falta brasilidade no nosso design cecilia

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Esta é uma pergunta que sempre faço aos colegas de profissão e aos alunos. O Brasil é muito eficiente em música, o produto nacional é reconhecido e prestigia- do no exterior pela sua qualidade e originalidade. O mesmo, por exemplo, acontece com a publicidade, onde nossos profissionais são constantemente premiados nos concursos mundiais. A nossa publicidade tem personalidade e vende muito bem o nosso humor irre- verente, a maneira de revelar e lidar com a sensualidade e a sagacidade típica do brasileiro, acostumados a fazer piadas até da própria desgraça. E o nosso design gráfico? Em quais fontes se alimenta? Quais são os traços marcan- tes do design nacional? Não se trata de bairrismos, mas no mundo globalizado, uma grande moeda de troca é a valorização, o conhecimento e a exploração do mercado e do produto local. Então por- que passar a vida olhando para o hemisfério norte como a única fonte de inspiração? Existe um ranso cultural de querer caracterizar o Brasil pela ótica estrangeira. Poucos designers se debruçam sobre a nossa história, as nossas origens e costumes. Usar elemen- tos inspirados na nossa cultura não significa usar esteriótipos ou clichês como “Carmens Miranda”, “Pelés” e “bananas”, muitas bananas... Quem nunca viu um cartaz de alguma mostra brasileira que fosse representado por uma banana? Se inspirar no Brasil significa conhecer a nossa terra e olhá-la com os mesmos olhos, destemidos e inquietos, que se tem quando entramos em contato com uma cultura desconhecida. O nosso design não tem cara, daí talvez o medo da concorrência estrangeira. Pa- rece uma grande homogenização de soluções. Vamos tomar os logotipos como exemplo, parece que a única figura geométrica permitina na prática é a elípse. Folheia-se anuários e catálogos, e descobre-se que a “onda” é usar curvas psicodé- licas e cantos arredondados... e a maioria adota a solução sem qualquer reflexão sobre a implicação do uso destes maneirismos. Tendências sempre existiram. Podemos citar o Art Noveau, cuja linguagem era co- mum em toda Europa do início do século mas cada cultura soube se identificar dentro do estilo, como oArt Noveau francês e belga, o Jungendstil alemão, o Estilo de Glasgow, a Secessão de Viena e o Noveau norte americano. Os designers de Moda estão acordando, e os profissionais brasileiros têm conquista- do seu espaço no cenário internacional, como Ocimar Versolato por exemplo. O problema é cultural, considera-se de “mau gosto” certos momentos da nossa história e continua-se representando o Brasil da maneira mais óbvia e imediatista, não faltam caravelas verde- amarelas para comemorar os 500 anos e, serpentina e confete como ícones de festas populares. Esta questão está sempre me perseguindo, pois me deparo constantemente nas salas de aula com a aspiração dos alunos em repetir fórmulas de designers estrangeiros já consagrados ou na dificuldade de entender que é necessário perseguir uma identidade própria e original. Na minha opinião está é a única saída para enfrentar um mercado cada vez mais competitivo. A nossa literatura, nossa história, nossa música, nossa arte, cordel, cangaço, ma- racatú, caiapós, Tom Jobim, krenakroros, Copacabana, timbalada, miscigenação, Pagú, avenida Paulista, Mangue-Beat, Niemeyer, Garrincha, Pelourinho, Guaraná, mico-leão- dourado, jatobá, Lamarca, pau-brasil... são inúmeras as referências que apontam para uma identidade brasileira. Cabe a cada um saber usá-las. Falta brasilidade no nosso design Qual é a cara do design gráfico brasileiro? Artigo publicado em 2001, na Revista Design Gráfico - nº42 (coluna Opnião) Editora Market Press. Cecilia Consolo Designer e Mestre em Comunicação e Artes pela ECA/USP, sócia diretora da Consolo & Cardinali Design desde 1986. Tem 28 anos de experiência em desenvolvimento de projetos de comunicação, consultoria de imagem, design de marcas, alinhamento de Identidade Corporativa além de experiência em projetos e sistemas de embalagens, sinalização e design editorial. É especialista em gestão de marcas para grandes empresas e tem desenvolvido importantes projetos editoriais, de documentação histórica e periódicos. É professora na graduação da FAAP e da FACAMP.

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falta brasilidade no nosso design

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  • Esta uma pergunta que sempre fao aos colegas de profisso e aos alunos.O Brasil muito eficiente em msica, o produto nacional reconhecido e prestigia-

    do no exterior pela sua qualidade e originalidade. O mesmo, por exemplo, acontece com a publicidade, onde nossos profissionais so constantemente premiados nos concursos mundiais. A nossa publicidade tem personalidade e vende muito bem o nosso humor irre-verente, a maneira de revelar e lidar com a sensualidade e a sagacidade tpica do brasileiro, acostumados a fazer piadas at da prpria desgraa.

    E o nosso design grfico? Em quais fontes se alimenta? Quais so os traos marcan-tes do design nacional?

    No se trata de bairrismos, mas no mundo globalizado, uma grande moeda de troca a valorizao, o conhecimento e a explorao do mercado e do produto local. Ento por-que passar a vida olhando para o hemisfrio norte como a nica fonte de inspirao?

    Existe um ranso cultural de querer caracterizar o Brasil pela tica estrangeira. Poucos designers se debruam sobre a nossa histria, as nossas origens e costumes. Usar elemen-tos inspirados na nossa cultura no significa usar esteritipos ou clichs como Carmens Miranda, Pels e bananas, muitas bananas... Quem nunca viu um cartaz de alguma mostra brasileira que fosse representado por uma banana? Se inspirar no Brasil significa conhecer a nossa terra e olh-la com os mesmos olhos, destemidos e inquietos, que se tem quando entramos em contato com uma cultura desconhecida.

    O nosso design no tem cara, da talvez o medo da concorrncia estrangeira. Pa-rece uma grande homogenizao de solues. Vamos tomar os logotipos como exemplo, parece que a nica figura geomtrica permitina na prtica a elpse.

    Folheia-se anurios e catlogos, e descobre-se que a onda usar curvas psicod-licas e cantos arredondados... e a maioria adota a soluo sem qualquer reflexo sobre a implicao do uso destes maneirismos.

    Tendncias sempre existiram. Podemos citar o Art Noveau, cuja linguagem era co-mum em toda Europa do incio do sculo mas cada cultura soube se identificar dentro do estilo, como oArt Noveau francs e belga, o Jungendstil alemo, o Estilo de Glasgow, a Secesso de Viena e o Noveau norte americano.

    Os designers de Moda esto acordando, e os profissionais brasileiros tm conquista-do seu espao no cenrio internacional, como Ocimar Versolato por exemplo. O problema cultural, considera-se de mau gosto certos momentos da nossa histria e continua-se representando o Brasil da maneira mais bvia e imediatista, no faltam caravelas verde-amarelas para comemorar os 500 anos e, serpentina e confete como cones de festas populares.

    Esta questo est sempre me perseguindo, pois me deparo constantemente nas salas de aula com a aspirao dos alunos em repetir frmulas de designers estrangeiros j consagrados ou na dificuldade de entender que necessrio perseguir uma identidade prpria e original. Na minha opinio est a nica sada para enfrentar um mercado cada vez mais competitivo.

    A nossa literatura, nossa histria, nossa msica, nossa arte, cordel, cangao, ma-racat, caiaps, Tom Jobim, krenakroros, Copacabana, timbalada, miscigenao, Pag, avenida Paulista, Mangue-Beat, Niemeyer, Garrincha, Pelourinho, Guaran, mico-leo-dourado, jatob, Lamarca, pau-brasil... so inmeras as referncias que apontam para uma identidade brasileira. Cabe a cada um saber us-las.

    Falta brasilidade no nosso designQual a cara do design grfico brasileiro?Artigo publicado em 2001,na Revista Design Grfico - n42 (coluna Opnio)Editora Market Press.

    Cecilia ConsoloDesigner e Mestre em Comunicao e Artes pela ECA/USP, scia diretora da Consolo & Cardinali Design desde 1986. Tem 28 anos de experincia em desenvolvimento de projetos de comunicao, consultoria de imagem, design de marcas, alinhamento de Identidade Corporativa alm de experincia em projetos e sistemas de embalagens, sinalizao e design editorial. especialista em gesto de marcas para grandes empresas e tem desenvolvido importantes projetos editoriais, de documentao histrica e peridicos. professora na graduao da FAAP e da FACAMP.