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FAMÍLIA VIVER BRASIL FAMÍLIAS INCESTUOSAS O pacto de silêncio é a grande barreira para se revelar os horrores que acontecem em núcleos familiares com a presença de pais abusadores. É uma realidade que não possui números, estatísticas ou rostos ARTE: PAULO WERNER FOTO: SXC 80

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FAMÍLIA • VIVER BRASIL

FAMÍLIAS INCESTUOSASO pacto de silêncio é a grande barreira para se revelar os horrores que acontecem em núcleos familiares com a presença de pais abusadores. É uma realidade que não possui números, estatísticas ou rostos

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Uma família de classe média baixa moradora da região Noroeste deBelo Ho rizonte. Sete filhos, o oitavo está a caminho. A mãe tempouca ascendência sobre o grupo. O pai costuma levá-las ao par-quinho. A cena seria corriqueira se não fosse um detalhe cruel: seisdas crianças sofreram abuso sexual pelo pai, inclusive a caçula, de1 ano e 4 meses. Entre as práticas, estava a de enfileirar os filhosnus e jogar-lhes jatos de água fria. Numa outra ponta, fruto de fa-mília abastada, está a americana Mackenzie Philips, 49 anos. Em2009 lançou sua biografia, High on Arrival, contando que manteve,por 10 anos, relações sexuais com o pai, John Philips, líder, nosanos 60, da banda The Mamas & The Papas (é deles o hit Ca lifórniaDreamin). Mackenzie foi viciada em drogas, inclusive presa em 2008por porte de heroína. Chegou a engravidar e abortar do próprio pai.

Ambos os casos, assim como um sem-número de outros, com-põem o cenário das chamadas famílias incestuosas, onde imperauma regra: o silêncio. Ao contrário de casos em que pai, mãe, ma-drasta e padrasto que abusam da prole ou de enteados são de-nunciados à Jus tiça pelo cônjuge, nos núcleos incestuosos 8

RAQUEL AYRES

ALBERTO WU

Raimundo Lippi: feridasque não cicatrizam

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forma-se pacto em torno do qual se constitui se-gredo tumular a respeito das relações eróticas es-tabelecidas.

“Muitas vezes não há denúncias porque ascrianças são ameaçadas de que algo ruim acon-teça, como o provedor ir embora e faltar alimento”,pontua o psiquiatra José Rai mundo da Silva Lippi,coordenador do Am bu latório Es pe cial de Aco lhi -men to e Tratamento de Famílias Incestuosas(Amefi), do Hospital das Clínicas de BH, que fazabordagem única sobre o tema. “Este tipo de fa-mília é tabu e desperta o que chamamos de hor-ror universal. Nelas, predomina o instinto e osmembros perderam suas funções.”

Segundo a psicanalista Carolina Nassal Ribeiro,tais comportamentos desviantes trazem possibili-dades diversas de danos emocionais para as crian-ças. Ela frisa a culpa que sentem os filhos. “O pri-meiro objeto de amor de uma criança é o pai/mãe.Ter o órgão tocado proporciona prazer. Quandocrescem é que vão exercer a censura. Pode-se cul-minar no desenvolvimento de esquizofrenia eabuso de drogas.”

Não é para menos. As meninas são filhas ouamantes? Uma mãe não deveria proteger? E o pai,não é ele que representa a lei, o limite, o sim e onão? Além da definição de papéis estas criançasvão perdendo também a saúde, inclusive a mental.De a cor do com Lippi, vítimas de incesto têm o cé-rebro alterado em sua função e tamanho e observa-se comportamento de repetição.

Atraso na linguagem e nas funções cognitivas,estresse, encoprese (descontrole dos esfíncteres porrazões como medo e ansiedade). A partir da dificul-dade em conter as fezes vem a negativa de comer:perda de peso, desnutrição e anemia. Tendência àmarginalidade e prostituição são consequências queatingem filhos de famílias incestuosas. As meninasadquirem aparência que os especialistas chamamde vamp em virtude de sexualização precoce.Suicídio. “É preciso romper o silêncio”, aler ta o psi-cólogo Wolney Lopes, espe cializado em sexologiapela Escola de Medicina da USP.

Muitas vezes a própria mãe também não temidentidade, nunca diz não e aceita tudo. Ela somentepariu. Tal pai pode estar agindo por rancor de nãoter sido amado no passado. “Pode ser uma retalia-

ção, fazendo alguém sofrer o que ele sofreu”, explica Lopes. São muitas asperguntas e o caminho é tentar com pre ender as dinâmicas de cada família.“Em algum momento da vida esta mãe também foi brutalmente violentada ese uniu a este pai abusador na ilusão de ser amada.”

Mais: é preciso entender o incesto não só como violência física, mas doponto de vista da saúde. Daí necessidade de tratamento. Falar, falar, falar é oprimeiro caminho. Não há agressor sem agredido. Objeto de uso, sem vontadeprópria, quando começam a ser ouvidos – jamais inquiridos – elaborando seuspensamentos e emoções, vêm as primeiras manifestações de consciência sobrea violência: em desenhos, os pais e mães ganham chifres de capetas, órgãossexuais avantajados. Aparecem figuras eróticas.

“A família vai percebendo sua realidade com outro olhar e cada membrobusca se recompor em seus sentimentos, ações, em sua dignidade”, avalia aassistente social e terapeuta familiar Berenice Nascimento Souza. “A dor des-tas crianças após entrarem em processo terapêutico é a dor da alma. Não sa-bemos como enfrentarão isto no futuro.” Não há garantias. Surge a revolta:afinal, quem deveria proteger, abusa. De acordo com o psiquiatra RaimundoLippi, são feridas que não cicatrizam. “Mas podem deixar de estar constan-temente infeccionadas.”

n Opiniões e sugestões sobre a matéria? Mande para [email protected]

“Em algum momento da vida esta mãe também foi brutalmente violentada e se uniu a este pai abusadorna ilusão de ser amada”Wolney Lopes, psicólogo especializado em sexologia

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