ferramentas de produção colaborativa na internet aplicadas à produção cultural

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Marcelo Augusto Santiago Ferramentas de produção colaborativa na internet aplicadas à produção cultural Um estudo de caso a partir da experiência do festival Grito Rock Artigo acadêmico entregue ao Programa de Pós- Graduação do Instituto de Educação Continuada da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito para conclusão do curso de Produção em Mídias Digitais Aluno: Marcelo Augusto Santiago Orientador: Carlos Falci Belo Horizonte-MG Setembro/2010 1

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Subtítulo: Um estudo de caso a partir da experiência do festival Grito Rock Artigo de conclusão na pós-graduação em "Produção em mídias digitais" no Instituto de Educação Continuada da Puc Minas.

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Marcelo Augusto Santiago

Ferramentas de produção colaborativa

na internet aplicadas à produção culturalUm estudo de caso a partir da experiência do

festival Grito Rock

Artigo acadêmico entregue ao Programa de Pós- Graduação do Instituto de Educação Continuada da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito para conclusão do curso de Produção em Mídias Digitais

Aluno: Marcelo Augusto SantiagoOrientador: Carlos Falci

Belo Horizonte-MGSetembro/2010

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Ferramentas de produção colaborativa na internet aplicadas à produção cultural - Um estudo de caso a partir da experiência do festival Grito Rock

Marcelo Augusto Santiago

Resumo

Leia o artigo todo, seu preguiçoso!

Palavras-chave

Produção cultural; redes sociais; internet; produção colaborativa

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Introdução

Entre janeiro e fevereiro de 2010, o festival musical Grito Rock foi realizado

simultaneamente em 82 cidades (78 no Brasil, 4 em outros países da América do Sul:

Argentina, Bolívia e Uruguai), envolvendo mais de 500 atrações musicais, cerca de 800

pessoas em sua produção e alcançando público estimado de 25.000 pessoas. A maioria

dos shows teve seu áudio transmitido em tempo real através da internet e,

posteriormente, foram lançados bootlegs1 dessas apresentações, além de uma coletânea

virtual com canções de artistas que estiveram na programação do evento. Poderia se

tratar de mais um festival integrado às tecnologias de divulgação na internet, mas vai

além: todo o processo de elaboração e produção foi realizado de forma independente,

sem patrocínios2 (exceto alguns poucos apoios em determinadas cidades), e

coletivamente através da internet, unindo pessoas de diferentes regiões e que na maior

parte dos casos sequer se conheciam pessoalmente.

Desenvolvido pela rede intitulada Fora do Eixo, o Grito Rock é exemplo da

execução de um trabalho colaborativo em ambientes digitais através do uso de

ferramentas de produção e distribuição de conteúdo com intuito de elaborar ações

relacionadas a produção cultural (sendo que por “produção cultural” entenderemos

todas as ações e etapas necessárias para a elaboração e execução de projetos e ações

culturais). Seu processo de produção ocorre através da troca de informações entre os

integrantes da rede Fora do Eixo na internet, baseando-se no uso de ferramentas

gratuitas que possibilitem a criação e compartilhamento de conteúdo de forma não-

linear e colaborativa.

Para se buscar entender e estudar possibilidades de ação no uso dessas

ferramentas para diferentes projetos com fins culturais, através da atuação em rede, é

necessário mais do que uma análise das funcionalidades ou características das

ferramentas utilizadas. É preciso compreender o contexto em que são utilizadas, de que

maneira isso ocorre, quais são os agentes envolvidos no processo e de que maneira estão

1 Bootlegs são gravações de shows lançadas, em sua maioria, sem autorização dos artistas.2 Festivais independentes, conforme definição da Abrafin – Associação Brasileira de Festivais Independentes, são

“produções geridas por entes do segundo e terceiro setor, que não são geridos e/ou produzidos por entes governamentais de quaisquer níveis (federais, estaduais ou municipais) ou ainda por quaisquer de suas secretarias”. As programações desses festivais não precisam ser, necessariamente, inteiramente dedicadas à música independente e os mesmos podem ser realizados com ou sem patrocínio, contanto que as marcas das empresas patrocinadoras não sejam incorporadas aos nomes dos festivais, como Tim Festival (patrocinado pela empresa de telecomunicaçãoes Tim) e Conexão Vivo ( patrocinado pela empresa de telecomunicaçãoes Vivo).

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conectados entre si. Para isso, o primeiro passo é entender o que chamamos de rede e

em que se constitui a produção colaborativa em rede.

Redes sociais na internet

A figura de rede é utilizada como metáfora para ilustrar as relações sociais na

sociedade moderna, podendo representar uma nova forma de organização social

(Castells, 1999) e a dinâmica de funcionamento das novas técnicas de comunicação

(França, 2000). Conforme escreve França, a metáfora da rede “permite interpretar a

funcionamento da sociedade e traduzir a dinâmica dos processos comunicativos”,

servindo para analisar a interconexão de elementos e processos comunicacionais que

constituem a troca de informações e construção de sentido entre indivíduos.

Uma rede social pode ser definida como a junção de atores (pessoas ou grupos,

agentes da ação, os nós da rede) e suas conexões (interações) (Wasserman e Faust,

1994; Degenne e Forse, 1999), ressaltando o caráter de reciprocidade entre os elementos

que a constituem. Aplicadas ao meio digital, as redes sociais na internet constituem

estruturas sociais através da utilização de ferramentas de comunicação mediada por

computador, gerando fluxos de informação e trocas sociais, sendo definidas pelas

conexões entre os indivíduos e a forma através da qual ocorre as trocas de informações

entre eles (Recuero, 2009).

Em uma rede social na internet, um nó pode ser definido como um indivíduo em

si ou por sua representação através de um produto resultante de sua atuação na internet,

como um blog ou um perfil no Twitter (Recuero, 2009). Em alguns casos, no entanto,

vários atores podem agir na construção de um mesmo nó, em ações como um blog

coletivo.

Produção colaborativa na internet

Ronaldo Lemos (2008) aponta que “a criação depende cada vez menos do

indivíduo e mais da coletividade”. Lemos refere-se a iniciativas como a Wikipedia,

softwares de código livre e blogs coletivos, entre outras ações executadas a partir da

interação entre diversas pessoas na internet.

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As possibilidades de produção de conteúdo de forma colaborativa através da

internet dividem-se por diferentes áreas, desde pesquisas científicas ao entretenimento,

porém todas dividem um elemento em comum, crucial para a existência de qualquer

ação colaborativa no ambiente digital: a utilização de ferramentas de produção e

compartilhamento de conteúdo na web.

Essas ferramentas dividem-se em grupos de acordo com suas funções

primordiais (como publicação de blogs, armazenamento de arquivos, trocas de

mensagens instantâneas, transmissão de vídeos, publicação de fotos e vídeos, etc), tendo

em comum o fato de permitirem a interação de grupos geograficamente dispersos de

forma não-linear e atemporal (uma vez que não é necessário que todos os interagentes

estejam conectados simultaneamente para que a produção ocorra).

Outro elemento importante na produção colaborativa são os direitos autorais e a

propriedade intelectual. Como aponta Lemos (2006), “para agir colaborativamente, é

preciso ter acesso e poder modificar o conteúdo produzido por terceiros. Sem isso, não

há colaboração”.

Em resposta a esse cenário, novas formas de direito autoral surgiram, visando

desde sua criação o fomento à criação descentralizada. A partir do fim da década de

1980, o copyleft mostrou-se como a principal delas, posicionando-se no caminho oposto

ao copyright, direito autoral tradicional, famoso pela expressão que acompanha sua

logomarca: “all rights reserved”, indicando que todos os direitos relativos à obra junto a

qual a marca de copyright é apresentada pertencem exclusivamente a seu autor. Já o

copyleft indica que as obras licenciadas desta forma não precisam de autorização prévia

para serem difundidas ou alteradas. Outro avanço na área ocorreu em 2001 (Rocha,

2008), com a criação do Creative Commons, um modelo de licenças que permite ao

criador intelectual definir o que pode ou não ser feito com sua obra sem a necessidade

de sua autorização prévia.

Lawrence Lessig (2005), um dos fundadores do Creative Commons, compartilha

da idéia de que a produção colaborativa é uma das formas de se alcançar maior

desenvolvimento intelectual e disseminar a cultura, sendo, para tanto, necessária maior

flexibilidade nas leis que regulamentam os direitos autorais. Sem essa flexibilidade em

relação à propriedade intelectual, toda a produção coletiva na rede estaria atada e

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dependente de formas arcaicas que possibilitassem a colaboração entre indivíduos na

rede.

Fora do Eixo

Circuito Fora do Eixo, mais conhecido simplesmente como Fora do Eixo, é uma

rede de produtores culturais formada em 2005 por produtores de cidades de Cuiabá

(MT), Rio Branco (AC), Uberlândia (MG) e Londrina (PR). Em seu site oficial,

foradoeixo.org.br, a rede é definida da seguinte forma:

O Circuito Fora do Eixo é uma rede colaborativa e descentralizada de trabalho constituída por coletivos de cultura espalhados pelo Brasil, pautados nos princípios da economia solidária, do associativismo e do cooperativismo, da divulgação, da formação e intercâmbio entre redes sociais, do respeito à diversidade, à pluralidade e às identidades culturais, do empoderamento dos sujeitos e alcance da autonomia quanto às formas de gestão e participação em processos sócio-culturais, do estímulo à autoralidade, à criatividade, à inovação e à renovação, da democratização quanto ao desenvolvimento, uso e compartilhamento de tecnologias livres aplicadas às expressões culturais e da sustentabilidade pautada no uso de tecnologias sociais.

Em 2010, o Fora do Eixo está representado em 25 Estados brasileiros, sendo que

todos os Estados das regiões sul, sudeste, norte e centro-oeste possuem coletivos

integrados à rede. Os coletivos são agrupações de pessoas interessadas na produção

cultural, definidos na Carta de princípios do Circuito Fora do Eixo como “células de

produção cultural independente” e que “articulam-se em circuitos estaduais e regionais

de produção, circulação e comunicação... vascularizando, assim, os preceitos e projetos

do Circuito como um todo”. Em Minas Gerais, um dos Estados com maior

representação no Fora do Eixo, estão 10 coletivos das cidades de Belo Horizonte,

Uberlândia, Uberaba, Sabará, Ribeirão das Neves, Vespasiano, Montes Claros, Patos de

Minas, Sete Lagoas e Divinópolis. Ao todo, são 57 coletivos espalhados pelo Brasil e

que se mantêm em contato através da internet.

Como uma rede de produção cultural, o Fora do Eixo possui ações em nível

nacional e local. Em nível nacional estão a rede social de mesmo nome, disponível no

endereço foradoeixo.org.br, o portal de informações sobre música brasileira Nagulha

(nagulha.com.br), o selo musical Compacto.Rec (que lança trabalhos de novos músicos

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e os distribui em formatos físico e digital), o projeto de circulação de artistas Toque No

Brasil (toquenobrasil.com.br), entre outros.

Já em níveis locais e regionais, cada coletivo é responsável por realizar shows,

festivais, oficinas e seminários, contando com o apoio dos membros da rede para a

elaboração, desenvolvimento e execução dessas ações. O festival Grito Rock, utilizado

como objeto para explorar a dinâmica de utilização de ferramentas de produção

colaborativa aplicadas à produção cultural, está situado entre as duas categorias, uma

vez que se trata de um projeto coordenado coletivamente pelos integrantes de todo o

país e cujas edições locais são realizadas, a partir de princípios básicos definidos

nacionalmente, com autonomia pelos coletivos locais.

Ferramentas de produção colaborativa no festival Grito Rock

O festival Grito Rock foi criado na cidade de Cuiabá (MT) em 2003 pelos

integrantes do coletivo Espaço Cubo, um dos grupos responsáveis pela criação do

Circuito Fora do Eixo, como uma alternativa de entretenimento diferenciada durante o

período de carnaval. Em 2007, um ano após a criação do Circuito Fora do Eixo, o

projeto do Grito Rock foi ampliado e surgiu a ideia de transforma-lo no que

denominaram de um “festival integrado”, realizado simultaneamente em diversas

cidades pelos membros do Fora do Eixo.

Nesse momento de elaboração e disseminação da ideia, destacou-se a forma de

expansão tanto do Fora do Eixo como da proposta do festival. Enquanto os coletivos de

produção cultural integrantes do Fora do Eixo já estruturados naquele momento

consituíam-se basicamente por relações pessoais entre seus membros, conforme

explicitado em entrevista realizada com integrantes do Espaço Cubo, a expansão do

Fora do Eixo (e, consequentemete, do Grito Rock), deu-se através dos contatos

realizados pelas bandas integrantes do Circuito em cada uma das cidades em que se

apresentaram e em redes sociais virtuais. Esses contatos foram realizados com pessoas

que, em sua maioria, até então eram totalmente desconhecidas e se aproximaram devido

à interesses em comum, aproximando-se para começarem a conversar durante shows

e/ou trocando mensagens em redes sociais como MySpace e Orkut. O surgimento do

coletivo Fórceps, da cidade de Sabará (MG), por exemplo, deu-se devido ao encontro

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daqueles que viriam a ser seus fundadores com os membros da banda cuiabana Macaco

Bong (integrante do coletivo Espaço Cubo), após um show em Belo Horizonte. Uma

semana após o encontro, o Fórceps estava criado e conectado aos demais integrantes do

Fora do Eixo através da internet.

Os dois tipos de relação apresentados podem ser definidos, segundo Granovetter

(1973), como “laços fortes” e “laços fracos” (no original, strong ties e weak ties,

respectivamente). Enquanto os “laços fortes” definem-se pela relação de proximidade

entre indivíduos, como grupos de amigos ou familiares próximos, estabelecendo redes

densas com altos níveis de troca de informações entre si, os “laços fracos” são formados

pelas pessoas com as quais se troca informações ocasionalmente e que formaram a base

de expansão da rede. São essas pessoas, principalmente, as responsáveis pela criação de

novos coletivos em diferentes cidades e o consequente alcance junto a públicos

distintos, ampliando a rede.

Estabelecidos os primeiros contatos, independente da forma em que ocorreram,

todos os próximos passos no desenvolvimento do Grito Rock dentro do Circuito Fora do

Eixo se dão através da internet e do uso de ferramentas de produção e compartilhamento

de informação de forma gratuita. Aqui, faço uso de minha experiência própria como

integrante do Fora do Eixo desde 2007 para relatar o processo de produção do festival e

a dinâmica de trabalho.

Através da análise dos emails trocados pelos integrantes do Fora do Eixo entre si

durante a produção do festival foi possível listar os principais serviços e ferramentas

digitais utilizados, listados abaixo de modo decrescente, a partir dos mais utilizados:

Gmail (gmail.com): serviço de emails do Google, base de toda a comunicação

no projeto. Utilizado por mais de 90% dos integrantes do projeto. Dentro do

Gmail considero também o serviço Google Groups, para criar listas de

discussão. Outros serviços de email utilizados são Yahoo!, Hotmail e domínios

próprios de email, como @forceps.com.br e @coletivopegada.org, ambos

administrados através da plataforma (gratuita) Google Apps (disponível em

google.com/a).

Google Docs (docs.google.com): ferramenta gratuita que permite a criação de

arquivos de texto, planilhas, apresentações de slides e troca de arquivos, todos

editáveis em tempo real por várias pessoas e que podem ser compartilhados na

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internet, estabelecendo-se diferentes níveis de acesso (divisão entre aqueles que

poderão acessar o conteúdo e os que também poderão alterá-lo).

Wordpress (wordpress.org): ferramenta de publicação de blogs de código aberto,

o que permite que desenvolvedores de todo o mundo desenvolvam aplicativos

para a plataforma Wordpress e alterem seus códigos. Utilizado no portal do

Grito Rock, que reune informações sobre cada uma das cidades que realizaram

edições do festival.

Live Messenger (explore.live.com): serviço de troca de mensagens instantâneas

que permite conversas em grupos. Usado para as reuniões entre os integrantes do

Circuito Fora do Eixo.

Twitter (twitter.com) / Orkut (orkut.com) / Facebook (facebook.com) / MySpace

(myspace.com): paralelamente às trocas de emails e listas de discussão, reuniões

no Live Messenger e arquivos no Google Docs, essas redes sociais foram usadas

para complementar a comunicação interna entre integrantes do projeto e também

como veículos de divulgação do festival.

Freenode (freenode.net): ferramenta em código aberto que permite a criação de

“salas de bate-papo”. Durante um período foi estimulada a ser usada entre os

participantes da produção do Grito Rock para as reuniões como alternativa ao

Live Messenger, de propriedade da Microsoft, porém foi abandonado devido a

dificuldades de utilização por parte dos usuários.

A comunicação geral entre todos os envolvidos na produção do festival divide-se

em dois momentos: reuniões em tempo real através de serviços de trocas mensagens

instantâneas (no caso, o Live Messenger, mais conhecido como MSN) e troca de

mensagens em listas de discussão por email. Inicialmente foi criada uma lista geral,

incluindo todos os envolvidos no projeto, no Yahoo! Grupos, nomeada

[email protected]. A partir das conversas estabelecidas nesses dois

meios, núcleos focados em áreas específicas, como design, comunicação e produção são

criados, junto a suas respectivas listas de discussão, desta vez no Google Groups, como

[email protected]. Enquanto as reuniões no formato chat

no MSN são dinâmicas e ágeis, têm como ponto negativo a necessidade de todos os

participantes estarem conectados simultaneamente para interagirem. Por isso, essas

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reuniões são utilizadas para definir o que cada grupo de trabalho irá fazer durante

determinado período e quais serão seus participantes. Definidos os grupos e ações

gerais, o trabalho passa a ser realizado de forma descentralizada através das listas de

emails, permitindo que cada pessoa execute suas funções de acordo com seus próprios

horários ao mesmo tempo em que mantém os outros participantes informados sobre o

andamento de seu trabalho.

O uso da plataforma gratuita Google Docs é constante em todas as fases do

festival. Ela permite que diversas pessoas compartilhem o conteúdo que estão

produzindo, deixando-o acessível e disponível para alterações por parte de outras

pessoas. Dessa maneira, mesmo com a divisão de tarefas dentro de um núcleo de

trabalho, cada tarefa é executada a partir da interação entre várias pessoas.

Figura 1.1 – Check list de releases institucionais – Grito Rock nacional

Devido ao grande número de ações executadas simultaneamente e as várias

pessoas envolvidas no processo de produção do festival, o Google Docs também é

utilizado para criar listas de acompanhamento do trabalho executado por cada núcleo.

Apesar do trabalho ser executado de forma coletiva e sem relações hierárquicas, para

facilitar a comunicação uma pessoa passa a ser indicada como coordenadora de cada

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ação, mas que, na realidade, representa apenas que ela será a pessoa que deverá ser

contatada em relação a uma determinada tarefa, evitando o excesso de informações

fragmentadas. Um exemplo das listas de acompanhamento de trabalho pode ser

observada na figura 1.1.

A partir das informações produzidas e compartilhadas digitalmente cada coletivo

passa a atuar localmente, realizando ações necessárias de acordo com as necessidades

de sua região, como, por exemplo, negociações com a Prefeitura para utilização de

espaço público, contratação de fornecedores e afins, de modo a viabilizar a realização

do evento.

Figura 1.2 – Trecho do “Compacto.Tec” do festival Grito Rock da cidade de Cuiabá (MT)

A grande maioria das cidades que receberam edições do Grito Rock teve seus

shows registrados em vídeo, transmitidos em áudio em tempo real pela internet e

contaram com bancas de venda de produtos relacionados à música independente (CDs,

camisetas de bandas, adesivos, etc). Essas informações estão disponíveis no blog

gritorocktec.blogspot.com, onde também foram hospedadas cartilhas instrutivas,

verdadeiros tutoriais produzidos pelos integrantes do Fora do Eixo através do Google

Docs, apresentando passo a passo como proceder para realizar cada uma dessas

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atividades. Após a realização do festival cada coletivo produziu um documento com

informações relativas a execução do evento, intitulado “Compacto.Tec” (conforme

figura 1.2), com dados fincanceiros, informações relacionadas ao público e demais

detalhes do festival. Esses arquivos foram publicados no Google Docs, a partir de um

modelo criado em uma das listas de discussão referentes ao Grito Rock, e reunidos no

blog gritorocktec.blogspot.com sob a tag (palavra-chave) “# compacto.tec 2010”.

Por se tratar de uma rede plural, formada por pessoas oriundas de diferentes

áreas profissionais (evidenciado através das apresentações pessoais no início das trocas

de emails), diversos grupos foram formados a partir das habilidades e conhecimento de

cada pessoa em relação a um determinado tema e vários tutoriais foram elaborados no

Google Docs, para que os demais membros da rede pudessem se informar sobre

diferentes etapas que permeiam a realização de um festival como o Grito Rock. Essas

informações estão reunidas e disponíveis para acesso nos endereços

foradoeixo.org.br/tec e no já citado gritorocktec.blogspot.com, sendo que todo o

material está licenciado sob uma licença Creative Commons que permite que essas

informações sejam reproduzidas, alteradas, distribuídas e até mesmo comercializadas,

necessitando apenas que o autor, no caso, o Circuito Fora do Eixo, seja citado.

Conforme escreve Ézyo Lamarca (2008) ao citar o movimento de software livre e redes

de colaboração, “isso é péssimo para os grande monopólios, mas muito benéfico para

todo o resto do mundo, pois permite uma inovação verdadeira... não existe espaço para

as imposições mercadológicas”.

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Conclusão

Um dos grandes diferenciais da experiência de produção do festival Grito Rock

é o compartilhamento de todo o conhecimento e informações geradas durante o

processo de produção (que acontece coletivamente e através da internet), permitindo

que novos projetos se apropriem desses materiais em busca do desenvolvimento de

ações mais elaboradas e com resultados potencializados. Transparência nas ações e

facilidade de acesso são pontos cruciais no desenvolvimento do projeto, possível de ser

realizado em tais dimensões e sem recursos financeiros graças à utilização de

ferramentas que permitem a produção colaborativa de informações na internet de forma

gratuita.

Segundo a proposta do Circuito Fora do Eixo, o conhecimento construído de

forma coletiva deve estar acessível a outras pessoas. Essa proposta se adequa às linhas

de ação de ativistas digitais e do movimento de software livre, unindo suas vertentes

técnicas, filosóficas e libertárias (Lamarca, 2008). Através do foco na colaboração entre

indivíduos, a rede constituída pelo Circuito Fora do Eixo para a produção do festival

Grito Rock demonstra o potencial de construção de conhecimento através da internet e

suas possibilidades de utilização e disseminação, assim como a necessidade de abertura

para participação de novos indivíduos, tornando a rede diversificada e com maiores

possibilidades de interação. Conforme escreve Lena Zúñiga (2008):

As novas tecnologias nos possbilitaram capturar e compartilhar o conhecimento mais facilmente, e inclusive nos permitiu aumentar essa coletividade criativa, trazendo cada vez mais grupos, mais indivíduos de diferentes culturas para a mesa criadora de ideias.

O modelo de ação do Grito Rock confirma a viabilidade de gestão de projetos

envolvendo um grande número de pessoas através da internet, utilizando-se alternativas

gratuitas que possibilitem interações atemporais e não-lineares, e reforça a necessidade

da livre distribuição de conteúdo para a ampliação da produção intelectual.

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Referências bibliográficas

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