fernando santos - perfil em 11 perguntas

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A BOLA Sexta-feira 10 de outubro de 2014 05 A BOLA 04 Sexta-feira 10 de outubro de 2014 TEMAdoDIA j ANIVERSÁRIO DO SELECIONADOR Futebol TEMAdoDIA Futebol N ÃO é segredo para nin- guém que o novo selecio- nador nacional foi cam- peão no FC Porto, que ganhou duas Taças de Por- tugal, uma da Grécia e duas Super- taças portuguesas. Todos sabem que é engenheiro e católico. Que fuma. Mas quem é, na vida privada, o novo chefe de Ronaldo e companhia? A BOLA responde a 11 perguntas que ajudam a traçar o perfil de um homem a quem não se conhece inimigos. Todos lhe chamam engenheiro, mas tem outra alcunha? 1 Antes de mais, engenheiro é alcu- nha mas também título profissio- nal, pois formou-se em engenharia de telecomunicações. Mas, respon- dendo à pergunta, tem sim: ‘Mal hu- morado’ e ‘Sono’. O sono vem dos Por NUNO PERESTRELO Fernando Santos em perguntas 11 tempos em que estudava e jogava; o mau humor do novo selecionador revela-se sobretudo de manhã, quando se prepara para iniciar mais um dia de trabalho. «Quando che- ga, parece que não dormiu a noite toda», conta José Luís, agora dire- tor desportivo do Belenenses, que se cruzou com Fernando Santos ain- da no Estrela da Amadora. Quem não o conhece chega mesmo a pen- sar que o engenheiro está zangado. Na realidade, normalmente não está. Mas mesmo sendo ele a definir que os treinos são logo pela fresca, não consegue disfarçar o mau despertar. E daí nasceu a anedota-baseada- -em-factos-reais de alguém lhe di- rigir um simpático bom dia e ouvir, como resposta... «só se for para ti». Mas se é tão mal disposto, porque todos dizem bem dele? 2 Podia ser por medo, mas não é. Se não há quem não mencione o mau humor quando lhe é pedi- do para falar de Santos, a verdade é que nem por isso alguém, de en- tre os que A BOLA ouviu, conhe- ce uma só pessoa (uma!) que seja capaz de dizer: «não gosto mesmo nada desse homem». Tão pouco alguém que tenha tido problemas sérios com ele. O Fernando Santos que os por- tugueses conhecem da televisão é o Fernando Santos verdadeiro. Mas não é todo o Fernando Santos. Há também aquele reconhecido como um homem sério e de princípios, daqueles que conseguem o feito de juntar, para celebrar o casamento da filha, Pinto da Costa e Luís Fili- pe Vieira debaixo do mesmo teto. Na realidade, nada como citar Jorge Andrade, que ele treinou no Estrela da Amadora e no FC Por- to, para perceber como o novo se- lecionador passa do registo mal disposto para um contexto de pro- ximidade: «Certo dia, meio a medo, ainda no Estrela da Amado- ra, aproximei-me dele para pedir autorização para faltar a um trei- no, pois tinha exame de matemá- tica. A resposta dele foi, para mim, surpreendente. Perguntou-me logo se eu precisava de uma explica- dora e disse-me que tinha amigos que podiam ajudar-me». Funcio- na, portanto, como um pai para os seus jogadores. E é assim com toda a gente. Deve ser mal educado, para estar suspenso por oito jogos... 3 Pode não ser um doce na abor- dagem quando acorda, pode até estar desesperado por um ci- garro em determinado momento, mas se há coisa que ninguém apon- ta a Fernando Santos é ser mal edu- cado. O próprio já explicou que a suspensão de oito jogos que a FIFA lhe impôs foi por, já depois de ex- pulso, não se ter retirado imedia- tamente do campo. Conta ele que com os nervos de dar indicações ao adjunto sobre quem marcaria os penalties — isto porque dois joga- dores voltaram atrás e disseram não querer fazê-lo – se distraiu e demorou a abandonar o relvado. Não ofendeu nem ameaçou nin- guém. De resto, é anedótica a razão que certa vez motivou a sua ex- pulsão num jogo há já muitos anos. Num lance, desatou aos gritos «marreco, anda para trás... mar- reco!». O árbitro ouviu e expul- sou-o, pensando que estava a di- rigir-se a algum dos elementos da equipa de arbitragem. O problema é que Fernando Santos estava, na realidade, a chamar José Carlos, seu jogador no Estoril e Estrela da Amadora, cuja alcunha era preci- samente marreco. Sendo católico, como lida ele com a Fé enquanto trabalha? 4 Há um momento de viragem na vida de Fernando Santos. Aquele em que Nunes de Carvalho o despediu do cargo de treinador do Estoril. Questionou tudo e aca- bou por encontrar num cursilho de cristandade a força que lhe fal- tava para enfrentar a desilusão. A forma aberta como fala publi- camente sobre a sua fé é uma ima- gem de marca. E é algo que tem sempre presente. Quando treina- va o Estrela da Amadora, as viagens ao norte do País tinham sempre paragem de meia hora garantida (como todos os clubes) mas em Fátima e não em áreas de serviço ao longo da autoestrada. Fernan- do Santos retirava-se discreta- mente e voltava depois de fazer as suas orações. Nos jogos fora de casa, tinha sempre a preocupação de saber a que horas havia missa e 10 minu- tos antes lá estava um táxi à por- ta do hotel. Já no FC Porto, esca- pava-se da concentração antes dos jogos em casa, para participar na eucaristia de sábado, pelas 19.30 horas. Do que não gostava mesmo era de brincadeiras sobre o assunto. No Estrela, o massagista Mário Ve- ríssimo, ateu, provocava-o: dizia- -lhe que se o treinador adversário também rezasse, o jogo tinha de dar empate, pois Deus teria de olhar pelos dois. Na realidade, não se ria e respondia sempre em tom seco... «cala-te com isso». E a conversa morria ali. Diz também quem o conhece que é ativo a ajudar os mais ne- cessitados. Mas fá-lo de forma dis- creta e sem disso dar conta a quem quer que seja. Com o dinheiro que ganha leva uma vida de luxo? 5 Nem por isso. Mesmo sendo um treinador de top nunca fez contratos milionários. Ganhou muito dinheiro — na realidade muito mais que o comum mortal — mas nem por isso mudou. «Dizia sempre que o dinheiro é para guar- dar e perguntava aos jogadores, muitas vezes, se estavam a cuidar do futuro», contra Chainho, que com ele partilhou vários anos da carreira, do Estrela da Amadora à Grécia, passando ainda pelo FC Porto. Mas o carro dele deve ser uma bomba, não? 6 Fernando Santos não é mesmo apegado a bens materiais. Quando chegou à sede da Federa- ção Portuguesa de Futebol para ser apresentado como novo seleciona- dor conduzia um modesto (para a sua condição económica, claro) Ford S-Max, monovolume familiar. O carro serve-lhe, na realidade, para as viagens entre Lisboa e Mora, onde há anos adquiriu um monte e onde, sempre que pode, se refugia por breves períodos. Já teve BMW mais de uma vez, sim, até um Mercedes, mas no luxo é comedido. Mesmo mudando de clube, mesmo melho- rando os contratos, vai mantendo o carro por largos períodos — estra- nho? Nem tanto, o milionário Bel- miro de Azevedo também só troca o seu de 10 em 10 anos... Então e casa? Deve ser um palacete num bairro chique... 7 Não vale mesmo a pena insis- tir nessa abordagem. Conven- ça-se, de uma vez por todas, que Fernando Santos não é um esban- jador. Teve um dia o sonho de vi- ver numa moradia. Quando con- seguiu, escolheu bem, comprou-a na Aldeia do Juzo, e ali se mantém há mais de 20 anos. Sem alterar os padrões de vida, sem precisar de se rodear de luxo. Sem tentações de ceder ao supérfluo. Algo que se explica, na realidade, não só pela educação que recebeu, mas tam- bém pela forte fé cristã, que um dia lhe bateu à porta e o transfor- mou num homem novo. De que gosta ele na vida? 8 Se há três prazeres que os ami- gos lhe apontam, há que colo- cá-los aqui por ordem: primeiro, conversar. Quantos jornalistas e funcionários dos clubes por onde passou recordam, ainda hoje, as horas que ficavam à conversa, de- pois das conferências de impren- sa, a discutir desde táticas de fu- tebol a aspetos da vida diária? E mesmo com os jogadores, há alturas em que desliga o modo mauzão. Pedro Valido, ex-defesa central que se cruzou com Fernan- do Santos no Estoril e no Estrela da Amadora, agora treinador adjunto dos sub-19 do Benfica, recorda bem os dois lados do mister. Em campo e durante a semana era distante, disciplinador. Impunha respeito e mantinha a distância. Depois dos jo- gos, transfigurava-se. «No Estoril, ele marcou-me. Fazia uns treinos a que chamava quarta-feira europeia e que eram violentíssimos. Saía- mos a sprintar do balneário e dáva- mos mais uma série de voltas, uma eternidade, ao relvado sempre em velocidade máxima. Havia gente a vomitar e eu, de terça para quarta- -feira, nem dormia, só de pensar naquilo. Depois, no dia dos jogos, almoçávamos juntos e fazíamos tempo à espera da hora. Ele, tran- quilo, não demonstrava qualquer tipo de stresse. No final, dava-me boleia para Lisboa e parávamos num bar no Estoril, onde ficávamos a conversar com um ou outro diretor que por lá aparecesse». O segundo: não diz que não a um bom jogo de cartas e contam- -nos que é um bom jogador. Ter- ceiro: adora comer, sendo grande adepto de uma boa caracolada. Também é apreciador, em doses moderadas, de um bom vinho tin- to. Começou recentemente a ter mais cuidado com o que coloca habitualmente no prato: afinal, a saúde é um bem precioso, e já che- gou o 60.º aniversário. Gosta de andar na farra? 9 Pelo contrário. Se há coisa que Fernando Santos faz pouco é andar em festas ou grandes saídas de casa. A família é o centro do seu mundo e foi em torno da mulher, Guilhermina, da filha Cátia e do filho Luís que construiu o seu pro- jeto de vida. Dedicou-se a 100 por cento à educação dos filhos e nun- ca abdicou da companhia da mu- lher. Guilhermina, que era pro- fessora, foi com ele para a Madeira, onde trabalhou, não o acompa- nhou numa primeira fase no FC Porto, mas acabou por largar a car- reira docente para com ele seguir viagem até à Grécia. Algo que Fernando Santos nun- ca ultrapassou foi a morte do pai, de quem era grande amigo. «Um dia chegou a casa e o pai disse-lhe que estava com frio. Percebeu que se passava algo e a verdade é que pouco tempo depois o pai mor- reu», conta um amigo, que assu- me ter sido esse o maior desgosto da sua vida. Andou com Guilhermina pelo sul do país à procura de uma casa onde pudessem descansar, e aca- baram por escolher um monte re- catado perto de Mora. Na realida- de, é lá que Fernando Santos mais gosta de estar e é lá que aproveita o facto de ter um curso de água a passar-lhe no terreno para dar asas a outro dos prazeres que tem na vida: pescar. Quando se conversa com ele fica-se a saber muito do Mundo do futebol? 10 Fernando Santos gosta de tertuliar, mas na realidade é uma péssima fonte de informa- ção. Não só para jornalistas, mas também para os amigos. Por mais próximas que lhe sejam as pessoas com quem vai lidando, o novo se- lecionador nunca abre o jogo so- bre os novos desafios profissionais. Enquanto se vestia para ir para o estádio da Luz onde, horas mais tarde seria apresentado como trei- nador, e quando já se falava do ne- gócio à boca cheia, ainda respon- dia aos amigos que isso era «uma treta». Algo que, hoje, nenhum leva a mal. Não é defeito, é feitio. Quando foi para o FC Porto, pro- tagonizou com José Luís, à altura secretário técnico do Estrela da Amadora, episódio que mostra bem como guarda para si os segredos: «Fui com ele a uma gala da liga na Figueira da Foz e Pinto da Costa fez-lhe sinal para falarem. O Fer- nando foi e esteve mais de uma hora com ele. Na viagem de regres- so a Lisboa, não abriu a boca para dizer uma só palavra», conta. Iria já a pensar no novo desafio, mas es- taria também a evitar conversar para não ter de mentir ao amigo de modo a preservar o segredo... Tem algum tique? 11 Essa pergunta é só para ver se estamos atentos aqui n’A BOLA ou televisão é coisa que não entra lá em casa? Fernando San- tos é facilmente identificável! É aquele que pigarreia vezes sem conta e que mete um dedo junto ao pescoço, para alargar a gola da ca- misa, como se sufocasse ao engra- vatar-se. Da próxima vez que o ouvir falar repare noutro tique que os amigos lhe apontam: socorre- -se várias vezes da expressão «na realidade». E sim, é por isso que cada uma das respostas às pergun- tas inclui esta marca do novo se- lecionador. Porque, na realidade, todos os portugueses desejam mal- -humorado-de-quem-todos-di- zem-bem os maiores sucessos des- portivos com a Seleção Nacional. Selecionador nacional desvendado d Das alcunhas aos tiques d Quem é este homem? ANTONIO AZEVEDO/ASF

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Page 1: Fernando Santos - Perfil em 11 perguntas

A BOLA

Sexta-feira

10 de outubro de 2014

05A BOLA04Sexta-feira

10 de outubro de 2014

TEMAdoDIA j ANIVERSÁRIO DO SELECIONADORFutebol

TEMAdoDIA

Futebol

NÃO é segredo para nin-guém que o novo selecio-nador nacional foi cam-peão no FC Porto, que ganhou duas Taças de Por-

tugal, uma da Grécia e duas Super-taças portuguesas. Todos sabem que é engenheiro e católico. Que fuma. Mas quem é, na vida privada, o novo chefe de Ronaldo e companhia? A BOLA responde a 11 perguntas que ajudam a traçar o perfil de um homem a quem não se conhece inimigos.

Todos lhe chamam engenheiro, mas tem outra alcunha?

1Antes de mais, engenheiro é alcu-nha mas também título profissio-

nal, pois formou-se em engenharia de telecomunicações. Mas, respon-dendo à pergunta, tem sim: ‘Mal hu-morado’ e ‘Sono’. O sono vem dos

Por

NUNO PERESTRELO

Fernando Santos em perguntas11

tempos em que estudava e jogava; o mau humor do novo selecionador revela-se sobretudo de manhã, quando se prepara para iniciar mais um dia de trabalho. «Quando che-ga, parece que não dormiu a noite toda», conta José Luís, agora dire-tor desportivo do Belenenses, que se cruzou com Fernando Santos ain-da no Estrela da Amadora. Quem não o conhece chega mesmo a pen-sar que o engenheiro está zangado. Na realidade, normalmente não está. Mas mesmo sendo ele a definir que os treinos são logo pela fresca, não consegue disfarçar o mau despertar. E daí nasceu a anedota-baseada--em-factos-reais de alguém lhe di-rigir um simpático bom dia e ouvir, como resposta... «só se for para ti».

Mas se é tão mal disposto, porque todos dizem bem dele?

2Podia ser por medo, mas não é. Se não há quem não mencione

o mau humor quando lhe é pedi-do para falar de Santos, a verdade é que nem por isso alguém, de en-tre os que A BOLA ouviu, conhe-ce uma só pessoa (uma!) que seja capaz de dizer: «não gosto mesmo nada desse homem». Tão pouco alguém que tenha tido problemas sérios com ele. O Fernando Santos que os por-

tugueses conhecem da televisão é o Fernando Santos verdadeiro. Mas não é todo o Fernando Santos. Há também aquele reconhecido como um homem sério e de princípios, daqueles que conseguem o feito de juntar, para celebrar o casamento da filha, Pinto da Costa e Luís Fili-pe Vieira debaixo do mesmo teto. Na realidade, nada como citar

Jorge Andrade, que ele treinou no Estrela da Amadora e no FC Por-to, para perceber como o novo se-lecionador passa do registo mal disposto para um contexto de pro-ximidade: «Certo dia, meio a medo, ainda no Estrela da Amado-ra, aproximei-me dele para pedir autorização para faltar a um trei-no, pois tinha exame de matemá-tica. A resposta dele foi, para mim, surpreendente. Perguntou-me logo se eu precisava de uma explica-dora e disse-me que tinha amigos que podiam ajudar-me». Funcio-na, portanto, como um pai para os seus jogadores. E é assim com toda a gente.

Deve ser mal educado, para estar suspenso por oito jogos...

3Pode não ser um doce na abor-dagem quando acorda, pode

até estar desesperado por um ci-garro em determinado momento, mas se há coisa que ninguém apon-ta a Fernando Santos é ser mal edu-cado. O próprio já explicou que a suspensão de oito jogos que a FIFA lhe impôs foi por, já depois de ex-pulso, não se ter retirado imedia-tamente do campo. Conta ele que com os nervos de dar indicações ao adjunto sobre quem marcaria os penalties — isto porque dois joga-dores voltaram atrás e disseram não querer fazê-lo – se distraiu e demorou a abandonar o relvado. Não ofendeu nem ameaçou nin-guém. De resto, é anedótica a razão

que certa vez motivou a sua ex-pulsão num jogo há já muitos anos. Num lance, desatou aos gritos «marreco, anda para trás... mar-reco!». O árbitro ouviu e expul-sou-o, pensando que estava a di-rigir-se a algum dos elementos da equipa de arbitragem. O problema é que Fernando Santos estava, na realidade, a chamar José Carlos, seu jogador no Estoril e Estrela da Amadora, cuja alcunha era preci-samente marreco.

Sendo católico, como lida ele com a Fé enquanto trabalha?

4Há um momento de viragem na vida de Fernando Santos.

Aquele em que Nunes de Carvalho o despediu do cargo de treinador do Estoril. Questionou tudo e aca-bou por encontrar num cursilho de cristandade a força que lhe fal-

tava para enfrentar a desilusão. A forma aberta como fala publi-

camente sobre a sua fé é uma ima-gem de marca. E é algo que tem sempre presente. Quando treina-va o Estrela da Amadora, as viagens ao norte do País tinham sempre paragem de meia hora garantida (como todos os clubes) mas em Fátima e não em áreas de serviço ao longo da autoestrada. Fernan-do Santos retirava-se discreta-mente e voltava depois de fazer as suas orações. Nos jogos fora de casa, tinha

sempre a preocupação de saber a que horas havia missa e 10 minu-tos antes lá estava um táxi à por-

ta do hotel. Já no FC Porto, esca-pava-se da concentração antes dos jogos em casa, para participar na eucaristia de sábado, pelas 19.30 horas. Do que não gostava mesmo era

de brincadeiras sobre o assunto. No Estrela, o massagista Mário Ve-ríssimo, ateu, provocava-o: dizia--lhe que se o treinador adversário também rezasse, o jogo tinha de dar empate, pois Deus teria de olhar pelos dois. Na realidade, não se ria e respondia sempre em tom seco... «cala-te com isso». E a conversa morria ali. Diz também quem o conhece

que é ativo a ajudar os mais ne-

cessitados. Mas fá-lo de forma dis-creta e sem disso dar conta a quem quer que seja.

Com o dinheiro que ganha leva uma vida de luxo?

5Nem por isso. Mesmo sendo um treinador de top nunca fez

contratos milionários. Ganhou muito dinheiro — na realidade muito mais que o comum mortal —

mas nem por isso mudou. «Dizia sempre que o dinheiro é para guar-dar e perguntava aos jogadores, muitas vezes, se estavam a cuidar do futuro», contra Chainho, que com ele partilhou vários anos da carreira, do Estrela da Amadora à Grécia, passando ainda pelo FC Porto.

Mas o carro dele deve ser uma bomba, não?

6Fernando Santos não é mesmo apegado a bens materiais.

Quando chegou à sede da Federa-ção Portuguesa de Futebol para ser apresentado como novo seleciona-dor conduzia um modesto (para a sua condição económica, claro) Ford S-Max, monovolume familiar. O carro serve-lhe, na realidade, para as viagens entre Lisboa e Mora, onde há anos adquiriu um monte e onde, sempre que pode, se refugia por breves períodos. Já teve BMW mais de uma vez, sim, até um Mercedes, mas no luxo é comedido. Mesmo mudando de clube, mesmo melho-rando os contratos, vai mantendo o carro por largos períodos — estra-nho? Nem tanto, o milionário Bel-miro de Azevedo também só troca o seu de 10 em 10 anos...

Então e casa? Deve ser um palacete num bairro chique...

7Não vale mesmo a pena insis-tir nessa abordagem. Conven-

ça-se, de uma vez por todas, que Fernando Santos não é um esban-jador. Teve um dia o sonho de vi-ver numa moradia. Quando con-seguiu, escolheu bem, comprou-a na Aldeia do Juzo, e ali se mantém há mais de 20 anos. Sem alterar os padrões de vida, sem precisar de se rodear de luxo. Sem tentações de ceder ao supérfluo. Algo que se explica, na realidade, não só pela educação que recebeu, mas tam-bém pela forte fé cristã, que um dia lhe bateu à porta e o transfor-mou num homem novo.

De que gosta ele na vida?

8Se há três prazeres que os ami-gos lhe apontam, há que colo-

cá-los aqui por ordem: primeiro, conversar. Quantos jornalistas e funcionários dos clubes por onde passou recordam, ainda hoje, as horas que ficavam à conversa, de-pois das conferências de impren-

sa, a discutir desde táticas de fu-tebol a aspetos da vida diária? E mesmo com os jogadores, há

alturas em que desliga o modo mauzão. Pedro Valido, ex-defesa central que se cruzou com Fernan-do Santos no Estoril e no Estrela da Amadora, agora treinador adjunto dos sub-19 do Benfica, recorda bem os dois lados do mister. Em campo e durante a semana era distante, disciplinador. Impunha respeito e mantinha a distância. Depois dos jo-gos, transfigurava-se. «No Estoril, ele marcou-me. Fazia uns treinos a que chamava quarta-feira europeia e que eram violentíssimos. Saía-mos a sprintar do balneário e dáva-mos mais uma série de voltas, uma eternidade, ao relvado sempre em velocidade máxima. Havia gente a vomitar e eu, de terça para quarta--feira, nem dormia, só de pensar naquilo. Depois, no dia dos jogos, almoçávamos juntos e fazíamos tempo à espera da hora. Ele, tran-quilo, não demonstrava qualquer tipo de stresse. No final, dava-me boleia para Lisboa e parávamos num bar no Estoril, onde ficávamos a conversar com um ou outro diretor que por lá aparecesse». O segundo: não diz que não a

um bom jogo de cartas e contam--nos que é um bom jogador. Ter-ceiro: adora comer, sendo grande adepto de uma boa caracolada. Também é apreciador, em doses moderadas, de um bom vinho tin-to. Começou recentemente a ter mais cuidado com o que coloca habitualmente no prato: afinal, a saúde é um bem precioso, e já che-gou o 60.º aniversário.

Gosta de andar na farra?

9Pelo contrário. Se há coisa que Fernando Santos faz pouco é

andar em festas ou grandes saídas de casa. A família é o centro do seu mundo e foi em torno da mulher, Guilhermina, da filha Cátia e do filho Luís que construiu o seu pro-jeto de vida. Dedicou-se a 100 por cento à educação dos filhos e nun-ca abdicou da companhia da mu-lher. Guilhermina, que era pro-fessora, foi com ele para a Madeira, onde trabalhou, não o acompa-nhou numa primeira fase no FC Porto, mas acabou por largar a car-reira docente para com ele seguir viagem até à Grécia. Algo que Fernando Santos nun-

ca ultrapassou foi a morte do pai, de quem era grande amigo. «Um dia chegou a casa e o pai disse-lhe que estava com frio. Percebeu que se passava algo e a verdade é que pouco tempo depois o pai mor-reu», conta um amigo, que assu-me ter sido esse o maior desgosto da sua vida. Andou com Guilhermina pelo

sul do país à procura de uma casa onde pudessem descansar, e aca-baram por escolher um monte re-

catado perto de Mora. Na realida-de, é lá que Fernando Santos mais gosta de estar e é lá que aproveita o facto de ter um curso de água a passar-lhe no terreno para dar asas a outro dos prazeres que tem na vida: pescar.

Quando se conversa com ele fica-se a saber muito do Mundo do futebol?

10Fernando Santos gosta de tertuliar, mas na realidade

é uma péssima fonte de informa-ção. Não só para jornalistas, mas também para os amigos. Por mais próximas que lhe sejam as pessoas com quem vai lidando, o novo se-lecionador nunca abre o jogo so-bre os novos desafios profissionais. Enquanto se vestia para ir para o estádio da Luz onde, horas mais tarde seria apresentado como trei-nador, e quando já se falava do ne-gócio à boca cheia, ainda respon-dia aos amigos que isso era «uma treta». Algo que, hoje, nenhum leva a mal. Não é defeito, é feitio. Quando foi para o FC Porto, pro-

tagonizou com José Luís, à altura secretário técnico do Estrela da Amadora, episódio que mostra bem como guarda para si os segredos: «Fui com ele a uma gala da liga na Figueira da Foz e Pinto da Costa fez-lhe sinal para falarem. O Fer-nando foi e esteve mais de uma hora com ele. Na viagem de regres-so a Lisboa, não abriu a boca para dizer uma só palavra», conta. Iria já a pensar no novo desafio, mas es-taria também a evitar conversar para não ter de mentir ao amigo de modo a preservar o segredo...

Tem algum tique?

11Essa pergunta é só para ver se estamos atentos aqui n’A

BOLA ou televisão é coisa que não entra lá em casa? Fernando San-tos é facilmente identificável! É aquele que pigarreia vezes sem conta e que mete um dedo junto ao pescoço, para alargar a gola da ca-misa, como se sufocasse ao engra-vatar-se. Da próxima vez que o ouvir falar repare noutro tique que os amigos lhe apontam: socorre--se várias vezes da expressão «na realidade». E sim, é por isso que cada uma das respostas às pergun-tas inclui esta marca do novo se-lecionador. Porque, na realidade, todos os portugueses desejam mal--humorado-de-quem-todos-di-zem-bem os maiores sucessos des-portivos com a Seleção Nacional.

Selecionador nacional desvendado dDas

alcunhas aos tiques d Quem é este homem?

ANTONIO AZEVEDO/ASF