras de mão de obra.

A título de ilustração, são termos igualmente citados para expressar de forma

adjetiva tal oposição:

12 Ver livro referência sobre o tema de 1973 Small is beautiful: economics as if people mattered de E. F. Schumacher e ainda a contribuição de Eduardo Ehlers “Agricultura Sustentável - Origens e Perspectivas de um Novo Paradigma” Ed. Agropecuária, Porto Alegre, 1999 que retratam as críticas do período. Trataremos mais detidamente as características Revolução Verde e processos dela decorrentes no Capítulo 2.

Page 40: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

37

Tecnologia tradicional e tecnologia moderna, tecnologia sofisticada, tecnologia avançada e tecnologia requintada; tecnologia de manejo, tecnologia de produto e tecnologia de processos; tecnologia imprópria; tecnologia apropriada e tecnologia alternativa; tecnologia adaptativa e tecnologia progressiva; tecnologia de baixo custo; tecnologia doce, tecnologia dura e tecnologia leve; tecnologia ineficaz; tecnologia caduca; tecnologia agressiva e tecnologia não violenta; tecnologia socialmente apropriada; tecnologia de sobrevivência; tecnologia orientada para o povo; tecnologia orientada para o crescimento; tecnologia orientada para a sociedade; tecnologia material e tecnologia imaterial e tecnologia dormente (CARVALHO, 1985 p. 33).

No esforço para designar uma ação social de resistência a partir da tecnologia,

juntam-se ainda outras adjetivações, como

tecnologia alternativa, tecnologia utópica, tecnologia intermediária, tecnologia adequada, tecnologia socialmente apropriada, tecnologia ambientalmente apropriada, tecnologia adaptada ao meio ambiente, tecnologia correta, tecnologia ecológica, tecnologia limpa, tecnologia não-violenta, tecnologia não-agressiva ou suave, tecnologia branda, tecnologia doce, tecnologia racional, tecnologia humana, tecnologia de autoajuda, tecnologia progressiva, tecnologia popular, tecnologia do povo, tecnologia orientada para o povo, tecnologia orientada para a sociedade, tecnologia democrática, tecnologia comunitária, tecnologia de vila, tecnologia radical, tecnologia emancipadora, tecnologia libertária, tecnologia liberatória, tecnologia de baixo custo, tecnologia da escassez, tecnologia adaptativa, tecnologia de sobrevivência e tecnologia poupadora de capital (BRANDÃO, 2001 citado por DAGNINO, 2004 p. 8).

Num esforço de definição, Dagnino conceitua “Tecnologia Apropriada” como

sendo “um conjunto de técnicas de produção que utiliza de maneira ótima os recursos

disponíveis de certa sociedade, maximizando, assim, seu bem-estar” (DAGNINO, 2004

p. 86). Dadas as características de maior intensidade de mão de obra, uso de insumos

naturais, simplicidade de implantação e manutenção, respeito à cultura e à capacitação

locais, a “Tecnologia Apropriada”, segundo o autor, seria capaz de evitar os prejuízos

sociais e ambientais derivados da adoção das “Tecnologias Convencionais” e,

adicionalmente, diminuir a dependência em relação aos fornecedores usuais de

tecnologia para os países periféricos.

A multiplicidade de termos evocada para se adjetivar a tecnologia reflete, por

certo, a variedade de estratégias discursivas adotadas pelos distintos sujeitos sociais no

sentido de delimitar o campo das disputas sociotécnicas. No âmbito das tecnologias

agrícolas, podemos perceber um mosaico de formas que vai desde a adoção de técnicas

dominantes, preponderantemente veiculadas a partir de revoluções tecnológicas como a

Page 41: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

38

Revolução Verde, até práticas desenvolvidas pelos agricultores capazes de garantir sua

reprodução social minimizando a entrada de insumos externos. Adiante poderemos

discutir como, no plano empírico, experiências agroecológicas, desenvolvidas por

agricultores assentados, podem apontar para o que tem sido denominando como

“tecnologias sociais”.

Até mesmo para o caso de fábricas, em que os processos produtivos podem se

mostrar mais complexos, Feenberg (2008) desconstrói a necessidade de um aparato

estabelecido como precondição para adoção de tecnologias que implicam em

concentração de poder. Assim, segundo defende o autor,

A ideia de que é preciso, para administrar um fábrica, de uma forma social particular com organizações grandes, centralizadas e hierárquicas administradas por gerentes altamente especializados é desconstruída na prática por evidências vindas de equipes de montagem de automóveis na Suécia, de fábricas gerenciadas por trabalhadores na Iugoslávia que são frequentemente apresentadas para admitir essas possibilidades (FEENBERG, 2008 p.14).

Mas como pensar este processo fora do âmbito de uma linha de montagem?

Como pensar a tecnologia apropriada, por exemplo, para a unidade camponesa? A

questão é colocada por Carvalho ao questionar se “será a garantia da relativa autonomia

no processo de trabalho, permanecendo o exercício de reprodução dos meios de vida,

apenas, através da força de trabalho familiar? Será a garantia de tecnologia possível ao

nível do capital-dinheiro disponível?” (CARVALHO, 1985 p. 38).

Segundo o autor, a unidade camponesa conta com uma contradição. De um lado

desfruta de uma relativa autonomia do processo de trabalho e propriedade dos meios de

produção, de outro, é constantemente ameaçada pela expropriação por parte do capital.

Assim, quando as tecnologias permitem desenvolver formas de resistência camponesa,

mesmo dentro do processo de reprodução do capital, pode-se chamá-las de tecnologias

socialmente apropriadas ao campesinato.

É o interesse de classe social que dá esse tipo de tecnologia a pertinência social. Dessa forma, a tecnologia altamente sofisticada é uma tecnologia socialmente apropriada ao grande capital monopolista, enquanto este se constitui em classe social possuidora e concentradora dos meios de produção (CARVALHO, 1985 p. 39).

Page 42: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

39

As tecnologias apropriadas, por assim dizer, referem-se à realidade de um grupo

social definido, no caso em pauta, camponeses, como trata o autor, que a partir de suas

habilidades e do exercício do trabalho desenvolvem interações com o meio em que

habitam, adaptando ou desenvolvendo técnicas que lhes permitem vencer problemas e

promover um tipo de desenvolvimento mais adequado às suas necessidades, coletivas

ou individuais, de reprodução social e de utilização de tecnologias segundo uma

vocação, conforme anteriormente discutido.

Com isto, camponeses desenvolveram métodos através dos quais se tornou

possível sistematizar conhecimentos gerados a partir de suas habilidades, denotando um

desenvolvimento tecnológico a partir de uma “racionalidade subversiva”, como sugere

Feenberg (2008).

De certa forma, colocam-se em destaque tecnologias ditas modernas como

solução pronta e imediata para os problemas dos camponeses; contudo, essas

tecnologias nem sempre correspondem às suas necessidades diretas. Propostas não

economicistas ou pertinente a patamares tecnológicos diferenciados podem ser mais

compatíveis com essas realidades.

Existem saberes, muitas vezes localizados, constituídos sob diferentes

perspectivas que podem aportar resultados para a reprodução social das famílias de

camponeses distintos daqueles das tecnologias apresentadas sob a forma de “pacotes”

tecnológicos, por exemplo, mecanismo pelo qual se difundiu a Revolução Verde. A este

propósito, Winner lembra que “um navio no mar pode exigir, como Platão e Engels

insistem, um capitão e uma tripulação obediente. Mas um navio fora de serviço,

aportado, precisa apenas de um zelador” (WINNER, 1986 p.18): é preciso perguntar-se,

pois, discutir “quais tecnologias, em quais contextos e por que”.

Entretanto, a crítica ao desenvolvimento do que estamos definindo como

tecnologias apropriadas em polo contrastante às tecnologias concentradoras de poder diz

respeito a seu suposto potencial de promoção de retrocesso tecnológico. Santos (2002,

p.43) refuta tais críticas, alegando que as técnicas/tecnologias nem sempre foram aceitas

de forma universal: ainda que assim se imponha “mesmo os países responsáveis pelos

maiores avanços tecnológicos jamais apresentarem um quadro de homogeneidade na

sua implantação” (SANTOS, 2002 p.43).

Na própria constituição de poder, as tecnologias são dispostas de maneira a

favorecer interesses de unidades de acumulação de capital que agregam outros

segmentos subjugados ou “integrados”, ficando, desta forma, excluídos aqueles que não

Page 43: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

40

parecem ser úteis às necessidades de reprodução do capital ou ainda os que estão

engajados em dinâmicas de resistência.

1.3.1 Alternativas tecnológicas na perspectiva construtivista

Uma possibilidade para o equacionamento da escolha de tecnologias é

configurada por Bijker e Pinch (1995) citados por Dagnino (2004), autores que tratam

as tecnologias desde uma perspectiva construtivista, segundo a qual significados

radicalmente distintos podem ser atribuídos pelos diferentes grupos sociais a um mesmo

artefato de cuja construção participam. A partir do exemplo da bicicleta, que se adequou

a diferentes usos expressos nos diferentes formatos de bicicletas, seja para o uso em

esportes ou para o transporte de cargas, Dagnino (2004) assinala que haveria geralmente

um excedente de soluções factíveis para qualquer problema dado e seriam os atores

sociais os responsáveis pela decisão final acerca de uma série de opções tecnicamente

possíveis. Mais do que isso: a própria definição do problema frequentemente mudaria

ao longo do processo de busca de sua solução. As tecnologias seriam construídas

socialmente na medida em que os grupos de consumidores, os interesses políticos e

outros influenciam não apenas a forma final que toma a tecnologia, mas seu conteúdo.

Isto projetaria um marco de significado, ao mesmo tempo em que explicaria como o

ambiente social influencia o projeto de um artefato e como a tecnologia existente

influencia o ambiente social.

Para Dagnino (2004), a “construção sociotécnica” que propõe o construtivismo é

o processo pelo qual artefatos tecnológicos vão tendo suas características definidas por

meio de uma negociação entre “grupos sociais relevantes”, com preferências e

interesses diferentes, em que critérios de natureza distinta, inclusive técnicos, vão sendo

empregados até chegar-se a uma situação de “estabilização” e “fechamento”.

Desta forma, é possível construir alternativas tecnológicas a partir da

consideração de processos em lugar dos artefatos que, em uma visão construtivista,

estaria impregnado de valores, não situando-se de forma autônoma com relação à

sociedade.

Page 44: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

41

1.3.2 Substantivismo e as possibilidades de uma Teoria Crítica da

Tecnologia

Em contraponto às alternativas construtivistas encontra-se a teoria dita

substantivista da tecnologia, a qual considera que as técnicas têm como característica

intrínseca a redução dos objetos a matérias-prima. A intervenção ou reparo humano às

consequências da utilização de determinada tecnologia seriam extrínsecos à tecnologia e

nada se poderia fazer para influenciá-la. Um pessimismo fica marcado pela negação de

existência de uma civilização tecnológica alternativa possível.

Uma vez que uma sociedade assuma o caminho do desenvolvimento tecnológico será transformado inexoravelmente em uma sociedade tecnológica, um tipo específico de sociedade dedicada a valores tais como a eficiência e o poder. Os valores tradicionais não podem sobreviver ao desafio da tecnologia (FEENBERG, 2008 [p. 7]).

O substantivismo contraria a visão instrumentalista, mas sua marca pessimista é

demonstrada pela frase do filósofo alemão e teórico substantivista Martin Heidegger:

“só um Deus poderá nos salvar”. Heidegger sustentou que a modernidade se caracteriza

pelo triunfo da tecnologia sobre todos os valores. Valores éticos tentam regular a

tecnologia a partir do exterior, através de leis, não se configurando como internos às

práticas técnicas.

Feenberg procura contestar o substantivismo, afirmando que

o próprio projeto de limitar a tecnologia parece suspeito. Se escolhemos deixar algo intocável pela tecnologia, este não é um tipo mais sutil de controle técnico? Eu não domestiquei uma árvore ou um arbusto selvagem ou, de fato, um pico de uma montanha distante visível do meu jardim, se eu plantei ao redor dele de modo a ressaltar sua beleza? (Esta é uma técnica padrão da jardinagem japonesa chamada “cenário emprestado”.) Se repentinamente preciso de significado na minha vida amplamente permeada de tecnologia, e o consigo retornando às minhas tradições religiosas familiares, eu não estou usando a religião como um tipo de supertecnologia? Se estiver, como posso acreditar nisso? Como posso deixar a esfera técnica se o próprio ato de limitar uma reserva a instrumentaliza? (FEENBERG, 2008).

Feenberg, ao se voltar para a defesa de que alternativas são possíveis, sustenta

que a tecnologia em si é carregada de valores. “Nenhum estudo científico achará em

Page 45: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

42

uma nota 1000 yens, o que a transforma em dinheiro”. Assim, concorda com o

substantivismo em que a tecnologia é carregada de valores, vai mais além desta

corrente, rompendo com o pessimismo que faz com que alternativas não sejam

apontadas. O veio autoritário do desenvolvimento tecnológico poderia ser enfrentado,

submetendo-o a processos democráticos na sua concepção e implementação.

A democracia, ainda que se apresente frágil e em má forma, deveria ser a base

para decisões tecnológicas.

As pessoas afetadas pela mudança tecnológica às vezes protestam ou inovam de maneira que permite maior participação e controle democrático no futuro. Onde era possível silenciar toda oposição a projetos técnicos apelando para o progresso, hoje as comunidades se mobilizam para fazer seus desejos conhecidos, por exemplo, em oposição a usinas de energia nuclear em sua vizinhança (FEENBERG, 2008 [p. 9]).

A Teoria Crítica da Tecnologia abre possibilidades de se desafiar os

preconceitos disciplinares, abrindo perspectivas de estudos mais sistêmicos. Este fato

tem relevância para estudos que tentam abrir novas possibilidades de sistematização do

conhecimento, como é o caso, por exemplo, do uso e conservação da biodiversidade a

partir das sementes de milho crioulo. Machado, A. (1998) evoca a propósito a noção de

paradigma:

em torno e na base de cada disciplina científica existe um certo número de regras, princípios, estruturas mentais, instrumentos, normas culturais e/ou práticas que organizam o mundo antes de seu estudo mais aprofundado [...] Há momentos em que a evidência de um ”paradigma científico” é recolocada em questão (MACHADO. A, 1998 p. 136).

Novos conceitos – como o de biodiversidade, por exemplo – poderão estar

associados à constituição de novos paradigmas:

ao acorrerem profundas rupturas epistemológicas, a biodiversidade poderá ser mais bem-compreendida, preservada e utilizada. Haverá, então, a construção de um novo paradigma científico, no qual a ciência determinista clássica cederá espaço para uma nova ciência pluralista, à qual o conhecimento popular está incorporado (MACHADO. A, 1998 p. 135).

Page 46: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

43

Por fim, para que se possa pensar em “tecnologias sociais” como vetor de novos

paradigmas, é preciso entender o desenvolvimento de um artefato tecnológico no

contexto sociopolítico, assim como a relação de forças entre os diversos grupos

envolvidos.

O construtivismo, ao argumentar que o desenvolvimento tecnológico envolve

conflito e negociação entre grupos sociais com concepções diferentes acerca dos

problemas e soluções, desafia a visão até então fortemente dominante entre os

estudiosos da dinâmica tecnológica. Assim, em uma visão construtivista, a escolha de

cada engrenagem ou alavanca, a configuração de cada circuito ou programa não podiam

mais ser entendidos como determinados somente por uma lógica técnica inerente, e sim

por uma configuração social específica que condiciona as escolhas.

Atribuir à “racionalidade subversiva” o estigma de portadora de formas

atrasadas de tecnologia faz parte da lógica de reprodução dos mecanismos que

entrelaçam a ciência, a tecnologia e o mercado como fenômenos de poder.

A partir do que foi discutido neste capítulo daremos continuidade a uma

discussão sobre as revoluções tecnológicas agrícolas responsáveis pela trajetória

histórica das transformações do meio rural. Tais revoluções aconteceram adequando a

ciência moderna à instrumentalização, à artificialização e à descontextualização dos

objetos técnicos. Essa cientificidade acompanhada de um aparato para operá-la gerou

uma série de conflitos e resistências, como os que discutiremos ao longo desta tese.

Page 47: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

44

Capítulo 2 Técnicas, poder e agricultura

O objetivo deste capítulo é discutir as formas pelas quais vão se constituindo no

agro as bases para a territorialização de uma agricultura baseada em unidades de

acumulação de capital, concentradoras de poder, assim como as forças de resistência

que se opõem a esse processo.

Para tal, apresentamos um histórico da agricultura, considerando períodos

anteriores em que técnicas agrícolas desenvolveram a agricultura, antecedendo a

tecnociência que se afirmou no agro na modernidade.

Nos tópicos subsequentes trataremos de caracterizar e discutir no tempo presente

o “cerco” que se formou a condicionar as escolhas dos modelos tecnológicos no campo

e o modo como as tecnologias servem a um fenômeno cada vez mais intenso de

concentração de poder em um número cada vez mais reduzido de unidades capital-

intensivas de produção agrícola.

As corporações, apresentadas enquanto formas capital-intensivas de produção

agrícola, se constituem e atuam enquanto grupos hegemônicos no agro, comprometendo

inclusive projetos diferenciados e oponentes que se apresentam como forma de

resistência camponesa. Hoje, a própria pertinência do campesinato está em revisão na

literatura internacional, que discute a questão agrária no século XXI. Tal debate é

introduzido apresentando o caso brasileiro, sobretudo com relação às políticas públicas

governamentais.

Finalizando, trazemos uma discussão sobre a agroecologia e suas possibilidades

de ser apresentada como uma tecnologia de resistência em sistemas camponeses de

produção.

A construção deste capítulo se fez tendo por base uma revisão bibliográfica, e

como ponto de partida palavras-chave como revolução tecnológica, revolução agrícola,

campesinato, tecnologia agrícola e agroecologia. A partir daí, discutimos conceitos que

norteiam os diferentes modelos tecnológicos no agro e que serão mais bem objetivados

na área de estudo a partir dos capítulos subsequentes. Isto posto, o presente capítulo

não traz ainda as especificidades da territorialização dos modelos tecnológicos em nossa

região de estudo, o norte do ES.

Ao final do capítulo estão sistematizados os aspectos principais a serem retidos.

Page 48: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

45

2.1 Acerca da história das revoluções agrícolas

A ciência moderna, a partir do século XVIII, tem como característica fundante

atribuir à ciência uma utilidade antes não explícita, como na era da ciência antiga, que

não associava, necessariamente, conhecimentos teóricos a um determinado uso e

finalidade (CHAUÍ, 1994). Como pudemos ver no Capítulo 1, a ciência natural aplicada

dá as bases cientificas úteis ao desenvolvimento de tecnologias. Antes que esta utilidade

da ciência tomasse corpo, técnicas empregadas, anteriores ao período moderno, eram

resultado do conhecimento empírico que possibilitava agir sobre as coisas e que,

portanto, fizeram parte da história da agricultura, desenvolvendo-a a partir de práticas

agrícolas em períodos anteriores.

Se no Capítulo 1 tratou-se de localizar o papel da ciência e a relação dialética

entre tecnologia e poder como uma referência aos processos pelos quais se conformam

as bases da dominação nas sociedades tecnológicas, neste pretendemos mostrar como

esta relação é preponderante no agro, resultando em diversas institucionalidades que

operam revoluções agrícolas13.

Considerando-se um processo de resistência ou mesmo a “rugosidade”

decorrente de desenvolvimento tecnológico apesar da ampla homogeneização

tecnológica dominante dos territórios, em períodos históricos anteriores (ou mesmo

hoje), foram possíveis descobertas tecnológicas, muitas delas propiciadas por

camponeses e indígenas em sistemas agrários tradicionais e ancestrais e que puderam

desenvolver a agricultura (HECHT, 1999).

Assim, as revoluções agrícolas desencadeadas ao longo da história mostram que

técnicas decorrentes de processos anteriores às revoluções agrícolas da Idade Moderna

possibilitaram que a agricultura se desenvolvesse.

Em períodos remotos, e não menos importantes, temos como exemplo a

descoberta e a adoção de ferramentas e equipamentos como a charrua14, fato histórico

13 As revoluções são entendidas como um conjunto de mudanças profundas nas relações políticas, no ordenamento jurídico-constitucional e na esfera socioeconômica das sociedades. Segundo Bobbio, Matteucci e Paquino (1998), o elemento que caracteriza a revolução da época moderna é, com efeito, a divisão da sociedade em dois grupos antagônicos que lutam por manter ou conquistar o poder. Ver Bobbio N, Matteucci N, Pasquino G. Dicionário de Política. Vol. I. 11° ed. Brasília: Ed. UnB;1998,p. 1123. 14 Espécie de arado mais complexo que possibilitava uma lavra mais profunda e rápida com a

possibilidade de ser acoplado a animais.

Page 49: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

46

que propiciou a integração da força animal aos sistemas de produção no século X, assim

como o descobrimento da metalurgia, que tornou possível a fabricação do arado então

artesanalmente feito em madeira desde o IV milênio a.C para peças de aço mais

resistentes e industrializáveis a partir do século XVI. Tais transformações tecnológicas

foram desenvolvendo as forças produtivas na agricultura, mesmo que de forma lenta e

gradual, sem uma relação direta com conhecimentos teóricos como hoje acontece a

partir da ciência moderna.

Mazoyer e Roudart (1998) caracterizam os sistemas agrários que se constituíram

historicamente, datando a protoagricultura que sucede as atividades de coleta por volta

do ano 10.000 a.C. Na linha histórica que traçam elementares instrumentos e técnicas

que caracterizam os distintos sistemas, sucedem-se a Revolução Agrícola Neolítica por

volta de 6.000 a.C, a Revolução Agrícola da Antiguidade em 1.000 a.C. e a Revolução

Agrícola da Idade Média, no século X. A partir do início no século XVI, o intervalo

entre uma revolução e outra passa a ser cada vez menor.

Na Idade Moderna, com a Revolução Industrial, novos materiais, como os

produzidos pela siderurgia, passam a ser utilizados na agricultura, caracterizando o que

será chamado de “Primeira Revolução Agrícola”. O desenvolvimento de tecnologias

mecânicas, genéticas, químicas ou de infraestrutura dará lugar à “Segunda Revolução”

no século XX, e hoje, no século XXI, ao que se denomina de “Terceira Revolução

Agrícola dos Tempos Modernos”. O Quadro 1 detalha os tipos de agricultura desses

períodos, bem como os instrumentos e técnicas utilizados.

A história da agricultura abordada, ainda que de forma não tão detalhada como o

é por autores como Mazoyer e Roudart (1998) ou Bloch (1978), surgiu da necessidade

de entender os contextos em que foram geradas as diferentes revoluções agrícolas ao

longo dos séculos. A bibliografia recente sobre as mudanças no agro remete em grande

medida à Revolução Verde, ocorrida principalmente a partir da década de 1960 e que

foi definidora de muitas relações e conflitos sociais no tempo presente.

Ainda que a denominada Revolução Verde tenha sido contundente na história

da agricultura, olhar para processos anteriores, para as revoluções agrícolas passadas,

principalmente aquelas que se deram em territórios distantes, como é o caso do europeu,

significa olhar também para além das institucionalidades, instrumentos e técnicas que

fizeram com que a Revolução Verde se constituísse em um modelo dominante de

apropriação de territórios, homogeneizando os diferentes estilos de agricultura.

Page 50: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

47

Não é dado que a Revolução Verde tenha sido incontestável ou mesmo tenha

sido massivamente adotada como se faz acreditar. O processo em curso na geração e

aplicação de “novas” tecnologias na era da Biorrevolução é acompanhado de esforços

no sentido de fazer crer tratar-se de uma transformação inelutável. É neste sentido que

entender processos anteriores ao século XX que foram moldando as sociedades de então

nos permite, a partir das rupturas e permanências, debater na atualidade a resistência ao

sentido de dominação que acompanha as revoluções agrícolas.

A história das revoluções agrícolas nos tempos modernos não é contada

completamente se deixarmos de considerar as “rugosidades” na adoção dos processos

tecnológicos no sentido que usa Milton Santos (2002). Isto significa dizer que nem

todas as sociedades, ao mesmo tempo, adotaram as tecnologias homogeneizadoras.

Mazoyer (2001), ao estimar a população ativa no campo em 1.300.000 pessoas, que

corresponde à metade da população ativa mundial, constata que somente uma parcela

ínfima se utiliza de motomecanização para produzir. Isto quer dizer que apenas 2% dos

trabalhadores agrícolas do mundo possuem os 28 milhões de tratores existentes. Nas

palavras do autor,

A um terço dos agricultores do mundo não chegou nem a revolução agrícola nem a Revolução Verde, nem mesmo a tração animal: somente dispõem de equipamentos estritamente manuais e, sem fertilizantes nem produtos nem tratamentos, cultivam variedades ou raças que não foram objeto de nenhum melhoramento (MAZOYER, 2001. p. 2).

Somando-se a esta constatação, podemos considerar que

três quartas partes dos agricultores do mundo cultivam variedades locais e/ou guardam suas sementes. Pelo menos 1,4 milhão de pessoas dependem das sementes guardadas pelos agricultores, 85% da produção mundial de alimentos se consome em lugares próximos da sua produção – grande parte fora do sistema de mercado formal, aproximadamente 70% da população mundial se atende com especialistas comunitários de saúde que utilizam plantas medicinais de espécies locais (ETC Group, 2008. p. 50).

Na histótia, a prática dos “melhoramentos” se inicia quando começam a surgir as

primeiras possibilidades de sedentarismo. Para fixar comunidades nômades é preciso

reunir condições antes não disponíveis, como uma relativa segurança alimentar a partir

de coletas e caças, que passam a ser mais espaçadas no tempo, por existir uma produção

Page 51: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

48

mais próxima ao local de moradia. É nesse momento que homens e mulheres15 passam a

utilizar-se do “melhoramento16” de plantas ao domesticá-las, colocando-as disponíveis e

aptas à alimentação. Relativizando os entusiasmos com os avanços tecnológicos da era

moderna, Mooney (2002) afirma que a domesticação de plantas talvez tenha sido a

maior revolução agrícola vivida pela humanidade. Nas palavras do autor,

“sem dúvida, a mudança tecnológica mais profunda da história humana ocorreu há cerca de 12.000 anos, quando sociedades antigas abandonaram a caça e a coleta pela agricultura, na primeira Revolução Agrícola do mundo.” (MOONEY, 2002. p.120)

A domesticação de plantas marca a passagem da coleta à agricultura,

demarcando a chamada “Revolução Agrícola Neolítica”, que na América do Sul, não

tem sua origem clarificada.

[...] na América do Sul, as investigações arqueológicas não permitiram ainda localizar claramente um centro de origem da agricultura. Contudo, a domesticação de algumas plantas, o feijão de Lima, a batata, a oca (um pequeno tubérculo), a quinoa (cereal da América Central, da família das quenopodiáceas), o tremoço, assim como a da cobaia ou porquinho da Índia, do lama e da alpaca data de cerca de 6.000 a.C. no norte dos Andes. Assim, nessas regiões a domesticação teria começado antes que a agricultura de origem centro-americana tivesse irradiado em um espaço andino não negligenciável quando foi abordada pelo norte (há cerca de 4.000 anos), depois englobada (há 3.500 anos) pela vaga da agricultura à base de milho que veio do centro de origem centro-americano (MAZOYER e ROUDART 1998 p.77).

Por outro lado, foi somente no IV milênio a.C que o arado em algumas regiões

do mundo, como a Mesopotâmia onde foi originado, constituiu-se em um instrumento

de uso da cultura atrelada leve, pós-arroteamento de florestas, característico da chamada

Revolução Agrícola da Antiguidade. Esse instrumento possibilitava o cultivo em maior

15 Vários autores trazem o protagonismo das mulheres ao abordarem as origens da agricultura, uma vez que, “o sendentarismo como obrigação inerente, imposto às mulheres pela maternidade e criação dos filhos, contribui para que nos seus primórdios a agricultura fosse atividade de inteira responsabilidade das mulheres”. Pons MA. História da Agricultura. Caxias do Sul: Maneco Livraria e Editora. Ver Priore MD, Venâncio R. Uma história da vida rural no Brasil. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006. Sobre o protagonismo das mulheres na agricultura no período recente, ver Siliprandi E. Mulheres e Agroecologia: a construção de novos sujeitos políticos na agricultura familiar. Tese de doutorado, UnB, 2009. 16 O termo “melhoramento” tecnocientífico é usado nas ciências agronômicas, lançando mão de técnicas de engenharia genética em campos de experimentação, adaptando plantas de uso comercial para potencializar características como maior produtividade ou resistência às doenças, dentre outras utilidades. O “melhoramento” utilizando ciclos naturais, entretanto, é utilizado desde os primórdios da agricultura, e hoje ainda é comum dentre camponeses quando, por exemplo, selecionam suas melhores plantas e grãos para o replantio, atividades que não requerem impactos sociais e ambientais negativos como o primeiro caso tecnocientífico.

Page 52: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

49

escala e era utilizado nos sistemas de pousio, com forte presença do trabalho braçal. Já a

charrua e a grade, como instrumentos utilizados somente a partir do século X,

possibilitaram a entrada dos animais nas práticas agrícolas, fato que desenvolveu a

cultura atrelada pesada na chamada Revolução Agrícola da Idade Média, que

possibilitou, à época, quintuplicar o número de animais por hectare de ervagem devido

às possibilidades de fertilização do solo, além de aumentar a produtividade do trabalho

humano. Assim, a charrua, instrumento revolucionário do seu tempo, juntamente com a

grade, propiciou uma lavra rápida, antes manual e penosa, com a utilização até então do

arado, que possibilitou incorporar, a cada ano, toneladas de estrume sobre toda a

extensão dos pousios, o que era antes impossível (MAZOYER e ROUDART 1998 p.77). Quadro 1: Comparativo dos principais instrumentos e técnicas utilizados na agricultura em diferentes ciclos históricos.

Época Tipo de agricultura Instrumentos e técnicas Protoagricultura e protocriação de gado

Menos de 10.000 a.C

Passagem da coleta para agricultura .

Finaliza com as primeiras domesticações de espécies de plantas.

Revolução Agrícola Neolítica

6.000 a.C Centros de origem da agricultura e centros irradiantes (primeiras domesticações de espécies). Sistemas de cultura temporária pós-arroteamento das florestas. Sociedades hidroagrícolas (Incas).

Pousio. Irrigação.

Revolução Agrícola da Antiguidade

1.000 a.C

Cultura atrelada ligeira (sic)17. Trabalho braçal: arado, enxada e pá de cavar. Transporte em alharda de burro, pousios.

Revolução Agrícola da Idade Média

Século X Cultura atrelada pesada. Charrua, grade, animais de tiro, pousios. Transporte em carro de roda.

Primeira Revolução Agrícola dos tempos modernos

Século XVI ao

século XIX

Fim dos pousios. Revolução industrial – siderurgia – primeiros instrumentos a substituírem madeira por metal. Instrumentos jurídicos de propriedade.

Segunda Revolução Agrícola dos tempos modernos

Século XX Motomecanização; seleção de espécies, fertilizantes solúveis..

Terceira Revolução

Século XXI Agricultura moderna. Transgenia, transporte intermodal.

17 Em francês “Culture Atrelée Légère”, o que poderia ser mais bem traduzido por “cultura atrelada leve”.

Page 53: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

50

Agrícola dos tempos modernos

Fonte: adaptação de Mazoyer (1998). Organizado pela autora.

A Revolução Agrícola da Idade Média esteve associada a mudanças nas

estruturas de produção bem como as populacionais, ou seja,

as práticas de cultura e de criação de gado que se desenvolveram na Idade Média central com o uso de materiais de cultura atrelada pesada levaram, finalmente, a por em prática um ecossistema cultivado diferente do antigo (da cultura atrelada leve), composto de terras aráveis mais amplas, mais bem fertilizadas e mais bem preparadas, de ervagens naturais reduzidas (devido ao uso da charrua e da grade, que a eliminavam), devidamente partilhadas entre pastagens e prados para ceifa de feno, e suportando um gado acrescido e mais bem alimentado; um ecossistema que, finalmente, alimenta uma população mais numerosa. (...) O sentido profundo da passagem da cultura atrelada leve à cultura atrelada pesada é o reforço decisivo da associação da cultura com a criação de gado: acarretando o feno, a cama e o estrume, puxando a charrua e a grade, os animais participam de agora em diante de uma maneira preponderante nos trabalhos agrícolas (MAZOYER e ROUDART, 1998 p. 268 e 269).

Reforçando o argumento de que nem todas as sociedades, ao mesmo tempo,

adotam as tecnologias homogeneizadoras, Mazoyer e Roudart (1998) afirmam que

ainda em nossos dias os sistemas de pousios e a cultura atrelada leve perduram sob

diversas formas nas várias regiões da África do Norte e do Nordeste, do Próximo

Oriente, da Ásia e da América Latina. Esta afirmação completa a ideia presente em

Milton Santos (2002) de que existem a serem consideradas “anomalias” técnicas ou

organizacionais que resultam de uma elaboração desigual ou mesmo de um movimento

desigual e não linear na adoção das técnicas. A partir dessa observação é possível

reconhecer sistemas de produção que são desenvolvidos com base em conhecimentos

camponeses, indígenas ou quilombolas, na América Latina, por exemplo, que não

aderiram a fenômenos técnicos tidos por generalizados.

Se a Revolução Neolítica, na qual são iniciadas as primeiras domesticações de

espécies e sistemas de pousio, é considerada como a maior das revoluções agrícolas da

humanidade por autores como Mazoyer e Roudart (1998) e Mooney (2002), este fato

não tem a adesão do historiador francês Marc Bloch (1978), que em seu livro

“Caracteres Originais da História Rural Francesa”, ao tratar do que denomina a

“revolução técnica”, afirma que o progresso mais importante na vida material da

humanidade inicia-se com o fim dos pousios onde a terra, acostumada até então, em

Page 54: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

51

sistemas mais adequados, a descansar um ano a cada dois ou a cada três, passa a estar

privada de todo pousio18.

A cada ciclo de descoberta tecnológica decorre uma transformação e um

impacto nas sociedades que as vivenciam. Assim, dentre as transformações tem-se o

fato de uma produção agrícola multiplicada. Essa “conquista”, segundo Bloch (1978),

foi o que tornou possível conceber o desenvolvimento da grande indústria, com a

acumulação, nas cidades, de massas de população que não obtinham diretamente seu

sustento da terra.

As transformações se concentraram no período que tem início no século XVI.

Começa aí a definição das culturas mais apropriadas, já que se perde nessa fase a

possibilidade de recuperação natural de fertilidade dos solos, com o fim dos pousios.

Nesta lógica, não é mais qualquer lavoura que favorecerá compensações aos

investimentos na atividade agrícola. A inexistência de adubos químicos, à época, e de

adequações jurídicas que definiam a propriedade da terra teriam que ser resolvidas - em

decorrência de adequações à revolução tecnológica.

Tanto a necessidade de repor fertilidade ao solo quanto os registros de

propriedades estabelecidos foram condições que fizeram com que as grandes

propriedades se mostrassem propícias ao desenvolvimento das técnicas, distanciando os

camponeses da iniciativa 19.

É nesse período que começam a estabelecer-se as condições jurídicas de direito

de propriedade condicionantes do desenvolvimento do capitalismo no campo, e que

possibilitaram surgir um sistema agrário capaz de aumentar a produtividade, alimentar

uma população (européia, por suposto) crescente e permitir que funções não agrícolas

pudessem se desenvolver nas cidades.

18 Importante destacar que, para o autor, as áreas de pousio não eram destinadas somente ao repouso, mas também ao pastoreio dos animais. A mesma consideração é feita por Mazoyer e Roudart (1998), o que desconstrói a ideia de que áreas de pousio eram áreas sem utilização. Uma vez ocorrido o arroteamento das florestas, toda área era passível de manejo, nenhuma sendo desconsiderada; isso era possível devido à baixa intensidade de uso dos solos para a agricultura, e servia para manter o equilíbrio dos sistemas. 19 O autor também considera como característica da revolução técnica a retirada da importância do camponês sobre as transformações que então ocorrem e como sujeito alinhado a ditas transformações. Assim, quem detém o conhecimento sobre a agricultura, melhor dizendo, a sintonia com as mudanças tecnológicas da revolução em curso, passa a ser não o camponês, mas “um nobre instruído por livros de viagens, um sacerdote, um grande leitor de novos escritos... (atentos, tanto um como outro, a inventos que puderam ajudá-los a alimentar seus animais: até final do século muitos professores foram tomados como arrendatários por proprietários preocupados por melhorias), quem introduz em suas terras os prados artificiais, impondo pouco a pouco seu exemplo aos vizinhos” (BLOCH, 1978 p. 485. Tradução livre).

Page 55: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

52

Antes deste período, os sistemas de produção comumente demonstravam limites.

Foi de acordo com essas fases que se procederam as revoluções agrícolas, sempre

tentando dar respostas aos limites colocados pela técnica. Esse ciclo (descoberta de

novas técnicas, aumento da produtividade, crescimento populacional, esgotamento e

fome), pode-se dizer, foi uma constante na história das revoluções agrícolas (Mazoyer e

Roudart, 1998)20.

A partir da “Revolução Agrícola dos Tempos Modernos” é que, pela primeira

vez, aparece uma agricultura européia capaz de liberar duradouramente um excedente

agrícola comercializável, podendo recorrer a uma demanda de uma população não

agrícola maior do que a agrícola. São essas condições que, ao mesmo tempo em que

possibilitam o desenvolvimento industrial pelo fornecimento de matérias-primas,

também passam a ser demandadoras de produtos industriais, principalmente

siderúrgicos, para a fabricação de ferramentas agrícolas mais sofisticadas.

Dessa forma, inicia-se um forte avanço da vigência da propriedade privada da

terra, condição básica para a extinção dos sistemas de pousio, que propiciavam no

passado que “sem-terras”, assim considerados os proprietários de animais, pudessem

fazer pastorear seu rebanho em áreas agricultáveis, favorecendo, desta maneira, os

donos de campos cerealíferos pelo enriquecimento da fertilidade do solo. Ao contrário

do que possa parecer, os pousios não eram constituídos por áreas em descanso, mas sim

com intenso trabalho de lavra e pastoreio, o que possibilitava a recuperação da

fertilidade para receber novos cultivos de cereais. As áreas cerealíferas foram as

primeiras a utilizarem-se da motomecanização agrícola com o fim das áreas de pousio.

Os sistemas agrários que sofreram as influências das revoluções agrícolas,

foram, em grande medida, herdeiros de ecossistemas degradados de florestas

abatidas/queimadas21. Ou seja, as revoluções agrícolas posteriores à domesticação de

espécies ocorreram sem que se pensassem técnicas de convivência com as paisagens

20 O que poderemos observar, entretanto, é que tal ciclo não está dado como forma de gerar novas tecnologias que respondam às “necessidades”, sobretudo alimentar. Os processos sociais através dos quais a tecnologia é gerada são distintos se comparados a períodos como a antiguidade e os tempos modernos, inclusive na era da globalização do capital. Hoje, tais processos de geração de tecnologias se dão sob processos sociais de dominação, ou como denomina Porto-Gonçalves (2006), “relações sociais e de poder a partir das técnicas”. 21 González de Molina (1992) desenvolveu com Sevilla Guzmán uma linha de reflexão sobre a história ecológica, situando a ruptura no processo coevolutivo homem-natureza que significou a Revolução Industrial e a penetração do modo capitalista de produção no agro. Guzmán ES, González MM. (eds.). Ecología, campesinado e historia. Madrid: La Piqueta, 1993.

Page 56: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

53

naturais como era e é comum em várias formas de agricultura que não aderiram às ditas

revoluções. No entanto, as revoluções agrícolas desencadearam-se sempre a partir de

instrumentos e técnicas que favoreciam a superação dos limites identificados no manejo

dos ecossistemas, gerando, consequentemente, processos de artificialização dos

mesmos; ou ainda, ações prevendo a “dominação da natureza”, revelando uma possível

incompatibilidade entre natureza e tecnologia, como sugere Laymert Garcia dos Santos

(2003) ao tratar das questões relacionadas à técnica enquanto dominação da natureza. É

desta forma que Canuto afirma que a “história da agricultura é uma história do esforço

para simplificar processos e encontrar soluções técnicas aos limites naturais. (CANUTO

1998. p. 95)

É somente no início do século XX que a motomecanização, a seleção de

espécies e a utilização de fertilizantes solúveis passam a caracterizar a Segunda

Revolução Agrícola dos Tempos Modernos. Nesse sentido, a indústria começa a

introduzir novos meios de transporte, o que fez com que se

tirasse do isolamento as explorações e as regiões agrícolas, o que lhes permitiu aprovisionar-se cada vez mais amplamente em adubo de origem longínqua e também escoar maciçamente e para muito longe os seus próprios produtos (MAZOYER e ROUDART, 1998. p. 268).

Com a revolução baseada principalmente na motomecanização e na seleção de

espécies, verificou-se que “nos países industrializados, uma população agrícola ativa

reduzida a menos de 5% da população ativa total basta para alimentar, melhor do que

nunca, toda a população” (MAZOYER e ROUDART, 1998. p. 268).

O que assistimos na passagem ao século XXI é que poderíamos chamar de

“Terceira Revolução Agrícola dos Tempos Modernos”, com o desenvolvimento das

técnicas sob a égide da então Revolução Verde e da Biorrevolução, as quais

discutiremos a seguir.

2.2 Revoluções agrícolas e tempo presente

As sociedades, desde a Revolução Neolítica, sempre buscaram a superação de

obstáculos colocados à produção agrícola, amparadas pelo desenvolvimento

tecnológico. Ainda que os processos históricos sejam distintos, não cabendo uma

comparação entre eles nesta tese, uma das permanências percebidas diz respeito aos

Page 57: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

54

monocultivos como estimulantes da superação dos limites técnicos. Assim foi com o

trigo, aveia ou sorgo, áreas cerealíferas indutoras de revoluções agrícolas, por

necessitarem cada vez mais de instrumentos e técnicas que superassem os limites de

produção que se apresentavam. Desta forma, o Ager, em uma definição proposta por

Mazoyer e Roudart (1998), significou o cultivo de cereais (limitadas monoculturas) em

terras aráveis (mecanizáveis) mais férteis, estabelecido sempre após o desbravamento de

florestas nativas. Foi esse conjunto de variáveis que concentrou mudanças na história da

agricultura, como pudemos ver.

Passados séculos, é possível observar uma permanência dos sistemas de

produção. Se antes o Ager era o responsável por desencadear processos tecnológicos

revolucionários a partir de três principais lavouras, hoje o mesmo se passa com as

denominadas commodities, que, no Brasil, são principalmente os cultivos de cana-de-

açúcar, soja e eucalipto22. O Quadro 2 sistematiza as principais características entre a

Revolução Verde e a Biorrevolução e as diferenças entre elas.

Quadro 2: Comparativo entre as estruturas institucionais da Revolução Verde e da Biorrevolução. Características Revolução Verde Biorrevolução

Culturas afetadas Trigo, arroz, milho. No Brasil soja, eucalipto, café, frutas, cana.

Potencialmente todas as culturas, inclusive hortaliças, frutas, culturas de exportação (cacau, babaçu) e culturas de especiarias (condimentos e essências).

Outros produtos afetados

Nenhum Produtos animais, farmacêuticos, produtos alimentícios beneficiados, energia.

Áreas afetadas Alguns países menos desenvolvidos, algumas localidades (i.e., se acompanhado de irrigação, terras de alta qualidade, disponibilidade de transportes etc.).

Todas as áreas, todas as nações, todos os lugares, inclusive as terras marginais (caracterizadas por secas, salinidade, toxidez por alumínio etc.).

Desenvolvimento e disseminação da

Principalmente pelo setor oficial ou pelo setor semioficial.

Principalmente pelo setor privado (corporações multinacionais e firmas novas). As multinacionais predominam na

22 A expressividade da produção de cana, soja e eucalipto pode ser observada pelo tamanho que ocupam para sua produção. Assim, segundo o geógrafo Paulo Alentejano (2008) ao analisar dados preliminares do Censo Agropecuário do IBGE 2006, dos 60 milhões de hectares de lavoura existentes no Brasil, 21 milhões são de soja (35%), 9,5 milhões de cana (16%) e 5,5 milhões de eucalipto (9%), confirmando esse argumento já que os cultivos exportáveis são utilizados para alimentação animal, etanol (biocombustíveis) e celulose, respectivamente, transformando a maior parcela de lavouras para outros fins que não os da produção de alimentos e o abastecimento interno, o que torna vulnerável a segurança alimentar.

Page 58: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

55

tecnologia comercialização.

Considerações de propriedade

As partes e as proteções de cultivares geralmente irrelevantes.

Os processos e os produtos são patenteáveis e protegíveis.

Habilidades de pesquisa necessárias

Melhoramento de plantas convencionais e ciências agrárias paralelas.

Especialização em biologia molecular e celular, mais as habilidades de melhoramento de plantas convencionais.

Fonte: Kenney e Buttel (1984), em Buttel, Kenney e Kloppenburg (1990 p. 121), com adaptações da autora.

Cada uma das revoluções agrícolas de que temos conhecimento impactou seu

meio ambiental, econômico, político, social e cultural. O que cabe considerar é uma

recorrência na história da agricultura de grandes transformações mediadas pelas

mudanças técnicas. Daremos destaque às transformações dos séculos XX e XXI, sem

desconectá-las de um processo histórico de grandes descobertas e consequências na

agricultura (por exemplo, as áreas degradadas herdadas no presente)23. Entretanto, não

podemos desconsiderar a geração de tecnologia em sistemas de produção “tradicionais”,

denominação adotada por muitos autores que, nos estudos sobre agroecologia, servem-

se da História como método de pesquisa, e cujos interesses recaem sobre os sistemas

sociais de produção camponeses e indígenas, sobretudo na América Latina, tendo por

objetivo desenvolver elementos para práticas agrícolas mais “sustentáveis”. Entre esses

estudos, encontram-se os de Sevilla Guzmán e González de Molina (1993), Altieri

(1999), Sevilla Guzmán, González de Molina e Casado (2000) e Gliessman (2000),

como veremos mais detalhadamente no último tópico deste capítulo.

23 Um estudo elucidativo sobre a consequência da utilização das técnicas agrícolas, principalmente a da

monocultura do café no século XVIII e XIX, e seus impactos econômicos, sociais, políticos e ambientais, nos é dada por José Augusto Pádua ao reconstruir a forma de ocupação histórica no Vale do Paraíba. Ver Pádua JA. Um Sopro de Destruição: pensamento político e crítica ambiental no Brasil escravista (1786-1888). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. Castro, Gomes e Corrêa (1995), ao tratarem o processo de “marginalização espacial”, definem-o como o valor atribuído a um dado lugar que pode variar ao longo do tempo por razões de ordem econômica, política ou cultural, podendo alterar sua importância e, no limite, marginalizá-lo, deixando-o à margem da rede de lugares a que se vinculava. Ver Castro IE, Gomes, Corrêa RL (orgs.). Geografia: conceitos e temas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995. O Vale do Paraíba perde sua importância após a crise do café. É justamente neste ciclo de degradação ambiental e perda de importância econômica da região que hoje se instalam grandes projetos de produção de eucalipto para a produção de celulose, um novo ciclo de dominação e apropriação do território.

Page 59: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

56

Na história recente da agricultura, em um curto período de tempo, aceleraram-se

processos produtivos e sobretudo sociais, de modo nunca vistos antes. Do surgimento

da protoagricultura até a Revolução Agrícola Neolítica levou-se aproximadamente

quatro séculos, e desta para a Revolução Agrícola da Antiguidade, cinco séculos. Para

que ocorresse a Revolução Agrícola da Idade Média, foram necessários

aproximadamente onze séculos. Foi somente depois de seis séculos que aconteceu a

Primeira Revolução Agrícola dos tempos modernos e, diminuindo o intervalo de tempo

entre uma e outra, podemos considerar, no espaço de tempo de menos de dois séculos,

duas revoluções sendo desencadeadas, quais sejam, a Segunda e a Terceira Revolução

Agrícola dos tempos modernos (veja Quadro 1 para uma caracterização desses

períodos).

2.2.1 Revolução Verde: o “cerco” tecnológico e institucional, ou de como o

modelo se faz dominante

No Brasil, a Segunda Revolução Agrícola dos tempos modernos, caracterizada

pela utilização de motomecanização, seleção de espécies e fertilizantes solúveis, é

desencadeada durante o século XX, a partir de um aparato estatal compreendendo

educação agrícola, pesquisa agropecuária, extensão rural e assistência técnica ao

crédito, cuja intensificação pode ser assistida a partir dos anos 1960 – a Revolução

Verde.

A Revolução Verde possibilita transformar o trabalho agrícola e promover um

deslocamento do protagonismo dos agricultores para as então instaladas unidades de

acumulação de capital agroindustrial, em grande medida, multinacional. É assim que o

“rendimento do trabalho no cultivo de culturas sachadas24 passa de 1 hectare para 200

hectares por trabalhador, ou ainda um vaqueiro que com suas próprias mãos poderia

ordenhar uma dúzia de vacas, com uma sala de ordenha automatizada passa a ordenhar

200” (MAZOYER e ROUDART, 1998. p. 373).

O que esta revolução acumulou em termos de avanços tecnológicos na utilização

de adubos químicos, motomecanização e seleção de espécies, é acompanhado de

geração de desigualdades econômicas, haja visto seu impacto registrado sobre

comunidades camponesas (MAZOYER e ROUDART, 1998. p. 431).

24 Cultivos temporários.

Page 60: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

57

As institucionalidades que vão se conformando ao longo do século XX e sendo

consolidadas com a Revolução Verde concorrerão para a consolidação de um circuito

que destitui o camponês de sua autonomia e o inscreve na dinâmica de reprodução do

modelo agrícola dominante.

2.2.1.1 Os papéis do ensino agrícola, da extensão rural, da assistência técnica e do credito agrícola

A Revolução Agrícola ao longo do século XX é sustentada numa dinâmica de

construção institucional propiciando o surgimento da educação agrícola, da fase

difusionista-modernizadora da extensão rural, e a da assistência técnica ao crédito

agrícola. Foi forte aí a influência da política norte-americana em um período no qual

estavam se desenvolvendo as primeiras experiências de modernização e

agroindustrialização dos farmers, agricultores capitalizados, na ocupação do oeste dos

EUA. Contou também a ação das elites agrárias brasileiras na formação dos primeiros

intelectuais do ensino técnico responsáveis pelo surgimento do ensino agrícola nas

primeiras décadas do século XX, em particular no período compreendido entre 1900 e

194025. A mesma influência é exercida no que Mendonça (2007) considera como a

ressignificação do ensino agrícola no Brasil, ou extensionismo rural, no período entre

1940 e 1990, quando as instituições anteriormente criadas para isto são extintas, abrindo

uma nova fase nos serviços de extensão rural no Brasil26.

O ensino agrícola surge no Brasil em meados do século XX como uma solução

para a crise agrícola que enfrentavam, e também para alinhar a agricultura brasileira à

25 As primeiras instituições do ensino agrícola no Brasil são criadas quando em 1901 surge a ESALQ (Escola Superior de Agricultura Luis de Queiróz), em Piracicaba/ SP. Em 1908 é criada a ESAL (Escola Superior de Agricultura de Lavras) no município de mesmo nome, em MG. Em 1910 é criada a ESAMV (Escola Superior de Agricultura e Medicina Veterinária), no Rio de Janeiro. 26 Interessa-nos examinar o período que compreende a conformação das institucionalidades na Revolução Agrícola do século XX, ou seja, até o período acima indicado; porém, é possível observar uma reorientação dos serviços de ATER a partir do final da década de 1990, quando em um ambiente de abertura política é contestado tanto o modelo difusionista-modernizador de ATER quanto o modelo de desenvolvimento a ser seguido. O questionamento é feito por extensionistas, movimentos sociais e ONGs não alinhados com as políticas de transferência de tecnologias e reprodução do modelo dominante para a agricultura. Para uma caracterização deste período e as reflexões que são trazidas inclusive para questionar se de fato há uma ruptura com o modelo difusionista-modernizador, veja: Caporal FR. Bases para uma nova ATER pública. Brasília: MDA/ SAF/ DATER, 2003; Brasil, Lei 12.188 de 11 de janeiro de 2010. Institui a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar e Reforma Agrária – PNATER – e o Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiar e na Reforma Agrária – PRONATER –, altera a Lei n°8.666 de 21 de junho de 1993 e dá outras providências. DOU, Brasília, n°7. 12/01/2010. Seção 1.

Page 61: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

58

modernização. É neste sentido que se percebem as primeiras construções ideológicas do

“agricultor moderno”, segundo o modelo modernizador alinhado aos preceitos norte-

americanos, propondo transformar o Jeca Tatu27 no agricultor ao estilo farmer28. O

ensino agrícola surge, assim, com caráter pedagógico e civilizatório das ditas massas

rurais, supostas ignorantes e inertes.

Nas palavras de Arthur Torres Filho, sujeito atuante na criação de instituições do

ensino agrícola, da extensão rural e de fazendas experimentais no Brasil,

O Brasil necessita contar com um grupo de homens que se dediquem exclusivamente aos trabalhos de laboratórios sem necessidade de recorrer a outras atividades para garantia da subsistência [...] sem as pesquisas agrícolas, a indústria não progride. Veja-se o quanto é indispensável, num país como o Brasil, a existência de uma elite que se absorva na ciência, que se concentre nos livros e laboratórios (TORRES FILHO, 1919 citado por MENDONÇA, 1998 p. 40).

Assim, a cientificidade tornou-se elemento inseparável da constituição de uma

ideologia profissional agronômica. Quem ingressava no ensino agronômico eram jovens

escolhidos dentre filhos de produtores locais, de uma elite que consagra a educação

rural como um patrimônio das frações agrárias da classe dominante.

As mudanças nas primeiras décadas do século XX que desencadearam a

institucionalização tanto da educação rural quanto, mais tarde, do extensionismo,

fizeram com que a classe dominante exercesse grande influência sobre a modernização

da agricultura, colocando os técnicos então formados intermediando os camponeses e a

classe dominante.

Colocava-se assim, à porta dos trabalhadores, uma “outra” agricultura – a dos técnicos e professores, a ser por eles introjetada, a partir das experiências “exemplares” desenvolvidas nas fazendas-modelo e demais centros de ensino (MENDONÇA, 1998 p. 36).

27 Criação de Monteiro Lobato, o Jeca Tatu consagrou-se como o imaginário do “homem do campo”, o caboclo brasileiro, o roceiro analfabeto, o caipira. Segundo Pons (1998), ainda que mais tarde o escritor tenha afirmado “O Jeca não é assim, está assim”, esta noção colocou em condição de inferioridade e privação a maioria dos camponeses, os quais eram desprovidos, segundo Anísio Teixeira, de técnicas sociais básicas, ou seja, ler, escrever e contar. Veja Pons MA. História da Agricultura. Caxias do Sul: Maneco, 1998. 28 Os magnatas do “capitalismo selvagem” norte-americano do final do século XIX integravam-se através de instituições filantrópicas na implantação das agroindústrias no oeste dos EUA, onde privilegiavam, não sem interesses econômicos que na verdade representavam aqueles agricultores mais “aptos” a serem ajudados, os farmers, que tiveram papel fundamental no desenvolvimento do capitalismo agrário daquele país, como mostra Abramovay (1992).

Page 62: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

59

As primeiras universidades brasileiras de ensino agronômico e veterinário

surgiram pelas mãos de frações de classes dominantes e da influência norte-americana

direta, já que era comum incorporarem norte-americanos aos quadros de direção e entre

os professores catedráticos responsáveis pela coordenação de disciplinas.

Este fato, segundo a historiadora Sônia Mendonça, torna a educação o principal

instrumento de disseminação da hegemonia29.

Segundo Gramsci, o intelectual é aquele que organiza um grupo, tornando-o consciente de seu lugar social, seus valores e ideias, daí a denominação de orgânico. Porém, como em toda sociedade capitalista o poder econômico e político está em mãos dos grupos dominantes, é claro que estes detêm melhores condições para organizarem-se e produzirem seus próprios intelectuais, encarregados de difundir – especialmente junto aos subalternos – seus projetos como “verdades insofismáveis”. É nisso que consiste a hegemonia: quando os valores de um grupo ou classe são adotados pelas demais como se fossem seus, obstaculizando a capacidade de organização dos dominados (MENDONÇA, 2007. p. 3).

Assim, mais tarde, na década de 1940, a extensão rural surge como a

ressignificação do ensino agrícola. Entendida como um caráter ambulante e prático, a

extensão rural se diferencia do ensino agrícola por se tratar de educação informal que

possibilitava ampliar o público formado. A extensão rural também era entendida como

educação para adultos, enquanto o ensino agrícola formal envolvia sobretudo jovens.

Segundo Mendonça (2007), o que ocorre a partir da década de 1940 é uma

substituição da Escola agrícola pelo extensionismo, um novo tipo de ação educativa via

assistência tecnofinanceira, ou seja, o extensionismo atrelado ao crédito rural.

A extensão rural, enquanto novo tipo de ação educativa, bem mais amplo que a

educação escolar, toma forma na década de 1940, sempre atrelada ao crédito, aos

objetivos da modernização da agricultura e, consequentemente, no combate ao atraso

representado por uma agricultura tradicional. No auge de modernização a ser seguida,

eram considerados agricultores tradicionais a maior parte dos camponeses para os quais

os técnicos e extensionistas desenharam programas de “desenvolvimento comunitário”

29 A autora mostra em seu livro “Agronomia e poder” a criação, em 1901, da ESALQ, que foi desenhada por um projeto de ensino superior por uma classe dominante hegemônica cujos custos para os estudos possibilitavam o ingresso, indicado apenas aos filhos dos grandes proprietários de terra, estando voltada basicamente para o centro-sul do país. Como projeto de grupos agrários regionais como Bahia e Minas Gerais, hegemonizados dentro da classe dominante, é criada em 1910 a ESAMV, também reproduzindo o paradigma do progresso demarcado no ensino da agronomia.

Page 63: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

60

de maneira que, em uma transição, tais agricultores pudessem se “modernizar”, onde os

centros de pesquisa também tiveram papel importante na reprodução de um modelo

tecnológico modernizador.

O paradigma da modernização adotou em grande medida uma aproximação produtivista e difusionista ao desenvolvimento rural. Advogou com força por soluções tecnológicas a seus problemas, defendendo com entusiasmo a Revolução Verde. O modelo a seguir eram os agricultores capitalistas dos países desenvolvidos, assim como aqueles agricultores dos países em desenvolvimento que se encontravam plenamente integrados no mercado e que empregaram métodos de produção modernos. Estas novas tecnologias se difundiriam entre os agricultores tradicionais, pequenos ou grandes, através de centros de investigação público e privados (KAY, 2001 p. 6).

O disciplinamento e o papel civilizador também fazem parte do extensionismo

sob o rol da classe dominante agrária, o que facilitava o combate aos movimentos

sociais então atuantes como o eram as Ligas Camponesas30, posteriormente dizimadas

pelo regime político ditatorial brasileiro, assim como outras manifestações camponesas.

Assim, ao final da década de 1940 foi implantado um conjunto de agências e

programas de Extensão Rural difusionistas31, semanas ruralistas, missões rurais, clubes

agrícolas, centros de treinamento, assistência tecnofinanceira.

30 Veja Azevêdo FA. As ligas camponesas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. 31 Para um breve histórico, é considerado o surgimento da ATER em 1948 com a criação da ACAR (Associação de crédito e assistência rural – MG). A ACAR era fruto de uma cooperação técnica entre o governo mineiro e Nelson Rockefeller, magnata norte-americano envolvido nas principais ações do desenvolvimento na América Latina sob o governo Truman nos EUA e presidente da entidade filantrópica AIA (American Internacional Association for economic and social development) e principal articulador do Programa Ponto IV do governo norte-americano de ajuda técnica para o desenvolvimento, que nada mais era que a exportação para o mundo do ideário do desenvolvimento dos EUA. Em 1956, esta experiência se nacionaliza e surge a ABCAR (Associação Brasileira de Crédito e Assistência Rural). Nessa nacionalização dos serviços de ATER surge, em 1956, a Associação de Crédito e Assistência Rural do Espírito Santo, ACARES, e viria a se desdobrar na EMATER e no INCAPER. De 1956 a 1960 se intensifica o crédito, financiando a agricultura de fronteira, tendo o apoio do BID e Banco Mundial em estreita relação com a AIA. Em meados da década de 1970, o governo do presidente Ernesto Geisel “estatizou” o serviço, implantando o Sistema Brasileiro de Assistência Técnica e Extensão Rural – SIBRATER, coordenado pela EMBRATER e executado por empresas de ATER nos estados, as EMATER. Com o início do governo Collor, políticas de ajuste estruturais fazem com que a EMBRATER seja extinta, em 1990. Não existem bibliografias que organizem a história da ATER no Brasil, mas vários trabalhos discutem o período que vai de 1940 até 1990. A pesquisadora Sônia Mendonça traz, porém, um fio condutor que mostra por trás destas institucionalidades os interesses norte-americanos e das classes dominantes e discute estas estratégicas mesmo em períodos compreendidos antes mesmo da década de 1940, ou seja, o próprio surgimento do ensino agrícola.

Com relação a ATER específica à reforma agrária, surgiu em 1997 o Projeto Lumiar, e nesta mesma década, somado a extinção da EMBRATER, surgem cooperativas de técnicos e prestadores de serviços, em que novos sujeitos passam a interagir no meio rural a partir de novas metodologias e sobre novas bases do desenvolvimento rural. O Projeto Lumiar é então extinto em 2000, somente sendo retomado um

Page 64: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

61

Safira Ammann (1987), no livro intitulado “Ideologia do desenvolvimento de

comunidades no Brasil”, caracteriza as fases em que se desenvolve a extensão rural no

Brasil, a partir da década 1950, quando surge a metodologia do “desenvolvimento de

comunidades”, tendo por base pressupostos acríticos e aclassistas. É nesta fase que,

segundo a autora, se reproduz a contento o modelo norte-americano de extensão

agrícola, originado no The Morril Act e nos Land Grant Colleges, dando as bases para o

início da extensão rural em vários estados norte-americanos.

Segundo Florestan Fernandes, no prefácio do referido livro, esta fase converte a

participação popular em um fator histórico de eliminação das causas e efeitos dos

antagonismos de classes, além de considerar que os intelectuais do “desenvolvimento de

comunidades” foram intelectuais orgânicos das classes dominantes mobilizados para dar

ordem à racionalidade do capitalismo periférico. É então em plena ditadura e processo

de modernização da agricultura no Brasil (1964 a 1977) que a participação popular é

usada enquanto recurso para legitimar a sociedade política - o Estado.

Talvez isso possa explicar a forma com que foram implantados os pacotes

tecnológicos, sendo que muitas das tecnologias adotadas só foram possíveis sob Estado

totalitário, segundo metodologias acríticas e aclassistas como as adotadas no

“desenvolvimento de comunidades”.

A fase difusionista-modernizadora da extensão rural pode ser assim considerada:

aos extensionistas cabia divulgar a tecnologia realizando testes nas propriedades dos agricultores ou em áreas de localidades rurais (comunidade). O modelo de extensão, fundado numa visão de comunicação linear (produtores e receptores de informação) era conhecido como “mancha de óleo” e se fundamentava na ideia de que bastavam trabalhar com alguns agricultores “modelos”, selecionados pela sua abertura intelectual, para convencer, por efeito de demonstração, os outros agricultores tidos como atrasados e resistentes às mudanças técnicas (NEVES, 2005. p. 81).

Nessa metodologia não se questiona questões estruturais societárias (questões de

fundo do desenvolvimento), como a perda de terra de agricultores ou mesmo de seu

conhecimento, que passa a ser secundarizado frente às possibilidades da modernização

novo serviço de ATER aos assentamentos rurais pelo INCRA em 2003 com a renomeada ATES (Assessoria Técnica, social e ambiental à reforma agrária). Para compreender as peculiaridades dos serviços de ATER aos assentamentos rurais é preciso, antes, entender as tensões em torno da reforma agrária brasileira.

Page 65: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

62

que se lhes apresentam como o combate ao atraso. Em contrapartida, essa metodologia

promove a modernização e o consequente desenvolvimento do capitalismo no agro.

Assim, segundo Ammann (1987), o “desenvolvimento de comunidades”,

entendendo comunidade como consenso, dá a ideia do “povo único” sem conflitos de

classe e onde a participação é funcional ao sistema, ao garantir maior estabilidade à

mudança dirigida, ou seja, ao capitalismo e à modernização.

A “participação”, no processo de modernização da agricultura gerou, segundo

Ammann (1987), a manipulação de classes subalternas, fazendo-as acreditar que são

autoras das inovações. Segundo a autora, a atuação da equipe técnica de extensão rural,

agente da hegemonia e reprodutora da ideologia das classes dominantes, promove a

modernização do meio rural sem questionar a estrutura agrária brasileira, camufla as

relações de dominação vigentes no campo e pretende que autoridades, fazendeiros,

colonos e assalariados sintam-se reunidos em igualdade de condições.

Em 1977 o serviço social que garante o “desenvolvimento de comunidades” é

finalizado, assim como a EMBATER, que é extinta em 1990.

Após a extinção, a extensão rural no Brasil vive um período de crise. Podemos

listar algumas causas, tais como: modelos de atuação esgotados e que não correspondem

às necessidades de agricultores que enfrentam o desafio da “sustentabilidade”, que passa

a ser pautada na sociedade mesmo dentre as distintas concepções que perpassam este

tema; ausência da interação sistemática entre centros de pesquisa e instituições de

ATER; baixo nível de desenvolvimento de tecnologias apropriadas à “agricultura

familiar”, então maioria da população rural. A extinção dos serviços de ATER acentuou

problemas de perda de legitimidade e credibilidade, orçamentários, escassa

possibilidade de ação operativa, perda de patrimônio, baixa incorporação de novos

quadros técnicos, falta de apoio político e crise de paradigmas.

Hoje, com base nestas críticas, uma “nova ATER”, foi desenhada na Lei 12.188

de 11/01/2010, que institui a política nacional de assistência técnica e extensão rural

para a agricultura familiar e reforma agrária – PNATER – e o Programa nacional de

assistência técnica e extensão rural para agricultura familiar e reforma agrária –

PRONATER32 –, tendo como princípios o “desenvolvimento rural sustentável”

32 Brasil, Lei 12.188 de 11 de janeiro de 2010. Institui a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar e Reforma Agrária – PNATER e o Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiar e na Reforma Agrária – PRONATER, altera a Lei n° 8.666 de 21 de junho de 1993, e dá outras providências. DOU, Brasília, n°7. 12/01/2010. Seção 1.

Page 66: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

63

compatível com a utilização adequada dos recursos naturais e com a preservação do

meio ambiente; a gratuidade, a qualidade e a acessibilidade aos serviços de assistência

técnica e extensão rural; adoção de metodologias participativas com enfoque

pluridisciplinar, interdisciplinar e intercultural, buscando a construção da cidadania e a

democratização da gestão da política pública; adoção de princípios de agricultura de

base ecológica como enfoque preferencial para o desenvolvimento de sistemas de

produção sustentáveis; equidade nas relações de gênero, geração, raça e etnia;

contribuição para a segurança e soberania alimentar e nutricional.

Ainda que se tenham mudado as bases da extensão rural, podemos perceber que

as instituições terminam por sucumbir aos ditames dos modelos dominantes de

desenvolvimento rural, nem sempre se alinhando aos princípios que regem a Lei. Isto se

dá, sobretudo, pelas dimensões que dizem respeito ao modo capitalista de produção e às

relações de poder nele enraizadas que regem boa parte da dinâmica agrícola, o que torna

desafiadora uma transição para mecanismos mais autônomos e mais centrados no

fortalecimento de uma “agricultura familiar”, como veremos adiante.

2.2.1.2 As tecnologias “milagrosas” A seguir discutimos as características da Revolução Agrícola do século XX para

perceber outras questões que definem a estrutura agrária brasileira que, somadas à

formação técnica a partir do ensino agrícola e consequente extensão rural, são interfaces

de um mesmo processo, que entendemos dominado por frações das classes dominantes

e concentrador de poder.

Para tanto, um dos mecanismos de modernização agrícola pelo qual se exerce a

submissão de estruturas e instituições dá-se pela adoção em larga escala de pacotes

tecnológicos, que nada mais são do que uma convergência das inovações mecânicas,

químicas e genéticas operadas por capitais agroindustriais multinacionais em uma

estratégia complementar e de integração crescente entre agricultura e indústria,

incorporando tanto o processo de trabalho quanto o processo natural de produção

(Goodman, Sorj e Wilkinson, 1990).

As inovações biológicas, tal como ocorre com outros avanços tecnológicos,

ocasionaram grandes mudanças no processo de trabalho e nas relações sociais, como no

caso do desenvolvimento das sementes híbridas, ou uma “revolução das sementes” ou

Page 67: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

64

ainda, como sugere Vandana Shiva (2003), uma revolução das “sementes milagrosas”,

se observado o grande entusiasmo da indústria com essa nova forma de apropriação do

agro por parte das multinacionais.

Se as sementes híbridas se caracterizaram enquanto Variedades de Alto

Rendimento (VAR) e se consolidaram enquanto ponto essencial da modernização da

agricultura, Shiva (2003) mostra que na verdade o termo ‘Variedades de Alto

Rendimento’ é enganoso, uma vez que o desempenho destas sementes é inferior ao das

variedades nativas, cujo aumento da produção é insignificante se comparado ao

aumento dos insumos necessários à sua produção.

Desta forma, as Variedades de Alto Rendimento são produtos das técnicas

criadas pelo capital para intervir na base genética estabelecida por processos

evolucionários antiquíssimos, ocasionando o que Mooney (2002) denomina de “erosão

genética”, já que está em curso uma perda do material genético por anos preservado

pelos agricultores. A intervenção na base genética, portanto, possibilita, ao mesmo

tempo em que se adotam as novas “Variedades de Alto Rendimento”, fazer com que se

adquira o pacote tecnológico que a acompanha, necessário à sua produção.

Segundo Goodman, Sorj e Wilkinson (1990), o que passa a ocorrer é o

apropriacionismo, processo este decorrente da incapacidade do capital industrial em

transformar o sistema agroalimentar, da produção agrícola até o consumo final do

alimento, como um todo unificado. Os autores explicam que isso se dá devido ao

processo de produção natural da agricultura, que confronta o capitalismo e impede a

agricultura, justamente por isso, de ser diretamente transformada em um ramo da

produção industrial, pelas limitações estruturais do processo de produção agrícola

como, por exemplo, o tempo biológico do crescimento das plantas.

Dessa forma, “limitações” impostas pela natureza passam a ser contornadas pelo

progresso técnico - o cavalo é substituído pelo trator e a adubação orgânica pela

sintética, transformando-se assim a produção agrícola em setores específicos da

atividade industrial. “Este processo descontínuo, porém persistente de eliminação de

elementos discretos da produção agrícola, sua transformação em atividades agrícolas e

sua reincorporação a agricultura sob a forma de insumos, designamos

apropriacionismo” (GOODMAN, SORJ e WILKINSON, 1990 p.1-2).

A partir da tese do apropriacionismo, os autores consideram que este processo

define as origens dos capitais agroindustriais e o “complexo” de setores (equipamentos,

processamento, sementes e agroquímicos) no campo, que seria a resposta industrial

Page 68: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

65

específica à resistência do processo biológico da produção agrícola à transformação

industrial direta, definindo o conceito da então denominada Revolução Verde, uma vez

que inovações mecânicas e químico-genéticas ocasionam a apropriação do processo de

produção natural, eventualmente caindo sob o controle industrial e dependente dos

avanços da ciência e da tecnologia para revelar novas oportunidades para a produção

capitalista.

A primeira apropriação real do processo de produção natural ocorreu na genética de plantas e as técnicas de hibridização de safras tornaram-se o pivô do desenvolvimento agroindustrial subsequente. Os setores químicos de implementos agrícolas abandonaram suas estratégias relativamente independentes e convergiram na direção destas inovações biológicas, criando padrões de apropriação novos e mais interdependentes (GOODMAN, SORJ e WILKINSON, 1990 p.10).

Foi desta forma que as sementes híbridas tiveram um papel decisivo na

implantação dos pacotes tecnológicos. Essas sementes híbridas ditas de alto rendimento,

“defendidas” a base de agrotóxicos, eram sensíveis ao uso de fertilizantes sintéticos e

intencionalmente adaptadas à colheita mecânica, tornando-se, dessa maneira, o foco

privilegiado da apropriação industrial.

Também faz parte do apropriacionismo a fase na qual a produção agrícola é

então liberada de sua exclusiva dependência com relação às matérias orgânicas e ciclos

naturais de renovação da fertilidade, tendo como substitutos produtos sintéticos,

segundo Goodman, Sorj e Wilkinson (1990).

Como citam os autores reconstruindo a gênese de formação dos complexos

agroindustriais, na década de 1870 um dos fundadores da indústria de fertilizantes, John

Bennet Lawes, estava entre os primeiros a reconhecer as oportunidades industriais

apresentadas pela incipiente ciência da química agrícola, na qual as técnicas permitiam

o processo de concentração de poder e o desenvolvimento do capitalismo no campo

pelo desenvolvimento das agroindústrias.

No setor de motomecanização, John Deere introduziu com sucesso arados de

aiveca de aço, lançando as bases de um empreendimento que iria se tornar um gigante

da indústria de maquinário agrícola, segundo Goodman, Sorj e Wilkinson (1990).

O homem que podia cortar com a foicinha menos de um acre de grãos por dia podia com a gadanha cortar pelo menos dois; ponha-o no

Page 69: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

66

assento de uma colhedeira da Virgínia, e ele podia cortar de 10 a 15 acres por dia, com ajuda de um homem para ancinhar o grão. Na década de 1860, a colhedeira capaz de ancinhar automaticamente já tinha eliminado este ajudante de muitos campos de colheita. Anteriormente à Guerra Civil, pouco mais de cinco trabalhadores era necessários para juntar os fardos atrás da colhedeira, e um número pouco menor logo após a guerra. A colhedeira Marsh Harvester reduziu este numero a dois, e a enfardadora automática eliminou também estes homens (BOGUE, 1968 citado por GOODMAN, SORJ e WILKINSON 1990 p.15).

Como vimos, os pacotes tecnológicos, cerne da modernização da agricultura

simbolizado pela Revolução Verde, foram propagandeados por extensionistas e

pesquisadores alinhados à dita Revolução, e tinham como preceito as benesses da alta

produtividade, consequentemente garantindo a segurança alimentar mundial, discurso

ainda hoje utilizado mas que vem sendo desconstruído devido aos argumentos de que

não há necessariamente uma ligação direta entre produção e distribuição.

A afirmação da FAO de 1996, em seu documento técnico de referência

intitulado “Enseñanzas de la Revolución Verde: Hacia una nueva Revolución Verde”,

citado por Pengue (1995), justifica a Revolução Verde e mostra como a presença do

discurso da segurança alimentar persiste na defesa da mesma. O documento defende que

a Revolução se justifica a partir dos avanços tecnológicos, uma vez que o incremento de

áreas produtivas para alimentar uma população crescente, como a asiática, exigia

conhecimentos tecnológicos antes não conhecidos. Conforme o referido documento

reconhece, “a Revolução Verde apresenta as mesmas vantagens e inconvenientes de

muitos avanços tecnológicos que transformaram e criaram as modernas sociedades

globais. Houve ganhadores, mas também perdedores33”, e é contundente em afirmar que

“a Revolução Verde evitou sem dúvida uma grave crise alimentar”. Pengue (1995)

contesta a tese de que a Revolução Verde, sob o desenvolvimento tecnológico que teve,

serviu para evitar uma crise alimentar, haja vista as inúmeras crises que a história

conheceu.

Além da insegurança alimentar, fruto da opção por cultivos não alimentares e

para exportação, e da má distribuição de produtos, também encontramos os problemas

das inseguridades que se expressam com relação ao questionamento quanto à qualidade

33 O argumento apresentado pelo documento da FAO de que existem ganhadores e perdedores também abre uma questão: quem são os perdedores e quem são os ganhadores na Revolução Verde?

Page 70: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

67

dos alimentos, mostrando uma insuficiência deste modelo para dar respostas às

necessidades de alimentação34.

Há, por trás da Revolução Verde que se ampara (não sem contestações) na

ideologia produtivista, segundo Buttel (1993), a afirmação de que a produção

aumentada é em si socialmente desejável, e de que todas as partes se beneficiariam de

um produto aumentado.

O lugar de uma ideologia produtivista35, símbolo de um processo de

desenvolvimento tecnológico de décadas anteriores cujos impactos são sentidos hoje

principalmente pela degradação dos recursos naturais, é marcado por único indicador: o

de eficiência – no caso, a produtividade por área. Quanto maior esta for,

independentemente dos impactos ambientais ou sociais, melhor. Não é considerado

também nesta noção de eficiência produtiva o esgotamento dos recursos naturais, fato

que faz com que os investimentos em produtos químicos sintéticos aumentem a cada

safra para que se possa manter a mesma produtividade.

No debate sobre a eficiência, é comum a comparação entre a perspectiva circunscrita da produtividade física dos cultivos e a produtividade total. Enquanto na primeira o importante é a relação quantidade/área, na segunda a eficiência se identifica com a produtividade integral de um sistema no qual se podem incluir aparte das mesmas quantidades físicas, a produtividade adicional derivada dos processos ecológicos (por exemplo, as sinergias), os subprodutos (produção de maior variedade de artigos de consumo interno) ou os serviços ambientais (como a conservação dos recursos externos à área de produção) (CANUTO, 1998 p. 95).

Canuto (1998) em contraponto à ideologia produtivista que atribui a

competência tecnológica a uma produtividade em medida física (ton./ha), considera que 34 São crescentes os conflitos que envolvem a utilização de agrotóxicos na agricultura e os argumentos recaem, sobretudo, na seguridade alimentar. A contestação ao uso dos agrotóxicos tem início na década de 1980, quando então é defendida pelas representações de classe dos engenheiros agrônomos culminando na promulgação do Decreto n° 4.074 de 04/01/2002 que regulamenta a Lei federal n° 7.802 de 11/07/1989 que define e trata a Lei dos Agrotóxicos. Desde 2008 a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) está impedida, por uma liminar obtida na justiça por fabricantes de agrotóxicos, de realizar a reavaliação toxicológica de agrotóxicos utilizados no Brasil e já proibidos em outros países. Também na reação à utilização de agrotóxicos foi criado recentemente, em 2009, o Fórum Nacional de Combate aos Efeitos dos Agrotóxicos, coordenado pelo Ministério Público do Trabalho de PE, que reúne instituições governamentais e sociedade civil. Em 2008 o Brasil tornou-se o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. 35 Buttel (1993) mostra como ciência e tecnologia são intrinsecamente um domínio de interação ideológica, sendo modelados por classe e poder. “A tecnologia, assim como a ciência, são práticas sociais e como tais, desenvolvimento tecnológico e mudança tecnológica estão implicados na dinâmica fundamental da sociedade: distribuição social (classe social, desigualdade etc.), poder social (intervenção estatal, autoridade política, processos legais) e cultura (crenças primordiais, ideologia)” (BUTTEL, 1993. p. 303).

Page 71: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

68

nos processos de eficiência produtiva deve-se levar em conta a produtividade total ou

ecológica, que além de contemplar a produtividade física inclui uma série de produtos

resultantes de processos ecológicos, como maior fertilidade do solo, melhor

aproveitamento de recursos não monetarizados, produtos de extrativismo e mesmo

serviços ambientais.

As tecnologias, sob uma ideologia produtivista, se limitam a dar respostas à

necessidade de uma alta produtividade física por área, atendendo a interesses

econômicos hegemônicos e, sobretudo, colocando empresas em condições comerciais

competitivas em escala global. O contraponto apresentado por Canuto (1998) defende

que é preciso levar em conta mais do que uma referência ton./ha.

A ideologia produtivista no agro é apregoada, como vimos, através de um

modelo difusionista-modernizador. É assim que benesses da revolução tecnológica são

apresentadas com possibilidades como a “conquista do deserto”, a partir da utilização de

cultivos sob irrigação, como a autossuficiência em alimentos da super populosa China,

até então paradigma da fome endêmica, como a recuperação dos cerrados do Brasil

Central para o cultivo da soja com máquinas e fertilizantes e a multiplicação de vegetais

em laboratórios. Esses argumentos fazem com que se legitime na sociedade o modelo

produtivista, que passa a ser questionado somente a partir da década de 1980, com a

abertura política no Brasil, já que o pico de implantação da revolução agrícola,

configurada na Revolução Verde, se deu justamente sob o regime militar ditatorial

brasileiro ocorrido entre 1964 e 1985.

As mudanças que decorrem da adoção de tecnologias não se desencadeiam livres

de conflitos sociais, já que as mudanças tecnológicas, sendo novas formas de

apropriação dos territórios, traduzem as relações sociais e de poder a partir das técnicas

(Porto Gonçalves, 2006).

Hoje, porém, perante conflitos socioambientais que se apresentam e a

constatação de que recordes de produção em safras subsequentes não têm diretamente

relação com o provimento de alimentos, as corporações multinacionais do agro

desenvolvem estratégias tanto discursivas quanto tecnológicas para dar resposta a

questionamentos sociais, buscando mitigar impactos indesejáveis e promover uma

normalidade social para dar continuidade de sua exploração econômica e contornar

problemas sociais e ambientais por elas gerados em anteriores ciclos de dominação.

Page 72: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

69

2.2.2 Biorrevolução

A indústria biotecnológica tem origem com a fundação da primeira companhia

de engenharia genética, denominada Genetech, no ano de 1976, na França. Esse

processo foi acompanhado por uma mudança nas estratégias das corporações

multinacionais, que passam a reestruturar suas linhas de ação, dando preferência à

pesquisa e desenvolvimento de produtos biotecnológicos.

A tecnociência deve ser considerada ao abordarmos as tecnologias utilizadas

hoje para a produção agrícola, já que impera uma epistemologia diferente, associada a

uma demanda por habilidades práticas e para a utilização de instrumentos (Ferrari,

2008). Há uma primazia da aplicação sobre o conhecimento, fazendo com que as

tecnologias agrícolas emerjam, dando um status maior do fazer sobre o compreender,

dando à ciência um maior caráter de operacionalidade e funcionalidade com relação à

matéria.

Segundo a autora,

o conceito de tecnociência foi inicialmente cunhado pelo filósofo belga Gilbert Hottois, ao final da década de 1970, para indicar um processo duplo de internalização da tecnologia na ciência: de um lado a tecnologia torna-se um ambiente para a ciência, e de outro, representa a força que impulsiona a ciência (FERRARI, 2008. p. 17).

A motivação da primazia da aplicação sobre o conhecimento, segundo a autora,

é atribuída às necessidades econômicas capitalistas. É sobre esta praticidade da

tecnociência que se desdobram as descobertas atuais no campo da biotecnologia,

nanotecnologia, biologia sintética, dentre outras novas tecnologias que se apresentam

como a geoengenharia.

A biotecnologia pode ser definida como o “conjunto de técnicas que utilizam a

matéria viva e as funções biológicas para produzir ou transformar materiais vivos, tendo

em vista atividades médicas, agronômicas ou industriais” (GUÉRIN-MARCHAND,

1999. p.141). Segundo a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento

Econômico (OCDE), a biotecnologia se caracteriza pela aplicação de princípios da

ciência e da tecnologia no tratamento de matérias por agentes biológicos na produção de

bens e serviços. Já o Office of Technology Assessment (OTA) dos EUA, citado por

Pengue (2005), a define como o conjunto de técnicas que utiliza organismos vivos (ou

parte deles) para fabricar ou modificar produtos, melhorar plantas ou animais ou

desenvolver microorganismos para usos específicos.

Page 73: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

70

A biotecnologia como tal, não é nenhuma novidade. Existiu durante milênios, desde que o homem começou a fazer o vinho, cerveja, queijo, ou pão [...] a partir de microorganismos que realizam o trabalho de transformar o material original (uva, cevada, leite e trigo) no produto que se deseja (vinho, cerveja, queijo e pão) (HOBBELINK, 1990. p.110).

A novidade, segundo Guérin-Marchand (1999), passa a ser a existência de

técnicas de recombinação de genes e moléculas36. Antes disso, obtinha-se a melhora de

um microrganismo por metagênese37 ao acaso, por meio de seleções longas e caras.

Atualmente, os organismos buscados são criados rápida e especificamente por

engenharia genética.

Nem todas as biotecnologias partem de modificação genética com intervenções

que rompem barreiras naturais; porém, as (novas) agrobiotecnologias se utilizam de

organismos vivos modificados geneticamente por meio de engenharia genética ou da

tecnologia do DNA recombinante, que permite cortar e unir quimicamente o DNA e

assim transferir genes de uma espécie a outra e, ao fazê-lo, criar novas formas de vida,

possibilitando a criação de organismos com novos atributos, capazes de produzir

substâncias de valor econômico e social.

Nessa nova investida tecnocientífica, a transgenia surge como uma técnica útil a

ser apropriada pela indústria.

Utilizado pela primeira vez por Gordon e Ruddle em 1982, o termo transgênico designa um animal ou planta cujo genoma sofreu a adição de um gene ou transgene, não importando a proveniência deste, de tal forma que o novo caractere conferido pelo gene se transmite fielmente aos descendentes. Trata-se, portanto, de uma transgênese germinativa. Atualmente são praticadas também outras modificações genéticas, além da adição de um gene: destruição de um gene, mutagênese de um gene, substituição de um gene etc. (GUÉRIN-MARCHAND, 1999. p. 174-175).

A experiência de transgênese compreende as seguintes fases: isolamento,

clonagem, sequência do gene a ser estudado; elaboração de uma construção de DNA

36 Muitas das técnicas comumente ditas "novas biotecnologias", por exemplo cultura de tecido celular e vegetal, fusão de protoplastos, hibridização celular somática, ou são relativamente antigas e estabelecidas, ou não envolvem a capacidade de manipular "informações" suficiente, direta, precisa e eficientemente para vê-las como sendo qualitativamente diferentes das técnicas tradicionais ("velhas biotecnologias"). 37 Forma de reprodução por alternância de gerações em que uma planta diplóide (2n) produz por meiose plantas haplóides (n) – masculinas e femininas – que unem-se a outras formando um novo zigoto (2n).

Page 74: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

71

adequada, amplificação em E. Coli; teste e purificação da construção; avaliação do

funcionamento da construção por transfecção de células em cultura; introdução do DNA

em células germinativas ou embrionárias; fecundação in vitro (quando é o caso) e

reimplantação dos embriões obtidos; teste dos “ratinhos” e eventual

cruzamento/seleção.

Este tipo de técnica permite, conforme esclarece Guérin-Marchand (1999), por

exemplo, que transferindo-se às ovelhas dois genes provenientes de E. Coli, codificando

assim enzimas que permitem a síntese da cisteína (constituinte da lã), as ovelhas podem

fabricar sua própria cisteína, aumentando a qualidade e a quantidade de lã.

Ainda segundo a autora, a primeira planta transgênica data de 1983, sendo que a

primeira autorização para os cultivos na França data de fevereiro de 1998 para o milho

transgênico produzido pela empresa Novartis. A transgênese nas plantas é facilitada

pela totipotência das células vegetais, que permite regenerar uma planta inteira a partir

de uma única célula somática. Utiliza-se a bactéria Agrobacterium tumefaciens,

portadora de um plasmídeo transformado, como vetor de DNA exógeno para modificar

o material genético de algumas células de dicotiledônea ferida (planta infectada

intencionalmente pela A. tumefaciens com o objetivo de romper a parede

pectocelulósica resistente de células vegetais e fazê-la incorporar um fragmento novo de

DNA).

Dentre as realizações da transgênese, duas se destacam nas liberações legais

ocorridas no Brasil, quais sejam: plantas tolerantes aos herbicidas e “plantas

inseticidas”.

As plantas tolerantes a herbicidas constituem a categoria mais numerosa das

plantas transgênicas. Por transferência de genes, elas ficam tolerantes a herbicidas

escolhidos entre os menos tóxicos segundo Guérin-Marchand (1999), o glifosato

(Round-up), glufosinato (Basta) e o bromoxynil. Entre estas plantas desenvolvidas

encontram-se a soja, a beterraba, o melão, a batata, o tabaco, a colza e o milho.

Se na França as autorizações para cultivo comercial de plantas transgênicas

começaram em 1998, no Brasil as liberações iniciaram-se em 2005, segundo registros

da CTNBio sobre aprovações comerciais38.

Outro grupo de plantas transgênicas liberadas no Brasil diz respeito àquelas que

se caracterizam como “plantas inseticidas”.

38 Disponível em http://www.ctnbio.gov.br/index.php/content/view/12482.html Acesso em 24/12/2009.

Page 75: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

72

Nessa nova “utilidade” atribuída por meio da tecnociência, torna-se possível “dar às plantas a possibilidade de se defender contra os insetos”. Isto representa vantagens em relação ao uso de inseticidas; não há mais risco de “lavagem” do inseticida pela chuva; apenas os insetos que atacam a planta são destruídos e a planta é protegida até a raiz. Há três décadas utilizam-se com sucesso proteínas inseticidas provenientes de esporos de bactérias, como Bacillus thuringiensis (Bt), na luta contra as larvas de lepdópteros (traças e borboletas). Construções de DNA contendo estes genes de toxina foram implantadas no algodão, no tomate, na batata e no milho. Elas seguem em quantidade as plantas tolerantes aos herbicidas (GUÉRIN-MARCHAND, 1999. p. 215).

No Brasil, há um aumento subsequente no processo de aprovação comercial das

duas espécies de plantas transgênicas, sendo que algumas delas possuem tanto a

tolerância a herbicidas quanto à resistência aos insetos. É o caso, por exemplo, de

linhagens de milho e algodão transgênicos. Quadro 3: Lista de liberações comerciais da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio. 2009 - Liberação Comercial de Soja Geneticamente Modificada Tolerante aos Herbicidas do Grupo Químico das Imidazolinonas. 2009 - Liberação Comercial de Milho Resistente a Insetos da Ordem Lepidóptera e Tolerância ao Herbicida Glifosato. 2009 - Liberações Comerciais de Milho Resistente a Insetos 2009 - Liberações Comerciais de Algodão Resistente a Insetos e Tolerante a Herbicida 2009 - Liberações Comerciais de Milho Geneticamente Modificado Resistente a Insetos 2009 - Liberações Comerciais de Milho Geneticamente Modificado Resistente a Insetos e Tolerante a Herbicidas, Milho MON 810 2009 - Liberações Comerciais de Milho Geneticamente Modificado Para Resistência a Insetos e Tolerância a Herbicida, Milho Bt11 2009 - Liberações Comerciais de Algodão Geneticamente Modificado Resistente a Insetos, Algodão Bollgard II 2009 - Liberações Comerciais de Algodão Geneticamente Modificado, Resistente a Insetos e Tolerante ao Glufosinato de Amônio, Algodão Widestrike 2008 - Liberações Comerciais de Milho Geneticamente Modificado Resistente a Insetos da Ordem Lepidóptera e Pragas do Milho 2008 - Liberações Comerciais de Algodão Geneticamente Modificado, Algodão Roundup Ready 2008 - Liberações Comerciais de Milho Geneticamente Modificado Tolerante ao Glifosato, Milho GA21 2008 - Liberações Comerciais de Milho Geneticamente Modificado Tolerante ao Glifosato, Milho Roundup Ready 2 2008 - Liberações Comerciais de Algodão Geneticamente Modificado Tolerante a Herbicida Evento LLCotton25 2008 - Liberações Comerciais de Milho Geneticamente Modificado resistente a Insetos Evento BT 11 2007 - Liberações Comerciais de Milho Geneticamente Modificado tolerante a herbicida 2007 - Liberações Comerciais de Milho Geneticamente Modificado resistente a Insetos

Page 76: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

73

2005 - Liberações Comerciais de Algodão Geneticamente Modificado resistente a Insetos 1998/2005 - liberação comercial de soja geneticamente modificada tolerante ao herbicida Roundup Ready Fonte: CTNBio. Organização da autora. O quadro acima mostra como vem se intensificando a liberação comercial de

plantas pela CTNBio39.

Um dos estudiosos de sistemas de produção camponeses e indígenas, o

agroecólogo da Universidade de Berkley Miguel Altieri (2007), destaca que o principal

problema dos transgênicos é seu impacto sobre cultivos e a contaminação genética das

variedades tradicionais nos centros de origem, por exemplo, o milho na América central

e a batata na zona andina, onde os agricultores sofrerão um processo de erosão genética

similar ao que se passou com a “Revolução Verde”, porém com a diferença de que a

informação genética que adquirem estas variedades locais faz com que se percam certas

características importantes, como a resistência à seca, citando um dos casos, para ganhar

resistência aos herbicidas que eles (agricultores) não utilizam.

No mesmo estudo, o autor acrescenta outro risco associado aos cultivos

transgênicos sobre a ecologia do solo. Segundo Altieri (2007), pesquisas têm

demonstrado que a toxina Bt das plantas inseticidas permanece até 265 dias no solo;

ressalta também que o impacto maior na ecologia do solo está além do fato de cultivar

plantas transgênicas resistentes a herbicidas em si, mas sobretudo no herbicida que se

usa (Roundup), que atua como antibiótico no solo. Isso significa degradar o potencial

natural de regeneração dos solos, o que impossibilita que sistemas de produção sob

outras racionalidades que não os da agricultura de corporações se estabeleçam.

As críticas aos cultivos de plantas geneticamente modificadas também dizem

respeito à perda de material genético em regiões onde os cultivos tradicionais têm

importância socioeconômica. Assim, considera-se que a base genética da agricultura

moderna está constituída de umas poucas espécies cultivadas, “melhoradas” com o

objetivo de responder a um conjunto mais ou menos padronizado de técnicas e insumos.

Grandes extensões cobertas por estes cultivos desalojam e extinguem uma enorme

variedade de cultivos tradicionais e espécies de potencial ainda não estudado. A estreita

39 A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) é uma instância colegiada prevista na Lei n° 11.105 de 24 de março de 2005. Tal Lei que estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados, cria o Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS, reestrutura a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio e dispõe sobre a Política Nacional de Biossegurança – PNBA.

Page 77: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

74

base destes recursos leva a uma situação de extrema fragilidade, tanto ecológica

(diversidade biológica), como socioeconômica (falta de alternativas, em casos de stress

ecológico ou flutuações bruscas de mercado). Segundo Canuto (1998), tal estreitamento

genético não permite muitas alternativas, e os agricultores pobres arriscam sua própria

reprodução social pela perda quase completa dos recursos básicos para garantir sua

segurança alimentar.

Enquanto o debate em torno aos transgênicos envolvendo tanto comunidade

científica quanto demais sujeitos na sociedade interessados em ressaltar a importância

do princípio da precaução antes que sejam liberadas no meio ambiente, para tecnologias

cujos impactos na saúde40 e meio ambiente não gera regulação, tecnologias são

adotadas, com lucros promissores.

Assim, surge a manipulação da matéria na escala dos átomos e moléculas, a

nanotecnologia, como uma nova plataforma tecnológica para descobrir, manufaturar e

ministrar novos medicamentos e insumos agrícolas, adicionar novos sabores e nutrientes

aos alimentos, dentre outras utilidades.

Demais tecnologias, como a biologia sintética, também tomando corpo na onda

das novas tecnologias, se ocupam da criação de organismos desenhados a partir de DNA

sintético. Segundo divulgada em sua página na internet, o ETC Group, Organização

Não Governamental internacional com sede no Canadá que acompanha o

desenvolvimento de novas tecnologias e sua regulamentação. O DNA artificial se usa

para construir vírus ativos e redesenhar micróbios preexistentes, além de também tentar

construir formas de vida que desempenhem tarefas específicas em consonância com

determinados interesses econômicos.

Na conjugação entre ciências naturais e engenharia, a biologia sintética conjuga

tanto componentes que existem na natureza quanto aqueles que são totalmente feitos

pelo homem. Nos casos em que os componentes incluem materiais nano escalares feitos

pelo homem, nanobiotecnologia e biologia sintética se tornam sinônimos.

A biologia sintética vem sendo explorada como alternativa de geração de

biocombustíveis na era pós-petróleo. Ainda com informações incipientes divulgadas à

sociedade, este novo ramo faz com que, em um futuro próximo, indústrias petroleiras

40 Veja Smith JM. Roleta Genética: riscos documentados dos alimentos transgênicos sobre a saúde. Tradução de Leonardo Telles Meimes. São Paulo: João de Barro, 2009.

Page 78: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

75

sejam substituídas por biotecnologias para produção de biocombustíveis feitos a partir

da celulose com plantas transgênicas, por exemplo.

O ETC Group (2005), ao tratar da economia do açúcar, afirma que

Os partidarios da biologia sintética preveem uma era pos-petroleira na qual a produção industrial será impulsionada pelos açúcares extraídos das matérias primas biológicas (biomassas). A economia da indústria biotecnológica inclui uma rede de biorrefinarias, nas quais os açúcares extraídos podem ser fermentados em tanques cheios de micróbrios genéticamente modificados – e futuramente totalmente sintetizados em laboratórios. A função dos micróbrios como “fábricas químicas vivas” é converter os açúcares em moléculas de valor elevado - os blocos de construção para combustiveis, energéticos, plásticos, químicos e outros. Teoricamente, qualquer produto feito de petroquímicos poderá também ser obtido do açúcar utilizando este enfoque da fabricação biológica. [...] Os agrocombustíveis industriais não só estão expulsando camponeses mais pobres do mundo de suas terras para deixá-los em uma pobreza ainda maior. São também o fator que mais contribui para o aumento dos preços dos alimentos e até agora empurraram mais de 30 milhões de pessoas da subsistência à fome (ETC Group, 2005).

Não existe no Brasil análise de riscos sobre a saúde e o meio ambiente pela

adoção das novas tecnologias como a transgenia, a biologia sintética ou a

nanotecnologia. Tais tecnologias sendo implementadas em um contexto de desigualdade

social e falta de democracia com relação à participação da sociedade na gestão da

ciência. A situação se agrava, acentuando o papel concentrador de poder das tecnologias

na agricultura de corporações. Segundo o ETC Group (2005), a toxicologia dos nano

materiais ainda é terreno desconhecido, não existindo regulações e discussão dos

impactos sociais; entretanto, os produtos derivados da nanotecnologia saem ao mercado

com passo firme41.

Não pretendemos aqui descrever em detalhe os processos pelos quais se

desenvolvem em termos técnicos as novas tecnologias, mesmo porque muitos são

desconhecidos ou ainda possuidores de “informações confidenciais”, como é o caso de

liberações comerciais de plantas transgênicas, deferidas pela CTNBio. O que interessa

41 No Brasil foi criada em 2004, por pesquisadores das ciências humanas, a Rede de Pesquisa em Nanotecnologia, Sociedade e Meio Ambiente (RENANOSOMA). Esta rede realiza debates, seminários e pesquisas fazendo com que haja um acompanhamento maior da sociedade com relação a este desenvolvimento tecnológico, bem como, seus impactos sobre a saúde e o meio ambiente. A RENANOSOMA criou o Comitê Pró Engajamento Público em Nanotecnologia (CPEP) cujo objetivo, segundo divulgado pela página da Rede, é “abranger todos os cidadãos brasileiros, tornando-os atores conscientes na discussão e decisão dos rumos que a sociedade brasileira deseja imprimir ao desenvolvimento da nanotecnologia no Brasil”. Ver http://nanotecnologia.incubadora.fapesp.br/portal.

Page 79: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

76

mostrar é que a partir da lógica de criação de novos materiais e organismos, passa a

imperar não somente o apropriacionismo, mas sobretudo está em curso a substituição

de produtos produzidos pela agricultura (Goodman, Sorj e Wilkinson, 1999). Vivemos a

era da produção de sintéticos, eliminando a agricultura – através do substitucionismo.

Dessa forma, há uma investida das corporações, seja pela biotecnologia, pela

biologia sintética, pela nanotecnologia ou demais descobertas tecnológicas do século

XXI, inclusive como forma de substituir produtos agrícolas, conforme podemos

observar na produção de cosméticos, em que as substâncias usadas não mais necessitam

da extração de matéria-prima agrícola e sim de processos de síntese de organismos

biológicos modificados ou de organismos sintéticos.

Se na Revolução Verde o que moveu ideologicamente seu desenvolvimento foi

o discurso produtivista da produção aumentada de alimentos42, atualmente a

Biorrevolução, que toma forma a partir dos anos 1980 com as “novas” tecnologias

associadas às corporações multinacionais, passa a dominar (de forma concreta) e a se

apropriar (de forma simbólica) de significativas parcelas do agro brasileiro com o

discurso do esverdeamento que respalda não somente as corporações através de

responsabilidades ambientais, mas também a própria geração tecnocientífica. A onda de

novas tecnologias, portanto, não restrita à produção de alimentos, uma vez que está

concentrada em cultivos como a cana, soja e eucalipto basicamente, desenvolvem

“tecnologias verdes” naquele sentido que é colocado - e contestado - por Shiva (2003).

Há por trás do desenvolvimento das novas tecnologias na era da Biorrevolução

uma ambientalização do discurso das corporações que se beneficiam dessas tecnologias

e as justificam como a forma de responder aos desafios atuais de uma demanda social

de “sustentabilidade ambiental”.

Buttel (1993) iniciou pesquisas sobre as implicações socioeconômicas das

transformações técnicas cuja adoção a partir de capitais de risco com altos

investimentos em biotecnologia fizeram com que novas firmas surgissem. Assim,

segundo o autor, enquanto muito da pesquisa ex-ante em biotecnologia tinha um tom

crítico (por exemplo, de como o caráter privado das novas biotecnologias levaria a 42 O argumento da produção de alimentos é desconstruído nas revoluções agrícolas que se desenvolveram nos séculos XX e XXI, pois as seguidas descobertas tecnológicas e as revoluções que se originaram (Revolução Verde e Biorrevolução) não cumpriram desafios onde o conjunto da sociedade se beneficiaria com a garantia da segurança (quantidade) e seguridade (qualidade) alimentar no mundo. Esta contestação é feita por Maluf (2008) ao mostrar que a alta nos preços dos alimentos no tempo presente fez com que se assistisse, dentre outras, a uma crise alimentar em 2008 definindo com isso quem tem acesso aos alimentos e quem não tem, já que há produção, porém, as relações de poder determinam a distribuição.

Page 80: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

77

tendenciosidades em relação a fazendeiros de larga escala e contra a agricultura

camponesa), pesquisas socioeconômicas enfatizavam os benefícios coletivos de uma

nova tecnologia e previam resultados positivos, tais como rápidos ganhos em

produtividade, "competitividade nacional" e receitas de exportação. Dessa forma, a

ideologia produtivista era particularmente eficaz em fornecer um sentido compartilhado

de propósitos entre a comunidade de pesquisa agrícola pública, a agroindústria, as

organizações de fazendeiros e criadores da política agrícola. Ainda em tom crítico o

autor sustenta que

Enquanto a ideologia da biotecnologia é, de alguma forma, uma extensão lógica da ideologia produtivista da ciência agrícola pós-guerra, seu surgimento não pode ser explicado meramente pela aceitação pelos pesquisadores públicos da biotecnologia como a inevitável próxima fase do produtivismo (Buttel, 1993. p. 310).

Assim, o autor aponta que existe, a partir de processos de ambientalização da

agricultura, uma postura de “gerenciamento ambiental” em que a agenda de pesquisas

públicas não estaria mais diante de uma ideologia “produtivista” como na “era dourada”

- quando o fator requerido pelas alianças fazendeiros/agroindústria era o da

produtividade - passando agora a agregar respostas ambientais. Ora, as biotecnologias

surgem não em benefício direto de agricultores ou do meio ambiente, mas sim do lucro

que podem gerar para grandes - e poucos - investidores.

Desenvolvidas com o apelo de “sustentabilidade ambiental” frente aos recentes

desafios colocados pelas mudanças climáticas, as novas tecnologias surgem

caracterizando o que se pode denominar de greenwashing, termo adotado, entre outros,

por Buttel (1993): empresas afirmam estar adotando ações para contornar problemas

ambientais, caracterizando um tipo de “ambientalismo empresarial” compatível com a

continuidade de suas operações.

Para Acselrad e Bezerra (2010), trata-se de um ambientalismo de livre mercado,

em que caberia ao mercado realizar um ajuste ecológico do capitalismo. A retórica de

uma “modernização ecológica” para os autores traduziria a internalização de tal

dimensão pelas instituições correntes, celebrando a economia de mercado, o consenso

político e o ajuste ecológico.

Como forma de legitimar a geração e a aplicação de novas tecnologias por parte

das corporações, é comum a adoção do discurso da sustentabilidade, sendo realizados e

divulgados por empresas concomitantemente com a divulgação de programas de

Page 81: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

78

desenvolvimento tecnológico. Segundo o discurso das corporações, é desejável que as

tecnologias diminuam o impacto sobre os territórios e os recursos naturais devido à

necessidade de produção de matérias-primas; que diminua-se o uso de agrotóxicos pelo

recurso a cultivos transgênicos43; ou ainda, que resíduos agrícolas sejam aproveitados,

como é a proposta da biologia sintética, na produção de biocombustíveis ou plásticos.

Não é de forma alguma, como se supõe, algo que venha a causar impactos negativos

sobre o meio ambiente e, portanto, não haveria porque não apoiá-las enquanto

desenvolvimento limpo desejável.

Entretanto, em contraste com esta visão marcadamente empresarial, ainda que

apoiada pelo Estado (através de incentivos fiscais e leis), autores céticos para com o

ambientalismo empresarial identificam uma contradição essencial entre as atividades

movidas pelo lucro e as ações de proteção ambiental. Autores como Karliner (1997) e

Beder (1997), citados por Buttel (1992), destacam os exemplos de greenwashing e

acusam as corporações de tentar distorcer as reais motivações do ambientalismo. As

iniciativas voluntárias empreendidas pelas empresas são vistas nesta perspectiva como

retórica, cujo objetivo é, senão, burlar qualquer possibilidade de regulação estatal sob

suas atividades.

As novas tecnologias, ao serem desenvolvidas com o argumento de responder a

problemas ambientais como, por exemplo, a mudança climática, possibilitam entender a

aproximação entre grupos ambientalistas internacionais e as corporações

agrobiotecnológicas. Mais uma vez a ideologia das respostas tecnológicas aos

problemas ambientais por ela causados em ciclos anteriores de insustentabilidade é hoje

atualizado, contando com apoio de atores antes não imaginados.

O que poderia se tornar um processo de ambientalização desejado de práticas

empresariais na verdade se manifesta apenas como uma maquiagem verde. Assim, para

Buttel (1992) a ambientalização significaria um processo concreto pelo qual as

considerações ambientais são trazidas à tona nas decisões políticas e econômicas, em

43 O argumento de que a biotecnologia induziria o menor uso de agrotóxicos devido à resistência desenvolvida por plantas transgênicas tendo consequentemente um ganho ambiental, por exemplo, não é o que se observa no Brasil tendo em vista o aumento do uso de herbicidas de 129,6 mil ton. em 2004 para 192 mil ton. em 2008, segundo dados da ANDEF (Associação Nacional de Defesa Vegetal), quando a área de soja plantada caiu de 23.301 ha em 2004 para 21.563 ha em 2008, segundo dados da CONAB, o que dissocia o aumento do uso de herbicida a um possível aumento da área cultivada. Estes dados, organizados pela “Campanha por um Brasil Ecológico livre de agrotóxicos e de transgênicos”, mostra que na verdade o que se vê é um aumento de herbicida por área de plantio de soja. Os dados foram coletados nos anos posteriores à liberação comercial da soja Roundup Ready da empresa Monsanto.

Page 82: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

79

instituições de pesquisa científica e educação, em geopolítica, entre outros.

Ambientalização é consequentemente, para este autor, a expressão concreta da força do

“esverdeamento” de práticas institucionais.

Por ambientalização, considero o processo concreto pelo qual as considerações ambientais são trazidas à tona nas decisões políticas e econômicas, em instituições de pesquisa cientifica e educação, em geopolítica, entre outros. Ambientalização é conseqüentemente a expressão concreta da força do “esverdeamento” de práticas institucionais (BUTTEL, 1992. p. 2. Tradução livre).

A chamada Economia Ecológica procura aportar conceitos que permitam clarear

as distintas matizes no debate sobre o meio ambiente, principalmente quando a análise

se debruça sobre uma lógica econômica produtora de externalidades44. Dessa forma,

segundo a Economia Ecológica, a economia deve ser uma esfera subordinada à

ecologia, e não o contrário, tal como crêem e operam as empresas. No caso de um

“ambientalismo empresarial”, a ecologia estaria subordinada à esfera econômica de

forma coerente com interesses das corporações, justamente onde respostas tecnológicas

apontadas frente à crise socioambiental com “novas” tecnologias como a biotecnologia,

biologia sintética, nanotecnologia, dentre outras, se localizariam.

O pressuposto implícito na visão convencional da economia então colocado em

questão remete a uma fé inabalável nos avanços tecnológicos que, por si, seriam

capazes de corrigir ou “absorver” as “externalidades negativas”.

44 Externalidades negativas seriam entendidas como o uso dos recursos naturais de maneira que afeta a terceiros, distantes ou não da atividade desenvolvida. Estas externalidades estão comumente ligadas a impactos ambientais diretos das atividades econômicas. É possível ver em Alier (1995) uma crítica à “internalização” das externalidades dos custos de produção. Assim, “os representantes da Economia Ecológica (autores como Kapp, Georgescu-Roegen, Daly, Naredo) argumentamos contra a possibilidade de ‘internalização’ convincente das externalidades, sendo um dos argumentos principais a ausência das gerações futuras nos mercados atuais” (ALIER, 1995. p. 46), a incomensurabilidade das externalidades também é considerada pelos autores da Economia Ecológica ao questionarem elementos da economia ambiental neoclássica. Acselrad e Bezerra (2010), ao afirmarem que existe uma divisão socioespacial da degradação ambiental, mostram que “externalidades negativas” da produção, de modo a otimizar os investimentos, distribuem riscos ambientais para os agentes menos dotados de recursos econômicos e políticos (p. 108). Os sistemas de produção camponeses são atingidos por tais externalidades negativas, por exemplo, geradas em grandes extensões de monocultivos que caracterizam a produção de comoditties cuja lógica de produção provoca, segundo Acselrad, Mello e Bezerra (2009) externalidades que podem fazer com que o desenvolvimento de uma atividade comprometa a possibilidade de outras atividades se manterem.

Page 83: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

80

Em síntese, o caráter predominantemente privado da Biorrevolução é

protagonizado pelas corporações na agricultura que, na ausência de modelos políticos

totalitários, desenvolvem ações discursivas que possam justificar as contestações que

surgem na sociedade ao modelo da Revolução Verde, da qual se desdobram as

estratégias tecnocientíficas para a agricultura.

A seguir detalharemos as corporações no agro que protagonizam as Revoluções

agrícolas no tempo presente.

2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

O poder tecnológico tende à concentração do poder econômico, a vastas unidades de produção, a enormes empresas associadas produzindo grandes quantidades e quase sempre uma impressionante variedade de mercadorias, a impérios industriais que possuem e controlam materiais, equipamentos e processos, desde a extração de matérias-primas até a distribuição dos produtos finais; à dominação de toda uma indústria por um pequeno número de empresas gigantes. E a tecnologia paulatinamente expande o poder à disposição das empresas gigantes, criando novas ferramentas, novos processos e produtos (MARCUSE, 1999 [1941] p. 76).

Entende-se que as corporações são corpos de ação a partir da fusão cada vez

mais acentuada entre capitais internacionais ou mesmo nacionais, com o intuito de

estabelecer hegemonia sobre certos processos. É o que acontece com relação às

empresas agroindustriais, sejam elas a jusante (sementes, insumos e máquinas) ou a

montante (alimentação e distribuição). As fusões e aquisições que consolidam as

corporações tornam-se um processo novo, a partir da década de 1980 intensificando-se

principalmente a partir da segunda metade da década de 199045.

45 A Monsanto, principal empresa no Brasil no então ramo de sementes, que detêm 50% das linhagens liberadas comercialmente entre soja, milho e algodão, se constitui enquanto empresa biotecnológica no ano de 1981 nos EUA e a partir daí inicia um ajuste empresarial onde novas fusões são realizadas, fazendo com que a empresa abandone outras atividades econômicas. Segundo Pelaez et al (2010) entre 2000 a 2007 a Monsanto incorporou através de fusões ou aquisições 28 empresas, todas de sementes sendo: Mendel Genetics, Euralis, Stoneville Pedigreed, Custom Farm, Calgene, Advarita (canola), Agroeste, Delta Pine & Land, Chanel Bio, Seminis, Agroceres, Cereon, Limagrain, FT Sementes, Nacional Seed, Holden’s Fundation, Millenium, Plant Breeding Institute, Terasawa, Cargill, Emergente Genetics (algodão), Asgrow, Agracetus, Dekalo Genetics, Foundation Seed, Stine Seed (soja), Braskalb e First Line. No mesmo processo, a Bayer incorporou 19 empresas de sementes e 6 de agrotóxicos, além de 2 empresas (Aventis e Agrevo) tanto de sementes quanto de agrotóxicos e aquisição de 2 produtos Fungicida Flint da Novartis e Herbicidas Mikado da Syngenta. A Syngenta, outra corporação gigante no agro, incorporou 40 empresas de sementes, possibilitada pela fusão da Novartis com a AstraZeneca.

Page 84: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

81

Opera no mundo economicamente globalizado um mercado competitivo,

expresso principalmente por corporações de países de capitalismo avançado onde uma

agricultura de resultados e de grande escala se impõe. Esse fato requer a intensificação

de geração de tecnologias e sua transferência aos países subordinados nessa estratégia,

cujos capitais nacionais são concentrados em determinados segmentos de sociedades

desiguais. Nesse contexto, as tecnologias seguem a tendência de se aproximar cada vez

mais da sua aplicabilidade concreta para manter retornos de capital que garantam a

viabilidade do processo de produção, cujos investimentos de risco, são empreendidos

por grandes capitais internacionais que buscam a expressão máxima do lucro em suas

atividades.

Trata-se da concentração de poder em poucas corporações multinacionais que

atuam no ramo de sementes e produtos químicos sintéticos como agrotóxicos ou

fertilizantes, cuja estratégia de dependência de um pacote tecnológico transfere a renda

dos agricultores às corporações. Assim, a tecnociência instrumentalista que

descontextualiza os objetos técnicos promovendo uma artificialidade dos processos

naturais ao subjugá-los e controlá-los via pacotes tecnológicos é capaz de dar respostas

à necessidade de alta produtividade por hectare que corresponda à maior obtenção de

lucro por atividade possível.

Ao mostrar o aumento de 65 bilhões em 1972 para 500 bilhões de dólares em

1997 do comércio mundial de produtos alimentícios e não alimentícios de origem

agropecuária, Teubal e Rodríguez (2002) mostram que isso contribui para o surgimento

e fortalecimento de importantes corporações transnacionais, não necessariamente

redundando em melhoras das condições de vida de milhões de médios e pequenos

produtores e trabalhadores rurais do terceiro mundo.

Teubal e Rodríguez (2002), ao tratar das transformações no agrário recente da

América Latina, relacionam muitos dos fenômenos que se manifestam ao processo de

globalização e as tecnologias a ela associadas, ou as suas consequências, e a formação

de conglomerados que denominam como empresas transnacionais agroindustriais

(ETA) considerando a exclusão social como uma delas.

as grandes empresas têm uma série de vantagens que lhes permitem dominar os mercados mundiais [...] não se trata somente da possibilidade de dispor de fontes financeiras, de financiamentos cruzados para diversas atividades, mas também de exercer uma crescente integração vertical ao longo das respectivas cadeias agroindustriais (TEUBAL e RODRÍGUEZ, 2002 p. 53).

Page 85: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

82

A origem das corporações pode estar no que na Revolução Verde ocasionou o

fenômeno do “vigor híbrido” ou o primeiro passo na apropriação por grupos

determinados dos benefícios do melhoramento genético que se vinha compartilhando

socialmente há milênios, já que a prática de guardar sementes de uma safra a outra,

antiga entre os agricultores, passa a ser vista como prática atrasada pós-

desenvolvimento das variedades híbridas. Este argumento ideológico passa a ser

disseminado, fazendo com que os agricultores, ao recorrerem a cada safra ao mercado

para adquirir sementes, transfira parte de sua renda às empresas multinacionais.

Aprofundando-se nas primeiras décadas do século XX, o desenvolvimento de

“Variedades de Alto Rendimento” dá início às primeiras grandes companhias de

sementes e, consequentemente, a suficientes bases de poder na agricultura. Segundo

Pengue (1985), ao citar Morgan em seu livro de 1984 intitulado “Os traficantes de

grãos”, o cereal é o único recurso do mundo ainda mais importante que o petróleo para a

civilização moderna, o que também pode justificar a iniciativa das corporações neste

setor com fins econômicos.

Tanto o melhoramento genético, que transforma as sementes em produtos

rentáveis e controláveis, quanto a política de “semear o petróleo”, transformada em

tratores, maquinaria agrícola, canais, represas, sistemas de irrigação, fertilizantes,

praguicidas, transporte a grandes distâncias, segundo Pengue (2005), são estratégias que

promovem a concentração de poder e fortalecem as corporações na agricultura. Pengue

(2005) ainda afirma que tais mudanças se dão em um momento que privilegia o privado

sobre o público, o individual sobre o benefício coletivo, o global sobre o local, o

utilitário sobre os serviços e a acumulação sobre a distribuição.

A chamada Revolução Verde, ou seu passo intensificador mais recente com a

Biorrevolução assim denominada por autores como Buttel (1993) e Pengue (2005), faz

com que haja uma concentração de poder através das tecnologias sem precedentes na

história da agricultura em que as corporações multinacionais são as principais

responsáveis por protagonizar este processo.

Se na Revolução Verde houve um aparato estatal em assistência técnica e

pesquisa, hoje o desenvolvimento tecnológico, bem como sua difusão, está concentrado

na esfera privada ou pontuais apropriações de pesquisas públicas, gerando uma

Page 86: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

83

“mercadotecnia”46, na qual as tecnologias, servindo aos interesses das corporações são

comercializáveis tal qual mercadorias. Tal fato alerta para que

existindo um enorme poder econômico da indústria internacional de engenharia genética, a possibilidade de cooptação de interesses nos âmbitos mais dissímiles, desde a imprensa, e inclusive de alguns acadêmicos e até certas ONGs chamadas ambientalistas, não podem deixar de ser considerado como uma possível ameaça ao marco de uma séria discussão sobre os possíveis benefícios destas tecnologias e seguramente, de seus potenciais riscos dada a crescente importância da biologia molecular e da engenharia genética (PENGUE, 2005 p. 63).

Outra interface do processo de concentração de poder a partir das corporações

está na privatização do conhecimento. Pesquisas são desenvolvidas pela iniciativa

privada de forma direta, ainda que “as firmas continuarão a ter acesso às últimas

informações das universidades, especialmente pelo fato de que seus principais cientistas

talvez permaneçam como professores-pesquisadores das universidades” (BUTTEL,

1993 p.125).

Se antes as tecnologias eram desenvolvidas (ou adaptadas) principalmente por

um aparato estatal inaugurado para tal, hoje, segundo Buttel (1990), a principal

distinção entre os arranjos institucionais da Revolução Verde é a característica

predominantemente privada que impera. Tal argumentação se confirma ao observarmos

que, das 18 liberações comerciais de sementes transgênicas ocorridas no Brasil até

2009, nenhuma é oriunda de centros de pesquisas públicos.

Colocando este caráter privado da pesquisa no desenvolvimento de novas

tecnologias, Buttel (1993) defende a pesquisa agrícola pública, já que as corporações

desenvolvem biotecnologias com o objetivo claro de apoiar uma agricultura de

resultados econômicos, diferente do que produz a maioria da agricultura camponesa.

Segundo o autor, estes últimos terão como condicionante do desenvolvimento

tecnológico a dependência do comprometimento de centros de pesquisas públicos, não

tão comprometidos com retornos econômicos vultosos, e atendendo à demanda de um

desenvolvimento tecnológico arraigado a interesses de grupos hegemônicos na

sociedade.

46 Angell M. The Truth About the Drug Companies, p. 20. In: ETC Group Action Group on Erosion, tecnology and concentration. Oligopólio S.A 2005 concentración del poder corporativo. N° 91 noviembre/deciembre, 2005.

Page 87: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

84

Segundo pesquisas do ETC Group, desde 2003 as dez companhias de sementes

mais importantes do mundo ampliaram seu domínio, passando de um terço a

praticamente metade do comércio global de sementes, e as dez maiores empresas

biotecnológicas do planeta aumentaram sua porção de um pouco mais da metade do

mercado a quase três quartas partes das vendas mundiais no setor. A porção do mercado

dos dez fabricantes de praguicidas47 mais poderosos cresceu modestamente, de 80% a

84%; entretanto, analistas prevêem que somente três companhias sobreviverão à

próxima década.

No mesmo exercício de pontuar por ramo de atividade as principais empresas

atuantes, encontramos como as dez maiores empresas do ramo de celulose no mundo,

conforme ETC Group (2008) utilizando dados da Princewaterhouse Coopers (2008):

International paper (EUA), Stora Enzo (Finlândia), Kimberly-Clark (EUA), Svenska

Cellulosa (Suécia), Weyerhaeuser (EUA), UPM (Finlândia), Oji Paper (Japão),

Metsaliitton (Finlândia), Nipon Unipac (Japão) e Smurfit Kappa (Irlanda). As dez

maiores companhias correspondem a 42% das vendas mundiais de celulose.

No mundo, segundo dados da Agrow World Crop Protection News de agosto de

2005 divulgados pelo ETC Group, as cinco maiores empresas de pesticidas do mundo

são: Bayer (Alemanha), Syngenta (Suíça), BASF (Alemanha), Dow (EUA) e Monsanto

(EUA), e as cinco mais importantes companhias de sementes são: Monsanto (EUA),

Dupont/Pioneer (EUA), Syngenta (Suíça), Groupe Limagrain (França) e KWS AG

(Alemanha).

No ramo da comercialização de alimentos encontramos a seguinte concentração:

Seis corporações comercializam 85% do comércio mundial de grãos – Cargill (EUA), Continental (EUA), Mitsui (Japão), Louis Dreufus (França), André/Garnac (Suíça) e Bunge & Born (Brasil); oito corporações respondem por 55% a 60% do comércio mundial de café; sete empresas comercializam 90% do chá consumido no mundo ocidental; três empresas dominam 80% do comércio de bananas; outras três empresas manejam 83% do comércio de cacau (TEUBAL e RODRÍGUEZ, 2002 p. 44).

47 Segundo o estudo, é difícil separar os fabricantes de praguicidas e os de sementes porque as mesmas corporações dominam ambos os setores – e porque os produtos de sementes e agroquímicos se desenvolvem e comercializam frequentemente como produtos que vão juntos os chamados pacotes tecnológicos.

Page 88: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

85

As corporações estão cada vez mais fundidas e hegemônicas. Suas linhas de

ação extrapolam o controle social dos locais onde se instalam. São corporações

internacionais praticamente sem nenhum controle ou regulação sobre suas ações.

Um debate que mostra o poder que as novas tecnologias possibilitam acentuar é,

por exemplo, com relação à contaminação de lavouras por cultivos trasngênicos48.

Pesquisas realizadas mostram que as orientações da CTNBio não conferem segurança

de coexistência de cultivos, fazendo com que os agricultores sejam submetidos a

processos de erosão genética, submetendo-os ao mercado anual das sementes, o que os

torna dependentes, promovendo desta forma uma “tecnologia totalitária”, ou seja, com

predominância dos cultivos transgênicos. Em reportagem veiculada pela Revista Sem

Terra49, o representante do Ministério da Ciência e Tecnologia reconhece a ocorrência

de contaminação de lavouras até então livres de transgênicos, ponderando que “as

regras [de segurança da CTNBio] foram estabelecidas levando em conta que nem

sempre a contaminação resulta em prejuízo para os agricultores que cultivam variedades

ditas crioulas”; ou seja, “mesmo que tal [contaminação] ocorra, será vantajoso para a

agricultura familiar”. Nesta lógica, afirmada por uma autoridade cuja atribuição seria a

de garantir o direito de coexistência entre diferentes modelos tecnológicos, há uma

“vantagem” da qual todos se beneficiariam e não haveria problema caso a contaminação

ocorresse, reafirmando uma ideologia produtivista do desenvolvimento tecnológico.

A impossibilidade de coexistência entre diferentes tecnologias traz a ameaça ao

direito de soberania alimentar colocada pelos agricultores e consumidores através das

várias ações e movimentos em curso.

A soberania alimentar é muito diferente da segurança alimentar, porque implica o acesso a terra, às sementes, à água, o direito das

48 A incompatibilidade entre diferentes modelos tecnológicos se dá, por exemplo, pela polêmica que envolve cultivos transgênicos e não transgênicos. A justiça proibiu em 2010 a empresa Bayer de comercializar sementes do milho Liberty Link em todo o país pela ausência de um plano de monitoramento pós-liberação comercial. A decisão da Justiça refere-se à Ação Civil Pública movida em 2007 pelas organizações Terra de Direitos, AS-PTA, IDEC e ANPA, para exigir da CTNBio a adequada análise de riscos à saúde e ao meio ambiente, a informação e a não contaminação genética. A ação baseou-se em estudos realizados no Paraná que apontam a ineficácia das normas de biossegurança editadas pela CTNBio para a coexistência no caso do milho. Veja http://www.aspta.org.br/por-um-brasil-livre-de-transgenicos/campanhas/justica-suspende-liberacao-de-milho-transgenico-da-bayer. Acesso em 25/08/2010. Veja também Ferment, Gilles, Zanoni, Magda, Brack P, Kageyama P. Nodari R. Coexistência: o caso do milho. Brasília, MDA, 2009. 49 Glass V. A ciência segundo a CTNBio. Revista Sem Terra, edição 59 (novembro/dezembro de 2009). Páginas 9 a 14. Disponível em: http://www.mst.org.br/sites/default/files/A_ciencia_segundo_a_CTNBio_REVISTASEMTERRA.pdf. Acesso em 06/12/2009.

Page 89: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

86

comunidades a decidir o que produzir, quanto produzir, como produzir etc., tudo o que tem a ver com o resgate e a conservação de sementes crioulas e nativas. É muito importante recuperar o material perdido por erosão através da “Revolução Verde” e criar santuários de germoplasma. A única maneira de poder recuperar os campos contaminados com transgênicos é semear com sementes puras, livres de transgênicos, durante várias campanhas e com a maior diversidade possível; desta maneira, através de uma seleção própria irão desaparecendo as contaminações (ALTIERI, 2007 p. 76).

Diante das considerações colocadas frente à primazia econômica de uma

hegemônica agricultura de corporações, estas são sentidas por grupos contra-

hegemônicos, surgindo assim a reação de populações que sofrem diretamente as

externalidades negativas causadas por este modelo.

É a partir daí que se pode traçar as alternativas de agricultura que não esteja

baseada nas corporações, mostrando outras interfaces de interação com o meio

ambiente, baseada, sobretudo, na agricultura camponesa.

2.4 As revoluções agrícolas e a atualidade do campesinato

As revoluções agrícolas vão se configurando, reproduzindo formas capitalistas

de dominação e apropriação de territórios e se enraízam a partir de uma série de

instituições de ensino, extensão rural e políticas públicas como o crédito agrícola. Nessa

lógica, o campesinato é o setor mais afetado, colocando em questão sua reprodução

social e a própria pertinência de sua existência no mundo hoje globalizado

economicamente. A erosão genética, ambiental e cultural que o desenvolvimento

tecnológico causa em benefício de grupos hegemônicos na sociedade determina,

segundo Mooney (2002), como a perda de material genético nas mãos dos agricultores

compromete inclusive o seu papel enquanto camponês, afetando sua própria identidade.

Sob que bases se dariam a reprodução do campesinato no sistema capitalista

economicamente globalizado? Em que modelo de desenvolvimento rural estariam

inseridos? Estas questões levam a uma reflexão do papel que desempenham os

camponeses hoje. Seriam os principais reprodutores do capitalismo no campo, ao

adotarem tecnologias e tornarem-se competitivos no mercado tornando-se viáveis? Ou

estariam sofrendo um processo de diferenciação pelo desenvolvimento das forças

produtivas capitalistas tornando-se proletários, inclusive urbanos? Quais seriam as

Page 90: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

87

perspectivas para a “forma camponesa de fazer as coisas50”? Haveria uma resistência do

campesinato que não o caminho do proletariado ou da reprodução do capitalismo no

campo?

A partir destas questões, podemos encontrar na literatura sobre a questão agrária

elementos de reflexão como aqueles que resgatam as teses marxistas-leninistas para as

quais o desenvolvimento capitalista fortalece o processo de diferenciação social e

econômica entre os camponeses, transformando finalmente a maioria em proletários e

semiproletários – cuja principal fonte de entradas se nutre da venda da sua força de

trabalho mais que dos produtos do trabalho em suas áreas domésticas. Nesse sentido, as

teses descampesinistas-proletaristas citadas por Kay (2001) e Feder (1977) defendem o

caminho inevitável pelo qual os camponeses tornar-se-iam proletariado.

Os descampesinistas sustentam que os minifundistas estão em vias de desaparecimento e que a eliminação ou a extinção dos camponeses por parte do capitalismo supõe sua transformação em assalariados sem-terra, quer dizer, um proletariado rural em sentido estrito. [...] parte desta força de trabalho rural emigrando às cidades51 (FEDER, 1977 p. 1443).

O sistema agroalimentário mundial que se constitui a partir dos investimentos

tecnológicos e institucionais das revoluções agrícolas afeta a ponto de eliminar o

campesinato, ou seja, na era da globalização, o sistema capitalista já não necessita de

mão de obra barata, já que as novas tecnologias relegam continuamente uma proporção

maior de força de trabalho. O capitalismo não necessita mais do campesinato para

prover alimentos baratos para manter o nível de salários baixos aos operários nas

cidades como as teses da funcionalidade defendiam no período da industrialização

brasileira.

A destruição ou subordinação52 da economia camponesa nessa investida traz

consequências sobre a pauperização, proletarização e dependência alimentar.

50 Significa, segundo Ploeg (2008), entender mais o modus operandi das unidades agrícolas familiares camponesas, ou seja, atividades, práticas, processos e relações que estão envolvidos os camponeses do que propriamente a questão de identidade. Segundo o autor, este “modo camponês” é negligenciado nos estudos camponeses. São distintos das racionalidades que caracterizam as ações das corporações no agro. 51 Existe uma relação entre desenvolvimento tecnológico com base em corporações agroindustriais e desarranjo no processo de trabalho local cujos efeitos são sentidos nos centros urbanos. Não há uma dicotomia neste processo. Para uma abordagem sobre a “humanidade excedente” nas mais de 200 favelas existentes no mundo, muitos dos quais camponeses expropriados pelo modelo tecnológico dominante, veja: Davis M. Planeta Favela. São Paulo: Boitempo Editorial, 2006. 52 Shanin (1971) citado por Ploeg (2008) traz como tema central de sua discussão a posição subordinada dos camponeses que, via de regra, são afastados das fontes sociais de poder, onde sua subjugação política

Page 91: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

88

A corrente campesinista, entretanto, questiona que o capitalismo global acabe

com o campesinato, insistindo na adaptabilidade, na sobrevivência e na continuada

importância da economia camponesa sendo uma parte integrante do processo de

expansão capitalista. O próprio sentido de uma reforma agrária, como debatido na teoria

econômica estruturalista segundo Ortega (1988) citado por Kay (2001), acredita que os

camponeses deveriam ser, por esta forma, envolvidos no processo de produção uma vez

que são mais susceptíveis de interar-se na introdução de tecnologias próprias da

Revolução Verde (como sementes melhoradas, fertilizantes etc.), o que, segundo os

estruturalistas, esta característica, aliada a uma reforma agrária, traria mais emprego e

melhoraria o nível e a distribuição de inversões no campo.

Os descampesinistas, porém, debatem tal tese afirmando que no sistema

capitalista um número reduzido passaria a engrossar a categoria de “camponeses

capitalistas”. Assim, descampesinistas acusam os campesinistas de promoverem o

pequeno capitalismo, o que viria a fazer o jogo da burguesia ao perpetuar,

definitivamente, o sistema capitalista. Como afirma Kay (2001), isto se daria em uma

recampenização, em que os agricultores seriam capazes de competir com êxito no

mercado com agricultores capitalistas.

Há, contudo, uma persistência do campesinato em uma combinação de ideias

marxistas e chayanovianas (Kay, 2001). Neste sentido, novas articulações, como a que

reafirma a condição camponesa sob outras bases que não a de uma petty commodity

production, como é o caso da Via Campesina ou do MST no Brasil.

Uma possibilidade que se abre para observar as bases de uma recampenização

sobre outros moldes que não a reprodução do capitalismo no campo, pelo menos na luta

que empreende estes movimentos como o MST pela reforma agrária no Brasil, pode ser

ilustrado pelos resultados de pesquisas sobre os impactos dos assentamentos rurais em

São Paulo, um dos estados brasileiros de capitalismo mais avançado.

Segundo Bergamasco, ao analisar o processo de industrialização do estado mais

expressivo neste sentido, aponta que houve uma proletarização do campesinato, uma

descampenização, retomando o histórico dos então assentados em que parte deles

migrou a grandes centros urbanos.

está interligada com a subordinação cultural e com a exploração econômica através de impostos, trabalho forçado, aluguel, juros e termos de troca desfavoráveis ao camponês. Ploeg, entretanto, demarca que tal concepção é incompleta, voltando-se à sua abordagem sobre os processos de resistência camponesa a este processo.

Page 92: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

89

Os assentados vivenciaram as transformações socioeconômicas ocorridas a partir dos anos 1960 em toda a zona cafeeira, na qual a erradicação dos cafezais implicou na substituição de relações de trabalho não assalariados (arrendamento, colonato e parceria) pelo trabalho assalariado temporário (boia-fria ou trabalhador volante). Essas mudanças coincidem historicamente com a expansão da demanda por mão de obra nos centros urbano-industriais (BERGAMASCO e NORDER, 2008 p. 55).

É possível observar nesta pesquisa o que poderia levar a uma “recampenização”

ao serem assentados a partir da luta pela terra que empreendem nos anos 1980.

Após um hiato representado pelo trabalho assalariado rural ou urbano, os trabalhadores rurais, a partir dos anos 1980, decidem entrar na luta pela terra para resgatar o projeto familiar ou a condição anterior de produtores agropecuários, agora não mais como colonos, parceiros e arrendatários, subordinados ao latifúndio, mas como assentados em terra própria (BERGAMASCO e NORDER, 2008 p. 55).

E mesmo uma reversão do proletariado em que, a partir do assentamento das

famílias, há uma reversão do trabalho proletariado para o trabalho doméstico da terra

então conquistada.

os assentamentos têm permitido a retirada de trabalhadores rurais do mercado de trabalho, sobretudo dos titulares dos lotes. Na media estadual [estado de São Paulo] apenas 1,6% dos titulares entrevistados vinha atuando como assalariados, sendo que em vários assentamentos isso aparece de forma bastante eventual e esporádica (BERGAMASCO e NORDER, 2008 p. 56).

Podemos ainda, do ponto de vista político, considerar a atuação do MST neste

processo que tenderia a questionar as bases da petty commodity production e a

recampesinização por bases funcionais ao capitalismo.

São essas considerações que nos levarão a tratar mais adiante – no capítulo 4 -

da análise empírica da adoção de tecnologias nos assentamentos rurais.

2.4.1 Camponeses e políticas públicas no meio rural brasileiro

Esse ponto refere-se à importância de discutir como as políticas públicas, dentre

elas o crédito rural, são uma base importante nas mudanças no agro, alinhadas ao

modelo tecnológico dominante, às políticas de ensino, formação e extensão rural e aos

Page 93: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

90

impactos sobre o campesinato já discutidos. Via de regra, são ações articuladas para

possibilitar a integração do camponês ao mercado e, de forma perversa, descaracterizar

o sistema de produção camponês pela opção de implantação de pacotes tecnológicos

determinados pela lógica do financiamento via agências financeiras inseridos em

determinadas cadeias produtivas dominadas por grandes corporações.

Mostraremos a seguir algumas contribuições que tratam de pensar o sujeito

social camponês enquanto segmento que pode dar respostas a partir de seu sistema de

produção e como as conformações capitalistas, através de distintas instituições, vão

transformando seu modo de produzir, deixando o “fortalecimento” desta categoria

apenas no que concerne o seu enquadramento no sistema capitalista de produção, ao

inseri-los nas ditas cadeias produtivas onde há perda de autonomia.

O universo do que estamos chamando de camponeses no Brasil é hoje, no meio

rural, 4.367.902 unidades de produção enquadradas por Lei53 e políticas públicas como

o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar –– PRONAF – como

“agricultores familiares”, em um universo de 5.204.130 estabelecimentos rurais,

segundo dados do censo agropecuário de 2006/IBGE. Aproximadamente 84% da

população rural estão enquadradas nessa categoria.

Numa tentativa despretensiosa de citar algumas denominações que aparecem na

literatura e que estariam enquadradas no universo da denominada “agricultura familiar”

então considerada no referido levantamento censitário, temos:

o camponês – hoje muito reivindicado como conceito por vários sujeitos sociais

no campo cuja identidade político-ideológica representa uma posição crítica em relação

ao modelo dominante de agricultura moderna;

o agricultor familiar – conceito contemporâneo, consagrado e operado nas

políticas públicas;

os trabalhadores rurais – conceito adotado pelo Estatuto da Terra de 1964;

53 Brasil, Lei 11.326 de 24/07/2006. Estabelece as diretrizes para a formulação da Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais. DOU, Brasília, 25/7/2006. Significa possuir, pelo menos, 80% da renda familiar originária da atividade agropecuária; deter ou explorar estabelecimentos com área de até quatro módulos fiscais (ou até seis módulos quando a atividade do estabelecimento for pecuária); explorar a terra na condição de proprietário, meeiro, parceiro ou arrendatário; utilizar mão de obra exclusivamente familiar, podendo, no entanto, manter até dois empregados permanentes; residir no imóvel ou em aglomerado rural ou urbano próximo; possuir renda bruta familiar anual de até R$ 60.000,00.

Page 94: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

91

os pequenos agricultores – como reconhece o livro “Small is Beautiful”, que

popularizou este termo em 1970. Mais tarde este conceito será questionado,

considerando que não é a quantidade de terra que define o agricultor, mas sim o trabalho

centrado na família. O conceito de pequeno produtor somente é retomado com as

discussões acerca da agricultura alternativa na década de 1980;

os farmers – ou agricultores integrados e com alto grau de tecnificação, ator

fundamental para o desenvolvimento do capitalismo no campo norte-americano e

demais países de capitalismo avançado; além dos agricultores de baixa renda,

arrendatários, assalariados, colonos, meeiros, parceiros, posseiros, moradores, foreiros,

sitiantes, quilombolas, ribeirinhos, geraiseiros, agroextrativistas, caboclos, pescadores

artesanais, caiçaras, faxinalenses, sem-terras, assentados da reforma agrária, agricultores

periurbanos, dentre outros54.

O meio rural também é composto por sujeitos cujas denominações remetem a

outro campo de significação, ou seja, a uma agricultura patronal, e dão a noção de

segmentos “modernos” integrados ao mercado exportador e com alto grau de adesão

tecnológica dos complexos agroindustriais, que são listados como médios e grandes

agricultores, proprietários rurais, fazendeiros ou agronegocistas, usineiros e pecuaristas,

para citar alguns termos.

Essas diferenciações de conceitos entre uma “agricultura familiar” e uma

“agricultura patronal” demonstram a disputa por reconhecimento dos projetos de

sociedade que cada qual constrói a partir do meio rural (ver Quadro 4).

No que tange à maioria dos agricultores no campo, ou seja, às unidades

familiares de produção, como tratar um segmento tão amplo no campo que corresponde

a milhões de trabalhadores, contemplando suas necessidades específicas para o

desenvolvimento rural, ao mesmo tempo em que é possibilitado (re)desenhar ações

institucionais mais abrangentes de intervenção estatal?

Ao se enquadrar uma gama diferenciada de sujeitos sob uma única categoria,

como a agricultura familiar, pode-se, assim, definir potencialidades legitimando-a como

indutora do desenvolvimento rural, mas também limitantes, já que se trata de uma

54 O antropólogo Alfredo Wagner B. de Almeida chama atenção para o fato de que “povos e comunidades tradicionais, embora apoiados também nas unidades de trabalho familiar e em diferentes modalidades de uso comum dos recursos naturais, apresentam uma consciência de si como grupos distintos, com identidade coletiva própria, e formas de organização intrínsecas que não se reduzem à ocupação econômica ou à relação com os meios de produção” (Almeida AW et al., 2010 p. 105). A compreensão do que sejam os povos e comunidades tradicionais está compreendido no que define o art. 3° do decreto 6.040, de 07 de fevereiro de 2007.

Page 95: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

92

generalização de modos de apropriação do espaço sem sua devida compreensão de

elementos socioeconômicos e simbólicos através do tempo, o que pode incorrer em

equívocos de ações por parte de quem as opera.

O enquadramento de uma categoria torna possível à política pública operar parte

dos orçamentos definidos pelas Leis de Orçamentos Anuais. Algumas se justificam por

ações afirmativas de grupos sociais onde as especificidades são tratadas. É o que

acontece com as políticas relacionadas às questões de gênero, envolvendo juventude ou

mulheres, por exemplo, ou ainda com relação a questões étnicas como quilombolas e

indígenas, onde o Estado, em certos casos, montou inclusive um aparato estatal, como

Ministérios, responsável por operá-las.

Isso, contudo, não garante que toda a diversidade social no campo seja

respeitada, pois as políticas afirmativas se restringem a apenas algumas ações do

Estado, fazendo com que esses segmentos ora estejam contemplados em suas

necessidades específicas, ora não, tendo que recorrer a linhas de financiamento que nem

sempre atendem ou são apropriadas às suas realidades.

As especificidades de cada sujeito social e sua grande diversidade já foram

objeto de estudos da sociologia rural e da antropologia do campesinato por Garcia

(2003), Sigaud (1979 e 1980) e Tavares dos Santos (1978), conforme citado por Garcia

(2003), Velho (1974) e Martins (1981), algo que, no campo acadêmico estritamente, não

pode ser subsumido por uma única rubrica conceitual, como a “agricultura familiar”, o

que pode incorrer, segundo os autores, em problemas analíticos.

Não há, até 1984, referência ao uso do termo agricultura familiar na literatura.

Os princípios de classificação, segundo estudos da antropóloga Delam Pessanha Neves

(1995), recaem sobre a renda (agricultor de baixa renda), sobre as condições de

vinculação ao mercado, sobre os modos de apropriação da terra e de produzir (meeiros,

parceiros), bem como de apropriação do produto do trabalho (agricultura de

subsistência). Segundo a pesquisa realizada por Bergamasco, citada pela autora, são 41

tipos diferentes de indexação, nenhum utilizando na literatura, até 1984, o termo

agricultura familiar.

O que fica evidente na extensa literatura são dois elementos que fazem com que

a generalização do conceito “agricultura familiar” assuma um consenso. Primeiro, o fato

de o trabalho estar centralizado no núcleo familiar, demarcando uma distinção a partir

do modo de organização do trabalho. Nesse sentido, em contraponto estará uma

agricultura patronal. Em segundo lugar, surge uma identidade político-ideológica que

Page 96: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

93

marca a polaridade entre uma agricultura familiar e o agronegócio55, representado

principalmente pelas corporações, com a agricultura familiar se afirmando enquanto

contraposição àquilo que a ameaça. No Brasil, a operação de políticas públicas da

agricultura dividida em dois Ministérios (um da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

ou do agronegócio e outro do Desenvolvimento Agrário ou da agricultura familiar)

ilustra tal polaridade.

O termo agricultor familiar diz respeito, nada mais nada menos, a uma categoria

equivalente a camponês, na qual o último está ligado à noção de passado, de tradição, e

o primeiro vem atender à necessidade de uma ideia de agricultor que remete ao futuro,

ao moderno. Segundo Wanderley (2009), não há o surgimento de uma nova classe;

nesse processo há uma continuidade e não ruptura. Nesse sentido, o agricultor familiar é

um ator social da agricultura moderna, que resulta da atuação do Estado, e permanece

camponês na medida em que a família continua sendo o objetivo principal que define as

estratégias de produção e reprodução e a instância imediata de decisão. Linha que não

defende Abramovay (1992), cujos estudos sobre as unidades familiares de produção de

países de capitalismo avançado, para onde olha o autor, mostram que não existem mais

camponeses nessas realidades – o que há são unidades familiares altamente modificadas

pela ação do Estado e que foram as principais responsáveis pela reprodução do

capitalismo no campo: os farmers.

No Brasil dos anos 1960, as ‘teses feudais’ defendiam que o desenvolvimento do

capitalismo no campo não se daria por via da agricultura – pouco adaptada a novas

tecnologias e com agricultores sem-terra que “nada compram e nada vendem” –, tese

que adentra os anos 1970, quando os debates sobre desenvolvimento rural estavam

voltados para a modernização tecnológica, em que de um lado se estabelecia uma

estrutura empresarial e, de outro, os proletários, que vinham a ser agricultores inseridos

num mercado de trabalho gerado pelo desenvolvimento agroindustrial. Dessa forma,

55 Segundo Alentejano (2008), o agronegócio deve ser entendido pela sua dimensão econômica (conjunto de empresas que concentra grande poder financeiro e controla o desenvolvimento de tecnologias para a agricultura, pecuária e indústria, induzindo a população ao consumo de alimentos industrializados), pelas relações sociais (concentra terra e riqueza, expropria agricultores, causa desemprego, superexploração do trabalho), pela dimensão política (bloqueio a mudanças legislativas e decretos presidenciais) e ambiental (poluição, desmatamento, uso indevido da água). Ainda, segundo Mendonça (2006), a noção de agribusiness organizou e instrumentalizou um poderoso complexo de operações de cunho muito mais comercial e financeiro e cuja importância não pode ser aquilatada, apenas, por seu desempenho econômico, mas, sobretudo, por sua influência política.

Page 97: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

94

excluíam-se os “camponeses” ou “trabalhadores rurais” que estavam fora das relações

capital/trabalho que então se estabeleciam (WANDERLEY, 2003; OLIVEIRA, 2001).

Esta forma de conceber a negação da agricultura no desenvolvimento do país é

então questionada pela ‘tese da funcionalidade’, defendendo que a pequena produção,

mesmo não acumulando capital, propiciaria o desenvolvimento capitalista ao prover

alimentos de baixo custo para os trabalhadores na indústria, barateando os custos de

reprodução da força de trabalho, diminuindo os salários e, com isso, participando na

promoção do desenvolvimento capitalista industrial.

A experiência de países de capitalismo avançado contribuiu para reafirmar teses

da agricultura familiar como portadora do desenvolvimento do capitalismo no campo,

fato que é constatado nos EUA e em países europeus. Na França, onde a Lei de

Orientação Agrícola de 1960 assumiu como modelo ideal uma unidade de produção

baseada na capacidade de trabalho de dois trabalhadores que, segundo Wanderley

(2009), trata-se de uma clara referência à associação entre família e estabelecimento

produtivo.

Isto posto, Abramovay (1994) afirma que o desenvolvimento na agricultura dos

países capitalistas avançados traz problemas para a natureza supostamente universal do

tipo de desenvolvimento capitalista baseado na grande fazenda, com uso em larga escala

de assalariados, que conhecemos no Brasil.

A gênese do conceito de agricultura familiar vem de um debate sobre a

relevância da agricultura, de forma geral, para o desenvolvimento (capitalista) e, uma

vez tendo relevância comprovada, qual seria o papel dos então delimitados “agricultores

familiares” nesse desenvolvimento?

É somente nos anos 1990 que o “agricultor familiar” surge como sujeito

importante do desenvolvimento, primordialmente o agrário, que se difunde no Brasil

com a criação do PRONAF, em 1996.

Trata-se, portanto, de um consenso no processo de enquadramento institucional

de camponeses enquanto agricultores familiares e uma consagração classificatória, a

partir do trabalho de agentes de desenvolvimento (mediadores técnico-políticos),

dotados de legitimidade para redefinir significados, apoiados por representação política

como a CONTAG (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura) que

possibilita, por um lado, operar intervenções institucionais e, por outro, concorrer por

redefinição das formas de redistribuição de (parcos) recursos públicos estatais. Assim,

de acordo com Neves (2005), o agricultor familiar passa a ser uma categoria

Page 98: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

95

socioprofissional necessária à objetivação das políticas públicas e que assegura o

reconhecimento econômico e político ao setor da agricultura familiar em contraposição

política ao empresário rural produtivista, tecnicista e predador, representado pelo

agronegócio.

Para que uma objetivação ficasse clara, o conceito de agricultura familiar, como

operado nas normas do crédito rural seguindo posteriormente a Lei n° 11.326 de

24/07/2006, ficou assim estabelecido: possuir, pelo menos, 80% da renda familiar

originária da atividade agropecuária; deter ou explorar estabelecimentos com área de até

quatro módulos fiscais (ou até seis módulos quando a atividade do estabelecimento for

pecuária); explorar a terra na condição de proprietário, meeiro, parceiro ou arrendatário;

utilizar mão de obra exclusivamente familiar, podendo, no entanto, manter até dois

empregados permanentes; residir no imóvel ou em aglomerado rural ou urbano

próximo; possuir renda bruta familiar anual de até R$ 60.000,00.

Apesar do aparente consenso, quando se trata de fortalecer no campo político um

segmento como o familiar em detrimento do patronal, o conceito enquanto “identidade

atribuída”, por si só, não possibilita tratar da grande diversidade existente no campo, o

que requer a elaboração de tipologias necessárias a tal compreensão, segundo propõe

Hugues Lamarche no seu estudo internacional sobre a agricultura familiar, citado por

Neves (1995).

É nesse sentido que um desenvolvimento fortemente embasado na agricultura

familiar empenhada em um modelo tecnológico moderno e reprodutora do capitalismo

agrário nos Estados Unidos ou na Europa se distanciam da realidade brasileira, uma vez

que a diversidade mostra agricultores que vão desde a reprodução do modelo de países

de capitalismo avançado (farmers) até a maioria de agricultores que não adotaram um

padrão dito moderno de produzir, o que requer a consideração sobre os “graus de

campenização”, como propõe Toledo (1993).

Segundo José Graziano da Silva (1981), menos de 10% dos estabelecimentos

agropecuários brasileiros estariam integrados a uma maneira moderna de produzir.

Como já discutido nesta tese, em nível mundial, de acordo com Mazoyer (2001), esta

agricultura moderna é praticamente inexistente na África Intertropical, nos Andes e no

centro do continente asiático; a imensa maioria dos agricultores pequenos e médios

segue praticando o cultivo manual ou com tração animal, ou seja,

Page 99: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

96

A um terço dos agricultores do mundo não chegou nenhuma revolução agrícola, nem a Revolução Verde, nem a tração animal: somente dispõem de instrumentos estritamente manuais e sem fertilizantes nem produtos de tratamento, cultivam ou criam variedades ou raças que não foram objeto de nenhuma seleção. Uma agricultura que conta aproximadamente com 450 milhões de agricultores (MAZOYER, 2001 p. 2).

Esse número expressivo de agricultores pode ser entendido no que Mendras

(1984) vai denominar de “sociedades camponesas”, quando citado por Wanderley

(2004) e Ploeg (2008), o que significa que as dimensões econômicas, sociais, políticas e

culturais são de tal forma entrelaçadas que mudanças introduzidas em uma delas afetam,

como um jogo de cartas, o conjunto do tecido social, ou seja, o campesinato não se

reduz apenas a uma forma social de organizar a produção nem a um tipo de integração

ao mercado.

Ploeg (2008) usa o termo “condição camponesa” para diferenciar de uma

agricultura camponesa, sendo esta restrita às formas de organização da produção, mas

que deve ser entendida de maneira associada, em que uma não pode ser entendida sem a

outra.

Os camponeses, em graus diferenciados, mantêm vínculos mercantis. Ao

contrário do que muitos autores julgam, não são sociedades isoladas, e sim integrantes

de uma ordem global. Wanderley (2004), ao citar Mendras (1984), mostra que as

tecnologias alteram significativamente o modo de vida das sociedades camponesas. O

uso do trator, por exemplo, torna o tempo abstrato (como na indústria), e não mais

associado ao calendário agrícola.

É a partir dessa lógica, segundo a autora, que a modernização o transforma

(camponês) em um agricultor, profissão sem dúvida multidimensional, mas que pode

ser aprendida em escolas especializadas e com os especialistas dos serviços de

assistência técnica. Assim, o agricultor não é mais seu próprio mestre, e necessita,

permanentemente, de um mestre para instruí-lo, conforme defende Mendras (1984) no

livro intitulado “O fim dos camponeses”, citado por Wanderley (2004) e Ploeg (2008).

Para um entendimento do que podemos classificar de camponês, este não deve

ser entendido somente como um ‘tipo ideal’, já que é provido de história, como afirma

Wanderley (2004).

Na análise desse sujeito social, deve ser entendida a “forma camponesa de fazer as coisas”, na qual importa não somente o tipo ideal – que tem primazia nos estudos sociológicos –, e sim as práticas

Page 100: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

97

– o modus operandi – das unidades agrícolas familiares, os processos e inter-relações em que estão envolvidos (PLOEG, 2008 p. 34).

Os camponeses, no entendimento de Wanderley (2004), não correspondem a

nenhuma invenção moderna produzida exclusivamente pela ação do Estado, da mesma

maneira que não são fruto de inércia nem de uma não adequação às exigências do

futuro. São atores sociais da História do Brasil. Nesse sentido, sujeitos sociais

persistentes no agro brasileiro.

Entretanto, os camponeses são colocados em condição de atraso e comumente

negligenciados. Podemos citar alguns fatores que levam a essa conclusão:

1) A herança histórica dos sistemas de plantation, na qual o campesinato se

reproduzia limitadamente à margem da grande lavoura, como apresenta Garcia

(2003).

2) No Brasil ocorre uma “modernização sob o comando da terra”, segundo

Wanderley (2004), que determina o “lugar” do campesinato na sociedade, ou

seja, o lugar negado e a produção de trabalhadores sem-terra.

3) Subordinação a relações extorsivas com o capital comercial e agroindustrial.

Para esse modelo interessa somente aqueles agricultores que adotam os pacotes

tecnológicos.

4) Legitimação da “empresa rural” (definida no Estatuto da Terra) como a única

forma capaz de assumir o projeto de agricultura moderna.

5) Suposição de que os camponeses se recusariam a produzir além da satisfação das

suas necessidades básicas (teorias chayanovianas).

6) Características importantes para a reprodução social que não em bases

capitalistas como a subsistência, as trocas mercantis não monetárias e as relações

locais de reciprocidade são compreendidas como ausência do mercado (Ploeg,

2008 e Sabourin, 2009).

7) A consagração do termo agricultura familiar abandonou ou secundarizou o

patrimônio cultural e intelectual em torno de formas de exploração de atividade

agrícola reconhecidas até então como camponesas (Neves, 2005).

A importância do processo de recampenização é trazida em um debate recente por

Ploeg (2008) como reconhecimento da resistência de uma agricultura com

intensificação baseada no trabalho e com baixa utilização de insumos externos.

Page 101: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

98

Assim, o conceito de camponês é ressemantizado, tornando o agricultor familiar

símbolo da permanência da sociedade camponesa, trazendo em si o poder de resistência

aos modelos produtivos que trouxeram impactos negativos a estas sociedades.

A tradição camponesa, que por um momento parecia ter uma conotação negativa, diante do saber universal, renovado pela aplicação da ciência e de novas tecnologias, torna-se, nesse novo contexto, uma qualidade positiva. O agricultor familiar se apresenta, em tal pacto, como aquele que conhece de modo especial e detalhado a terra, as plantas e os animais que são seus, e que, por essa razão, sente-se comprometido com o respeito e a preservação da natureza, possuindo o que Carlos Rodrigues Brandão chamou ‘o afeto da terra’ e o amor pela profissão (WANDERLEY, 2004 p. 54).

Quadro 4: Distinção entre o padrão camponês e o padrão empresarial e capitalista de produção.

Padrão camponês de produção (ou agricultura camponesa)

Padrão empresarial e capitalista de produção

Trabalho familiar. Trabalho assalariado. Fortemente baseado no capital ecológico (principalmente natureza viva).

Afastamento da natureza. Fatores artificiais substituem os recursos naturais. Agricultura é então industrializada.

Base de recursos sociais e naturais autogerida (conhecimento, redes, força de trabalho, terra, gado, canais de irrigação, esterco, cultivos). A terra (material e simbólica) como pilar central da base de recursos. Co-produção entre ser humano e natureza viva (alinhada a ecossistemas locais).

Dependente do capital financeiro, economia de escala e parciais aumentos de produtividade onde os circuitos de mercadorias passam a exigir maior relevância na mobilização de recursos.

Maioria esmagadora da população agrícola do mundo (no Brasil são 4.367.902 de unidades, 12,3 milhões de camponeses).

No Brasil são 300.000 grandes e médios proprietários de terra.

Produção de alimentos em circuitos curtos (locais, regionais e nacionais) representa 85% do total mundial, ainda que sejam alinhados pelos níveis de preços, tendências e relações que governam o mercado global.

Impérios alimentares que exercem poder monopólico crescente sobre as relações que encadeiam a produção, o processamento, a distribuição e o consumo de alimentos. Dependência a este modelo tanto de quem produz quanto de quem consome.

Luta por autonomia num ‘ambiente hostil’. Concorrência empresarial no mercado globalizado. São os determinantes do “ambiente hostil”.

Os ganhos sociais, econômicos e ambientais são revertidos para a comunidade e região.

Geram crescimento econômico para as unidades de produção com estagnação em nível local e regional.

Base de recursos é limitada tanto pela necessidade de partilha entre números crescentes de núcleos familiares quanto pela usurpação de recursos por interesses de grandes corporações voltadas para exportação (disputas territoriais/justiça ambiental).

No plano político, tira das localidades (estados, regiões) o poder de decisão sobre o desenvolvimento.

Respondem às consequências do ordenamento

Page 102: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

99

imperial da produção de alimentos com práticas que materializam a resistência (estas experiências se dão em áreas antes improdutivas ou então que, doravante, seriam destinadas à produção em larga escala de cultivos de exportação). Adaptado de Ploeg, (2009) Obs.: Para que esta diferenciação faça sentido, é importante relativizar os dois modos de produção com base em tipologias para o padrão camponês de produção a partir dos “graus de campenização”, de acordo com Toledo (1992).

2.5 Agroecologia: tecnologia como resistência?

O desenvolvimento do capitalismo no campo fez com que as tecnologias

agrícolas subordinassem a agricultura às agroindústrias, causando uma perda na

autonomia dos agricultores. Porém, a investida do grande capital não teve adesão

unânime, ficando muitos agricultores, intencionalmente ou não, fora desse processo.

É neste sentido que podemos encontrar experiências agroecológicas cujos

referenciais para a produção se baseiam em interações ecológicas com o meio habitado

por parte de comunidades camponesas que lutam por autonomia e que, a partir do

método histórico de compreensão da realidade, buscam alternativas sistematizando

conhecimentos tradicionais em manejos da biodiversidade que levam a tipos

diferenciados de produção agrícola.

Não por acaso, o ETC Group (2008) estima que três quartas partes dos

agricultores do mundo cultivam variedades locais e/ou guardam suas sementes; pelo

menos 1.400 milhões de pessoas dependem das sementes guardadas pelos agricultores,

ou seja, mecanismos fora da dependência das corporações agroindustriais; 85% da

produção mundial de alimentos se consomem em lugares próximos da sua produção –

grande parte fora do sistema de mercado formal; aproximadamente 70% da população

mundial se atende com especialistas comunitários de saúde que utilizam plantas

medicinais de espécies locais. Por que essa parcela significativa da agricultura não

incorpora a dita modernização? E como se desenvolvem tecnologicamente os sistemas

com base em recursos e conhecimentos locais, como apontam as estimativas?

O questionamento da hegemonia das corporações multinacionais na agricultura

muitas vezes pode vir da reação de populações que sofrem diretamente as

externalidades negativas, ou seja, impactos da ação em curso destes grandes capitais em

determinados territórios podendo se dar pela negação de modelos ou mesmo pela

Page 103: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

100

experiência acumulada que se tem a partir de uma racionalidade distinta de preservar

conhecimentos e utilizá-los de forma a interagir sociedade e natureza, em uma relação

material diferente na qual os saberes culturais são valorizados56 possibilitando manejar

agroecossistemas57 em que as formas capitalistas não chegaram ou são negadas.

Segundo Almeida (2007), há uma perspectiva “técnico-produtivista” na

agricultura, baseada na ciência moderna que visa o aumento da produtividade, maior

competitividade e menores custos etc., mas temos em contraponto uma perspectiva

“ecológico-social”, baseada em uma crítica ao modelo tecnológico e social vigente,

tendo na agroecologia seu referencial científico para propor um novo modelo de

agricultura, de desenvolvimento e de sociedade que considere os impactos sociais e

ambientais da tecnociência.

A agroecologia, segundo Caporal, pode ser resumida da seguinte forma:

É um enfoque científico na medida em que este novo paradigma se nutre de outras disciplinas científicas, assim como de saberes, conhecimentos e experiências dos próprios agricultores, o que permite o estabelecimento de marcos conceituais, metodológicos e estratégicos com maior capacidade para orientar não apenas o desenho e manejo de agroecossistemas mais sustentáveis, mas também processos de desenvolvimento rural mais humanizados. [...] essa ciência busca, principalmente, nos conhecimentos e experiências já acumuladas, ou através da aprendizagem e ação participativa, por exemplo, um método de estudo e de intervenção que, ademais de manter a coerência com suas bases epistemológicas, contribua na promoção das transformações sociais necessárias para gerar padrões de produção e consumo mais sustentáveis (CAPORAL, 2008 p. 46-47).

56 A não valorização de conhecimentos em uma complexidade fora da racionalidade científica dominante deixou em segundo plano as habilidades que fizeram com que milenarmente se construíssem sistemas sustentáveis de produção. Segundo Feenberg (2008), a racionalização em nossa sociedade responde a uma definição particular de tecnologia como um meio para obter lucro e poder. Uma compreensão mais abrangente da tecnologia sugere uma noção muito diferente de racionalização, baseada na responsabilidade para os contextos humanos e naturais da ação técnica. Feenberg determina este processo de "racionalização subversiva" porque requer avanços tecnológicos que só podem ser feitos em oposição a uma hegemonia dominante. Nessa perspectiva, considera-se a geração de tecnologias que não tenham como exclusividade laboratórios e ambientes controlados, mas também que se desenvolvam em determinados contextos sociais nos quais as tecnologias são geradas por aqueles que vivem da agricultura, como é o caso de muitas comunidades camponesas. 57 Agroecossistemas, segundo Toledo (1993), são ecossistemas manejados e transformados pelas sociedades. Os ecossistemas naturais têm capacidade de automanutenção, autorreparação e autorreprodução; porém, ao serem manipulados, são instáveis, requerem energia e materiais exteriores para sua manutenção e reprodução. Sevilla Guzmán (2000), citando Norgaard (1987 e 1995), afirma que o potencial agrário dos ecossistemas foi captado por agricultores tradicionais através de um processo de ensaio, erro, seleção e aprendizagem cultural que durou séculos, e esclarece que a agroecologia reivindica que o conhecimento mais ajustado do potencial dos agroecossistemas se pode conseguir mediante o estudo de como a agricultura tradicional manipula os sistemas agrários.

Page 104: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

101

No que concerne à dificuldade de integração de diferentes disciplinas, temos a

marca do instrumentalismo, que descontextualiza os objetos técnicos,

consequentemente segregando o conhecimento em disciplinas, mantendo em tensão o

que poderia ser visto de maneira integrada. Dessa forma é que ecologia e agronomia,

ciências fundantes da agroecologia, estiveram em tensão durante o século XX. Segundo

Gliessman (2000), o cruzamento dessas áreas do conhecimento se deu a partir dos anos

1920, quando a ecologia de cultivos começou a ser desenvolvida, dando ao termo

agroecologia uma noção de ecologia aplicada à agricultura. Essa noção, no entanto, foi

esquecida, e a distância entre essas ciências foi alargada, uma vez que a ecologia se

tornou ainda mais “pura” e a agronomia, no pós-guerra, tornou-se prioritariamente

voltada a resultados devido à crescente mecanização e ao uso de produtos agrícolas.

É somente no final dos anos 1950, segundo o autor, que o conceito de

ecossistemas abre uma nova possibilidade para desenvolver a ecologia de cultivos, e

assim, a partir da década de 1970, mais ecologistas e agrônomos passam a desenvolver

uma valorização mútua das ciências integradas desenvolvendo o que se denomina

agroecossistema. É a partir daí que a Agroecologia se desenvolve enquanto ciência nas

universidades, porém o ecólogo e fundador de um dos primeiros programas de

agroecologia institucional, Stephen Gliessman (2000), destaca que uma influência

importante veio dos sistemas tradicionais de cultivo (sobretudo indígenas e

camponeses) de países em desenvolvimento, que começaram a ser reconhecidos por

muitos pesquisadores como exemplos importantes de manejo de agroecossistemas,

ecologicamente fundamentados.

Esta noção de agroecologia relaciona-se prontamente a questões de

sustentabilidade em que as tecnologias procuram obter uma melhor relação entre

produção agrícola e ecossistema.

Segundo Miguel Altieri,

[...] a agroecologia traz em si um desafio tecnológico, considerando que a agricultura é fortemente dependente de tecnologias para o aumento da produção e da produtividade, e que muitas das tecnologias, sobretudo aquelas intensivas em capital, são causadoras de impactos ao ambiente, urge que se desenvolvam novos processos produtivos nos quais as tecnologias sejam menos agressivas ambientalmente, mantendo uma adequada relação produção/produtividade (ALTIERI, 2004 p. 37).

Page 105: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

102

Seguindo este raciocínio, Canuto (1998) afirma que de um lado estão as formas

de agricultura simplificadas, homogêneas e ecologicamente degradantes. De outro,

destacam-se as agriculturas que propõem uma inversão dessa concepção mediante a

integração dos princípios de diversidade, complexidade e visão holística, e na qual se

aplicam tecnologias suaves ou limpas. A unidade desse bloco, chamada pelo autor de

Agricultura Ecológica, está na adoção de um “padrão tecnológico de caráter ecológico.”

Ou seja, este padrão é entendido como a aplicação prática no sistema produtivo de bases

ecológicas concertadas, ora mitigadoras de impactos, ora regeneradoras de recursos,

sendo que para este autor, o termo agroecologia frequentemente é usado como

sinônimo quando se aplica a noção científica dos preceitos da ecologia na agricultura.

Contudo, Canuto (1998) ressalta que os desenhos tecnológicos obedecem a

diferentes racionalidades e significações de acordo com os grupos que manejam os

agroecossistemas. O autor defende que a agricultura familiar seja possuidora de uma

estrutura que favorece a consecução de objetivos ecológicos mais amplos, como maior

disponibilidade de mão de obra, conhecimento de manejos complexos, diversidade,

versatilidade das estratégias de uso múltiplo ou adaptação tecnológica.

É importante considerar a diferença entre tipos de agricultura como a “orgânica”

com a agroecologia, já que a primeira persiste mantendo um pacote tecnológico,

limitando-se apenas a substituição de insumos. Nesta perspectiva, a aplicação de

tecnologias referidas a uma situação específica caracterizaria a diferença de uma

agricultura que absorve tecnologias homogeneizantes tal qual a agricultura

convencional, porém com a adoção de tecnologias alternativas. As metodologias

horizontais de promoção de trocas agricultor a agricultor, por outro lado, são

fundamentais na valorização de tecnologias localmente desenvolvidas que preveem o

redesenho do manejo na atividade agrícola como um todo, algo além do que vem sendo

desenvolvido por uma agricultura orgânica.

Observamos que a América Latina e Europa são as regiões em que mais se avançam a agricultura orgânica, junto com os Estados Unidos e o Canadá; entretanto, 80% dos 27 milhões de hectares estão sob o modelo de agricultura de substituição de insumos. A substituição de insumos não é outra coisa senão a troca de um pacote tecnológico por outro. Esses sistemas são certificados: não importa se os trabalhadores agrícolas estão mal pagos, ou são maltratados, como os mexicanos; não importa se o morango vale duas ou três vezes mais, se vai alimentar alguns privilegiados da Califórnia. A certificação não inclui aspectos de tipo social, de equidade. Estão aproveitando esses mercados com um grande monocultivo. Empresas que entram, já que a

Page 106: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

103

certificação não tem restrições de tamanho, e desta forma a agricultura orgânica se converte em algo nada diferente de uma agricultura convencional; está especializada, simplificada, trabalha com economias de escala, produz concentração de terras. Produtores pobres para consumidores ricos. Necessitamos uma agricultura dos pobres para os pobres, e para isso é necessário romper o esquema da agroexportação e adotar o da soberania alimentar (ALTIERI, 2007 p. 85-86. Tradução livre).

Assim, em uma diferenciação entre a agroecologia que estaria mais voltada a

sistemas autônomos camponeses e a agricultura orgânica voltada ao agronegócio, temos

que:

A agroecologia social não se restringe a um receituário de aplicação de técnicas alternativas na agricultura, mas vai além no sentido de definir-se sócio-cultural e politicamente em direção a determinada opção de desenvolvimento rural. Algo semelhante ocorre com relação ao agronegócio de produtos orgânicos. A diferença essencial entre agronegócio e agroecologia não reside, a nosso ver, em determinadas referências tecnológicas, mas na opção, diametralmente oposta entre elas, de desenvolvimento rural no país (COSTA NETO, 2008 p.71).

E continua o autor:

Agroecologia e agronegócio tornam-se incompatíveis quando se constata quando a agroecologia desde a fase de transição tecnológica até seu pleno amadurecimento social produtivo, em situações concretas, prevê uma política de entrelaçamento produtivo-cultural com a produção familiar camponesa e visa continuadamente a sustentabilidade socioambiental (COSTA NETO, 2008 p. 72).

Altieri (2007) considera a agroecologia como uma ciência - não um sistema de

produção nem uma técnica - que se nutre da ecologia e de outras ciências ocidentais.

Segundo o autor, não há uma negação da importância do estudo dos solos, da

entomologia, da fitopatologia, mas sim se nega a visão unidimensional e reducionista,

das ciências agronômicas. E acrescenta:

[...] faz parte de uma visão que integra as ciências agronômicas com as disciplinas sociais, como a sociologia, mas também com o conhecimento tradicional dos agricultores, não somente os conhecimentos milenares – que existem na América - latina –, e sim os conhecimentos que muitos agricultores têm porque vêm sendo transmitidos de geração a geração, criando um diálogo de saberes entre dois tipos de conhecimento. Assim se extraem princípios, e esses princípios, através de um processo participativo de geração de tecnologia e experimentação, permitem determinar tecnologias específicas a cada realidade (ALTIERI, 2007 p. 77. Tradução livre).

Page 107: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

104

Para o sociólogo espanhol Sevilla Guzmán (2006), a agroecologia é definida

como o manejo ecológico dos recursos naturais através de formas de ação social

coletiva. Sua estratégia, de natureza sistêmica, considera a área dos agricultores, a

organização comunitária e a relação das sociedades rurais articuladas a nível local.

Segundo o autor, é desta forma que se encontram os sistemas de conhecimento (local,

camponês e/ou indígena), portadores do potencial endógeno que permite potencializar a

biodiversidade ecológica e sociocultural.

O autor, desta forma, desenvolve uma crítica ao pensamento científico para

então gerar um enfoque pluriepistemológico que aceite a diversidade sociocultural. Para

ele, o enfoque agroecológico aparece como resposta à lógica do neoliberalismo e à

globalização econômica, assim como aos cânones da ciência convencional, cuja crise

epistemológica está dando lugar a uma nova epistemologia, participativa e de caráter

político, o que nessa perspectiva justificaria sua adoção na luta política de movimentos

camponeses.

Estas abordagens, no que concerne à construção da agroecologia, fornecem tanto

elementos teóricos para a crítica à agricultura moderna quanto para a construção de

novas bases tecnológicas em conformidade com racionalidades distintas, se

considerados contextos socioeconômicos e ecológicos locais. Portanto, a agroecologia,

ao considerar as especificidades locais, possibilita desenvolver um aparato tecnológico

de acordo com distintas racionalidades integradoras dos sistemas de conhecimentos.

Assim, desenhos tecnológicos “de” e “para” realidades locais fazem com que a

tecnologia não seja inerentemente destrutiva dos ecossistemas, mas que se desenvolvam

em consonância com este, promovendo o respeito ao meio ambiente. Neste sentido,

Feenberg (2008) afirma que as dimensões privilegiadas da moderna tecnologia precisam

ser vistas em um contexto maior, que inclua muitas práticas hoje em dia marginalizadas

que tinham grande importância em tempos anteriores e podem algum dia reocupar um

espaço central.

Segundo Feenberg (2008), em sua Teoria Crítica da Tecnologia, dado um

diferente contexto social e um diferente caminho de desenvolvimento técnico, poderia

ser possível recuperar valores técnicos tradicionais e suas formas organizacionais de

uma nova maneira em uma futura evolução da sociedade tecnológica moderna.

Diante das contribuições de diferentes áreas para a construção do que se entende

por agroecologia, é Wezel et al. (2009) que mais esclarecem a confusão no uso do

termo agroecologia, que correntemente é usado com diferentes significados, podendo

Page 108: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

105

ser como ciência, como um movimento, mas também como práticas agrícolas

localizadas que muitas vezes são comuns a outras áreas de conhecimento, como a

própria agricultura orgânica que se utiliza das mesmas técnicas usadas em um sistema

agroecológico.

A agroecologia enquanto movimento social no Brasil surge principalmente a

partir dos Encontros Brasileiros de Agricultura Alternativa58 – EBAA – e da Rede de

Tecnologias Alternativas – Rede PTA –, caracterizando assim, num primeiro momento,

o termo “alternativo” enquanto contraposição59 ao modelo tecnológico dominante,

principalmente na reação ao uso dos agrotóxicos e na instalação de empresas

multinacionais na agricultura.

É a partir desse movimento pró Agricultura Alternativa que se dão as bases para

a construção do conhecimento agroecológico no Brasil, cujas experiências são

consideradas e reconhecidas hoje em todo o país60. Comprova-se a consolidação de

experiências, protagonizadas por agricultores familiares e grupos contra-hegemônicos,

que não só negam o pacote tecnológico das corporações, como desenvolvem, por meio

da experimentação, outra referência tecnológica, mais apropriada à realidade e às

necessidades de desenvolvimento pela qual lutam e resistem enquanto sujeitos políticos

nos territórios. No campo da produção de conhecimento, a agroecologia no Brasil conta

com a Associação Brasileira de Agroecologia – ABA –, com expressivos estudos e

pesquisas em agroecologia. No Capítulo 4 trataremos de debater os conceitos teóricos

aqui apresentados.

A seguir, trataremos a questão tecnológica no território, importante na

compreensão dos sujeitos sociais que atuam na região em estudo.

58 O trabalho de Luzzi (2009) destaca o surgimento do movimento de agricultura alternativa e analisa os Encontros Brasileiros de Agricultura Alternativa – EBAAs, principal fórum de discussão da agricultura alternativa na década de 1980, ressaltando as principais questões e atores que faziam parte deste debate. 59 A noção de “alternativa” a época, vinha da necessidade de diferenciar modelos técnicos dominantes em franca difusão. Ehlers (1994) citado por Canuto (1998) afirma que as ideias ‘dissidentes’ de uma agricultura dita moderna, deram origem, a diversos movimentos, tais como: biodinâmico, orgânico, biológico e natural. É ao conjunto dessas vertentes o que se constituía a chamada agricultura ‘alternativa’, por representar a oposição ao padrão convencional. 60 A Articulação Nacional de Agroecologia – ANA –, formada a partir do Encontro Nacional de Agroecologia realizado em 2002 no Rio de Janeiro, congrega organizações de camponeses e ONGs agroecológicas, estas atuantes no campo desde os anos 1980 quando compunham a Rede de Projetos em Tecnologias Alternativas (Rede PTA) e promove a identificação, sistematização e mapeamento de experiências agroecológicas que são disponibilizadas na página http://www.agroecologiaemrede.org.br. Estas experiências mantêm-se em rede através de articulações regionais, estaduais, locais ou mesmo nacional. Essa Articulação promove momentos nacionais realizando os Encontros Nacionais de Agroecologia – ENA –, que encontra-se em sua segunda edição.

Page 109: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

106

Retomamos abaixo os pontos a serem retidos do presente capítulo:

A agricultura se desenvolveu a partir de práticas que eram resultado de

conhecimentos empíricos que possibilitavam um agir sobre as coisas. Antes que a Idade

Moderna engendrasse uma tecnociência, na qual a tecnologia passaria a ser

desenvolvida como uma aplicação prática da ciência, diferentes inventos provocaram

revoluções agrícolas que definiram vários sistemas agrários ao longo da história da

agricultura.

Os conhecimentos práticos que geraram tais revoluções e que permitiram o

desenvolvimento da agricultura mantêm-se, segundo alguns autores, com incidência

maior do que a agricultura promovida pela tecnociência, o que caracteriza uma

“rugosidade” na adoção tecnológica na atualidade. Há desigualdades na dinâmica da

adoção de tecnologias, no tempo e no espaço. Assim, processos de resistência,

organizados ou não, à agricultura de corporações ocorrem frente ao modelo

concentrador de poder mediado pelas tecnologias nos territórios onde se instalam.

Através de práticas agroecológicas, formas de “racionalidade subversiva”

ganham forma na geração de tecnologias associadas a maior autonomia dos sistemas de

produção camponeses frente à agricultura de corporações.

As unidades de acumulação de capital incorporam “tecnologias verdes”, no que

é denominado de greenwashing, dando respostas ditas ambientais para contornar

problemas gerados pela própria autorreprodução do capital. Os sistemas de produção

orgânicos (ou o “agronegócio orgânico”) está inserido nesta lógica, diferenciando-se do

que se tem denomina, em contraposição de “agroecologia social”.

Verificam-se operações de “cerco” tecnológico ou institucional promovido por

agentes das revoluções agrícolas modernas que vão expandindo o território da

agricultura com base em unidades de acumulação de capital. A Revolução Verde

comparece intensificando os processos desencadeados pelas descobertas

tecnocientíficas do século XX, o ensino agrícola, a extensão rural, o crédito. Em

sequência, a Biorrevolução, com as novas tecnologias, revigora os mecanismos de

Page 110: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

107

dominação e de concentração de poder. Tal “cerco” tende a condicionar as escolhas nos

sistemas produtivos.

O “cerco” estabelecido implica em perda de autonomia dos sistemas de

produção camponeses, destituídos como são de terra e trabalho. A agricultura de

corporações que se consolida no século XXI coloca em questão a própria pertinência

legítima dos camponeses no agro, entendidos como uma categoria política contraposta

às corporações.

A forma agricultura de corporações se territorializa sob relações complexas que

comportam lutas e resistências, demonstrando que o modelo dominante da

modernização da agricultura, ainda que seja concentrador de poder, desencadeia

conflitos por terra e território.

Page 111: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

108

Capítulo 3 Tecnologias agrícolas e conflitos sociais: uma abordagem

territorial

O objetivo deste capítulo é caracterizar as principais estratégias argumentativas

adotadas para justificar a expansão da agricultura empresarial na área de estudo,

identificando os sujeitos que resistem no território materializando-se em usos

diferenciados do solo.

Para tal, discutiremos como no norte do ES as teses do “vazio geográfico” e do

“atraso da agricultura” tornam invisíveis sujeitos sociais, tais como os camponeses.

Essas teses favoreceram ao Estado e às elites rurais a disseminação de tecnologias,

formas de controle e de apropriação do território que deram espaço aos grandes projetos

da agricultura de corporações.

O presente capítulo discute como as diferentes escalas de dominação e também

de resistência se articulam: o local, onde se situam os assentamentos rurais se vincula à

rede regional e internacional de movimentos de resistência à des-territorialização.

Para a construção deste capítulo fez-se uso de material documental de origem

acadêmica, de movimentos sociais ou produzidos por órgãos de Estado que serviram

para caracterizar o modelo agrícola constituído na área de estudo. Ao final do capítulo

estão sistematizados os elementos principais a serem retidos.

Se considerarmos na história da agricultura os séculos XX e XXI, assistimos a

hoje a uma aceleração da geração e aplicação de tecnologias modernas sem precedentes.

As tecnologias que se territorializam de forma preponderante e sob conflito são aquelas

que possibilitam a maior concentração de poder em mãos de setores e grupos

hegemônicos na sociedade. Elas são, como vimos, elaboradas a partir da artificialização

do meio natural segundo uma lógica científica que descontextualiza os objetos técnicos,

tendo como consequência, no que se refere ao meio rural, a territorialização de extensos

monocultivos nos moldes da Revolução Verde.

As tecnologias que permitem as práticas monoculturais compreendem uso

intensivo de máquinas de ponta que substituem grande parte do trabalho manual, uso de

insumos agrícolas externos aos sistemas de produção e manipulações genéticas61, além

61 O uso de biotecnologias como a transgenia vem se intensificando conforme apresentado no capítulo

anterior. O controle de material genético propagativo se dá através de patentes controladas, sobretudo nos países de capitalismo avançado, o que denota uma tendência a maior concentração de poder por parte de quem tem essas patentes registradas. Neste sentido, o informe sobre o desenvolvimento humano do PNUD (2000) coloca que “84% do gasto mundial em pesquisas e desenvolvimento

Page 112: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

109

de máquinas de processamento cada vez mais eficientes e modernas do ponto de vista

da valorização do capital, com alto desempenho de produtividade, a requerer aumento

no uso de matérias-primas para o seu pleno funcionamento.

As corporações são a forma econômico-gerencial que promove o controle das

tecnologias. São empresas monopolistas e globalizadas, comumente operando sob a

ação de um Estado facilitador e que cria as condições para a concentração de poder e

riqueza. O modelo dominante se traduz, comumente, em uma expansão territorial em

conflito com outras formas de ocupação do espaço62.

Os conflitos se dão basicamente quando passam a ocorrer mecanismos de

produção social de desigualdade ambiental (Acselrad, Mello e Bezerra, 2009). O acesso

desigual na esfera da produção manifesta-se no processo de contínua destruição de

formas não capitalistas de apropriação da natureza. Assim, estes sistemas são atingidos

por impactos ambientais gerados por grandes extensões de monocultivos cuja lógica de

produção provoca “externalidades” que podem fazer com que o desenvolvimento de

uma atividade comprometa a possibilidade de outras atividades se manterem.

O uso desigual dos recursos do território favorece setores ou grupos comandados

por empresas multinacionais63, que contaram, no Brasil, de forma intensificada a partir

dos anos de 1960, com um aparato estatal montado para sua efetivação, cujo papel foi o

de divulgar e disseminar as tecnologias da Revolução Verde no campo. Neste sentido,

os órgãos de extensão rural, assistência técnica e de pesquisa foram desenvolvendo ou

adaptando tecnologias de produção em escala. Os conflitos configurados frente a estes

aparatos institucionais exprimem a reação de grupos não hegemônicos, sujeitos sociais

que se vêm ameaçados de destituição de seus meios de reprodução.

No norte do ES, região onde nos interessa trazer a dimensão da resistência aos

modelos tecnológicos dominantes, atuam sujeitos sociais coletivos com destaque para o

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-terra e o Movimento de Pequenos

correspondia em 1993 a somente dez países, que controlavam 95% das patentes dos EUA nos dois últimos decênios. 80% das patentes outorgadas em países em desenvolvimento pertencem a residentes de países industrializados (MARI, 2000 p. 105 citada por PORTO-GONÇALVES, 2006 p. 97).

62 Estaremos reportando-nos aos conflitos sociais existentes no norte do Espírito Santo. 63 As empresas multinacionais que protagonizaram a Revolução Verde estão sendo incorporadas por grandes corporações por meio de fusões ou aquisições de (várias) empresas menores, consolidando com isso menos de uma dezena de corporações por ramo de atividade agrícola. Em alguns casos, o Estado assume um papel preponderante, viabilizando ou mesmo se associando a estas formas de gerenciamento do capital.

Page 113: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

110

Agricultores. Outros sujeitos sociais se articulam a estes em redes, como a Rede Alerta

contra o Deserto Verde e a Via Campesina.

Estes sujeitos sociais articulam estratégias em diferentes escalas, inclusive

internacionais. A articulação de escalas para os movimentos responde à necessidade de

fortalecerem-se enquanto sujeitos sociais coletivos quanto de interferirem em processos

cujo centro decisório está no nível internacional, próprio das grandes corporações.

Tal como assinalado por Vainer (2005)

Seguindo sugestões presentes em Harvey, Swyngedouw, Smith, Bourdieu, entre outros, parece-nos indispensável interpelar cada um dos discursos escalares [...] a partir do que temos designado de abordagem ou estratégia transescalares. A ideia central pode ser expressa como segue: qualquer projeto (estratégia?) de transformação envolve, engaja e exige táticas em cada uma das escalas em que hoje se configuram os processos sociais, econômicos e políticos estratégicos. Desta perspectiva, o que faz a força das corporações multinacionais está menos em sua globalidade que em sua capacidade de articular ações nas escalas global, nacionais, regionais e locais (VAINER, 2001 p. 14).

Assim, o poder de decisão não está no local, no regional, no nacional, ou no

global, mas sim na capacidade de articular escalas, de analisar e intervir de modo

“transescalar” (Vainer, 2001). Essa compreensão é seguida pelos movimentos que

reivindicam seu território quando, a partir de uma articulação transescalar, procuram

pautar questões com a maior visibilidade pública, visando as esferas políticas.

Para a análise dos conflitos pelos usos do território, remetemos-nos ao que o

geógrafo Milton Santos denomina de “território usado”, considerando uma dimensão

histórica que “constitui-se como um todo complexo onde se tece uma trama de relações

complementares e conflitantes” (SANTOS, 2002 p.).

Haesbaert (2007) completa, sugerindo que

o território usado, visto como uma totalidade, é um campo privilegiado para a análise na medida em que, de um lado, nos revela a estrutura global da sociedade e, de outro lado, a própria complexidade do seu uso (HAESBAERT, 2007 p.59).

Assim, enquanto os atores hegemônicos tratam o território “como recurso”, os

não hegemônicos o têm, antes, como lugar de produção de identidade social e de

“abrigo”.

Page 114: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

111

Para os atores hegemônicos, o território usado é um recurso, garantia de realização de seus interesses particulares. Para os atores hegemonizados, trata-se de um abrigo, buscando constantemente adaptar-se ao meio geográfico local, ao mesmo tempo em que recriam estratégias que garantam sua sobrevivência nos lugares (HAESBAERT, 2007 p. 59).

A proposta “integradora” do território, segundo Haesbaert (2007), dá ênfase ao

aspecto temporal, histórico e suas múltiplas dimensões através de relações conjuntas de

dominação e apropriação64.

Ao afirmar que o território comporta a tensão entre diferentes modos de

apropriação do espaço, “a mesma paisagem, com a mesma materialidade, pode ser lida

de modos diferentes por diferentes pessoas e culturas ou por diferentes segmentos no

interior de uma mesma sociedade e cultura” (PORTO-GONÇALVES, 2006 p. 124). O

autor cita como exemplo uma floresta que é vista de maneira diferente pelo povo que

nela vive e pelo madeireiro. Assim, em uma perspectiva de diferentes significações

sobre os territórios, como recurso e como abrigo, de dominação e resistência,

constituem-se diferentes “imagens” territoriais, que,

revelam as relações de produção e consequentemente as relações de poder, e é decifrando-as que se chega à estrutura profunda. Do Estado ao indivíduo, passando por todas as organizações pequenas ou grandes, encontram-se atores sintagmáticos que ‘produzem’ o território (RAFFESTIN, 1993 p.152).

Conforme sustenta Alentejano (2003),

O território seria uma parcela do espaço sobre a qual incide uma dominação, o que dá a este um caráter eminentemente político; porém, não se deve esquecer que esta dimensão política não é unívoca, na medida em que há uma constante disputa de projetos de ordenamento territorial que se pautam tanto pela crítica da forma que assumem as relações sociais como da apropriação dos recursos ambientais (ALENTEJANO, 2003 p.27).

64 “Lefebvre distingue apropriação de dominação (“possessão”, “propriedade”), o primeiro sendo um

processo muito mais simbólico, carregado das marcas do “vivido”, do valor de uso; o segundo mais concreto, funcional e vinculado ao valor de troca” (HAESBAERT, 2004). Em decorrência, é interessante observar, segundo o autor, que enquanto “espaço-tempo vivido”, o território é sempre múltiplo, “diverso e complexo”, ao contrário do território “unifuncional” proposto e reproduzido pela lógica capitalista hegemônica. Esta noção lefebvreana leva em conta as relações de poder que constroem o território.

Page 115: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

112

Tais conflitos envolvem sujeitos sociais com modos diferenciados de

apropriação, uso e significação do território, confrontando aqueles que veem o território

como recurso daqueles que o veem como abrigo.

Para caracterizar como vão se constituindo no território as forças des-

territorializadoras, apresentamos a seguir elementos do contexto da região norte do ES

que permitirão posteriormente discutir, a partir das contradições do processo de

desenvolvimento, os conflitos e disputas territoriais.

3.1 O Espírito Santo ao norte do Rio Doce

O que se denomina “norte do ES” traz diversas significações65 ao longo de sua

história de ocupação, envolvendo diferentes territorialidades, tensões e disputas em uma

região onde os Índices de Desenvolvimento Humano66, um dos menores do Estado e do

país, contrastam com o discurso do crescimento econômico baseado no fato de abrigar

atividades do setor agroexportador. Um dos segmentos de maior expressão econômica

no estado encontra-se nessa região, onde a modernização da agricultura amparada na

tecnociência e nas corporações se concretiza, sobretudo no plantio do eucalipto para a

produção de celulose, na cana para biocombustíveis e na fruticultura tropical.

A região é marcada por uma conflitividade que se expressa desde períodos

coloniais. Foram vários os ciclos de des-territorialização dos grupos “precariamente

territorializados” (HAESBAERT, 2007), ou seja, indígenas, quilombolas e camponeses.

Entretanto, no período recente, ao mesmo tempo em que grandes projetos de

escala internacional dominam os recursos para a reprodução do capitalismo global nos

territórios onde se instalam, esses territórios também comportam sujeitos sociais que

têm o “território como abrigo” e que, impactados pela dominação do território como

65 Vários são os entendimentos do que seja o “norte do ES”. O Estado, não sendo um bloco monolítico, executa uma série de ações que na maioria das vezes não se articulam, demonstrando diferentes compreensões sobre essa área de atuação. Não nos referimos somente aos governos estaduais e federal, mas dentro mesmo de cada instância interna a esses poderes, secretarias ou ministérios, respectivamente, as ações e compreensões sobre o que seja “o norte” são diferentes e muitas vezes divergentes. Compreensões diferentes e delimitações desta região também são encontradas na forma de organização adotadas pela da igreja e por movimentos sociais. Deteremos-nos a considerar a região ao norte do Rio Doce, como um contexto para as mudanças que aí ocorrem com suas especificidades no macro-espaço do estado do Espírito Santo. 66 Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) médio no norte do ES é de 0,71, segundo dados do IBGE. Em 2009, o IDH brasileiro foi de 0,813.

Page 116: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

113

recurso, buscam constantemente adaptar-se ao meio geográfico local, ao mesmo tempo

em que recriam estratégias que garantam sua sobrevivência nos lugares.

Não há um domínio permanente, linear e ascendente da tecnociência. Ultrapassando este entendimento determinista, Milton Santos (2000) diz que as mesmas bases que dão as condições para a expansão desta globalização como perversidade são também as bases que estão demonstrando vulnerabilidades e permitindo outros usos das técnicas. Isto porque este território usado como recurso é também abrigo, ou seja, ele é vivido, compartilhado. E são estas relações que se dão na horizontalidade cotidiana que permitem a recriação dos usos do território e, portanto, das técnicas (ANTONGIOVANNI, 2006 p. 64).

Estudos recentes67 vêm sendo realizados no sentido de entender as tensões

verificadas no norte do Espírito Santo, seja no tempo passado, como no período

colonial, quando a sobrevivência indígena foi ameaçada e o trabalho dos negros

escravos propiciou o desenvolvimento de uma agricultura exportadora como o café e a

mandioca, ou num período posterior, com a chegada dos imigrantes à região, que se

constituem na grande massa de camponeses. Hoje a resistência no território incorpora os

protagonistas históricos como os indígenas, que datam sua luta por sobrevivência desde

períodos coloniais, assim como os quilombolas.

3.1.1 O vazio, o atraso e os invisíveis

Analisando o desenvolvimento do capitalismo no Espírito Santo, Scarim (2009)

mostra destaca o papel da ideologia do vazio demográfico da região norte68 propalado

como “terra de ninguém”. O “atraso”, por sua vez, é atribuído aos camponeses que,

sendo considerados como o que não é moderno, ficam à parte do desenvolvimento,

invisíveis como sujeitos sociais. Ao pesquisar documentos elaborados na década de

1960 que auxiliam nas análises econômicas para o desenvolvimento do Espírito Santo,

Scarim (2009) procura entender mais detidamente o processo pelo qual foi sendo

construída no estado, pela noção da modernização, a ideologia do atraso das formas

camponesas de produção.

67 Algumas teses discutem as tensões no desenvolvimento do norte do ES, como as que foram defendidas por Antongiovanni (2006), Maracci (2006), Scarim (2009) e Ferreira (2002 e 2009). 68Antongiovanni (2006) igualmente reporta-se à noção do “vazio” e do “atraso” conformando relações de poder e justificando territorializações através de modelos dominantes que sofrem resistência na atualidade.

Page 117: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

114

As relações de reciprocidade, a ausência de ida ao mercado (fora das

propriedades e pequenas vilas) e o predomínio de relações de troca não mercantis, que

caracterizavam o modo de produzir camponês, foram desconstruídas pela ideologia do

“atraso”.

Assim, podemos observar, como os documentos elaborados pelo governo, por

ideólogos ou acadêmicos, fizeram acreditar na agricultura camponesa como símbolo do

atraso69, referindo-se a ela como

[...] estabelecimentos situados à margem do processo de comercialização com uma organização de produção voltada exclusivamente para a subsistência, limitada à prática de trocas não monetárias dos seus excedentes de produção, em geral cereais e pequenas criações, por certas mercadorias essenciais, junto ao pequeno comércio local das vilas e povoados (ASPLAN, 1962, p. 30 citado por SCARIM, 2009 p. 28).

[...] confirmam e ilustram o nível de mera subsistência em que se mantém o grosso da população rural capixaba. Tratando-se da cultura (café) que emprega o maior número de pessoas no Estado, torna-se óbvio o impacto negativo desse fato na manutenção do baixo padrão de vida que caracteriza essa população rural. Sendo, ao mesmo tempo, a exploração de mercado menos arriscada, ela se torna um fator não só responsável por todo esse atraso, como também impeditivo de uma diversificação de cultivos em bases comerciais, permitindo e até garantindo a sobrevivência das pessoas envolvidas na sua exploração às custas das culturas de subsistência (ASPLAN, 1968 citado por SCARIM, 2009 p. 32. Grifos da autora).

Os documentos, planos, diagnósticos e estudos elaborados na década de 1960

com o objetivo de planejar o desenvolvimento do Estado evidenciam a tomada de

partido do governo ditatorial de então pelas “propriedades ativas”, desconsiderando a

economia camponesa, enquadrando-a como “propriedades de subsistência”.

Nas economias camponesas, no sentido colocado por Sabourin (2009),

predominam os circuitos curtos de comercialização (“pequeno comércio local das vilas

e povoados”), as relações de reciprocidade expressas por meio de formas de

solidariedade na produção ou na redistribuição de alimentos70 e de autoconsumo

importantes para a segurança alimentar (“garantindo a sobrevivência das pessoas

69 Ainda que estejamos nos referindo ao norte do Espírito Santo, não podemos desconsiderar que tal fato não foi exclusividade do estado, mas sim de um contexto nacional de modernização da agricultura, como visto no Capítulo 2. 70 Sabourin (2009) ressalta ainda o nível simbólico das relações de reciprocidade que caracterizam os camponeses, como o sentido de “comunidade” que expressa localidade, proximidade, parentesco, espiritualidade (religiosidade) e compartilhamento de recursos.

Page 118: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

115

envolvidas na sua exploração”). Ao desconsiderar o “modo camponês de fazer

agricultura” (Ploeg, 2008), o governo redirecionou o “desenvolvimento” do Estado para

médias propriedades de acordo “com o tamanho ótimo71”, conforme interesses de

grupos hegemônicos, baseados nas trocas monetárias em circuitos longos

(internacionais) de comercialização com vistas à implantação de grandes projetos72.

Não só o discurso do atraso visava justificar a “des-territorialização” de grande

parte do campesinato, como as áreas de lavoura onde predominava o cultivo do café,

deveriam ser liberadas para implantação de novos e grandes projetos. Nesse sentido,

ganha proporção a ideologia da crise do café, que, se por um lado afetava uma classe

mercantil urbana responsável pela comercialização e exportação, em nada afetava o

diversificado modo de produzir camponês73.

Segundo Antongiovanni (2006), o discurso da “crise do café” elegeria os lugares

que deveriam continuar a produzir café para exportação e os lugares que deveriam

substituir suas culturas para dar lugar à expansão do agronegócio do próprio café e das

outras frentes trazidas pelas plantações de eucalipto, cana e mais recentemente a

fruticultura. No “Programa de diversificação econômica das regiões cafeeiras” para o

período entre 1967 e 1969 “a ideia de diversificação nada mais era do que uma opção

por monocultivos promovendo especializações produtivas” (ANTOGIOVANNI, 2006

p. 80).

Conforme ideólogos afirmavam à época da implantação dos grandes projetos,

71 Scarim (2009) mostra que o “tamanho ótimo” foi defendido para a implantação da silvicultura, uma vez que “para apresentar resultados econômicos, o empreendimento florestal necessita ser realizado em larga escala”, ou seja, “grandes empreendimentos”. Assim, segundo o autor, 98,23% do plantio se encontravam em áreas acima de 100 hectares, e 63,8% nas áreas acima de 10.000 hectares. 72 A migração de famílias camponesas para Rondônia nas décadas de 1960 e 1970 para projetos de colonização na Amazônia coincide com a implantação dos grandes projetos no norte do ES, preservando o “vazio” necessário para abrigar o modelo de desenvolvimento dominante. Pelo depoimento dos camponeses no trabalho de campo, é possível observar o impacto da migração para RO, segundo relata um dos camponeses entrevistados em julho de 2010, “toda família do norte capixaba tem um parente em Rondônia”. 73 Scarim (2009) mostra que o modelo de desenvolvimento que se aplica ao espaço agrário capixaba não somente transforma a estrutura agrária ao concentrá-la, como também interfere nas práticas agrícolas pelo impacto dos pacotes tecnológicos. Segundo o autor, no período que antecede estas mudanças, na agricultura camponesa, somente 0,74 % das unidades usava produtos químicos, enquanto 92,22 % usavam produtos orgânicos. As áreas camponesas, segundo o autor, eram responsáveis por 99,80% da produção do açúcar, 68,37% de aguardente, 99,44% da rapadura, 99,77% da farinha de mandioca, 100% do polvilho, 69,44% do beneficiamento do arroz, 50,16% do beneficiamento do café e 99,58% da farinha de milho que eram produzidos em uma escala não industrial.

Page 119: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

116

Estaria dada a “consolidação da ideologia industrializante” em plena “crise da monocultura cafeeira capixaba”, isto é, do modelo resultante do “atrasado processo de colonização”, que estava “assentado em bases bastante precárias”, cuja “principal característica” era as “relações produtivas de base familiar”. E esta relação produtiva de base familiar tinha um estranho habitus, diríamos, de possuir “insignificantes manifestações de trabalho assalariado” além de serem “quase todas autosuficientes”. Isto era possível porque sua “cultura de subsistência” tinha padrão de consumo “ainda bastante rudimentar”, o que cerceava a formação e o desenvolvimento de um mercado interno diversificado (GOMES, 1998 citado por SCARIM, 2009 p.37).

Todo este processo culmina com o início da territorialização dos grandes

projetos e as corporações na agricultura.

3.1.2 Grandes projetos e corporações na agricultura

No período do regime militar ditatorial brasileiro, o Estado amparou a

implantação de grandes projetos de investimento que possibilitou às empresas

estrangeiras instalarem-se no suposto “vazio” norte do ES, com incentivos financeiros e

fiscais. Isso se deu na cadeia produtiva da cana e do eucalipto, em que o Estado teve um

papel preponderante concretizando empreendimentos concentradores de grandes

extensões de terra, produzindo matérias-primas para uma ou outra cadeia produtiva.

Nos anos 1990, [...] com o processo de territorialização do setor da celulose, protagonizado pela Aracruz Celulose, promove-se novo avanço do meio técnico-científico-informacional para atender ao padrão de organização espacial que uma corporação necessita para sustentar o seu projeto através de intervenções no território para a eficácia da empresa global (ANTONGIOVANNI, 2006 p. 68).

O “setor celulósico” se instala como um grande projeto. A monocultura do eucalipto marca sua presença inicialmente nos territórios indígenas no Espírito Santo, datada do final da década de 1960 (1967), quando foram iniciados os primeiros plantios de eucalipto feitos por uma empresa chamada Vera Cruz Florestal. Pouco tempo depois, foi criada a Aracruz Florestal S/A (ARFLO), que cuidava especificamente dos plantios do Grupo Aracruz. Na segunda metade da década de 1970 é inaugurada a fábrica da Aracruz Celulose S/A, que começou a produção de celulose de fibra curta com capacidade de 470 mil toneladas por ano. Desde a implementação da Aracruz Celulose, o litoral norte capixaba tornou-se uma nova frente de expansão e colonização (SCARIM, 2009 p. 99).

No que concerne à territorialização do setor de celulose no norte do ES, esta se

dá de forma acelerada, intensificando a produção para atender às demandas da

Page 120: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

117

agroindustrialização, efetivada poucos anos depois da implantação dos primeiros

cultivos. Os dados da EMBRAPA Florestas para 2003 mostram o peso da atividade

econômica da celulose, sendo que todo o estado do Espírito Santo tem a terceira maior

área plantada de eucalipto para a produção de celulose do Brasil, e é o terceiro maior

produtor, com 5,1% da participação nacional. O norte do ES, mais precisamente os

municípios de Conceição da Barra e São Mateus, abrigam expressiva territorialização

deste tipo de cultivo no estado, conforme mostra o mapa 1 sobre a espacialização dos

cultivos de eucalipto no Espírito Santo em 2000.

Page 121: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

118

A especialização para o cultivo de eucalipto impactou sobremaneira

comunidades e ambientes:

Page 122: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

119

Implantadas a partir dos anos 1970, sob a égide dos Atos Institucionais da ditadura militar, e desde então apoiadas por fartos créditos do BNDES, isenções fiscais e flexibilização das leis trabalhistas e ambientais, as grandes empresas do agronegócio do eucalipto (Aracruz/Fibria/Votorantim, Suzano, Plantar, Veracel, Stora Enso, Jakko Poyre) e os conglomerados internacionais a montante e a jusante da indústria do papel (Proctor and Gamble, Kimberly Klarc, Siemens, Banco Mundial, Banco Nórdico de Investimento, Banco Europeu de Investimento etc.) foram responsáveis por uma violenta e abrupta transformação da paisagem (CALAZANS, 2010 p. 8).

Desde a implantação da Aracruz Celulose, em 1958, houve uma articulação

entre Estado e empresa, consolidando-se no ano de 2007 o planejamento do Espírito

Santo até 2025, o chamado “ES 2025”. Este planejamento traça a categoria

questionável, segundo a autora, de “vocação econômica”, enquadrando cada

microrregião em um ou mais “sistema de produção” do agronegócio ou da indústria ou

comércio. Neste esquema, a diversidade cultural fica de fora, assim como as

possibilidades de alternativas de desenvolvimento que não envolvam monoculturas e

grandes extensões de terras. É desta forma que é dada ao norte do ES a vocação de

“agrorural”, corroborando o discurso do agronegócio.

Tais intervenções são de ordem material quando pensamos nas suas formas tais como as fábricas, as plantações, as estradas, as barragens, comportas, isto é, são os sistemas de engenharia que se constituem em “sistemas de objetos” que são conectados pela e para a empresa (ANTONGIOVANNI, 2006 p. 68).

Os “sistemas de objetos”, entretanto, são comandados por “sistemas de ações”

que os justificam e que consolidam relações de poder. Tal Plano Estratégico é o

instrumento que propicia direcionar recursos públicos para apoiar “polos” produtivos

investindo em infraestrutura e outros aportes, de acordo com interesses das corporações.

Segundo a autora, há, a partir desses sistemas, nos territórios, a subalternização

dos saberes (no mundo “moderno colonial” a que se refere), quer seja, a negação das

territorialidades em tensão e a imposição da tecnociência dada como condição de

desenvolvimento; portanto, elementos que estruturam e mantêm o poder hegemônico.

Barcelos (2010) mostra que, a partir da década de 1970, há uma reorientação no

tamanho das unidades de produção de eucalipto envolvendo pequenas e médias

propriedades e uma integração da agricultura camponesa à agroindústria, antes fixado

sobretudo em propriedades de “tamanho ótimo”, acima de 100 hectares. Essa

“pulverização” das plantações arbóreas monoculturais integrando a agricultura

Page 123: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

120

camponesa envolve sobretudo a região serrana do estado, onde há uma coincidência

entre a maior proporção de fragmentos florestais preservados e as pequenas

propriedades camponesas (SCARIM, 2009). Se antes as plantações se territorializavam

sob grandes extensões de terra, provocando conflitos territoriais no uso do solo por

parte dos movimentos sociais que reagiam às tendências de des-territorialização ao se

apropriarem do território impedindo outras formas de uso, agora, com a integração de

pequenas propriedades, a agricultura camponesa passa a se incorporar nesse novo

sistema, comprometendo as próprias estratégias de resistência do campesinato, que não

somente propicia a continuidade dos ganhos econômicos da cadeia produtiva da

celulose como também reformula suas estratégias em resposta às resistências e

denúncias feitas por movimentos sociais nos territórios onde se instalam, como é o caso

do norte do ES.

Em segundo plano, mas não menos importante nas tensões territoriais no norte

do ES, estão os cultivos de cana, impulsionados no final da década de 1970 com a

criação do Programa Governamental Federal de Estímulo à Produção de Álcool, em

tentativa à substituição do consumo de petróleo – o Proálcool. Tal incentivo foi

acompanhado por subsídios e intervenção direta do governo do estado do ES em todas

as fases da cadeia produtiva. Foi dessa forma que se estabeleceram várias usinas para a

produção de álcool, como a ALBESA no município de Boa Esperança, ALCON e DISA

em Conceição da Barra, ALMASA em São Mateus (desativada), CRIDASA em Pedro

Canário, e LASA em Linhares.

Ao final dos anos 1990, esses empreendimentos sofreram uma queda devido à

debilidade da ação do Estado no setor. Somente a partir de meados do século, com os

apelos à produção natural e limpa com recursos renováveis, aliados a incentivos para a

produção dos biocombustíveis é que se rearranjam as estruturas possibilitando a entrada

de corporações de comando na cadeia do que é hoje a chamada Infinity Bio-Energy.

Com incentivos estatais, as usinas (muitas das quais passaram por processo de

falência na década de 1990) revigoram seu poder econômico provocando novos

impactos nos territórios onde estão instaladas. O “zoneamento agroecológico da cana-

de-açúcar” elaborado pela EMBRAPA Solos em 2009 aponta áreas aptas ao cultivo de

cana com aptidão alta e média para áreas agrícolas, concentrando boa parte dessa

indicação para o norte do ES. Este zoneamento sobrepõe-se às áreas (pequenas em

extensão, mas não em número de camponeses) de produção camponesa aí existentes.

Considerar a região com aptidão alta ou média é o primeiro passo para a dominação

Page 124: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

121

desenfreada de mais porções do território, incorporando-as ao modelo tecnológico

dominante de produção de cana.

Os cultivos, sejam para cana ou para eucalipto, por reproduzirem um modelo

tecnológico que requer extensas áreas para a produção, sofrem resistência por parte dos

movimentos camponeses, que alegam que os cultivos inviabilizam a desapropriação de

terras para reforma agrária e reduzem as áreas dos plantios de alimentos, além de gerar

impactos ambientais pelo uso de grande quantidade de fertilizantes e agrotóxicos e da

queima, que anualmente precede o corte.

Se as cadeias produtivas da silvicultura inauguradas na década de 1960, e

posteriormente a da cana, na década de 1970, primam pela dominação de grandes

extensões de área para a produção de matéria-prima, outras cadeias, como a da

fruticultura ou do café, comportam um sistema produtivo comandado por corporações

que se ajustam às formas camponesas de produção pelos apelos da modernização da

agricultura, conforme os preceitos da Revolução Verde. Hoje também podemos

observar uma reorientação da cadeia produtiva do eucalipto pulverizando suas ações,

integrando a agricultura camponesa à agroindústria, mostrando uma adequação desta

cadeia produtiva às novas estratégias de reprodução do capital. Se em período ditatorial

foi possível uma apropriação do território com forte intervenção do Estado, hoje, em um

regime político democrático, faz-se necessário ajustar as estratégias às novas condições

de acumulação do capital globalizado.

Conjugando a utilização de um pacote tecnológico (insumos, máquinas,

irrigação etc. que tornam viável o cultivo em monoculturas), contratos de compra,

assistência técnica (pública ou privada) e integração de camponeses à agroindústria, o

agronegócio da fruticultura tem início a partir de 2007. São cultivos em escala,

abrangendo pequenos e médios estabelecimentos rurais, inclusive em assentamentos

rurais, com forte movimentação no arrendamento de terras para o cultivo de frutas,

cujos produtos têm como destino a agroindústria de alimentos, sobretudo de sucos e

concentrados.

Tal modelo tem o estímulo do governo do Estado, que estabelece em seu plano

estratégico intitulado PEDEAG 2025 as metas de implementação de “polos” de

desenvolvimento, direcionando subsídios e apoio a determinados setores; no caso, para

a instalação de agroindústrias intermediárias nas cadeias produtivas de âmbito

internacional que, através do INCAPER, propiciam assistência técnica estatal às

cooperativas que se associam à cadeia da fruticultura e aos camponeses que, sendo

Page 125: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

122

provenientes de assentamentos rurais, contam com o Programa Nacional de

Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF74 – para os investimentos na

produção.

Trata-se de um império agroalimentar (Ploeg, 2009) composto de estruturas

empresariais intermediárias75 tanto em escala regional quanto local, entre as

corporações multinacionais e os camponeses que produzem em suas áreas a matéria-

prima, ficando estes camponeses e as áreas que possuem com o ônus da produção e a

menor parte dos ganhos na cadeia76. A agroindústria processadora compra a matéria-

prima de empresas médias ou pequenas instaladas nos municípios, sendo estas

responsáveis pelo contato direto com os agricultores, de quem recebem os seus

produtos, e entregam para a indústria de maior porte, mais distante do município, cujo

destino da produção tem nas corporações seu destino final, no caso a Coca-Cola/Minute

Maide/Suco Mais. Concorrem ainda para o fortalecimento do “polo”, investimentos do

Banco do Nordeste, do Ministério da Integração Nacional e do BANDES.

No capítulo seguinte discutiremos o modelo tecnológico da cadeia produtiva do

café, com grandes impactos sobre os sistemas produtivos dos assentamentos. Trata-se

da problemática deste cultivo integrado aos assentamentos e que, justamente por isso,

implica pouca resistência camponesa à agricultura de corporações. Confrontados às

mudanças da Revolução Verde que tem no café um cultivo de exportação e cujas

mudanças favoreceram o aumento da produtividade, os cultivos deixam de ser uma das

muitas atividades realizadas pelo campesinato, que passa a ter sua parcela produtiva

como uma célula da cadeia produtiva comandada por poucas corporações

multinacionais. Teubal e Rodríguez (2002) registram que apenas oito corporações

respondem por 55% a 60% do comércio mundial de café. A problemática da integração

da agricultura camponesa às corporações multinacionais é ainda mais grave quando

constatado que a “agricultura familiar” é responsável por produzir 70% do café

nacional, segundo dados do IBGE/Censo Agropecuário de 2006.

74 No próximo capítulo trataremos mais essa problemática ligada ao PRONAF. 75 Principal empresa é a Trop Brasil, instalada no município de Linhares. Os principais produtos comprados são goiaba, abacaxi, maracujá, mamão e coco. 76 De acordo com os levantamentos na pesquisa de campo, realizada em julho e agosto de 2010, em média, cada agricultor, implementando uma parcela de 1 ha de plantio de maracujá nos assentamentos rurais de São Mateus, investe em média R$ 30.000 prevendo um retorno econômico líquido da atividade estimado em R$ 10.000,00. A pesquisa não tinha como objetivo detalhar os rendimentos e riscos econômicos dos sistemas produtivos nos assentamentos rurais.

Page 126: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

123

3.1.3 O norte na compreensão do Estado

O norte do ES tem sido uma região bastante abordada pela ação do Estado em

diferentes frentes. Um dos instrumentos do governo estadual para direcionar seu

orçamento e ações operadas pela Secretaria de Estado da Agricultura, Abastecimento,

Aquicultura e Pesca – SEAG – diz respeito ao Plano Estratégico de Desenvolvimento da

Agricultura Capixaba – PEDEAG – já citado anteriormente. Este Plano teve sua

primeira elaboração em 2003, sendo editada sua segunda versão em 2007, com a sigla

PEDEAG 202577, que traz a “visão de futuro” do planejamento da expansão da

agricultura capixaba para os próximos anos.

Segundo o Novo PEDEAG 2025, a “região Litorânea Norte”, como é recortada,

contendo os municípios de Jaguaré, Conceição da Barra, São Mateus e Pedro Canário,

tem grande expressividade do setor agropecuário e apresenta uma das melhores

participações do PIB estadual, representando 43,88% do Produto Interno Bruto

Regional segundo dados do IPEA (2005). Esta contribuição se deve às cadeias

produtivas da silvicultura, da cana e da fruticultura, setores ou “polos” efetivamente

apoiados no Plano Estratégico.

A prosperidade apontada pelo plano e o ufanismo dos órgãos públicos com

relação ao crescimento do ES (“crescendo mais do que os índices de crescimento do

Brasil”), no entanto, não revertem para o desenvolvimento social se nos remetermos aos

baixos índices de IDH da região.

Outra ação do Estado voltada para o norte do ES foi desenvolvida a partir de

2004 pela Secretaria de Desenvolvimento Territorial – SDT – do Ministério do

Desenvolvimento Agrário – MDA – que definiu, em sua política de delimitação de 80

territórios em nível nacional para priorizar e articular políticas públicas do governo

federal e estadual, um “território norte do ES78”. Para delimitação dos territórios, dentre

outros critérios, contaram as regiões brasileiras que apresentavam menor IDH. Tal

delimitação implicou divergências entre governo estadual e federal, segundo mostra 77 Espírito Santo/SEAG. Plano estratégico de desenvolvimento da agricultura capixaba. Novo PEDEAG 2007-2025. Vitória, 2008. Este Plano foi elaborado por consultoria da ONG Espírito Santo em Ação, segundo a qual, com a missão de “ser reconhecida como referência do pensamento empresarial capixaba e agir como um importante catalisador de interesses originários de setores empresariais, através de ações positivas e pró-positivas, colocando-se como instância de representação qualificada do empresariado” em: http://www.es-acao.org.br/index.php?id=/institucional/missao_e_visao/index.php 78 Compõem o “território norte do ES”, segundo políticas da SDT/MDA, os municípios de Mucurici, Água Doce do Norte, Águia Branca, Boa Esperança, Conceição da Barra, Ecoporanga, Jaguaré, Montanha, Ponto Belo, Pedro Canário, Nova Venécia, São Gabriel da Palha, São Mateus, Vila Pavão, Pinheiros, Vila Valério e Barra de São Francisco.

Page 127: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

124

documento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária do Espírito Santo –

INCRA/ES (2004)79 –, elaborado com o objetivo de mostrar as contradições e

limitações da proposta apresentada pela SEAG ao Conselho Estadual de

Desenvolvimento Rural Sustentável – CEDRS –, que excluía, desta política, a “região

Litorânea Norte80”.

O estudo do INCRA/ES propõe uma delimitação do território (entendido como

recorte para aplicação de políticas públicas para o desenvolvimento agrário) que

estabelece as “áreas reformadas”, previstas no II Plano Nacional de Reforma Agrária

(PNRA) como de atuação privilegiada para a Reforma Agrária. Os critérios para a

definição das áreas a serem “reformadas” do ponto de vista de redistribuição fundiária

foram:

• Áreas de conflitos pela posse da terra, expressa pelo número de famílias

acampadas;

• Concentração de assentamentos, expressa pelo número de famílias

assentadas;

• Demanda pela terra, expressa pelo número de pessoas detentoras de

minifúndio e agricultores com acesso precário a terra (parceiros,

arrendatários, ocupantes) e sem-terra (assalariados);

• Concentração fundiária, expressa tanto pelo número de estabelecimentos

acima de 500 e 1.000 ha quanto de estabelecimentos considerados

minifúndios;

• Situação fundiária irregular, expressa pelo número de pequenas posses

(até 100 ha);

• Níveis de pobreza, expressos nos índices de Gini geral (referentes à

renda monetária) e número de famílias com menos de 0,25 salários

mínimos.

Assim, o INCRA considerava que a proposta apresentada pelo governo do

Estado, representado por sua Secretaria de Agricultura, não levava em conta tais

critérios ao eleger, para aplicar as políticas públicas de fortalecimento do que 79 INCRA/ES. Áreas reformadas no ES: uma proposta em discussão. Vitória, 2004. Texto digitado. 80 Ao optar pela delimitação sem incluir tal região, o Estado, representado pela sua Secretaria de Agricultura, exclui das suas ações os municípios com maior número de assentamentos rurais e também com a maior proporção de uso do solo para o cultivo de eucalipto.

Page 128: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

125

considerava agricultura familiar, áreas de expressiva participação socioeconômica deste

tipo de agricultura e estrutura fundiária mais equilibrada e consolidada. Procurava-se

evitar, dessa forma, regiões de acentuada concentração fundiária, baixo número de

assentamentos rurais e poucos conflitos representados pelo baixo número de

acampamentos de sem-terra, numa clara preferência do governo do Estado por preservar

os territórios “como recurso” – no caso, a região “Litorânea Norte” –, livrando-os de

ações desapropriatórias por parte do INCRA ou mesmo do fortalecimento da agricultura

familiar, como propunha o MDA.

Nos impasses entre governo estadual e federal, a delimitação do “território”

somente se tornou possível com a articulação dos movimentos de luta por terra e

território no norte do ES e organizações da sociedade civil que participavam do

CEDRS81, votando a proposta de delimitação apresentada pelo INCRA/ES.

Apesar do grande envolvimento dos movimentos sociais no norte do ES, porém,

muitas políticas públicas não puderam ser efetivadas. Salvo as relações de poder

existentes no território, as burocracias para concretização de projetos na maioria das

vezes os impediam. Os projetos de fortalecimento do segmento não hegemônico, a

agricultura familiar a ser beneficiada pelos projetos, ficaram condicionados às

prefeituras municipais e poderes locais. Das 17 prefeituras da área em questão, em

2006, apenas duas não se encontravam inadimplentes e, portanto, impedidas de receber

recursos públicos segundo o Tribunal de Contas Estadual/ES.

A Tabela 1 mostra a desproporcionalidade na utilização de financiamentos

públicos pela agricultura familiar e pela agricultura patronal, denotando as relações de

poder no território.

Tabela 1: Valor da produção e financiamento no ES segundo segmento familiar e patronal.

Valor da produção (%) Financiamento (%) Agricultura familiar 36 14 Agricultura patronal 64 86 Fonte: Dados II PNRA/INCRA (2003).

Em outras ações do Estado na região, em 2008 são eleitos no Brasil, dentre os

territórios já homologados, aqueles que apresentaram índices baixos de educação, renda

e expectativa de vida. Dentre eles, o norte do ES novamente foi escolhido como

“território da cidadania”. Com base nos mesmos dados de baixo desenvolvimento social

81 Ata de reunião ordinária do CEDRS de dezembro de 2004.

Page 129: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

126

que caracteriza os índices de natalidade, educação e expectativa de vida, o Ministério do

Desenvolvimento Social e Combate a Fome – MDS – igualmente considerou alguns

municípios do norte do ES como área de atuação, instalando assim o Consórcio de

Segurança Alimentar e Desenvolvimento Local – CONSAD –, em 2004.

O Ministério da Integração também se junta às ações governamentais na região,

sobretudo no apoio à infraestrutura ao setor de fruticultura.

3.1.4 A questão fundiária: o locus do latifúndio

Composto em grande medida de pequenas propriedades de terra, prevalece o

senso comum de que o ES é um estado caracterizado pela exploração em minifúndios, o

que não é verdade. Os conflitos fundiários, que não são exclusivos da região norte do

ES, têm aí sua expressão máxima, denunciando séculos de incertezas territoriais que

ainda hoje persistem.

O mapa 2 mostra a evolução da estrutura fundiária do Espírito Santo. Podemos

observar a localização das grandes propriedades, entendendo que muitas delas se

tornaram “produtivas” pelo fato de abrigarem extensas monoculturas, sobretudo em

áreas devolutas.

Page 130: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

127

Mapa 2: Estrutura fundiária do Espírito Santo: evolução do tamanho dos imóveis rurais no período de 1970-2006, com destaque para os municípios de Conceição da Barra e São Mateus.

Organização: Eduardo Álvares da Silva Barcelos. Fonte: IBGE e Bernardo Neto (2009).

Page 131: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

128

O norte do ES, com sua estrutura fundiária concentrada, é base para grandes

projetos que aí se foram instalando e incorporando, inclusive, territórios indígenas e

quilombolas. Barcelos (2010) mostra que houve um “pacto territorial” para a instalação

de grandes projetos no norte do ES. A monocultura do eucalipto em vastas extensões se

instalou nos municípios de Aracruz, Conceição da Barra e São Mateus, onde

predominavam comunidades indígenas, camponesas e quilombolas, deixando de lado

territórios onde prevalecia uma classe dominante local, que foi respeitada; assim, o

município de Linhares não sofreu a dominação de seu território por parte da

monocultura do eucalipto, como pode ser observado no mapa 1.

A territorialização dos grandes monocultivos arbóreos não seguiu estritamente o gradiente topográfico-morfológico como normalmente supõe a leitura econômica. Apesar das facilidades proporcionadas pelo relevo, de fácil mecanização e logística, foram em Aracruz, São Mateus e Conceição da Barra, terras tradicionalmente ocupadas pelo domínio indígena e pelas múltiplas experiências das “terras de preto” que a monocultura se apresenta, se sobrepõe. Isso porque em Linhares, lugar de outros domínios, como o setor moveleiro, o cacau, a cana e a pecuária, a morfologia, de igual conteúdo, não representou nenhuma facilidade para as monoculturas; pelo contrário. As fronteiras outras que aparecem em Linhares, na medida em que avançavam, colonizavam a farta planície fluvio-marinha do município. O setor moveleiro se destaca desde 1940; o cacau aponta com grande vulto; a cana se apresenta pelas monoculturas; a pecuária é visível; os italianos, desde a década de 1950. Linhares marca sua presença com outros domínios territoriais e por uma elite agrofundiária distinta ligada ao poder das oligarquias agrárias. A defesa da “vocação agrária” do ES e a estrutura produtiva baseada no setor agropecuário representou um forte obstáculo à expansão das monoculturas arbóreas, mas também conformou, nitidamente, um “pacto territorial” que refletiu diretamente nas dinâmicas territoriais do setor papeleiro. Aqui, o “acordo de classe”, ao que parece, reafirmou a ocupação das terras de preto e das terras de índio, dois domínios invisíveis. E o território, por sua vez, reflete e afirma as relações sociais (e de poder) e o arranjo da luta de classes por meio do espaço (BARCELOS, 2010 p. 127).

Ferreira (2009) também menciona os “acordos de classe” que preservaram o

município de Linhares e sua classe dominante das investidas da agricultura de

corporações do setor celulósico. Assim,

A escolha dessas duas localidades fora atribuída a alguns fatores favoráveis, como a topografia plana dos Tabuleiros Terciários – favorável à mecanização – a dinâmica climática e a proximidade do Porto de Vitória, que facilitava a exportação – no caso do município de Aracruz. Estas condições também se faziam presentes no município de Linhares, situado entre Aracruz e São Mateus; no entanto, ali não

Page 132: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

129

se estabeleceram os monocultivos de eucalipto. O que se verifica é que as localidades escolhidas constituíam territórios étnicos que vinham sendo ocupados de forma ancestral e não se legitimavam pela lógica da propriedade privada capitalista da terra-mercadoria, mas sim pela apropriação da terra-patrimônio como sustentação da vida. Neste sentido, constituíam formas de apropriação que não contavam com a documentação da terra, diferentemente de Linhares, onde a propriedade privada já se encontrava consolidada nos grandes latifúndios de gado da oligarquia regional (FERREIRA, 2009 p. 98).

Tabela 2: Evolução da concentração de terras no ES segundo o índice de GINI. 1950 1960 1970 1975 1980 1985 1995 2006 ES 0, 529 0, 545 0, 602 0, 626 0, 655 0, 671 0, 689 0, 734 Brasil 0, 840 0, 839 0, 843 0, 854 0, 857 0, 857 0, 856 0, 854

Fonte: INCRA/IBGE (censos agropecuários)

Pode-se observar, na Tabela 2, que mesmo o I PNRA em 1985 e o II PNRA em

2004 não surtem efeito qualquer de desconcentração de terra. Tais dados mostram a

opção pela modernização da agricultura com base nas corporações “sob o comando da

terra”, em que os recursos públicos amparam os investimentos produtivos. A

concentração fundiária aumentou sucessivamente desde a década de 1950, sobretudo a

partir da década de 1980, quando tem início a implantação das primeiras áreas de

assentamentos rurais mostrando que tal fato pouco significou se considerada a

persistente concentração de terra.

No que concerne ao II Plano Regional de Reforma Agrária (II PRRA) elaborado

em fevereiro de 2004 e cuja execução caberia ao INCRA, a meta seria a de assentar em

três anos 2.500 famílias no ES. Nos três anos que se sucederam ao lançamento do Plano

foram assentadas 675 famílias, representando 27% da meta estabelecida. Entre 2004 e

2010 foram assentadas 1.047 famílias em novos assentamentos implantados, ou seja, em

sete anos cumpriu-se apenas 42% da meta do II PNRA prevista para três anos. Nesse

ritmo seriam necessários aproximadamente 17 anos, cinco vezes mais o planejado, para

assentar o número de famílias estabelecido na elaboração do II PRRA.

Observando o que de fato logrou-se com os assentamentos de famílias no estado,

há uma forte desproporcionalidade entre o planejado (e necessário para interferir no

índice de GINI do estado) e o que pode ser concretizado, considerando-se as forças

políticas que atuam na arena da reforma agrária.

Considerando que o “público potencial” da reforma agrária estimado pelo

INCRA, baseado em dados do Censo Agropecuário do IBGE de 1995/96, seja de

55.479 famílias no ES dentre assalariados temporários e permanentes, ocupantes,

Page 133: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

130

parceiros, arrendatários e proprietários minifundistas, a meta estabelecida no II PRRA

pretendia assentar apenas 4,5% do público potencial. Em resumo, a reforma agrária

pretendida massiva conforme o PRRA prometia logrou apenas o assentamento de 1,8%,

necessitando82, para cumprir uma reforma agrária no ES, neste ritmo, nada menos do

que 388 anos!

Enquanto no período em análise (2003-2009) se assentaram, via implantação de

novos assentamentos pelo INCRA, 1.047 famílias, o acesso a terra, possibilitado pelo

crédito fundiário – outra política de acesso a terra pelo financiamento, executada pelo

Ministério do Desenvolvimento Agrário – permitiu entre 2003 e fevereiro de 2006,

segundo dados do MDA (2007) 83, a instalação de 1.445 beneficiários, correspondendo

a 8.067,67 ha em todo o estado, sendo, para o norte, 247 beneficiários. Tais dados

demonstram a opção pelo “modelo da reforma agrária de mercado”, que substitui o

instrumento da desapropriação de propriedades rurais que não cumprem sua função

social, como ocorre no “modelo de reforma agrária redistributiva”, por relações de

compra e venda de terra entre agentes privados, mediada e financiada pelo Estado,

acrescida de subsídios para investimentos socioprodutivos. Segundo Pereira (2006), a

lentidão na execução das políticas de reforma agrária sempre tendeu a ser maior onde os

mecanismos de mercado foram privilegiados, em detrimento da ação compulsória do

Estado.

A Tabela 3 detalha os números sobre a execução do Crédito Fundiário no ES.

Tabela 3: Aplicação do Crédito Fundiário no ES de 2003 a fevereiro de 2006.

nº associações

nº beneficiários área (ha) valor total de

financiamento (R$) Total de propostas em carteira na UTE 11 109 530,71 2.071.000,00

Total geral do território 31 247 1.214,26 4.899.000,00

Total geral do ES 151 1.445 8.067,67 27.548.800,00

% Território/ES 20,5 17,1 15 17 Fonte: MDA 2005 – Plano Safra Territorial.

82 Para os cálculos, não foram considerados o assentamento de famílias em lotes de assentamentos já existentes onde houve evasão de famílias outrora assentadas. 83 MDA/SDT - Plano Safra Territorial. Vitória, Março de 2007.

Page 134: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

131

O II PNRA, ainda que reconheça a necessidade de uma reforma agrária

redistributiva “implementada utilizando a desapropriação por interesse social como

instrumento principal de obtenção de terras”, é contraditório em considerar o

mecanismo do crédito fundiário como opção “complementar” já que, segundo afirma,

“sua aplicação não contribui para a desconcentração da terra”; porém, admite que é

necessário “reorientá-lo para que beneficie prioritariamente as famílias acampadas”,

indo de encontro de uma das principais críticas dos movimentos sociais contrários à

política da reforma agrária de mercado84, acusando-a de desmobilizar a luta pela terra e

beneficiar uma classe dominante no agro sem gerar desconcentração fundiária.

Outras críticas ao crédito fundiário enquanto instrumento da reforma agrária de

mercado recaem sobre os recursos insuficientes para a aquisição de terras,

investimentos, custeio e assistência técnica, qualidade baixa das terras adquiridas

(terrenos com declives acentuados, terrenos distantes das estradas) e, sobretudo,

elevação do preço das terras passíveis de reforma agrária.

Estas críticas fazem com que os movimentos sociais descartem esse tipo de

acesso a terra como alternativa.

3.2 As disputas territoriais: articulações de resistência e enfrentamento

Se não existem dinâmicas des-territorializadoras como as que são impostas por

grupos dominantes sem que haja uma re-territorialização (HAESBAERT, 2007), a luta

pela terra e, em consequência desta, a implantação de assentamentos rurais, bem como

as redes de resistência que se conformam no norte do ES, confirmam tal assertiva85.

Um dos protagonistas desta resistência na região norte do Espírito Santo é o

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-terra. Este movimento é

socioterritorializado86 (FERNANDES, 2000), ator sintagmático (RAFFESTIN, 1993),

84 Segundo Pereira (2006), “a implementação da reforma agrária de mercado conta com o apoio de uma gama variada de forças sociais, principalmente de organizações patronais, mas também de entidades sindicais de representação de trabalhadores rurais [...] Isto realça a existência de divergências sérias entre as diversas ‘forças populares’ no campo” (PEREIRA, 2006 p. 31). 85 Fazem parte desse processo as lutas em redes, que propiciaram a re-territorialização de Tupiniquins e Guaranis (MARACCI, 2008), o reconhecimento dos territórios quilombolas (nem todos) e sua resistência à des-territorrialização, que pode ser estudada nos trabalhos de Ferreira (2002 e 2009), e os projetos insurgentes de resistência e re-territorlização através da agroecologia e a educação do campo, conforme vemos em Antongiovanni (2006). 86 Interessa-nos considerar o MST enquanto um movimento socioterritorializado, sobretudo quando olhamos para os assentamentos rurais, forma territorializada por si deste movimento.

Page 135: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

132

que produz o território ao elaborar estratégias de produção, e por vezes entra em

conflito com estratégias hegemônicas de acumulação de capital. Está organizado há 25

anos no estado, coordena 57 assentamentos rurais, sendo 41 deles (72%) com 1.397

famílias assentadas na porção norte do estado87. Somam-se a estes, oito assentamentos

com 192 famílias, implantados pelo governo do Estado (não sem pressão dos

movimentos sociais).

Este predomínio de áreas destinadas à reforma agrária na porção norte do estado

demonstra a relevância das ocupações de terra, forma pela qual o Estado é pressionado a

regularizar áreas para o assentamento de famílias sem-terra.

Os conflitos no território envolvendo sujeitos sociais com modos diferenciados

de apropriação, uso e significação do território, são acentuados pelo aumento sucessivo

da concentração fundiária e ausência de uma “reforma agrária redistributiva”88. O

predomínio do modelo tecnológico dominante de cadeias produtivas agroindustriais,

como ocorre com os monocultivos de eucalipto e cana, causa impacto ao poupar mão de

obra, agravar o problema da seca e esgotar recursos hídricos em uma região semiárida.

Provoca também desmatamento, contaminação do meio ambiente, erosão dos solos,

além de impactos sentidos sobre a saúde. Este modelo tenciona as regiões onde se

instala, aumentando o valor das terras, tornando inviável ao Estado ações

desapropriatórias para destino das áreas à reforma agrária. Tais impactos contribuem

para o acirramento dos conflitos no território.

No que concerne à atuação do MST, temos já ao final do encontro que o cria no

Espírito Santo, em abril de 198589, a reivindicação de desapropriação de terras da

empresa então estatal, cultivadora de eucalipto, Floresta Rio Doce S/A, subsidiária da

Companhia Vale do Rio Doce.

É importante perceber que as ocupações em terras ocupadas com monocultivo de

eucalipto para o setor celulósico e as contestações a este modelo ocorrem paralelamente

aos fluxos econômicos mundiais de fusão e aquisição de empresas que permitem e

consolidação das corporações no agro, processo pelo qual vai fortalecendo as investidas

87 Segundo informações do INCRA/ES e do MST/ES. 88 Segundo Pereira (2006), a reforma agrária redistributiva teria como objetivo central redistribuir terra, baseada no instrumento da desapropriação de propriedades rurais que não cumprem sua função social e garantir as condições de reprodução social do campesinato, atacando as relações de poder na sociedade que privilegia os grandes proprietários. 89 Trataremos da gênese do MST no ES em capítulo posterior.

Page 136: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

133

para a concentração do capital global cujos impactos se fazem sentir nas escalas locais

da produção agrícola.

No livro comemorativo dos 20 anos de organização do MST no Espírito Santo,

Souza et al. (2005) mostram o antagonismo deste Movimento com o modelo dominante

das corporações e as diferentes significações atribuídas ao território ao afirmar que “as

roças de alimentos questionam a opulência das fazendas de eucaliptos, que prometem

apenas um dia virar papel” (SOUZA et al., 2005). Com isso, a produção de alimentos -

“as roças” - justificaria a reforma agrária, ao ponto que contrapõem-se aos monocultivos

de eucalipto “na fazenda”, caracterizando projetos opostos em conflito.

As ocupações de terra empreendidas pelo MST seguiram questionando o setor

celulósico quando áreas foram ocupadas em 1986 e 1990. Somente em 2001, passados

11 anos de repressão ao Movimento e assassinato de lideranças do MST90, é que novas

ações foram organizadas, quando então foi ocupada a fazenda Barba Negra, de 400

hectares, de propriedade da empresa Aracruz Celulose S/A.

Em 08 de março de 2003, nos protestos do Dia Internacional da Mulher, o MST

passa a se articular com outros movimentos camponeses, no que vem a denominar-se a

Via Campesina (estadual), incorporando quilombolas e indígenas, em mais uma

mobilização contra a corporação Aracruz Celulose S/A.

Além de se articular na Via Campesina, o MST amplia sua articulação com

organizações que conformam a Rede Alerta contra o Deserto Verde. Tendo participado

em 2003 da Conferência Estadual do Meio Ambiente, as organizações do campo e da

cidade que compõem a Rede Alerta contra o Deserto Verde, dentre elas o MST,

realizam uma marcha pela cidade de São Mateus/ ES, onde são paralisadas carretas

transportadoras de eucalipto para a fábrica da Aracruz Celulose S/A que transitavam

pela BR 101, principal rodovia de acesso e escoamento da produção.

Dando continuidade às disputas pelo território, em maio de 2004 foi ocupada

mais uma área da Bahia Sul/Aracruz Celulose, e no mesmo ano, em setembro, mais de

2.000 pessoas participaram de uma mobilização contra a monocultura do eucalipto, no

município de Montanha, destruindo 4 ha de áreas cultivadas de eucaliptos. Nas

declarações do MST, a manifestação foi organizada “como demonstração de que essa

monocultura é profundamente prejudicial à vida dos seres vivos, inclusive a terra e a

água” (SOUZA et al., 2005 p. 137).

90 Para uma caracterização deste período de refluxo da luta pela terra, veja Souza et al. (2005).

Page 137: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

134

Ao mesmo tempo em que o MST soma áreas desapropriadas destinadas a

implantar assentamentos rurais, desenvolve seus projetos de produção agrícola.

No dia 19 de abril de 2004, em mais uma ação integrada do MST91, Via

Campesina e demais forças sociais de apoio articuladas a partir da Rede Alerta contra o

Deserto Verde realizaram, numa ação de autodemarcação do território indígena

abrangendo 11.009 ha que, afirmam, encontravam-se invadidas pela Aracruz Celulose

S/A (MARRACCI, 2006).

Um novo conflito surge quando, em 2005, o MST ocupa a Agril Agropecuária

Riacho Ltda. (pertencente à corporação Aracruz Celulose S/A) considerada a maior área

(8.796,86 ha) ocupada pelo MST nos seus 20 anos de luta. Segundo o Movimento este

“constituiu-se no maior enfrentamento já ocorrido contra a Aracruz Celulose” (SOUZA

et al., 2005 p. 138). A ocupação foi uma ação planejada e acompanhada em articulação

com movimentos que compõe a Rede Alerta contra o Deserto Verde, como parte da

jornada nacional de lutas organizada pelo MST a nível nacional.

A Rede Alerta contra o Deserto Verde surge em 1998 no ES. Não tem estatuto,

sede, secretaria executiva ou outros instrumentos que a formalize, mas é mobilizada por

movimentos consolidados que reagem em rede aos usos do território pelo setor

celulósico. A rede se forma na pretensão de planejar e ampliar as lutas de resistência,

inclusive envolvendo segmentos urbanos e movimentos em escalas supraestaduais onde

atua a Aracruz Celulose, como é o caso de porções dos estados da BA (Extremo sul),

MG (vale do Rio Doce), RJ (Noroeste) e RS (Centro sul)92.

Além do MST, um dos seus fundadores, somam-se à Rede Alerta contra o

Deserto Verde demais movimentos camponeses, organizações quilombolas e indígenas,

ambientalistas, universitários, professores, ex-funcionários mutilados da Aracruz

Celulose S/A e Organizações Não Governamentais93. A participação de diversos

91 Trataremos a seguir da Via Campesina e da Rede Alerta contra o Deserto Verde. 92 Para estudos que abordem a problemática da instalação e/ou expansão da monocultura do eucalipto nas regiões ver dentre outros: Gonçalves MT. Nós da madeira: mudança social e trabalhadores assalariados das plantações florestais nos Vales do Aço/Rio Doce de MG. Doutorado. CPDA/UFRRJ, 2001. Lobino CF. As entidades associativas não governamentais e o monocultivo do eucalipto no ES. Dissertação. IPPUR/UFRJ, Rio de Janeiro; 2008, p.201; Binkowski P. Conflitos ambientais e significados sociais em torno da expansão da silvicultura de eucalipto na “metade sul” do RS. Dissertação de Mestrado em Desenvolvimento Rural. UFRGS; 2009, p.212.; Pinto RG. O poder da critica: um estudo sobre a relação empresa e movimentos sociais. Dissertação. IFCS/UFRJ; 2010. 93 Segundo Lobino (2008) e Pinto (2010), fazem parte da Rede Alerta contra o Deserto Verde no ES os seguintes sujeitos sociais: MST, MPA, Associação de Geógrafos Brasileiros (ABG), Comissão Pastoral da Terra, FASE, RACEFFAES, Diretório Central dos Estudantes/UFES, brigada indígena, comissão

Page 138: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

135

sujeitos não implica apenas apoio à luta “do outro”, mas sim da denúncia conjunta dos

impactos das ações da Aracruz Celulose em diferentes frentes, sejam elas ambientais,

trabalhistas ou sociais.

3.2.1 Via Campesina: reafirmação camponesa e fortalecimento das lutas

pelo território como abrigo

Se a tese leninista supõe tendência ao desaparecimento do campesinato por meio

da diferenciação social, tendo em vista que a evolução das técnicas de produção via

emprego de máquinas e insumos artificiais levaria a um processo combinado de

aburguesamento da parcela mais rica do campesinato e de proletarização do restante

(descampesinização), na esfera política o que se tem observado é uma articulação de

movimentos camponeses, sobretudo da América Latina, através da Via Campesina, que

propõe um projeto de agricultura camponesa em que a reforma agrária e a segurança

alimentar têm papel preponderante.

Esta internacional camponesa constitui-se em 1992, realizando sua primeira

conferência na Bélgica, em 1993, e desde então vem se fortalecendo, tendo realizado

cinco conferências mundiais, como mostra o Quadro 5. Nestas conferências são traçadas

as principais ações camponesas no mundo, que são seguidas pelos movimentos e

organizações que constituem a Via Campesina. As diretrizes são orientadas para a luta

contra o modelo dominante de agricultura e pela afirmação de uma outra agricultura, ou

como preferem demarcar seus dirigentes, o “caminho camponês”. Da Via Campesina

participam hoje 148 organizações de 69 países.

tupinikim guarani, AITG, Comissão quilombola Sapê do Norte, Fórum de Mulheres do Espírito Santo, Associação de Programas em Tecnologias Alternativas (APTA), Comissão de Defesa dos Direitos Humanos (CDDH), Igreja de Confissão Luterana/Brasil, Movimento Anarko-Punk. Da rede também fazem parte movimentos e organizações da Bahia, de Minas Gerais, Rio de janeiro, Rio Grande do Sul, o que, segundo a autora, somam mais de cem grupos participantes.

Page 139: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

136

Quadro 5: Conferências realizadas pela Via Campesina de 1993 a 2008, com local, número de delegados e países. Organizado pela autora.

Conferências Data Local nº delegados

n° países

Encontro de Mons Mons (Bélgica) II Conferência da Via Campesina

Abr/1996 Tlaxcala (México)

69 37

III Conferência da Via Campesina

Out/2000 Bangalore (Índia) 100 40

IV Conferência da Via Campesina II Assembléia Mundial de Mulheres Camponesas e a I Assembléia Mundial de Jovens da Via Campesina

Jun/2004 Itaici (Brasil) 400 76

V Conferência da Via Campesina

2008 Maputo (Moçambique)

325 57

Fonte: Desmarais (2007) e Vieira (2008). Declaração da IV conferência e informações do escritório sul-americano da Via Campesina. Obs.: Fazem parte das conferências não apenas organizações-membros de países-membros, mas também organizações camponesas convidadas, seja de países-membros, seja daqueles que ainda não tenham organizações compondo a Via. Segundo seus documentos, o principal objetivo da Via Campesina é:

Desenvolver a solidariedade e a unidade dentro da diversidade entre as organizações-membros, para promover relações econômicas de igualdade, de paridade de gênero e de justiça social, a preservação e a conquista da terra, da água, das sementes e outros recursos naturais, a soberania alimentar, a produção agrícola sustentável e uma igualdade baseada na produção de pequena e média escala (VIA CAMPESINA, 2007 citado por VIEIRA, 2008 p. 149)

O surgimento da Via Campesina seria uma resposta à crescente mercantilização

e internacionalização da agricultura e a uma série de fenômenos que espelhariam o

movimento recente do capitalismo global (Vieira, 2008). Como pode ser observado nos

documentos da Via Campesina produzidos em cada uma de suas conferências, instância

máxima de decisão que acontece a cada quatro anos, suas lutas se referem

principalmente ao enfrentamento do “modelo neoliberal” e à ameaça que este representa

à agricultura camponesa. Desta forma, ao contestar este modelo, reafirmam suas metas

de defesa da reforma agrária, proteção e reprodução das sementes crioulas,

biodiversidade, autonomia e proteção dos conhecimentos camponeses, soberania

alimentar e equidade entre homens e mulheres.

Page 140: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

137

A reforma agrária é uma importante pauta da Via Campesina. A proposta defendida pela

Via Campesina é aquela que privilegia mecanismos de uma política redistributiva

contrariando a política da reforma agrária de mercado94, como a que vem sendo

propugnada pelo Banco Mundial, um dos organismos multilaterais mais combatidos

pela Via Campesina.

Assim: Uma política redistributiva implica, antes de tudo, a expropriação obrigatória de terras privadas que não cumprem sua função social, redistribuir terra e poder, alterando as relações de força na sociedade em favor do campesinato e das coalizões que os apóiam, nada tem a ver com as transações patrimoniais privadas financiadas pelo Estado (VIA CAMPESINA, 2009 p. 140).

E ainda,

A reforma agrária deve estar unida a uma política de soberania alimentar, esta última entendida como um direito de todos os povos a planejar sua agricultura para atender prioritariamente a toda sua população, com alimentos em abundância, baratos, de boa qualidade e durante todo o ano (VIA CAMPESINA, 2009 p. 141).

Segundo declarações no documento que encerra a III Conferência Internacional

da Via Campesina, em 2000, observamos a reafirmação da agricultura camponesa no

que tange a sua resistência à dominação das grandes corporações sobre os recursos

genéticos, como se segue:

A biodiversidade deve ser base para garantir a segurança alimentar como um direito fundamental básico dos povos, inegociável. [...] Estamos convencidos de que a agricultura camponesa é peça fundamental da soberania alimentar, e a soberania alimentar é um processo imprescindível para a existência da agricultura camponesa. E não haverá autonomia nem agricultura camponesa se não mantermos nossas próprias sementes (VIA CAMPESINA, 2000).

Ao utilizar as campanhas que desenvolve como forma de difundir a identidade

da Via Campesina no mundo, a Campanha “Sementes: Patrimônio dos Povos a Serviço

da Humanidade” é lançada pela Via Campesina Internacional durante o Fórum Social

Mundial de 2003, realizado no Brasil95. Por sua vez, no plano estadual/regional do ES

94 Para uma discussão sobre reforma agrária de mercado, veja: Sauer S, Pereira JMM (orgs.). Capturando a terra: Banco Mundial, políticas fundiárias neoliberais e reforma agrária de mercado. São Paulo: Editora Expressão Popular, 2006. 95 Integram no Brasil a Via Campesina o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-terra (MST), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), e Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) dentre outros. Neste trabalho, nos detemos, porém, em

Page 141: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

138

(antes só existia a nível nacional) a Via Campesina se constitui a partir de 2002. Este

processo se deu basicamente no norte do ES, agregando organizações de base

camponesa como o MPA, o MST, a Associação em Projetos de Tecnologia Alternativa

(APTA), a Pastoral da Juventude Rural (PJR) e a Regional das Associações dos Centros

Familiares de Formação em Alternância do ES (RACEFFAES).

Quanto ao MPA, segundo uma de suas lideranças entrevistada na pesquisa de

campo, este “já nasce dentro da Via Campesina”, que não só defende suas pautas, mas

procura fortalecer sujeitos sociais no campo. Existem movimentos na região de estudo

que, apesar de serem camponeses, não fazem parte da Via Campesina, pois, para se

incorporar segundo os critérios estabelecidos, não basta somente ser camponês, mas

também estar de acordo com o ideário da Via Campesina. Neste sentido, a Federação

Estadual de Trabalhadores na Agricultura (FETAES) e os sindicatos a ela relacionados96

por exemplo, não compõem a Via Campesina (local), pois, segundo um dos

representantes da Via, não estão de acordo com o seu projeto. Ele assim esclarece o que

considera-se a ideologia da Via Campesina:

Não é uma ideologia reformadora, é socialista, é mudança da sociedade, não concorda com o sistema, é uma ideologia anticapitalista e anti-imperialista. Cada movimento tem sua forma de luta, mas não pode perder isso de vista. É um critério inegociável para participar da Via [Campesina]97

A articulação dos movimentos na Via Campesina permite o fortalecimento de

suas lutas, produzindo pautas conjuntas; assim, realizam-se jornadas de lutas,

manifestações, protestos, cartas, denúncias, além da participação em fóruns de discussão

como os que realizam para debater questões concernentes seja à mudança climática, seja

à educação do campo.

caracterizar a Via Campesina em uma região onde movimentos camponeses se articulam, em diferentes escalas, inclusive internacionais, nos “embates com o modelo dominante de agricultura”, resistindo à “des-territorialização” que os ameaça. 96 O surgimento do Movimento dos Pequenos Agricultores a partir de 1996 tem a ver, dentre outras, com uma crise política que acomete o sistema sindical Contaguiano. A partir da não identidade dos camponeses com a representação sindical então realizada pelo sistema CONTAG (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura), articulam-se novos movimentos no cenário nacional, como o próprio MPA e a FETRAF. Veja Favareto A. Agricultores, trabalhadores: os trinta anos do novo sindicalismo rural no Brasil. RBCS Vol. 21 nº. 62 outubro/2006. 97 Entrevista Representante da Via Campesina pelo MPA, realizada em São Mateus/ES em julho de 2010.

Page 142: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

139

Expressão dessa rede no Espírito Santo são as lutas como a ocorrida no dia 08 de

março de 2009, em que 1.300 mulheres da Via Campesina ocuparam o Portocel, porto

de exportações empresa Aracruz Celulose, localizado em Barra do Riacho, município de

Aracruz. A mobilização fez parte das atividades de luta do Dia Internacional de Luta

das Mulheres. Em seu manifesto98 as mulheres denunciavam o “modelo capitalista e

patriarcal de sociedade, concentrador de poder e de riquezas”, e afirmavam: “não

queremos o projeto de agricultura do agronegócio, hidronegócio e das empresas

transnacionais no Brasil”, defendendo, em contraponto, “a reforma agrária e a soberania

alimentar”.

Os esforços realizados pela Via Campesina também se refletem regionalmente

no trabalho de conscientização feito com mulheres para a fundação do Movimento de

Mulheres Camponesas (MMC), movimento este que já participa da Via Campesina a

nível nacional, mas que não é um sujeito constituído no norte do ES. Este trabalho vem

sendo feito paralelamente às lutas realizadas que são protagonizadas pelas mulheres,

como a da citada ocupação do Portocel.

Através da Via Campesina, que articula escalas que vão do local ao global, dá-se

a resistência à “des-territorialização”, ou como sugere Fabrini (2008), uma “resistência

globalizada” sob outros moldes que não aqueles da globalização pautada no capitalismo.

Na afirmação de um dos entrevistados no trabalho de campo, é possível perceber

a importância dessas articulações em rede já que,

Se não fossem estas articulações eu acho que nós [camponeses] não existiríamos mais. Já teriam sido suprimidos os quilombolas, os indígenas. O impacto destas articulações é muito grande, não dá pra imaginar como seria se não fosse a Via [Campesina], a Rede [Alerta contra o Deserto Verde]. Imagina como seria se não fosse o MST? A gente não conseguiu quantificar isso. Nós estamos sendo um grande empecilho; eles [grupos hegemônicos] estão muito preocupados com a nossa presença, estamos trazendo preocupação para o sistema99.

Assim, ao resistirem à dominação do território por parte das corporações,

reafirmam a identidade camponesa100.

98 Ver em http://www.mst.org.br/node/6563. Acesso em 19/08/2010 99 Entrevista representante da Via Campesina pelo MPA realizada em São Mateus/ES, em julho de 2010.

100 Desmarais (2007) defende que evocar o significado de “camponês” seria uma das mais importantes realizações discursivas da Via Campesina. Esta é uma identidade política e caracteriza pessoas que compartilham um profundo comprometimento com o local.

Page 143: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

140

Há diversidade de sujeitos envolvendo comunidades que se identificam camponesas e que vivem um modo de vida camponês ou querem ter o direito de ser camponês. Há uma retomada deste conceito e da prática e uma reafirmação de que há um modo de vida rural que quer estabelecer seus circuitos de trocas e de relacionamento de forma que não se ajustam ao padrão de poder hegemônico. Este entendimento se contrapõe aos projetos de desenvolvimento hegemônicos, já que expõe que outros saberes que, embora subalternizados, estão agindo e atuando na construção de alternativas (ANTONGIOVANNI, 2006, p.158).

No próximo capítulo nos deteremos a analisar as tensões e as contradições que

perpassam a constituição dos assentamentos rurais, e a luta por terra e território

empreendida por um dos sujeitos sociais no norte do ES que constitui essa “teia” de

resistência – o MST.

Pontos a serem retidos no capítulo:

A resistência do campesinato à reprodução do capital globalizado se consolida a

partir de novas articulações, como a representada pela Via Campesina. Tal resistência

camponesa integra-se a outros movimentos e sujeitos sociais de contestação à

dominação do território, expressos, por exemplo, na Rede Alerta contra o Deserto

Verde, fatos que tencionam o modo de apropriação do território e abalam as estruturas

determinadas de exploração social e de recursos ambientais pela acumulação de capital.

Há um processo coeso de articulação entre movimentos e unificação de pautas e

lutas, ainda que cada qual mantenha lutas específicas. Tal fato torna importante entender

o MST inserido em uma articulação local de reafirmação sobre o território “como

abrigo” que possibilita, em suas estratégias, a conquista da implantação de

assentamentos rurais. É importante entender os assentamentos rurais e o MST dentro

desta articulação em rede, sem a qual não se entenderia a complexidade de ações que

envolvem a luta não só por terra, mas também por território.

As escalas de atuação têm um papel preponderante nos processos de resistência,

uma vez que para se afirmarem no território, os movimentos, em rede, buscam formas

de articulação em distintas escalas, incluindo a internacional.

Page 144: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

141

Capítulo 4 Geração e adoção de tecnologias em assentamentos rurais

As revoluções agrícolas que se desencadearam em um período pouco maior que

um século, abrangendo parte dos século XX e XXI, têm suas características expressas

no que denominamos de “Revolução Verde”, e mais recentemente na “Biorrevolução”.

Pudemos, ao longo do Capítulo 2, discorrer sobre como se formam os modelos

tecnológicos concentradores de poder em unidades de acumulação de capital.

O objetivo do presente capítulo consiste em mostrar como na área de estudo

tomam forma as técnicas provenientes das revoluções agrícolas e que implicações têm

sobre os sistemas de produção nos assentamentos rurais.

Pretendemos mostrar como o poder mediado pelas tecnologias se territorializa

de formas diferentes, seja pela apropriação de grandes extensões de terra, seja de

pequenas porções, em um processo de integração da agricultura camponesa às unidades

de acumulação de capital.

Assim, os sistemas tecnológicos que se conformam a partir dos interesses que

regem as revoluções agrícolas foram materializando formas de acumulação que des-

territorializam sujeitos sociais não hegemônicos. Entretanto, estes sujeitos resistem às

formas predominantes de dominação do território.

A resistência empreendida por sujeitos sociais não hegemônicos aos modelos

dominantes se dá pela articulação de escalas em vários níveis, que vai do local ao

global. Como vimos, esta é a estratégia de atuação do MST quando se nacionaliza,

atuando em vários estados da federação ao mesmo tempo, ou quando se articula com

outros movimentos, como é o caso da Via Campesina.

Conformar redes é uma das formas coletivas de resistência ao modelo

dominante. Tais estratégias em rede se contrapõem, sobretudo, aos modelos

tecnológicos que concentram grandes extensões de terra: este é o caso da Rede Alerta

contra o Deserto Verde, que contesta principalmente os monocultivos de eucalipto. O

MST é, por sua vez, o principal coordenador das lutas pela terra e do desenvolvimento

dos assentamentos rurais que, articulado à Via Campesina, rede em atuação mundial,

tanto fortalece a resistência política a determinados padrões tecnológicos, quanto

influencia a revisão da matriz produtiva dentro dos assentamentos. Como veremos, a

Via Campesina tem papel importante na “ambientalização” do MST, ajudando a

construir a crítica às formas de ocupação do território por uma agricultura de

corporações que influenciam, por sua vez, a produção dos assentamentos rurais.

Page 145: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

142

A luta pela terra é parte da resistência aos modelos dominantes. Em primeiro

lugar, há disputa do espaço produtivo e por acesso à terra por camponeses des-

territorializados. Em segundo lugar, ela propicia demarcar novas áreas e tipos de usos

em um processo que é também de luta contínua pela “re-territorialização” e

“recampenização”101, entendida como um processo de afirmação política de uma

agricultura que se pretende diferente daquela expressa, nos municípios em estudo, pelas

cadeias da cana e do eucalipto, por exemplo.

Diante da terra conquistada, surgem desafios na luta pelos sentidos do território,

e afloram as contradições no uso do solo dentro dos próprios assentamentos rurais. Ao

optarem pelo uso de determinadas tecnologias, muitas vezes influenciados pelas

relações de poder que tornam o modelo dominante, os camponeses assentados acabam

integrados às unidades de acumulação de capital, como poderemos ver no caso da

produção de café e frutas, cultivos predominantes nos assentamentos pesquisados.

A partir destas considerações preliminares, é possível analisar casos empíricos

que ora rompem com o “cerco” tecnológico e institucional, tal como discutido no

Capítulo 2, ora o reproduzem em um processo contraditório de adoção de tecnologias.

Iremos aqui nos concentrar em analisar tais processos em assentamentos rurais

coordenados pelo MST. Para entender a luta pela terra na área de estudo foi necessário

recorrer ao contexto dos conflitos existentes na região norte do ES, como o fizemos no

Capítulo 3. Aí, diversos sujeitos sociais acumulam forças e unificam pautas,

fortalecendo a resistência à “des-territorialização” imposta pelos modelos tecnológicos

dominantes.

O recorte sobre os municípios de São Mateus e Conceição da Barra justifica-se

basicamente por dois motivos. O primeiro deles se refere aos dados que demonstram

que nestes dois municípios concentra-se parte significativa de assentamentos rurais no

estado, o que de certa forma é resultado de uma articulação entre movimentos sociais

que fortalece a luta coordenada pelo MST.

Um segundo motivo refere-se à área agricultável nos municípios, cujo uso

preponderante recai sobre os cultivos destinados à ampliação da agricultura empresarial

(cana e eucalipto e demais cadeias produtivas integradas à agroindústrias), fato pelo

qual o território é tido como “recurso”, conflitando com formas de uso do território que

mais bem poderiam se entendidas no uso do território como “abrigo”.

101 Nos tópicos 2.4 e 3.2 desta tese pudemos discutir estes conceitos.

Page 146: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

143

4.1 O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-terra no Espírito

Santo

4.1.1 Breve histórico

O MST no Espírito Santo se organiza em consonância com o processo nacional

de articulação do Movimento, fato que denota a formação de uma dinâmica de massas

que amplia as escalas de atuação, abrangendo lutas isoladas pela terra em vários estados

brasileiros. Esta estratégia de articulação dentre vários movimentos em diferentes

estados que passam a se organizar enquanto MST, a partir da década de 1980, denota a

busca por maior visibilidade e fortalecimento em torno da pauta da reforma agrária.

A história registra vários movimentos de luta pela terra102, alguns deles se

articulando no MST após a ditadura militar. Segundo registros históricos de resistência

do campesinato no Espírito Santo, ocorreram várias disputas por terra no município de

Ecoporanga (norte do estado) no final da década de 1940, quando fazendeiros grileiros

procuravam tirar vantagem de áreas indefinidas então disputadas entre os estados de

Minas Gerais e Espírito Santo. Os conflitos desdobraram-se nas décadas seguintes.

os conflitos relativos aos limites estaduais e os conflitos entre posseiros e grileiros intensificam-se na década de 1950, o que motiva a organização dos militantes comunistas e das Ligas Camponesas a partir de 1955. Um dos principais conflitos se deu na Fazenda Resende (Ecoporanga/ES), de 1951 até 1962. De um lado o fazendeiro, com seu documento de 1957, do Distrito de Terras Devolutas de Teófilo Otoni e, do outro, 122 famílias de posseiros que ocupavam entre 1 a 3 alqueires, cada família com lavouras, algumas cabeças de gado, mandioca, banana, cana, árvores frutíferas e café, fora as matas [...] Outro conflito importante foi a proposta de criação de um estado autônomo, o “Estado União de Jeovah”, lembrando Canudos, liderado por um camponês, Udelino Alves de Matos, e os acordos entre os fazendeiros e líderes políticos dos estados [MG e ES] que levaram ao massacre dos camponeses, conhecido como o Massacre de Ecoporanga, ou do Cotaxé, iniciado na década de 1940, mas com maior violência entre 1952 e 1963 (SCARIM, 2009 p. 78).

As organizações de camponeses neste período eram contidas por policiais

militares ou mesmo por jagunços e pistoleiros contratados pelos fazendeiros. A

organização camponesa nesta região resistiu, com apoio do Partido Comunista

102 Sobre a questão, veja: Medeiros LS. História dos movimentos sociais no campo. Rio de Janeiro: Fase, 1989.

Page 147: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

144

Brasileiro até 1964, segundo Dias (1984) citado por Fernandes (2000). Como vimos,

durante o regime militar ditatorial, o Estado amparou a implantação de grandes projetos

de investimento que possibilitaram às empresas estrangeiras instalarem-se no “vazio” e

“atrasado” norte do ES com incentivos financeiros e fiscais.

A modernização da agricultura, então propalada pelo Estado, principalmente na

década de 1960, aliou um modelo intensivo em tecnologia agroindustrial a um

componente que teria sido fundamental à sua plena implantação sem resistências: a

ditadura. Modelo tecnológico dominante e regime autoritário unidos determinaram as

condições para promover a agroindustrialização da cana-de-açúcar e do eucalipto na

região norte do ES, expropriando e expulsando famílias camponesas, indígenas e

quilombolas.

Em decorrência desse modelo des-territorializador de acumulação de capital via

espoliação, “lavradores desempregados” se organizam com o apoio das Comunidades

Eclesiais de Base – CEB (Fernandes, 2000).

Em 1984, quando da participação de lideranças de movimentos originados nas

CEBs do Espírito Santo no I Encontro Nacional do MST ocorrido em Cascavel/PR, os

vários movimentos sociais em torno da disputa por terra passam a se organizar enquanto

MST no Espírito Santo, em 1985. A partir de 1986, com a abertura do regime político,

começam a conquistar os primeiros assentamentos rurais na região.

É desta forma que

No dia 27 de outubro de 1985, o MST fez sua primeira ocupação no ES. Nesse dia, 350 famílias ocuparam a fazenda Georgina, no município de São Mateus [...] Essa luta marcou o nascimento do MST no ES e diferenciava-se das anteriores por sua forma de organização e seus objetivos. Aqueles trabalhadores não estavam dispostos apenas a lutar por aquela terra. Compreendiam que essa luta significava a construção do Movimento que levaria a luta para outras terras, territorializando o Movimento para outras regiões do estado (FERNANDES, 2000 p. 140).

Page 148: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

145

Foto 1: Escola Estadual de Ensino Fundamental 27 de Outubro, local da origem do MST no ES103.

Da primeira ocupação enquanto MST foram originados os assentamentos

Pratinha, Vale da Vitória e Georgina (denominado pelos assentados de Palmeira e 27 de

Outubro) no município de São Mateus, e Pontal do Jundiá no município de Conceição

da Barra. Ao iniciar-se a segunda década do século XXI, somam em todo o estado 57

assentamentos rurais coordenados pelo MST (em um universo de 87 assentamentos),

sendo que 40 deles (70%), com 1.332 famílias assentadas, encontram-se na porção norte

do estado segundo dados do INCRA (2010) e Souza et al. (2005), área que mantém a

estrutura agrária mais concentrada.

4.1.2 Acerca da organização do MST

De maneira similar ao nível nacional, o MST é organizado no estado do ES

segundo setores: de formação, educação, frente de massa, saúde, finanças, cultura,

comunicação, projetos, e produção, cooperação e meio ambiente. Estes setores estão

ligados tanto à coordenação quanto à direção estaduais. No âmbito nacional, cabe às

instâncias estaduais definir seus representantes nos setores, direção e coordenação.

103 Local simbólico da primeira ocupação de terras que marca o surgimento do MST no ES, ocorrida em 27/10/1985, foi construída a Escola Estadual de Ensino Fundamental 27 de Outubro, que atende filhos de assentados da região. A Educação do Campo103, com base na Pedagogia da Terra e no regime da alternância, representa para o MST um de seus projetos mais valiosos na luta pela reforma agrária redistributiva.

Page 149: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

146

Ao Setor de Produção, Cooperação e Meio Ambiente (SPCMA) está ligado o

trabalho da Cooperativa de Prestação de Serviços Técnicos da Reforma Agrária do

Espírito Santo (COOPTRAES), que é responsável pela operacionalização da assessoria

técnica, social e ambiental à reforma agrária em contrato com o INCRA, além de outras

cooperativas de produção que são ligadas à Central das Cooperativas dos

Assentamentos (CCA) e que, a nível nacional, é filiada à Confederação Nacional das

Cooperativas da Reforma Agrária (CONCRAB), conformando o que até 2001 era

definido como o Sistema Cooperativista dos Assentados (SCA).

O Setor de Produção, Cooperação e Meio Ambiente (SPCMA) coordena

politicamente o sistema de cooperativas, sendo responsável por elaborar a organização

da produção na reforma agrária, coordenar cursos de formação e, na escala local, atuar

na orientação técnica e política, na elaboração de projetos e sua implementação, na

intermediação com agências financeiras e na elaboração de Planos de Desenvolvimento

(PDA) e Planos de Recuperação de Assentamentos (PRA).

Em uma ampliação para além da produção e do cooperativismo, o SPCMA

abriga também o Coletivo Nacional de Meio Ambiente. A seguir, esquematizamos um

organograma com as estruturas organizativas do MST dando destaque para aquelas que

interessam ao entendimento da questão tecnológica.

Organograma 1: Instâncias organizativas do MST no âmbito nacional, com destaque para as

estruturas de produção, cooperação e meio ambiente.

Page 150: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

147

A maneira pela qual a organicidade permite a ampliação da participação de

dirigentes e coordenadores desde a base dos assentamentos se dá através dos núcleos de

base (vários por assentamentos), das representações do que o MST denomina como

“brigadas” (reunindo vários assentamentos, dependendo do número de famílias

assentadas ou da proximidade geográfica entre os mesmos).

Para abrigar os projetos de educação e formação técnica e política que têm

primazia na organização do MST, foi fundado em 1987, na área do assentamento

Juerana, o Centro Integrado de Desenvolvimento dos Assentados e Pequenos Produtores

(CIDAP), localizado em Nestor Gomes, mais conhecido como Km 41 (rodovia que liga

São Mateus ao município de Nova Venécia), hoje rebatizado de Centro de Formação

Margarida Alves (CEFORMA).

Direção e Coordenação Nacional do MST

CONCRAB SPCMA - Nacional

SPCMA - EstadualCCA - Estadual

Coletivo de Meio Ambiente

Setores Educação, Finanças, Projetos, Cultura, Saúde etc.

Cooperativas de prestação de serviços, produção e

comercialização

Page 151: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

148

Organograma 2: Instâncias organizativas do MST no ES, com destaque para as estruturas de produção, cooperação e meio ambiente.

Na estrutura organizativa do MST, é o SPCMA quem concentra as principais

orientações políticas quanto aos sistemas produtivos dos assentamentos; outros setores

discutem as questões tecnológicas, porém em menor medida, e devido a isso a pesquisa

desta tese foi direcionada, sobretudo, a esse setor. Abordar a mesma temática por outros

setores, como o da saúde, resultaria em diferentes procedimentos e análises devido aos

diferentes perfis que integram cada um dos setores, as conjunturas e forças políticas

expressas em parcerias com outros sujeitos sociais que favoreceram seus surgimentos,

além de questões de gênero e demais especificidades.

Direção e Coordenação Estadual do MST

CEFORMA

SPCMA - Estadual

CCA

Coletivo Nacional de

Meio Ambiente

Núcleo Agroecologia

COOPTRAES

COOPRAVACOOPLANTE

Assentamentos

Setores Saúde, Educação, Formação, Fianças, Projetos, Frente de Massa etc.

Direção e Coordenação Nacional do MST

Page 152: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

149

4.2. O MST e a questão tecnológica na reforma agrária

Trataremos neste tópico de fazer uma discussão mais generalizada sem recorrer,

ainda, às especificidades do norte do ES. A discussão refere-se à forma como o MST se

organiza para o trabalho nos assentamentos rurais. Para tanto, buscamos nos

documentos do Movimento as orientações políticas sobre a matriz tecnológica a ser

adotada e ao modo como as práticas técnicas e as reflexões a ela relacionadas refletem-

se ou não no desenvolvimento dos assentamentos. Pretendemos igualmente caracterizar

os períodos diferentes marcados por mudanças na forma de tratar a questão tecnológica.

Ao abordar a questão tecnológica no MST em âmbito nacional nos serve,

procuramos delinear o quadro geral em que se inserem os processos de adoção

tecnológica desencadeados nos assentamentos pesquisados. Pretendemos identificar o

modo como as orientações nacionais são apropriadas por dirigentes e técnicos atuantes

na região norte do ES.

4.2.1 Primeiro período: a conquista dos primeiros assentamentos

O período que vai do surgimento do MST em nível nacional, em 1984, até

aproximadamente metade da década de 1990 foi marcado pela ofensiva contra o

“latifúndio improdutivo” e o Estado. A prioridade do Movimento foram as ações

massivas de ocupação de terras como forma de pressão para a instalação dos

assentamentos rurais. Esta fase marca o surgimento do MST nos conflitos por terra.

A retomada da luta pela terra e o questionamento da estrutura agrária desigual se

dá em uma conjuntura de abertura do regime político brasileiro, antes ditatorial, no qual

também se contesta o modelo tecnológico difundido pelas empresas multinacionais,

sobretudo quanto ao uso de agrotóxicos.

Se a questão fundiária era central nas ocupações de terras empreendidas pelo

MST, o questionamento ao modelo agrícola era feito por outros sujeitos sociais no que

foram os quatro Encontros Brasileiros de Agricultura Alternativa (EBAA) que

ocorreram durante a década de 1980, respectivamente no RS, PR, MT e RJ. Esses

encontros eram organizados por profissionais ligados à Igreja, à Federação das

Associações dos Engenheiros Agrônomos do Brasil (FAEAB) e à Federação dos

Estudantes de Agronomia do Brasil (FEAB), bem como ONGs, principalmente as que

Page 153: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

150

compunham o projeto da Rede em Projetos de Tecnologias Alternativas (Rede PTA),

entidades mobilizadas na denúncia ao modelo tecnológico vigente no agro brasileiro.

No discurso de abertura do primeiro dos EBAAs, em 1981, o então presidente da

FAEAB formulava a crítica à “opção brasileira de desenvolvimento da agricultura” que

foi amparada pela ditadura militar e que adentra o período democrático mantendo suas

bases ou mesmo intensificando-as.

Esta opção que se apresentou e que foi imposta se deve fundamentalmente à necessidade da continuidade do poder como ele hoje está concentrado, mantendo a estrutura fundiária intacta, e garantindo, mais do que isso, o mercado cativo para as indústrias, fundamentalmente as multinacionais104. Os EBAAs eram espaços de questionamento do modelo de alta produtividade

física, estimulado pelo Estado, classes dominantes no agro e pelas multinacionais,

mantendo intocável a estrutura fundiária, garantindo a instalação de grandes projetos e a

concentração do poder. Afirmava-se então a “agricultura alternativa, biológica ou

natural” como uma forma de utilização racional dos fatores de produção em harmonia

com a natureza105.

Esta crítica do modelo agrícola caminhou em paralelo com as investidas que

vinham, sob muita repressão, reivindicando a democratização do acesso à terra e

conquistando alguns assentamentos de famílias sem-terras.

Na década de 1980, o movimento pela chamada “Agricultura Alternativa” não

obteve, porém, grande influência sobre a escolha tecnológica nos primeiros

assentamentos do MST. O sistema de produção nos assentamentos rurais, que

reproduzia o questionado pacote tecnológico da Revolução Verde, mostra o

distanciamento do MST, em um momento de enfrentamento pelo acesso negado a terra,

com relação às questões propriamente agrícolas que vinham sendo, à época, discutidas.

Ao analisar o MST e a organização produtiva e tecnológica dos assentamentos,

Navarro (1995) evidencia como no Rio Grande do Sul, berço dos primeiros

assentamentos, a implantação das áreas de uso agrícola destes novos assentamentos

reproduzia práticas de cultivo típicas de grandes propriedades de cunho empresarial,

104 Discurso de abertura do I EBAA proferido pelo presidente da FAEAB. Curitiba, 1981. Anais do I EBAA. 105 Idem.

Page 154: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

151

mostrando uma imediata adesão dos assentados ao padrão técnico instituído pela

modernização capitalista da agricultura. Segundo o autor,

Contrariamente ao dominante discurso político-ideológico dos dirigentes dos movimentos sociais rurais naqueles anos, bem como de suas organizações de apoio e assessoria – como a Comissão Pastoral da Terra e o Centro de Tecnologias Alternativas Populares (CETAP), entre outras –, o uso da terra, a escolha de cultivos e a base técnica preferida refletiam interesses dos assentados distantes de qualquer padrão que pudesse ser visto como “alternativo”, com os recursos do PROCERA e outros eventualmente concretizados muitas vezes sendo utilizados para a instalação de campos de monocultura plantados segundo o formato mais convencional do “pacote tecnológico” então difundido, buscando-se intensificar a mecanização no trato da terra e uso de agroquímicos e insumos agroindustriais nos diferentes momentos do ciclo produtivo (NAVARRO, 1995 p.11).

Alguns técnicos106 e dirigentes do MST, mesmo participando do movimento pela

agricultura alternativa, não internalizavam as questões agrícolas no trabalho com os

assentamentos rurais, uma vez que o período era marcado pela pressão sobre as áreas

improdutivas e os poderes oligárquicos que as dominavam. As propostas em torno do

modelo de produção somente tomaram corpo mais tarde, com a ampliação da conquista

de áreas para assentamentos; porém, a orientação política não apontou para o modelo

tecnológico a seguir, mas sim à forma de se organizar para a produção.

4.2.2 Segundo período: a cooperação

Com um número já ampliado de assentamentos rurais na década de 1990 (em

comparação com o contexto de surgimento do MST) e com a percepção da necessidade

de se organizar a produção é que as cooperativas vão surgindo. Navarro (1995), citando

Esterci et al. (1992), mostra os impasses na relação entre a “luta política” e a “luta

econômica”, quando a resposta é dada pelos “laboratórios experimentais”, que dão

início às primeiras experiências cooperativas no MST. A adoção da lógica das empresas

de mercado teve como consequência a escolha da mesma base técnica tipicamente

encontrada em empresas capitalistas.

106 Importante ressaltar que neste período o número de técnicos que atuavam junto ao MST era reduzido, limitando-se a um ou dois nacionalmente. Hoje o MST, segundo afirmação de um dos dirigentes, conta com mais de 600 técnicos atuando em convênios estabelecidos com o INCRA.

Page 155: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

152

Essas cooperativas se consolidaram conformando o Sistema Cooperativista dos

Assentados (SCA), a partir da captação de recursos através dos créditos107, reproduzindo

o modelo de agricultura convencional nos moldes das grandes empresas rurais.

Assim, o MST lança suas prioridades ligadas à produção nos assentamentos,

estabelecendo orientações político-ideológicas para a cooperação, sustentando que

a aplicação da cooperação nos assentamentos deve buscar o desenvolvimento da produção e o progresso econômico dos assentados, tendo acesso a capital e tecnologias, ao aumento da produtividade do trabalho, e criar condições para a agroindústria e a indústria (CONCRAB, 1999 p.21).

A retórica de representantes de interesses do capital quanto ao desenvolvimento

da agroindústria esteve, segundo Silva (1981), fortemente embasada no que na época se

disseminava pelas instituições de promoção da modernização. Amplos segmentos na

sociedade, inclusive aqueles de luta pela terra, acreditavam que com a

agroindustrialização no campo, seria possível quebrar o monopólio do latifúndio e da

renda da terra. Segundo este entendimento, ao industrializarem-se os assentamentos

rurais conforme propugnava-se a ideologia da modernização do campo, o processo da

reforma agrária não correria o risco de ser associado ao atraso tecnológico e econômico,

aproximando-se indesejadamente a uma política social compensatória.

A cooperação para a agroindustrialização surge no MST em grande medida

influenciada pela retórica da modernização do campo. São iniciativas que, ao criarem

cooperativas, viabilizam adoções tecnológicas que, juntamente com acesso ao crédito

agrícola, viabilizam as experiências. Acreditando na cooperação como base importante

para legitimar a reforma agrária, o MST se concentra em garantir esta cooperação nos

assentamentos.

Primeiro, surgem as Cooperativas de Produção Agropecuária (CPA), que

envolvem apenas algumas famílias, constituindo uma experiência bem organizada,

porém localizada. A partir dos limites economicistas e corporativistas presentes nas

CPAs, segundo avaliação do próprio MST108, propõe-se uma nova estratégia de

107 As cooperativas puderam acessar o teto 2 do Programa de crédito especial à reforma agrária (PROCERA), que consistia em financiar, em valor igual ao financiado para a parcela do cooperado, a cooperativa que investia sobretudo em agroindústrias. 108 MST/SPCMA. Balanço político da cooperação no MST: caminho percorrido e seus limites. Texto apresentado por Adalberto Martins no seminário sobre a organização dos assentamentos e a cooperação no MST. Abril de 2006. 10 p. (texto digitado).

Page 156: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

153

massificação da cooperação a partir das formas não produtivas, ou seja, as Cooperativas

de Produção e Serviços (CPS). Se as CPAs tinham uma abrangência restrita ao

assentamento, as CPSs, mais articuladas territorialmente, passam a atuar em nível

regional. Todas as formas de cooperação legalmente reconhecidas nas cooperativas, ou

mesmo as iniciativas informais, estavam subordinadas organicamente à Central de

Cooperativas Agropecuárias, e posteriormente à CONCRAB. Toda esta lógica

organizacional, contudo, reflete uma mesma matriz economicista na qual

a meta é passar da produção de subsistência para a produção de mercadorias [...] da produção de mercadorias para o acúmulo de capital e transformar a ‘consciência camponesa’ em ‘consciência operária’ (CONCRAB, 1999 p.11).

Diante da necessidade de mostrar à sociedade a viabilidade da reforma agrária e

de dar respostas, sobretudo econômicas, aos desafios da produção dos primeiros

assentamentos, a cooperação é a estratégia adotada e que vai ser intensificada na década

de 1990.

O MST compreendeu que para ampliar a resistência na luta pela terra e a reforma agrária era necessário montar uma estratégia pela qual os assentamentos conquistados se organizariam em diferentes formas de cooperação, que permitiriam às famílias passar da produção de subsistência para a produção de mercadorias. Isso permitiria maior capacidade social, política e econômica, transformando-se em um grande instrumento de formação de opinião pública favorável à reforma agrária, tendo cooperativas e assentamentos exemplares com a produção de excedentes para os trabalhadores das cidades (CORREA, 2007 p. 31).

Ainda que diversas formas de coletivização tenham existido neste primeiro

período, elas eram consideradas insatisfatórias para a “ressocialização” desejada pela

direção do MST na vida nos assentamentos (CARVALHO, 1999). Assim, as

cooperativas formalizadas dão resposta à organização da produção, com o objetivo

marcante de “incorporar tecnologia”, já que, nas palavras de um dos formuladores do

cooperativismo no MST, “capinar se faz sozinho; usar um trator não, precisa do

coletivo109”.

109 Entrevista MST, dirigente nacional SPCMA em São Mateus, agosto de 2010.

Page 157: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

154

Enquanto o MST amplia sua base social e consequentemente sua ofensiva contra

o latifúndio através da ocupação de terras improdutivas, o Sistema Cooperativista dos

Assentados (SCA) implanta várias cooperativas nos assentamentos rurais em todo o

Brasil110.

Com o corpo de cooperativas tomando forma, surge a necessidade de

capacitação dos assentados na gestão dessas estruturas burocráticas. Em 1997, inicia-se

em Veranópolis, no Rio Grande do Sul, o curso Técnico de Administração de

Cooperativas (TAC), a partir de instâncias como o Setor de Educação do MST e o SCA

que desenvolviam tal iniciativa desde 1993.

Também havia sido criada em 1992 a Confederação Nacional das Cooperativas

de Reforma Agrária do Brasil (CONCRAB), com o objetivo de coordenar o corpo de

cooperativas do MST em nível nacional.

As contradições do processo de cooperação, porém, são apontadas por Carvalho

(1999) como o “fracasso da cooperação no MST”. Segundo o autor, implantou-se a

ideia de coletivização instituída abruptamente como cooperativa, ou seja, uma figura

técnico-burocrática. Com isto, a pluralidade de formas de cooperação existente dentre

os assentados transformou-se na singularidade da forma cooperativa, o que pode ter

concorrido para comprometer a proposta de coletivização nos assentamentos.

Se a cooperação, vista como uma saída para a organização da produção nos

assentamentos foi estimulada (como até hoje, mesmo com a crise das cooperativas do

MST desencadeada no final da década de 1990), ela não deixa de ser uma prioridade

para o Movimento. Não se deveria, contudo, apontar neste modelo organizativo a única

causa da reprodução dos assentamentos segundo um modelo tecnológico dominante,

como aqueles comandados pelas corporações na agricultura.

Ainda que a cooperação seja uma frente importante na luta do Movimento, ela

não se massificou nos assentamentos. A adoção dos modelos tecnológicos é bem mais

ampla e complexa e vai além das saídas apresentadas no plano político-ideológico do

Movimento.

110 Segundo dados da CONCRAB, até o ano 2005 existiam 9 CCAs (Central de cooperativas dos assentados); em torno de 400 Associações de Produção e Serviço; 42 Cooperativas de Produção Agropecuária (CPA); 52 Cooperativas de Prestação de Serviços; 05 Cooperativas de Crédito; 05 Cooperativas de Trabalho e 96 pequenas e médias agroindústrias.

Page 158: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

155

Outros fatores como o crédito, o mercado e a assistência técnica111, que

extrapolam as possibilidades de articulação do MST, são dimensões decisivas para a

adoção de tecnologias, mesmo onde as cooperativas não se instalaram.

4.2.3 Terceiro período: o Setor de Produção, Cooperação e Meio

Ambiente

O MST somente passa a “rever a matriz tecnológica dos assentamentos” quando

da emergência da chamada “crise das cooperativas”. Este período de crise abre várias

frentes de reflexão no Movimento, quando começam a aparecer as primeiras condições

para a discussão de uma outra matriz tecnológica nos assentamentos. É nessa fase que o

então SCA, responsável por organizar as diretrizes de produção nos assentamentos,

passa a integrar outras frentes e a denominar-se Setor de Produção, Cooperação e Meio

Ambiente (SPCMA), abrindo interfaces de atuação nos sistemas de produção que não

tão somente aquelas da cooperação, ainda que esta, agora em menor medida, continue

tendo primazia.

Segundo um dos dirigentes nacionais do SPCMA,

O fato principal desta mudança tem a ver com a crise do nosso modelo de cooperativas no final dos anos 1990. Toda a década de 1990 foi marcada pelo SCA. Um motivo principal que evidenciou a crise foi a perseguição política do governo FHC com suas políticas contra a reforma agrária112. O modelo por nós idealizado dependia do Estado, principalmente da política de crédito como o PROCERA, que tinha o teto 2 que previa o investimento coletivo e era importante para a estruturação física e produtiva das cooperativas, e também a assistência técnica que era fundamental e impossível pensar um modelo cooperativado com agroindústrias sem ela113.

A agroecologia como estratégia para transformar a matriz produtiva dos

assentamentos rurais começa a ser discutida pelo MST no final da década de 1990,

tendo como principais agentes alguns técnicos contratados pelo MST através do extinto

111 Discutimos no Capítulo 2 o “cerco” tecnológico e institucional da dominação do modelo. 112 O governo Fernando Henrique Cardoso (1995 – 2002), ao iniciar seu programa intitulado “Novo Mundo Rural”, extingue duas políticas públicas fundamentais para o SCA, que consistiam no PROCERA (Programa Especial de Crédito para a Reforma Agrária) e no Projeto Lumiar (Assistência Técnica nos Assentamentos Rurais). 113 Entrevista ao MST – Assentado, técnico e dirigente nacional do SPCMA pelo Paraná, realizada em Brasília, junho de 2007.

Page 159: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

156

Projeto Lumiar114 (1997 – 2000), e em grande medida, a pauta da Via Campesina (a

partir de 2003), responsável pela deflagração da campanha permanente “Sementes

patrimônio dos povos a serviço da humanidade”. Esta campanha inaugura o debate

sobre a soberania alimentar e a preservação das sementes crioulas como forma de

autonomia camponesa frente a investida das multinacionais pela liberação comercial das

sementes transgênicas, fato que mais tarde se torna concreto, obrigando o MST a

fortalecer as experiências em produção agroecológica nos assentamentos, sendo a

principal delas a produção de sementes intitulada Bionatur, no Rio Grande do Sul,

posteriormente ampliada para campos de produção em outros estados.

O Projeto Lumiar de assistência técnica aos assentamentos rurais, implementado

pelo INCRA entre 1997 e 2000, propiciou a contratação de técnicos cuja formação

profissional vinha sendo influenciada pelo movimento de agricultura alternativa, além

de técnicos comprometidos com a luta dos trabalhadores sem-terra, a quem o MST

denominava de “técnicos militantes”. O Projeto Lumiar inaugura a possibilidade de

contratação de uma equipe técnica de apoio aos assentamentos rurais composta por

profissionais das ciências agrárias e humanas, e joga um papel importante para

desenvolver as primeiras iniciativas agroecológicas ou mesmo valorizar as dinâmicas

que já vinham acontecendo nos assentamentos.

Outro campo de influência para a discussão tecnológica no MST se deu com a

articulação com outros movimentos sociais na Via Campesina, sendo a “Campanha das

Sementes” fator determinante tanto do surgimento de pautas que possibilitavam o

questionamento ao modelo tecnológico dominante quanto da construção do projeto de

agricultura camponesa, ou o “caminho camponês”, que se reflete até mesmo na forma

organizativa do MST, que cria ou reordena seus setores e frentes.

Figueiredo (2006) afirma que o MST, como integrante da Via Campesina,

incorporou a “Campanha das Sementes” como uma de suas atividades permanentes,

114 O Projeto Lumiar de assistência técnica nos assentamentos rurais coordenado pelo INCRA entre 1997 e 2000 foi considerado uma conquista dos movimentos sociais e teve uma interrupção abrupta após acusação de suposto desvio de recursos, posição questionada pelos movimentos sociais e pesquisadores que atribuem outras causas ao fim do Projeto, sendo uma das principais a participação que possibilitou aos movimentos sociais contratar uma gama significativa de “militantes técnicos”. Sobre reflexões da Assistência Técnica no período, veja Pereira, E. Q. Assistência técnica e extensão rural ou assessoria técnica e social? Visões opostas do apoio à agricultura familiar. Tese. UFPB. Campina Grande, 2004. Schmitz H. Perspectivas dos Atores Envolvidos na Construção de alternativas de Assistência Técnica para a Agricultura Familiar. Sessão IV: Iniciativas para o fortalecimento da agricultura familiar, V Simpósio Latino Americano de Investigação e Extensão em Sistemas Agropecuários (IESA); V Encontro da Sociedade Brasileira de Sistemas de Produção (SBSP). Florianópolis, 20 a 23 de maio de 2002.

Page 160: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

157

desenvolvendo inúmeras iniciativas com o objetivo de resgatar a autonomia dos

camponeses em produzir suas próprias sementes para a construção de um novo modelo

de agricultura, em uma clara oposição ao modelo de produção do agronegócio

fomentado pelas indústrias de sementes e agrotóxicos. Segundo a autora, a “Campanha

das Sementes” tem importância estratégica no MST e se baseia em uma ação coletiva de

mobilização da base social do movimento por iniciativas afirmativas de trabalho

agroecológico.

A Campanha citada teve papel relevante, pois foi a ação precursora das atuações

do MST no que concerne à valorização da abordagem agroecológica, levando a Direção

Nacional, instância máxima do MST, a pautar pela primeira vez o tema da agroecologia;

também foi a responsável pela estruturação do “Coletivo Nacional de Meio Ambiente”,

que inicialmente tinha como objetivo somente a “Campanha das Sementes”. Segundo

Corrêa (2004), a Campanha pretendia ser um instrumento de unificação de pautas e

agendas dos movimentos sociais camponeses que compunham a Via Campesina e de

diversas entidades apoiadoras, em contraposição ao uso de tecnologias transgênicas que,

segundo afirmam, ameaçam as sementes crioulas e representam a “privatização da vida

e dos meios de reprodução biológica”.

É nessa perspectiva que a

Campanha Sementes Patrimônio dos Povos a serviço da Humanidade, ao defender os direitos dos agricultores familiares, dos camponeses e dos povos indígenas de produzirem, guardarem e trocarem as sementes ‘varietais’, e ao criticar todas as formas e meios de patenteamento da vida, ergue, ao mesmo tempo, uma barreira política e ideológica pluralista para deter essa ofensiva neoliberal, que tenta monopolizar e transformar todas as formas de vida em negócio (CARVALHO, 2003 p. 11).

Outros fatores influenciaram o MST quanto às questões tecnológicas. Podemos

citar a ampliação de parcerias locais, muitas delas com ONGs com trabalho de

tecnologias alternativas, a valorização de várias experiências agroecológicas que já

vinham se desenvolvendo nos assentamentos, além da associação da reforma agrária à

degradação ambiental, como formulado no relatório do Deputado Gilney Viana115.

Questões ambientais passam a determinar, inclusive, que sejam exigidos licenciamentos

115 Relatório do Deputado Gilney Viana (PT-MT), coordenador da comissão externa destinada a averiguar a aquisição de madeireiras, serrarias e extensas porções de terras brasileiras por grupos asiáticos. Parte X – Reforma Agrária na Amazônia: um desastre ambiental. Diário da Câmara dos Deputados. Ano LIII – sup. ao n° 187. 17/11/1998.

Page 161: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

158

ambientais antes não requeridos para a implantação de assentamentos rurais, ação que

não recai somente sobre novos assentamentos, mas também sobre os já implantados.

4.2.4 A ambientalização do MST

O processo de “ecologização” de discursos e práticas institucionais verificado a

partir do último quarto do século XX, engloba a luta pela terra, levando à adoção de

exigências ambientais por parte do Estado e de outros sujeitos sociais, incidindo sobre a

regularização fundiária. O MST teve que atender a diversas exigências não só do

Estado, mas também em decorrência das pressões de setores que veem na reforma

agrária a causa da degradação ambiental.

Por “ecologização”, segundo Buttel (1992), poderíamos entender o fenômeno da

introdução de critérios ambientais nas práticas agrícolas, na opinião pública e nas

agendas políticas da agricultura. Tal “ecologização” ou “ambientalização”, como define

Lopes (2004), passa a afetar também sujeitos sociais envolvidos na

produção/reprodução de espaços rurais que passam a incorporar a dimensão ambiental

na legitimação da luta pela terra.

É necessário, porém, distinguir diferentes formas de “ambientalização”, como a

empresarial, a que ocorre por via do Estado e aquelas que dizem respeito às mudanças

relacionadas aos movimentos e organizações sociais. Assim, o “ambientalismo

empresarial”, por exemplo, concretiza-se em uma maquiagem verde ou em eventuais

mudanças só justificadas caso associadas a ganhos de lucratividade. O processo de

greenwshing estaria expresso, por exemplo, na designação dos monocultivo de árvores

como “florestas plantadas” ou “reflorestamento” ou na produção dos ditos

“combustíveis verdes” com a produção de cana. Como discutimos no Capítulo 2, esta

forma de ambientalismo empresarial também estaria associada à justificação do

desenvolvimento de novas tecnologias poupadoras ou reaproveitadoras de recursos

naturais.

Já a ambientalização estatal consiste, no campo, em colocar restrições à reforma

agrária, introduzindo mecanismos de licenciamento ambiental de assentamentos,

licenciamentos estes não expandidos a outras atividades agrícolas, reafirmando as

condições de concentração de poder nas atividades capitaneadas por corporações.

A respeito do caso de movimentos como o MST, Acselrad (2003) afirma que a

ambientalização se dá quando se evoca a função social da terra baseada na crítica da

Page 162: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

159

utilização predatória de grandes extensões de monocultivos, como os eucaliptais,

quando combate a transgenia, argumentando a favor da soberania alimentar, ou quando

estimula práticas agroecológicas nos assentamentos rurais.

Desta forma, a “ambientalização” do MST poderia ser entendida a partir de dois

eixos que se complementam. De um lado, está a apropriação social de técnicas para o

desenvolvimento de experiências agroecológicas nas áreas de assentamentos rurais

empreendidas através dos esforços de elaboração e execução de projetos e programas,

criação de cursos técnicos com ênfase em agroecologia, criação de instâncias

organizativas, estabelecimento de parcerias e de cursos. Outro eixo diz respeito a sua

contraposição a uma agricultura de corporações tendo por base as monoculturas. Este

modelo é contestado quando o MST aponta a degradação dos recursos naturais, a

expulsão de trabalhadores do campo ou a elevação do preço das terras impedindo a

reforma agrária. A denúncia da desigualdade no acesso aos recursos naturais é acionada

uma vez que os assentamentos são instalados em áreas anteriormente degradadas pelo

uso predatório do território por atividades agrícolas próprias aos modelos tecnológicos

dominantes.

No que tange ao primeiro eixo, ou seja, as iniciativas empreendidas pelo MST

para dentro dos assentamentos rurais, podemos listar ações observadas desde 1999, tais

como campanhas para o plantio de espécies florestais nos assentamentos denominada

“Plantando Seremos Milhões”; ampla comunicação por cartazes pontuando os

princípios dos chamados “Nossos compromissos com a terra e com a vida” 116, listando

cuidados com o meio ambiente e o incentivo ao “embelezamento” dos assentamentos. A

partir de 2003, passam a se intensificar atividades como seminários nacionais de revisão

da matriz tecnológica nos assentamentos, cria-se o Coletivo Nacional de Meio

Ambiente; desenvolve-se a Campanha Sementes Patrimônio dos Povos a Serviço da

Humanidade, o Programa Ambiental do MST para a Reforma Agrária, o Plano Nacional

de Florestas em áreas de Reforma Agrária; Rede Nacional de Pesquisa Tecnológica em

Agroecologia e Reforma Agrária, o Programa de Pesquisa em Agrobiodiversidade e

Agroecologia visando à “sustentabilidade” da agricultura familiar e da reforma agrária,

os Centros Irradiadores de Manejo da Agrobiodiversidade e a iniciativa de integrar

redes como a Articulação Nacional pela Agroecologia, a partir de 2006.

116 Outros materiais, como a cartilha “A Vez dos Valores”, de Adhemar Bogo, e o texto para estudo “Revolução Cultural no MST”, contribuíram para este movimento de “ambientalização” a partir da evocação de valores éticos com relação à natureza e a vida.

Page 163: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

160

O fenômeno da “ambientalização” do MST enquanto movimento social de

massas (concernentes às transformações em sua estrutura organizativa ou formação

técnico-politica e educacional) e aos assentamentos rurais originados tem dado lugar a

vários trabalhos de pesquisa. Alguns discutem a forma de implantação e debatem a

sustentabilidade dos assentamentos rurais, como os realizados por Mazzetto (1998),

Canavesi (2002), Costa Neto e Canavesi (2003), Curado (2004 e 2004a), Correa (2007),

Silva e Miziara (2007). Outros trabalhos discutem a trajetória ambiental no MST

(VIGNATTI, 2005 e GIULIANI, 1999) ou ainda a construção da agroecologia no MST

e o desenvolvimento dos assentamentos rurais, como em Veras (2005), Piccin e

Picolotto (2005), Corrêa (2007), Luzzi (2009), Borges (2009), Ciandrini (2010) e

Wittman (2010)117.

No que concerne ao fenômeno da “ambientalização” do MST no norte do ES,

podemos visualizar tanto as investidas do MST em lutas articuladas no território, como

visto no Capítulo 3, contra as corporações na agricultura, quanto as ações internas do

Movimento na formação do núcleo de agroecologia que envolve técnicos, dirigentes do

MST e assentados, além da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e o Movimento de

Pequenos Agricultores (MPA), assim como cursos de formação informais e formais, tal

como o curso técnico em agropecuária com ênfase em agroecologia e a participação na

Rede de Pesquisa em Agroecologia e Reforma Agrária. Esta última será discutida mais

detalhadamente mais adiante.

4.3. Assentamentos rurais nos municípios de São Mateus e Conceição da

Barra

Para se estudar como se constitui uma questão tecnológica no MST, tomamos

por base a pesquisa empírica os assentamentos rurais localizados na porção norte do

Espírito Santo, mais precisamente nos municípios de São Mateus e Conceição da Barra,

conforme visualizado no mapa 3.

A escolha desses municípios se deu pela presença marcante no território de

modelos tecnológicos dominantes, como o que ocorre com a produção de eucalipto,

117 A interface entre questão agrária e questão ambiental é também discutida por Almeida e Bergamasco (1990), Schmitt (1995), Mazzetto (2002), Lopes e Garcia (2003), Fearnside (2003), Esterci e Valle (2003), Leroy e Pacheco (2004), Carvalho e Brussi (2004), D`ávilla (2005) e Nascimento (2007).

Page 164: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

161

cana, café, frutas etc. A concentração de áreas destinadas ao cultivo de eucalipto para a

produção de celulose, comandada pela corporação Fibria (antiga Aracruz Celulose S/A)

nos municípios de Conceição da Barra e São Mateus, e também a produção de

biocombustíveis pela Destilaria Itaúnas/Infinity Bio-Energy perfazem 53.510 ha, o

correspondente a 54,2 % da área dos estabelecimentos agrícolas no município de

Conceição da Barra, e 43.831 ha perfazendo 29,2% no município de São Mateus, como

pode ser visualizado em detalhe na Tabela 4.

Tabela 4: Comparativo das áreas cultivadas com cana e silvicultura nos municípios de Conceição da Barra e São Mateus.

Municípios Conceição da Barra

São Mateus

Área total dos estabelecimentos agrícolas em ha do município

98.625 150.109

Área destinada ao cultivo da cana (há) 10.000 6.797 % da área total dos estabelecimentos agrícolas em ha do município ocupados com cana

10,1% 4,5%

Área destinada à silvicultura118 (ha) 43.510 37.034 % da área total dos estabelecimentos agrícolas em ha do município ocupados com silvicultura

44,1% 24,7%

Área total do município (ha) 119.258 235, 121 % da área total do município destinada ao cultivo de cana

8,38% 2,9%

% da área total do município destinada à silvicultura 36,5% 15,75% Tamanho da área total dos estabelecimentos agrícolas em ha do município ocupados com silvicultura e cana

53.510 43.831

% da área total dos estabelecimentos agrícolas em ha do município ocupados com silvicultura e cana

54,2% 29,2%

Fonte: IBGE – Censo agropecuário 2006. Organização da autora.

Os municípios em referência mostram acentuada desigualdade no acesso às

terras, em grande parte dado os interesses no cultivo de matéria-prima, como acontece

com as cadeias produtivas anteriormente apontadas119. De acordo com os dados do

Censo Agropecuário 1995/1996, Bernardo Neto (2009) organizou uma estratificação

segundo o tamanho das áreas. Assim, em Conceição da Barra, 49% dos

estabelecimentos rurais tinham áreas maiores que 1.000 ha, 14,33% entre 100 ha e

1.000 ha, e apenas 10,18% eram tidas como pequenas propriedades com menos de 100

118 O Censo agropecuário 2006 não levantou a área (ha) plantada de silvicultura. A estimativa de área plantada foi feita por Barcelos (2010), considerando em média 1.111 pés/ha. O Censo Agropecuário 2006 traz o levantamento do número de pés existentes em cada município, o que torna possível a estimativa. 119 No Capítulo 3 mostramos os dados sobre a concentração fundiária nesta região como um todo.

Page 165: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

162

ha. Em São Mateus as grandes propriedades com mais de 1.000 ha constituem 49,71%

do número de imóveis rurais, sendo 29,27% de médios com menos de 1.000 ha e

21,02% de pequenas propriedades.

Dados do Censo Agropecuário de 2006 mostram que a máxima “poucas mãos

com muita terra e muitas mãos sem-terra” permanece, como podemos visualizar na

Tabela 5, que relaciona número de estabelecimentos familiares e não familiares e a área

que ocupam no território.

Tabela 5: n° (unidades) e área (ha) dos estabelecimentos não familiares e familiares nos municípios de Conceição da Barra e São Mateus.

N° estabelecimentos (um.) Área dos estabelecimentos (ha) Municípios

Não familiares Familiares Não familiares Familiares

Conceição da Barra

59 (11%) 454 (88,5%) 95.160 (96,49%) 3.464 (3,51%)

São Mateus 378 (18,72%) 1641(81,28%) 131.641 (87,7%) 18.469 (12,3%) Fonte: IBGE – Censo Agropecuário 2006. Organização da autora.

Como podemos observar, tanto em Conceição da Barra quanto em São Mateus

há uma desproporcionalidade entre o número baixo de estabelecimentos não familiares

existentes e o tamanho extenso das áreas que ocupam. Nesses municípios, a área

ocupada pela “agricultura familiar” representa 3,51% e 12,3%, num caso e no outro. A

agricultura familiar nestes municípios refere-se a quilombolas, assentados da reforma

agrária, pequenos agricultores e camponeses arrendatários ou não, posseiros, meeiros e

ocupantes com áreas de até quatro módulos fiscais, uso da mão-de-obra basicamente

familiar e renda majoritariamente vinda da atividade rural.

Ainda que a luta pela terra possibilite uma “re-territorialização” de parte dos

camponeses expropriados, o em parte pela pressão que exercem sobre o Estado e as

corporações, os dados mostram, pelo uso do solo, como são construídas as relações de

poder e a quem são dadas as condições de ganho, efetivando o modelo tecnológico de

corporações “sob o comando da terra”. Podemos visualizar os usos e ocupações do

território no mapa 4.

Page 166: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

163

A luta pela terra, empreendida principalmente pelo MST, teve algumas

conquistas com relação a implantação de assentamentos rurais nesses municípios.

Foram 350 as famílias assentadas de 1986 a 1998, ocupando 3.793,1588 ha ou 2,52% da

área dos estabelecimentos agrícolas do município de São Mateus, e 240 famílias em

2.703,7604 ha ou 2,74% da área os estabelecimentos agrícolas do município de

Conceição da Barra.

As Tabelas 6 e 7 mostram os 13 assentamentos existentes.

Page 167: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

164

Tabela 6: Assentamentos rurais no município de Conceição da Barra/ES segundo o número de famílias, área correspondente e data de criação. Assentamentos rurais nº famílias Área (ha) Data de criação

PA Pontal do Jundiá 48 778, 2704 16/02/1986

PA Valdício B. dos Santos 89 888, 4000 09/04/1996

PE Rio Preto Itaúnas 30 460, 0000 25/06/1985

PE Independência 10 103, 0000 14/03/1988

PA Paulo Vinhas 63 474, 0900 05/12/1996

Total 240 2.703,7604 PA = assentamentos implantados pelo governo federal através do INCRA; PE = assentamentos implantados pelo governo estadual através da SEAG Fonte: INCRA/ES. Tabela 7: Assentamentos rurais no município de São Mateus/ES, segundo número de famílias, área correspondente e data de criação. Assentamentos rurais nº famílias Área (ha) Data de criação

PA Georgina 81 1.052,8355 12/11/1986

PA Juerana 18 282, 5506 12/05/1987

PE Córrego Grande 27 261, 0000 17/02/1985

PE Vale da Vitória 39 474, 0000 19/05/1986

PE Pratinha 17 188, 8000 22/09/1991

PE São Vicente 5 27, 6000 30/09/1991

PA Guanabara 12 119, 7246 19/02/1998

PA Zumbi dos Palmares 151 1.386,6481 13/12/1999

Total 350 3.793,1588 PA = assentamentos implantados pelo governo federal através do INCRA; PE = assentamentos implantados pelo governo estadual através da SEAG Fonte: INCRA/ES.

Dentre os municípios, sete assentamentos foram implantados na década de 1980

e seis na década de 1990, nenhum assentamento foi implantado nesses municípios em

decorrência da execução do II Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA). que

estipula a ampliação do número de famílias assentadas por uma reforma agrária no

Brasil.

O número de assentamentos implantados a partir de 2004, considerando que este

foi o ano de lançamento do II Plano Nacional de Reforma Agrária, foi de 14.218,1230

ha em todo o estado. De 1986, data da criação do primeiro Projeto de Assentamento no

Page 168: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

165

estado, localizado no município de Conceição da Barra, foram incorporados

33.201,7656120 ha de área para a implantação de assentamentos.

Podemos considerar que há um aumento no número de áreas destinadas à

reforma agrária no estado; entretanto, nos municípios considerados pela pesquisa, região

de conflito por terra, não existe nenhum assentamento criado no período do PRRA.

Podemos visualizar a área destinada à reforma agrária nos Gráficos 1 e 2, que mostram

claramente a dominação do território pelos modelos tecnológicos das corporações. O

mapa 5 mostra o uso do solo nos municípios estudados. Gráfico 1: Usos e ocupação do solo no município de São Mateus/ES – 2006

Fonte: Dados do Censo Agropecuário IBGE 2006. Organização da autora.

120 Dados cedidos pelo INCRA/ES. Para análise está sendo considerada a implantação de Projetos de Assentamento, e não de assentamento de famílias em lotes onde outrora houve evasão.

Usos e ocupação do solo no município de São Mateus/ES – 2006

0 5000

10000150002000025000300003500040000

1 2

Cultivos de cana

Silvicultura

Áreas destinadas àreforma agrária

Page 169: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

166

Gráfico 2: Usos e ocupação do solo no município de Conceição da Barra/ ES – 2006.

Fonte: Dados do Censo Agropecuário IBGE 2006. Organização da autora.

O uso do solo, sendo destinado basicamente às cadeias produtivas da celulose e

da cana, se dá em detrimento das áreas de reforma agrária, que ocupam um espaço bem

menor em relação aos outros usos.

Podemos visualizar também a perda de importância na produção de alimentos

que caracteriza a presença dos modelos predominantes, uma vez que a ocupação do solo

para o cultivo de cana e silvicultura se dá em detrimento de áreas de produção de feijão,

milho e mandioca, por exemplo, como podemos observar no Gráfico 3. Contribuem

para isso o cultivo do café e a fruticultura, sobretudo, em áreas menores e integradas à

agricultura de corporações121.

121 Existe um acúmulo nos estudos acerca da exploração do território pelo monocultivo de eucalipto; porém, outras frentes de exploração são pouco estudadas, como a apropriação do território pela cana e mesmo um aprofundamento naqueles sistemas que se associam aos sistemas de produção nos assentamentos rurais, como é o caso do café, da pimenta-do-reino e da fruticultura. Entender estas cadeias produtivas e a forma como se territorializam e impactam sobre os sistemas camponeses é importância na compreensão, como um todo, do desenvolvimento regional no Espírito Santo, fato que não foi possível aprofundar no tempo de pesquisa desta tese.

Usos e ocupação do solo no município de Conceição da Barra/ES – 2006

0 5.000

10.000 15.000 20.000 25.000 30.000 35.000 40.000 45.000 50.000

1 2

Cultivos de cana

Silvicultura

Áreas destinadas àreforma agrária

Page 170: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

167

Gráfico 3: Principais cultivos (em ha) nos municípios de Conceição da Barra e São Mateus.

0

2000

4000

6000

8000

10000

12000

14000

São Mateus

Principais cultivos em ha nos municípios de Conceição da Barra e São Mateus

CaféPimenta do reinoFeijãoMandiocaMilhoFruticultura

Page 171: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

168

Diante da concentração de terras e do alto número de grupos “des-

territorializados”, é comum encontrar centenas de famílias acampadas à beira das

estradas. Em São Mateus, encontram-se 106 famílias acampadas, pressionando por

desapropriações de terra para implantação de novos assentamentos. O número de

famílias sem-terra acampadas em todo o estado somam 659 (Tabela 8). Esse fato indica

a demanda que existe para a implantação de assentamentos rurais e a debilidade do

Estado tanto federal quanto estadual em dar respostas à questão agrária nestes

municípios, desfavorecendo a democratização do acesso a terra em uma região em

conflito, ao passo que assume programas de desenvolvimento embasados no

fortalecimento do modelo dominante, causa central da concentração de terras, como são

as políticas já listadas de instalação de “polos” e de classificação das regiões segundo

sua “vocação agrícola” para o planejamento estratégico beneficiando determinados

interesses e usos.

Tabela 8: Acampamentos de famílias sem-terras existentes no ES segundo listagem de municípios onde se localizam, movimentos que reivindicam o assentamento e número de famílias acampadas. Destaque para o acampamento no município de São Mateus em 2010.

Nome do acampamento de sem-terras Municípios

Movimentos sociais que

os reivindica nº famílias

Antônio Conselheiro Ecoporanga MST 55 Nova Esperança Montanha FETAES 40 Trinta de Maio Montanha FETAES 28 Liberdade (Panorama) Ponto Belo FETAES 67 Carlos Marighela São Mateus MST 106

Resistência São José do Calçado MST 36

Adão Preto São Gabriel da Palha MST 40

São Gabriel São Gabriel da Palha FETAES 22

Três Barras São Gabriel da Palha FETAES 20

Bom Jesus da Lapa Barra São Francisco OUTROS 15 N. Senhora Aparecida Nova Venécia FETAES 20 Marion João Pereira Serra FETAES 43 Independência Mimoso do Sul FETAES 17 Pastinho Mimoso do Sul FETAES 60 Irmã Dorothy Mantenópolis MST 35 Esmeralda Afonso Cláudio 30 Cachoeira Bonita Brejetuba 25

Fonte: INCRA/ES.

Page 172: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

169

As pressões realizadas pelos sem-terra não consistem somente no aumento do

número de famílias assentadas, mas também em demandas por uma série de ações

complementares que garantem uma reforma agrária redistributiva em todas as suas

dimensões. Assim, os Planos de Recuperação dos Assentamentos (PRA) surgem como

política a ser implementada pelo INCRA no início do governo Lula em 2003,

redirecionando as ações do Instituto para promover a implantação dos assentamentos

que vinham sendo “emancipados” sem ter acesso às linhas de crédito básico como

habitação, custeio e produção.

Segundo o INCRA (2003) em seu II PRRA, a “recuperação” dos assentamentos

se refere às omissões ou ações que foram implementadas de forma parcial e que

resultaram em uma série de deficiências estruturais nos assentamentos existentes, como

em infraestrutura básica, equipamentos e serviços sociais (assistência técnica, crédito,

PDA e topografia). Esta ação ocorre quando em 2003 o governo federal, através do

INCRA, depara-se com os resultados do estudo sobre a qualidade dos assentamentos

rurais no Brasil e percebe que a maior parte deles apenas tinham sido implantados,

muitos sequer apresentando a delimitação das áreas dos lotes e os créditos necessários à

instalação das famílias, apresentando assim (SPAVOREK, 2003) valores negativos dos

índices de ação operacional com relação a casas definitivas, água potável, eletricidade,

estradas internas, crédito instalação, crédito habitação e PRONAF – A122.

4.3.1 Respostas e dilemas nos sistemas produtivos dos assentamentos

rurais

Durante um largo período, famílias de camponeses des-territorializados se

reúnem em acampamentos como forma de organizar a luta pela terra. Ao mesmo tempo

em que organizam “brigadas”, escolas, trabalho e formação, também realizam as

ocupações de terras passíveis de desapropriação por fim social, e com isso

desencadeiam reações contrárias que resultam em despejos sucessivos, repressão,

assassinatos e uma série de violências sobre as famílias sem-terra.

Passado um largo período de luta, parte das famílias sem-terra são assentadas em

latifúndios improdutivos reivindicados para a reforma agrária. São áreas anteriormente

utilizadas para pastagens, cultivos de cana ou eucalipto, outrora degradados 122 O PRONAF, dentro de suas linhas de financiamento, prevê o PRONAF “A”, destinado exclusivamente para Projetos de Assentamentos, e é operado pelo INCRA junto às agências financeiras.

Page 173: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

170

ambientalmente e que agora passam a abrigar múltiplos usos permitidos pelo acesso à

terra por um número maior de camponeses, nos espaços já conquistados.

Assim, os camponeses que conquistam suas áreas através da luta pela terra se re-

territorializam a partir da década de 1980, e vão instalando seus sistemas de produção

alinhados às lutas nacionais e aos momentos pelos quais vai sendo construída no MST a

questão tecnológica, como já discutido anteriormente. Da mesma maneira que acontece

em várias partes do Brasil, vão se constituindo e ampliando o número de assentamentos,

conquista-se o Programa de Crédito Especial para a Reforma Agrária (PROCERA), que

possibilita os investimentos iniciais nos assentamentos, inicia-se a formação de

cooperativas, e assim por diante – vão se conformando as experiências produtivas nas

áreas de reforma agrária.

Os assentados, ao utilizar os créditos, o fazem em parte, por duas diretrizes

políticas colocadas pelo MST: a primeira delas consiste em garantir viabilidade

econômica à atividade agrícola, que no caso do ES é conseguida com o cultivo do café,

e posteriormente, e em menor medida, com a pimenta-do-reino e a fruticultura. A

segunda diretriz diz respeito à estratégia da segurança alimentar das famílias assentadas:

plantar para atender suas necessidades, além do “embelezamento” dos assentamentos, o

que significa o plantio de espécies não necessariamente de interesse econômico, árvores

e demais componentes complementares aos sistemas de produção.

No plano prático das opções, é a dimensão econômica que toma conta das

decisões: a certeza dos retornos econômicos com a safra do café, cultivado de forma

tradicional, adotando um pacote tecnológico conforme os ditames da Revolução Verde,

dificilmente é trocado por outros modelos. Apesar de serem estimulados outros tipos de

cultivos, estes são adotados de forma complementar e secundária, já que a verdadeira

motivação diz respeito à possibilidade dos retornos econômicos da atividade agrícola.

Devido à necessidade de comprovar à sociedade a viabilidade, sobretudo

econômica, da reforma agrária, e assim legitimar-se, é difícil para o MST, sem um

aparato institucional montado para tal, incentivar sistemas de produção diferentes do

que está dado pelas opções de cunho econômico. As famílias recém-chegadas à terra

dependem dos créditos que são destinados (também conseguidos sob pressão ao Estado)

e, condicionados pelo viés dos cultivos econômicos, sem considerar sistemas

diversificados de produção camponesa. As agências financeiras, ao terem que trabalhar

com um público novo (os assentados), aplicam regras de avaliação de aptidão e risco

pensadas para a agricultura dos pacotes tecnológicos que viabilizam as monoculturas já

Page 174: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

171

instaladas e contam com grande conhecimento operativo por parte dos técnicos

envolvidos na liberação dos recursos. Assim, se coadunam instituições de promoção de

pacotes tecnológicos, interesses de mercado e interesses políticos representados na

figura do MST que tenta legitimar-se a partir do economicismo, desenvolvendo o

assentamento e a região como um todo, procurando mostrar o potencial da reforma

agrária à sociedade e satisfazer os interesses dos assentados, que optam

pragmaticamente por cultivos que garantam retornos econômicos.

Há, portanto, uma conjugação de interesses para que se estabeleçam aqueles

sistemas de produção que trarão no curto prazo renda às famílias assentadas. Tal

direcionamento econômico dos sistemas de produção, contudo, traduz-se, nesse caso, na

opção por cultivos em que os ganhos, ainda que retornem aos assentados, são muito

maiores em cadeias produtivas concentradoras de poder em um número reduzido de

corporações, tirando, no plano político, a autonomia e o poder dos camponeses,

comprometendo-lhes a sustentabilidade ao promover uma homogeneização de seus

sistemas produtivos.

É dessa forma que o cultivo do café é uma constante no planejamento, prática e

desejo dos camponeses. Associado a ele, existem outros cultivos diversificados em

menor proporção. À medida em que aumentam as iniciativas em estímulo por via de

políticas públicas ou da abertura para novos mercados, vão se agregando ao cultivo do

café outros cultivos comerciais, como a pimenta-do-reino e a fruticultura. Entender a

preferência pelo cultivo do café por parte dos agricultores é algo complexo; pode-se

afirmar que a própria definição de um monocultivo faz parte dos condicionamentos do

pacote tecnológico dominante, porém há uma racionalidade na adoção do café como

cultivo principal dos sistemas de produção camponeses no ES que definem essa “agri-

cultura”. Afirmações como “não dá pra pensar um camponês no ES sem plantar café”

simbolizam a contundência desse cultivo mesmo com os problemas que são

apresentados pelos camponeses quando relatam, de forma recorrente, as dificuldades e a

insustentabilidade que sentem nesses sistemas de produção, assim como a dependência

do mercado e do “preço do café” que os destituem de poder de decisão.

Um dos motivos pelo qual o cultivo do café se ajusta bem à agricultura

camponesa consiste na alta disponibilidade de força de trabalho dos membros da

família, o que também pode envolver vizinhos em épocas em que os cuidados se tornam

mais frequentes, como a colheita, por exemplo.

Page 175: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

172

A geração de emprego e renda com a colheita do café é considerável na

economia camponesa, onde geralmente falta mão-de-obra extra à família. Existe por lei

a exigência de assinatura da carteira profissional para a contratação dos trabalhadores

rurais123 durante os três meses que dura a colheita do café, o que leva as famílias a

ficarem sobrecarregadas neste período, já que, além de realizarem a colheita de suas

áreas, aproveitam o período para trabalhar como assalariados em outras lavouras. Este

fato compromete, por exemplo, o desenvolvimento de outras atividades que comporiam

a renda e a diversidade do sistema com o café, como, por exemplo, a realização de

feiras semanais locais.

Segundo um dos entrevistados, dirigente do MST, é possível observar a opção

pelo café como cultivo circunscrito à dinâmica camponesa, como forma de proporcionar

retorno econômico às famílias.

Todos os que produzem café têm um padrão de vida diferenciado, é uma cultura que mantém um nível de rentabilidade mínimo para as famílias. O café mantém os agricultores numa situação boa de vida. É uma atividade que está com os pequenos; os grandes têm dificuldade de manter esta cultura porque exige muita mão de obra, os grandes abandonam, não têm como manter124.

O acesso às políticas públicas de financiamento da produção resulta de pressões

realizadas pelo MST. O crédito agrícola, no caso o PRONAF A, destinado às áreas de

reforma agrária, tem uma função importante nas cadeias do café, da pimenta-do-reino e

da fruticultura, por serem cultivos que demandam um pacote tecnológico com alto uso

de insumos externos.

Há uma especialização da atividade agrícola condicionada pelos créditos e pelo

planejamento estratégico do Estado em torno do estabelecimento de “polos” oportunos à

instalação de grandes empresas, em processo que submete os camponeses, retirando-

lhes autonomia, como relatado a seguir pela fala de um dos entrevistados.

Você vai produzir café? Então você só vai produzir café, você não vai produzir inhame, galinha. Vai ter um curso sobre café e o prefeito dá o ônibus, são os polos... da goiaba, do abacaxi, do morango, quem mora em São Mateus é polo do maracujá. E é nestes polos onde as empresas se instalam. BNDES coloca dinheiro na mão das empresas e para os pequenos é o PRONAF, se você faz um

123 Em um contrassenso, autuações de trabalho escravo pela Delegacia Regional do Trabalho (DRT) no ES se dão em lavouras medianas de café, numa exploração direta do trabalho não pelas corporações como é comum no caso do cultivo da cana, mas utilitariamente e de forma perversa, de camponês a camponês. 124 Entrevista MST com dirigente do SPCMA realizada em Nestor Gomes (km 41) em agosto de 2010.

Page 176: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

173

projeto o banco só aprova o que tá determinado, aqui é o polo do maracujá então só aprova PRONAF pra maracujá125.

Há neste modelo um incentivo ao aumento da produção e da produtividade de

uma única cultura. Nesta estrutura, os camponeses ficam dependentes da agricultura de

corporações para entradas de insumos e saídas de matéria-prima, ficando com o menor

ganho relativo na cadeia produtiva.

os agricultores camponeses têm sido pressionados no rumo da especialização. [...] a alternativa defensiva consistiria na recuperação da policultura como princípio oposto à lógica da especialização que o capital impõe ao campo camponês. A policultura baseada na produção da maioria dos produtos necessários à manutenção da família camponesa. De modo que ela diminua o máximo sua dependência externa. Ao mesmo tempo, os camponeses passariam a produzir vários produtos para o mercado, sobretudo aqueles de alto valor agregado, que garantiria a necessária entrada de recursos financeiros (OLIVEIRA, 1994 citado por FABRINI, 2008 p.262).

Pela lógica da especialização imposta, na qual o monocultivo repele a

policultura, o primeiro passo na comercialização dos produtos de interesse econômico é

a entrega a atravessadores (podendo estes ser empresas de menor porte, armazéns ou

cooperativas), possibilitando a estes a compra em escala que lhes confere enormes

lucros. Os camponeses, por sua vez, não contando com insfraestrutura de

beneficiamento e armazenamento, acabam submetidos aos detentores de tais estruturas,

que são intermediários nas cadeias de âmbito internacional. No passo seguinte, os lucros

se concentram nas corporações que comandam as cadeias produtivas. No caso do café,

por exemplo, é visível o enriquecimento de atravessadores locais; porém, a cadeia

produtiva, ao extrapolar o território local, regional e nacional, permite a transferência de

renda dos camponeses aos “impérios agroalimentares”126.

Quanto ao consumo de insumos para a produção, há na recriação do campesinato

um processo contraditório de produção do território (PAULINO, 2008). Se por um lado,

de acordo com dados do censo agropecuário de 2006, há uma demonstração clara de

que o campesinato não sucumbiu haja vista que os números mostram que 70% do que é

125 Entrevista realizada com representante da Via Campesina, agosto de 2010, São Mateus. 126 Em uma denominação usada por Ploeg (2008).

Page 177: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

174

consumido no mercado interno vem da “agricultura familiar”127, os dados do IBGE

também mostram que, em 2004, foram consumidos 2,8 kg/hab. de agrotóxicos,

quantidade sete vezes superior à média mundial. Some-se a isso, no argumento da

autora, a toxidez dos agrotóxicos de uso comum nos sistemas de produção, muitos dos

quais já banidos de muitos países há décadas em virtude de seu comprovado caráter

nocivo à saúde humana e ao ambiente.

Estes dados expõem o dilema dos camponeses que, ao viabilizar seus cultivos

econômicos, se curvam ao consumo de insumos, determinados por um pacote

tecnológico que tem como aliado, para sua adoção no campo, técnicos tanto do setor

público quanto privado que cumprem um papel importante para a indústria e o comércio

de fertilizantes, material propagativo, agrotóxicos, máquinas e implementos para a

agricultura.

A matriz tecnológica adotada nos sistemas de produção em assentamentos rurais,

com seu uso de agrotóxicos128, afirma num modelo em que poucos são os

favorecidos129. Ainda que os sistemas produtivos via cadeia do café dêem benefícios

econômicos a cada safra, estes são muito menores do que aqueles apropriados pelas

corporações na agricultura. Isto faz com que haja uma integração entre sistemas de

produção camponeses, que optam pela especialização de uma ou poucas cadeias

produtivas, dominadas por corporações, cabendo, desta forma, pouca margem de

manobra nas relações de poder. Se há uma melhoria de condições de vida dos

camponeses neste sistema, inegavelmente os benefícios são ainda maiores, haja vista os

dados de concentração econômica, para as grandes corporações

127 Nos dados apresentados pelo IBGE/Censo agropecuário 2006, a agricultura familiar é apontada enquanto produtora de feijão (70%), mandioca (84%), suínos (58%), bovinocultura do leite (54%), milho (49%), aves e ovos (40%). 128 Segundo dados adaptados de SESA/IESP/GEVS/TOXCEN (2007) citado no Atlas de ecossistemas do ES (2008 p. 29), o número de casos de intoxicação humana no ES pelo uso de agrotóxicos passou de 526 em 2000 para 856 em 2005. Os casos de óbitos humanos pelo uso de agrotóxicos no mesmo período quase dobrou, passando de 12 para 21. 129 Segundo Pelaez et al. (2010), monitorando o mercado mundial de agrotóxicos as corporações Bayer, Basf, Syngenta, Monsanto, Dow e Dupont dominam 86% do mercado de agrotóxicos mundial e 85% no Brasil. Os principais produtos utilizados nas lavouras de café são Baysiston da Bayer S/A, organofosforado, fungicida e inseticida; Thiodan, usado como inseticida e acaricida do grupo ciclodienoclorado. Ambos os produtos possuem classificação toxicológica III (medianamente tóxico) e II (altamente tóxico), respectivamente. A Bayer está entre as seis corporações mundiais que dominam 85% do mercado brasileiro de agrotóxicos; sozinha é responsável por 7,0% do comércio. Veja: Pelaez V, Melo M, Hofmann R et al. Monitoramento do mercado de agrotóxicos. Departamento de Economia, UFPR, 2010.

Page 178: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

175

Um dos camponeses entrevistados pela pesquisa relata como os monocultivos se

inserem numa lógica de mercado na qual os interesses comerciais, aliados ao “saber”

técnico de uma assistência técnica privada, propaga o uso de agrotóxicos nas áreas de

cultivo.

[...] [o camponês] foi comprar um produto para maracujá e o dono da loja falou: - não vou vender! Não posso te vender porque eu não vou te enganar, nossa empresa não engana ninguém! Vamos enviar na tua propriedade um especialista pra olhar tua lavoura pra receitar o produto certo. No dia seguinte, [o comércio agropecuário] manda um técnico na propriedade do camponês, daí o camponês queria comprar um produto para combater lagarta do maracujá, aí o técnico chega lá no maracujá dele e vê, nossa! Não tem só a lagarta, tem a pinta-amarela… a pinta-roxa… tem a pinta-preta… daí o camponês queria comprar um produto e chegando lá ele vai ficar com cinco produtos porque o técnico detectou cinco doenças que o camponês não tinha visto, o cara sai de lá e o camponês ainda fica devendo obrigação por ele ter feito um grande favor. É esta a ideologia dos caras, e estão todo dia rodando as roças aí130.

A assistência técnica estatal atua de forma indireta nas áreas de assentamentos,

ministrando cursos de capacitação em cultivos de interesse econômico. No ES, a mesma

instituição estatal, do governo do estado, que presta serviços de extensão rural e

assistencia técnica, também é responsável por realizar pesquisas agropecuárias e, neste

sentido, desenvolve desde experimentos com pequenos animais e tipos de criação não

voltados à indústria como forma de produção agroecológica destinada aos camponeses,

quanto o melhoramento do café possibilitando uma uniformidade genética no campo

com as plantas mais produtivas e mais resistentes a doenças conforme demanda a

modernização agrícola.

Uma das lutas empreendidas pelo MST consiste em manter uma assessoria que

trabalhe de acordo com os interesses dos assentados. Se o Projeto Lumiar possibilitou

tal assessoria no passado, em seguida, passou a operar um novo programa (resultado de

pressões a nível nacional para que de fato ocorresse), intitulado Assessoria Técnica,

Social e Ambiental à Reforma Agrária – ATES. Esse programa, executado a partir de

um contrato entre o INCRA e a COOPTRAES, cooperativa de prestação de seviços

ligada ao MST, possibilita a contratação de 27 técnicos, sendo 9 de nível superior e 18

de nível médio.

130 Representante da Via Campesina pelo MPA entrevistado em São Mateus em agosto de 2010.

Page 179: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

176

A orientação política estabelecida pelo MST para a atuação deste corpo técnico

consiste na organização dos assentados em brigadas; os técnicos, por sua vez, se

dividem entre assessorar os cultivos de base econômica e apoiar a organização política

dos assentados. Alguns técnicos desenvolvem atividades de estímulo a práticas

agroecológicas, não por orientação política prioritária do MST, mas devido ao tipo de

formação profissional e interesse próprio de cada técnico, já que existe uma variação de

perfis em atuação. Ainda que alguns técnicos recém-formados, contratados pelo MST,

tenham sido formados em atividades extra curriculares em grupos estudantis de

inspiração agroecológica e que mutios assentados formem núcleos ou desenvolvam

experiências agroecológicas nos assentamentos, o MST não tem, por exemplo, as bases

que possibilitam definir como estratégica a participação na Articulação Capixaba de

Agroecologia, uma das redes articuladas na região na qual apenas assiste o debate, sem

ter participação ativa, como a que ocorre em outras redes de resistência no território.

A contradição entre as respostas políticas e econômicas estão presentes na

atuação do Movimento, uma vez que realizam uma série de cursos de formação,

projetos e programas com vistas à afirmação de uma agricultura camponesa, em grande

parte considerando princípios agroecológicos, como aparecem nos documentos de

formação e campanhas, inclusive empreendendo lutas contra o modelo do agronegócio;

porém, é no campo econômico que os desafios se apresentam, pois não parece possível

poder articular dinâmicas de disputa territorial por meio de sistemas agroecológicos

tendo por base sistemas de produção convencionais como monoculturas de café,

pimentas ou frutas, ainda que operado pelos camponeses.

Uma perspectiva para diversificar a produção dos assentamentos, e que pode

permitir ou fortalecer os sistemas produtivos agroecológicos fora das cadeias produtivas

de corporações, diz respeito às políticas públicas de aquisição de alimentos, abrindo o

mercado institucional para produtos da “agricultura familiar” que não só estimula a

diversificação dos sistemas produtivos como também, ao dar garantia de compra dos

produtos, possibilita o aumento da produção de alimentos, garantindo a segurança

alimentar das famílias produtoras, abrindo possibilidades para uma transição

agroecológica não possibilitada em outros cultivos para o mercado não institucional, já

que os alimentos produzidos, ao serem destinados às creches, escolas, abrigos,

albergues, asilos, hospitais públicos, restaurantes populares e cozinhas comunitárias,

devem conter cuidados não relevados quando o assunto é o mercado de produtos

vendidos para a indústria.

Page 180: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

177

Hoje existem duas possibilidades de venda ao mercado institucional. Uma delas

é o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). operado pela Companhia Nacional de

Abastecimento (CONAB) e fruto da construção de políticas públicas de segurança

alimentar e nutricional, geradas com a participação de movimentos sociais no Conselho

Nacional de Segurança Alimentar – CONSEA.

Este Programa, operado desde 2003, prevê a aquisição de produtos

agropecuários da “agricultura familiar” para o consumo institucional de alimentos. Para

a safra 2009/10, segundo informes da CONAB, os limites por agricultor são de R$

8.000 na modalidade Compra Direta e Formação de Estoques (que permite aos

agricultores vender a preços mais favoráveis seus produtos), e de R$ 4.500 na

modalidade Doação Simultânea (em que a aquisição é destinada a equipamentos

públicos).

Outra perspectiva é a da recente Lei nº 11.947, aprovada em 2009, que

determina que pelo menos 30% do valor destinado à alimentação escolar brasileira

devem ser investidos na compra direta de produtos da “agricultura familiar”. A Lei

possibilita a conscientização sobre hábitos alimentares saudáveis nas escolas, a

preservação ou mesmo recuperação das tradições alimentares locais (que tem primazia

sobre a produção regional, estadual e nacional) e da produção com baixo impacto

ambiental, dando as condições para que sistemas agroecológicos se desenvolvam.

Ambas as políticas públicas de comercialização via mercado institucional131

atuam no sentido de fornecer ao Estado não aqueles produtos que seriam destinados às

indústrias e consequentemente às corporações no agro, mas sim aqueles produtos não

valorizados nos sistemas de produção que passam a ter uma finalidade garantida, que

pode gerar segurança alimentar não somente para os locais aonde é destinada, mas

também para as famílias, assentamentos e núcleos urbanos próximos.

Assim,

131 A pesquisa empírica relacionando a aplicação do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e a venda da produção dos assentamentos rurais para a alimentação escolar recentemente exigida em Lei e sua relação com a transição agroecológica, inclusive na análise econômica de tais processos possibilitaria, julga-se, comparar questões de produção nos sistemas produtivos como autonomia/dependência, soberania/insegurança alimentar, análise de rendimentos monetários e não monetários, impactos sobre a conscientização da alimentação saudável, dentre outros. Pelas questões abertas pela tese, tais políticas de mercado institucional, ainda que não sejam preponderantes e garantidoras do desenvolvimento dos assentamentos rurais, jogam um papel fundamental de fortalecimento destes apontando alternativas à agricultura de corporações.

Page 181: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

178

O PAA cumpre um papel importante porque quando se trata de produzir comida, é diferente de produzir o café, dá pra discutir [a agroecologia], você vai vender pra quem comer? Não é pra creche? Para os asilos? Está vendendo o quê para as crianças comerem? Mesmo que as pessoas sejam cabeça-dura, estas perguntas estão sendo feitas, na produção de comida tem que ter estas preocupações. No café e na pimenta não dá132.

Foi possível observar na pesquisa de campo, junto àquelas famílias que se

inserem nos programas, uma mudança de estratégias de produção, antes tidas somente

no café, na pimenta-do-reino e no maracujá (que não são, sobre nenhuma possibilidade,

descartados) agora integram consórcios de cultivos para venda aos programas de

mercado institucional citados. Há ainda a coletivização de cultivos, destinando áreas

entre assentados parceiros como estratégia de aumento da área, sem que se comprometa

as outras culturas “econômicas” e ainda a ampliação de perspectivas, já que, uma vez

cultivados, estes produtos podem também ser destinados às feiras locais, gerando renda

com maior liquidez do que aquelas obtidas pelas safras anuais.

Um dos problemas condicionantes da produção nos assentamentos e na região

como um todo diz respeito às secas recorrentes. A baixa disponibilidade hídrica da

região torna a atividade agrícola nos assentamentos dependente da disponibilidade

hídrica de mananciais, sendo comum o uso de barragens, principalmente para a

irrigação das lavouras. É comum perceber a ameaça à disponbilidade de água pela

erosão na margem dos mananciais, pelo desmatamento e pelo uso agrícola por

monocultivos nos municípios em que estão localizados os assentamentos rurais.

Com isto, há uma hierarquização dos cultivos nos sistemas de produção

camponeses, uma vez que a baixa disponibilidade hídrica requer sistemas de irrigação

que oneram a produção; assim, a preferência para o cultivo é dada ao café, principal

cultura econômica, ficando as demais ora consorciadas ao café, ora cultivadas apenas

em época de maior disponibilidade hídrica, ou, como costuma acontecer na maioria das

vezes, abandona-se o cultivo. Estas culturas no nível mais baixo de hierarquia são

àquelas com as quais se almejaria uma segurança alimentar, sobretudo cultivos de renda

não monetária. Alguns agricultores, porém, conseguem renda com o policultivo, com a

produção sendo comercializada em feiras locais semanais.

As políticas públicas, via de regra, aumentam as dificuldades de resposta da

agricultura camponesa desde uma perspectiva mais autônoma nos sistemas de produção

132 Entrevista ao MST, dirigente do SPCMA realizada em Nestor Gomes em agosto de 2010

Page 182: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

179

dos assentamentos rurais. Os créditos para a produção como o PRONAF A

(investimento, acessado uma única vez) e o PRONAF A/C (custeio, em menor valor,

acessado a cada safra caso haja recursos disponíveis liberados pelo governo federal) não

financiam os mesmos cultivos, cujos mercados institucionais estariam garantidos pelo

PAA ou mesmo pela Lei 11.497. Enquanto o PRONAF é um dos fatores de

condicionamento da produção camponesa aos “impérios alimentares”, é sobretudo, com

recursos próprios, que os assentados investirão na produção de alimentos, cujo mercado

institucional as políticas públicas garantem.

Se, por um lado, estão presentes nos sistemas de produção dos assentamentos

rurais os cultivos integrados à agricultura de corporações, outros cultivos como a cana e

o eucalipto, se produzidos com finalidades comerciais integrados às corporações de

biocombustíveis e celulose, são banidos politicamente dos assentamentos e todos os

esforços são feitos pelo MST para evitar que este tipo de atividade agrícola tome conta

das áreas de assentamentos conquistadas. O mesmo se dá com outros movimentos

sociais da Via Campesina que combatem a integração dos camponeses nas cadeias

produtivas da cana e do eucalipto.

Documentos do MST em 2005, produzidos pelo SPCMA, mostram tal

preocupação ao afirmar que “nossos assentamentos têm se tornado, cada vez mais,

territórios de disputa ideológica demonstrando claramente que há dois projetos em jogo,

e que o projeto do capital para nós é a integração e a seletividade entre os pequenos

produtores. Exemplificam isto, na atualidade, os projetos vinculados ao biodiesel e à

produção florestal”. E conclui o documento: “devemos construir um novo modelo

agrícola, no qual não exista espaço para o formato atual do agronegócio”.

A disputa pelo território, que continua após a conquista da terra, se dá “para

dentro da porteira”, e as dificuldades se apresentam como relatado:

Organizar o assentamento é muito pior que [organizar] o acampamento. A partir do momento que se conquista o assentamento, acham que teriam o território livre – engana-se. O assentamento é um passo, o fato de ter derrotado o latifúndio de 1 [proprietário] para 150 [famílias] é uma vitória. [...]. É disputa política permanente, e não tem espaço vazio, se tirar um pé o outro bota, se disputa em diferentes dimensões, na economia, nos aspectos culturais, em tudo133.

133 Entrevista ao MST, dirigente nacional do SPCMA e da frente de massa no ES. Realizada em agosto de 2010 em Nestor Gomes (km 41), São Mateus.

Page 183: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

180

A sedução dos camponeses por reproduzir os modelos tecnológicos dominantes

é rechaçada pelo MST. O enfrentamento pela terra faz com que as áreas destinadas aos

assentamentos, em maior ou menor medida, estejam circunscritas aos modelos

tecnológicos dominantes que ocupam grande parte dos territórios em disputa.

Assim,

As famílias tinham resistência a outras culturas [que não a silvicultura]. Em função de o assentamento ser uma ilha [rodeado] de eucaliptos, as famílias tendiam a plantar o eucalipto, 6 a 8 famílias plantaram ocupando 60% do seu lote. As famílias queriam plantar eucalipto para a celulose, mas não surtiu efeito porque plantaram plantas de sementes e a empresa não comprou a produção.134

Tal experiência demonstra a necessidade de adequação da cultura a um dado

pacote tecnológico que se inicia no plantio de mudas clonais, além do “tamanho ótimo”

requerido para o cultivo na região comprovadamente em áreas maiores de 500 ha. Além

dessas questões “técnicas”, se assim podemos chamar o desenho de poder arquitetado

via tecnologias e os interesses de reprodução do capital por parte da cadeia da celulose,

há, por parte do MST a luta pela não incorporação dos camponeses neste sistema de

produção. Assim, há um pacto para que não se plante eucaliptos ou cana nos

assentamentos rurais, colocando em questão a própria posse das famílias nas áreas que

ficam ameaçadas de perder o lote onde foram assentadas.

Não existe nenhuma lei que proíba as famílias de plantarem eucalipto, o que existe é um acordo com o INCRA para que as famílias plantem até 500 plantas para seu sustento próprio, este acordo foi feito no encontro da Via Campesina e o INCRA concordou, já que tem uma grande influência [desta atividade], pois o assentamento é rodeado pelo eucalipto. O mesmo pacto é estabelecido em áreas de assentamento nas quais se

apresentam os fortes assédios para o cultivo da cana para a agroindústria de

biocombustíveis.

Um elemento crucial que condiciona os sistemas produtivos dos assentamentos,

unanimidade no discurso dos dirigentes do MST, diz respeito à degradação ambiental

que herdam em um processo perverso no qual o Estado remunera, pelo ato da

desapropriação, o antigo proprietário, ao invés de cobrar-lhe os impactos ambientais

134 Entrevista a assentado, técnico agropecuário do serviço de assessoria técnica, social e ambiental à reforma agrária - ATES/COOPTRAES em Pedro Canário – ES em agosto de 2010.

Page 184: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

181

devidos. Em contrapartida, cabe aos assentamentos instalados, com parcos recursos

destinados pelo Estado, dar as respostas produtivas requeridas para a desejada

legitimação da reforma agrária. Estes elementos são fundamentais para entender, por

exemplo, como o MST atribui ao Estado a responsabilidade de apoiar a agroecologia na

reforma agrária, sendo que, na concepção do Movimento, esta não deve ser feita

somente pelos assentados, pois tem de recuperar um ambiente degradado, herdado do

modelo concentrador de terras, que eles mesmos combatem.

É necessário levar em consideração as áreas que são destinadas aos assentamentos. São áreas que foram exploradas por décadas, áreas degradas pelo sistema convencional, ai é que são instaladas as famílias. Tem que conciliar a sobrevivência das famílias e a recuperação das áreas degradadas, o Estado tem que arcar com a recuperação destas áreas [ao invés de] pagar pela terra que recebe degradada. A dificuldade é conciliar a sobrevivência [das famílias assentadas] com a recuperação de áreas degradadas. Trabalhar com a morosidade dos recursos públicos e ainda trabalhar para recuperar estas áreas, algumas famílias estão nessa insistência [a de desenvolver a agroecologia]135.

Segundo um dos dirigentes do MST, há necessidade de ampliação do debate da

agroecologia, mas que tire dos camponeses a responsabilidade atribuída pela

recuperação de áreas degradadas, que é um dos grandes problemas para o

desenvolvimento de sistemas agroecológicos.

É uma opção que é longa, pra gente trabalhar a agroecologia, pra gente combater o convencional, tem que ter o Estado, é um dos grandes problemas não ter o Estado [atuando] nesta área. Tem que ter um investimento pesado na pesquisa, que busque produzir em escala, que permitam você se contrapor ao modelo convencional. Uma recuperação de solo se precisa anos de trabalho, qual é o agricultor que agüenta isso? Aí entra o Estado, tem que ter um Estado que estimule e uma sociedade que pague os custos136. As dificuldades com relação à continuidade das iniciativas em agroecologia sem

a efetiva participação do Estado financiando as ações, em geral, podem ser mostradas a

partir da avaliação de um entrevistado assentado, técnico integrante do SPCMA e que

participa há mais de dez anos das iniciativas em agroecologia nos assentamentos da

região onde explica:

135 Entrevista ao MST. Dirigente COOPTRAES. Realizada em São Mateus, julho de 2010. 136 Entrevista ao MST. Dirigente SPCMA. Realizada em São Mateus, agosto de 2010.

Page 185: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

182

Do campo da teoria do conhecimento e da informação para a prática é muito ruim, a gente avalia que estavam [os assentados] apenas por interesses imediatistas devido aos projetos. Fazia parte do nosso [núcleo de agroecologia] planejamento fazer projetos. Na nossa concepção de agroecologia, era uma obrigação de o Estado apoiar estas iniciativas com risco econômico grande, [em um] ambiente desequilibrado [como no caso de áreas degradadas que são destinadas à implantação dos assentamentos rurais] é suicídio o assentado colocar a família dele em risco, teria que buscar recursos no Estado que teria obrigação de apoiar os assentados137 Nascimento (2007) atribui à concentração de terras no Brasil a degradação

ambiental no campo, o modo de produção para o mercado dificultando a transição para

uma agricultura sustentável. A questão ambiental estaria na raiz do problema agrário

brasileiro, posto que “a natureza do processo de apropriação privada de terras no Brasil

teve na alienação/destruição da biodiversidade seu impulso econômico básico”

(NASCIMENTO, 2007 p. 6). Assim, o autor sugere que a democratização fundiária,

independentemente de ser necessária, não é condição suficiente para o avanço da

sustentabilidade do meio rural, mas sim o tratamento da questão agrário-ecológica, em

que seria considerada a dimensão ambiental no tratamento da questão agrária. Uma

contradição fundamental seria a “de supor uma estrutura agrária de acesso a terra mais

democrática, de partida, como condição suficiente para garantir a transição para a

sustentabilidade do território rural” (NASCIMENTO, 2007 p. 10).

Dessa forma, caberia “trabalhar a questão do ambiente não apenas em termos de

preservação, mas também de distribuição e justiça, entendendo a distribuição como

aquela referente à capacidade diferencial de os sujeitos terem acesso à terra fértil, a

fontes de água, aos recursos vivos, aos pontos dotados de vantagens locacionais etc.”

(ACSELRAD, 2004). Pois é sob os impactos das corporações no agro, a concentração

de terra, a exploração do trabalho e a degradação ambiental, assim como sob condições

adversas no plano das políticas públicas que as famílias assentadas têm de buscar sua

reprodução social.

137 Entrevista realizada em julho de 2010 em Pinheiros/ES.

Page 186: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

183

4.3.2 Experiências agroecológicas nos assentamentos rurais

Algumas iniciativas buscam contornar problemas ligados à dependência dos

camponeses com relação aos modelos tecnológicos dominantes. As experiências são

diversas, sendo algumas delas já consolidadas, outras em estágio inicial, outras em fase

de conformação de núcleos. Algumas consistem na apropriação de políticas públicas de

incentivos à produção de alimentos, outras mostram-se isoladas e sem visibilidade mas

importantes para preparar a adoção da agroecologia.

As contradições vividas pelos camponeses em seus sistemas de produção são de

várias ordens: o condicionamento a determinados cultivos promovendo uma

especialização como forma de acessar créditos agrícolas, a constante demanda de uso de

insumos externos que viabilizam as monoculturas, a dependência de um mercado

desfavorável à sua reprodução socioeconômica em períodos de crise e as respostas que

se fazem necessárias a uma realidade herdada de esgotamento dos recursos naturais,

tanto de ambientes que ocupam (as áreas desapropriadas onde são instalados os

assentamentos) quanto dos monocultivos fronteiriços que, na maioria das vezes,

impedem o desenvolvimento de outras atividades pelo impacto ambiental, aliado ao

déficit hídrico que dificulta a atividade agrícola exigindo altos investimentos em

irrigação.

Estas questões levam alguns agricultores a buscar alternativas e parcerias que

viabilizem sua atividade agrícola conferindo-lhes maior sustentabilidade relativa à sua

reprodução socioeconômica em um ambiente fragilizado devido ao uso do solo com

grandes extensões de monocultivos promovidos pela agricultura de corporações.

Existem experiências nos assentamentos rurais em que os camponeses, a partir

de uma abordagem agroecológica, experimentam e promovem tecnologias que

possibilitam a co-evolução dos sistemas ecológicos e socioeconômicos.

Há um processo de geração de tecnologia que se manifesta de diferentes formas,

podendo surgir a partir da prática camponesa apoiada ou não por instituições de

pesquisa estatais ou não governamentais.

As tecnologias que podemos listar são aquelas no desenvolvimento de pequenas

máquinas e instrumentos que auxiliam o trabalhado de colheita e beneficiamento de

produto: manejo e conservação dos solos com adubação verde, consórcio de cultivos,

substituição do uso de herbicidas pelo trato mecânico com enxadas e foices em um

trabalho coletivo em mutirão ou não, manejo biológico de pragas, utilização de caldas e

Page 187: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

184

biofertilizantes de produção caseira, seleção e preservação de sementes crioulas e

demais materiais propagativos, sobretudo de espécies alimentares, dentre outras. Há

ainda uma iniciativa importante, que é o encurtamento das cadeias nas quais os

agricultores comercializam seus produtos em pequenas feiras. Estas, porém, são pouco

apoiadas pelas políticas públicas, principalmente locais (prefeituras), mas existe dentre

os consumidores a compreensão da importância do produto que é comercializado

semanalmente, diretamente pelos camponeses, em uma das experiências que existe no

município de São Mateus.

Algumas experiências despontam nos assentamentos com certo reconhecimento,

sobretudo por parte de consumidores do centro urbano local138. Uma dessas

experiências diz respeito à Associação dos Camponeses e Camponesas Agroecológicos

de São Mateus (ACASAMA), que reúne 32 famílias assentadas e pequenos agricultores

na região. Os camponeses se organizam também na Associação de Projetos em

Tecnologia Alternativa (APTA) para fortalecer suas estratégias no desenvolvimento da

agroecologia, que é “um projeto de vida”, segundo um dos camponeses entrevistados

pela pesquisa de campo em novembro de 2007.

As experiências são localizadas e enfrentam, por um lado, a dificuldade da falta

de apoio à transição agroecológica (por não ser o padrão tecnológico dominante) no que

tange a políticas públicas, metodologias de identificação e trocas de experiências que

promovam uma consequente e apropriada geração de tecnologias e construção do

conhecimento agroecológico, além de confrontarem-se com a sedução pelos pacotes

tecnológicos para os quais todas as facilidades estão dadas (não sem intenções) para

“evitar o risco” das perdas econômicas da atividade agrícola. Todos os camponeses

sofrem a influência do modelo dominante em maior ou menor grau, mesmo os

agroecológicos.

Além da experiência concreta da ACASAMA em estreita parceria com a APTA,

existem esforços no sentido de ampliar as experiências para outras famílias e áreas de

assentamentos. Estes esforços são empreendidos por pequenos núcleos de assentados,

sem muito apoio, já que a agroecologia não é considerada uma saída para viabilizar, em 138 Não foi feita na tese uma caracterização, no plano teórico e empírico, da agricultura de corporações e sua relação com os sistemas de produção orgânicos como uma nova forma de atender às exigências dos consumidores. O consumo vem sendo influenciado pelas críticas às novas tecnologias ou mesmo ao uso excessivo de agrotóxicos, o que passa a gerar novas demandas de produtos. A tese não aprofundou esta análise pelo fato de as experiências estudadas não corresponderem a uma “agricultura orgânica” que seria representada apenas pela vertente ecológico-econômica, mas sim por experiências cujo teor político de resistência e contestação ao modelo dominante de agricultura se sobrepõe a estas dimensões.

Page 188: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

185

termos econômicos, o cultivo do café ou da pimenta-do-reino, pela grande maioria dos

assentados ou mesmo pelo MST que, apesar de entender a importância de se buscar uma

alternativa, entende também que é preciso viabilizar economicamente as famílias

assentadas em primeiro plano.

Assim, as experiências encontram saída em parcerias como a estabelecida com a

Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Movimento de Pequenos Agricultores (MPA) ou a

APTA.

Os desafios para reconhecer a agroecologia como um caminho importante para a

autonomia dos camponeses são apontados na fala de um de seus promotores:

Existem muitas experiências agroecológicas nos assentamentos, mas por iniciativa dos próprios camponeses. [...] a gente tem feito um esforço para que os movimentos sociais deem visibilidade para estas experiências [...]. O momento é estratégico, cabe um destaque à agroecologia, é um contrassenso bater no agronegócio e não mostrar as experiências enraizadas, experiências que mostram que existe uma família, um grupo coletivo, que está buscando superar isso do ponto de vista tecnológico, da convivência social, da solidariedade, da compra conjunta. Experiências existem; a dificuldade é localizá-las, dar visibilidade e colocá-las em contato umas com as outras139. A APTA é composta por técnicos e camponeses, e assessora aqueles cujas

escolhas tecnológicas agroecológicas diferenciam-se do padrão comumente adotado nos

assentamentos rurais. Ela surge em 1985, quando no Brasil o movimento pela então

agricultura alternativa se contrapõe ao uso dos pacotes tecnológicos, sobretudo de uma

agricultura dependente do elevado uso de insumos externos. O trabalho de

conscientização que realiza tanto com camponeses quanto com movimentos sociais

passa pela promoção e experimentação agrícola realizada pelos próprios camponeses

como forma de resistir aos impactos do agronegócio, que tem sido triunfante na região

em detrimento da agricultura camponesa, segundo avaliação da associação.

Existe uma dimensão política no trabalho agroecológico desenvolvido, quando,

por exemplo, os camponeses associados à APTA se integram à Via Campesina ou à

Rede Alerta contra o Deserto Verde, redes de resistências e lutas constituídas no

território de atuação. Este fato denota que a agroecologia é entendida não somente

enquanto alternativa tecnológica aos sistemas de produção, e sim, indo além, na

dimensão política de enfrentamento.

139 Entrevista ao coordenador executivo da APTA realizada em São Mateus, agosto de 2010.

Page 189: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

186

Participamos da Rede [Alerta contra o Deserto Verde] porque [a APTA] não é somente uma entidade de trabalho tecnológico e de produção; uma das frentes da agroecologia também passa pela denúncia junto com outros movimentos, trabalhando em escala [maior], porque não adianta trabalhar no sitiozinho e as famílias ficando cercadas [pelos monocultivos]. A agroecologia nos territorializa, não é só um apêndice técnico140.

Os processos de aprendizado mútuo, experimentação e trocas de experiências

entre camponeses são formas adotadas para desenvolver tecnologias apropriadas às

unidades de produção. Utilizam-se de cultivos consorciados e adubação verde,

propiciando melhora na adubação e dispensando em grande medida o uso de adubos

sintéticos externos. Muitos dos agricultores em transição agroecológica dispensam o uso

de agrotóxicos na lavoura, porém o uso de adubos sintéticos ainda é uma constante e um

dos desafios colocados à sua abdicação.

É comum nos sistemas camponeses de produção agroecológica existir cultivos

de pimenta-do-reino e café como alternativas econômicas que não se distinguem das

preferências economicistas de lotes não agroecológicos e nem sempre as áreas, no que

concerne aos assentados141, são agroecológicas em sua totalidade. Essas duas culturas

comumente são consorciadas ou combinadas com cultivos diversificados como milho,

inhame, quiabo, feijão, dentre outros. Fazem uso também da criação de pequenos

animas.

Os camponeses “agroecológicos” incentivam a diversificação dos cultivos de

outros camponeses, mas o café ainda é o produto central nas estratégias de grande parte

deles que, geralmente, adquirem no mercado os produtos para o consumo da família,

destinando pequenas áreas para o autoconsumo. Esta constatação motiva os processos

de “conscientização” para garantir a segurança alimentar e a diversificação da produção,

o que nem sempre é atendido pelos camponeses, sobretudo aqueles cujo economicismo

prevalece nas tomadas de decisão, em grande medida já condicionada pelo poder da

agricultura de corporações e as institucionalidades que a promovem.

Enquanto o Estado implementa uma assistência técnica voltada ao crédito e

desenvolve pesquisas não apropriadas, os camponeses agroecológicos e suas parcerias 140 Idem. 141 Foram visitados os sistemas de produção de camponeses agroecológicos no assentamento Vale da Vitória, São Mateus/ES em agosto de 2010. O assentamento Vale da Vitória é composto por 39 famílias, das quais apenas oito participam das iniciativas em sistemas agroecológicos, isto é, apenas um grupo reduzido tem estratégias de diversificação da produção ou a comercialização se dando em feiras locais agroecológicas.

Page 190: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

187

desenvolvem outro tipo de estratégia de geração e troca de conhecimentos, definida a

partir dos próprios camponeses, que vão experimentando técnicas e formas de

organização diferenciadas. Os técnicos, desta forma, não orientam mais tecnicamente os

camponeses, mas estabelecem, por outro lado, momentos de trocas de experiências e

experimentação tecnológica como forma alternativa de construção de conhecimentos

agroecológicos, consolidando-se em um formato diferenciado em termos metodológicos

que consequentemente vai devolvendo aos camponeses sua autonomia a ponto de

definirem o modo de cultivo do café, ainda que o crédito continue determinando a

especificação da cultura. Assim, as compras coletivas permitem aos camponeses

adquirir os insumos orgânicos necessários aos seus cultivos agroecológicos que

redimencionam os projetos financiados.

Uma das principais estratégias utilizadas pelos grupos agroecológicos por

viabilizar renda suplementar à dos cultivos econômicos tradicionais como o café é a das

feiras realizadas em pontos específicos no município de São Mateus. Os próprios

camponeses asseguram uma infraestrutura mínima na ausência de políticas públicas,

como barracas, balanças e aventais. As feiras são diferenciadas das feiras livres, tendo

sua identidade apresentada como “Feira de produtos da agricultura familiar e

agroecológicos”. Em São Mateus existem três pontos de venda de que participam 21

famílias das 32 associadas na ACASAMA, associação que promove a feira. Um dos

pontos fortes para que a iniciativa aconteça são as articulações que realizam com

associações de moradores; assim, os consumidores, em uma relação campo-cidade,

exercem importante apoio às iniciativas agroecológicas, no que concerne aos retornos

econômicos da atividade. Assim,

Há uma via de mão dupla na influência consumidor/agricultor: tantos os consumidores demandam produtos que os agricultores passam a cultivar, quanto os agricultores oferecem produtos que os consumidores passam a adquirir e gostam, mantendo assim o hábito alimentar e a compra destes produtos como, por exemplo, a beldroega, o maxixe, fruta-pão, inhame, taioba, mangostão, beribá, araçá etc. Além desta interação na feira, também é promovida constantemente a visita de consumidores às comunidades, e isto favorece uma conscientização sobre o consumo agroecológico da agricultura familiar. Existe uma comissão da feira que é composta por associação de moradores dos bairros onde se instalam e agricultores. Esta comissão é responsável por mobilizar visitas às comunidades, fiscalizar a limpeza, promover assembleias e comemorações. As visitas de consumidores aos agricultores geram uma relação de confiança que dispensa a utilização de selos que garantam a qualidade dos produtos e [certificam-se da] ausência de insumos externos como os agrotóxicos.

Page 191: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

188

As associações de moradores são o primeiro contato para a conscientização do trabalho dos agricultores, onde podem explicar a filosofia de trabalho oferecendo produtos de boa qualidade e a preços acessíveis, e onde também é discutida a metodologia de trabalho da feira142. Geralmente, nos sistemas não agroecológicos, a falta de produtos que podem ser

comercializados na entresafra do café faz com que o agricultor fique endividado junto

às grandes beneficiadoras que emprestam dinheiro neste período. As dívidas fazem com

que os agricultores passem a “vender quando precisam e não quando querem”. Neste

sistema o agricultor empobrece e o atravessador e donos de beneficiadoras enriquecem.

Tal fato ocorre em menor porporção com camponeses em sistemas agroecológicos ou

em transição agroecológica, que fazem feiras semanais gerando uma liquidez que os

torna mais autônomos143. Estima-se que a renda anual da feira semanal equipara-se à

renda anual do café, principal cultivo econômico dos camponeses nessa região

O trabalho de organização de novos agricultores agroecológicos existe, porém o

processo é lento. Assim, a maior parte da produção de café é comercializada via

atravessadores, utilizando a estratégia da feira local agroecológica para outros produtos

que não o café, ainda que este seja comercializado em menor proporção. Um dos

maiores problemas enfrentados com a produção agroecológica do café é não ter escala,

e com isso o produto é entregue no mesmo valor de mercado convencional sem

diferenciação, o que desmotiva grande parte dos camponeses, já que a transição

agroecológica, segundo eles, tem um custo inicial, expresso na diminuição da produção

nos primeiros anos, e precisaria ser recompensada.

Dentre as diversas dificuldades que são apresentadas pelos camponeses para

desenvolver os sistemas agroecológicos, uma delas consiste na própria competição

interna aos sistemas com relação ao trabalho familiar, uma vez que estando o café

presente nos sistemas de produção, em época de colheita e comercialização

convencional (pois não conseguem o sobrepreço do café agroecológico), as atividades

hortícolas que garantem a feira ficam em segundo plano, denotando o peso que tem o

café para a economia camponesa, a qual, ademais, enfrenta também os impactos

142 Entrevista com o coordenador executivo da APTA realizada em Colatina/ES, em novembro de 2007. 143 Estas estimativas são defendidas pela APTA; porém, apesar de reconhecer os ganhos semanais em torno de R$ 400,00, não há uma pesquisa que comprove tal rendimento ou mesmo faça uma análise comparativa com outras atividades econômicas como o café, por exemplo, dados que são importantes para a reafirmação da experiência desses agricultores.

Page 192: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

189

ambientais causados por extensas monoculturas que ilham, em alguns casos, os

assentamentos rurais.

4.3.3 Rede Nacional de Pesquisa Tecnológica em Agroecologia e Reforma

Agrária: das orientações políticas do MST à prática dos assentamentos

Neste tópico, analisaremos uma das experiências realizadas pelo MST como

esforço no sentido de ir criando as condições, no que concerne ao Movimento, para a

construção do conhecimento agroecológico. Analisaremos a experiência nacional, parte

dela realizada no Espírito Santo, como é a “Rede Nacional de Pesquisa Tecnológica em

Agroecologia e Reforma Agrária”.

A Rede Nacional de Pesquisa Tecnológica em Agroecologia e Reforma Agrária

foi uma iniciativa do MST, através da CONCRAB, envolvendo aproximadamente 2.300

agricultores em campos de experimentação agrícola nos estados de SE, GO, MA, RS,

PA e ES. O objetivo, segundo documentos elaborados por Christoffoli e Fagundes

(2006), seria o de buscar a apropriação do desenvolvimento da ciência e tecnologia que,

segundo apontam, é desconsiderada no processo de reforma agrária.

De forma crítica à maneira como é desenvolvida a pesquisa agropecuária no

Brasil, circunscrevendo-se ao capital e ao latifúndio, a “Rede de Pesquisa” pautou

temas144 considerados importantes para o desenvolvimento tecnológico em

assentamentos rurais e envolveu universidades, instituições de pesquisa e extensão rural

em parceria com os centros de formação já existentes e coordenados pelo MST nos

locais onde a pesquisa foi instalada.

O projeto que inicia a “Rede de Pesquisa” propunha ser implantado de forma

descentralizada em Unidades Regionais de Pesquisa (URP), ser participativo com

envolvimento dos agricultores na concepção, planejamento, execução e avaliação,com

enfoque sistêmico, e adotou a agroecologia145 como paradigma tecnológico.

No Espírito Santo, o projeto envolveu 120 famílias e se concentrou no município

de São Mateus, sendo implementado em parceria com o CIDAP – Centro Integrado de

Desenvolvimento dos Assentados e Pequenos Agricultores/ES –, hoje denominado

Centro de Formação Margarida Alves – CEFORMA. Além de assentados, cujas áreas

144 Uma agenda nacional de pesquisa foi definida durante o seminário “Ciência, Tecnologia e Reforma

Agrária”, promovido pela CONCRAB, que contou com o apoio do Ministério de Ciência e Tecnologia. 145 Segundo o documento, os motivos que levam à opção pela agroecologia referem-se à constatação da “insustentabilidade econômica e ambiental” dos sistemas produtivos na qual a agroecologia propiciaria a obtenção de renda com sustentabilidade.

Page 193: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

190

em produção se somaram, a pesquisa reuniu estudantes do Curso Técnico em

Agropecuária e do curso Pedagogia da Terra, ambos em andamento à época.

Além do café e da pimenta-do-reino, principais cultivos econômicos nos

assentamentos, a Rede de Pesquisa também trabalhou com culturas denominadas de

“subsistência”, como milho e feijão e reprodução de variedades de batata e hortaliças

desenvolvidas pela EMBRAPA, segundo os idealizadores, visando a estímulos à

segurança alimentar.

O projeto que possibilitou realizar experimentos, seja nas culturas econômicas

ou nas demais como milho, feijão e hortaliças, com o objetivo de fortalecer a segurança

alimentar, deparou-se com problemas de várias ordens, que foram desde a burocracia

para sua implementação até a falta de entendimento da proposta por parte dos

assentados e técnicos. Foto 2: Rede Nacional de Pesquisa Tecnológica em Agroecologia e Reforma Agrária: agricultores realizando o plantio de adubação verde, na cultura do café, Espírito Santo.

Fonte: CONCRAB/2006.

Se frente aos desafios de geração tecnológica, uma das virtudes da “Rede de

Pesquisa” é a de dar luz à geração e aplicação de ciência e tecnologia na reforma

agrária, por outro lado ela se depara com questões estruturais como a relação dialética

Page 194: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

191

entre tecnologia e poder. A geração de tecnologias sempre operou destituindo de poder

justamente os sujeitos sociais que hoje lutam pela reforma agrária. Um dos impactos

resultantes desse processo foi a desvalorização dos saberes camponeses, saberes esses

que poderiam servir de base para a geração de tecnologias socialmente apropriadas – no

caso, pelos assentados participantes da “Rede de Pesquisa”.

O problema da geração de tecnologia é complexo e não reside apenas nas suas

possibilidades metodológicas serem participativas ou não. Há uma intencionalidade no

desenvolvimento das técnicas que, segundo afirma Milton Santos, mostra as relações de

poder na sociedade. Às corporações não interessa a reprodução social da agricultura

camponesa, mas sim a reprodução do capital. Portanto, mudar a lógica da geração de

tecnologias vai além de promover metodologias participativas, como propõe a “Rede de

Pesquisa”, mas passa pela contestação do modelo tecnocientífico dominante. Para tanto

é que Buttel (1990) defende a importância de centros públicos internacionais de

pesquisas que estejam a serviço da agricultura camponesa, uma vez que as corporações

passam a desenvolver pesquisas e tecnologias de forma privada, ainda que se apoderem

de recursos financeiros e humanos públicos colocando-os sob seus interesses

econômicos.

Os centros de pesquisa estatais, em grande medida, tendem a realizar os

experimentos agropecuários descontextualizando os objetos técnicos, de maneira que os

resultados favoreçam mais àqueles que estão interessados nos ganhos materiais que

possam representar os avanços tecnológicos do que aos que vivem da agricultura, como

é o caso dos camponeses. Esses realizam seus experimentos pela observação sistemática

do meio que conhecem. São conhecimentos não valorizados por sujeitos externos a

estas realidades. Inserir métodos e técnicas de pesquisa de laboratórios ao campo

somente muda o local, mas não a maneira de geração de conhecimentos que seja

importante para, no caso proposto pela Rede de Pesquisa, buscar sistemas produtivos

“mais sustentáveis e rentáveis frente ao esgotamento constatado” dos sistemas de

produção hoje existente nos assentamentos rurais.

À luz da experiência de outras comunidades camponesas, poderíamos fazer um

paralelo desta experiência com as que são desenvolvidas por camponeses com relação à

sistematização de suas experiências, de forma que metodologias como as de “campesino

a campesino” facilitem a troca de experiências e a construção do conhecimento

agroecológico em diversas realidades e a partir da prática dos agricultores. É neste

sentido que programarem experimentos descontextualizados dos conhecimentos e

Page 195: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

192

práticas camponesas, mesmo sendo a partir dos cultivos que realizam, torna-se atividade

não apropriada por estes agricultores, como o que pode ter sucedido na implantação da

“Rede de Pesquisa”.

A identificação e a valorização do conhecimento prático dos camponeses, e

mesmo seu diálogo com conhecimentos teóricos na geração participativa de tecnologia,

como se propunha a Rede Pesquisa, de acordo com Rubio (2002), não podem ser

afastados dos macro-processos de dominação de grupos hegemônicos sobre o agro, de

subordinação e perda de autonomia dos camponeses, tendo importância, na apreensão

do cotidiano vivido pelos sujeitos no território, uma observação que vai do local ao

global numa perspectiva transescalar.

Os sistemas de produção envolvem as experiências dos agricultores de forma

contextualizada espaço-temporalmente a partir de uma trama de redes e ações em

diferentes escalas. Tais escalas de influência direta se dão antes mesmo de o

estabelecimento agrícola ser manejado, uma vez que os sujeitos em questão, nesta

investigação, oriundos da luta pela terra, acumulam experiências anteriores e formas de

representação, sejam elas de cunho técnico-produtivo ou técnico-social, que redefinem

sua experiência.

É desta forma que Caporal, Costabeber e Paulus (2006) afirmam que

as metodologias devem permitir a reconstrução histórica das trajetórias de vida e dos modos de produção, de resistência e de reprodução, assim como o desvendamento das relações das comunidades com o seu meio ambiente. Tais metodologias devem ajudar na identificação e compreensão, individual e coletiva, dos sucessos e insucessos dos estilos de agricultura praticados, assim como a identificação e análise dos impactos positivos e negativos do modelo dominante sobre a comunidade e o seu entorno. Tal observação pode levar aos processos de resistência, de acordo com determinadas opções tecnológicas, levados a cabo pelos agricultores diante de recursos endógenos disponíveis em cada realidade (CAPORAL, COSTABEBER e PAULUS, 2006 p. 15).

Destaca-se assim a valorização do conhecimento autóctone, local ou da

etnociência, como considera Kamp (1991)146, nunca fora do contexto da agricultura

camponesa e dos desafios colocados para a sua reprodução social.

146 No Brasil, algumas publicações foram traduzidas para apoiar e estimular a geração de tecnologia no

âmbito do conhecimento camponês. Assim, a série “Agricultores na Pesquisa” é composta por edições como Chambers R, Richards P, Box L. Agricultores experimentadores e pesquisa. Rio de Janeiro: AS-PTA, 1989 (agricultores na pesquisa, 1); Van der Kamp J, Schuthof P. Geração participativa de

Page 196: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

193

Considerando a “etnociência” como uma forma de não descontextualizar os

objetos técnicos, ampliando com isso o ângulo de análise, antes tido somente a partir da

lógica de cientistas, é possível afirmar que o conhecimento, como forma etnocientífica,

talvez seja um dos poucos recursos na mão dos agricultores hegemonizados no

território, a poder lhes conferir alguma autonomia e capacidade de resistência. É a partir

deste importante instrumento, o saber popular, que estes agricultores, apesar dos apelos

de uma ideologia produtivista, como visto em Buttel (1993), podem desenvolver

experimentações gerando tecnologias apropriadas à sua territorialização.

Sevilla Guzmán, que baseia seu método de pesquisa social na obra do espanhol

Jesus Ibañez, propõe que em uma investigação deve-se compreender toda a

complexidade de processos biológicos e tecnológicos, além dos socioeconômicos e

políticos, chegando-se a três perspectivas de investigação: a ecológico-produtiva, a

socioeconômica de ação local e a sociopolítica de transformação social. Assim, Sevilla

Guzmán, ao se direcionar à observação de sistemas de manejo agroecológico ou em

transição, aponta três perspectivas de questionamento:

(1) Perspectiva distributiva empirista, a perguntar: Como desenvolver o manejo

dos recursos naturais para almejar agroecossistemas sustentáveis? Estes são

desenvolvidos a partir de determinados princípios científicos e culturais que devem ser

compreendidos.

(2) Perspectiva estrutural – metodológica, a perguntar: Por que desenvolver o

manejo dos recursos naturais de dita forma, e não de outra? Quem decide a maneira de

implementá-lo?

(3) Perspectiva dialética – nível epistemológico, perguntar: Para que ou para

quem este tipo de manejo traria benefícios? Que forma de conhecimento permite

realizá-lo?

Para Ibañez (1992), estas perspectivas se integram na construção científica dos

“feitos sociais”, promovendo uma “conquista contra a ilusão do saber imediato”.

Para além das questões metodológicas de apreensão coletiva do conhecimento

camponês para construção do conhecimento agroecológico, podemos apontar outro

desafio à “Rede de Pesquisa” - a opção por cultivos enraizados em determinadas cadeias

produtivas que destituíram de poder e autonomia os camponeses. Isto posto, crescem os

tecnologias: implicações práticas e teóricas. Rio de Janeiro: AS-PTA, 1991 (agricultores na pesquisa, 2); Jouve P. A experimentação no meio camponês. Rio de Janeiro: AS-PTA, 1991. 29p. (agricultores na pesquisa, 3)

Page 197: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

194

desafios para que se possa experimentar tecnologias com base agroecológica sob um

modelo voltado às cadeias produtivas comandadas por corporações. Ao se optar por

cultivos de interesse econômico (em cadeias fechadas pelas corporações) nas áreas de

reforma agrária, como fez a “Rede de Pesquisa”, propicia-se integrar os sistemas

produtivos camponeses ainda mais às ditas corporações, acentuando-lhes a perda de

autonomia e colocando em risco a produção agrícola, ao mesmo tempo em que se leva

ao descrédito a construção de alternativas, como pode ser observado em alguns dos

assentados pesquisados. A geração de tecnologia que favoreça uma transição

agroecológica, segundo seus preceitos, como tratado em capítulo anterior, é limitada

dentro de uma cadeia produtiva para o capital, com poucas corporações no domínio

destas cadeias. A escolha não de um sistema de produção, mas de determinadas

monoculturas em específico, sendo elas basicamente voltadas ao mercado e plenamente

conformadas à utilização de pacotes tecnológicos, como feito na “Rede de Pesquisa”,

faz com que a melhora do processo produtivo, caso exista, reverta favoravelmente não

aos camponeses assentados, mas à agroindústria à qual estão integrados, mantendo a

lógica de dominação no desenvolvimento tecnológico. Desta forma, não importa se as

tecnologias estão sendo geradas em um centro de pesquisa estatal/empresarial ou nas

unidades de experimentação camponesas. É importante que não nos esqueçamos de que

a apropriação capitalista se estabelece também sobre os sistemas de conhecimentos

camponeses, haja vista o polêmico processo de registro de patentes envolvendo

conhecimentos e usos tradicionais.

As experimentações estariam voltadas ao redesenho das atividades produtivas

nos assentamentos rurais, ainda que pudessem ser realizadas em parcelas mínimas e em

cultivos menos impactados pelo capital num primeiro momento, como forma de

promover uma transição a agriculturas mais sustentáveis. Esta lógica já se discute e é

possível perceber junto a alguns camponeses que, após participarem de cursos de

formação e capacitação, principalmente em atividades da Via Campesina, se

sensibilizam para trocar materiais propagativos e experimentar novos cultivos e formas

de manejo em suas áreas por iniciativa própria.

O cara só tinha café e depois que começou a participar das discussões do movimento ele foi no vizinho e pediu semente de quiabo, ele plantou aipim. Se de um dia para o outro ele falar ‘vou ser agroecológico’ ele se ferra, mas se ficar onde está ele não vai resistir, ele tem que dar o próximo passo, a perna tá

Page 198: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

195

pesada, mas tem que dar, mas sozinho não vai dar, se está nos núcleos de base, no movimento ele dá147.

A “Rede de Pesquisa” decorreu de um projeto financiado pelo Ministério de

Ciência e Tecnologia e, segundo avaliam técnicos em campo que acompanharam o

processo, durou o tempo que durou o projeto. As opiniões a este respeito são de várias

ordens, apontando problemas como distanciamento dos agricultores com a proposta da

agroecologia, desinteresse dos técnicos, falta de conhecimento sobre o que seja a

agroecologia e insegurança com relação a possíveis frustrações de safra.

147 Entrevista a representante da Via Campesina, realizada em São Mateus, em agosto de 2010.

Page 199: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

196

Conclusão: agricultura camponesa em contexto de hegemonia da

agricultura de corporações - resistência ou adaptação?

Pudemos distinguir três matrizes tecnológicas hegemônicas diferentes no que

concerne à agricultura de corporações no agro do norte do ES. Uma delas diz respeito

ao que poderíamos representar por uma “matriz fechada” que, no estado, corresponde às

seguintes características: aquisição ou posse de grandes extensões de terras148, na maior

parte das vezes devolutas; conseqüente aumento do preço das terras na região onde os

cultivos são implantados; plantios em monocultivos em grandes propriedades; utilização

de recursos públicos, via BNDES ou políticas públicas de incentivo à produção de

biocombustíveis, no caso da cana; adoção de um pacote tecnológico baseado no uso

intensivo de insumos externos como fertilizantes, agrotóxicos e materiais propagativos

uniformes; sintonia com inovações tecnológicas como a biotecnologia (Biorrevolução);

recurso a um discurso ambiental que justifica não somente os próprios cultivos quando

denominados de “florestas plantadas” e fornecedor de “combustível verde”, mas

também o uso de novas tecnologias como preventivas do aumento de extensão das áreas

produtivas ou de uso de resíduos e dejetos na produção; uso de tecnologias poupadoras

de mão-de-obra, provocando êxodo rural; atuação direta das corporações na cadeia

produtiva - de produção, transformação e comercialização. Esta “matriz fechada” refere-

se à cadeia produtiva da cana e do eucalipto e está no cerne das disputas territoriais, mas

com mecanismos restritivos nos assentamentos rurais - são proibidos quando plantados

para outros usos que não o de fornecer matéria-prima para as corporações.

Outra matriz hegemônica da agricultura de corporações é a que poderíamos

denominar como uma “matriz mista”, envolvendo principalmente o café e a fruticultura.

Ela se caracteriza pelo predomínio de pequenas e médias propriedades, integrando a

agricultura camponesa às corporações; utilização de recursos públicos diretamente para

a agroindústria sob forma de isenções fiscais e financiamentos ou indiretamente pelo

financiamento da produção familiar cujos ganhos são desproporcionalmente maiores

para os setores finais da cadeia; cultivo de produtos destinados ao sistema agroalimentar

(café e frutas); adoção de um pacote tecnológico baseado no uso intensivo de insumos

externos como fertilizantes, agrotóxicos e material propagativo uniforme; uso de

148 Como vimos em Barcelos (2010), há um redirecionamento na espacialidade das plantações arbóreas integrando unidades camponesas de produção à agroindústria, sobretudo na região serrana do ES.

Page 200: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

197

tecnologias poupadoras de mão-de-obra, ainda que em menor medida149 que a “matriz

fechada”; monocultivos em pequenos e médios fragmentos; atuação das corporações no

subsistema de comercialização da cadeia alimentar, envolvendo empresas

intermediárias em escala regional que fazem a ligação entre a corporação e os

camponeses, ou empresas locais e presença das corporações na venda de insumos. Esta

matriz é a base de produção dos assentamentos rurais nos municípios de São Mateus e

Conceição da Barra.

O terceiro tipo de matriz, que chamamos de “difusa”, corresponde às

corporações de venda de fertilizantes e agrotóxicos com atuação local, que beneficiamo-

se de recursos públicos via políticas de financiamento da produção e da assistência

técnica, auxiliar na incorporação do pacote tecnológico que favorece tais corporações ou

mesmo comércios locais de venda de produtos agropecuários que possuem técnicos

agropecuários, agrônomos e veterinários, operando um tipo de “assistência técnica”

privada aos camponeses.

Essa “matriz difusa”, ainda que se apresente de forma sutil nos sistemas de

produção, sem sofrer resistência conforma, como as demais matrizes acima

caracterizadas, uma enorme concentração de poder mundial em poucas corporações,

como vimos no Capítulo 2 desta tese.

No quadro abaixo organizamos os principais cultivos, apontando para as

principais corporações que atuam por trás de cada uma das cadeias produtivas, tanto a

jusante quanto a montante.

Uma outra matriz tecnológica que não hegemônica, mas que expressa a

resistência dos camponeses diz respeito aos sistemas de produção agroecológicos que

estão presentes em várias iniciativas nos assentamentos como vimos.

149 Segundo De’Nadai, Overbeek e Soares (2005), citados por Antongiovanni (2006), enquanto a capacidade de emprego da monocultura de eucalipto é baixa - de 1 emprego direto e indireto para cada 28-37 há - na monocultura do café é alta, o que quer dizer, de 1 emprego/ha na safra até 2 a 3/ha.

Page 201: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

198

Quadro 6: Principais corporações com atuação nos municípios de Conceição da Barra e São Mateus. “matriz fechada” “matriz mista” “matriz difusa” Principais cultivos Eucalipto e cana. Café e fruticultura. Café, fruticultura,

pimenta-do-reino, hortaliças, milho, feijão, cana, eucalipto, outros.

Principais corporações

Aracruz Celulose /Fibria e DISA/Infinity Bio Energy, respectivamente.

Nestlé, no caso do café, e Coca-Cola/ Suco Mais, no caso da fruticultura.

Bayer, Monsanto, Dow Agrosciences, BASF, Bunge/Vale, Mosaic, Yara150.

Organização da autora.

Os cultivos de café (que predominam nos sistemas de produção camponeses em

assentamentos rurais) e a cana (cultivada pelas corporações ocupando a segunda maior

área cultivada nos municípios) estão dentre os cincos cultivos brasileiros que mais

consomem fertilizantes e agrotóxicos. Segundo informações do SINDAG151, em 2009

apenas cinco culturas foram responsáveis por quase 80% das vendas de agrotóxicos no

país. Pelos dados apresentados, “a soja, sozinha, representa 47% da demanda nacional

por agroquímicos, seguida pelo milho e pela cana-de-açúcar, com fatia de 11% e 8%,

respectivamente, o algodão com 7% do mercado e o café com 4%”.

O que há de comum, seja qual for a matriz, é a concentração de poder em um

número limitado de corporações, o que faz com que o poder de decisão nas escolhas

técnicas recaia sobre os interesses do máximo lucro possível das corporações, e não dos

camponeses.

Ao olharmos para os ganhos financeiros desproporcionais a favorecer as ditas

corporações, podemos afirmar que se nos assentamentos rurais verifica-se um processo

de re-territorialização pela democratização da terra e acesso ao trabalho, ao mesmo

tempo. esta terra conquistada não se traduz em conquista de território, uma vez que está

em curso, não desconsiderando a luta de resistência, um processo de campenização no

sentido colocado pelos “campesinistas”, de reprodução das relações capitalistas no agro, 150 No setor de fertilizantes destacam-se a Bunge/Vale, Mosaic (norte-americana, fusão em 2004 da Cargill Crop Nutrition com a IMC Global) e Yara (grupo norueguês, maior empresa global no setor). 151 Página do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para a Defesa Agrícola – SINDAG. Disponível em: http://www.revistacafeicultura.com.br/index.php?tipo=ler&mat=32403&brasil-ganha-destaque-na-industria-de-defensivos- Acesso em 20/06/2010.

Page 202: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

199

ou seja, uma petty commodity production, não por acaso mostrando a efetividade do

“cerco” do modelo tecnológico dominante à agricultura camponesa, outrora des-

territorializada por este mesmo modelo.

Há, contudo, uma persistência do campesinato a evocar uma combinação de

ideias marxistas e chayanovianas, segundo Kay (2001), que não aquelas da reprodução

do capitalismo no campo. Neste sentido, McMichael (2007) aponta novas construções,

como a que reafirma a condição camponesa sob outras bases, ou seja, constituída na luta

contra o capitalismo global, como é o caso citado pelo autor, da Via Campesina ou do

MST no Brasil, que não podem ser desconsideradas.

Tal fato denota, com razão, o esforço do MST no plano político-ideológico no

sentido da revisão da matriz tecnológica dos assentamentos rurais sob sua orientação.

As variáveis presentes nos sistemas de produção que condicionam as escolhas

tecnológicas em prol da agricultura de corporações são, diante da expectativa de

respostas economicistas, tanto por parte dos assentados quanto da sociedade (onde se

dão os embates ou apoios à reforma agrária) maiores que as possibilidades de

resistência que são colocadas, ainda que estas existam e que, muitas vezes, aflorem

iniciativas importantes do ponto de vista da busca de alternativas.

Nesse sentido, desenvolver sistemas produtivos com autonomia dos camponeses,

como propõe a agroecologia, apresenta limitações, embora também perspectivas.

A chamada “coevolução”, em que há interação entre ação social e natureza,

instiga ações agroecológicas para além da mudança introduzida nas técnicas agrícolas.

Estas técnicas compõem os sistemas de produção, porém uma das principais

características das estratégias agroecológicas é o redesenho da paisagem. Ação mais

complexa que a de substituição de insumos, a visão sistêmica de redesenho do sistema

de produção implica mudanças de postura nem sempre fáceis de ocorrer. Assim é que

muitas vezes é possível encontrar experiências cuja preocupação ambiental está

expressa do sistema produtivo, sem sequer se levar em conta que o plantio situado ao

lado utiliza-se de todo um pacote tecnológico que ameaça o próprio desenvolvimento da

agroecologia. Exemplo disto atualmente são os cultivos transgênicos, que contaminam

plantios vizinho, comprometendo experiências agroecológicas de outras regiões. É sob

este entendimento que uma interação promovida a partir de um movimento de massa

organizado pode somar para a criação das condições para uma verdadeira mudança de

postura com relação aos valores ambientais.

Page 203: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

200

Assim, podemos listar, a partir da pesquisa realizada, os principais problemas a

obstar uma transição para práticas agroecológicas nos assentamentos rurais:

1 – dificuldades na formação de técnicos atuantes na reforma agrária que, a

partir do ensino agrícola de nível médio e superior, são formados segundo a lógica

dominante, tanto cientifica quanto tecnicamente reproduzindo a adoção de pacotes

tecnológicos;

2 – os programas de extensão rural, da forma como são desenhados, não

possibilitam o desenvolvimento de metodologias que permitam a construção do

conhecimento agroecológico;

3 – não há uma valorização da agricultura camponesa - vista como atrasada e

resistente às modernizações – de modo a que técnicos, políticas públicas, sistemas

agroalimentares, corporações, pesquisa e demais institucionalidades resistam à

modernização industrializante;

4 – presença de atividades agrícolas que impedem outras de se desenvolver

devido às externalidades negativas que produzem, implicando em disputas territoriais e

conflitos pelo acesso desigual aos recursos naturais;

5 – primazia da dimensão econômica e imediatismo dos assentados;

6 – operação dos elos pelos quais o modelo se torna dominante: formação de

profissionais em universidades comprometidas com a ciência instrumentalista e voltada

às corporações, assistência técnica ao crédito, agências financeiras, legislações

sanitárias, debilidade no acesso a terra e interesses das corporações na agricultura tanto

na venda de insumos quanto na compra de matéria-prima;

7 – entendimentos por parte dos dirigentes do MST de que recompor a paisagem

é papel do Estado, uma vez que “quem degrada é o latifúndio”; o Estado desapropria

sem cobrar deles os custos da degradação ambiental, não cabendo aos sem-terra pagar a

conta do latifundiário;

8 – baixa capacidade de desenvolver alternativas ou mesmo métodos de

sistematização de experiências existentes, embora isoladas nos assentamentos.

Como potencialidades observadas, podemos, por outro lado, listar:

1 – forte atuação do movimento de massa de luta pela terra, democratização,

acesso ao uso e diversidade social e biológica na ocupação do solo;

2 – investimentos realizados em cursos, campanhas e estruturas organizativas;

3 – articulações em redes em diferentes escalas;

Page 204: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

201

4 – adoção de políticas públicas de produção e aquisição de alimentos;

5 – ensino agrícola realizado nas escolas do MST, tratando dos princípios de

uma agricultura de base ecológica;

6 – lutas por terra e território que propiciam parcerias como aquelas

estabelecidas pelas organizações que compõem a Via Campesina;

7 – ainda que os mecanismos da Revolução Verde estejam presentes nos

assentamentos, estes últimos não estão na era da Biorrevolução porque não fazem uso

das biotecnologias, como os cultivos transgênicos (os quais, inclusive, combatem);

porém, a Biorrevolução pode comprometer no médio prazo a sua reproducão por

externalidades negativas geradas ao ser utilizada para intensificar os danos sentidos com

relação aos cultivos de cana e eucalipto alinhados, ou mesmo promotores de tais

tecnologias – isso tem impacto na luta pelo território que é travada pelos movimentos

sociais;

8 – possibilidades de massificar as experiências extendendo-as a um número

maior de famílias assentadas, inclusive com o aporte de políticas públicas como os

créditos iniciais de implantação de assentamentos rurais;

9 – o enfrentamento político travado pelo MST contra alguns dos mecanismos

de dominação que podem ocasionar maiores impactos nos sistemas de produção

camponeses (como exemplo, a cana e o eucalipto) e a construção de uma nova

sociedade, tal como propõem, são ações de resistência às experiencias orgânicas

reducionistas com fins unicamente econômico-ecológicos em detrimento do que sejam

as experiências agroecológicas a integrar outras dimensões, como a sociopolítica. Este

entendimento contribui para uma ação em prol da segurança alimentar em detrimento da

produção somente atendendo a um nicho de mercado elitizado nas cidades, que nem

sempre provê segurança alimentar do ponto de vista do acesso aos alimentos.

Para concluir, buscou-se aqui problematizar a realidade dos assentamentos

rurais, a busca por alternativas aos modelos tecnológicos dominantes e os desafios

colocados à organização dos sem-terra tais como o de:

[...] Promover uma agricultura diversificada, rompendo com a monocultura, buscando promover uma agricultura sustentável, em bases agroecológicas, sem agrotóxicos e transgênicos, gerando uma alimentação saudável. Que este novo modelo produtivo gere também uma nova base alimentar e novas formas

Page 205: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

202

de consumo, equilibrada e adequada aos ecossistemas locais e culturalmente adequada [...] Não será permitido atuação de empresas estrangeiras no controle da produção e comércio de alimentos e sementes152·. [...]

[...] Defender as sementes nativas e crioulas. Lutar contra as sementes transgênicas. Difundir as práticas de agroecologia e técnicas agrícolas em equilíbrio com o meio ambiente. Os assentamentos e comunidades rurais devem produzir prioritariamente alimentos sem agrotóxicos para o mercado interno153 [...]

O que nssoa pesquisa mostrou, porém, é a dificuldade deste Movimento levar a

contento tais diretrizes. As observações empíricas aqui reunidas mostram as

contradições do processo e os imensos desafios que se abrem para as organizações e

movimentos sociais envolvidos na luta pelo “caminho camponês”.

152 MST - Nossa proposta de Reforma Agrária Popular - Linhas políticas reafirmadas no IV Congresso Nacional (8 de julho de 2009).

153 Carta do 5º Congresso Nacional do MST (8 de julho de 2009).

Page 206: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

203

Referência

ABRAMOVAY, R. Paradigmas do capitalismo agrário em questão. UNICAMP, Campinas, 1992. ______. Agricultura familiar e capitalismo no campo. In: STÉDILE, J. P. A questão agrária hoje. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1994: 94-104. ACSELRAD, H. Território e poder – a política das escalas. In: FISCHER, T. (Org.) Gestão do desenvolvimento e poderes locais: marcos teóricos e avaliação. Salvador: Casa da Qualidade, 2002. ______. O movimento de resistência à monocultura do eucalipto no Brasil - discussão comparativa com os casos a África do Sul e da Tailândia – Projeto de Pesquisa, IPPUR/UFRJ, 2003. (texto digitado) ______. (org.). Conflitos Ambientais no Brasil. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2004. ______. Tecnologias sociais e sistemas locais de poluição. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 12, n. 25, p. 117-138, jan./jun. 2006. ACSELRAD, H.; HERCULANO, S.; PÁDUA, J. A. (org.). Justiça Ambiental e Cidadania. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2004. ACSELRAD, H.; MELLO, C. C. A.; BEZERRA, G. N. O que é Justiça Ambiental. Rio de Janeiro: Garamond Universitária, 2009. ACSELRAD, H.; BEZERRA, G. Desregulação, deslocalização e conflito ambiental: considerações sobre o controle de demandas sociais. In: ALMEIDA, A. W. B. et al. Capitalismo globalizado e recursos territoriais. Rio de Janeiro: Lamparina, 2010. ALENTEJANO, P. Reforma Agrária, território e desenvolvimento no Rio de Janeiro. Tese. Rio de Janeiro, CPDA/UFRRJ, 2003 ______. Os movimentos sociais e o agronegócio no espaço agrário brasileiro. 2008. Apresentação na X Conferência de Geografia Agrária – PUC, Rio de Janeiro. (texto digitado)

Page 207: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

204

ALIER, J. M. De La economia ecológica al ecologismo popular. Nordan Comunidad/ICARIA. Montevideo/Barcelona, 1995. ALMEIDA, A. W. B. Agroestratégias e desterritorialização: direitos territoriais e étnicos na mira dos estrategistas dos agronegócios. In: ALMEIDA, A. W. B. et al. Capitalismo globalizado e recursos territoriais. Rio de Janeiro: Lamparina, 2010. ALMEIDA, J. Tecnologia “moderna” versus tecnologia “alternativa”: a luta pelo monopólio da competência tecnológica na agricultura. Programa de Pós-Graduação em Sociologia Rural. UFRGS - Porto Alegre, 1989. ______. Definindo as agrobiotecnologias: um modelo de análise da arena biotecnológica. Revista Brasileira de Agroecologia/out. 2007 Vol. 2, n. 2. p. 419-423. ALMEIDA, W. G.; BERGAMASCO, S. M. P. P. Meio Ambiente e questão agrária. Revista da ABRA. São Paulo. Ano 20 n°s 1, 2 e 3, abril a dezembro de 1990. ALTIERI, M. Agroecología – Bases científicas para una agricultura sustentable. Montevideo: Nordan-Comunidad, 1999 ______. Agroecologia: a dinâmica produtiva da agricultura sustentável. 5ª ed. – Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004. ______. La agroecología como alternativa sostenible frente al modelo de agricultura industrial. Realidad Económica 229 1º de julio/15 de agosto de 2007. P. 75 a 93 AMMANN, Safira B. Ideologia do desenvolvimento de comunidade no Brasil. 6. ed. São Paulo: Cortez Editora, 1987. ANDRADE, Thales de. Intersecções entre o ambiente e a realidade técnica: contribuições do pensamento de G. Simondon. Ambiente & Sociedade, Campinas, n. 8, June 2001. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-753X2001000800006&lng=en&nrm=iso ANTONGIOVANNI, Lidia L. Território como abrigo e território como recurso: territorialidades em tensão em projetos insurgentes no norte do Espírito Santo. Tese de doutorado. Instituto de Geociências, UFF, Niterói, 2006.

Page 208: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

205

ANTONGIOVANNI, Lidia L.; SCARIM, P. C.; SALDANHA, J. C. Projetos coletivos e dinâmicas territoriais na agricultura familiar do norte capixaba: educação do campo e agroecologia. In: CAZELLA, A. A; BONNAL, Philippe; MALUF, R. S. (Org.) Agricultura familiar - multifuncionalidade. Rio de Janeiro: Mauad, 2009. ARAÚJO, F. G. B de. “Identidade”e “Território” enquanto simulacros discursivos. Em: ARAÚJO, F. G. B de, HAESBAERT, R. Identidades e Territórios: questões e olhares contemporâneos. Rio de Janeiro: Access, 2007. ARENDT, H. Sobre a Violência. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994 [1969]. ATLAS DE ECOSISTEMAS DO ESPÍRITO SANTO. IEMA/UFV. Vitória/Viçosa. 2008. BARCELOS, E. A. S. A espacialidade das plantações árboreas e a integração agroindustrial: O Programa Produtor Florestal e seus (im)pactos na agricultura capixaba. PPGEO/UFF. Niterói, 2010. BARNACHEA, Maria; GONZÁLEZ, E.; MORGAN, M. La sistematización como producción de conocimientos. Taller Permanente de Sistematización – CEAAL Lima. 1994. BERGAMASCO, S. M.; NORDER, L.A.C. Assentamentos e assentados no Estado de São Paulo: os debates e as categorias inerentes à constituição dos programas de reforma agrária. In: NEVES, D. P.(Org.) Desenvolvimento social e mediadores políticos. Porto Alegre: UFRGS, 2008. BERNARDO NETO, J. Pequenas propriedades rurais e estrutura fundiária no Espírito Santo: uma tentativa de entendimento das particularidades capixabas. Monografia DPGEO/UFES, Vitória, 2009. BERSTEIN, H. Is there an agrarian question in the 21st century? Canadian Journal of Development Studies, 27 (4). Toronto, 2006. p. 449-460. BINKOWSKI, P. Conflitos ambientais e significados sociais em torno da expansão da silvicultura de eucalipto na “metade sul” do RS. Dissertação de Mestrado em Desenvolvimento Rural. UFRGS: 2009. 212 pp. BLOCH, M. La Historia Rural Francesa: Caracteres originales. Barcelona: Editorial Crítica, 1978. p. 479-485.

Page 209: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

206

BOURDIEU, P. O Poder Simbólico. 7a. ed. Ed. Bertrand Brasil, Rio de Janeiro, 2002 BORGES, J. L. MST: do produtivismo a agroecologia. I Seminário Nacional Sociologia e política. UFPR. Curitiba, 2009. BRANDÃO, C. O campo da economia política do desenvolvimento: o embate com os ‘localismos” na literatura e nas políticas públicas contemporâneas. Em: ______. Territórios e Desenvolvimento: as múltiplas escalas entre o local e o global. Ed. Unicamp. Campinas, SP, 2007. p. 35-45 ______. Acumulação primitiva permanente e desenvolvimento capitalista no Brasil contemporâneo. Em ALMEIDA, A. W. B. et al Capitalismo globalizado e recursos territoriais. Ed. Lamparina, Rio de Janeiro, 2010. BRASIL, Lei 11.105 de 24 de março de 2005. Regulamenta os incisos II, IV e V do § 1o do art. 225 da Constituição Federal, estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados, cria o Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS, reestrutura a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio, dispõe sobre a Política Nacional de Biossegurança – PNB, revoga a Lei no 8.974, de 5 de janeiro de 1995, e a Medida Provisória no 2.191-9, de 23 de agosto de 2001, e os arts. 5o, 6o, 7o, 8o, 9o, 10 e 16 da Lei no 10.814, de 15 de dezembro de 2003, e dá outras providências. D.O.U, Brasília, 28/03/2005. BRASIL DE FATO. Edição especial Deserto Verde. Ano 4, n° 166. São Paulo, maio de 2006. BUTTEL, F. H; KENNEY, M.; KLOPPENBURG Jr. Geração e aplicação de tecnologia nos países em desenvolvimento: o papel dos Centros Internacionais de Pesquisa Agrícola (CIPAs). Cad. Dif. Tecnol., Brasília, 7(1/3): 113-132. Jan-dez-1990. ______. Ideología e tecnología agrícolas no final do século XX: Biotecnología como símbolo e substância. Ensayos FEE, Porto Alegre (14) 1: 303-322, 1993. ______. Environmentalization and greening: origins, processes and implications. In: HARPER, S. (ed.) The greening of rural policy: international perspectives. London: Belhaven Press. 1993 a. ______. Transiciones agroecológicas en el siglo xx: análisis preliminar. Agricultura y Sociedad. 74:9-37, 1994

Page 210: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

207

BRITTO PEREIRA, M. C.; SILVA, L. C. BRITO, J. F. Uso da terra a partir do enfoque agroecológico: reforma agrária e meio ambiente. Resumos do II Congresso Brasileiro de Agroecologia. Rev. Bras. Agroecologia, v.2, n.1, fev. 2007. p. 1629-1632 CALAZANS, M. Agricultura, identidade e território no Sapê do Norte quilombola. Revista Agriculturas, v.7- n. I. março de 2010, Rio de Janeiro, 2010. p. 7-12 CALDART, R. S. Pedagogia do Movimento Sem-terra: escola é mais do que escola. 2° Ed. Ed. Vozes. Petrópolis, 2000. CANAVESI, F. Concepções da sustentabilidade em assentamentos rurais do Pontal do Paranapanema –SP. Dissertação de Mestrado. CPDA/UFRRJ. 2002. CANUTO, J.C. Agricultura Ecológica en Brasil: Perspectivas socioecológicas. Tesis. ISEC/Universidad de Córdoba. España, 1998. CAPORAL, F. R. Bases para uma nova ATER pública. Brasília: MDA/ SAF/ DATER, 2003. ______. Agroecologia: uma nova ciência para apoiar a transição a agriculturas mais sustentáveis. In: FALEIRO, F. G.; FARIAS NETO, A. L. (Org.). Savanas: desafios e estratégias para o equilíbrio entre sociedade, agronegócio e recursos naturais. Brasília: Embrapa Cerrados, 2008, v. 1, p. 895-929. CAPORAL, F. R; COSTABEBER, J. A.; PAULUS, G. Agroecologia: matriz disciplinar ou novo paradigma para o desenvolvimento rural sustentável. In: CONTIN, I. L.; PIES, N.; CECCONELLO, R. (Org.). Agricultura familiar: caminhos e transições. Passo Fundo: IFIBE, 2006. p. 174-208. (Praxis, 5). CARVALHO, Cynthia; MALAGODI, E. Campesinato agroecologia e desenvolvimento territorial: um novo modo de acessar políticas públicas. XIII CBS. Recife, maio/junho de 2007 CARVALHO, H. J. A; BRUSSI, A J. E. Entre as pedras e as flores da terra. In: Revista Lua Nova n° 63 São Paulo. CEDEC, 2004. CARVALHO, H. M. Tecnologias socialmente apropriadas: muito além da semântica. Revista Brasileira de Tecnologia, Brasília, v.16 (3), mai/jun 1985.

Page 211: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

208

______. (Org.) Sementes patrimônio do povo a serviço da humanidade. São Paulo: Expressão Popular, 2003. CHAUÍ, M. Convite à filosofia. São Paulo: Ed. Ática, 1994. CHRISTOFFOLI, P. I. OLIVEIRA FILHO. J. A. C. Rede de Pesquisa Tecnológica em Agroecologia da Reforma Agrária: concepção e estruturação. In: Reforma Agrária e Meio Ambiente. Ano I n° 1 novembro, 2006. CHRISTOFFOLI, P. I. ; FAGUNDES, L. F. Rede Nacional de Pesquisa Tecnológica em Agroecologia e Reforma Agrária. Relatório Final. CONCRAB. Brasília, 2006. 207 p.(Texto digitado) CHRISTOFFOLI, P. I. O processo produtivo capitalista na agricultura e a introdução dos organismos geneticamente modificados: o caso da cultura da Soja Roundup Ready (RR) no Brasil. Tese de doutoramento. CDS/UnB, 2009. CIANDRINI, Fernanda. A natureza do/no MST. Dissertação. UFRG, Rio Grande, 2010. COWAN ROS, C. Mediação e conflito: lógicas de articulação entre agentes de promoção social e famílias camponesas, no norte da Província de Jujuy, Argentina. Em: NEVES, D. P. (Org.) Desenvolvimento social e mediadores políticos. Ed. UFRGS, 2008. P 99-128 CORRÊA, Ciro; MONTEIRO, Denis. O MST e a Campanha Sementes Patrimônio dos Povos à serviço da Humanidade. In: Revista Agriculturas – experiências em Agroecologia – Revalorizando a agrobiodiversidade, vol. I n° 1 LEISA, nov. 2004. CORRÊA, Ciro. MST en marcha hacia la agroecología: una aproximación a la construcción histórica de la agroecologia en el MST. Tesis UNIAAM/UCO. Baeza/Córdoba.2007 ______. MST sembrando diversidad construyendo la soberanía en los asentamientos de Reforma Agraria. Disponível em: http://www.biodiversidadla.org/content/view/full/10227 acesso em 13/11/2007.

Page 212: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

209

COSTA GOMES, J. C.; ROSENSTEIN, S. A geração do conhecimento na transição agroambiental: em defesa da pluralidade epistemológica e metodológica na prática científica. Cadernos de Ciência e Tecnologia. Vol. 17, p. 29-57, 2000. COSTA GOMES, J. C.; MEDEIROS, C.A.; GOMES, G.C.; REICHERT, L.J. A estação experimental Cascata e a construção da base científica da agroecologia. Revista Agriculturas: Pesquisa em Agroecologia: diálogo de saberes no desenvolvimento local – LEISA Brasil, Rio de Janeiro. v.3 - n°4 – dezembro de 2006. COSTA NETO, C.; CANAVESI, F. C. Sustentabilidade em assentamentos rurais: o MST rumo à reforma agrária agroecológica no Brasil? |In: ALIMONDA, H. (Org). Ecología Política Naturaleza, sociedad y utopía. Buenos Aires: Clacso, 2003, p. 203-215. COSTA NETO, C. Relações entre agronegócio e agroecologia no contexto do desenvolvimento rural brasileiro. In: FERNANDES, B. (Org.) Campesinato e agronegócio na América Latina: a questão agrária atual. São Paulo: Expressão Popular, 2008. CRUZANDO o Deserto Verde. Documentário. Texto e direção de Ricardo Sá. Espírito Santo/Bahia, 2002. DVD, 56 min. NTSC, son, color. Idioma português, sem legendas. CUPANI, Alberto. A tecnologia como problema filosófico: três enfoques. scientiæ zudia, São Paulo, v. 2, n. 4, p. 493-518, 2004. CURADO, F. F. “Esverdeando” a Reforma Agrária: atores sociais e sustentabilidade ambiental em assentamentos rurais no estado de Goiás. UnB: Tese (Doutorado). 2004 ______. A sustentabilidade ambiental na reforma agrária. SIMPAN, Corumbá, 2004 a. DAGNINO, R.; BRANDÃO, F. C.; NOVAES, H. T. Sobre o marco analítico-conceitual da tecnologia social In: Fundação Banco do Brasil (2004) Tecnologia Social: uma Estratégia para o Desenvolvimento. Rio de Janeiro: Fundação Banco do Brasil, 2004. Disponível em: http://www.ige.unicamp.br/site/publicacoes/138/Sobre%20o%20marco%20anal%EDtico-conceitual%20da%20TC.pdf . Acesso em: 16/08/2009.

Page 213: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

210

DAGNINO, R.; NOVAES, H. O Fetiche da Tecnologia e a Visão Crítica da Ciência e Tecnologia: Lições Preliminares. III encontro de investigadores latino-americanos de Cooperativismo, São Leopoldo, 2004 a. D'ÁVILA, Renata A. O princípio da função socioambiental da propriedade rural e a desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária. Monografia (Especialização em Desenvolvimento Sustentável e Direito Ambiental). UnB/CDS, Maio 2005. 59 p. DESMARAIS, Annette A. La Vía Campesina: globalization and the power of peasants. Fernwood Books, 2007. DIAS, R.; DAGNINO, R. A Política Científica e tecnológica brasileira: três enfoques teóricos, três projetos. Curitiba, Revista de Economia, 2007. Disponível em: http://www.ige.unicamp.br/gapi DOM da Partilha. Documentário, Produção e Direção Cecília Figueiredo. Rio de Janeiro, 2004 - 2006. DVD, 17 min. NTSC, son, color. Idioma português, sem legendas. EMBRAPA Florestas. Sistemas de produção n° 4. ISSN 1678-8281. Versão eletrônica. Agosto de 2003 ESTERCI, N.; VALLE, R. S. T. (Orgs) Reforma agrária e meio ambiente. ISA, São Paulo, 2003. ETC Group - Action Group on Erosion, tecnology and concentration. Oligopólio S.A 2005 concentración del poder corporativo. N° 91 noviembre/diciembre, 2005. ______. ¿De quién es la naturaleza? El poder corporativo y la frontera final en la mercantilización de la vida. Comuniqué n. 100, noviembre, 2008. Disponível em www.etcgroup.org. Acesso em julho de 2009. FABRINI, J. E. Movimentos sociais no campo e outras resistências camponesas. In: PAULINO, E. T; FABRINI, J. E. Campesinato e territórios em disputa. São Paulo: Expressão Popular, 2008. FEARNSIDE, P. M. Questões de posse da terra como fatores na destruição ambiental na Amazônia brasileira: o caso do sul do Pará. INPA, Manaus, 2003.

Page 214: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

211

FEDER, E. Campesinistas y descampesinistas. Tres enfoques divergentes (no incompatibles) sobre la destrucción del campesinado. Comércio Exterior. V. 27. num. 12. México, 1997. p 1439 a 1446. FEENBEG, A. Critical Theory of Technology. New York: Oxford University Press, 1991. FEENBERG, Andrew. O que é a Filosofia da Tecnologia? Conferência pronunciada para os estudantes universitários de Komaba, Japão, junho, 2003, sob o título de “What is Philosophy of Technology?”. Tradução de Agustín Apaza, com revisão de Newton Ramos-de-Oliveira. Em: http://www-rohan.sdsu.edu/faculty/feenberg/oquee.htm. Acesso em 11/08/2009. ______. Teoria Crítica da Tecnologia: um panorama. Disponível em: http://www.sfu.ca/%7Eandrewf/feenberg_luci.htm. acesso em 11/08/2009. ______. Racionalização Subversiva: Tecnologia, Poder e Democracia, 2008. Coletânea de Filosofia da Tecnologia. Coletânea de artigos, capítulos e textos em português da obra de Andrew Feenberg, Tradução de Anthony T. Gonçalves. Disponíveis em: http://www-rohan.sdsu.edu/faculty/feenberg/ FERMENT; GILLES; ZANONI, M.; BRACK, P.; KAGEYAMA, P.; NODARI, R. Coexistência: o caso do milho. Brasília: MDA, 2009. FERNANDES, B. M.; STÉDILE, J. P. Brava Gente: a trajetória do MST e a luta pela terra no Brasil. São Paulo: Perseu Abramo, 1999. FERNANDES, B. M. A questão agrária no limiar do século XXI. 15º ENGA. Goiânia: UFG, 2000. ______. A Formação do MST no Brasil. Petrópolis: Ed. Vozes, 2000 a. FERRARI, A. Convergência Tecnológica: um novo paradigma em ciência e tecnologia? In: Convergência Tecnológica num mundo desigual: meio ambiente, saúde, trabalho e sociedade. Caderno Böll. Heinrich Böll Stiftung, Rio de Janeiro, 2008. FERREIRA, S. R. B. Da fartura à escassez: a agroindústria de celulose e o fim dos territórios comunais no extremo norte do ES. Dissertação, Geografia USP, São Paulo, 2002.

Page 215: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

212

______. “Donos do lugar”: a territorialidade quilombola do Sapê do Norte-ES. Tese. UFF, Niterói, 2009. FIGUEIREDO, C. M. Cultivando identidades - A semente crioula e a invenção do camponês na “Campanha das Sementes” do MST. Dissertação. IFCH/UERJ. Rio de Janeiro, 2006. FOUCAULT, M. Microfísica do Poder. Ed. Graal, 20° edição. Rio de Janeiro, 2004. GARCIA, A. A Sociologia rural no Brasil: entre escravos do passado e parceiros do futuro. Sociologias, Porto Alegre, ano 5, nº 10, jul/dez 2003, p. 154-189 GIARRACCA, N. Territorios en disputa: los bienes naturales en el centro de la escena. Realidad económica 217 1º de enero/15 de febrero 2006. págs 51 a 68. GIULIANI, G. M. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-terra e a questão ecológica. Revista da Universidade Rural, Série Ciências Humanas. Seropédica. Vol. 19/21, nº 1/2, 1999. p. 69-84. GLASS, Verena. A ciência segundo a CTNBio. Revista Sem Terra, edição 59 (novembro/dezembro de 2009). Páginas 9 a 14. Disponível em: http://www.mst.org.br/sites/default/files/A_ciencia_segundo_a_CTNBio_REVISTA SEMTERRA.pdf , acesso em 06/12/2009. GLIESSMAN, S. R. Agroecologia: processos ecológicos em agricultura sustentável. Ed. da Universidade. Porto Alegre: UFRGS, 2000. GOODMAN, D.; SORJ, B.; WILKINSON, J. Da lavoura às biotecnologias: agricultura e indústria no sistema internacional. Rio de Janeiro: Campus, 1990. GOHN, M. G. Movimentos sociais e redes de mobilizações civis no Brasil contemporâneo. Petrópolis: Ed. Vozes, 2010. GONÇALVES, M. T. Nós da madeira: mudança social e trabalhadores assalariados das plantações florestais nos Vales do Aço/Rio Doce de MG. Doutorado. CPDA/UFRRJ. 2001.

Page 216: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

213

GUAZZELLI, M. J.; PEREZ, J. (Orgs) Nanotecnologia: a manipulação do invisível. Novas Tecnologias. Centro Ecológico, 2009. GUÉRIN-MARCHAND, C. Manipulações genéticas; tradução Catarina Dutilh Novaes. Bauru: EDUSC, 1999. HABERMAS, J. Técnica e ciência como “ideologia”. Lisboa: Edições 70, 1968. HACKBART, H. Novo Modelo. Jornal O Globo. Rio de Janeiro, 10 de novembro de 2008. HAESBAERT, R. O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” à multiterritorialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007. ______. Dos múltiplos territórios à multiterritorialidade. I Seminário Nacional sobre Múltiplas Territorialidades. Porto Alegre: UFRGS, 2004. HARVEY, D. A acumulação via espoliação. In: ______. O novo imperialismo. São Paulo: Loyola, 2004. HECHT, S. La evolución del pensamiento agroecológico. In: ALTIERI, M. Agroecología – Bases científicas para una agricultura sustentable. Montevideo: Nordan-Comunidad, 1999. HOBBELINK, H. Biotecnologia: muito além da Revolução Verde. Porto Alegre, 1990. ______. La biotecnologia y el futuro de la agricultura mundial. Montevideo: Nordan-Comunidad, 1992. HUGUES, L. Tecnociência e os valores do Fórum Social Mundial. In: LOUREIRO, I. M.; CEVASCO, M. E.; CORRÊA LEITE J. (Ed.). O espírito de Porto Alegre. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 2002. p. 123-47 IBAÑEZ, Jesus. Perspectivas de la investigación social: El diseño en las tres perspectivas. In: GARCÍA FERANDO, M. et al. (comp.) El análisis de La realidad social. Alianza Universidad, Madrid, 1992.

Page 217: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

214

KAGEYAMA, P. O crescimento da transgenia chega aos eucaliptos. Entrevista ao IHU em 05/03/2010. Acesso em: http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=30318. KAMP, J. van der; SCHUTHOF, P. Geração participativa de tecnologias. Rio de Janeiro: AS-PTA, 1991. KAY, C. Los paradigmas del desarrollo rural en América Latina in: F. García Pascual, ed., El mundo rural en la era de la globalización: incertidumbres y potencialidades. X Coloquio de Geografía Rural de España de la Asociación de Geógrafos Españoles. Madrid, 2001. pp. 337-430 KELLNER, D. (Ed.) Tecnología, guerra e facismo: coletânea de artigos de Herbert Marcuse. São Paulo: UNESP, 1999. KLOPPENBURG, J. R. First the Seed. The political economy of plant biotechnology (1492-2000). Second Edition. The University of Wisconsin Press. Wisconsin -USA, 2004. LANG, C. Árvores geneticamente modificadas: a ameaça definitiva para as florestas. Tradução: María Isabel Sanz. São Paulo: Expressão Popular, 2006 LEITE, S. Seis comentários sobre seis equívocos a respeito da reforma agrária no Brasil. Revista NERA, ano 8. n. 9 julho/dezembro 2006. Presidente Prudente. P. 144-158. LEITE, S.; MEDEIROS, L. S. Assentamentos rurais: mudança social e dinâmica regional. Rio de Janeiro: Mauad, 2004. LEITE, S. et al. (Org.) Impacto dos assentamentos: um estudo sobre o meio rural brasileiro. Estudos NEAD n°6. Ed. UNESP. São Paulo, 2004. LEITE, S. P.; ÁVILA, R. V. El sentido de la reforma agrária en los procesos de desarrollo: por una critica a los límites de la visión economico-reducionista y al modelo de modernización agrícola. In: FERNANDES, B. (Org.) Campesinato e agronegócio na América Latina: a questão agrária atual. São Paulo: Expressão Popular, 2008.

Page 218: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

215

LEROY, J. P.; PACHECO, M. E. L. Reforma agrária e meio ambiente: a construção de uma nova territorialidade. Proposta n° 99 dez/fev de 2003/2004 LOBINO, C. F. As entidades associativas não governamentais e o monocultivo do eucalipto no ES. Dissertação. IPPUR/UFRJ, Rio de Janeiro, 2008. 201 p. LOPES, J. S. L. (Coord.) A ambientalização dos conflitos sociais – participação e controle público da poluição industrial. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2004. LOPES, J. B.; GARCIA, D. P. Reforma Agrária, População e Meio Ambiente. Novos Estudos CEBRAP, n° 67 nov 2003. LUZZI, N. O debate agroecológico no Brasil: uma construção a partir de diferentes atores sociais. Tese CPDA/UFRRJ, Rio de Janeiro, 2007. MACHADO, A. T. Construção de um novo paradigma científico. In: SOARES, A. C. et al. (org.) Milho crioulo: conservação e uso da biodiversidade - Rio de Janeiro: ASPTA: 1998. 185p, p.135 a 137. MACHADO, R. Por uma genealogía do poder. In: Foucault, M. Microfísica do Poder. 20.ed. Rio de Janeiro: Ed. Graal, 2004. MALUF, R. Elevação no preço dos alimentos e o sistema alimentar global. OPPA n. 18 CPDA/UFRJ abril 2008. MARACCI, Marilda. Progresso da morte, Progresso da vida: a reterritorialização conjunta de Tupiniquins e Guaranis na luta pela retomada de seus territórios, Espírito Santo – Brasil. Tese de Doutorado em Geografia, Universidade Federal Fluminense, 2008. MARCUSE, H. Algumas implicações sociais da tecnologia moderna. In: KELLNER, D. (Ed.) Tecnologia, guerra e facismo: coletânea de artigos de Herbert Marcuse. São Paulo: UNESP, 1999 [1941]. MARCUSE, H. Ideologia da sociedade industrial. Rio de Janeiro: Zahar, 1967.

Page 219: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

216

MARTIN, D.; GOMEZ, C.; TEUBAL, M. La reforma agraria en América Latina desde los movimientos sociales. XXVI Congreso Asociación Latinoamericana de Sociologia. ALAS, México, 2007. MARTINS, J. S. Os camponeses e a política no Brasil. Petrópolis: Ed. Vozes, 1981. ______. Reforma agrária: o impossível diálogo. São Paulo: Edusp, 2000. MARTINS, P. R. (Coord.); PREMEBIDA A.; DULLEY R. D.; BRAGA, R. Revolução invisível: desenvolvimento recente da nanotecnologia no Brasil. São Paulo: Xamã VM Ed., 2007. MAZOYER, M.; ROUDART, L. História das agriculturas do mundo: do neolítico à crise contemporânea. Lisboa: Instituto Piaget, 1997/1998. MAZOYER, M. Defendiendo al campesinado en un contexto de globalización. FAO/ONU, 2001. MAZZETTO, S. C. Sustentabilidade ambiental e gestão do uso da terra em assentamentos de reforma agrária In: AMÂNCIO, R. (org.). Gestão em assentamentos e poder público. Lavras, 1998. MAZZETTO, S. C. Análise agroambiental de imóveis para uma reforma agrária sustentável. IICA. Brasília, 2002 McMICHAEL, P. Reframing development: global peasant movements and the new agrarian question. Canadian Journal of Development Studies. Revista NERA, ano 10, n° 10, jan/Jun de 2007. p. 57 a 71. MENDONÇA, S. R. Agronomia e poder no Brasil. Rio de Janeiro: Vício de Leitura, 1998. ______. A política de cooperativização agrícola do Estado brasileiro (1910 – 1945). EdUFF. Niterói, 2002. ______. Educação, poder e política no Brasil: o ensino agronômico entre 1930 e 1961. Ciências Letras, n. 37 p 179-204, Porto Alegre, jan/jun 2005.

Page 220: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

217

______. A nova hegemonia do patronato agrário brasileiro: da organização das cooperativas brasileiras à Associação Brasileira de Agribusiness. Antítese – marxismo e cultura socialista, Goiânia-GO, n. 2., maio de 2006, p. 11-29 ______. O papel dos técnicos estadunidenses na ressignificação da educação rural no Brasil (1945-1961). IV Simpósio Nacional Estado e Poder: Intelectuais. UEMA, São Luis, 2007. 14p. ______. Estado e educação rural no Brasil: alguns escritos. Ed. Vicio de Leitura e FAPERJ. Niterói/Rio de Janeiro, 2007 a. ______. Estado e ensino agrícola no Brasil: da dimensão escolar ao extensionismo - assistencialismo (1930-1950). Em: ______. Estado e educação rural no Brasil: alguns escritos. Ed. Vicio de Leitura/FAPERJ. Niterói/Rio de Janeiro, 2007b. p. 55-77 MOONEY, P. R. O século 21: erosão, transformação, tecnológica e concentração do poder empresarial. São Paulo: Expressão Popular, 2002. NASCIMENTO, H. M. Questão ambiental e problema agrário brasileiro um contraponto a hipótese do fim da questão agrária. XIII CBS, Recife, 2007. NAVARRO, Z. Ideologia e economia: formatos organizacionais e desempenho produtivo em assentamentos rurais – o caso do assentamento ‘Nova Ramada’ (Estado do Rio Grande do Sul, Brasil). XIX Encontro Anual da ANPOCS, Caxambú, 1995. ______. Sete teses equivocadas sobre as lutas sociais no campo, o MST e a reforma agrária. SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 11(2) 1997. p. 86 a 93. ______. MST: decifrar é preciso. UFRGS, Programa de Pós - graduação em Desenvolvimento Rural, Maio de 2000. (texto digitado) ______. Mobilização sem emancipação – as lutas sociais dos sem-terra no Brasil. Em: SANTOS, Boaventura de Sousa (org). Produzir para viver. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002, p. 189-232. NEVES, D. P. Agricultura familiar: questões metodológicas. Reforma Agrária, Campinas, v. 25, n. 2, p. 21-36, 1995.

Page 221: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

218

______. O desenvolvimento de uma outra agricultura: o papel dos mediadores sociais. In: FERREIRA, A. D. D.; BRANDENBURG, A. (Org.) Para pensar outra agricultura. Curitiba: Ed. UFPR., 1998. p. 147-168. ______. Campesinato e reenquadramento sociais: os agricultores familiares em cena. Revista NERA Presidente Prudente. Ano 8 nº 7 p. 68-93. Jul/dez 2005. ______. Agricultura familiar: quantos ancoradouros! In: FERNADES, B. M.; MARQUES, M. I. M.; SUZUKI, J. C. Geografia Agrária teoria e poder (Org.) Ed. Expressão Popular, 2007. P. 211- 270. OLIVEIRA, A. U. A geografia agrária e as transformações territoriais recentes no campo brasileiro. In: CARLOS, A. F.i A. (Org.). Novos caminhos da geografia. São Paulo: Contexto, 2001. p.63-110. PAULINO, E. T. Territórios em disputa e agricultura. In: PAULINO, E. T.; FABRINI, J. E. Campesinato e territórios em disputa. São Paulo: Expressão Popular, 2008. PELAEZ, V.; MELO, M.; HOFMANN, R.; HAMERSCHMIDT, P.; MEDEIROS, G.; MATSUSHITA, A.; TEODOROVICZ, T.; MOREIRA, F.; WELINSKI, J.; HERMIDA, C. Monitoramento do mercado de agrotóxicos. Departamento de Economia, UFPR, 2010. PENGUE, W. A. Agricultura industrial y transnacionalización en América Latina. ¿La transgénesis de un continente? Serie Textos Básicos para la Formación Ambiental.n.9. PNUMA/FAO, 2005. PEREIRA, J. M. M. Neoliberalismo, políticas de terra e reforma agrária de mercado na América Latina. In: SAUER, S.; PEREIRA, J. M. M. (org.). Capturando a terra: Banco Mundial, políticas fundiárias neoliberais e reforma agrária de mercado. São Paulo: Expressão Popular, 2006. PERKINS, J. H. Science and the Green Revolution, 1945-1975. In: ______.Geopolitics and the Green Revolution. Wheat, Genes, and the Cold War. Oxford University Press. New York, Oxford, 1997. PICCIN, M. B.; PICOLOTTO, E. L. A luta e o processo de gestão de novos conhecimentos: agricultores Sem-terra e a agroecologia. XIII CBS, Recife, 2007.

Page 222: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

219

PICCIN, M.; PICOLOTTO, E. L. Movimentos camponeses e questões ambientais: positivação da agricultura camponesa? Revista Extensão Rural, DEAER/PPGExR – CCR – UFSM, Ano XV, n° 16, Jul – Dez de 2008. PINTO, R. G. O poder da critica: um estudo sobre a relação empresa e movimentos sociais. Dissertação. IFCS/UFRJ. 2010. PLOEG, J. D van der. Camponeses e impérios alimentares: lutas por autonomia e sustentabilidade na era da globalização; tradução Rita Pereira – Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2008. PORTO-GONÇALVES, C. W. A Globalização da natureza e a natureza da globalização. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. RAFFESTIN, C. Por uma geografia do poder, São Paulo: Ática, 1993. RESISTIR e Saber Cuidar. Documentário. Direção Cecília Figueiredo, Produção Triângulo Produções. Rio de Janeiro, 2006. DVD, 20 min. NTSC, son, color. Idioma português, sem legendas. RIBEIRO, A. C. T. A natureza do poder: técnica e ação social. Apresentado na mesa-redonda “Comunicação e Redes de Poder em Saúde”, 2º Congresso Brasileiro de Ciências Sociais em Saúde, São Paulo, dezembro de 1999. RIBEIRO, S. Producción agroecológica de los "Sem Terra" en Brasil: semillas de esperanza. Disponível em: http://www.biodiversidadla.org/content/view/full/5017. Acesso em 13/11/07. RIFKIN, J. O século da biotecnologia: a valorização dos genes e a reconstrução do mundo. Tradução Arão Sapiro. São Paulo: Makron Books, 1999. RUBIO, Blanca. La exclusión de los campesinos y las nuevas corrientes teóricas de interpretación. In: Protestas, resistencias y movimientos sociales. Nueva Sociedad, n° 182 Caracas, Nov dec 2002. P. 21-33. RUEDA, L. I. Investigación y evaluación cualitativa: bases teóricas y conceptuales. Atención Primária. Vol 23 n° 8. Barcelona, mayo 1999. P. 496-502.

Page 223: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

220

SABOURIN, E. Camponeses do Brasil, entre a troca mercantil e a reciprocidade. Rio de Janeiro: Garamond Universitária, 2009. SANTOS, Laymert G. Politizar as novas tecnologias - O impacto sócio-técnico da informação digital e genética. São Paulo: Ed. 34, 2003. ______. Quando o conhecimento tecnocientífico se torna predação high-tech: recursos genéticos e conhecimento tradicional no Brasil. In: SANTOS, B. S. (org.). Semear outras soluções: os caminhos da biodiversidade e dos conhecimentos rivais. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Edusp, 2002. ______. Técnica, espaço, tempo: globalização e meio técnico-científico informacional, São Paulo: HUCITEC, 1994. SAQUET, M. Campo-território: considerações teórico-metodológicas. Revista Campo- Território, n.1, v.1, Uberlândia, 2006. Disponível em: http://www.campoterritorio.ig.ufu.br/viewissue.php?id=1. Acesso em: 04/10/2009. ______. Abordagens do conceito de território na história recente da geografia moderna. In: VII Encontro Nacional da ANPEGE, 2007, Niterói - RJ. Anais - VII Encontro Nacional da ANPEGE. Niterói-RJ. UFF/ANPEGE, 2007. p. 1-13. SCARIM, P. C. Territorialidades em conflito na construção do espaço agrário capixaba: o desenvolvimento em questão. Tese. UFF. Niterói, 2009 SCHMITT, Claudia J. Luta pela terra e conflito sócio-ambiental: o desmatamento da Fazenda Anoni. In: Conflitos Sócio-ambientais no Brasil. Vol. 2 IBASE, Rio de Janeiro, 1995. SHIVA, Vandana. Science and Politics in the Green Revolution. In: ______. The Violence of the Green Revolution: Third World Agriculture, ecology and politics. Londres: Zed Book, 1991. ______. Monoculturas da mente: perspectivas da biodiversidade e da biotecnologia. São Paulo: Ed. Gaia, 2003.

Page 224: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

221

______. Ingeniería genética y seguridad alimentaria. Em: ______. Cosecha robada: el secuestro del suministro mundial de alimentos. Barcelona: Paidós, 2003 b. SEVILLA GUZMÁN, E.; GONZÁLEZ DE MOLINA, M. (eds.). Ecología, campesinado e historia. Madrid: La Piqueta, 1993. SEVILLA GUZMÁN, E. La Agroecologia como estrategia metodológica de transformación social. Disponível em: http://www.agroeco.org/brasil/material/ EduardoSevillaGuzman.pdf. Acesso em nov 2006. SEVILLA GUZMÁN, E.; GONZÁLEZ DE MOLINA, M.; CASADO G. Introducción a la agroecología como desarrollo rural sostenible. Madrid: Mundi-Prensa, 2000. SILVA, J. G. A modernização dolorosa: estrutura agrária, fronteira agrícola e trabalhadores rurais no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. SILVA, M. A. D.; MIZIARA, F. Sustentabilidade de assentamentos de reforma agrária em Goiás. XIII Congresso Brasileiro de Sociologia. Recife, 2007. SIMONDON, G. El modo de existencia de los objetos técnicos. Prometeo libros, Buenos Aires, 2007. SOUZA, A. P.; PIZETTA, A. J.; GOMES. H.; CASALII, D. A Reforma Agrária e o MST no Espírito Santo: 20 anos de lutas, sonhos e conquistas de dignidade. MST, Vitória, novembro de 2005. SPAROVEK, G. A qualidade dos assentamentos da reforma agrária brasileira. São Paulo: Páginas e Letras, 2003. TEUBAL, M.; RODRÍGUEZ, J. Agro y alimentos en la globalización: una perspectiva crítica. Buenos Aires: La Colmena, 2002. TOLEDO, V. La racionalidad ecológica de la producción campesina. In: SEVILLA GUZMÁN, E.; GONZÁLEZ DE MOLINA, M. Ecología, campesinado e historia. Madrid: La Piqueta, 1993.

Page 225: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

222

VAINER, C. Lugar, região, nação, mundo: uma leitura histórica do debate acerca das escalas da ação política. Conferência pronunciada em setembro de 2005. IPPUR/UFRJ ______. As escalas do poder e o poder das escalas: o que pode o poder local? Anais do IX Encontro Nacional da ANPUR, RJ, 28 de maio a 1 de junho de 2001. VEIGA, J. E. Delimitando a agricultura familiar. Revista Reforma Agrária, nº 25 Campinas, ABRA, p 128-141, 1995. VELHO, O. Capitalismo autoritário e campesinato. São Paulo: Difel, 1974. VERACEL no Abril Vermelho do MST. Documentário. Direção de Carlos Pronzato. Bahia, 2004. DVD 40 min. NTSC, son, color. Idioma português, sem legendas. VERAS, M. M. Agroecologia em assentamentos do MST no Rio Grande do Sul: entre as virtudes do discurso e os desafios da prática. Dissertação de mestrado em agroecossistemas. UFSC, Florianópolis, 2005. VIEIRA, F. B. Dos proletários unidos à globalização da esperança: um estudo sobre articulações internacionais de trabalhadores. Tese IPPUR/UFRRJ, Rio de Janeiro, 2008. Cap 4 Via Campesina. Pág 130 a 178. VIGNATTI, M. A. P. De “coisa de pequeno burguês” para um debate relevante: a trajetória ambiental do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-terra (MST) – 1984/2004. Dissertação. UCB. Brasília, 2005. WANDERLEY, M. N. B. A Agricultura familiar no Brasil: um espaço em construção. In Revista da ABRA, nº 2/3, V. 25, mai-dez, 1995 WANDERLEY, M. N. B. Agricultura familiar e campesinato: rupturas e continuidade. Estudos Sociedade e Agricultura (UFRRJ), Rio de Janeiro, v. 21, p. 42-61, 2004. WANDERLEY, M. N. B. O agricultor familiar no Brasil: um ator social da construção do futuro. In: PETERSEN, P. (Org) Agricultura familiar camponesa na construção do futuro. Rio de Janeiro: ASPTA, 2009: 33-45 WAKEFORD, T. Democratising technology – Reclaiming science for sustainable development. ITDG, U.K. 2004.

Page 226: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

223

WEID, J. M. von der. Projetos em Tecnologia alternativa. Revista Proposta, n° 27 Rio de Janeiro FASE, nov -1985 p. 10-11. WEZEL, A.; BELLON, S.; DOR´E. T.; FRANCIS, C.; VALLOD, D.; DAVID, C. Agroecology as a science, a movement and a practice. A review. Agronomy for Sustainable Development. 2009; 29:503-15. WILKINSON, J.; VILELA M. U. Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária e a inovação agroindustrial. p. 215-225. 2002 WINNER, L. Do Artifacts have Politics? In: ______. The Whale and the Reactor – A Search for Limits in an Age of High Technology. Chicago: The University of Chicago Press. 1986. p. 19-39. Tradução de Fernando Manso. Disponível em: http://geccom.incubadora.fapesp.br. WITTMAN, H. Agrarian Reform and the Environment: Fostering Ecological Citizenship in Mato Grosso, Brazil. Canadian Journal of Development Studies 29, nos. 3–4 (2010): 281–298 WOLFF, E. Encarando o poder: velhos insights, novas questões. In: FELDMAN, B.; RIBEIRO, G. L. Antropologia e Poder, Ed.UnB, Ed.Unicamp, p. 325-343. ZAMBRANO, C. V. Territorios plurales, cambio sociopolítico y gobernabilidad cultural. Boletim Goiano de Geografia, Instituto de Estudos sócio-ambientais/Geografia. Universidade Federal de Goiás, vol. 21, n° 1. jan-jul, 2001. Análise documental ANCA. A agroecologia como alternativa. Brasília, 2002. ______. Receitas para a agricultura alternativa biofertilizantes e adubos líquidos fortificantes de plantas e defensivos naturais. Brasília, 2002. ______. A viagem das sementes - sementes patrimônio dos povos a serviço da humanidade. Cartilha. 2002. ______. Milho orgânico. Produção orgânica de semente em casa. Brasília, 2002. MST/SPCMA– Setor de Produção, cooperação e meio ambiente. Matriz das experiências ambientais do MST nos estados. Documento em construção apresentado no seminário meio ambiente e reforma agrária. Brasília, junho de 2004.

Page 227: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

224

______. Elementos para elaboração de uma estratégia para os assentamentos de reforma agrária no atual contexto da luta de classes. Março de 2005. 12 p. (texto digitado) ______. Seminário sobre concepção e ações em agroecologia no MST. Relatório. Guararema, 21 a 23 de agosto de 2005. ______. Seminário Nacional para monitoramento e avaliação da implementação dos CIMAs. Relatório. 28 de junho a 01 de julho de 2005. São Paulo. ______. Plano Nacional de Florestas em áreas de reforma agrária do Brasil. Produzido pela Frente de Meio Ambiente. Março de 2005. 15 p. (texto digitado) ______. Construindo o Programa ambiental do MST para reforma agrária. agosto de 2006. 15 p. (texto digitado) ______. Balanço político da cooperação no MST: caminho percorrido e seus limites. Texto apresentado por Adalberto Martins no seminário sobre a organização dos assentamentos e a cooperação no MST. Abril de 2006. 10 p. (texto digitado) ______. Um novo impulso para a organização dos assentamentos e da cooperação. Texto apresentado no seminário sobre a organização dos assentamentos e a cooperação no MST. Abril de 2006. 10 p. (texto digitado) ______. Síntese do debate no Seminário da Cooperação e Formas de assentamentos. Planejamento 2007 a 2011. 5 p. (texto digitado) CARVALHO, H. M. As contradições internas no esforço de cooperação nos assentamentos de reforma agrária do MST (período 1989-1999). In: CONCRAB. A evolução da concepção de cooperação agrícola do MST (1989 a 1999). Caderno de Cooperação Agrícola n° 08. São Paulo, 1999. CONCRAB. Assentamentos: construir uma nova estrutura social no meio rural. In: Reforma agrária: por um Brasil sem Latifúndio, documento base IV Congresso Nacional do MST. Brasília, 2000. ______. O agronegócio X agricultura familiar e a reforma agrária. Caderno da CONCRAB. Brasília, 2004. ______. Projeto Rede Nacional de pesquisa tecnológica em agroecologia e reforma agrária, Brasília novembro de 2004. ______. A evolução da concepção de cooperação agrícola do MST (1989 a 1999). Caderno de Cooperação Agrícola n° 08. São Paulo, 1999. ______. Sistema Cooperativista dos Assentados. Cadernos de cooperação n° ______. Resgate das atividades de 2005 - Frente de Meio Ambiente do SPCMA (subsídio para elaboração do relatório do PAES no que se refere ao Fomento à agroecologia) 1ª aproximação – 24 de janeiro de 2006.

Page 228: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

225

______. Rede nacional de pesquisa tecnológica em agroecologia e reforma agrária. Brasília, novembro de 2004. CHRISTOFFOLI, P. Rede de Pesquisa Tecnológica em Agroecologia. Construindo a Agenda de Pesquisa nas URPs. CONCRAB. EMBRAPA/CONCRAB. Programa de pesquisa em agrobiodiversidade e agroecologia visando a sustentabilidade da agricultura familiar e da reforma agrária. 2004. INCRA/COOPTRAES. Plano de recuperação do assentamento Valdício Barbosa dos Santos – Conceição da Barra/ES, Janeiro de 2005. ______. Plano de recuperação do assentamento Vale da Vitória – São Mateus/ES, janeiro de 2005. ______. Plano de recuperação do assentamento Pontal do Jundiá – Conceição da Barra/ES, junho de 2007. ______. Plano de recuperação do assentamento Paulo Vinha– Conceição da Barra/ES, janeiro de 2005. ______. Plano de recuperação do assentamento Juerana – São Mateus/ES, janeiro de 2005. ______. Plano de recuperação do assentamento Zumbi dos Palmares – São Mateus//ES, outubro de 2006. INCRA. II Plano Regional de Reforma Agrária do Espírito Santo. Paz, Produção e Qualidade de Vida no Meio Rural. Vitória-ES, fevereiro de 2004. MST. MST e o meio ambiente (proposta para debate interno sobre as linhas políticas para o meio ambiente no MST. Documento básico para III Congresso Nacional do MST). 1995. ______. Cadernos de Saúde e Meio Ambiente. 2004. VIA CAMPESINA. Documento de la III Conferencia Internacional de Via Campesina. Biodiversidad y recursos genéticos. Tlaxcala, México. 04/10/2000. ______. A luta contra os transgênicos: subsídios para militância. Brasília, 2003. ______. Subsídios para implantar a Campanha das Sementes. Brasília, 2003. ______. Declaración de la IV conferencia de La Via Campesina. Itaici, Brasil, 19/06/2004. ______. Carta de Maputo. V Conferência Interncaional da Via Campesina. Maputo, Moçambique.19-22/10/2008

Page 229: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

226

______. Documentos políticos de La Vía Campesina. Yacarta, maio de 2009. 222 p. http://www.viacampesina.org/downloads/pdf/policydocuments/POLICYDOCUMENTS-SP-FINAL.pdf acesso em 18/08/2010. REDE NACIONAL DE PESQUISA TECNOLÓGICA em Agroecologia e Reforma Agrária. Ficha de identificação de experiências em agroecologia. ANA/II ENA, 2006.

Page 230: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

227

ANEXO A: PESQUISA EXPLORATÓRIA

A “ambientalização” da luta pela reforma agrária: a atuação do MST ROTEIRO PARA ENTREVISTA – Setor Produção, Cooperação e Meio Ambiente –

SPCMA

Número de entrevistadas do MST/ Setor de Produção, Cooperação e Meio Ambiente: 7

Data de realização: junho de 2007

Considerações iniciais sobre as entrevistas:

Para respeitar as diferenças de atuação das dirigentes e captar as singularidades de

cada história de vida, serão realizadas entrevistas semiestruturadas. O roteiro abaixo será orientador, com perguntas básicas que nortearão o diálogo, podendo aparecer ao longo da entrevista outros pontos pertinentes que serão tratados conforme conveniência da pesquisa.

Para dar margem ao aparecimento de informações não esperadas, o roteiro está formulado em MOMENTOS.

Haverá momentos que serão mais bem explorados de acordo com as características de cada dirigente entrevistado, ou seja, algumas terão aportes mais fundamentados em algumas questões, em detrimento de outras, que podem não ser abordadas. MOMENTO 1: Identificação de dirigentes Formação anterior Atuação em outras organizações Como iniciou o trabalho com o MST? É/foi assentado/acampado? Sempre atuou no setor? Como foi a trajetória no movimento desde o início do trabalho até hoje? Por quais instâncias passou? Como essas instâncias se transformaram ao longo do tempo? Quais as principais mudanças organizacionais que acompanhou no MST? Quais são as tarefas atuais? MOMENTO 2: Identificação do grupo que participa Participa/participou de algum grupo coletivo de produção? Qual? Pedir para comentar um pouco da experiência, pessoas e outras organizações envolvidas, abrangência, tempo de atividade etc. Se existe, qual a atuação desse grupo (CPA, cooperativa de produção, agroindústria, outros) com relação ao meio ambiente?

• Objetivo momentos 1 e 2: perceber a trajetória das lideranças e a influência de grupos/experiências sobre a formulação de uma questão ambiental no MST, assim como as transformações decorridas da forma de organização do Movimento.

Page 231: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

228

MOMENTO 3: Memória – formação Principais participações em eventos (encontros, congressos, cursos de formação, projetos etc.). (Pedir para comentar brevemente as atividades e indagar sobre a importância para o acúmulo de discussões na organicidade e orientação de estratégias do Movimento para a produção agrícola). Perceber as estruturas pelas quais vão se organizando ao longo do tempo, quais as questões que são apresentadas em cada momento histórico e como o Movimento responde a cada uma delas. Como foi a participação do Movimento em eventos de agricultura alternativa, agroecológicos ou outras redes nacionais e internacionais? MOMENTO 4: Memória - principais lutas Quais foram os momentos mais significativos no trabalho da produção que você tenha conhecimento? Quais os momentos de maiores pressões do Movimento e sobre o Movimento? Caracterizar a conjuntura do momento. Quais foram os desafios apresentados, quais as orientações políticas? Quais as principais lutas e seus resultados? Objetivos: Caracterizar as atividades realizadas e o que elas significaram para chegar na organicidade e ações hoje existentes. MOMENTO 5: Conjuntura atual Qual o papel do MST no que concernem as ações do SPCMA hoje? As questões ambientais estão incorporadas nas ações do MST? Existe a prática agroecológica no MST? Qual o entendimento (do dirigente) sobre as ações ambientais? Esse entendimento é compartilhado pelos demais dirigentes? Quais os fatores que influenciaram ou influenciam o MST a adotar ações ambientais e agroecológicas? Quais são as experiências agroecológicas/ambientais que considera significativa no MST e por quê? Como definiria a questão ambiental no MST, quais seus conceitos e definições? O MST já ocupou área alegando a função social da terra no que se refere à degradação ambiental?

Page 232: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

229

ANEXO B: PESQUISA EXPLORATÓRIA: A “ambientalização” da

luta pela reforma agrária: a atuação do MST ROTEIRO PARA ENTREVISTA – Setor Saúde

Número de entrevistadas do MST/ Setor de Saúde: 2

Data de realização: junho de 2007

Considerações iniciais sobre as entrevistas:

Para respeitar as diferenças de atuação das dirigentes e captar as singularidades de

cada história de vida, serão realizadas entrevistas semiestruturadas. O roteiro abaixo será orientador, com perguntas básicas que nortearão o diálogo, podendo aparecer ao longo da entrevista outros pontos pertinentes que serão tratados conforme conveniência da pesquisa.

Para dar margem ao aparecimento de informações não esperadas, o roteiro está formulado em MOMENTOS.

Haverá momentos que serão mais bem explorados de acordo com as características de cada dirigente entrevistada, ou seja, algumas terão aportes mais fundamentados em algumas questões, em detrimento de outras que podem não ser abordadas. MOMENTO 1: Identificação da dirigente Como iniciou o trabalho com o MST? (Perceber se vem se alguma experiência agroecológica no MST) É/foi assentado/acampado? Sempre atuou no setor? Como foi a trajetória no movimento desde o início do trabalho até hoje? Por quais instâncias organizativas passou? MOMENTO 2: Memória - formação no MST Principais participações (encontros, congressos, cursos de formação, projetos etc.) com relação à questão ambiental ou produtiva nos assentamentos. Procurar entender a formulação da questão da saúde no MST e sua influência sobre as questões tecnológicas, sobretudo no desenvolvimento da agroecologia no Movimento. Quais questões apresentadas em cada momento histórico e como o Movimento responde a cada uma delas. MOMENTO 3: Conjuntura atual Quais são as tarefas atuais do setor? Qual o papel do setor, hoje, com relação às questões ambientais? Que proporção tem esta pauta com relação às tarefas do setor? Como o setor trabalha a questão ambiental na base? Quais são as experiências/ações agroecológicas/ambientais que considera mais significativa e por quê? Como interage com outros setores? As questões ambientais estão incorporadas nas ações do MST? Existe a prática agroecológica no MST? Qual o entendimento (da dirigente) sobre as ações ambientais?

Page 233: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

230

Esse entendimento é compartilhado pelas demais lideranças e dirigentes? Quais os fatores que influenciaram o MST/setor saúde a adotar ações ambientais e agroecológicas?

Page 234: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

231

ANEXO C: Roteiro de observação de sistemas de produção

agrícola157154

Períodos de realização: novembro de 2007; julho – agosto de 2010

Objetivo: levantar as principais características dos sistemas de produção a partir da representação dos agricultores que o manejam; captar não somente as técnicas de produção agropecuária, mas também as técnicas organizacionais presentes em cada sistema de produção; buscar elementos constitutivos do agroecossistema local e regional como apoio de análise.

Seleção dos sistemas de produção agrícola: visitas a sistemas de produção com tipologia construída a partir de entrevistas semiestruturadas com os dirigentes políticos e técnicos do MST.

O objetivo da tipologia é observar a maior diversidade de sistemas agrários possíveis que dê elementos para um método comparativo de análise como:

1 – sistemas convencionais 2 – experiências agroecológicas 3 – sistemas em transição para a agroecologia 4 – experimentação agrícola 5 – sistemas modelo.

Passos de observação:

Elementos biográficos: A partir do diálogo estabelecido com assentados(as), traçar

a trajetória da família, trazendo elementos biográficos que deem condição analítica sobre seus conhecimentos acumulados para o manejo do agroecossitemas. É sabido que as famílias, ao passarem por longos processos de luta pela terra, trazem diferentes experiências que compõem um mosaico social relativo a muitas e variadas especificidades, tendo estas reflexo sobre o manejo nos sistemas de produção. Considera-se o processo de acampamento no qual a “escola” de luta pode influenciar, ou não, as decisões sobre como a família maneja o seu sistema de produção.

Assim, é necessário que esse diálogo inicial trace elementos biográficos, estabelecendo, ainda que de forma breve e objetiva, a trajetória do agricultor e sua família, ou grupo ao qual está associado, e os aspectos históricos a ela relacionados.

Inventário técnico: Um inventário técnico (de quais técnicas se apropriam para o manejo do agroecossistema?) orientará a construção de itinerários técnicos seguindo o principio da relevância para análise, sem perder a complexidade do sistema manejado. Levantar como foram adotadas referidas técnicas e como vêm se transformando.

Itinerários técnicos: Elaborar itinerários técnicos (como realizam as técnicas?) a partir das principais culturas ou dos sistemas de produção. Quais são as culturas? Distinguir

154 Entende-se por sistema de produção o resultado do arranjo de todos os componentes - bióticos e abióticos, de origem local ou externa - reunidos dentro dos limites de um estabelecimento agrícola manejados com a finalidade de permitir ou desenvolver a produção de produtos de origem vegetal (sistema agrícola ou agroflorestal), animal (sistema agropastoril) ou ambas (sistema agrossilvopastoril), conforme definido por Caporal (2003)

Page 235: ficha cat. Flaviane de Carvalho Canavesi - objdig.ufrj.brobjdig.ufrj.br/42/teses/755461.pdf · 2.2.2 Biorrevolução ..... 70 2.3 A concentração de poder e as corporações na agricultura

232

entre aquelas de venda direta e as de uso da família para segurança alimentar (renda não monetária)

A partir do itinerário técnico, indagar sobre a existência de experimentação, parcerias institucionais ou não para o desenvolvimento técnico, se já participou de alguma experiência em parceria com instituições de pesquisa, quais? Descrever. Por que acabou? Perceber as inovações que por ventura existam.

Questões a serem levantadas localmente:

Quem(quais) sujeito(s) envolve(m)? Como se organizam? Principais objetivos da produção agrícola familiar? Estratégias (como atingem objetivos) Componentes (ações)

Dimensões da observação:

Uma transformação na “sensibilidade investigativa”, como sugere Rueda (1999) ao

tratar das bases teóricas e conceituais em pesquisa qualitativa, requer que se observem as dimensões históricas, culturais, política e contextual.

Espaço-temporal: A observação in locu aborda espaço (onde? Qual alcance territorial?) e tempo (há quanto tempo se realiza? Quando começou? Quando acabou?).

Entorno sócio-ambiental: Diferenças edafoclimáticas/ambientais como suporte às análises para diferenciação de ambiente e contextualização das técnicas. Caracterização do agroecossistema e dos diferentes sujeitos sociais, como: corporações, agentes financiadores, ONGs, redes, Estado, mercado etc.

Multidimensionalidade: Observação das multidimensionalidades dos sistemas como aspectos econômicos, políticos, sociais, ambientais e culturais e suas inter-relações.

Georreferenciamento Iconografia