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A ADOÇÃO POR CASAIS HOMOAFETIVOS FARIA, Itamar Teodoro de. 1 ANDRADE, Lívia Souza 2 SILVÉRIO, Natália 3 RESUMO: Por meio de pesquisa bibliográfica, este artigo, objetivando dar destaque à necessidade crescente de reflexões sobre a adoção por casais homoafetivos, discute a temática – adoção por casais homoafetivos – relacionando-a aos novos arranjos familiares e à relação da família e o Serviço Social. PALAVRAS-CHAVE: Adoção; Casais homoafetivos; família; Serviço Social. INTRODUÇÃO Este artigo, partir de uma pesquisa bibliográfica, aborda a adoção por casais homoafetivos. Tal abordagem passa pela consideração inicial sobre a relação da família e o Serviço Social e tangencia os arranjos familiares. O objetivo é evidenciar que a temática tem se mostrado mais e mais presente, demandando reflexões às Ciências Sociais e questionando à própria sociedade um alargamento na sua capacidade de lidar com tal realidade. 1. FAMÍLIA E SERVIÇO SOCIAL 1 Professor Mestre, docente da Fundação de Ensino Superior de Passos - FESP, campus associado à Universidade do Estado de Minas Gerais – UEMG. E-mail: [email protected] 2 Acadêmica de Serviço Social – Faculdade de Serviço Social de Passos – FESP/UEMG. 3 Acadêmica de Serviço Social – Faculdade de Serviço Social de Passos – FESP/UEMG.

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Page 1: FARIA, I. T., et al. A adoção por casais homoafetivos

A ADOÇÃO POR CASAIS HOMOAFETIVOS

FARIA, Itamar Teodoro de.1

ANDRADE, Lívia Souza2

SILVÉRIO, Natália3

RESUMO: Por meio de pesquisa bibliográfica, este artigo, objetivando dar destaque à necessidade crescente de reflexões sobre a adoção por casais homoafetivos, discute a temática – adoção por casais homoafetivos – relacionando-a aos novos arranjos familiares e à relação da família e o Serviço Social.

PALAVRAS-CHAVE: Adoção; Casais homoafetivos; família; Serviço Social.

INTRODUÇÃO

Este artigo, partir de uma pesquisa bibliográfica, aborda a adoção por casais

homoafetivos. Tal abordagem passa pela consideração inicial sobre a relação da família e o

Serviço Social e tangencia os arranjos familiares. O objetivo é evidenciar que a temática tem

se mostrado mais e mais presente, demandando reflexões às Ciências Sociais e questionando à

própria sociedade um alargamento na sua capacidade de lidar com tal realidade.

1. FAMÍLIA E SERVIÇO SOCIAL

Com a falência de diversos modelos de Estado, em especial do Estado do

bem estar social, em diversos países, e com constantes crises, desconfianças e incertezas nas

diversas instituições, a família começa a readquirir uma centralidade nos debates. O Serviço

Social, como campo de estudo diretamente ligado aos paradigmas atuais da sociedade e cujo

objetivo passa pela concretude de ações, atividades e serviços sociais básicos, não poderia

estar de fora.

De acordo com Regina Mioto a “incorporação da família como referência na

política social brasileira reavivou o debate em torno do trabalho com famílias, que por muito

tempo ficou relegado a segundo plano no âmbito do Serviço Social brasileiro” (online, p.1).

Assim, podemos dizer que a família é um sujeito privilegiado tanto de estudo quanto de ação

1 Professor Mestre, docente da Fundação de Ensino Superior de Passos - FESP, campus associado à Universidade do Estado de Minas Gerais – UEMG. E-mail: [email protected] Acadêmica de Serviço Social – Faculdade de Serviço Social de Passos – FESP/UEMG.3 Acadêmica de Serviço Social – Faculdade de Serviço Social de Passos – FESP/UEMG.

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do Serviço Social.

O Serviço Social, todo ele constituído sobre a reflexão e a busca de formas

de, se não eliminar, ao menos abrandar as expressões da questão social, tem definido nos

últimos tempos a família como campo privilegiado de atuação. Não por outro motivo, grande

parte – se não a totalidade – das políticas de assistência social, cada vez mais integradas em

rede, tem seu foco na família. Tendo a família como base de atuação, intenta aumentar seu

alcance às outras esferas da sociedade.

Não se pode desconsiderar a complexidade da temática, mas antes é

fundamental um olhar mais apurado sobre as formas como se organiza a família e de que

maneira se configuram o relacionamento: internamente, entre os membros que a compõe, e

externamente, com as diversas esferas da sociedade. De acordo com Regina Mioto,

A família, nas suas mais diversas configurações constitui-se como um espaço altamente complexo. É construída e reconstruída histórica e cotidianamente, através das relações e negociações que estabelece entre seus membros, entre seus membros e outras esferas da sociedade e entre ela e outras esferas da sociedade, tais como Estado, trabalho e mercado (online, p. 5).

É preciso estar atento, sobremaneira, às mudanças históricas pelas quais o

conceito de família vem passando e, também, como eles se relacionam com as especificidades

culturais e regionais, de acordo com a abordagem, a época e o lugar que se estuda. Para

Delma Borges, no “decorrer da história, o conceito de família foi sendo alterado em

consonância às mudanças ocorridas, tanto em seu interior quanto na sua relação com a

sociedade” (2008, online, p.13).

Considerando que o papel dos assistentes sociais está intimamente

vinculado a busca por respostas aos desafios da sociedade contemporânea, e que a família se

constitui com um dos principais âmbitos em que diversas questões sociais se refletem e por

ela são refletidas, é importante levantar alguns aspectos que permeiam tal debate.

No caso do presente artigo, busca-se trazer ao debate um levantamento das

novas configurações que a família assume, acompanhando as mudanças pelas quais vem

passando o mundo, globalmente, nas mais diversas áreas. Afinal, a família, segundo Regina

Mioto, “não é apenas uma construção privada, mas também pública e tem um papel

importante na estruturação da sociedade em seus aspectos sociais, políticos e econômicos”

(online, p.5).

1.1. Novos arranjos familiares

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A família, como dito anteriormente, assume novas configurações

adequando-se e acompanhando as mudanças, nas mais diversas áreas, pelas quais vem

passando o mundo. Para Regina Mioto (online, p.6) merecem destaque as mudanças de

caráter econômico, que se relacionam ao mundo do trabalho, e as de caráter tecnológico,

“particularmente àquelas vinculadas ao campo da reprodução humana e da informação”. Ou

seja, o modo de produção que uma determinada sociedade assume, bem como seus produtos e

resultados, interferem e se relacionam com os modelos em torno dos quais a família se

organiza.

Ainda de acordo com a autora, contribuem para isso as “novas

configurações demográficas, que incluem famílias menores, famílias com mais idosos e

também das novas formas de sociabilidade desenhadas no interior da família. Uma

sociabilidade marcada pelo aumento da tensão entre os processos de individuação e

pertencimento” (MIOTO, online, p.6).

Uma destas novas formas de socialização é a união homoafetiva, que

começou a ganhar espaço em virtude das mudanças e revoluções que vem acontecendo desde

a metade do século XX. Desde a revolução sexual, na década de 60, passando pela

reivindicação dos direitos dos homossexuais em diversos momentos desde então, e resultando

em uma redução no preconceito – que, ainda assim, é muito grande – e um crescente aumento

nos direitos – em especial, na década de 1990, com a Organização Mundial de Saúde

deixando de considerar o homossexualismo doença – cada vez mais homossexuais assumiram

sua ‘opção’ sexual e, portanto, mais casais homoafetivos se constituíram.

Esse novo arranjo, que agora alcança o estatuto de familiar, representa um

salto considerável. No caso brasileiro, até a Constituição de 1988, somente era considerado

família aquela forma de socialização decorrente do casamento. Ou seja, até a muito pouco

tempo, somente se considerava família a união de homem e mulher com objetivo de

procriação, concentração e transmissão de patrimônio. Recuando um pouco no tempo,

percebemos que essa forma era a única acolhida como família pelo Código Civil de 1916.

Também percebemos que, mesmo no caso de união entre homem e mulher, se não houvesse

filhos, estabelecia-se certo preconceito. A impossibilidade de gerar os próprios filhos causava

constrangimento e, no caso de filhos nascidos fora do casamento, o constrangimento seguia:

filhos assim gerados eram tidos por “ilegítimos”, “bastardos”, podendo sofrer também

restrições sucessórias.

A realidade que a Constituição Cidadã buscou amparar extrapolara, já há

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bastante tempo, o arranjo familiar até então tido como único. Foram consideradas entidades

familiares arranjos os mais diversos: marido, mulher e filho(s), a conhecida família

tradicional; mãe e filho(s) ou pai e filho(s), as chamadas famílias monoparentais; e outros

tantos decorridos de nascimentos e falecimentos de herdeiros e de pais (famílias compostas

apenas por irmãos, por primos, por tios e sobrinhos, avós e netos, etc.).

Outra transformação importante foi a emergência e reconhecimento da

união estável como entidade familiar. Nessa esteira, é preciso considerar que a pedra de toque

na definição de família foi migrando da questão biológica (a capacidade de gerar filhos) para

a questão afetiva (o afeto sendo o eixo de formação do arranjo familiar).

2. CASAIS HOMOAFETIVOS E ADOÇÃO

A homossexualidade ainda é objeto de grande controvérsia. Nas ciências

médicas, como nas outras, não se chegou a uma conclusão se é decorrente de opção ou se é de

origem biológica. Afastando as restrições impostas a partir de considerações religiosas, o que

se tem é uma realidade que esteve presente na história humana até onde os registros alcançam.

Essa realidade também está presente em outras espécies do reino animal. O que se pode dizer,

a propósito do entendimento dos especialistas, é que a homossexualidade trata-se de “mistura

de fatores, resultado de influências biológicas, psicológicas e socioculturais, sem peso maior

para uma ou para outra – nunca uma determinação genética ou uma opção racional.”

(ANTUNES, 2003, p.75).

Não é o caso, aqui, de discorrer sobre os porquês mas sim de considerar um

fato. Homossexuais, declarados ou não, estão presentes nas diversas esferas da sociedade e

são sujeitos de direitos e deveres tanto quanto todos os demais.

Diversos países já regulamentaram a união homoafetiva, sendo a Espanha o

caso mais recente. Alguns também já regulamentaram a adoção por esses casais.

Com as mudanças de paradigmas que transformaram o modo de se enxergar

e se estruturar a família, nada mais óbvio que as uniões homoafetivas reivindicassem o direito

de adotar crianças. Para Jane Maschio,

Ora, se a base da constituição da família deixou de ser a procriação, a geração de filhos, para se concentrar na troca de afeto, de amor, é natural que mudanças ocorressem na composição dessas famílias. Se biologicamente é impossível duas pessoas do mesmo sexo gerarem filhos, agora, como o novo paradigma para a formação da família – o amor, em vez da prole – os "casais" não necessariamente precisam ser formados por pessoas de sexo diferentes (2001, online).

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Segundo Aline Verônica (2009, online), não existem restrições legais, no

Brasil, para a adoção por casais homoafetivos. Pelo contrário, a Constituição Federal tem em

seus artigos os fundamentos da cidadania e a dignidade da pessoa humana, bem como os

objetivos fundamentais, a construção de uma sociedade justa e solidária; a erradicação da

pobreza e da marginalização, a redução das desigualdades sociais e a promoção do bem de

todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de

discriminação.

Além disso, o Estatuto da Criança e do Adolescente, também não “apresenta

nenhuma restrição à possibilidade de adoção por homossexuais, visto que, não faz menção à

orientação sexual do adotante, prescrevendo apenas, em seu artigo 42 que 'podem adotar os

maiores de 21 anos, independentemente do estado civil'” (VERÔNICA, 2009, online).

Mesmo com tais aberturas, presentes na legislação brasileira, a adoção por

casais homoafetivos ainda é um assunto complexo e delicado. Pode-se perceber, com um

breve levantamento bibliográfico, a quantidade de textos, artigos e monografias que tratam do

assunto. “Em relação ao instituto da adoção, existem poucas controvérsias, aparecendo

problema, entretanto, quando se trata da adoção por casais homoafetivos, visto que este tipo

de união ainda não é regulada pela legislação brasileira” (VERÔNICA, 2009, online).

A regulamentação dessa nova possibilidade – a adoção por casais

homoafetivos – está nos seus primeiros passos. Em 2010, foi autorizada por tribunal de justiça

a primeira adoção do tipo. Em abril de 2011, o Supremo Tribunal Federal, reconheceu a união

homoafetiva como entidade familiar.

2.1. Adoção

A palavra adoção, oriunda do latim adoptio, em nossa língua assumiu o

significado de “tomar alguém como filho”. Ultrapassando as variações na definição de

adoção, o que se tem como central é o estabelecimento de vínculo jurídico de filiação. Ou

seja, como ponto pacífico “todos os conceitos concordam que a adoção confere a alguém o

estado de filho, gerando um parentesco civil, desvinculado dos laços de consangüinidade

(VERÔNICA, 2009, online).

Os requisitos indispensáveis ao processo de adoção são fornecidos pelo

Código Civil, nos artigos 1.618 a 1.629, e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA,

Lei 8.069/90, nos artigos 39 a 52.

Alguns marcos dos percursos da adoção, na legislação brasileira, extraídos

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de Verônica (2009, online), são:

- o Código Civil de 1916 (artigos 368 a 378) , que previa que apenas os maiores de cinqüenta

anos, e com diferença de idade de pelo menos dezoito anos em relação ao adotado poderiam

adotar, além do que restringia a adoção por duas pessoas somente poderia ocorrer quando se

tratasse de marido e mulher.

- a Lei nº 3.133, de maio de 1957, que trouxe a alteração de dispositivos relacionados à

adoção, reduzindo a idade mínima do adotante para trinta anos (e a diferença de idade entre

adotante e adotado, para dezesseis anos.

- o Código de Menores, de 1979, que, baseando-se na doutrina da situação irregular (a criança

e o adolescente tratados como objetos do Direito), voltava seus olhos estes indivíduos apenas

quando se considerava que estivessem vivendo de forma irregular na sociedade. No que diz

respeito à adoção, duas formas eram previstas: adoção plena e adoção simples. A adoção

plena, “caberia em favor do menor com mais de sete anos de idade se, no momento em que

completasse essa idade, já estivesse sob a guarda dos adotantes. Extinguia todos os vínculos

do adotado com a sua família biológica, mantendo-se apenas os impedimentos matrimoniais”.

A adoção simples “gerava um vínculo de efeitos limitados e sem total desligamento do

adotado da sua família de sangue”.

- a Lei n˚ 8.069, de 1990, conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. Esta

lei foi responsável por concretizar e expressar os novos direitos das crianças e adolescentes

que estavam assegurados pela Constituição Federal de 1988, estabelecendo o norte para as

regras de aplicação dos artigos 226 e 227 da Constituição e constantes dos Tratados

Internacionais de Proteção aos Direitos das Crianças, que foram ratificados pelo Brasil.

Respaldados na orientação legal prevista no art. 227 da CF e arts. 1º e 2º do

ECA, que reconhecem e asseguram a todas as crianças e adolescentes (de 0 a 18 anos de

idade), todos os direitos previstos na legislação brasileira, os procedimentos atuais de adoção

adotaram a teoria da proteção integral.

A Proteção Integral é a base que organiza todo o novo conjunto de

princípios e normas jurídicas que se voltam à efetivação dos direitos fundamentais da criança

e do adolescente, trazendo em sua essência a proteção e a garantia do pleno desenvolvimento

humano e reconhecendo a condição peculiar de pessoas em desenvolvimento e a articulação

das responsabilidades entre a família, a sociedade e o Estado para a sua realização por meio

de políticas sociais públicas. Está proposto que o direito deve garantir a satisfação de todas as

necessidades das crianças e adolescentes, não apenas no tocante aos aspectos penais de ato

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praticado pelo ou contra o menor, mas, também, com relação ao seu direito à vida, à

educação, à saúde, convivência, lazer, liberdade, etc.

No que diz respeito instituto da adoção, o Estatuto da Criança e do

Adolescente alterou o regime anterior unificando as duas formas de adoção previstas (a plena

e a simples) para uma única forma. De tal modo, foi permitido que maiores de 21 anos

pudessem adotar, qualquer que fosse o estado civil, desde que com diferença de idade entre

adotante e adotado de pelo menos dezesseis anos. A idade máxima do adotado foi aumentada,

passando de sete para dezoito anos (na época do pedido). Ainda foi estipulado que a adoção

fosse deferida quando apresentasse reais vantagens para o adotado e tivesse motivos legítimos

como fundamento.

Em 2002, entrou em vigência o novo Código Civil. Este novo Código,

entretanto, no que se refere à adoção, apresenta-se apenas como norma complementar. Suas

normas apenas incidirão em caso de lacuna no ECA, e ainda assim, somente se não houver

incompatibilidade com os princípios fundamentais deste (VERÔNICA, 2009, online).

2.2. A adoção por casais homoafetivos

A partir da década de 90, do século passado, diversas parte do mundo

reconheceram a união homoafetiva, algumas garantindo o direito à adoção.

Em 1989, a DINAMARCA foi o país pioneiro em admitir o casamento entre pares homoafetivos, garantindo-lhes todos os benefícios sociais, porém proibindo a adoção de crianças. Logo após, em 1993, a NORUEGA passou a permitir o registro oficial da união de pares homoafetivos, oferecendo-lhes quase todos os mesmos direitos dos parceiros heteroafetivos. Os parceiros podem compartilhar o poder familiar, porém a adoção de crianças era expressamente proibida. Em 2002, autorizou a adoção de crianças, mesmo a dos filhos de parceiros. Em 1994, a SUÉCIA promulgou a Lei de Parceria Registrada, também não permitindo a adoção conjunta ou individualmente de crianças. Porém, recentemente, a adoção passou a ser admitida aos pares homossexuais, sendo que “o Estado não autoriza o casamento, mas somente o registro de uma união civil.” A ÁFRICA DO SUL foi, em 1996, o primeiro país a trazer expresso em sua constituição a proibição da discriminação em razão da opção sexual. Porém, ainda não reconhece o casamento entre homossexuais. O registro de parceria homossexual foi permitido na ISLÂNDIA a partir de 1996. Os parceiros podem partilhar a autoridade parental, sendo feito da seguinte forma: com o registro da parceria, automaticamente será concedida guarda conjunta do parceiro se o outro já tinha a guarda na época do registro, o que será cessada com a dissolução da parceria, ficando o pai biológico com a guarda individual de seu filho. No ano de 1997, uma província do CANADÁ reconheceu a possibilidade de homossexuais assumirem a tutela e

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adotarem crianças. Em 1999, foi promulgada na FRANÇA uma lei que criou o PACS – Pacto Civil de Solidariedade, que nada mais é do que um contrato celebrado entre dois maiores de sexo diferente ou do mesmo sexo, que tem por objetivo organizar a vida em comum, visando principalmente o aspecto patrimonial. Em janeiro de 2000, entrou em vigor na BÉLGICA uma lei que já havia sido aprovada em 1998, permitindo a união de pessoas do mesmo sexo. Não falava nada em adoção de crianças. Ainda em 2000, no mês de setembro, o Parlamento HOLANDÊS aprovou, por maioria absoluta (107 votos a 33), a lei que permite o casamento completo entre homossexuais, dando direito também ao divórcio e a adoção de filhos. O par homoafetivo poderá escolher entre a parceria registrada e o casamento homossexual. Se a adoção for requerida por casal, ele deverá ser casado (com coabitação de três anos, pelo menos), porém o homossexual poderá adotar individualmente também. Esse país sempre esteve na vanguarda dos direitos aos pares homoafetivos, tendo a legislação mais liberal do mundo. Na ALEMANHA, em dezembro de 2000, foi aprovada lei que concedia aos pares constituídos de pessoas do mesmo sexo, direitos e deveres semelhantes aos dos heteroafetivos. Passaram a ter direito de herança, de usar o sobrenome do parceiro e ter uma pequena tutela sobre os filhos que seus companheiros trouxessem para a relação, porém continuou não sendo permitida a adoção de crianças. Para um país que até os anos 60 criminalizava a homossexualidade, foi um grande avanço. Em PORTUGAL foi aprovada a Lei das Uniões de Fato em março de 2001, dando aos homoafetivos os mesmos direitos dos heteroafetivos, menos o direito a adoção de crianças. Em junho de 2001, a BÉLGICA passou a permitir o casamento civil aos pares homoafetivos (COSTA, online, p.29).

Na primeira década deste século, vários outros países reconheceram as

uniões homoafetivas. Estados Unidos (Califórnia, em 2002, autorizando a adoção; Flórida,

proibindo a adoção), Finlândia (2002), Argentina (2002), Bélgica (2003), são exemplos. Cabe

apontar que, nesses casos, à exceção da Califórnia, no EUA, a possibilidade de adoção pelo

casal homoafetivo foi vetada.

De acordo com o grau de liberdade e respeito conferido aos pares

homoafetivos os países podem ser agrupados:

O primeiro segmento, chamado de “modelo expandido” ou “liberal”, é aquele que além de descriminalizar a relação homoafetiva, também instituem programas de apoio a esse grupo de pessoas. São eles: Holanda, Dinamarca, países mais evoluídos da União Européia, Suécia, Noruega, Bélgica, Finlândia, Alemanha, estado americano da Califórnia, etc. O segundo bloco, chamado de “modelo intermediário”, talvez o maior deles, é aquele que se limitou a descriminalizar as uniões homoafetivas, proibiu a discriminação, deferindo apenas algumas prerrogativas como garantia dos direitos humanos, porém não promove nenhuma iniciativa positiva de legalizar a união entre pessoas do mesmo sexo. Em muitos deles há a discussão no Poder

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Legislativo e a jurisprudência vem reconhecendo alguns direitos aos pares homoafetivos. Os exemplos são: Brasil, Eslovênia, República Tcheca, Austrália, Nova Zelândia, a maioria dos Estados americanos. Na América Latina nenhum país possui legislação sobre a união civil de pares homoafetivos, a não ser a recente lei de Buenos Aires, como referida acima. A tendência atual dos países europeus é de reconhecer os pares homoafetivos. Existe ainda o grupo mais radical, de extrema repressão, chamado de “modelo conservador”, onde, até a atualidade, é imposta a pena de morte pelo fato de ser homossexual, por ser contrário aos costumes religiosos. Tratam-se dos países islâmicos e mulçumanos. A Grécia e a Irlanda também consideram a homossexualidade como ilícito penal (COSTA, online, p.32-3).

No Brasil, a efetivação das uniões homoafetivas segue caminhos tortuosos.

O Congresso Nacional ainda não legislou a respeito. Entretanto, o instituto da ‘união estável’

tem sido recurso usado para garantir certa segurança legal aos pares que dele fazem uso. A

despeito da omissão da legislação, o Poder Judiciário tem-se mostrado bastante inovador.

Amiúde a mídia expõe casos em que parceiros de mesmo sexo têm conseguido respaldo legal

para garantir direito à pensão, a uso de planos médicos, à herança, etc. Mais recentemente,

tem sido reconhecido, por tribunais de justiça, o direito de casais homoafetivos adotarem

(como casal) crianças.

Em 1995, a ex-deputada Marta Suplicy apresentou à Câmara dos Deputados

o Projeto de Lei nº 1.151/95, (nomeado Projeto de Parceria Civil Registrada entre pessoas do

mesmo sexo). Considerado um marco na sociedade, mormente no tocante à discussão da

homoafetividade no país, o projeto visava a conceder amparo aos optantes por este tipo de

parceria, com priorização da garantia dos direitos de cidadania.

De acordo com o Projeto de Lei, que por seis vezes já entrou em pauta, mas ainda não foi à plenária, a união entre duas pessoas do mesmo sexo seria reconhecida, civilmente, para assegurar os direitos inerentes à propriedade, à sucessão, ao usufruto, assegurar benefícios previdenciários, direitos de curatela, impenhorabilidade da residência, direito de nacionalidade em caso de estrangeiros, possibilidade de declaração no imposto de renda e composição da renda para compra ou aluguel de imóvel. Nada foi dito em relação à adoção por casais homoafetivos, no entanto, em seu substitutivo, esse instituto foi vedado (VERÔNICA, 2009, online).

Em decisão inovadora, o Supremo Tribunal Federal (instância máxima da

justiça brasileira) decidiu, em 05 de maio de 2011, pela equiparação de direitos e deveres

entre casais heteroafetivos e homoafetivos. Nessa decisão, a união estável de pessoas do

mesmo sexo foi reconhecida como entidade familiar, regida pelas mesmas regras que se

aplicam aos casais heterossexuais.

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Com esta decisão do Supremo, os casais homoafetivos têm reconhecido,

entre outros direitos, o de receber pensão alimentícia, de ter acesso à herança de seu

companheiro em caso de morte, de ser incluídos como dependentes nos planos de saúde, de

adotar filhos e registrá-los em seus nomes.

De agora em diante, as uniões homoafetivas serão colocadas ao lado dos três

tipos de família já reconhecidos pela Constituição: a família convencional (formada com o

casamento), a família decorrente da união estável e a família monoparental.Como entidades

familiares, as uniões de pessoas do mesmo sexo passam a merecer a mesma proteção do

Estado (O ESTADO DE SÃO PAULO, online)

No que se refere à adoção por crianças por casais homoafetivos, a se

considerar a legislação vigente, não existem restrições. Nem a Constituição Federal,

tampouco o Estatuto da Criança e do Adolescente, apresenta como requisito para a adoção a

‘opção’ sexual do adotante.

O enfrentamento aberto da questão pela Justiça Brasileira teve início

quando, ainda na década de 90 do século anterior, o juiz titular da 2ª Câmara Civil do Tribunal

de Justiça do Rio de Janeiro, aprovou as primeiras adoções por homossexuais.

Tendo em mente que o preconceito contra homossexuais ainda é

significativo, um recurso muito utilizado, por ser mais viável, é a adoção por apenas um dos

parceiros (como solteiro). Uma vez consumada a adoção, a criança passa a viver com o casal,

sendo filha (por adoção) de apenas um dos parceiros.

Em 2006, na cidade de Catanduva, Estado de São Paulo, a Justiça reconhece

a adoção por casal homoafetivo, emitindo certidão de nascimento em que um casal

homoafetivo responde pela paternidade da adotada Seguindo no mesmo sentido, em Recife, o

Juizado da Infância e da Juventude já concedeu sentença favorável ao pedido de ação de duas

irmãs feito por casa homoafetivo masculino, residente em Natal/RN. No Estado do Acre, uma

juíza também deu sentença favorável à adoção de uma criança de um ano de idade. O mesmo

ocorreu na Justiça de Brasília (VERÔNICA, 2009, online).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como se pode apreender, a sociedade brasileira tem vivenciado situações

que até há pouco tempo eram inimagináveis. Pode-se dizer que muito se avançou em termos

da garantia de direitos fundamentais para diversos grupos até então marginalizados,

ignorados, quando não criminalizados.

Os diversos avanços não podem, contudo, encobrir que ainda vivemos

tempo de muito preconceito e muitos desafios a serem superados. Tabus têm sido quebrados,

debates de várias ordem alcançam ecos e resultados importantes, mas vozes contrárias a essa

abertura de direitos ainda se fazem fortemente ouvir. O Brasil é um Estado laico desde a

Constituição de 1891, mas em várias questões os valores religiosos se impõem aos clamores

de setores da sociedade.

A questão que se nos mostra como a mais importante é que o debate sobre

os nossos problemas e as possíveis soluções demanda serenidade e um empenho sincero na

busca por soluções. Se ainda são muitas as questões a serem resolvidas, ignorá-las não vai

lograr fazê-las desaparecer.

Palavras de ordem como justiça social, equidade, direito das minorias (as

quais são, paradoxal que seja, por vezes numericamente maiorias), reclamam, para além de

discursos bem intencionados, ações concretas. De modo geral, a legislação brasileira se

mostra das mais avançadas e esclarecidas.

Papel central do Serviço Social é a construção da consciência dos direitos

(bem como dos deveres) dos cidadãos. Não se ignora que a vida social implica na convivência

dos diferentes. Justamente por conta disso, faz-se premente a discussão sem ranços de todas

as questões que nos afligem. Preconceitos arraigados, visões retrógradas, comodismos

oportunistas precisam ser desnudados, combatidos e desconstruídos tendo se em vista uma

sociedade em que a vida digna, para todos sem restrições, seja uma realidade e não apenas um

desejo ou um discurso.

REFERÊNCIAS

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Page 12: FARIA, I. T., et al. A adoção por casais homoafetivos

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<http://www.viannajr.edu.br/revista/dir/doc/art_10005.pdf>.

DUARTE, Marcos. STJ abre caminho para adoção por casais homoafetivos. O Povo, online,

28 abr. 2010. Disponível em: <http://blog.opovo.com.br/direitoeinformacao/stj-abre-caminho-

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<http://www.pailegal.net/guarda-compartilhada/135>.

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