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FEIRA LIVRE E CULTURA POPULAR: ESPAÇO DE RESISTÊNCIA OU DE SUBALTERNIDADE? Dalyson Henriques Barros de Souza Universidade Federal da Paraíba [email protected] José Carlos Dantas Universidade Federal da Paraíba [email protected] Thyago Barbosa de Oliveira Matias Universidade Federal da Paraíba [email protected] Emilia Moreira Universidade Federal da Paraíba [email protected] Resumo: O objetivo deste trabalho é procurar entender se, na contemporaneidade, a feira livre de cidades interioranas do Nordeste brasileiro se constitui em uma expressão da cultura popular, e como tal, representa um espaço de resistência ou de subalternidade à ideologia dominante, ao poder instituído, em suma, à lógica do modelo de desenvolvimento hegemônico. A hipótese levantada é a de que as feiras livres das cidades interioranas constituem espaços dinâmicos que tem se modificado ao longo do tempo e refletem tanto as relações de dominação e subalternidade como as relações de resistência, as contradições e conflitos de uma sociedade de classes. Para a realização do estudo tomou-se como recorte espacial empírico a feira livre do município de Guarabira, situado na Mesorregião do Agreste Paraibano. As informações necessárias para a elaboração do texto foram obtidas através da pesquisa bibliográfica e do trabalho de campo. O trabalho está estruturado em três seções além da introdução e das considerações finais. Palavras-chave: Guarabira, Feira, Cultura, Paraíba. INTRODUÇÃO As feiras livres na atualidade constituem espaços onde se desenvolvem relações comerciais que compreendem a negociação de produtos oriundos da agricultura, da pecuária, do artesanato e da indústria. Nelas também se estabelecem relações sociais e

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FEIRA LIVRE E CULTURA POPULAR: ESPAÇO DE RESISTÊNCIA OU DE SUBALTERNIDADE?

Dalyson Henriques Barros de Souza Universidade Federal da Paraíba

[email protected]

José Carlos Dantas Universidade Federal da Paraíba

[email protected]

Thyago Barbosa de Oliveira Matias Universidade Federal da Paraíba [email protected]

Emilia Moreira

Universidade Federal da Paraíba [email protected]

Resumo: O objetivo deste trabalho é procurar entender se, na contemporaneidade, a feira livre de cidades interioranas do Nordeste brasileiro se constitui em uma expressão da cultura popular, e como tal, representa um espaço de resistência ou de subalternidade à ideologia dominante, ao poder instituído, em suma, à lógica do modelo de desenvolvimento hegemônico. A hipótese levantada é a de que as feiras livres das cidades interioranas constituem espaços dinâmicos que tem se modificado ao longo do tempo e refletem tanto as relações de dominação e subalternidade como as relações de resistência, as contradições e conflitos de uma sociedade de classes. Para a realização do estudo tomou-se como recorte espacial empírico a feira livre do município de Guarabira, situado na Mesorregião do Agreste Paraibano. As informações necessárias para a elaboração do texto foram obtidas através da pesquisa bibliográfica e do trabalho de campo. O trabalho está estruturado em três seções além da introdução e das considerações finais.

Palavras-chave: Guarabira, Feira, Cultura, Paraíba.

INTRODUÇÃO

As feiras livres na atualidade constituem espaços onde se desenvolvem relações

comerciais que compreendem a negociação de produtos oriundos da agricultura, da

pecuária, do artesanato e da indústria. Nelas também se estabelecem relações sociais e

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de sociabilidade bem como são encontradas representações da cultura popular

evidenciadas através de “valores, expressões, tradições, transformações que

ressignificam a todo instante a memória dos que as frequentam, representando as suas

identidades, mesmo que de caráter múltiplo” (ARAÚJO, 2013).

A origem das feiras livres está relacionada ao renascimento das atividades

comerciais na Europa durante a transição da Idade Média para a Idade Moderna. No

regime feudal a sociedade europeia tinha uma economia de caráter essencialmente

agrícola voltada para o autoconsumo. Devido a essa autossuficiência os níveis de

relações comerciais estabelecidos no período eram baixos, por isso não havia uma

preocupação no sentido da produção de excedentes em grande escala.

Com o decorrer do tempo, o avanço das técnicas produtivas ocasionou um

aumento significativo da produção agrícola e o consequente surgimento de excedentes

no campo que proporcionou a reativação e a expansão comercial, responsável pelo

desenvolvimento e crescimento das cidades europeias. O desenvolvimento do comércio

acarretou a substituição do modo de produção feudal pelo capitalista, e o consequente

crescimento dos mercados periódicos e das grandes feiras (DANTAS, 2008).

No caso do Brasil, a gênese das feiras livres está associada à vinda dos

colonizadores portugueses que as introduziram no período colonial com base nos

modelos de mercado europeu ao qual estavam habituados. As feiras, porém não se

estabeleceram de imediato. Mott (1975), citado por Pazera Jr. (2003) descreve que o

pequeno comércio encontrava dificuldades de se instalar, devido à autossuficiência dos

engenhos que produziam o necessário tanto para o suprimento da Casa Grande quanto

dos escravos e aquilo que não era produzido no entorno da propriedade vinha da

Metrópole ou era trazido por mascates.

Em relação ao Nordeste brasileiro, o surgimento das feiras está relacionado à

pecuária, uma das principais atividades econômicas desenvolvidas no período colonial.

Sabe-se que a criação de gado foi responsável pela ocupação do Sertão nordestino,

sobretudo no século XVII. Em virtude do transporte do gado do Sertão para abastecer

de carne os engenhos da Zona da Mata e do Brejo Paraibano, foram se estabelecendo

pontos de parada os quais ficaram conhecidos como os “pontos de pouso” para a boiada

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e os tropeiros (ANDRADE, 1986; MOREIRA e TARGINO, 1997). Nestes pontos de

pouso foram se instalando currais para onde convergiam os pequenos agricultores que

moravam nas áreas circunvizinhas a fim de comercializar produtos oriundos de suas

lavouras, bem como para oferecer serviços aos condutores dos animais (ferrar e selar os

cavalos, por exemplo) (DANTAS, 2008). Em torno desses “pontos de pouso” surgiram

as feiras livres do Agreste Paraibano.

A feira livre de Guarabira foi uma das que surgiu de um ponto de pouso. A

situação geográfica do município, entre os estados do Rio Grande do Norte e de

Pernambuco e entre a Zona da Mata e o Sertão paraibano, transformou deu origem a um

entroncamento e um ponto de parada obrigatória de tropeiros e suas boiadas. Foi assim

que no século XIX, num povoado de nome Cuité, atual cidade de Cuitegi, que pertencia

ao município de Guarabira, instalou-se um ponto de pouso em torno do qual se

desenvolveu uma feira que atraía pessoas do lugar e de municípios vizinhos (ALVES,

2011).

O pequeno núcleo de comercialização foi transferido em 1877, para o centro da

cidade de Guarabira, se instalando na Rua da Matriz de Nossa Senhora da Luz de onde

foi posteriormente transferida para a rua D. Pedro II e finalmente para o entorno do

Mercado Público onde se encontra até hoje. Trata-se de uma das feiras mais importantes

e mais antigas do Agreste Baixo da Paraíba. Sua área de influência extrapola os limites

do município e alcança ampla área do Agreste Baixo e do Brejo Paraibano.

O objetivo deste trabalho é estudar a feira livre do município de Guarabira

procurando entender se ela constitui uma expressão da cultura popular e como tal,

representa um espaço de resistência ou de subalternidade à ideologia dominante, ao

poder instituído, em suma, à lógica do modelo de desenvolvimento hegemônico.

ASPECTOS LOCACIONAIS E SOCIOECONÔMICOS DE GUARABIRA/PB

O município de Guarabira está localizado na Mesorregião do Agreste Paraibano,

na Microrregião de Guarabira (Fig. 01), a aproximadamente 100 km de distância da

capital do estado, João Pessoa. Compreende uma área de 165,744 km² e possui uma

população de 55.326 habitantes, o que corresponde a 33,6% da população residente na

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microrregião (IBGE, 2010). A população é essencialmente urbana (88,5% da população

total residem na cidade).

Figura 01. Localização geográfica do município de Guarabira/PB

A atividade agropecuária municipal tem como destaque a pecuária bovina de

corte. A agricultura é incipiente destacando-se as culturas da cana de açúcar, mandioca

e banana (IBGE, 2012). Da produção de alimentos distingue-se além da mandioca, a

batata-doce, o feijão, o milho e as frutas (IBGE, 2012).

Guarabira conta com um setor industrial composto por empresas de pequeno,

médio e grande portes a exemplo da Guaraves (agronegócio avícola que já exporta para

a Europa e EUA), a Ricol Rafael Indústria Confecções Ltda, indústria de confecções e a

Alpargatas (empresa brasileira conhecida pela produção das sandálias havaianas).

De acordo com o IBGE, no ano de 2011 o Produto Interno Bruto (PIB) de

Guarabira foi o 9º maior do estado. A cidade foi classificada em sexto lugar no ranking

das que possuíam o maior número de empresas na Paraíba no ano de 2012 (1.305

unidades locais).

No setor comercial a feira livre desempenha um importante papel para a

economia guarabirense não só porque ela polariza municípios do entorno, da região do

Brejo e dos estados de Pernambuco e do Rio Grande do Norte, como pela sua

capacidade de fazer circular pessoas e produtos variados, por se constituir numa área

onde se realizam importantes trocas e um verdadeiro centro de reprodução de aspectos

importantes da tradição cultural da região.

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CARACTERIZAÇÃO DA FEIRA LIVRE DE GUARABIRA

A feira livre do município de Guarabira é um importante ponto de comércio do

Agreste Paraibano, para onde converge uma considerável quantidade de pessoas e de

produtos provenientes de outras localidades. Além do seu viés econômico, ela também

possui um viés social e cultural.

No que concerne à origem dessa feira livre, Souza (1996) alega que ela teria

surgido no século XIX, por volta de 1876, na povoação de nome Cuité, pertencente à

vila de Independência (hoje cidade de Guarabira). Posteriormente foi transferida para a

frente da Igreja Matriz e em seguida para o entorno do Mercado Municipal onde

permanece até hoje.

Durante a pesquisa de campo realizada (2013 e 2014) constatou-se que a feira

se estendia por quatro ruas, cada uma abarcando uma especialidade. Na rua José de Sá

Benevides se concentra o maior número de barracas e uma maior variedade de

mercadorias, afluindo consequentemente um maior fluxo de pessoas. Na rua José

Álvares Trigueiro, predomina o comércio de confecções e calçados. Na rua Napoleão

Laureano, se concentra o comércio de frutas, verduras e animais e na rua Augusto de

Almeida ocorre a comercialização da carne.

As mercadorias comercializadas na feira são provenientes tanto do próprio

município quanto de outros municípios e até mesmo de outros estados. Dentre as

mercadorias do próprio município destacam-se os gêneros alimentícios advindos de

pequenas unidades de produção agrícolas (hortaliças, frutas e animais de pequeno

porte), assim como produtos oriundos do artesanato local e de pequenas fábricas.

Também é comum se encontrar na feira, produtos da agricultura familiar provenientes

de municípios vizinhos. Produtos advindos de Campina Grande-PB, de Caruaru,

Toritama e Santa Cruz-PE, também se fazem presentes. A diversidade de mercadorias

comercializadas podem ser observadas através da figura 02.

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Figura 02. Produtos comercializados na feira de Guarabira: a) chapéus e sandálias de couro (artesanal); b) banco de artigos para cavalo; c) comida típica (picado de porco); e d) calçados

(industrializados). Fonte: Acervo dos autores, 2013.

A FEIRA LIVRE DE GUARABIRA: espaço de resistência ou de subalternidade?

A feira livre, desde suas origens, se constitui um território de compras, vendas e

trocas de mercadorias diferenciadas (alimentos, vestimentas, animais, produtos típicos,

etc.) que aglutina tradicionalmente, população de diversas classes. Nela os comerciantes

expõem suas mercadorias em estruturas móveis, utilizando a via pública onde são

erguidas barracas e bancas e também é possível identificar expressões as mais diversas

da cultura popular.

A feira livre de Guarabira não foge à regra. Estruturada atualmente em torno de

dois mercados públicos ela representa de um lado, a expressão do modelo hegemônico

de produção, na medida em que parcela dos comerciantes já se encontra inserida no que

Santos (2008) denomina de circuito superior da economia, buscando através do

comércio das feiras, unicamente a lucratividade (comerciantes que são proprietários de

lojas e que expõem seus produtos em barracas na feira utilizando mão-de-obra

contratada; grandes comerciantes de produtos industrializados que adquirem

mercadorias em polos industriais nacionais e internacionais para vender em várias feiras

usando, via de regra, o trabalho assalariado ou terceirizado, etc.). Esses comerciantes

reproduzem a lógica do modelo hegemônico de produção capitalista e fazem parte na

maioria dos casos da classe dominante da sociedade.

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A grande maioria dos feirantes, porém é constituída de uma população que não

conseguiu se inserir no mercado formal de trabalho e transformou-se em atravessador-

comerciante (comprador de produtos da agricultura e do artesanato para revenda na

feira), ou são pequenos produtores agrícolas que buscam a feira para comercializar

diretamente com o consumidor os produtos do seu trabalho. Há também aqueles que

usam o espaço da feira para transmitir de geração para geração elementos da cultura

popular representados das mais diversas formas: a) através do canto e da música

(repentistas, cantadores de viola, sanfoneiros); b) através da poesia (a poesia popular, o

cordel); c) através dos bens culturais relativos às técnicas, ao saber e ao saber-fazer

(comidas típicas, artesanato, obras de arte da cultura popular, mangais, etc.); d) através

das tradicionais feiras de animais, etc.

Verifica-se dessa maneira que a feira livre de Guarabira constitui um ambiente

para o qual convergem pessoas de todas as classes e feirantes que reproduzem a lógica

tanto do modelo hegemônico de desenvolvimento comercial como aqueles que

representam a resistência a esse modelo, buscando na feira obter apenas o necessário à

sua reprodução social e a da sua família.

Para buscar entender a feira de Guarabira como expressão da cultura popular e

como espaço de resistência ou de subalternidade à ideologia dominante, ao poder

instituído, em suma, à lógica do modelo de desenvolvimento hegemônico faz-se

necessário expor o que se pensa de cultura popular.

Apesar de ter-se analisado as percepções de vários estudiosos concorda-se nesse

trabalho com a concepção de Cuche (1999), que a analisa como uma cultura dominada,

que se constrói e reconstrói numa situação de dominação, porém que apesar disso não

deixa de ser uma “cultura inteira”, baseada em valores originais que dão sentido à sua

existência, construindo-se na história das relações entre os grupos sociais e na relação,

na maioria das vezes conflituosa, tensa e violenta, com outras culturas.

Segundo Fressato (2014), Cuche utiliza as expressões “dominada” e

“dominante” de modo metafórico, uma vez que para ele “o que existem são grupos

sociais que estão em relação de dominação e subordinação uns com os outros”. De

acordo ainda com Fressato, considerar a cultura popular como dominada “não significa

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dizer que ela é alienada, ou que está em posição de dominação o tempo todo, é, antes,

admitir que está em relação com outras culturas, notadamente, a cultura dominante”.

Outro aspecto abordado por Cuche são as características fundamentais das culturas

populares, embora estas ainda não sejam suficientes para defini-las com precisão. Tais

características consistem na resistência à dominação, na provocação e na contestação às

imposições culturais. Ele ainda chama a atenção para o caráter contraditório assumido

no mais das vezes pela cultura popular, hora anuindo, hora se insurgindo contra a

ideologia dominante e o poder instituído.

Importante destacar na discussão sobre a abordagem do hegemônico e do

subalterno na cultura popular, a percepção de Martin Barbero (2003). De acordo com

este autor,

nem toda assimilação do hegemônico pelo subalterno é signo de submissão, assim como a mera recusa não é de resistência (...) nem tudo que vem ‘de cima’ são valores da classe dominante, pois há coisas que vindo de lá respondem a outras lógicas que não são as da dominação (p.119).

Um espaço de resistência da cultura popular se estabelece quando há a negação

e a oposição à ideologia dominante que busca se apropriar de um determinado espaço,

criando assim uma relação de conflito. Essa relação conflituosa fica evidente em alguns

pontos que se destacam ao longo da feira livre de Guarabira como é o caso do Bar “O

Encontro dos Poetas” (Figura 03), local de encontro de repentistas e cordelistas que se

reúnem nesse ambiente a fim de expressar sua poesia popular.

Figura 03. Apresentação de repentistas no Bar “O Encontro dos Poetas”.

Guarabira, 2013, Trabalho de campo.

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Nesse sentido, o Bar “O Encontro dos Poetas” se apresenta como um ponto de

encontro da expressão da cultura popular regional e da identidade nordestina, que se

opõe aos estilos contemporâneos presentes na feira (bancos com CDs e DVDs piratas

representativos de uma cultura ideologicamente dominada) e mantém viva a tradição do

cantar e criar poesias a partir do contexto da realidade popular, configurando-se assim,

como um espaço de resistência. Além desse caso, podemos citar outros como as bancas

dos cordelistas, da cozinha regional, da venda de mangais e de artesanatos típicos, da

presença dos tradicionais barbeiros, dos chamados “lambe-lambe”1, que está quase em

extinção, entre outros como expressões de resistência à ideologia hegemônica de cultura

e à dominação do modelo de desenvolvimento dominante.

Quando há submissão por parte da classe popular ao modelo de

desenvolvimento hegemônico que se apropria do espaço em uma situação de

dominação, cria-se um espaço de subalternidade. Na feira de Guarabira também é

possível identificar esses espaços de subalternidade através da presença de comerciantes

abastados que comercializam produtos da indústria nacional ou internacional que se

fazem presentes de forma mais significativa na Rua José Álvares Trigueiro, onde nas

barracas, muitas vezes, em vez do comerciante, se encontram os assalariados. Isto uma

vez que certos feirantes tem mais de uma barraca espalhada pela feira sendo

evidentemente necessário a contratação de força-de-trabalho.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES NÃO CONCLUSIVAS

Levando em consideração que a pesquisa ainda se encontra em andamento,

consideramos a necessidade de aprofundar a leitura e a discussão sobre a feira livre

enquanto expressão da cultura popular e espaço de resistência ou de subalternidade.

Todavia, com base nos primeiros estudos e nas primeiras discussões realizadas tendo

como objeto empírico de análise a feira livre da cidade de Guarabira, o que

conseguimos abstrair até então é que: a) houve mudanças substanciais na forma de

estruturação e organização da feira em função das mudanças observadas no espaço

1 No Nordeste o “lambe-lambe” é o fotógrafo tradicional que faz suas fotografias em preto e branco nas feiras utilizando instrumentos antigos como as antigas máquinas fotográficas, sempre levando à mão, além do velho equipamento, um tamborete para o cliente sentar.

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urbano ao longo do tempo e das influências econômicas, sociais e culturais impostas

pelo modelo de desenvolvimento econômico dominante; b) o consumidor também é

responsável pelas mudanças na feira uma vez que é ele quem procura a mercadoria. Se

ele muda seus padrões de consumo, ele buscará que a feira lhe oferte suas novas

necessidades. É assim que observamos na feira de Guarabira a busca por máquinas

fotográficas, por CDs e DVDs, por telefones celulares, etc, que antes não eram

encontrados nas feiras livres; c) o campo e a cidade se fundem na feira seja através da

venda e da compra dos produtos do campo pelos feirantes para a revenda, seja pela

presença do camponês vendendo sua produção de alimentos, ou ainda pela produção

industrial urbana que se mistura e se confunde com objetos da cultura popular; d) a

resistência da cultura popular mesmo que transformada em alguns aspectos ainda

resiste, não se sabe até quando, como que traindo as leis da lógica do modelo

hegemônico.

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