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ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA CLAUDIO ARMANDO FERRAZ CRIME ORGANIZADO: diagnóstico e mecanismos de combate Rio de Janeiro 2012

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Page 1: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA

CLAUDIO ARMANDO FERRAZ

CRIME ORGANIZADO:

diagnóstico e mecanismos de combate

Rio de Janeiro 2012

Page 2: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

CLAUDIO ARMANDO FERRAZ

CRIME ORGANIZADO:

diagnóstico e mecanismos de combate Trabalho de Conclusão de Curso – Monografia apresentada ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia. Orientador: Cel Ex R/1 Ivan Fialho.

Rio de Janeiro 2012

Page 3: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

C2012 ESG Este trabalho, nos termos de legislação que resguarda os direitos autorais, é considerado propriedade da ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA (ESG). É permitido a transcrição parcial de textos do trabalho, ou mencioná-los, para comentários e citações, desde que sem propósitos comerciais e que seja feita a referência bibliográfica completa. Os conceitos expressos neste trabalho são de responsabilidade do autor e não expressam qualquer orientação institucional da ESG _________________________________

Biblioteca General Cordeiro de Farias Ferraz, Claudio Armando

Crime organizado: diagnóstico e mecanismos de combate / Delegado de Polícia Civil Claudio Armando Ferraz. Rio de Janeiro: ESG, 2012.

79 f.

Orientador: CelEx R/1 Ivan Fialho Trabalho de Conclusão de Curso – Monografia apresentada ao

Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia (CAEPE), 2012.

1. Crime organizado. 2. Investigação policial. 3. Inteligência criminal. I.Título.

Page 4: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

Esta monografia é dedicada aos meus filhos e a minha esposa.

Page 5: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

AGRADECIMENTO

Aos estagiários da Turma “Programa Antártico Brasileiro - PROANTAR”, pelo convívio harmonioso de todas as horas.

Ao Corpo Permanente da ESG pelos ensinamentos e orientações. Especialmente, a minha mãe Leila, a minha esposa Cláudia Helena e aos

meus filhos, Ana Carolina e Eduardo Jorge pela compreensão.

Enfim, a todos aqueles que de alguma forma possibilitaram a realização deste trabalho.

Page 6: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

Devemos desconfiar de certezas totalizantes e combater soluções e

responsabilizações ligeiras.

Marcelo Batista Nery

Page 7: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

RESUMO

Considerando que o crime organizado vem se infiltrando em nossa sociedade de

maneira vertiginosa e que o combate a esta criminalidade especializada é uma

árdua tarefa a ser executada pelos responsáveis pela justiça criminal e segurança

pública, contando com a participação de todos os segmentos da sociedade, o

objetivo deste estudo é contribuir com esse esforço desenvolvendo um diagnóstico

sobre a situação do crime organizado no Brasil, em especial no Rio de Janeiro,

seguida de uma análise sobre métodos e propostas de ação visando à prevenção e

repressão a esse fenômeno criminológico. A metodologia adotada comportou uma

pesquisa bibliográfica e documental, visando buscar referenciais teóricos, além da

experiência pessoal do autor. Foram abordadas questões envolvendo o emprego

das mais modernas técnicas de investigação visando à obtenção de provas

criminais, além de iniciativas institucionais testadas no Estado do Rio de Janeiro

para aperfeiçoar sua prevenção e repressão, levadas a cabo pela Polícia Civil,

Secretaria de Segurança, Ministério Público e pelo Tribunal de Justiça. Discorre o

que vem a ser a Inteligência Criminal; emprego de meio eletrônico; operações

encobertas; agentes infiltrados; informantes; proteção a testemunhas ameaçadas;

réu colaborador; força-tarefa; lavagem de dinheiro; quebra de sigilo fiscal, bancário e

investigações patrimoniais. A conclusão indica que, considerando as peculiaridades

do inimigo, o Estado não terá condições de enfrentar este desafio sem inteligência,

ampla reflexão e competente análise. Aponta ainda, para a necessidade do

comprometimento e integração de todos os atores envolvidos no sistema de

segurança pública e justiça criminal, assim como toda a sociedade.

Palavras chave: Crime organizado. Investigação policial. Inteligência criminal.

Page 8: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

ABSTRACT

Given that organized crime has infiltrated our society so agedly and the combat of

this specialized crime is an arduous task to be performed by those responsible for

the criminal justice and public safety, with the participation of all segments of society,

this study aims to contribute to this effort by developing a diagnosis on the state of

organized crime in Brazil, especially in Rio de Janeiro, followed by an analysis of

methods and proposals for action aimed at preventing and combating this

criminological phenomenon. The methodology involved a literature and documentary

review, aiming to seek theoretical frameworks, aside from the author's personal

experience. Addressed issues involving the use of the most modern research

techniques aimed at obtaining criminal evidence beyond institutional initiatives tested

in the state of Rio de Janeiro aiming to improve its law enforcement capability carried

out by the Civil Police, Secretariat of Security, prosecutors and by the Court.

Discusses what becomes of Criminal Intelligence; the employment of electronic

means; covert operations; undercover agents; informants; protection of threatened

witnesses; collaborative witness; task force; money laundering; breach of fiscal

confidentiality; banking and equity research. The conclusion indicates that,

considering the peculiarities of the enemy, the state will not be able to meet this

challenge without intelligence, broader rational and competent analysis. Points,

correspondingly, to the need for integration and commitment of all actors involved in

the public safety and criminal justice systems, as well as the society as a whole.

Keywords: Organized crime. Investigation. Criminal intelligence. Evidence. Money

laundering. Electronic means. Covert operations. Threatened witnesses.

Collaborative witness. Task-force.

Page 9: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADA Amigos dos Amigos

CAC Central de Assessoramento Criminal

CERCO Câmara Estadual de Combate ao Crime Organizado

COAF Conselho de Controle de Atividades Financeiras

COMAQ Comissão de Apoio à Qualidade d o TJRJ

CONDEL Conselho Deliberativo

CV Comando Vermelho

DEPEN Departamento Penitenciário Nacional

DNA Direção Nacional Anti-máfia da Itália

DPF Departamento de Polícia Federal

DRACO/IE Delegacia de Repressão às Organizações Criminosas Organizadas

e de Inquéritos Especiais

FIU Unidade Financeira de Inteligência

FOCCO Força Tarefa de Controle da Criminalidade Organizada

GAECO Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado

GAFI Grupo de Ação Financeira

GNCOC Grupo Nacional de Combate às Organizações Criminosas

IP Inquérito Policial

Lab-ld Laboratório de Tecnologia contra Lavagem de Dinheiro

PCC Primeiro Comando da Capital

PCERJ Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro

PRONASCI Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania

PROVITA Programa de Proteção a Vitimas e Testemunhas Ameaçadas

SEASDH Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos/RJ

SEDH/PR Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da

República

SESEG Secretaria de Estado Segurança do Rio de Janeiro

SNI Serviço Nacional de Informações

SPDE Conselho Nacional de Pesquisa

Page 10: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

STJ Superior Tribunal de Justiça

MP Ministério Público

ONU Organização das Nações Unidas

TC Terceiro Comando

TCP Terceiro Comando Puro

TJRJ Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro

UNDCP Programa das Nações Unidas para o Controle Internacional de

Drogas

UNODC Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes

UPP Unidade de Polícia Pacificadora

Page 11: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................. 12 2 O QUE É CRIME ORGANIZADO? ............................................................... 13 3 CRIME ORGANIZADO TRANSNACIONAL ................................................ 18 4 HISTÓRICO DO CRIME ORGANIZADO NO BRASIL ................................. 20 4.1 O JOGO DO BICHO ..................................................................................... 21 4.2 O TRÁFICO DE DROGAS ............................................................................ 22 4.2.1 Comando Vermelho (CV) ........................................................................... 24 4.2.2 Terceiro Comando (TC) .............................................................................. 25 4.2.3 Terceiro Comando Puro (TCP) .................................................................. 25 4.2.4 Amigos dos Amigos (ADA) ........................................................................ 26 4.2.5 Primeiro Comando da Capital (PCC) ......................................................... 26 4.3 AS MILÍCIAS (CRIMINALIDADE NA POLÍTICA E ENVOLVIMENTO

POLICIAL NO CRIME) ................................................................................. 27 5 MECANISMOS DE COMBATE AO CRIME ORGANIZADO ........................ 31 5.1 MEIOS ELETRÔNICOS ............................................................................... 31 5.1.1 Conceito ...................................................................................................... 32 5.1.2 Modalidades de captação eletrônica de provas....................................... 32 5.1.3 Interceptação Telefônica ............................................................................ 33 5.1.4 Procedimentos práticos de aplicação da Lei ........................................... 34 5.1.5 Natureza Jurídica ........................................................................................ 35 5.1.6 Documentação e valor probante ............................................................... 36 5.1.7 Escuta telefônica ........................................................................................ 37 5.1.8 Interceptação ambiental ............................................................................. 37 5.1.9 Escuta ambiental ........................................................................................ 38 5.1.10 Gravações clandestinas ............................................................................. 38 5.1.11 Gravação de imagens ................................................................................. 40 5.2 OPERAÇÕES ENCOBERTAS ..................................................................... 40 5.2.1 Agentes infiltrados ..................................................................................... 42 5.3 INFORMANTES............................................................................................ 43 5.4 PROTEÇÃO A TESTEMUNHAS AMEAÇADAS ........................................... 46 5.4.1 Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas

(PROVITA) ................................................................................................... 46 5.4.2 PROVITA/RJ ................................................................................................ 49 5.4.3 Seção de Proteção ao Depoente Especial (SPDE) ................................... 49 5.5 RÉU COLABORADOR ................................................................................. 50 5.5.1 Delação premiada ....................................................................................... 55 5.6 OS GRUPOS FORÇA–TAREFA .................................................................. 57 5.7 LAVAGEM DE DINHEIRO ............................................................................ 58 5.7.1 Laboratório de Tecnologia contra Lavagem de Dinheiro (LAB-LD) ....... 61 5.7.2 Quebra dos sigilos fiscal, bancário e financeiro ..................................... 63 5.7.3 Investigações patrimoniais ........................................................................ 64

Page 12: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

6 INTELIGÊNCIA CRIMINAL .......................................................................... 65 6.1 INVESTIGAÇÕES DE REDES COMPLEXAS .............................................. 66 7 MECANISMOS INSTITUCIONAIS ............................................................... 68 7.1 A EXPERIÊNCIA DA DELEGACIA DE REPRESSÃO ÀS ATIVIDADES

CRIMINOSAS ORGANIZADAS E DE INQUÉRITOS ESPECIAIS (DRACO/IE) NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO ........................................ 68

7.2. CENTRAL DE ASSESSORAMENTO CRIMINAL (CAC/TJ/RJ) .................... 70 7.3 CÂMARA ESTADUAL DE COMBATE AO CRIME ORGANIZADO

(CERCO) ...................................................................................................... 71 7.4 GRUPO DE ATUAÇÃO ESPECIAL DE COMBATE AO CRIME

ORGANIZADO (GAECO) ............................................................................. 72 7.5 UNIDADE DE POLÍCIA PACIFICADORA (UPP) .......................................... 73 8 AVALIAÇÃO GLOBAL DOS MECANISMOS .............................................. 75 9 CONCLUSÃO............................................................................................... 78 REFERÊNCIAS ............................................................................................ 80

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1 INTRODUÇÃO

O crime organizado vem se infiltrando, praticamente, em todas as atividades

de nossa sociedade e sua evolução se dá de maneira vertiginosa. Portanto, o

combate a esta criminalidade especializada é uma importante e árdua tarefa a ser

executada pelos responsáveis pela administração pública nas suas diferentes

esferas.

As dimensões do fenômeno do crime organizado são de tamanha

envergadura que seria ingênuo pensar em combatê-lo com estruturas organizativas

pensadas e desenvolvidas quando a criminalidade tinha proporções e periculosidade

incomparavelmente menores que as atuais. Não se pode tratar o crime organizado

como se fosse um crime comum.

Desse modo, o objetivo do presente trabalho é efetuar um diagnóstico sobre

a situação do crime organizado no Rio de Janeiro, muito embora, em grande parte,

os diagnósticos e propostas sejam estendidas para todo o País, assim como efetuar

considerações sobre as principais técnicas de investigação especializadas

(internacionalmente aceitas) para o seu combate; sobre os correspondentes

mecanismos legais que as embasam; e o aparato institucional envolvido.

Não abordaremos, dada a natureza deste trabalho, as doutrinas de emprego

das atividades desenvolvidas e das diversas técnicas especializadas tratadas nesta

monografia.

De acordo com Alexandre de Moraes1: “... o grande desafio no combate à

criminalidade organizada é a necessidade de os poderes públicos investirem na

cooperação policial e judiciária entre as diversas esferas, com a adoção de padrões

instrumentais de combate às organizações criminosas, buscando a diminuição

drástica e necessária da corrupção e da impunidade....”

1 PORTO, Roberto. Crime Organizado e Sistema Prisional. São Paulo: Editora ATLAS, 2007. p.

VIIII.

Page 14: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

13

2 O QUE É CRIME ORGANIZADO?

Em 1989, o Deputado Federal Michel Temer foi relator na Câmara dos

Deputados do Projeto de Lei nº 3516, que versava sobre a utilização de meios

operacionais para a prevenção e repressão ao crime organizado. Nele definia-se

como organização criminosa aquela que, por suas características, demonstrasse a

existência de estrutura criminal, operando de forma sistematizada, com atuação

regional, nacional e/ou internacional.

Em seguida, foi transformado na Lei Ordinária nº 9034/95 que dispõe sobre

a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações

praticadas por organizações criminosas. Davam-se os primeiros passos para a

caracterização de uma organização criminosa.

Diferentemente do projeto que a originou, a Lei nº 9034/95 não definiu o

conceito de crime organizado ou de organização criminosa. Com ele procurou-se

instrumentalizar o combate à ação, praticada por organizações criminosas sem,

contudo, dizer claramente qual o mal a ser combatido.

O legislador não definiu organização criminosa, não definiu através de

elementos essenciais, o crime organizado e nem elencou condutas que constituiriam

crime organizado. Deixou em aberto os tipos penais configuradores do crime

organizado, mas, admitiu, que qualquer delito pudesse se caracterizar como tal,

bastando que decorresse de ações de bando ou quadrilha.

O crime organizado aproveita as carências e as expectativas sociais para

conseguir adeptos: muitos de seus membros tentam fugir da pobreza e obter lucros

e respeito por meio da participação na atividade criminosa proporcionada por esse

tipo de organização.

O crime organizado passou a fazer parte da realidade dos negócios

legítimos, causando diversos efeitos econômicos. É o caso, por exemplo, do

proprietário de um pequeno comércio que deve “pagar seguros”, ou “proteção”, para

um membro de alguma organização criminosa. Esses custos serão repassados ao

consumidor legítimo. Da mesma forma, se o crime organizado tem sucesso em

monopolizar um determinado negócio ou produto, o consumidor deve pagar o preço.

Sua atuação impede e debilita a transição para uma economia de livre

mercado, além de fazer com que os investidores percam o interesse; torna-se um

“custo” a ser considerado em qualquer investimento e, para dominar o cenário

Page 15: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

14

político, emprega sua principal arma: a corrupção. Esta constitui um importante meio

para penetrar nos poderes do Estado.

Definir crime organizado é muito importante, uma vez que ao fazê-lo,

permite-se conhecer quem é o inimigo, quais são as características e, com isso,

controlá-lo. Importante não só do ponto de vista prático, mas, também, legislativo,

porque a lei deve conter essa definição para satisfazer princípios constitucionais

ligados tanto à defesa, no julgamento, quanto a um processo justo.

Apesar do conceito de “crime organizado” não ter sido definido com

precisão, suas principais características são conhecidas:

a) padrão organizativo;

b) racionalidadetipo empresarial visando “cooperação criminosa”: oferece bens e serviços ilícitos (tais como drogas e prostituição) e investe seus lucros em setores legais da economia;

c) utilização de métodos violentos com a finalidade de ocupar posições proeminentes ou de ter o monopólio do mercado (obtenção do máximo lucro sem necessidade de realizar grandes investimentos, redução dos custos e controle da mão-de-obra);

d) usoda corrupção da força policial e do Poder Judiciário;

e) estabelecimento de relações com o poder político;

f) uso da intimidação e do homicídio, seja para neutralizar a aplicação da lei, seja para obter decisões políticas favoráveis ou para atingir seus objetivos.

Devemos estar atentos para que, ao promulgar leis para combater o crime

organizado, é preciso garantir que elas não levem à redução dos direitos e garantias

fundamentais do cidadão, uma vez que todo direito de exceção configura um risco

ao estado democrático de direito. Durante o período dos governos militares, as

principais marcas foram o segredo nas práticas repressivas e a escassa informação

a que o cidadão tinha acesso sobre a tarefa realizada pelas Forças Armadas,

naquele contexto de repressão à subversão e a luta armada.

Quando a democracia retornou, nos anos 80, toda e qualquer instituição que

apresentasse características ou condutas similares àqueles anos recentes era

severamente reprovada. Esses antecedentes fizeram com que o tratamento de

determinados temas se tornasse um pouco sensível.

A desconfiança com respeito a certas atividades do Estado fica evidente nas

críticas à tentativa de legislar sobre determinadas figuras jurídicas, relacionadas com

Page 16: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

15

as investigações, como o uso de informantes e agentes encobertos, ou do

colaborador com a justiça no âmbito do processo penal.

A seguir, um breve relato sobre o crime organizado nos EUA e Itália.

Desde a década de 1970 os “senhores do crime” nos EUA vem sofrendo

uma implacável perseguição. Deste período data o Racketeer Inluenced and Corrupt

Organizations Act, ou RICO. Trata-se do principal estatuto norte americano para o

combate às organizações criminosas e é uma poderosa arma por facilitar o processo

e a prisão de mafiosos.

Além do esforço legislativo, os agentes do Federal Bureau of Investigation

(FBI) ajustaram o foco: do antigo comunismo que predominou entre as décadas de

1950 a 1960, as preocupações voltaram-se para o crime organizado. Quando se deu

conta do poder, da influência e da capacidade de corromper das organizações

criminosas, o FBI mirou fortemente sobre as mesmas. O órgão federal formou

grupos especiais de investigação. Um dos mais famosos casos nos anos 1970

envolveu o agente infiltrado Joseph Pistone. Seis anos de dupla identidade

resultaram no indiciamento de 200 mafiosos e na condenação de 1002.

Hoje a máfia americana se resume a algumas poucas famílias. O declínio

ocorreu em função do impacto do trabalho de inteligência, a modernização de

legislação anticrime e as delações premiadas.

Como toda organização, a máfia tem seu organograma de trabalho. A

estrutura que se tornou mais conhecida foi a da Cosa Nostra nos EUA, com sua

hierarquia clara e centralizada em forma de pirâmide. No topo aparece o chefão, ou

Don, com um conselheiro e um subchefe no andar de baixo. Os capi(chefes),

espécie de tenentes, formam a terceira fileira da hierarquia. Abaixo deles vêm os

soldados, responsáveis pelo trabalho sujo. Na base da pirâmide estão os

"associados" - juízes, policiais, políticos, empresários, traficantes, gigolôs,

assassinos de aluguel e todo tipo de parceiro que possa ser comprado para facilitar

os negócios da máfia.

Porém, essa estrutura vertical e centralizada se tornou incompatível com a

flexibilidade exigida pelos negócios de qualquer organização mafiosa hoje em dia. A

necessidade de diversificação de negócios e de intercâmbio global obrigou o crime

2 MAFIOSOS: os senhores do crime organizado. Revista Super Interessante, s.l.: Abr., 2008 (edição

especial). p. 29.

Page 17: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

16

organizado a operar em rede, como a internet, sem um centro de poder que, uma

vez destruído, acabe destruindo toda a organização.

Resultado, máfias como as italianas, russas e japonesas continuam tendo

uma organização de trabalho, porém, sua estrutura é cada vez mais complexa e

horizontal, bem diferente do esquema clássico de organização da Cosa Nostra

americana.

A vida da máfia na Itália começou a ficar mais difícil a partir dos anos 80.

Naquela época, a organização avançava pelo Estado, atuando em todas as esferas

do poder público. Empresários e políticos dos mais variados escalões faziam parte

do esquema de ameaças, extorsões, assassinatos e corrupção.

A situação tornou-se insustentável. Em 1982, um general do Exército,

Alberto dela Chiesa, assumiu a chefia de polícia da Sicília anunciando: "Só existe

um poder, o do Estado italiano. Não podemos abdicar desse poder em benefício de

criminosos, elementos brutais e desonestos". Chiesa ficou 100 dias no cargo -

acabou fuzilado pela máfia. Seu assassinato chocou tanto o país que uma lei de

combate ao crime organizado foi finalmente aprovada. Associar-se a Cosa Nostra

passou a ser crime3.

Um ano depois, o magistrado Antoni Caponnetto criou o Pool Antimáfia, um

grupo de juízes altamente qualificados que se ocupava exclusivamente dos

processos contra as quadrilhas mafiosas da Itália. O grupo era encabeçado por

Giovanni Falcone e contava com a participação de outros nomes de peso da

magistratura.

O trabalho do grupo culminou no chamado “maxiprocesso”, um julgamento

que levou para trás das grades, de uma só vez, mais de 300 mafiosos, incluindo

Tommaso Buscetta, que falou sobre os meandros da Cosa Nostra e balançou as

estruturas da organização.

Além do poder econômico, a máfia italiana ainda exerce muita influência

sobre a política. Segundo o último relatório da Direção Nacional Anti-máfia (DNA),

publicado em janeiro de 2008, o vínculo entre o crime organizado e o poder público

continua um enorme problema para o Estado italiano. O documento da DNA revela

3 MAFIOSOS: os senhores do crime organizado. Revista Super Interessante, s.l.: Abr., 2008 (edição

especial). p. 21.

Page 18: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

17

que parte considerável dos políticos do sul da Itália ainda se elege graças ao apoio

financeiro da máfia4.

O arranjo político que foi determinante para a ascensão da máfia italiana,

permaneceu protegendo-a até, pelo menos, 1992 (quando ocorreu o assassinato de

do Juiz Giovanni Falcone) – já na década de 20 do século passado a máfia

dominava inteiramente o cenário político e econômico siciliano.

A batalha contra o crime organizado na Itália, nos últimos anos, obteve

sucesso devido aos seguintes fatores:

a) a sociedade manifestou sua disposição de luta contra o crime;

b) a adoção de uma estrutura legal tornou possível essa luta;

c) a existência de um aparato legal para fazer cumprir a lei em todos os níveis;

d) a imprensa foi adequadamente informada sobre o fenômeno e sobre sua sofisticação;

e) a produção de uma quantidade significativa de literatura manteve os cidadãos informados;

f) como parte de seus programas de ensino, as escolas informaram seus estudantes sobre os problemas do crime organizado.

Entretanto, embora a máfia italiana esteja enfraquecida, ainda falta muito

para ser vencida. A facção militar da Cosa Nostra, por exemplo, enfrenta sérias

dificuldades. Trata-se da facção que mata, que promove chacinas, que se expõe

mais, porém, todo o restante da máfia siciliana ainda goza de boa saúde.

4 MAFIOSOS: os senhores do crime organizado. Revista Super Interessante, s.l.: Abr., 2008 (edição

especial). p. 20.

Page 19: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

18

3 CRIME ORGANIZADO TRANSNACIONAL

O crime organizado, na medida em que se constitui um fenômeno complexo,

não é fácil de se definir. Em cada localidade ou país, como resultado de suas

particularidades, se desenvolve de maneira diferente.

O crime transnacional representa uma ameaça instituições

desenvolv ômico, social e cultural da sociedade, assim como

afetando também o

procuram concentrar suas aç ç

preferê ç

ça.

Para a ONU, apesar de ser uma atividade global, os efeitos do crime

organizado transnacional são sentidos localmente, desestabilizando comunidades

regionais e nacionais, prejudicando a assistência ao desenvolvimento nessas áreas

e estimulando o crescimento do mercado doméstico de corrupção, extorsão e

violência.

Nesse contexto, preocupada com o avanço do crime organizado, a ONU

estabeleceu a Convenç ç

Transnacional, adotada em 15 de novembro de 2000. Esta iniciativa imprimiu um

grande avanç

considerado um reflexo do reconhecimento de que a cooperaç

um instrumento essencial para combater tal ameaç

ç das Naç

Transnacional em 2000, mais conhecida como Convenção de Palermo.

Embora a Lei 9.034/95 não tenha definido claramente o que seja crime

organizado, podemos nos valer da definição que consta na Convenção de Palermo,

da qual o Brasil é signatário. Nela entende-se por grupo criminoso organizado, artigo

2°, “a”, qualquer grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum

tempo e atuando com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves

enunciadas na Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um

benefício econômico ou outro benefício material.

Page 20: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

19

O Dr. Gilson Dipp, Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao

comentar sua opinião sobre as varas federais especializadas no processamento de

crimes contra o sistema financeiro e a lavagem de dinheiro da Justiça Federal,

esclareceu o seguinte5:

“......, o Brasil é signatário do Tratado da ONU contra o crime organizado, a chamada Convenção de Palermo. Essa Convenção foi internalizada no nosso sistema jurídico porque foi aprovada pelo Congresso Nacional e retificada pelo Presidente da República, tendo força de lei ordinária. A Convenção de Palermo tem uma descrição, quase que universal, do que seja uma organização criminosa. Então há um grande avanço: primeiro porque ampliou o seu raio de ação; segundo, porque pela primeira vez no Brasil, a competência dessas varas criminais está baseada numa descrição de conceito de organização criminosa que não está no Código Penal, mas numa convenção internacional celebrada pelo Brasil”.

Conforme publicado na “Folha Express”, SÃO PAULO/SP, 16/07/2012,

estima-se, de acordo com o (UNODC), a cifra de mais de US$ 870 bilhões (R$ 1,74

trilhões) como sendo o volume de negócios, por ano, do crime organizado

transnacional. Esse número corresponde a seis vezes o valor oficial de ajuda ao

desenvolvimento ou 7% por cento das exportações mundiais de mercadorias.

Segundo a ONU, as atividades ilícitas mais lucrativas são o tráfico de drogas (US$

320 bilhões) e as falsificações (US$ 250 bilhões). O tráfico de pessoas também

atinge uma soma considerável, US$ 32 bilhões.

De acordo com o diretor-executivo do UNODC, YuryFedotov6:

"O crime organizado transnacional atinge regiões e países de todo o mundo. Deter essa ameaça representa um dos maiores desafios da comunidade internacional".

5 REVISTA da Associação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, ano 1,

n. 03, jun./ago., 2007. p. 26.

6 Disponível em: <http://www.unodc.org/southerncone/pt/frontpage/2012/03/12-UN-drug-chief-calls-for-stronger-cooperation-frameworks.html>. Acesso em: 23 set. 2012.

Page 21: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

20

4 HISTÓRICO DO CRIME ORGANIZADO NO BRASIL

A nossa polícia nasceu com a vinda da família real para o Brasil, em 1808,

marcada pela tarefa de conter potenciais inimigos do poder. No Império, o Estado

delegou a segurança pública à elite privada através da Guarda Nacional. Talvez se

possa localizar aí, na delegação da tarefa de combate ao crime à sociedade civil,

cuja elite agrária recebia patentes de coronel da guarda nacional, acompanhadas da

autorização de mobilizar empregados privados na manutenção da ordem pública,

parte da razão para tolerância com a privatização e informalidade da repressão ao

crime (justiceiros, milícias e sofisticadas empresas de segurança privada).

Voltando no tempo, é possível reconhecer que a abolição da escravatura,

desacompanhada de políticas de inclusão e o progressivo deslocamento do eixo

econômico e demográfico do ambiente rural para o urbano acelerou o processo de

favelização nas zonas urbanas marginais e contribuiu, de certo modo, para a

configuração do atual estágio de violência no Brasil.

O projeto de desenvolvimento industrial adotado no país, apoiado na

substituição de importações, viabilizada por práticas protecionistas, ampliou a

migração do campo para as cidades mantendo o contrabando como atividade

criminosa atraente.

A proibição do jogo na metade do século XX favoreceu o surgimento de

organizações criminosas nos grandes centros urbanos. Enraizou-se nas favelas um

mercado varejista de maconha e, no asfalto, começou a sair de cena a

“malandragem”, tomada como criminosa pelo modo de vida. Ao mesmo tempo a

criminalidade de conduta individual e violenta ganhou visibilidade pela imprensa que

se modernizava, personificadas em bandidos célebres como Cara de Cavalo,

Mineirinho e Lúcio Flávio. Mas a política desenvolvimentista que seguiu seu curso no

pós-guerra favoreceu a continuidade das rotas de contrabando e descaminho que

permanecem ativas até hoje, embora, em grande parte, tenham se deslocado, a partir

dos anos 90, para o tráfico de entorpecentes e de armas, com o desestímulo ao

contrabando de bens de consumo, em decorrência da abertura econômica adotada.

No final dos anos 1980, o noticiário destacava uma violenta disputa pelo

controle do tráfico de drogas. A ampliação do mercado da droga e a repressão aos

distribuidores levou a um incremento nas estatísticas de roubos de carros forte e de

extorsão mediante seqüestro. Os anos 1990, por sua vez, foram marcados por

Page 22: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

21

rebeliões de presos e pelo fortalecimento do vínculo entre as facções de presidiários

e líderes do tráfico das favelas. O “morro” assumiu a intermediação da droga e as

rebeliões levaram ao reconhecimento das facções pelo poder público que passou a

organizar o sistema penitenciário a partir da filiação dos encarcerados a tais grupos.

A falta de uma política habitacional e a instabilidade econômica aguda até a

metade dos anos 90 ampliaram o fenômeno da favelização, com particular

intensidade na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro. Estavam dadas as

condições para que as organizações criminosas passassem a agir com domínio

territorial. Daí para buscar a eliminação de intermediários, procurando fazer com que

seus membros ou parceiros disputassem a ocupação de espaços institucionais,

inclusive pelo voto, viciando profundamente a vontade dos eleitores, foi um passo.

Que eleitor tem meios de resistir à intimidação armada?

O fenômeno não é inédito, pois o artigo 416-bis do CP Italiano que define

associação criminosa de tipo mafioso faz referência expressa às ações que visem

obstruir o livre exercício do direito de voto, ou a utilização de poder intimidatório para

captar votos para si ou para outrem.

O crime organizado é favorecido pela existência de leis antiquadas, vagas,

mal formuladas, parciais, numerosas, complexas e cheias de contradições, que

geralmente não são inspiradas em uma visão sistemática do problema por não se

conhecer profundamente o fenômeno que se visa combater.

Convivemos com algumas modalidades de organizações criminosas,

estabelecidas historicamente em decorrência dos fatores explicitados anteriormente.

São elas:

4.1 O “JOGO DO BICHO”

A primeira infração penal organizada no Brasil do tipo mafioso consistiu na

prática do “jogo do bicho”, iniciada no século XX7. Esse jogo foi o pretexto utilizado

por João Batista Viana Drumond, o Barão de Drumond, para incentivar pessoas a

visitarem o seu zoológico. O jogo do bicho deu origem aos demais grupos, pois

desde sua origem ele tinha organização e leis próprias formando um pequeno

Estado paralelo.

7 BOAS, Fernando Villa. Crime Organizado e Repressão Policial no Estado do Rio de Janeiro.

Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora. 2007. p. 95.

Page 23: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

22

Apesar de sua imensa popularidade e de ser tolerado por muitas

autoridades, o jogo do bicho é considerado uma contravenção no Brasil e as

pessoas que o praticam ou o promovem são passíveis de punição pela Justiça.

Os chefões do jogo do bicho aprenderam a se organizar com o contato

mantido com mafiosos do sul da Itália. Antônio Salamone foi um dos diretores da

Cosa Nostra durante as décadas de 1960 e 1970. Em 1963, depois do massacre de

Ciaculli, quando sua organização matou 07 policiais italianos em um atentado a

bomba, Salamone veio se refugiar no Brasil. No Rio de Janeiro, aliou-se a Castor de

Andrade (morto em março de 1997), então com 37 anos de idade. Da aliança entre

eles, surgia a “máfia” brasileira8.

O jogo de bicho era tido como uma folclórica contravenção, contudo com o

tempo o campo de ação foi sendo ampliado para outras áreas, tornando-se o

símbolo da promiscuidade entre mundo legal e submundo. Este quadro não se deve

apenas à inoperância das autoridades, mas igualmente da sociedade.

Uma disputa sangrenta começou após a morte do capo di tutti capi (chefe de

todos os chefes) no Rio, Castor de Andrade, em março de 1997. Uma das primeiras

vítimas foi o próprio filho do bicheiro, Paulo de Andrade, executado em outubro de

1998. A ganância impulsionou uma matança à moda Corleone e chegou a colocar

em crise o próprio poder da cúpula do jogo, criada no início dos anos 1980,

justamente para evitar embates pelos pontos. Até a situação voltar ao normal, o

massacre no submundo resultou em dezenas de execuções.

Entretanto, os “bicheiros” deslancharam mesmo com a chegada dos “caça

níqueis”. Dos Corleonesi, um dos mais temidos clãs do crime organizado siciliano,

conseguiram as primeiras máquinas que vieram para o Brasil. E, nos últimos anos,

viram seus lucros irem às alturas com os aparelhos de jogatina eletrônica instalados

em cada padaria de quase todas as grandes cidades brasileiras.

4.2 O TRÁFICO DE DROGAS

Nas décadas de 70 e 80, outras organizações criminosas surgiram nas

penitenciárias da cidade do Rio de Janeiro, comandado por líderes do tráfico de

entorpecentes.

8 Mafiosos: os senhores do crime organizado. Revista Super Interessante. s.l.: Editora ABRIL, 2008.

p. 65.

Page 24: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

23

Questão suscitada por Fernando Alves Martins Villas Bôas Filho9, é se existe

no Brasil, e particularmente, no Rio de Janeiro, “crime organizado”, especialmente

no tráfico de entorpecentes. Argumenta-se que o que existe são quadrilhas semi-

organizadas, com estruturas hierárquicas não muito bem definidas, que lutam por

territórios, sem qualquer atividade organizada fora do nível das organizações locais

de venda, pulverizadas em pequenas unidades nas favelas e conjuntos, recrutando

jovens moradores para uma alternativa de trabalho. Esta estruturação e divisão

locais se dão em volta das “bocas de fumo”, sem qualquer indicação de que haja

uma centralização na compra por atacado ou alguma grande organização por trás

deste comércio ilegal.

A articulação que se presume entre os grupos armados nas favelas cariocas,

de fato, não existiria, os “comandos” e seus derivados não arquitetariam e nem

executariam ações planejadas, quando muito, se associariam para adquirir

substâncias proibidas. O que muitos acreditam tratar-se de modalidade de crime

organizado fluminense seria um poder diluído.

Porém, devemos nos atentar para o fato de que ativa o tráfico de armas para

a defesa dos territórios e fomenta uma enorme desverticalização operacional, uma

grande mobilidade, uma grande simplicidade e flexibilidade, dada inclusive pela

terceirização.

Nem todos os envolvidos com as “bocas de fumo” têm que ser mantidos por

ela. Eles são pagos para fazer serviço em algum momento, “terceirizados”. Por outro

lado, não há dúvidas de que fazem parte de uma estratégia criminosa transnacional,

especialmente considerando que não se produz, por exemplo, cocaína no Brasil, e

muito menos no Rio de Janeiro, assim como os milhares de fuzis apreendidos não

são, em sua grande maioria, de produção nacional. A própria movimentação do

dinheiro aplicado nestes negócios ilegais exige uma estrutura bem organizada. De

acordo com Carlos Amorim10: ”Na prática, o governo continua a ver o problema

como uma simples questão policial, quando é um desafio de sobrevivência e de

soberania.”

9 BOAS, Fernando Villa. Crime Organizado e Repressão Policial no Estado do Rio de Janeiro.

Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, 2007. p. 97. 10 AMORIM, Carlos. CV-PCC: a irmandade do crime. 5ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2004. p. 26.

Page 25: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

24

4.2.1 Comando Vermelho (CV)

Com o nome de Falange Vermelha, batizado assim pela própria comunidade

carcerária do Estado do Rio de Janeiro, o CV foi criado entre 1969 e 1975 no Rio de

Janeiro por encarcerados no Instituto Penal Cândido Mendes, conhecido como

Presídio da Ilha Grande ou “Caldeirão do Diabo”, que lutavam contra as condições

sub-humanas que os presos enfrentavam, algumas impostas pelo sistema

carcerário, outras pelos próprios detentos. Especula-se, quanto à origem do CV,

como momento preponderante a reunião de presos políticos com presos comuns na

Galeria B do presídio da Ilha Grande, entre 1969 e 197511. Os presos comuns

haviam sido condenados com base na Lei de Segurança Nacional numa tentativa

por parte do governo militar de equiparar os revolucionários de esquerda a

criminosos.

Apesar de uma convivência por vezes pouco pacífica, foi nascendo um

respeito e admiração por parte dos presos comuns à organização, disciplina e

companheirismo existente entre os revolucionários de esquerda, o que lhes permitia

sobreviver àquele inferno. Os internos da Galeria B, presos comuns e revolucionários,

passaram a partilhar experiências, tendo os presos comuns adquirido, através de

longos encontros, o modus operandi das guerrilhas revolucionárias.

Entre outros ensinamentos que mais tarde se revelaram fundamentais, a

organização interna dos presos contra os abusos das autoridades carcerárias

mostrou ser um dos pilares sustentadores do sucesso desta organização, junto com

a proibição de ataques, roubos ou violência física e sexual entre presos. Uma das

primeiras medidas do CV foi a instituição do “caixa comum” da organização,

alimentado pelos proventos arrecadados pelas atividades criminosas daqueles que

estavam em liberdade, o dízimo.

O dinheiro assim arrecadado serviria não só para financiar novas tentativas

de fuga, mas igualmente para amenizar as duras condições de vida dos presos,

reforçando a autoridade e respeito do CV no seio da massa carcerária.

No início dos anos 80, os primeiros presos foragidos da Ilha Grande

começaram a pôr em prática todos os ensinamentos que haviam adquirido ao longo

11

AMORIM, Carlos. Comando Vermelho. s.l.: Record, 1993. p. 46.

Page 26: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

25

dos anos de convivência com os presos políticos, organizando e praticando

numerosos assaltos a instituições bancárias, algumas empresas e joalherias.

Ainda que os sucessos tenham sido relevantes, os assaltos a bancos eram

extremamente arriscados, pelo que, no final de 1982, muitos daqueles que haviam

sido resgatados da Ilha Grande foram recapturados ou mortos.

A primeira grande ofensiva do CV fora do presídio havia-se revelado uma

derrota parcial. No entanto, uma política de segurança do Estado acabou por se

revelar fundamental na propagação da força e hegemonia do CV pelos presídios

mais importantes do sistema carcerário carioca.

Em vez de isolar os líderes do CV de volta na Ilha Grande, entendeu-se que

seria mais prudente separar a comissão dirigente e colocá-los em diversos presídios,

de modo a desintegrar a organização. Anos mais tarde a mesma tática foi

implementada em São Paulo com efeitos semelhantes, reforçando o poder do PCC

– Primeiro Comando da Capital.

A história revela que esse foi um erro de julgamento de conseqüências

desastrosas. Sinteticamente, seus líderes organizaram e arregimentaram novos

membros para o CV, estendendo e cimentando o poder dentro dos presídios

cariocas. Quando esses líderes foram novamente reunidos na Ilha Grande, a

influência do CV já se encontrava plenamente enraizada e douradora.

4.2.2 Terceiro Comando (TC)

O TC é uma extinta facção criminosa carioca, surgida como contraponto ao

CV nos anos 90. Os detalhes de sua criação ainda são obscuros, mas acredita-se

que tenha surgido a partir da Falange Jacaré, que opunha-se ao CV nos anos

oitenta. Outros consideram que o TC surgiu de uma dissidência do CV e por policiais

que passaram para o lado do crime.

4.2.3 Terceiro Comando Puro (TCP)

O TCP é uma organização criminosa carioca surgida no Complexo da Maré

no ano de 2002, a partir de uma dissidência do TC. Durante a maior parte daquele

ano o TCP permaneceu como uma facção menor, porém após setembro de 2002,

quando Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar liderou uma revolta no

Page 27: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

26

presídio Bangu 1 matando alguns rivais, este rompeu sua aliança com a ADA, e os

traficantes do então TC ou passaram para o lado da ADA, ou migraram para o TCP.

4.2.4 Amigos dos Amigos (ADA)

A facção surgiu dentro dos presídios do Rio de Janeiro durante os anos 90,

braço direito do TC, para diminuir o poderio do CV. Formada por ex-militares das

tropas especiais do Exército e dos Fuzileiros Navais, ex-policiais expulsos das

corporações e traficantes12.

4.2.5 Primeiro Comando da Capital (PCC)

Foi fundado em 31 de agosto de 1993 por oito presidiários, no Anexo da

Casa de Custódia de Taubaté (130 quilômetros da cidade de São Paulo), chamada

de "Piranhão", até então a prisão mais segura do Estado de São Paulo. Durante uma

partida de futebol, quando detentos brigaram e como forma de escapar da punição

pois vários haviam morrido, resolveram iniciar um pacto de confiança. Originou-se de

um time de futebol interno das cadeias, o “Comando da Capital”.

Criado o PCC, um estatuto foi manuscrito: prometiam fidelidade, luta até a

morte pelos direitos jamais respeitados dos detentos. Nas rebeliões, lençóis brancos

apareciam com as três letras do partido do crime. Subestimado pelo governo, criou

raízes em todo o sistema carcerário paulista.

Reunindo a massa carcerária contra o sistema, expondo de maneira radical

a questão da solidariedade entre os presos, inclusive punindo com a morte

eventuais desvios de conduta, os homens do crime paulista reproduziram quase

que literalmente, as conquistas dos presos comuns na Ilha Grande no Rio de

Janeiro. “O inimigo está fora das celas” – a primeira palavra de ordem do CV ecoa

nas prisões paulistas e seu lema – Paz, Justiça e Liberdade – é adotada pela nova

organização.

O PCC, também chamado no início como Partido do Crime, afirmava que

pretendia "combater a opressão dentro do sistema prisional paulista" e "vingar a

morte dos cento e onze presos", em 02 de outubro de 1992, no "massacre do

12 AMORIM, Carlos. CV-PCC: a irmandade do crime. 5ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2004. p. 31.

Page 28: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

27

Carandiru", quando a Polícia Militar matou presidiários no pavilhão 9 da extinta Casa

de Detenção de São Paulo.

Com o objetivo de conseguir dinheiro para financiar o grupo, os membros do

PCC exigem que os "irmãos" paguem uma taxa mensal. O dinheiro recolhido é

usado para comprar armas e drogas, além de financiar ações de resgate de presos

ligados ao grupo.

De acordo com Roberto Porto (Porto, 2007) em São Paulo o PCC é uma

força hegemônica que cresce em grande velocidade representando uma enorme

sedução para jovens criminosos, entretanto, além do PCC, registra-se a existência

do Comando Revolucionário Brasileiro da Criminalidade (CRBC), Comissão

Democrática de Liberdade (CDL), Seita Satânica (SS), Serpentes Negras e Terceiro

Comando da Capital (TCC). No Paraná, Terceiro Comando do Paraná (TCP). Paz,

Liberdade e Direito (PLD) no Distrito Federal, Primeiro Comando Mineiro (PCM) e

Comando Mineiro de Operações (COMOC) em Minas Gerais, os Manos e os Brasas

no Rio Grande do Sul. Em Pernambuco, Comando Norte-Nordeste (CNN), no Rio

Grande do Norte, Primeiro Comando de Natal (PCN), no Mato Grosso do Sul,

Primeiro Comando do Mato Grosso do Sul (PCMS) e Primeiro Comando da

Liberdade (PCL).

4.3 AS MILÍCIAS

Milícias são grupos formados por agentes do Estado, da área da segurança

pública ou militares, que controlam comunidades por meio de extorsão e violências.

Estes grupos parapoliciais atuam com o respaldo de políticos e lideranças

comunitárias locais.

Além da cobrança de tributos de moradores, os milicianos controlam o

fornecimento de muitos serviços, geralmente a preços mais altos, incluindo a venda

de gás, eletricidade e outros sistemas de transporte privado, além da instalação de

ligações clandestinas de televisão a cabo.

Começaram a ser notadas no Estado do Rio de Janeiro a partir da década

de 1970, controlando algumas comunidades da cidade. Um dos primeiros casos

conhecidos é o da favela de Rio das Pedras, na região de Jacarepaguá, onde

comerciantes locais se organizaram para pagar policiais para que não permitissem

que a comunidade fosse tomada por traficantes ou outros tipos de criminosos.

Page 29: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

28

Os primeiros relatos sobre a expansão das forças milicianas descreviam a

milícia como uma forma de segurança alternativa, por oferecer às comunidades a

oportunidade de se livrar da dominação das facções do tráfico. A ação das milícias

começou a ser relatada na imprensa brasileira em 2005, quando o jornal O Globo

denunciou grupos que cobravam pela segurança, marcando símbolos de trevos de

quatro folhas, pinheiros, entre outros, nas casas dos clientes, de forma a demonstrar

quais destas moradias estariam protegidas por cada grupo.

De início, algumas pessoas das comunidades, comentaristas dos meios de

comunicação, políticos e até o então prefeito da cidade, César Maia, deram seu

apoio aos grupos de milícias. César inclusive chegou a chamá-las de "autodefesas

comunitárias" e um "mal menor que o tráfico”.

Eis o perigo dessa novidade: o Estado participa, por conivência ou omissão,

da instauração do não-governo nessas regiões. Porém, não tardaria para que

emergissem histórias nas comunidades que contradiziam a imagem positiva das

milícias como um “mal menor”. As milícias tomam conta dos lugares com violência e

depois sustentam sua presença através da exigência de pagamentos pelos

moradores para manter a segurança. Além disso, como as facções do tráfico, os

milicianos impõe toques de recolher e regras rígidas nas comunidades sob pena de

castigos violentos em caso de descumprimento, inclusive atuando como grupos de

extermínio.

Entre 27 e 31 de dezembro de 2006, facções do tráfico lançaram uma série

de ataques contra a polícia e civis em toda a cidade, aparentemente em represália

ao avanço das milícias. As quadrilhas incendiaram ônibus e jogaram bombas em

edifícios públicos. Dezenove pessoas foram mortas.

Empossado no início de 2007, o governador Sérgio Cabral declarava em

fevereiro daquele ano que reprimiria a atuação de milícias na capital fluminense O

governo anterior, não reconhecia a existência dos grupos parapoliciais. O secretário

de Segurança Pública do Estado, José Mariano Beltrame, confirmou sua existência

e iniciou investigações dos policiais suspeitos de envolvimento com as milícias.

Diversos políticos do Rio de Janeiro eram notórios milicianos, alguns já julgados e

condenados.

Assim como o tráfico, as milícias também possuem suas facções. A mais

conhecida delas é a chamada "Liga da Justiça", que tem como símbolo o escudo do

Batman. Pertenceriam a essa milícias, os políticos, irmãos e, também, policiais,

Page 30: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

29

Jerominho e Natalino, respectivamente, ex-vereador da cidade do Rio de Janeiro e

ex-deputado estadual/RJ.

Havia poucos registros de guerras entre milícias, sendo o caso de maior

repercussão, até então, o assassinato do chefe da milícia de Rio das Pedras, o

Inspetor da Polícia Civil Félix Tostes, resultado de um plano de milicianos da Liga da

Justiça para matar seus rivais naquela área.

No dia 14 de maio de 2008, jornalistas de O Dia que tentavam produzir

matérias sobre o tema foram barbaramente torturados por milicianos. O fato gera

uma comoção pública e repercute em toda a mídia nacional e internacional,

reacendendo o interesse pelo tema. A Assembléia Legislativa do Estado do Rio de

Janeiro (ALERJ), sensível a esse clamor, aprova a criação da Comissão

Parlamentar de Inquéritos (CPI) presidida pelo Deputado Estadual Marcelo Freixo.

Diversos políticos foram intimados a depor diante desta CPI, sendo acusados de

envolvimento com milicianos.

Durante as oitivas realizadas pela CPI das Milícias, ao longo dos meses de

junho a novembro de 2008, estudiosos, profissionais de segurança, Delegados e

membros do Ministério Público não foram unânimes quanto a uma definição do

termo.Embora não exista um consenso sobre o conceito deste fenômeno

criminológico, todas as milícias possuem as seguintes características:

1) Controle de um território e da população que nele habita por parte de um grupo armado irregular;

2) O caráter coativo desse controle;

3) O ânimo de lucro individual como motivação central;

4) Um discurso de legitimação referido à proteção dos moradores e à instauração de uma ordem;

5) A participação ativa e reconhecida dos agentes do Estado.

O interesse pela formação destes grupos paramilitares foi incrementada

depois que o transporte alternativo (VAN) se instaurou, cresceu e começou a ser

uma fonte de lucro muito grande. Antes, na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro,

por exemplo, mais especificamente no bairro de Campo Grande, existiam grupos

que faziam segurança particular e exploravam máquinas caça-níqueis. Com o

Page 31: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

30

surgimento do transporte alternativo e a quantia enorme de dinheiro arrecadada com

esta atividade, praticamente sem nenhum tipo de investimento ou imposto a ser

recolhido, esses grupos começaram então a transferir sua área de atuação também

para o transporte alternativo, gerando, um poderio financeiro muito grande e

violentas disputas.

Relatório de organizações não-governamentais brasileiras e internacionais

enviado à Organização das Nações Unidas constatou o controle do transporte

público por milícias no Rio de Janeiro, que lucram cerca de R$ 60 milhões por ano.

Os dados enviados à ONU são conclusões da “CPI da Milícia”.

Com o crescimento e a multiplicação das milícias no Estado do Rio de

Janeiro, é necessário pesquisar até que ponto o tráfico de drogas foi afetado pela

formação e expansão dos grupos paramilitares e quais as comunidades que não

apresentavam movimentação de traficantes e foram dominadas pelas milícias. Uma

avaliação feita pela Subsecretaria de Inteligência da Secretaria de Estado de

Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, das comunidades possivelmente

controladas pelas milícias, demonstrou que os milicianos se expandiram,

preferencialmente, em áreas onde não havia tráfico de drogas, ou seja, pequenas

comunidades ou áreas da cidade que, por sua condição geográfica e outros fatores,

não interessavam aos traficantes e não ofereceriam resistência. Das comunidades

onde era registrada a presença de milícias, 70%, não pertenciam a nenhuma facção

criminosa.

Page 32: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

31

5 MECANISMOS DE COMBATE AO CRIME ORGANIZADO

Diante do desafio do “crime organizado”, uma investigação policial efetiva

deve contar com meios que permitam a obtenção de provas, o que torna necessária

a regulamentação adequada de diversos mecanismos ou técnicas especializadas de

investigação, tais como meios eletrônicos, uso de informantes e réus colaboradores,

operações encobertas, agentes infiltrados, investigações financeiras etc..

A luta contra o crime organizado residirá principalmente do uso adequado

desses mecanismos ou técnicas de investigação e das ferramentas de aplicação da

lei desenvolvidas ao longo de muitos anos de experiência na repressão a esse

fenômeno criminológico.

5.1 MEIOS ELETRÔNICOS

O emprego de meios eletrônicos, ou suporte eletrônico, representa a mais

importante das armas à disposição contra o crime organizado. Fornece

confiabilidade, provas objetivas por intermédio dos depoimentos dos próprios

participantes e permite conhecer os planos dos criminosos para cometer crimes

antes que sejam postos em prática.

Por outro lado, se trata de uma técnica bastante sensível, uma vez que se

preocupa com os interesses da pessoa quanto a sua privacidade. Essa

preocupação, aliás, impõe uma série de restrições ao uso do suporte eletrônico. Por

exemplo, o mesmo só pode ser utilizado para se obter evidências de algumas sérias

e específicas transgressões listadas em seu estatuto legal.

Uma vez que o suporte eletrônico passa a ser usado, os responsáveis pelas

investigações tem que enviar relatórios à Justiça informando o que tem sido obtido.

Nesses relatórios periódicos, lista-se o número de ligações interceptadas, o número

de ligações contendo conversas criminosas, faz-se um resumo das mesmas e se

descreve todo e qualquer evento incomum que pareça ter ligação com aquilo que é

colhido. Esse constante envio de relatórios é parte do que faz o suporte eletrônico

tão extenuante.

O suporte eletrônico também é restrito em termos de duração. Seu uso é

limitado a 15 dias, que podem ser prolongados por períodos iguais, desde que todos

os requerimentos sejam cumpridos e aprovados pelo juiz

Page 33: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

32

5.1.1 Conceito

Meios eletrônicos são técnicas operacionais que consistem na utilização de

equipamentos específicos para a gravação e reprodução de sons e imagens que

instruem ou definem uma determinada situação. O emprego de meios eletrônicos

para conhecer ou documentar o conteúdo de conversações telefônicas (ou entre

pessoas presentes) é, atualmente, bastante comum e difundido, especialmente

considerando os progressos da tecnologia que ampliam a capacidade de coleta de

dados a custos cada vez mais baixos.

A eletrônica não conhece fronteiras, enquanto que as legislações de todo o

mundo criam rígidos limites para essas atividades em prol das universalmente

consagradas inviolabilidades do sigilo das comunicações e da privacidade do

indivíduo.

Quando se trata, especialmente da utilização dos seus resultados no

processo penal, aquelas barreiras garantidoras dos direitos individuais assumem,

nas vedações probatórias, um contorno publicístico sob a ótica do devido processo

legal. Portanto, se a tecnologia não possui limites, as legislações em todo o mundo

procuram impor limites a estas atividades.

Como valores de fundo, voltam a se confrontar, de modo geral, de um lado,

a necessidade de se prover o Estado de meios eficazes de luta contra a

criminalidade organizada e, de outro lado, as liberdades públicas, situação que dá

margem à aplicação da teoria da proporcionalidade.

5.1.2 Modalidades de captação eletrônica de provas

Combinando os elementos apontados pela doutrina, chegamos à noção, em

sentido amplo, da interceptação: a captação da comunicação entre duas pessoas,

executada por terceiro, a partir da qual cumpre estabelecer alguma distinção tendo

em vista diversas modalidades de captação eletrônica da prova:

a) interceptação telefônica;

b) escuta telefônica;

c) interceptação ambiental;

d) escuta ambiental;

e) gravação clandestina.

Page 34: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

33

5.1.3 Interceptação Telefônica

A interceptação telefônica, em sentido estrito, é a captação da conversa

telefônica por um terceiro, sem o conhecimento dos interlocutores13. Efetiva-se pelo

ato de interferir numa central telefônica, nas ligações da linha do telefone que se

quer controlar a fim de ouvir e/ou gravar conversações.

As investigações que envolvem interceptação telefônica, ao contrário do que

muitos imaginam, possuem uma operacionalidade extremamente simples e dela

podem ser obtidos dezenas de informações por intermédio das análises de suas

informações. Atualmente pode ser considerada uma das mais importantes

ferramentas à disposição do investigador criminal. Com o avanço da tecnologia, para

se efetuar uma interceptação autorizada judicialmente, basta uma simples linha

telefônica fixa ou celular para onde serão redirecionadas as chamadas da linha alvo.

A aplicação do processo de interceptação telefônica na investigação é

largamente utilizada e pode ser dividida em duas grandes categorias: alvo

identificado e alvo não identificado.

Todo o processo de investigação torna-se muito mais fácil quando a

interceptação é de um alvo identificado, ou seja, sabemos quem é o usuário da

linha, seus hábitos, sua rotina, seu circulo de amizade, onde mora, o que queremos

descobrir, dentre outras informações, ou seja, já existe um perfil traçado do alvo.

Mas quais os mecanismos devem ser utilizados quando se tratar de um alvo

não identificado? Quais são as informações que devemos analisar com a finalidade

de identificar ou localizar o alvo? Quais os recursos de que dispomos? Onde e o que

devemos procurar?

Sabemos que a interceptação telefônica fornece uma gama de dados, e

quando corretamente interpretados podem facilitar ainda mais a identificação e

localização do alvo. Muitas vezes, como por exemplo, no crime de extorsão

mediante seqüestro, o que conseguimos obter de imediato é apenas uma voz e a

linha utilizada pelo extorsionário, que muitas vezes faz uso da linha da própria

vítima.

13

AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas: interceptações telefônicas, ambientais e gravações clandestinas: em face das Leis 9.296/96 e 10.217/2001 e da jurisprudência. 3.ed. ver.,ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 94.

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34

Nesta modalidade de crime, sabemos quem é a vítima, sabemos o que

investigar e qual é o crime praticado. Mas quem é o usuário da linha? De quem é

aquela voz? Onde mora? Qual o seu perfil? De qual localidade utilizada à linha?

Com que freqüência? É nesse momento que devemos por em pratica todo o

processo de analise dos dados colhidos durante a interceptação.

5.1.4 Procedimentos práticos de aplicação da Lei

Os requisitos para o deferimento da interceptação telefônica estão previstos

no artigo 2°, incisos I a III, da Lei n° 9.296/96, ou seja: indícios suficientes de autoria

ou participação em infração penal (fumus bonis iuris), impossibilidade da prova ser

feita por outros meios investigatórios disponíveis (requisito da necessidade, da

alternativa menos gravosa ou da subsidiariedade), e o fato criminal constituir

infração penal punida com reclusão (requisito da proporcionalidade em sentido

estrito). Outrossim, tratando-se de medida cautelar destinada a fixar a conversação

travada entre investigados, deve o juiz analisar o periculum in mora, ou seja, perigo

da demora. É o risco de decisão tardia, perigo em razão da demora. Expressa que o

pedido deve ser julgado procedente com urgência ou imediatamente suspenso o

efeito de determinado ato ou decisão, para evitar dano grave e de dificil reparacão.

Desta forma, se alguma Autoridade Policial desejar se utilizar desse artifício,

deverá submeter seu pedido ao juízo competente após apreciação do Ministério

Público, com base na Lei n° 9.296/96. Sua representação será instruída com fatos

específicos estabelecendo causas prováveis para que se creia que os objetos dessa

intervenção eletrônica estejam mesmo cometendo atos ilícitos e que os mesmos

poderão ser mais facilmente identificados a partir do uso do suporte eletrônico.

Portanto, a autoridade policial precisa receber de um juiz independente a

autorização para agir nesse sentido. Além disso, antes de se permitir o uso do

suporte eletrônico, a autoridade policial precisa mostrar que outras técnicas de

investigação foram tentadas e falharam nessa tentativa de obter provas, ou por que

outras técnicas falhariam nesse intuito, ou ainda por que essas demais técnicas

representariam um grande perigo caso fossem tentadas. Ao fazer uso do suporte

eletrônico, deve-se minimizar a interceptação de conversas inocentes, assegurar

que somente conversas relevantes serão interceptadas.

Page 36: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

35

Questão prática que deve ser bem esclarecida trata-se da diferença entre

“sigilo telefônico” e “sigilo das comunicações telefônicas”. A primeira incide sobre os

dados/registros telefônicos e não se identifica com o segundo, que versa sobre a

conversação telefônica propriamente dita, conforme estabelecido no julgamento do

MS 23.452/RJ, ocorrido em 12 de maio de 2000, do qual foi relator o Ministro Celso

de Mello, no plenário do Supremo Tribunal Federal.14

Resumidamente, tanto as comunicações telefônicas quanto os registros

destas ligações são resguardadas pelo direito à intimidade e à vida privada (artigo

5°, inciso X, da Constituição da República). Enquanto que, não estão cobertos pelo

sigilo os dados cadastrais, tais como o nome, qualificação e endereço do titular da

linha telefônica, podendo a eles ter acesso tanto o representante do Ministério

Público quanto a Autoridade Policial.

5.1.5 Natureza Jurídica

Reputa-se lícita a interceptação telefônica, desde que realizada dentro dos

parâmetros estabelecidos pelo ordenamento jurídico. O seu resultado que é uma

operação técnica - é fonte de prova. Através do meio de prova (a gravação e sua

transcrição) será introduzida no processo.

Sua execução depende de ordem judicial. O provimento que autoriza a

interceptação reveste-se de natureza cautelar e visa à fixação dos fatos como se

apresentam no momento da conversa. Enseja, pois, evitar que se perca uma

situação existente ao tempo do crime, propiciando que se venha conservar, para fins

exclusivamente processuais, o conteúdo de uma comunicação telefônica.

Exige-se, para tanto, os requisitos que justificam as medidas cautelares. O

deferimento da “invasão” deve ser, sempre, por exceção15. Quanto ao fumus boni

juris, da mesma forma que ocorre com a busca domiciliar, a autoridade concessora

da medida deve dispor de elementos seguros da existência de um crime, de extrema

gravidade, que ensejaria o sacrifício da privancy. No tocante ao periculum in mora,

deve ser considerado o risco ou prejuízo que a não realização da medida possa

resultar para a investigação ou instrução criminal.

14

SILVA, Eduardo Araujo da. Crime Organizado: procedimento probatório. São Paulo: Editora Atlas, 2003. p. 96.

15 STRECK, Lenio Luiz. As interceptações Telefônicas e os Direitos Fundamentais. Porto Alegre:

Livraria do Advogado, 1997. p. 45.

Page 37: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

36

5.1.6 Documentação e valor probante

Em se tratando de interceptações autorizadas por autoridade judiciária, o

resultado da operação técnica deve revestir-se de forma documental.

Documento é coisa representativa de um fato e destina-se a fixá-la de modo

permanente e idôneo, reproduzindo-o em juízo. No caso, tanto a GRAVAÇÃO - que

permite a reprodução sonora do objeto da prova e sua escuta - quanto a

DEGRAVAÇÃO, isto é, a TRANSCRIÇÃO da conversa, devem ser introduzidas no

processo como meio de prova. “Degravação”, ou ‘transcrição”, é a transposição da

palavra falada pela palavra escrita, o mesmo que “textualização”. A doutrina

recomenda, ainda, a documentação das etapas das operações desenvolvidas, ainda

que não obtenham êxito, por intermédio da lavratura de termos e autos respectivos,

assegurando a genuinidade da prova.

A reprodução mecânica, como a fotografia, sempre teve entrada no

processo, sendo prevista expressa e explicitamente como um dos meios de prova na

legislação brasileira. Quanto a sua autenticidade, disposição semelhante se

encontra no artigo 383 do Código de Processo Civil brasileiro, suscitando, portanto,

o mesmo problema que ocorre em relação a outras formas de prova do gênero

documental: se a pessoa a quem a conversa é atribuída não a reconhecer como

sua, será indispensável uma perícia específica, com a comparação da

voz/fala/linguagem.

O valor probante do resultado da interceptação, contudo, nada tem a ver

com a admissibilidade desse meio de prova. A questão vai repercutir no momento

probatório da sua valoração pelo juiz. Isso porque a interceptação é uma operação

técnica, que visa a colher coativamente uma prova. Assim, quando o objeto da

interceptação recair diretamente sobre o fato a ser provado, a prova resultante será

direta; quando recair sobre diverso, que poderá conduzir ao fato que se pretende

provar, a prova será indiciária. Portanto, o juiz, ao proferir a decisão, conforme a

identidade das vozes possa ser afirmada seguramente ou apenas reconhecida como

provável, irá valorar o resultado da interceptação, respectivamente, como prova ou

como indício. Assim, por exemplo, a expedição de um mandado de prisão pode

fundar-se em prova indiciária, quando não seria suficiente, contudo, por si só, para

embasar uma sentença condenatória.

Page 38: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

37

5.1.7 Escuta telefônica

Levando em conta o aspecto de haver consentimento de um dos

interlocutores para a efetivação da interceptação telefônica, poder-se-ia falar,

especificamente, em escuta telefônica, o que, no entanto, não desnatura a

característica de interceptação telefônica, uma vez realizada por terceiro.

A doutrina confirma a hipótese como uma espécie de direito do indivíduo ao

controle de seu próprio telefone, assim, por exemplo, os familiares da pessoa

seqüestrada, ou a vítima de estelionato, ou ainda aquele que sofre de intromissões

ilícitas e anônimas através do telefone em sua vida privada.

5.1.8 Interceptação ambiental

A captação sub-reptícia da conversa entre presentes, efetuada por terceiro,

dentro do ambiente onde se situa os interlocutores, com o desconhecimento destes,

denomina-se interceptação entre presentes, ou interceptação ambiental. Não difere

da interceptação stricto sensu, pois, nas duas situações, ocorre violação do direito à

intimidade.

Mas é preciso ainda considerar que o direito ao segredo da comunicação é o

gênero, ao qual pertence à espécie interceptação. Assim, se o emitente da

conversação tem ciência da presença e identidade de um terceiro – diverso do

destinatário – não se verifica qualquer lesão do direito ao segredo e, portanto,

inexiste interceptação.

Também não pratica interceptação o terceiro, ignorado pelos interlocutores,

que escuta uma comunicação exteriorizada de modo a permitir que seja perceptível

por qualquer circunstante, pois aqui faltaria o requisito de violação do direito à

reserva da comunicação.Uma comunicação é reservada quando quem a realiza

pretende reservar a percepção a uma gama pré-determinada de sujeitos, com

exclusão de todo terceiro que não seja destinatário direto ou indireto.

Por destinatário direto deve-se entender o interlocutor da comunicação ao

qual é dirigida. Destinatário indireto seria a pessoa presente, e conhecida do

emitente, não participante do colóquio mas que se encontra em condições de

escutá-lo.

Page 39: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

38

Embora normas de vedação probatória consistam na tutela dos cidadãos em

face de formas de percepção do som insidiosas e difíceis de prevenir, como,

propriamente, as realizadas com o auxílio de tecnologia moderna, algumas

situações podem ser consideradas. Assim, quem escuta uma conversa reservada

simplesmente encostando o ouvido a uma porta está praticando uma violação do

direito ao segredo. Da mesma forma quem, ao invés de escutar com os próprios

sentidos, registra a conversa servindo-se de um gravador oculto.

Em ambas as hipóteses, não há como refutar a natureza de interceptação.

Isto porque é preciso considerar os dois aspectos do direito à intimidade. Aquele que

escuta diretamente e grava conversação desenvolvida em idioma que lhe é estranho

não está propriamente interceptado (porque não percebe o sentido da

comunicação), porém, essa circunstância não se transmite ao mandante da

gravação que, inequivocamente, pratica interceptação ambiental, que se verifica,

assim, pela violação do direito à reserva.

5.1.9 Escuta ambiental

Quando a interceptação de conversa entre presentes, realizada por terceiro,

se faz com o conhecimento de um ou alguns dos interlocutores, pode ser

denominada escuta ambiental, guardando, assim, afinidade terminológica com as

precedentes modalidades de interceptação ambiental e escuta telefônica. Sujeita-se

a mesma disciplina das interceptações ambientais.

5.1.10 Gravações clandestinas

A gravação clandestina, entendida como a praticada pelo próprio

interlocutor, prende-se à inexistência da participação de um terceiro envolvido, não

podendo, portanto, se enquadrar no conceito de interceptação. Consiste no registro

da conversa telefônica (gravação clandestina propriamente dita) ou da conversação

entre presentes (gravação ambiental) por um de seus participantes, com o

desconhecimento do outro16.

16 STRECK, Lenio Luiz. As interceptações Telefônicas e os Direitos Fundamentais. Porto Alegre:

Livraria do Advogado, 1997. p. 87.

Page 40: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

39

As legislações em geral não prevêem normas específicas sobre a matéria,

porém, entende-se que “poderão ser aplicadas à espécie as mesmas soluções

jurídicas previstas para a correspondência epistolar, posto que as conversações

telefônicas nada mais são que a expressão moderna e oral do mesmo fenômeno de

comunicação”.

Nas conversas telefônicas há tal aceleração na troca de idéias, informações

e intenções que, em regra, ocorre funcionarem ambos os interlocutores,

simultaneamente, como remetentes e destinatários de correspondência.

Seguindo-se este raciocínio, a prova obtida através de gravação clandestina

seria irrestritamente admissível. Qualquer pessoa pode gravar sua própria conversa.

O que se proíbe é a divulgação indevida, isto porque, em nosso ordenamento, a

comunicação do teor da carta ou de outros dados, pelo destinatário a terceiro, sem o

assentimento do remetente, não configura crime contra a inviolabilidade da

correspondência, embora possa tipificar o de divulgação de segredo.

Nesse ponto, a tutela penal se dirige a um segundo momento do direito à

intimidade, qual seja, o direito à reserva. Enquanto o direito ao segredo está em

impedir que a atividade de terceiro se dirija a desvendar as particularidades da

privacidade alheia, o direito à reserva surgeem prol da defesa da pessoa contra a

divulgação de notícias particulares legitimamente conhecidas pelo divulgador.

Divulgar é tornar público, o que pressupõe comunicação a um elemento

indeterminado de pessoas.

Será ilícita, portanto, a divulgação da conversa confidencial como prova

penal, incriminadora, podendo, contudo, haver justa causa que descaracterize a

ilicitude. A doutrina em geral considera lícita a divulgação de gravação sub-reptícia

de conversa própria apenas quando se trate de comprovar a inocência do acusado,

o que não deixa de constituir manifestação da teoria da proporcionalidade.

Assim, por exemplo, nos casos de extorsão, a prova é válida para comprovar

a inocência do extorquido, mas se assegura ilícita quanto ao sujeito ativo da

tentativa de extorsão.

Resta abordar a questão das declarações espontâneas do indiciado ou réu,

clandestinamente gravadas. Constituem, sem dúvida, prova ilícita em razão da

violação do direito à intimidade, visto que o acusado, caso soubesse estar diante de

uma autoridade, poderia ter se reservado ao direito de permanecer calado.

Page 41: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

40

5.1.11 Gravação de imagens

É certo que a Constituição Federal, em seu artigo 5º, X, tornou inviolável a

intimidade, a honra e a imagem das pessoas. A proteção dessa imagem, entretanto,

não nos afigura como impeditiva de se fotografar o imputado, quando de sua

identificação. O direito de imagem pode ser entendido como o direito de alguém ver

sua foto exposta, sem autorização, indevidamente, ao público, bem como deve ser

entendida como direito atrelado à intimidade.

A fotografia realizada, por exemplo, quando da identificação criminal para

uso exclusivo da atuação policial, não ofende a imagem na medida em que não viola

sua intimidade. Entender a imagem como sendo um bem autônomo e com valor

absolto seria permitir a inviolabilidade de toda captação de imagem, em qualquer

circunstância.

Quanto às organizações criminosas, dada as suas características e a

diferenciada persecução, excepcionalmente é permitido a identificação datiloscópica,

ainda que já identificado civilmente e deve ser permitida a fotografia (ou qualquer

outro meio de captação de imagem) do identificado.

5.2 OPERAÇÕES ENCOBERTAS

Nos Estados Unidos da América do Norte as operações encobertas, ou

disfarçadas, são a segunda na hierarquia das ferramentas de combate ao crime

organizado, ficando atrás somente das investigações feitas com o auxílio do suporte

eletrônico, sendo que ambas, não raramente, caminham de mãos dadas.

Uma investigação assim poderá durar apenas algumas horas ou ser bem

longa, levando até mesmo anos para que se concluída. Pode ser dirigida a uma

ocorrência criminosa apenas ou a um empreendimento criminoso de longa data. Em

alguns casos, esse tipo de operação pode envolver o simples ato de se comprar

contrabando, tal como o de drogas ilegais, propriedade roubada ou armas de fogo,

ou pode se conduzir num negócio disfarçado, como um bar, por exemplo, ou algum

outro estabelecimento onde criminosos se reúnam para discutir suas atividades com

policiais ou informantes disfarçados. Por meio dessas ações, os agentes envolvidos

podem se infiltrar nas camadas mais elevadas das quadrilhas e se passar por

Page 42: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

41

criminosos, enquanto os verdadeiros falam sobre seus planos e buscam ajuda para

cometer crimes.

Os agentes são freqüentemente capazes de ganhar a confiança dos

bandidos, induzindo-os a revelar seu passado de crimes, bem como convidando-os

a participar de atividades que estejam já em andamento. Em conjunto com o suporte

eletrônico, a abordagem disfarçada oferece uma cobertura regular das atividades

diárias dos alvos. Entretanto, ela é muito delicada e representa um risco constante

de se atrair pessoas outrora inocentes para atividades criminosas. Pelo fato de essa

técnica ter um potencial muito elevado para gerar problemas, acaba requerendo

uma preparação excepcional.

Por exemplo, a segurança física do agente deve sempre ser levada em

consideração. Para prevenir que sua identidade seja precocemente descoberta, ele

deverá ser abastecido com um conteúdo elaborado de informações sobre o seu

passado, algo conhecido como “backstopping” (retaguarda), técnica conhecida no

Brasil como “estória cobertura”, e um resumo sobre o modus operandi dos alvos.

Qualquer cenário concebível que possa induzir a suspeita ou hostilidade contra o

agente deverá ser levado em consideração com antecedência. Paralelamente, terá

que ser submetido a testes cuidadosos, incluindo aí seu perfil psicológico, de forma

a assegurar que possui as qualidades necessárias que o farão se sentir bem com

sua nova identidade.

Nos EUA, antes de uma operação disfarçada ocorrer é necessário obter-se o

consentimento dos supervisores da agência envolvida e dos promotores de justiça

responsáveis pelo caso. O grau de atenção dispensado depende diretamente da

sensibilidade das circunstâncias envolvidas na investigação. Para equilibrar a

preocupação e evitar danos à população, O Departamento de Justiça instituiu

Comitês de Revisão, englobando promotores antigos e investigadores. Esses

comitês são responsáveis por rever, aprovar e controlar todas as operações

encobertas. Para ser aprovada, a operação deverá ser detalhada por escrito. A

descrição da atividade criminosa do suspeito deverá conter dados factuais e os

participantes da operação, por sua vez, deverão especificar minuciosamente qual

será o cenário para que ela ocorra, a experiência da equipe, a duração do projeto,

antecipar as questões legais e avaliar também os riscos às vidas dos agentes e da

população.

Page 43: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

42

Se a operação for de curta duração, tal como a compra de narcóticos ou

outro tipo de contrabando, um supervisor da agência de investigação e um promotor

de primeira linha terão que aprovar a atividade após terem sido avisados de todos os

fatos. Se for de longa duração, será necessária a aprovação de um supervisor de

patente mais elevada, como um agente-chefe de investigação e um chefe de

gabinete da promotoria. Essas operações de longa duração são essenciais para que

se consiga penetrar no coração de organizações criminosas que ao longo de muitos

anos têm exercido suas atividades ilegais. Finalmente, se houver circunstâncias

delicadas envolvidas, tais como o risco de que terceiros sejam afetados pela

atividade, ou se houver uma atividade criminosa extensa de natureza perigosa em

curso, aí a operação deverá ser reavaliada e aprovada no quartel-general das

agências de investigação pelos promotores com sede no Departamento de Justiça

em Washington.

Sempre que uma operação encoberta revela que um crime violento está para

ser cometido, a força-tarefa envolvida é chamada a tomar as providências devidas no

sentido de prevenir a ocorrência do mesmo. Isso pode incluir alertar a provável vítima,

prender os que plantaram a ameaça ou finalizar completamente a operação.

5.2.1 Agentes infiltrados

Consiste, basicamente, em permitir a um agente policial ou de serviço de

inteligência infiltrar-se no seio da organização criminosa, passando a integrá-la como

se criminoso fosse, dessa forma, participando das atividades diárias, das conversas,

problemas e decisões. Como também, por vezes, participando de situações

concretas, ele passa a ter condições de melhor compreendê-las para melhor

combatê-las.

Um dispositivo destinado a esse procedimento de investigação estava

previsto no inciso I do artigo 2° da Lei n° 9.034/98, tendo, entretanto, sido vetado

pelo Presidente da República. Com o veto presidencial, o dispositivo não entrou em

vigor, situação que se resolveu com o advento da Lei n° 10.217/2001 que previu no

artigo 2°, inciso V, o seguinte;

“Em qualquer fase de persecução criminal são permitidos, sem prejuízo dos já previstos em Lei, os seguintes procedimentos de investigação e formação de provas: Inciso V: infiltração por agentes de polícia ou de inteligência, em

Page 44: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

43

tarefas de investigação, constituída pelos órgãos especializados pertinentes, mediante circunstanciada autorização judicial”.

A Lei n° 10.409, de 11 de janeiro de 2002, que disciplina um procedimento

especial para a apuração dos crimes de tóxicos, tratou do instituto no Artigo 33,

inciso I. Seguindo o exemplo de leis consagradas em outros países, previu a

exigência de autorização judicial antecipada como forma de assegurar o controle

judicial sobre essa atividade. Todavia, a lei nacional não disciplinou um

procedimento próprio para seu processamento, assim como não previu quais os

requisitos para seu deferimento, quem tem legitimidade para requerê-la, se o juiz

pode determiná-la de ofício ou não, por quanto tempo pode perdurar, se é possível

sua renovação, se as informações obtidas pelo policial devem der relatadas ao juiz e

como se dá a participação do órgão do Ministério Público.

Ante a precariedade desse quadro e visando assegurar o respeito às

garantias do investigado, somente resta valer-se, por analogia e, no que couber, do

procedimento previsto na Lei n° 9.296/96, que disciplina a interceptação das

comunicações telefônicas e do fluxo de comunicações em sistema de informática e

telemática, pois reflete a moderna concepção do princípio da proporcionalidade em

relação a matéria que igualmente pode resultar em restrição ao direito à

privacidade17.

A “infiltração” apresenta, segundo a doutrina, três características básicas18:

1) “dissimulação”, ou seja, a ocultação da condição de agente oficial e de suas verdadeiras intenções;

2) “engano”, posto que toda a operação de infiltração apóia-se numa encenação que permite ao agente obter confiança do suspeito; e

3) “interação”, isto é, uma relação direta e pessoal entre o agente e o autor pessoal.

5.3 INFORMANTES

Outra delicada técnica especializada utilizada para reprimir organizações

criminosas envolve o uso de informantes. Um informante é a pessoa que fornece

17

SILVA, Eduardo Araujo da. Crime Organizado: procedimento probatório. São Paulo: Editora Atlas, 2003. p. 88.

18 SILVA, Eduardo Araujo da. Crime Organizado: procedimento probatório. São Paulo: Editora

Atlas, 2003. p. 86.

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44

dados/informes a um policial, com relação a determinados fatos, circunstâncias ou

pessoas. A classe ou agrupamento social de um informante poderá variar com a

natureza do crime ou fato que está sendo investigado.

O melhor informante não é aquele que o policial consegue na hora, é o que

já existe, que já foi cultivado ou recrutado, que é conhecido e cujos informes

historicamente repassados já puderam ser avaliados. Poderemos ter dois tipos de

informantes: o “confidente” e o “recrutado”.

O “confidente” tem o informe ao seu alcance e o fornece ao policial, na

maioria das vezes graças às suas relações pessoais com este. O “recrutado” é

aquele que é conquistado pelo policial, visando uma exploração imediata ou futura

de determinadas áreas, principalmente as que não sejam prontamente acessíveis ao

policial (infiltrado-penetrado).

De acordo com o Manual Elementar n° 04, Coleção Polícia Metropolitana,

CALVANO, Alberto et al. Informações Policiais: fichários e arquivos, 1977, são

numerosos os motivos pelos quais uma pessoa se torna um informante:

1) Vaidade – pessoas vaidosas gostam de fornecer informes, obtendo atitudes favoráveis dos policiais etc.

2) Atitude cívica – pessoas com elevado espírito público que desejam que a justiça seja feita.

3) Medo – pessoas que desejam obter a proteção da polícia, pois sentem-se inseguras com perigos reais ou imaginários.

4) Remorsos – co-autores ou familiares dos criminosos, que necessitam informar sobre o crime pois está pesando em suas consciências.

5) Troca – pessoas que são detidas por ofensas pequenas e procuram negociar com o policial, informando sobre ofensas mais graves de que tem conhecimento.

6) Privilégios – pessoas que dão informes para que possam obter algum privilégio por parte do policial ou da polícia. O preso pode desejar cigarros, visitas, atenções para com sua família enquanto está em custódia.

7) Competição – pessoas que dão informes para prejudicar possíveis concorrentes, afastar competidores no seu ramo de negócio. Deve-se ter o máximo cuidado em sua utilização.

8) Vingança – pessoas que desejam vingar-se de outras por motivos vários e injurias passadas.

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45

9) Ciúmes – pessoas que tem, por qualquer motivo, inveja ou ciúmes de outras e desejam vê-las afastadas de seus caminhos ou metidas em complicações.

10) Estipêndio – pessoas que fornecem informes mediante promessas de recompensa. Devem ser avaliados cautelosamente e criteriosamente.

11) Amizade - pessoas que tem amizade ao policial, são suas conhecidas ou querem expressar sua gratidão. Em geral, bons informantes.

Quando forças-tarefa norte-americanas usam o termo informante

confidencial, se referem aos indivíduos que não querem testemunhar mas que

passam informações às autoridades em troca da promessa de que sejam mantidas

sua identidade sob sigilo. Entretanto, não se pode garantir de forma absoluta esse

sigilo, uma vez que em algumas oportunidades, mesmo que raras, a corte

americana pode concluir no andamento do processo, que será necessária a

revelação da identidade do informante ao acusado de um crime para o qual esse

informante pode fornecer subsídios que podem determinar sua condenação ou

absolvição. , Portanto, salvo algumas exceções, em geral, preserva-se a identidade

dos informantes. Esses informantes são tipicamente motivados a fornecer dados às

autoridades em troca de dinheiro ou de tratamento indulgente em relação a

acusações que pesem ou possam pesar contra eles.

Em muitos casos eles estão já envolvidos nessas atividades ilícitas e por

isso são capazes de passar informações valiosas a respeito de seus comparsas.

Frequentemente fornecem elementos substanciais que autorizam mandados

judiciais visando ao uso do suporte eletrônico.

Entretanto, há riscos maiores em se lidar com informantes. Às vezes eles não

estão completamente desligados de suas atividades criminosas, ou querem implicar

falsamente seus inimigos em crimes, ou se envolvem em atividades não autorizadas.

Neste último aspecto, de acordo com a lei norte-americana, pode-se autorizar os

informantes a participar de algumas formas não violentas de comportamento

criminoso, que em outra situação seriam ilegais. Por exemplo, dependendo das

circunstâncias, de forma a proteger o disfarce do informante, ele é autorizado a

participar de jogo ilegal, negociação de propriedade furtada e outros crimes não

violentos. Porém, é preciso que se monitore suas atividades de perto para diminuir o

risco dele se utilizar disso para esconder as suas atividades criminosas não

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46

autorizadas. No geral, entretanto, a experiência ensina que normalmente os

benefícios do uso de informantes superam em muitas vezes os riscos.

5.4 PROTEÇÃO A TESTEMUNHAS AMEAÇADAS

Importante apoio para a repressão às organizações criminosas é o

Programa de Proteção a Testemunhas. Por conta do violento comportamento por

parte de facções criminosas, a intimidação às testemunhas pode significar um

grande obstáculo no caminho de uma ação bem-sucedida. Para enfrentar tal

problema, por exemplo, o Departamento de Justiça Norte-americano criou em 1970

o Programa de Proteção a Testemunhas. Solicitações para proteção de

testemunhas deveriam ser encaminhadas ao programa tão logo se soubesse que o

candidato seria uma testemunha essencial e que deveria ser “removida” por conta

da “proximidade do risco”.

Portanto, uma testemunha é admitida no Programa quando ela é capaz de

fornecer provas significantes em casos importantes nos quais haja a evidente

ameaça a sua segurança. Uma vez no Programa, a testemunha e sua família

recebem novas identidades e são removidas para outra região do país onde os

riscos à sua segurança são menores. Também lhes é dada assistência financeira

até que a testemunha esteja apta a um emprego seguro.

Nos EUA, por exemplo, a grande maioria das testemunhas protegidas,

aproximadamente 97%, tem histórico criminoso. Entretanto, o índice de reincidência

entre testemunhas integrantes do Programa é de 21%, o que representa metade dos

criminosos soltos após cumprirem pena nos EUA. Porém, pode-se afirmar acima de

qualquer outra questão que o Programa de Proteção a Testemunhas provou ser

benéfico e eficaz no combate ao crime organizado19.

5.4.1 Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas (PROVITA)

Embora a Segurança Pública seja direito de todos, conforme preceitua o

Artigo 144 da Constituição Federal, o sistema deve dispor de mecanismos

19

BRASIL. Tribunal de Contas. Relatório de Auditoria Operacional na Ação Serviço de Proteção ao Depoente Especial, TC n°011.753/2010-2, fiscalização n° 541/2010. Brasília, DF, 2007.

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47

específicos, para alcançar pessoas em situação de maior vulnerabilidade, com vistas

a atingir o real sentido do prescrito constitucional.

Deste modo, pessoas ameaçadas, especialmente por integrantes de

organizações criminosas, devem receber do Estado a medida protetiva compatível

com o risco a que estão sujeitas, de modo a inibir e fazer cessar as causas das

ameaças. Em comum, elas decorrem da proximidade com o espaço físico de

abrangência da atuação do crime organizado, o que potencializa sua condição de

testemunha ameaçada, e para os que decidem sair dessas organizações e colaborar

com a Justiça.

Há inúmeras razões para o baixo índice de resolução de crimes no Brasil, e

sem dúvida, um dos fatores primordiais é a ínfima quantidade de pessoas dispostas

a testemunhar contra autores de crimes graves. A maior parte dos países

desenvolvidos dispõe de programas de proteção à testemunha. Eles oferecem

segurança a quem se disponha a colocar a própria via em risco para denunciar um

crime.

O objetivo principal do Programa de Proteção às Testemunhas Ameaçadas

(PROVITA), é combater a impunidade através da promoção da proteção a vítimas e

testemunhas de crimes que estejam coagidas ou expostas à grave ameaça em

razão de colaborarem com a investigação ou processo criminal. São pessoas que se

encontram em situação de risco decorrente da colaboração prestada a procedimento

criminal em que figuram como vítima ou testemunha, que estejam no gozo de sua

liberdade e cuja personalidade e conduta sejam compatíveis com as restrições de

comportamento exigidas pelo programa, ao qual desejam voluntariamente aderir.

Fundamenta-se nos seguintes pontos:

1) Artigo 245 da Constituição Federal que obriga o Estado Brasileiro a dar atenção especial às pessoas vítimas de crimes e seus herdeiros e dependentes, declarando expressamente: “A lei disporá sobre as hipóteses e condições em que o poder público dará assistência aos herdeiros e dependentes carentes de pessoas vitimadas por crime doloso, sem prejuízo da responsabilidade civil do autor do ilícito”;

2) No compromisso constante no Programa Nacional de Direitos Humanos, no capítulo que trata da “Garantia do direito à vida”, de “Apoiar a criação e o funcionamento de centros de apoio a vítimas de crimes nas áreas com maiores índices de violência e seus familiares e dependentes”;

3) A Declaração dos princípios básicos de justiça em favor das vítimas de crimes e abuso do poder das Nações Unidas;

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48

4) Lei Federal nº 9.807/99 que “Estabelece normas para a organização e a manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e a testemunhas ameaçadas”.

5) Toda a normativa internacional, refletida no ordenamento jurídico pátrio através da Constituição Federal de 1988 que incorporou os direitos humanos enquanto princípio fundamental da República Federativa do Brasil dispõe sobre a proteção a que toda população é credora, bem como a que deve ser dirigida aos chamados grupos vulneráveis.

A criação no Brasil de um programa especial para dar proteção a vítimas e a

testemunhas de crimes surgiu em 1996 e foi incluído no Programa Nacional de

Direitos Humanos. Em 1998, o Ministério da Justiça, por meio da Secretaria Especial

dos Direitos Humanos (SEDH), colocou o projeto em prática quando o governo de

Pernambuco criou o inédito Programa Estadual de Proteção a Testemunhas

(PROVITA).

Em 13 de Julho de 1999 foi assinada a Lei 9.807, que estabeleceu as

normas para a organização de programas estaduais destinados a testemunhas e

vítimas que estivessem “coagidas ou expostas a grave ameaça em razão de

colaborarem com a investigação ou processo criminal”. Nascia o Programa Federal

de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas. Logo após a assinatura da

lei outros quatro Estados passaram a integrar o programa: Pará, Mato Grosso do

Sul, Rio de Janeiro e São Paulo. Os Estados que ainda não implantaram o programa

são atendidos diretamente pelo Governo Federal. Nos casos em que não se verifica

o preenchimento dos requisitos de ingresso, aplicam-se outras medidas de proteção.

A política de proteção a testemunhas integra o Sistema Nacional de

Assistência a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas, que constitui uma rede nacional

de proteção composta pelos Programas Estaduais e pelo Programa Federal (que

atende os estados não contemplados com programas locais).

O Programa se operacionaliza e funciona por meio do Conselho

Deliberativo, do Órgão Executor, da Equipe Técnica e da Rede Solidária de

Proteção:

Conselho Deliberativo (CONDEL): composto por representantes do Poder

Judiciário, do Ministério Público e de órgãos públicos e privados relacionados com a

defesa dos direitos humanos e a segurança pública. Instância decisória superior,

responsável pelo ingresso e exclusão de pessoas ameaçadas, além de outras

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49

atribuições definidas em lei. No Rio de Janeiro o CONDEL foi criado e

regulamentado por intermédio do Decreto Estadual n° 43.097, de 22 de Janeiro de

2011;

Órgão Executor: entidade integrante do CONDEL, responsável pela

execução das atividades do Programa, da contratação da Equipe Técnica, e da

articulação com a Rede Solidária de Proteção;

Equipe Técnica: composta por profissionais especialmente contratados e

capacitados para a função, efetiva a assistência social, jurídica e psicológica

imprescindível para a análise da necessidade de proteção e da adequação dos

casos ao Programa, bem como para o constante acompanhamento dos

beneficiários;

Rede Solidária de Proteção: conjunto de associações civis, entidades e

demais organizações não governamentais que, voluntariamente, recebem os

beneficiários do Programa, proporcionando-lhes moradia e oportunidades de

reinserção social em local diverso de sua residência habitual.

5.4.2 PROVITA/RJ

O Estado do Rio de Janeiro iniciou seu primeiro programa de proteção, o

PROVITA/RJ, com a Lei Estadual nº 3.168, de 1999, através de parceira com a

SDH/PR, e organização não-governamental que o gerencia e executa até hoje.

A base legal e administrativa do PROVITA no Estado do Rio de Janeiro

inclui a Lei nº 9807/1999, o Decreto nº 3.518/2000 e a Lei Estadual nº 3.178 de 27

de Janeiro de 1999.

5.4.3 Seção de Proteção ao Depoente Especial (SPDE)

O ingresso de pessoas ameaçadas no PROVITA se consolida após

criteriosa avaliação levada a efeito pelas organizações de direitos humanos

responsáveis pela execução direta dos programas. Ocorre que, peculiar à execução

de tais programas é o seu intrínseco caráter de urgência. Assim, uma vez

identificada uma situação de ameaça iminente, não é viável aguardar o desenrolar

de todos os trâmites necessários para o fim de incluir a pessoa ou família ameaçada

no programa de proteção. Aguardar pode custar a vida ou a integridade física das

Page 51: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

50

pessoas, o que por si só demandaria a necessidade de um pouso provisório seguro,

até que a inclusão em um dos programas de proteção seja avaliada.

No Estado do Rio de Janeiro, a proteção e a segurança pública são

atribuições tanto da Secretaria de Estado de Segurança (SESEG), quanto da

Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos (SEASDH). À

primeira, cabe a responsabilidade de comandar e designar agentes e órgãos de

segurança para garantir a execução dos programas de proteção executados; à

segunda, cabe o gerenciamento, o monitoramento e a proposição de políticas e

medidas que visem à melhoria e garantia de proteção a pessoas ameaçadas.

A Resolução SESEG n° 435 de fevereiro de 2011, criou na estrutura da

Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas e de Inquéritos

Especiais (DRACO/IE) a Seção de Proteção ao Depoente Especial (SPDE). Caberá

ao SPDE acompanhar a investigação, o inquérito ou processo criminal, receber

intimações endereçadas ao depoente especial ou a quem se encontre sob sua

proteção, bem como providenciar seu comparecimento, adotando as medidas

necessárias à sua presença e atuará durante o período compreendido entre a

ameaça até o ingresso no Programa.

O SPDE disponibilizará os meios necessários à atuação de um grupo de

policiais, especialmente capacitados, para atuar nos seguintes momentos:

1) Escolta ostensiva, durante deslocamentos para apresentações em juízo, perante autoridade policial, ministerial;

2) Durante o período provisório, ou seja, enquanto a equipe do PROVITA não conclui sua análise do pleito de inclusão definitiva da testemunha/vítima.

5.5 RÉU COLABORADOR

“Réus colaboradores” são aqueles acusados ou indiciados que tenham

voluntariamente colaborado com a investigação e o processo criminal, conforme o

art. 13 e 14 da Lei nº 9.807/99.

A proteção aos réus colaboradores presos, prevista pelo Decreto nº

3.518/2000, não vem sendo prestada na grande maioria dos estados brasileiros,

embora seja um importante instrumento de combate ao crime organizado e que se

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51

configura pela obtenção de informações estratégicas sobre as organizações

criminosas por meio do testemunho daqueles réus.

O capítulo II da Lei nº 9.807/1999, denominado Proteção aos Réus

Colaboradores, estabelece, em seus artigos 13 e 14, hipóteses em que o acusado

ou indiciado que colaborar efetiva e voluntariamente com a investigação e o

processo criminal poderá ter o perdão judicial decretado pelo Juiz ou, no caso de

condenação, terá pena reduzida de um a dois terços.

Quanto à proteção ao réu colaborador, a referida Lei prevê:

“Art. 15. Serão aplicadas em beneficio do colaborador, na prisão ou fora dela, medidas especiais de segurança e proteção a sua integridade física, considerando ameaça ou coação eventual ou efetiva. §1º. Estando sob prisão temporária, preventiva ou em decorrência de flagrante delito, o colaborador será custodiado em dependência separada dos demais presos. [...] §3º. No caso de cumprimento da pena em regime fechado, poderá o juiz criminal determinar medidas especiais que proporcionem a segurança do colaborador em relação aos demais apenados.”

A citada Lei estatui ainda (artigo 19) que a União poderá utilizar

estabelecimentos especialmente destinados ao cumprimento de pena de

condenados que tenham prévia e voluntariamente prestados a colaboração de que

trata o normativo, bem como celebrar convênios com os Estados e o Distrito Federal

para a utilização daquelas unidades.

A norma regulamentadora da Lei, o Decreto nº 3.518/2000, ao definir

Depoente Especial (artigo 10), o faz de forma a abranger os conceitos de réu

colaborador de que se ocupam os artigos 13 e 14 da Lei 9.807/1999. Ademais, tal

regulamento cria (artigo 11, caput) a ação de governo Serviço de Proteção ao

Depoente Especial, cujo planejamento e execução atribui (§ 2°) ao Departamento de

Policia Federal (DPF). Ao atribuir o serviço ao DPF, o Decreto dá a este órgão,

dentre outras, a incumbência de proteger os réus colaboradores presos e lhe

confere, para tanto, o poder de realizar diferentes formas de cooperação e parcerias

com órgãos da Administração Pública e entidades não governamentais. É o que se

depreende da transcrição abaixo:

“ Art. 10. Estende-se por depoente especial: I – o réu detido ou preso, aguardando julgamento, indiciado ou acusado sob prisão cautelar em qualquer de suas modalidades, que testemunhe em inquérito ou processo judicial, se dispondo a colaborar efetiva e

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52

voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração possa resultar a identificação de autores, co-autores ou partícipes da ação criminosa, a localização da vitima com sua integridade física preservada ou a recuperação do produto do crime; e II – A pessoa que, não admitida ou excluída do Programa, corra risco pessoal e colabore na produção da prova. Art. 11. O Serviço de Proteção ao Depoente Especial consiste na prestação de medidas de produção assecuratórias da integridade física e psicológica do depoente especial, aplicadas isoladas ou cumulativas, consoante as especificidades da cada situação, compreendendo, dentre outras: [...] 2 Cabe ao Departamento de Polícia Federal, do Ministério da Justiça, o planejamento e a execução do Serviço de Proteção, para tanto podendo celebrar convênios, acordos, ajustes e termos de parceria com órgãos da Administração Públicas e entidades não-governamentais.”

Embora a Lei preveja a possibilidade de utilização de estabelecimentos

prisionais especialmente destinados aos colaboradores, por falta de suas

instalações apropriadas, não vem sendo assegurado no Estado do Rio de Janeiro a

proteção ao réu colaborador preso.

Tal medida representa um avanço significativo na proteção a réus

colaboradores, uma importante ferramenta de desarticulação de organizações

criminosas, visto que poderá ser utilizada como estimulo para o acusado ou

condenado colaborar com a persecução penal pois poderá ser beneficiado em razão

da previsão legal de cunho atenuatório da responsabilidade criminal, permitindo a

redução da pena ou perdão judicial no curso do procedimento penal. O

desenvolvimento do programa segue uma tendência mundial seguida pela maioria

das forças de segurança pública de diversos outros países do mundo.

Também levou-se em conta que o Decreto nº 6.877/2009,ao regulamentar a

Lei nº 11.671/2008, que cuida da transferência e inclusão de presos em

estabelecimentos penais federais de segurança máxima, contempla a possibilidade

de acolhimento nessas unidades do réu-colaborador ou delator premiado, a teor do

inciso V, art. 3°, a saber:

“ Art. 3° Para a inclusão ou transferência, o preso deverá possuir, ao menos, uma das seguintes características: [...] V – ser réu colaborador ou delator premiado, desde que essa condição represente risco à sua integridade física no ambiente profissional de origem; [...]”.

Page 54: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

53

Quanto ao aspecto físico, como as penitenciárias federais estão divididas em

quatro alas (vivências), cada uma seguramente isolada das demais, a intenção é

que se reserve uma dessas alas para acolher os réus colaboradores.

O tempo de cooperação prevê que os beneficiários estarão aos cuidados de

equipes especiais de proteção e custódia, integradas por agentes penitenciários a

serem capacitados pelos cooperantes (DEPEN e DPF). Há também previsão de

normas complementares ao Manual de Procedimentos de Segurança e Rotinas

Carcerárias, editadas pelo DEPEN, as quais, consideradas as peculiaridades do réu

colaborador preso, darão flexibilidade aqueles procedimentos e rotinas, sem

comprometimento da segurança.

A proteção a réus colaboradores é uma das armas mais efetivas no combate

ao crime organizado. Isto pode ser observado em experiências bem sucedidas em

alguns países. Neste sentido, SILVEIRA (2008),20 citou avaliação sobre o WITSEC

de Stanley E. Morris, Diretor do Marshals Service, em artigo publicado pela revista

The Pentacle, edição de fevereiro de 1988, sobre os resultados desse programa

norte-americano:

“O Programa de Segurança da Testemunha (WITSEC) é sem dúvida, uma das ferramentas mais eficazes no combate ao crime organizado dos Estados Unidos. Conspirações criminosas, secretas e clandestinas por natureza, são extremamente difíceis, se não impossíveis, infiltrar. Até o equipamento mais estrategicamente colocado não pode fornecer informações tão qualificadas como um informante interno. Não existe prova mais devastadora que o testemunho de um colaborador de confiança revelando e decodificando as centrais obras de uma estrutura criminosa. Este testemunho é tão convincente que mais que oito de cada dez acusados são condenados e recebem sentenças consideráveis de prisão e multas.”

De acordo com Marcelo BatlooniMendroni21, oWitness Security Program

(WITSEC) foi autorizado em 1970 pelo Organized Crime ControlActof 1970 (Public

Law 91-452) e, a responsabilidade pela proteção das testemunhas ameaçadas é

gerenciada pelos US. Marshals, uma agência federal incumbida, além desta tarefa,

de escoltas de presos da justiça federal, resgates de presos e gerenciamento de

bens apreendidos de empresas criminosas.

20 SILVEIRA, José Braz da. Proteção à Testemunha e o Crime Organizado no Brasil. 1.ed.reim.

Curitiba: Juruá, 2008. p. 23. 21

MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime Organizado: Aspectos Gerais e Mecanismos Legais. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002. p. 137.

Page 55: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

54

No âmbito federal é o Ministério Público Federal (US Attorney) quem

determina o ingresso da testemunha no programa e na esfera estadual o Ministério

Público estadual (State Genneral Attorney).

Pesquisa mais atual mostra que o percentual de condenações em processos

julgados com depoimentos de testemunha protegida nos EUA é da ordem de 89%

(ESTADOS UNIDOS, 2006). Os números apresentados demonstram a eficácia do

programa norte-americano de proteção a testemunhas, o WITSEC.

Conforme Silveira, a Itália oferece outro exemplo de utilização de réus

colaboradores no combate à criminalidade. No caso, o instrumento foi decisivo para

o Estado derrotar a Máfia, cujas organizações eram consideradas inexpugnáveis em

razão da chamada Lei de Silêncio imposta aos seus membros e do poderio

econômico advindo de suas atividades criminosas.

Silveira ressalta que, ao garantir efetiva proteção aos réus colaboradores, o

sistema de proteção da Justiça italiana permitiu que mafiosos presos tomassem a

decisão de fornecer informações e testemunhos suficientes para prisões e

condenações e penas severas de importantes chefes criminosos.

Como no Brasil a proteção a réu colaborador preso não vem sendo

efetivada, mediante regime seguro e diferenciado em instalação apropriada que

garanta sua segurança, o réu não se sente confiante em colaborar com as

investigações ou com a justiça. É fato conhecido que as organizações criminosas

projetam seus padrões de violência contra delatores no interior das unidades

prisionais. Assim, o réu preso detentor de informações valiosas ao combate ao crime

organizado, temeroso pela sua segurança na prisão e sabedor de que poderá sofrer

atentado à própria vida, não se sente estimulado a efetivar a colaboração, apesar da

possibilidade do beneficio penal de redução de pena ou até mesmo do perdão

judicial. Não há vantagem em se ter a pena reduzida se o apenado não viver para

usufruir da liberdade.

A consequência é a subutilização desta importante arma de combate ao

crime organizado, em que pese haja o legislador criado na Lei 9.807/1999 os

institutos de perdão judicial e de redução de pena, como meio de obter as

informações e os testemunhos necessários para a condenação de criminosos e

desbaratamento de suas organizações.

A implantação do Programa de Proteção ao Réu Colaborador Preso pode

contribuir substancialmente para a luta contra o crime organizado. Primeiro, por

Page 56: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

55

estimular juízes, promotores e delegados de polícia a buscar a colaboração de réus

visando o desbaratamento de organizações criminosas nas quais militaram e das

quais detêm informações críticas. Segundo, porque o réu poderá tomar a decisão de

colaborar a partir da certeza de proteção assegurada.

5.5.1 Delação premiada

De acordo com Damásio de Jesus22: “... delação premiada configura aquela

iniciativa do legislador, que premia o delator, concedendo-lhe benefícios (redução da

pena, perdão judicial, aplicação de regime penitenciário brando etc.)...”

Trata-se de um benefício legal concedido a um criminoso “delator”, que

aceite colaborar na investigação ou entregar seus companheiros, previsto em

diversas leis brasileiras:

1) Código Penal;

2) Lei n° 8.072/90 – Crimes Hediondos e equiparados;

3) Lei n° 9.034/95 – Organizações Criminosas

4) Lei n° 7.492/86 – Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional;

5) Lei n° 8.137/90 – Crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo;

6) Lei n° 9.613/98 – Lavagem de dinheiro;

7) Lei n° 9.807/99 – Proteção a Testemunhas;

8) Lei n° 8.884/94 – Infrações contra a Ordem Econômica; e

9) Lei n° 11.343/06 – Drogas e afins.

A delação premiada pode beneficiar o acusado com diminuição da pena de

1/3 a 2/3, cumprimento da pena em regime semi-aberto, extinção da pena ou perdão

judicial. É constantemente criticada, uma vez que fica a critério de avaliação do Juiz

da causa e de parecer do membro do Ministério Público (MP) a utilidade das

informaçoes prestadas pelo réu.

22

JESUS, Damásio Evangelista de. Estágio atual da delação premiada no direito penal brasileiro: Revista Bonjuris, Jan. 2006, Ano XVIII, nº 506. p. 9.

Page 57: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

56

“Hoje a máfia americana se resume às cinco famílias de Nova York à

organização criminosa de Chicago” afirma o jornalista Selwyn Raab, autor do livro

“Five Families: the Rise, Decline and Resurgence of American’s Most Powerful Máfia

Empires” (cinco famílias em ascensão, declínio e ressurgimento do mais poderoso

império mafioso da América). Para ele, o declínio ocorreu em função do impacto do

trabalho de inteligência, a modernização da legislação e as delações premiadas.

Sobre a origem da colaboração com a Justiça, no direito italiano, Eduardo

Araújo da Silva ensina23: na Itália, a colaboração premiada foi incentivada nos anos

70 para combate atos de terrorismo, sobretudo o crime de extorsão mediante

seqüestro, culminando por atingir seu estágio atual de prestígio nos anos 80, quando

se mostrou extremamente eficaz nos processos que visavam à apuração da

criminalidade mafiosa, permitindo uma visão concreta sobre a capacidade operativa

das máfias, o que foi determinante para a ampliação de sua previsão legislativa e a

criação de uma estrutura administrativa para sua gestão operativa e logística (Setor

de Colaboradores da Justiça).

Um dos mais emblemáticos casos de delação ocorridos na Itália envolveu o

mafioso Tommaso Buscetta, preso no Brasil em 1983 e extraditado para a Itália.

Suas revelações foram feitas ao Juiz Giovanni Falcone, do pool de magistrados

antimáfia, na operação conhecida como “operação mãos limpas”. Suas confissões

resultaram na abertura do chamado “maxiprocesso” criminal, julgamento iniciado em

fevereiro de 1986 e concluído em dezembro de 1987, resultando em 475 réus

mafiosos. Do “maxiprocesso” houve 19 condenações à pena de prisão perpétua e,

somadas as outras sanções, 2.665 anos de cárcere.

Apesar da Itália contar com leis a respeito da delação premiada antes da

operação mãos limpas, somente em 1991 foi disciplinado por Lei normas para a

proteção dos colaboradores da justiça. O projeto de lei italiano surgiu pós-Buscetta,

em 1989, e foi sancionado em 1991, depois do assassinato do Juiz Giovanni

Falcone ocorrida em 23 de maio de 1992.

Nos Estados Unidos, a possibilidade da colaboração com a justiça encontra-

se inserida no plea bargaining, que é a possibilidade ampla de negociação que tem

o representante do Ministério Público para fazer acordos com o acusado e sua

defesa, estando reservada ao juiz a devida homologação desse acordo negociado.

23 SILVA, Eduardo Araujo da. Crime Organizado: procedimento probatório. São Paulo: Editora

Atlas, 2003. p. 77.

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57

Nesse modelo o Promotor de Justiça norte-americano possui ampla

discricionariedade para fazer o acordo. É o Ministério Público que conduz a

investigação policial, decide pela propositura ou não de ação (sem qualquer

interferência do Poder Judiciário), bem como a realização de acordos com a defesa

ou a condução do feito a Juízo.

Um dos problemas do sistema americano é a concentração de poder nas

mãos do Promotor de Justiça. Com ampla discricionariedade para fazer acordos com

o acusado, o plea bargaining está susceptível a falhas de natureza de manipulação

política e social na aplicação do Direito Penal. Não há ampla defesa e quase que a

totalidade dos princípios constitucionais são ignorados.

5.6 OS GRUPOS FORÇA–TAREFA

Os Grupos denominados Task-Force, ou Força-Tarefa são considerados

pelos policiais norte-americanos o melhor sistema para o efetivo combate a

organizações criminosas, tendo sido concebidos sob o espírito da mútua cooperação

entre os diversos órgãos de persecução detentores de atribuições variadas. Esses

grupos se reúnem e passam a trabalhar em conjunto, com unidade de atuação e de

esforços e direcionados para a investigação, análise e iniciativa de medidas

coercitivas voltadas para o desmantelamento das estruturas criminosas, utilizando-

se dos mais variados instrumentos de investigação e mecanismos legais24.

Trata-se de esforço concentrado, direcionado, visando à luta contra a

criminalidade.

Força-Tarefa não é mais do que uma força conjunta, união de esforços, uma

reunião de grupo de trabalho que tem suas diretrizes preestabelecidas quando se

constata dentro de uma determinada região um problema crônico de criminalidade,e,

assim como o crime organizado, deve ser organizada de forma a combater um

problema pontual, “focado”.

Nos Estados Unidos, normalmente integram os grupos de Força–Tarefa

todas as polícias com atribuições locais e as agências federais (polícias municipais,

polícias dos condados, polícias estaduais e as chamadas agências Federais, como

FBI, DEA, US-Customs, US-Marshals etc.).

24 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime Organizado: Aspectos Gerais e Mecanismos Legais. São

Paulo, SP: Editora Juarez de Oliveira, 2002. p. 30.

Page 59: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

58

O grupo pode-se formar de maneira “formal”, por intermédio de um contrato

escrito firmado entre os chefes dos órgãos envolvidos, com duração de tempo

limitado, mas prorrogável, devendo perdurar até que a situação de crise seja

considerada superada ou amenizada o suficiente, a ponto de poder ser combatida

através dos meios normais de persecução criminal.

Nada impede, entretanto, sejam formadas Forças-Tarefas “informais”, sem a

necessidade de elaboração de contrato por escrito. Basta que as forças estaduais se

reúnam e planejem diretrizes a serem seguidas em intensificada cooperação mútua

contra um determinado problema relacionado à criminalidade em determinada

região. Não havendo compromisso documentado, o desfazimento torna-se mais fácil

e a Força-Tarefa mais instável, o que não impede que sejam alcançados resultados

satisfatórios.

Tratando-se de um grupo, ou de “um time”, imperioso que todos lutem para a

obtenção do mesmo objetivo e visem ao mesmo “foco”, sendo portanto, intoleráveis

a ocorrência de situações de “ciúmes” ou de disputas entre seus integrantes.

Inaceitável, também, realizações de operações ou providências adversas e

prejudiciais, umas as outras. Todos os integrantes devem ter em mente, de forma

inequívoca, que trabalham para a perseguição do mesmo objetivo e, para isso, nada

mais prejudicial que o trabalho desencontrado, adverso. Não se admite disputas

entre os integrantes do mesmo time, situação em que os criminosos evidentemente

extraem vantagens. Portanto, torna-se uma providência fundamental a definição de

quem comanda a Força-Tarefa.

5.7 LAVAGEM DE DINHEIRO

Trata-se de um crime que visa a transformar operações financeiras ilegais

em transações legais. O termo transação define genericamente uma compra, venda,

empréstimo, promessa, presente, transferência, entrega ou qualquer modalidade

dessa natureza e em relação a instituições financeiras, inclui um depósito, saque,

transferência entre contas, câmbio de moeda, empréstimo, aumento de crédito,

compra ou venda de ações, títulos ou outro instrumento monetário, o uso de um

cofre bancário ou qualquer outro pagamento, transferência ou entrega por ou para

uma instituição financeira por intermédio de quaisquer meios relacionados.

Page 60: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

59

A Lei n° 12.683, de 09 de julho de 2012, alterou a Lei no 9.613/98 que

tratava sobre os crimes de lavagem de dinheiro, tornando mais eficiente sua

persecução penal, especialmente ao eliminar a restrição contida no estatuo anterior

que definia um rol taxativo de crimes antecedentes, considerando que grande parte

da lavagem de dinheiro é proveniente de infrações penais que não estavam

contempladas no antigo estatuto, como a contravenção do jogo do bicho por

exemplo.

As sanções impostas à lavagem incluem confisco, o que muito auxilia nos

esforços de uma Força Tarefa no sentido de impedir que as organizações

criminosas lucrem.

Outro aspecto visando o aprimoramento dos mecanismos de combate à

lavagem de dinheiro, inclui a possibilidade de alienação antecipada de bens antes

da sentença penal condenatória, evitando que os bens advindos da prática

criminosa possam ser alienados sem que se deteriorem enquanto se aguarda o fim

do processo.

Crime antes restrito a determinadas regiões, ganhou características

transnacionais nas últimas décadas, fazendo com que seus efeitos rompessem

fronteiras e se tornassem uma preocupação internacional. Tendo em vista que essa

prática delituosa representa uma ameaça global não só à integridade e estabilidade

dos estados e de seus sistemas financeiros, mas também à própria democracia,

organismos internacionais têm incentivado a adoção de medidas mais efetivas no

trato da questão.

Dando prosseguimento aos compromissos internacionais assumidos desde

a assinatura da convenção de ”lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores, a

preservação da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nessa Lei

cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF).

A Lei n° 9613/98 introduziu o crime de “lavagem” como delito autônomo, isto

é, o processo e o julgamento da “lavagem” de dinheiro independem do julgamento

do crime antecedente, podendo a denúncia ser instruída apenas com indícios de que

os recursos provêm de crime antecedente.

Tendo em vista que a prática de “lavagem” envolve pessoas físicas e

jurídicas de várias camadas da atividade econômica, bem como o trânsito de

recursos por seus diferentes setores, concluiu-se pela necessidade de se abordar

Page 61: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

60

preventivamente o problema, estabelecendo procedimentos que dificultam encobrir a

origem dos recursos e facilitem a investigação.

Assim, a Lei define sujeitos, obrigações, sanções e atribuições dos órgãos

governamentais fiscalizadores, conferindo maior responsabilidade a intermediários,

principalmente a bancos, financeiras, distribuidoras de títulos mobiliários e demais

instituições que, por terem como atividade principal ou acessória a movimentação de

médias e grandes somas em dinheiro, podem ser utilizada como canais para a

“lavagem” de dinheiro.

As medidas preventivas estabelecidas pela Lei brasileira, encontradas

também em diversos países, determinam ações e procedimentos que visam à

colaboração da sociedade no controle das operações ilegais, atividade essa que não

pode ser atribuída exclusivamente aos órgãos repressores do Estado.

É nesse contexto que foram estabelecidas as competências do COAF para

coordenar mecanismos de cooperação e de troca de informações que viabilizem

ações rápidas e eficientes no combate à “lavagem” de dinheiro: disciplinar e aplicar

penas administrativas, sem prejuízo da competência de outros órgãos e entidades; e

receber, examinar e identificar as ocorrências de operações suspeitas de atividades

ilícitas.

Seu funcionamento segue o modelo de uma Unidade Financeira de

Inteligência (FIU), ou seja, uma agência nacional, central, responsável por receber,

analisar e distribuir às autoridades competentes as denúncias referentes a

operações suspeitas de “lavagem” de dinheiro. Essa definição foi elaborada no

âmbito do Grupo de Egmont, organização que congrega as FIU de diversos países

do mundo com o objetivo de promover o apoio aos programas nacionais de combate

à “lavagem” de dinheiro. O Brasil, por meio do COAF, passou a integrar esse Grupo

após a Sétima Reunião Plenária, realizada em Bratislava, República de Eslováquia,

em maio de 199925.

O caráter transnacional, típico das operações de “lavagem” e dos crimes que

usualmente as antecedem, constitui uma das razões pelas quais o COAF tem

ampliado seus vínculos com organismos internacionais empenhados na luta contra

delitos dessa natureza.

25

Conselho de Controle de Atividades Financeiras. Lavagem de dinheiro: legislação brasileira. Brasília, DF.: UNDCP, 1999. p. 07.

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61

Nesse sentido, o Programa das Nações Unidas para o Controle Internacional

de Drogas (UNDCP) e o COAF estabeleceram uma parceria, incluindo a publicação

de material informativo e o intercâmbio de experiências, visando ampliar a

cooperação técnica entre os dois organismos. O UNDCP é a agência das Nações

Unidas que monitora o controle internacional de drogas e crimes correlatos, entre os

quais a “lavagem” de dinheiro.

5.7.1 Laboratório de Tecnologia contra Lavagem de Dinheiro (LAB-LD)

O Laboratório de Tecnologia contra Lavagem de Dinheiro da Polícia Civil do

Estado do Rio de Janeiro é resultado da parceria entre o Ministério da Justiça, a

Secretaria de Estado de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro e a Polícia

Civil do Estado do Rio de Janeiro.

Sua criação foi fruto de ação inserida no âmbito do Programa Nacional de

Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI), que prevê a implantação de

laboratórios de tecnologia contra a lavagem de dinheiro nas regiões metropolitanas

foco de atuação do programa.

A REDE-LAB visa articular a atuação dos laboratórios de tecnologia contra a

lavagem de dinheiro a serem implantados em todo o território nacional, de modo a

promover e regular a operação integrada entre os mesmos. O objetivo principal é

“desenvolver e difundir estudos e práticas de produção de informações estratégicas

relacionadas à produção de provas em processos e inquéritos judiciais ou

administrativos”.26

O Laboratório é órgão de assessoramento direto ao Chefe de Polícia e tem

como objetivo auxiliar as Unidades de Polícia Judiciária, bem como órgãos externos,

no tratamento das informações geradas por procedimentos investigatórios

complexos, tornando-se uma unidade de produção de informações estratégicas para

análise de grandes volumes de dados com uso intensivo de tecnologia e gestão do

conhecimento.

Investigações que envolvem a criminalidade organizada geram um volume

de dados expressivo, fato que dificulta a unidade de investigação na conclusão do

feito. A análise de um grande número de contas telefônicas ou extratos bancários,

26

Disponível em: <http://www.policiacivil.rj.gov.br/labld/atribuicoes.html>. Acesso em: 23 set. 2012.

Page 63: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

62

por exemplo, sem metodologia ou tecnologia, torna a investigação fadada ao

insucesso. Assim, o LAB-LD conta com o auxílio de um conjunto de equipamentos e

softwares próprios que possibilitam cruzamentos de grandes volumes de dados em

menor tempo, metodologia que permite o aprimoramento da análise e a indicação

de novos caminhos para a investigação.

O LAB-LD somente pode ser acionado em casos de inquéritos policiais

instaurados, processos judiciais, procedimentos administrativos não policiais (tais

como Comissões Parlamentares de Inquérito instauradas pelas Casas Legislativas),

nas seguintes condições:

Inquérito que apure qualquer delito desde que envolva criminalidade organizada;

Inquéritos que possuam um grande número de pessoas envolvidas.

Inquéritos que apuram crimes de lavagem de dinheiro.

Inquéritos que possuam inúmeras quebras de sigilos de dados.

Processos judiciais, procedimentos administrativos não policiais e CPI que visem apurar responsabilidades penais, civis e administrativas nos casos que envolvam organização criminosa.

Auxílio no modelo de pedido de quebra de sigilos de dados.

Auxílio nas investigações de lavagem de dinheiro.

A Autoridade Policial interessada em encaminhar uma investigação para o

LAB-LD deve se dirigir ao Coordenador do Laboratório, apresentando um resumo da

investigação, indicando o objetivo da análise pretendida, bem como os dados a

serem analisados. Caberá ao Coordenador aceitar ou não a solicitação. Em se

tratando de órgão externo à Polícia Civil a solicitação será encaminhada diretamente

ao Chefe de Polícia, que analisará o pedido, fazendo os encaminhamentos

necessários.

No caso de dados de quebra de sigilo bancário, fiscal e telefônico é

necessário que a Autoridade Policial solicite ao Judiciário a extensão do sigilo de

dados para o Laboratório, assim como as informações encaminhadas à delegacia

deverão estar em formato eletrônico específico para facilitar seu tratamento.

Page 64: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

63

5.7.2 Quebra dos sigilos fiscal, bancário e financeiro

O artigo 2°, inciso III, da Lei n° 9.034/95, prevê como um dos meios de

obtenção da prova em relação às atividades desenvolvidas pelas organizações

criminosas o acesso a informações fiscais, bancárias e financeiras. Contudo, essa

medida não goza de exclusividade para a apuração da criminalidade organizada,

estendendo-se sua aplicação para a apuração de outras infrações penais.

O acesso às informações prestadas pelos investigados ou acusados perante

o Fisco tem colaborado para a apuração do fenômeno, pois não raras vezes sua

evolução patrimonial está diretamente relacionada com seu enriquecimento ilícito.

Considerando que o crime organizado é, em certo sentido, um negócio, a

“investigação patrimonial” passa pelo fisco, pelos bancos ou pelas instituições

financeiras.

O sigilo bancário por décadas permaneceu disciplinado pela Lei n° 4.595/64,

dispositivo revogado pela Lei n° 105, de 10 de janeiro de 2001 que, em seu artigo 3°,

prevê que serão prestados pelo Banco Central do Brasil, pela Comissão de Valores

Mobiliários e pelas instituições financeiras as informações ordenadas pelo Poder

Judiciário:

“poderá ser decretada, quando necessária para a apuração de ocorrência de qualquer ilícito, em qualquer fase do inquérito ou do processo judicial, e especialmente em relação aos seguintes crimes: I - terrorismo; II – de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado a sua produção; III – tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins; IV – de extorsão mediante sequestro; V – contra o sistema financeiro nacional; VI – contra a Administração Pública; VII – contra a ordem tributária e a previdência social; VIII – lavagem de dinheiro ou ocultação de bens, direitos e valores” (art. 1° § 4°).

Entretanto, a lei ainda possibilitou, de forma subsidiária, a quebra do sigilo

bancário em relação a todos os demais crimes praticados por organizações

criminosas (inc. IX).

O artigo 2°, § 6°, Lei n° 105/2009, disciplina, seguindo a tendência

internacional de reprimir com maior eficiência a criminalidade organizada, que,

independentemente de solicitação judicial, o Banco Central do Brasil, a Comissão de

Valores Imobiliários e os demais órgãos de fiscalização, nas áreas de suas

atribuições, fornecerão ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF)

de que trata o art. 14 da Lei 9613/98, as informações cadastrais e de movimento de

Page 65: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

64

valores relativos às operações previstas no inciso I do artigo 11 da referida lei, ou

seja, relacionados a crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores.

5.7.3 Investigações patrimoniais

O objetivo de um grupo de Força-Tarefa deverá ser sempre a destruição da

organização criminosa. Tratando-se de uma empresa criminosa, a sua finalização

ocorrerá pela dissolução voluntária (que não é o caso) ou pela “falência” – fim da

sua saúde financeira. Assim, “quebra-se” uma empresa criminosa atingindo-se o seu

patrimônio, ou melhor, o patrimônio de seus chefes. Para tanto, recomenda-se

fortemente a utilização da Lei de Lavagem de Dinheiro, Lei nº 9.613/98.

Importante recomendação se refere à necessidade, dependendo do caso

concreto, de se instaurar um procedimento investigatório específico para a apuração

dos eventuais crimes de lavagem de dinheiro etc., em paralelo ao procedimento que

visa a apurar o cometimento dos crimes antecedentes propriamente ditos, tais como:

tráfico de entorpecentes, extorsão mediante sequestro, dentre outros, praticados

pela mesma organização criminosa.

Para tal, na mesma unidade de polícia judiciária onde foi instaurado inquérito

policial (IP) para apurar um crime de trafico de entorpecentes praticado por uma

organização criminosa, por exemplo, seria instaurado outro IP, exclusivamente para

apurar os eventuais crimes financeiros praticados pela quadrilha. Esta medida se

justifica pela capacitação específica do policial investigador que atua com estas

diferentes modalidades criminosas, assim como a evolução no tempo de cada tipo

de investigação que, se empreendidas no mesmo procedimento, podem conflitar

entre si, prejudicando o resultado final do trabalho.

O ideal seria que algumas unidades, em especial de polícia judiciária

especializada, contassem nas respectivas estruturas funcionais com um setor

específico visando apurar “investigações patrimoniais”. Os levantamentos

requisitados ao LAB-LD, COAF etc., deveriam ser direcionados diretamente para

esta seção para seu melhor aproveitamento.

Page 66: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

65

6 INTELIGÊNCIA POLICIAL

O conceito de “inteligência” pode ser definido como um conjunto de

atividades voltadas para a produção de conhecimento. A atividade de inteligência de

segurança pública é o exercício permanente de ações especializadas orientadas,

basicamente, para a produção de conhecimentos necessários à decisão, ao

planejamento e à execução de uma política específica nesta área.27

Consiste na coleta, reunião e tratamento sistemático das informações sobre

a criminalidade, ou quaisquer outras que interessem ao trabalho da polícia e sua

utilização nas operações em geral. Trata-se de um instrumento de caráter proativo,

indispensável tanto para a formulação das políticas de segurança (nível estratégico)

quanto para o planejamento operacional (nível tático).

Num atual contexto em que o crime organizado opera como se fosse uma

verdadeira empresa, é preciso que os setores da polícia não se circunscrevam aos

métodos tradicionais, baseados no isolamento, na auto-suficiência e no

descompromisso com resultados.

A atividade de inteligência policial deve, portanto, se constituir na memória

de toda a organização, onde qualquer tipo de informação deve ser considerada,

valendo-se para tal de dados de investigações anteriores, das informações

repassadas pelos policiais em geral e por informantes, de publicações, do

cadastramento criminal, de registros sobre o movimento de criminosos e de seu

modus operandi, do cadastro de identificação civil, de veículos, do setor

penitenciário etc.

O conhecimento das informações ou dos dados isolados é insuficiente. É

preciso situar as informações e dados em seu contexto para que adquiram sentido.

Durante o regime militar, o Serviço Nacional de Informações (SNI), mobilizou

profundamente os “serviços de informações” (atuais serviços de inteligência) das

polícias, especialmente voltados para a repressão aos opositores políticos dos

governos militares. Assim, disseminou-se no meio policial uma atividade de

“inteligência clássica” voltada para a ”segurança nacional”, a qual estaria ameaçada

pelos dissidentes políticos. Isso dificultou aos serviços de inteligência policial

27

FERRAZ, Claudio Armando. Ensaio Reestruturação da Atividade de Inteligência da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro. Trabalho de Conclusão de Curso (Curso Superior de Inteligência Estratégica) - Escola Superior de Guerra, 2011.

Page 67: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

66

evoluírem para uma inteligência criminal que atendesse especificamente às suas

funções policiais.

Entretanto, a necessidade dos serviços policiais fez surgir um novo ramo, ao

lado da Inteligência de Estado - a Inteligência Policial - inicialmente de forma

empírica, representada por pressupostos doutrinários e conceitos incipientes e

“clássicos”, gerando mais desconfiança e descontentamento do que compreensão

de sua real finalidade.

Com o término dos governos militares, houve serviços de inteligência, em

especial das Polícias Judiciárias, que prosseguiram com a “inteligência clássica”.

Não se disseminou a idéia de se adequarem à produção de provas para

investigações criminais e processos penais.

As agências de Inteligência Policial de grande parte das Polícias Judiciárias

do país não interagem com seus comandos a fim de definir estratégias para combater

o crime organizado, assim como, se mantém isoladas das unidades operacionais

responsáveis pela execução do “produto final” - investigações criminais.

A nova acepção de Inteligência Policial na área de segurança pública, ao

nível tático, deve estar voltada especialmente para a produção de prova criminal, a

ser utilizada em ação penal cujo caráter é público, desfazendo-se a antiga mística do

“secretismo” que envolvia as ações de inteligência tradicionais. Definitivamente, as

“provas” obtidas pelas atividades de Inteligência Policial podem, em princípio, ser

utilizadas na investigação criminal, tendo em vista sua finalidade de servir de base à

propositura de ações penais e a medidas cautelares (interceptações das

comunicações, prisões provisórias, seqüestros de bens etc.), desde que sujeitas às

limitações de conteúdo e de forma estabelecida pela lei processual penal vigente.

6.1 INVESTIGAÇÕES DE REDES COMPLEXAS

Investigações de casos complexos envolvem enorme atividade mental diante

da grande quantidade de dados em múltiplos formatos, originários de fontes

diversas. Procurando em algum lugar nestes dados, a chave da investigação se

mantém geralmente encoberta pela intensa e aparente dispersão das informações.

A atividade de inteligência policial é naturalmente vocacionada para apoiar a

execução de “investigações complexas” que envolvem enorme atividade mental

diante da grande quantidade de dados em múltiplos formatos, originários de fontes

Page 68: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

67

diversas, realidade típica quando se trata de repressão a organizações criminosas

organizadas. O conhecimento das informações ou dos dados isolados é insuficiente.

É preciso situar as informações e dados em seu contexto para que adquiram

sentido. A análise de vínculos feita pelo analista de inteligência constitui inestimável

recurso na identificação de padrões de crimes, entidades associadas, modus

operandi, descrição de eventos numa faixa temporal e, finalmente, na significativa

vinculação entre os alvos e informações relevantes que constem na situação

investigada, tais como registros de chamadas telefônicas e mensagens eletrônicas,

sítios visitados na internet, débitos feitos em cartões magnéticos, transferências

bancárias, viagens realizadas, contatos pessoais feitos etc.

Padrão do crime corresponde a uma característica da ocorrência de um

determinado delito, segundo a qual pelo menos uma variável daquela ocorrência se

repete em outra, ou outras, ao longo do tempo (passado e presente).

Estabelecer vínculos pressupõe associar dados, condutas, eventos,

entidades e elementos de uma situação para subsidiar a ação policial no

esclarecimento de formação de quadrilhas, revelando toda a rede de vínculos e

contatos dos criminosos.

Importante salientar a necessidade de que na atividade de Inteligência

Policial a mesma deve ser mantida independente da função de investigação criminal

e que os policiais do serviço de inteligência não possam encerrar casos, efetuar

prisões, nem ajudar no processamento pois, nesse caso, o valor da operação de

informação diminui consideravelmente, já que se esgotam as fontes de informações.

As delegacias de polícia distritais, por exemplo, são responsáveis pela

apuração dos casos que lhe chegam ao conhecimento. São focadas exclusivamente

nestes casos, especialmente considerando que desenvolvem seus trabalhos sob um

absoluto controle de prazos visando análises de produtividade e cumprimentos de

formalidades legais.

Somando-se a esta característica, qualquer unidade de polícia judiciária,

distrital ou especializada, opera mergulhada em sua volumosa demanda diária de

casos, que a impedirá de implementar qualquer iniciativa visando ao

desenvolvimento de um trabalho de qualidade para identificar padrões de crimes,

entidades associadas, modus operandi, descrição de eventos numa faixa temporal

e, finalmente, vincular alvos e informações relevantes que constem da situação

específica investigada com atividades de eventuais organizações criminosas.

Page 69: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

68

7 MECANISMOS INSTITUCIONAIS

7.1 A EXPERIÊNCIA DA DELEGACIA DE REPRESSÃO ÀS ATIVIDADES CRIMINOSAS ORGANIZADAS E DE INQUÉRITOS ESPECIAIS (DRACO/IE) NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

O enfrentamento de qualquer crise requer um mínimo de diagnóstico

adequado, ainda mais no campo da segurança pública, onde os fatores

determinantes da criminalidade quase sempre extrapolam a esfera de atuação

policial.

A especialização da polícia na repressão à criminalidade organizada é uma

exigência legal. Em seu artigo 4º, a Lei nº. 9.034/95 dispõe que:

“Os órgãos de Polícia Judiciária estruturarão setores e equipes de policiais especializados no combate à ação praticada por organizações criminosas”.

Visando a atingir este objetivo, o Governo do Estado do Rio de Janeiro

instituiu através da Resolução SESP nº. 252, de 25 de junho de 1999, a Força

Tarefa de Controle da Criminalidade Organizada (FOCCO), porém, as atividades

criminosas sujeitas ao crivo da FOCCO indicavam a falta de uniformização neste

modelo de atuação. Eram atribuições daquela unidade: a repressão ao tráfico de

entorpecentes e de armas, roubos e furtos de veículos automotivos, crimes contra o

sistema financeiro, homicídio qualificado praticado por grupo de extermínio, além de

outros, a critério do Secretário de Segurança.

Em simetria com o plano federal, editou-se em 18/08/99 o Decreto nº.

25.522 que criou a Delegacia de Repressões às Ações Criminosas Organizadas e

de Inquéritos Especiais (DRACO/IE), na estrutura básica da Polícia Civil, mas

subordinanda diretamente à Secretaria de Estado de Segurança Pública. Eram duas

as atribuições da DRACO/IE:

a) repressão às ações criminosas organizadas;

b) apuração de inquéritos especiais.

Considerando o que já se apresentou sobre o crime organizado, observa-se

que as atribuições reservadas a DRACO/IE e as justificativas de sua criação, criaram

Page 70: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

69

uma inconsistência entre o discurso oficial e o plano operacional28. O que seriam

procedimentos especiais a que se refere o decreto governamental? Pela leitura do

artigo 3º, incisos I e II do Decreto que a criou, qualquer investigação policial. Uma

análise dos registros de ocorrências realizados na DRACO/IE revela a total

incongruência da pretensa especialização no campo da investigação penal, o que,

de certa forma, torna incompatíveis as duas atribuições que integram o próprio nome

da unidade.

Prova dessa incoerência diz respeito às reiteradas complementações

casuísticas de atribuições dessa unidade de Policia Judiciária Especializada, através

das resoluções emanadas pelos diferentes Secretários de Segurança Pública e que

tem como critério básico os acontecimentos de maior repercussão havidos nos

respectivos períodos. Abriga a apuração dos crimes cometidos por “pitboys”, máfias

dos caça níqueis, crimes onde o sujeito passivo seja vitimado em decorrência de sua

opção sexual etc.

Como resposta a esta incoerência, foram empreendidos esforços no sentido

de adequar à capacidade operacional da DRACO/IE no que diz respeito ao combate

às ações criminosas organizadas. Experimentalmente, seguindo critérios para a

atuação nesta área específica, identificaram-se “alvos” visando ao estabelecimento

de operações investigativas de grande porte. Além da busca de subsídios teóricos

para o desenvolvimento deste tipo de investigação, diferente em sua essência do

trabalho rotineiro de polícia judiciária, efetuou-se uma adequação física das

instalações da DRACO/IE, criando uma sala de coordenação e controle para as

operações policiais, espaços específicos para abrigar as equipes de inteligênciae

salas reservadas para “encarregados de caso” (que só se dedicavam a uma

investigação por vez, de forma “focada”).

Como decorrência, propôs-se, visando a um melhor aproveitamento de suas

potencialidades e o efetivo cumprimento do preceituado no artigo 4º da Lei nº.

9.034/95, que as instalações da DRACO/IE deveriam ser adequadas para abrigar,

exclusivamente, “forças-tarefas” que, conforme já explicitado, são grupos

concebidos sob a filosofia da mútua cooperação entre órgãos de persecução

detentores de atribuições diversas na área penal e que se reúnem e passam a

trabalhar em conjunto, com unidade de atuação e de esforços, com o

28 BOAS, Fernando Villa. Crime Organizado e Repressão Policial no Estado do Rio de Janeiro.

Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, 2007. p. 100.

Page 71: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

70

direcionamento para a investigação, análise e iniciativa de medidas coercitivas

voltadas para o desmantelamento de estruturas criminosas, utilizando-se dos mais

variados instrumentos de investigação e mecanismos legais.

O cartório da DRACO/IE seria mantido a fim de formalizar as investigações

em andamento considerando a necessidade de representações visando medidas

cautelares (interceptações telefônicas, por exemplo), controle externo das atividades

investigativas pelo Ministério Público etc..

7.2 CENTRAL DE ASSESSORAMENTO CRIMINAL (CAC/TJ/RJ)

Com o aumento da repressão aos grupos milicianos no Rio de Janeiro, o

Tribunal de Justiça e o Ministério Público Estadual, assim como a Secretaria de

Segurança, preparam uma série de medidas visando ampliar e sistematizar uma

ofensiva de combate ao crime organizado29.

Neste sentido, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ)

criou em 05/09/2009 a Central de Assessoramento Criminal (CAC), que se trata de

um cartório exclusivo para trabalhar casos que envolvam crime organizado. A

proposta contemplava a utilização de salas do prédio do Fórum, no Centro,

monitoradas por câmeras, cujos funcionários seriam trocados a cada três meses

para garantir ao máximo o sigilo, além da digitalização completa dos autos, tanto do

inquérito policial quanto do processo criminal.

A proposta tinha por objetivo o processamento de autos de grande

complexidade que versem sobre organizações criminosas em uma central

especializada e informatizada (processo eletrônico), retirando dos cartórios comuns

tal atribuição, porém, mantendo-se a competência do magistrado para o qual foi

distribuído o feito, portanto, sem prejuízo ao princípio do Juiz natural.

A remessa dos processos que envolvem crime organizado dos cartórios

comuns para a central de processamento eletrônica, solicitada pelo Juiz interessado,

depende de analise da Comissão de Apoio à Qualidade (COMAQ) do TJRJ que, em

caso de deferimento, os envia à central.

Uma vez deferido seu encaminhamento, o processo será integralmente

digitalizado, o que agiliza o andamento processual pois facilita a busca de

29

Disponível em: <http://www.premioinnovare.com.br/praticas/central-de-assessoramento-criminal/>. Acesso em: 23 set. 2012.

Page 72: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

71

documentos em autos volumosos além de permitir instrução oral. Merece destaque o

fato dos funcionários processantes serem identificados apenas por códigos,

blindando-os de qualquer ingerência externa. Os serventuários são selecionados

pela Presidência do Tribunal de Justiça e passam a ser identificados por números ao

invés do nome, não mantendo contato direto com as partes e patronos visando a

sua segurança e garantia da idoneidade do processamento.

A central é equipada com computadores para escaneamento de processos e

manuseio do processo eletrônico, uma sala de atendimento ao público com balcão e

baias com computadores para que os advogados possam acessar os processos

eletrônicos, sem acesso destes ao ambiente dos funcionários processantes, além de

uma sala de audiências com capacidade para acolher numerosos réus e seus

advogados, equipada com computadores com terminais individuais para advogados

e recinto para videoconferência.

7.3 CÂMARA ESTADUAL DE COMBATE AO CRIME ORGANIZADO (CERCO)

A Câmara de Repressão ao Crime Organizado (CERCO) foi uma proposta

de inciativa da Delegacia de Repressão as Ações Criminosas Organizadas

(DRACO/IE), com base na experiência reunida durante um longo processo de

repressão às organizações criminosas denominadas “milícias” no Estado do Rio de

Janeiro.

Baseava-se no princípio de que iniciativas visando a enfrentar qualquer

modalidade de crime organizado dependeria, fundamentalmente, da integração

entre os diversos órgãos responsáveis por esta missão. Objetivava “institucionalizar”

este relacionamento.

Assim, foi elaborada proposta visando à criação da Câmara de Repressão

ao Crime Organizado (CERCO), formalizada a partir da Secretaria de Segurança

Pública do Estado do Rio de Janeiro, que a enviou ao Ministério Público e à Justiça

em agosto de 2008 para apreciação.

Pela proposta, a CERCO seria composta por três juízes, três promotores e

três delegados de polícia que definiriam quais casos em tramitação nas diversas

comarcas do estado teriam envolvimento de organizações criminosas e mereceriam

uma atuação diferenciada considerando a periculosidade, capacidade de intimidação

e corrupção destas organizações. O objetivo principal seria dar suporte aos

Page 73: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

72

promotores e juízes naturais dos casos em concreto que, normalmente, atuam de

forma isolada.

Teriam lugar cativo na Câmara, o Secretário de Estado de Segurança, o

Procurador-Geral de Justiça e o Presidente do Tribunal de Justiça. O projeto foi

encampado pelo Presidente da “CPI das Milícias”, Deputado Estadual Marcelo

Freixo, em 2008.

Para sustentar a criação da Câmara Estadual de Repressão ao Crime

Organizado, as bases foram a Lei 9.034, de 3 de maio de 1995, que prevê a

utilização de meios operacionais para prevenção e repressão das ações criminosas,

e a Lei 11.530, de 24 de outubro de 2007, que instituiu o Programa Nacional de

Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI).

Inicialmente, houve ponderações sobre uma possível afronta aos princípios

do juiz e promotor natural com a criação da CERCO. Ocorre que a criação da

Câmara não interfere de forma alguma na livre distribuição dos processos ou

medidas cautelares relativas a fatos envolvendo organizações criminosas. Por outro

lado, tanto o Tribunal de Justiça quanto a Procuradoria Geral de Justiça não podem

ficar alheios à conjuntura criminal de seu estado e, em especial, a potenciais

ameaças a que podem estar sujeitas as autoridades responsáveis pelos processos

que envolvem organizações criminosas, não raramente, desconhecedoras desta

realidade.

O objetivo principal da medida era a integração e compartilhamento de

informações entre todos os órgãos responsáveis pela repressão às organizações

criminosos no estado do Rio de Janeiro, assim como o apoio dos órgãos

responsáveis pela repressão ao crime organizado visando o andamento prioritário

dessas específicas investigações e processos.

Até o momento não houve, ainda, uma definição sobre sua plena

implementação.

7.4 GRUPO DE ATUAÇÃO ESPECIAL DE COMBATE AO CRIME ORGANIZADO (GAECO)

Em 05/03/2010, o Procurador–Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro

reformulou, por intermédio da Resolução GPGJ n° 1.570, o Núcleo de Combate ao

Crime Organizado e às Atividades Ilícitas Especializadas (NCCO), criado em

Page 74: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

73

fevereiro de 2009, transformando-o em Grupo de Atuação Especial de Combate ao

Crime Organizado (GAECO/RJ).30

A atividade difere da atuação criminal comum de cada Promotor,

basicamente, pela dedicação a determinados casos em que haja a possibilidade da

existência de uma organização criminosa. O grupo tem uma característica de maior

operacionalidade para a execução de atos investigatórios;

O GAECO atua de forma singular ou em parceria com o Promotor de Justiça

natural de cada caso, se esse assim o desejar, realizando investigações tanto no

corpo de inquéritos policiais em andamento ou que são requisitados e

acompanhados pelo Grupo.

Sua criação fundamentou-se em recomendação do Conselho Nacional de

Procuradores-Gerais de Justiça, no sentido de serem instituídos, pelos Ministérios

Públicos dos Estados, núcleos, grupos ou Promotorias de Justiça especializados na

prevenção e repressão ao crime organizado e às atividades ilícitas especializadas,

baseando-se, também, na conveniência do alinhamento da nomenclatura do grupo

especializado de combate ao crime organizado do Ministério Público do Estado do

Rio de Janeiro, com outros grupos congêneres no cenário do Grupo Nacional de

Combate às Organizações Criminosas (GNCOC).

7.5 UNIDADE DE POLÍCIA PACIFICADORA (UPP)

Conceituada como a “Polícia da Paz”, a Unidade de Polícia Pacificadora é

um novo modelo de Segurança Pública e de policiamento que promove a

aproximação entre a população e a polícia, aliada ao fortalecimento de políticas

sociais nas comunidades.31

Representam uma iniciativa do Governo do Estado do Rio visando a

recuperar territórios perdidos para o tráfico, e recentemente por milicianos, levando a

inclusão social à parcela mais carente da população.

Criadas pelo Secretário de Estado de Segurança do Estado do Rio de

Janeiro, Dr. José Mariano Benincá Beltrame, durante a administração do

Governador Sérgio Cabral, as UPP trabalham com os princípios da polícia

30

Disponível em: <http://www.mp.rj.gov.br/portal/page/portal/Gestao/Comunicacao/Minuto_Gestao/minuto_gestao_12.pdf>. Acesso em: 23 set. 2012.

31 Disponível em: <http://upprj.com/wp/?page_id=20>. Acesso em: 23 set. 2012.

Page 75: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

74

comunitária que é um conceito e uma estratégia fundamentada na parceria entre a

população e as instituições da área de segurança pública.

Considerando que, historicamente, as organizações criminosas

empreenderam o domínio de territórios no Estado do Rio de Janeiro, as UPP vieram

como uma resposta a esta realidade, recuperando estes territórios e apoiando a

desestruturação dessas organizações.

Page 76: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

75

8 AVALIAÇÃO DOS MECANISMOS INSTITUCIONAIS

O combate ao crime organizado ocorre dentro de um contexto político e

social que condiciona a eficiência e eficácia dos mecanismos legais, tecnológicos e

institucionais. Desse modo, podemos abordar os seguintes problemas a serem

enfrentados para aperfeiçoar o combate ao crime organizado:

- ausência de vontade política para seu efetivo enfrentamento;

- falta de integração entre os órgãos de justiça criminal e segurança pública

responsáveis por sua prevenção e repressão;

- ausência de uma capacitação específica dos envolvidos nesta atividade

altamente especializada;

- pouco comprometimento da sociedade;

- legislação inadequada;

- falta de cultura visando à aplicação de métodos modernos de obtenção de

provas, em especial aspectos ligados à lavagem de dinheiro e crime financeiros.

- inexistência de cultura de inteligência criminal;

- corrução policial; e

- criminalização da política.

De acordo com Hugo Acero, consultor das Nações Unidas e ex-secretário de

segurança de Bogotá, Colombia: “Devemos tornar a luta contra o crime a prioridade

número 1 do governo. Nenhuma guerra contra o crime organizado será bem

sucedida se aqueles que deveriam proteger a lei estiverem à margem dela.” (Revista

VEJA RIO, de 19 de outubro de 2011). É inegável que o Rio de Janeiro realizou

avanços na área se segurança pública nos últimos anos. A retomadas de regiões

inteiras da cidade das mãos dos traficantes de drogas foi um exemplo de progresso.

Entretanto, para que qualquer proposta de solução seja duradoura e consistente, a

questão da corrupção deve ser enfrentada de frente.

Entretanto, não devemos nos abater. Corrupção é coisa comum em qualquer

polícia. Em todo aparelho repressivo existe grande probabilidade de corrupção

porque há uma grande procura pelo ”serviço”. A polícia brasileira, como não poderia

deixar de ser, enfrentou e ainda enfrenta esse problema. De tempos em tempos, o

estado pressiona e a corrupção diminui, mas sempre se mantém em focos

Page 77: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

76

pequenos, aguardando o surgimento de uma nova oportunidade para ressurgir. E há

momentos em que ela toma contornos institucionais, e aí inviabiliza qualquer

possibilidade de inteligência para combater o crime organizado, pois, um ponto

fundamental é saber quem, e em que dados, se pode confiar.

Outro ponto a ser enfrentado é o estrutural: na maioria dos estados brasileiro

cada força policial tem seu próprio sistema de inteligência. De acordo com Guaracy

Mingardi (O Estado de S. Paulo, de 8 de agosto de 2010), sem corrupção não existe

crime organizado. Não adianta sair dando tiros contra o crime organizado, é preciso

pensar, criar um sistema de inteligência criminal centralizado em cada Estado.

Porém, não se tem uma tradição de inteligência criminal no Brasil. Falta

pessoal suficientemente capacitado. O Estado não faz inteligência criminal. Nas

agências de inteligência das diversas polícias estaduais a atividade de analista é

considerada uma função não especializada, uma lotação a mais no decorrer da

carreira do policial, uma função administrativa visando à reunião e repasse de dados

para as unidades operacionais. Uma hora será preciso tirar a cabeça do buraco e

partir para a ação – o que não é sair dando tiros, mas pensar, analisar, refletir.

Mas a corrupção que mais preocupa e influi diretamente na segurança

pública não se circunscreve à atividade policial. Muito pelo contrário. Devemos,

principalmente, abordar a questão da corrupção na política - a criminalização da

política. De acordo com Dr. Gilson Dipp (MOSAICO, p.27) pela experiência das

varas especializadas federais no processamento e julgamento de crimes do sistema

financeiro e lavagem de dinheiro da justiça federal o grande valor proveniente da

prática de crimes antecedentes não provém do tráfico de entorpecentes, do

contrabando de armas etc., mas de crimes praticados contra a administração

pública, ou seja, da corrupção. Entre 60% a 70% dos valores que envolvem esses

processos criminais decorrem da corrupção.

A política foi uma das áreas em que a criminalidade mais se infiltrou na

cidade e no estado do Rio de Janeiro. A politica carioca e fluminense se intoxicou

pela criminalidade. A CPI da milícia da ALERJ identificou a participação nestas

organizações criminosas de diversos políticos, chefiando ou se beneficiando,

financeiramente e politicamente. Alguns, inclusive, já presos e condenados.

Mas a faxina que a política e a vida pública precisam não será feita com

armas e dedo no gatilho. Para tal devemos contar com uma legislação eficaz e

instituições independentes e fortes.

Page 78: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

77

O crime é um negócio e seu objetivo é o lucro. Esta afirmação condensa

uma verdade que não pode ser desconsiderada pelo executivo de segurança pública

que opera na repressão a organizações criminosas. Portanto, para seu

enfrentamento, devemos considerar sua lógica empresarial. Tal como qualquer

empresário, ao identificar uma oportunidade de negócio efetua o seguinte raciocínio:

qual a potencialidade de lucro do empreendimento, custo e risco envolvido. Como

executivos de segurança pública, nos cabe transformar as atividades criminosas em

um “mau negócio”, desestimulando sua prática ao aumentar seu risco.

Por outro lado, segurança pública não é só caso de polícia. Essa questão

requer mobilização e a participação de todos os responsáveis: os grupos da

sociedade civil, do setor privado, das universidades e das comunidades locais e

agentes públicos em todas as esferas, entre os quais os policiais.

Page 79: FERRAZ, Claudio Armando. Crime organizado

78

9 CONCLUSÃO

O crime organizado é uma realidade e, respeitando todos os princípios que

norteiam o estado democrático de direito, devemos nos preparar para preveni-lo e

enfrentá-lo. Inicialmente, não há como se falar de uma estratégia de repressão a

organizações criminosas, atividade altamente especializada e lucrativa, sem o

moderno e adequado emprego da atividade de inteligência policial, extraindo-se o

máximo proveito de seus princípios norteadores: objetividade, amplitude,

imparcialidade, simplicidade, oportunidade, segurança, controle e compartimentação.

Desta forma, advém a necessidade de contarmos com uma estrutura que

atue proativamente e, em parceria constante, com as unidades operacionais da

Polícia Judiciária, Ministério Público e Justiça, assim como com todos os órgãos que

direta ou indiretamente possam contribuir para o cumprimento desta missão.

Num mundo tecnologicamente sofisticado como o atual, em que o crime

organizado opera como se fosse uma verdadeira empresa, é preciso que todos os

responsáveis pela prevenção e repressão ao crime organizado, e em especial as

Polícias Judiciárias, não se circunscrevam aos métodos tradicionais, baseados no

isolamento, na auto-suficiência e no descompromisso com resultados.

Os criminosos mostram que são capazes de se adaptar rapidamente a

novas tecnologias, explorando oportunidades criadas pelo advento da globalização

das economias mundiais. Precisamos superar essas adversidades e dar um salto,

alcançando o nível de cooperação que buscamos. Somente quando aprendermos a

trabalhar eficientemente, em conjunto, é que seremos capazes de montar um ataque

efetivo ao crime organizado.

Da mesma forma que o crime organizado evoluiu para uma estrutura não

vertical e flexível, torna-se cada vez mais difícil a repressão a esta modalidade

criminosa por intermédio de uma estrutura policial rígida e centralizada, concebida

para a defesa do Estado e que não se modernizou a tempo para atender às

demandas atuais.

Por outro lado, devemos também praticar um moderno direito penal,

trabalhando com aspectos da delação premiada, do co-réu colaborador,

interceptação telefônica e ambiental, quebra de sigilo bancário, quebra de sigilo

fiscal, infiltração de agente policial ou de inteligência etc., institutos que embora

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sejam previstos em nossa legislação, dificilmente são aplicados porque não temos a

cultura de aplicação de métodos modernos de obtenção de provas.

Finalizando, as forças responsáveis pela prevenção e repressão às

organizações criminosas organizadas devem redefinir suas prioridades institucionais

no combate à criminalidade e redirecionar seus melhores esforços e recursos para

enfrentar a realidade de crime organizado, priorizando os trabalhos de inteligência

na identificação, mapeamento, monitoração e desarticulação das organizações

criminosas através da prisão de seus componentes e, especialmente, na apreensão

dos bens e propriedades destas corporações, sem o que, as prisões são inócuas.

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