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FACULDADE PADRE JOÃO BAGOZZI MÁRCIO DE SOUSA AGOSTINHO VITÓRIO A INTERPESSOALIDADE EM MARTIN BUBER CURITIBA / PR 2014

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FACULDADE PADRE JOÃO BAGOZZI

MÁRCIO DE SOUSA AGOSTINHO VITÓRIO

A INTERPESSOALIDADE EM MARTIN BUBER

CURITIBA / PR

2014

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MÁRCIO DE SOUSA AGOSTINHO VITÓRIO

A INTERPESSOALIDADE EM MARTIN BUBER

Relatório Final apresentado como requisito

parcial para avaliação da disciplina de

Organização de Trabalho de Conclusão de

Curso do Curso de Licenciatura em Filosofia da

Faculdade Padre João Bagozzi.

Orientador: Prof. Denílson Aparecido Rossi

CURITIBA / PR

2014

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SUMÁRIO

RESUMO.....................................................................................................................4

INTRODUÇÃO.............................................................................................................5

1 AJAMOS, ENQUANTO PENSAMOS......................................................................7

2 RELAÇÃO SUSTENTÁVEL COMO REALIZAÇÃO EFICIENTE...........................19

3 A COISA, EM DETRIMENTO DO TU.....................................................................31

CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................42

REFERÊNCIAS..........................................................................................................47

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RESUMO

A presente monografia que tem por título a interpessoalidade em Martin Buber, tendo

como objetivo apresentar o filósofo para demonstrar que a filosofia do diálogo é

possível para a aproximação do EU com o TU pela relação, sendo escolhida esta obra

do filósofo como objeto de pesquisa, o livro EU e TU. Dividido em três capítulos, o

presente trabalho procurará demonstrar as possibilidades de acesso de um sujeito

com o outro restaurando, para a concretização da relação, pelo menos três

características básicas da mesma, a saber, o pensar em harmonia com o agir, a auto-

realização de si em concomitância com a auto-realização do outro e a correta

dicotomização entre o que é relevante (a pessoa) e o que é transitório (o objeto). Após

os capítulos, seguem-se as considerações finais e em seguida as devidas referências

utilizadas para a elaboração deste trabalho.

Palavras-chave: Interpessoalidade. Filosofia do diálogo. EU e TU.

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INTRODUÇÃO

Quando se diz: relacionem-se – não se quer com isso dizer que de fato há uma

relação apenas por que na semântica há a conveniente alocação gramatical em

conformidade com o vernáculo vigente, até por que palavras por si mesmas nada

querem dizer se isso não for apenas uma decorrência do que é verdadeiro,

substancial, atual. Mas, por que as pessoas assim procedem em seus, por assim dizer,

relacionamentos nos dias de hoje? Será por que atingiram uma dimensão em que são

perfeitamente capazes de abreviarem certas coisas, como um demorar-se

desinteressado diante de quem está apenas a querer conversar, apenas pelo prazer

de conversar, e partirem para as coisas que de fato são relevantes para si mesmas?

Ou será porque tais condutas reincidentes são na verdade reflexo de que a relação

dissolveu-se em frivolidades decorrentes de uma prática cada vez mais frequente que

é o individualismo cada vez mais consciente? Pois bem. Neste presente trabalho, tem-

se por objetivo demonstrar o que Martin Buber, o filósofo do diálogo, personalista que

acreditava que o homem somente pode tornar-se uma pessoa de fato a partir do

momento em que pode relacionar-se com o outro, o que Buber vai chamar de palavra-

princípio EU-TU, em contraposto a outra palavra-princípio EU-ISSO, onde, a uma se

dá o significado de relação para a construção de uma pessoa para outra pessoa, e a

outra refere-se a utilização, à experiência, onde a partir desta palavra-princípio

observa-se apenas seres egóticos, centrados em si mesmos para a realização de

seus interesse em detrimento dos outros interesses. A partir de sua própria

experiência com o hassidismo, Buber vai mergulhar na dimensão da relação e provar

que sua utopia é viável para que através do diálogo possa-se construir um mundo

melhor para todos, e desta forma dirimir o acelerado processo de decomposição das

relações onde todos passam a ser meras coisas, descartáveis e quando velhas e sem

utilidade, destruídas sumariamente. Eis a proposta deste trabalho, demonstrar que o

diálogo vai muito mais do que apenas uma simples conversa, podendo, inclusive,

significar até mesmo o silêncio entre duas pessoas que mantem-se uma diante da

outra na pura presença, pesar de parecer que nada ocorre, o estar diante do outro

representa para Buber a verdadeira relação. A relação também contempla o correto

entendimento do que seja o amor, que não virá a ser meramente um sentimento, mas

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o compromisso de quem decide construir junto com o outro algo que seja permanente:

o viver para os outros.

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1 AJAMOS, ENQUANTO PENSAMOS

Quando o refletir pode ser harmonizado com a ação? O homem tem por toda a

história desenvolvido maneiras de se portar, de se relacionar com o semelhante, o

que denota sua altíssima capacidade de assimilar os melhores comportamentos,

visando sua sobrevivência. No entanto, na medida em que as diversidades foram se

impondo no meio homogêneo de condutas construídas há séculos, o homem tem de

modo quase natural transformado o seu meio em que tem estado com o intuito de se

proteger e garantir a sua sobrevivência, manifestando a sua velha tendência

assimilativa de transformar o seu entorno para melhor se sentir. Conquanto essas

transformações geográficas, contextuais objetivem a manutenção da vida e seus

recursos, para garantir sua sobrevivência, não está o homem fugindo daquilo que lhe

é inerente, no entanto, o homem também elevou-se muito para a dimensão

especulativa ao avançar em seus questionamentos sobre tudo, até daquilo que de

modo nenhum é extrínseco a sua própria natureza humana: o diálogo.

Buber desenvolve em sua filosofia personalista esse retorno ao diálogo, tão

necessário e tão perdido, engolfado nas tantas teorias abstracionistas que têm

corrompido esse primeiro sentido da relação. Para demonstrar isso que é afirmado,

Buber assim irá posicionar-se:

Mas a humanidade reduzida a um ISSO, tal como se pode imaginar, postular ou proclamar, nada tem em comum com uma humanidade verdadeiramente encarnada à qual um homem diz verdadeiramente TU. A ficção por mais nobre que seja, não passa de um fetiche; o mais sublime modo de pensar, se for fictício, é um vício. As ideias tão pouco reinam acima de nossas cabeças como habitam em nossas cabeças; elas caminham entre nós e se dirigem para nós. Infeliz aquele que deixa de proferir a palavra-princípio, miserável, porém, aquele que em vez de fazê-lo diretamente utiliza um conceito ou um palavreado como se fosse o seu nome. (BUBER, 2003, p. 15 e 16).

Antes de poder demonstrar o que Buber pensa sobre o que significa para ele

pensar enquanto se pode agir, o que é o mesmo que dizer que pensar só o pode ser

eficaz se isso representar uma ação concomitante como resultado do pensar eficiente,

discute-se um pouco da argumentação em que Buber fala sobre a originalidade da

relação.

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O homem nasce para se relacionar. O homem não pode pensar na ausência

da relação, mesmo afirmando a sua inutilidade no caso dos eremitas, de certo modo

eles também afirmam a sua essência relacional, que são seres feitos para

relacionarem-se, negando a relação. Buber assim afirma:

A originalidade da aspiração da relação já aparece claramente desde o estado mais precoce e obscuro. Antes de poder perceber alguma coisa isolada, os tímidos olhares procuram no espaço obscuro algo de indefinido; e em momentos em que, aparentemente não há necessidade de alimento, é sem finalidade, ao que parece, que as suaves e pequeninas mãos gesticulam, procuram algo de indefinido no vazio. Afirmar que se trata de um gesto animal é nada exprimir. Pois estes olhares, na verdade, depois de minuciosas tentativas, se fixarão em um arabesco vermelho de um tapete e dele não se desprenderão até que a essência do vermelho se lhes tenha revelado. (BUBER, 2003, p. 55 e 56).

Buber demonstra que o ser humano possui em sua essência a capacidade ou

inclinação de tudo investigar desde as suas primeiras sensações causadas pelo seu

contato com o mundo que o cerca, e que aos poucos vai de modo incerto e tímido

assimilando os seus contornos até que sua forma esteja cada vez mais definida para

si mesmo. Deste mesmo modo, a criança vai tomando contato com outros objetos

para que da mesma maneira esteja fixando a imagem à sua mente e com isso

adaptando-se ao conceito que cerca a imagem apreendida, e assim, Buber ainda

afirma:

Estes movimentos em contato com um ursinho de pelúcia, tomarão uma força sensível e precisa e tomarão conhecimento carinhoso e inesquecível de um corpo completo. Nestes dois fatos, não se trata de uma experiência de um objeto mas de um confronto, que sem dúvida, se passa na “fantasia”, com um parceiro vivo e atuante. (Esta “fantasia” não é de modo algum, uma “animação”; ela é um instinto de tudo transformar em TU, o instinto de relação que, quando o parceiro se apresentar em imagem e simbolicamente e não no face-a-face, vivo e atuante ele lhe empresta vida e ação tirando de sua própria plenitude). (BUBER, 2003, p. 56).

A relação, levando em consideração a segunda palavra-princípio EU-ISSO,

pressupõe que se não houver um retorno à ontologia dessa mesma relação, o

encontro degrada-se em apenas uma experiência, é o que vem a significar o EU-

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ISSO; ou seja, o encontro nada prevê e nem nada promete a não ser a sua inerente

atualidade espontânea, mas, quando essa característica primeva se desgasta, o EU-

ISSO será o que vem a se constituir como a realidade do homem, que passa a ver

sempre com o mesmo matiz a todo encontro que traz consigo sua natural

espontaneidade e passa a ser estranho para aquele que tornou a relação uma mera

experiência, sem perceber esse descuido, o homem nada mais passa a fazer do que

reproduzir o que não pode ser reproduzível – o encontro em sua essência. Acerca

disso ele vai afirmar que:

O EU está incluído no evento primordial da relação, através da exclusividade desse evento. Neste evento, por sua própria natureza, tomam parte somente dois parceiros na sua total atualidade, o homem e aquilo que o confronta. [...] Por outro lado, o EU não está ainda inserido no fato natural que traduz a palavra-princípio EU-ISSO, onde o experienciar é centrado no EU egocêntrico. (BUBER, 2003, p. 25)

Como seres feitos para a relação, Buber demonstra que permaneceremos na

relação mesmo havendo a separação do EU para o EU-ISSO. Conforme suas

palavras,

Já no evento primordial da relação, ele profere a palavra-princípio EU-TU de um modo natural, anterior a qualquer forma, sem ter-se conhecido como EU, enquanto que a palavra-princípio EU-ISSO torna-se possível, através desse conhecimento, através da separação do EU. (BUBER, 2003, p. 25)

Como diz Buber, pelo evento ontológico da relação inerente ao homem, a

relação será possível ao mesmo tempo pelo fato de se colocar no lugar de um

encontro autêntico à experienciação de uma relação com o ISSO. E isso se dá pelo

afastamento da necessidade genuína da relação, ou seja, o homem não nasceu para

as coisas, mas para o outro, para o encontro que transcende as palavras no simples

estar presente na relação, e, como foi asseverado anteriormente, o discurso estéril

tem afastado do homem esse encontro genuíno do EU com o TU para dar lugar a

reificação da relação deteriorada em apenas experiência, causando no homem a

construção de uma crescente expectativa otimista em relação ao comportamento do

outro, esperando sempre que esse outro se comporte conforme a experiência de

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como deve ser uma relação que seja de fato útil. Nesse sentido, na relação com o TU

não há espaço para o obsolescismo, pois:

Ele não é uma qualidade, um modo de ser, experienciável, descritível, um feixe flácido de qualidades definidas. Ele é TU, sem limites, sem costuras, preenchendo todo o horizonte. Isto não significa que nada mais existe a não ser ele, mas que tudo o mais vive em sua luz. (BUBER, 2003, p. 9)

A instância superior para Buber será sempre a atualidade do encontro na

relação com o TU, mas o pensamento desprovido ou como que não resultando do

encontro não produz a vivacidade inédita da relação.

Para Buber, todo pensamento que venha a interditar o sentido ontológico da

relação será um pensamento estéril na medida em que não promove a humanidade

manifestada pela comunidade em que se insere o homem no encontro, conforme já

fora supracitado, Buber (2003, p.15) diz que toda ficção, por mais nobre que seja, não

passa de um fetiche, e que o mais sublime modo de pensar, se não tornar-se algo

para além de pura imaginação, não passa de um vício. O pensamento não produzirá

o encontro, pelo contrário, o encontro sempre e necessariamente resultará em

pensamento que sirva para uma maior coesão comunicativa.

O homem como ser que se faz na medida em que encontra-se com o seu TU

não poderá substituir com êxito o encontro com o seu TU tornando-o apenas um

experienciar efêmero, um ISSO. Portanto, se o pensamento se insere na figura do

indivíduo como um ser em si mesmo, na individualidade de cada um, esse

pensamento para Buber será apenas uma tagarelice infrutífera, não resultando na

construção real e verdadeiramente relevante da humanidade, por desprezar que esse

indivíduo só se projetará com eficácia em seu projeto de construção de si a partir do

momento em que readmitir a importância e a imprescindibilidade do diálogo com

aquilo que pode efetivamente formar o homem, o seu TU, que na verdade é o seu EU

refletido como que por um espelho na face do outro na transcendentalidade do

encontro. A força do TU é tão vasta que imprime a própria essência naquilo que antes

deveria ser inanimado e passa a ser o resultado do encontro com o EU, assim Buber

demonstrará que:

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Eis a eterna origem da arte: uma forma defronta-se com o homem e anseia tornar-se uma obra por meio dele. Ela não é um produto de seu espírito, mas uma aparição que se lhe apresenta exigindo dele um poder eficaz. Trata-se de um ato essencial do homem: se ele a realiza, proferindo de todo o seu ser a palavra-princípio EU-TU à forma que lhe aparece, aí então brota a força eficaz e a obra surge. (BUBER, 2003, p. 11)

Será dessa forma que o pensamento encontra, por assim dizer, o seu

complemento de uma ação reflexiva, e não meramente um refletir abstracionista, frio

e desprovido do encontro. Buber identifica a força do TU no contemplar de uma obra

de arte, por que para ele não será o homem a estar ansioso por confeccionar um

retrato, por exemplo, mas a forma se posta como contemplada pela presença do ser

que a tudo faz ter sentido a partir do encontro, da relação; e passa a refletir o TU

daquele que se postou diante dela como sendo um EU. A operacionalidade do EU e

TU é manifestada em absolutamente tudo em que o EU se projeta. Há, portanto, a

necessidade do encontrar-se com a palavra-princípio para a viabilização do bem-fazer

mútuo. Segundo Buber,

Eu estou numa autêntica relação com ela; pois ela atua sobre mim assim como eu atuo sobre ela. Fazer é criar, inventar é encontrar. Dar forma é descobrir. Ao realizar eu descubro. Eu conduzo a forma para o mundo do ISSO. A obra criada é uma coisa entre coisas, experienciável e descritível como uma soma de qualidades. Porém àquele que contempla com receptividade ela pode amiúde tornar-se presente em pessoa. (BUBER, 2003, p. 12)

Eis por que Buber critica e assevera ser impossível um mundo sem a atualidade

do encontro, da transcendentalidade da relação, da atemporalidade da presença,

desde que ela não se torne um passado pela mudança do TU para um ISSO de

experiências objetivas. No encontro há sempre o inédito, o novo, e isso extrapola os

limites estáticos do pensamento pronto e pretensioso de a tudo explicar, ordenar,

reificar; onde Buber assim vai se pronunciar sobre a pretensão de uma superação

dessa dualidade:

Não se supera esta dualidade fundamental pela invocação de um “mundo de ideias”, como um terceiro elemento acima de quaisquer contradições. Pois, eu estou falando, na verdade, do homem atual, de ti e de mim, de nossa vida e de nosso mundo e não de um EU em si ou

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de um ser em si. Para este homem atual o limite atravessa também o mundo das ideias. (BUBER, 2003, p. 14)

Não se vê nas resoluções de conflitos uma sincera e plena manifestação do

poder transcendente do diálogo, na presença da relação, mas o que se tem visto é

uma teimosa e recalcitrante busca do raciocínio perfeito, de quem tem tido a melhor

teoria para se explicar o que se passa no mundo, ou das falhas da teoria concorrente

dominante de queda ruidosa em face dos fracassos diagnosticados e atribuídos à

mesma pela teoria antitética. O que se pode dizer em face disso? O pensamento

desprovido de uma ação eficaz nada mais faz do que confundir o homem atual, com

o seu amigo que está diante dele atualmente, agora na potência da relação presente

e sempre inédita em possibilidades.

Não se concebe em Buber quaisquer que sejam os raciocínios, sejam eles de

cunho filosófico, político ou teológico estéreis em relação, ou que não principiem o

encontro, gerador de qualquer que seja o seguimento social.

Outro desdobramento da relação é o conceito de caminho que destrói as

distâncias pela encarnação do EU-TU, propondo o entendimento de que o mundo

vazio e inócuo dos conceitos e abstrações não representa o dinamismo e

autenticidade da relação humana. Sobre isso, ele afirma:

No interior desta crônica forte e salutar, os momentos de encontro com o TU se manifestam como episódios singulares, lírico-dramáticos, sem dúvida, de um encanto sedutor, mas que, no entanto, nos induzem perigosamente a extremos que debilitam a solidez já provada, e deixam atrás deles mais questões que satisfações, abalando nossa segurança. (BUBER, 2003, p. 38)

Mas, que perigo seria este, que poderia abalar o que já fora conquistado? É a

assimilação de nosso TU para um ISSO e lá permanecer, sem conseguir voltar para

a autenticidade da relação; pois, como ele vai afirmar que “o homem não pode viver

sem o ISSO, mas aquele que vive somente com o ISSO não é homem.” (BUBER,

2003, p. 39), de modo que não é possível nos ausentarmos destas características do

mundo do ISSO, mas se faz necessário essa reflexão que compele a uma prática de

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não macular a sacralidade da relação com a reificação do TU e sua forçosa conversão

em um ISSO.

Eis a questão por Buber estabelecida como o espírito de sua filosofia – não há

suporte lógico e muito menos filosófico que autorize ou que ajuramente como sendo

plausível uma especulação que afaste o homem da atualidade do encontro. Ao passar

das gerações, sempre está na conduta humana um perfazer de caminhos com vistas

a um aperfeiçoamento rumo a um progresso. O homem como ser existente sempre

procurou resolver suas angústias – a angústia de sua presença no mundo – indo no

caminho contrário àquilo para o qual existe, o caminho da relação, do encontro.

Elevando o nível da tendência teórico/prática de Buber, ele demonstra como até nas

experiências fenomênicas há a presença, a relação, com suas respectivas

manifestações. Para isso demonstrar, Buber irá dizer:

Os limites de seu mundo são traçados pela sua vivência corporal, à qual pertence “naturalmente” a visita aos mortos, visto que admitir o supra-sensível como dado real, lhe parece absurdo. Os fenômenos, aos quais ele atribui “poder místico”, são todos fenômenos elementares de relação, sobretudo aqueles sobre os quais ele medita, porque comovem seu corpo e deixam nele uma impressão de emoção. (BUBER, 2003, p.23)

Quando se tem de desviar da relação, o resultado sempre será a reificação, o

mero experienciar do outro, onde o encontro não passa de um momento qualquer em

que as pessoas sempre estarão fadadas a se depararem, não como sendo um ato

permanentemente autêntico, dialogal, mas como uma necessidade supérflua, até

mesmo enfadonha para alguns, pois o encontro é inevitável, nos abalroamos uns

contra os outros nas ruas; e quando precisamos de fato e premeditadamente nos

relacionar com alguém, nos encontrarmos com o outro, não há de fato uma relação,

um encontro, não há um TU com quem se deve deparar o EU, mas um mero acordo,

um contrato estabelecido entre as partes que geralmente ocorre na maioria das vezes,

por exemplo, entre homem e mulher; entre empreendedor e cliente, o que na maioria

das vezes acaba por se tornar um relacionamento interesseiro, onde cada um sempre

está a procurar alguma forma de lucrar, ainda que seja um mero e inocente aperto de

mão, um mero aceno positivo com a cabeça, um mero sorriso de aprovação pelo ato

logrado, pela recusa de algo irrecusável, pela abstenção de algo socialmente

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irrenunciável, onde é dito que ninguém que de fato seja inteligente e empreendedor

deixe passar excelentes oportunidades. O encontro, portanto, não passa de mera e

descartável ferramenta, onde seu uso ou descarte dependerá sempre do sabor das

circunstâncias; para onde elas levarão? Isso para Buber é não conseguir divisar a

linha que separa o não poder viver sem o ISSO do viver somente no ISSO. As relações

desgastam-se pela constante e na maioria das vezes inconsciente deturpação do

encontro como resultado da deturpação do pensar, adquirido de um modo todo

peculiar de reflexão que permeou toda a formação, desde seus primórdios, de uma

civilização inteira. Quando Buber denuncia a reflexão vazia e desprovida de real

encontro, Buber está falando contra um conceito de homem supra-sensível, acima da

capacidade de ser encontrado na ontologia da relação, e por ontológica deve-se

entender como necessária forma de se constituir homem. A civilização européia

seguiu na sua formação intelectual os preceitos de Platão, um dentre muitos que

permearam essa forma de pensar, quando da constituição do que de fato seja real

para que possa ser ingerido como relevante, em detrimento de um pensar que seja o

resultado de uma autêntica relação. Para isso demonstrar, assim dirá Buber:

A consciência do EU está tão pouco apegada ao domínio primitivo do instinto de auto-conservação, como aquele dos outros instintos; isso não significa que o EU tenta perpetuar-se, mas é o corpo que nada sabe ainda de um EU. Não é o EU mas sim o corpo que deseja fazer coisas, utensílios, jogos, ser o inventor. (BUBER, 2003, p. 24)

Para Buber, ainda referindo-nos ao exposto acima, quando se fala de um

mundo das ideias), a Europa foi mergulhada em sua recente

constituição cultural numa forma de pensar que oblitera a pungente e atual

característica fundamental das futuras civilizações envolvidas, pois se tudo na

verdade não passa de uma mera sombra do que seja o real, a relação tem de seguir

necessariamente essa regra. Logo, o pensar filosófico que decorre dessa linha de

raciocínio tem de necessariamente eclipsar a necessidade do encontro, não lhe dando

a devida importância. Assim, Buber afirma que:

Porém, se se observar aquelas civilizações que aparecem isoladas, nota-se que aquelas que receberam historicamente a influência de outras civilizações adotaram o seu mundo do ISSO em um estado bem

1 Referente à doutrina platônica do hiper urânio, e Buber irá criticar tal pensamento por impedir ao

homem o evento do encontro.

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determinado, intermediário entre seu estado primitivo e seu estado de pleno desenvolvimento. (BUBER, 2003, p. 43)

A razão de ser do homem passou a ser aquilo que o pensar rigoroso e

sistemático, em desprezo total do que os sentidos tinham a dizer, tinha a determinar

como resultado direto de um pensar transcendente, advindo de um mundo acima das

sensações, o supra-sensível; e por séculos, grupos étnicos que possuíam uma forma

toda especial de relacionar-se, que preservavam àquela forma primitiva do encontro

foram completamente assimiladas por esse sistema filosófico.

A fim de demonstrar como isso se deu e como o sistema filosófico, o de Platão,

por exemplo, modificou drasticamente as civilizações onde tal forma de pensar

conseguiu alcançar, citemos alguns exemplos em contrário, de povos que não

sofreram tal influência:

Para nossa expressão: “bem longe” o Zulu emprega uma palavra-frase que significa “lá onde alguém grita: Oh! Mãe estou perdido!”. E o habitante da Terra do Fogo sobrepuja a nossa sabedoria analítica com uma palavra-frase de sete sílabas2 cujo sentido exato é o seguinte: “observa-se um ao outro, cada um aguardando que o outro se ofereça a realizar aquilo que ambos desejam mas não querem fazer”. As pessoas tanto substantivas quanto pronominais, estão ainda enceradas como em um baixo relevo, sem independência completa. Não importa estes produtos da decomposição e da reflexão, mas, sim, a verdadeira unidade originária, a relação de vida. (BUBER, 2003, p. 21)

Essa é a relação da vida, como uma normatividade, porém sem parâmetros

artificiais, mas puramente humana, como sendo uma característica cuja supressão

inibe o homem de sua formação verdadeiramente humana, a relação não poderá ser

reprimida sem seus efeitos colaterais. Quando se diz uma normatividade puramente

humana se tem por finalidade ilustrar a interdependência que Buber falou acima, sem

os acréscimos testemunhados e neste exposto apontados como sendo prejudiciais à

formação verdadeiramente humana, na construção de um EU a partir de um TU.

2 A palavra é “mihlapinatapei”.

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Na obra de Giovanni Reale e Dario Antisere, tem-se uma demonstração desse

raciocínio de Buber quando eles comentam sobre a obra EU e TU do autor, quando

eles falam ainda sobre as palavras-princípio EU-TU e EU-ISSO, falam de forma a

ampliar a compreensão da necessidade de voltar a um completo entendimento sobre

a relação, as diferenças do que vem a ser uma mera experimentação e da ocorrência

do encontro como algo que não pode ser mensurado. Segundo eles vão explicar

Buber,

Sobre a diferença existente entre a palavra-base "Eu-Esse" e a palavra-base "Eu-Tu", diz ainda Martin Buber: "O Eu da palavra-base Eu-Esse aparece como uma individualidade e adquire consciência de si como sujeito (do experimentar e do utilizar). O Eu da palavra-base Eu-Tu aparece como pessoa e adquire consciência de si como subjetividade (sem um genitivo dependente). A individualidade aparece enquanto se distingue de outras individualidades. A pessoa aparece enquanto entra em relação com outras pessoas [...]. A finalidade da relação é [...] o contato com o Tu; pois mediante o contato todo Tu capta um hálito do Tu, isto é, da vida eterna. Quem está na relação participa de uma realidade, isto é, de um ser, que não está puramente nele nem puramente fora dele. Toda a realidade é um agir do qual eu participo sem poder me adaptar a ela. Onde não há participação não há realidade. A participação é tanto mais completa quanto mais imediato é o contato com o Tu”. (REALE, ANTISERE, 2006, p. 440)

Como está sendo demonstrado, não existe uma interconectividade entre a

atividade intelectual e a relação na maioria das construções acadêmicas de que se

tem notícia. Tem-se demonstrado com frequência sim uma cisão entre as duas

realidades, como se o homem pudesse esquivar-se da relação sem maiores

problemas. Como Buber diz no excerto acima, o homem procurar a sua

individualidade a partir da experimentação das coisas não o torna pessoa de fato, mas

a ação proativa real somente se dá mediante o encontro impulsionado pela relação.

O Agir pode perfeitamente estar em completa simbiose com o pensar, quando não se

coloca o pensar em detrimento do agir na forma de uma intelectualização a partir do

pensamento em si, não no que esse pensamento possa significar para o

melhoramento da relação. A isso Buber critica como sendo a barreira que se tem posto

entre a completa manifestação da pessoa humana e o homem. Buber tem

demonstrado que o homem pode manifestar toda a sua potencialidade desde que em

completa harmonia com o outro.

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A ação concomitante com a reflexão gera de fato a construção do homem como

homem completo. Por homem completo, pretende-se aqui dizer o homem tendo

plenamente satisfeitas as suas necessidades, ou seja, não se é um homem completo

se esse mesmo homem prescindir de sua principal característica que é a relacional.

Como se está plenamente sendo demonstrado, o homem somente se constrói como

ser social se esse homem puder de modo salutar travar relacionamento com o outro,

e isso implica que tudo o que faz deve estar em plena e harmoniosa sintonia com todo

o seu ser de homem, e nessa discussão, com todo o seu ser TU. O que Buber

questiona para consolidar a sua filosofia da relação é a característica também

humana, porém de uma raiz mórbida, de dicotomizar o que não o pode ser feito sem

consequências desastrosas para o bem fazer da relação do homem como ser em

constante construção. Segundo Buber, o homem existe e assim se constituiu para ter

uma vida coletiva e essa ação demandará da utilização do mundo do ISSO, porém

com a observação constante do TU. Na presença do TU, todas as manifestações do

homem podem ocorrer de modo harmônico sem afetar a subjetividade um do outro.

Como Buber demonstra,

A vida coletiva do homem não pode, como ele mesmo, prescindir do mundo do ISSO, sobre o qual paira a presença do TU, como o espírito pairava sobre as águas. A vontade de utilização e a vontade de dominação do homem agem natural e legitimamente enquanto permanecem ligadas à vontade humana de relação e sustentadas por ela. Não há má inclinação até o momento em que ela se desliga do ser presente; a inclinação que está ligada ao ser presente e determinada por ele é o plasma da vida em comum, e a inclinação separada é sua destruição. (BUBER, 2003, p. 56 e 57)

Desta forma, Buber afirma que sem harmonia não há construção. Não há uma

correta agregação dos valores do pensar aos valores do agir, e para Buber, se um

dado pensamento obnubila uma ação legítima, e se uma dada ação não corresponde

ou não reflete a um pensamento legítimo que se coloca para a construção da relação,

tanto um quanto o outro para nada servem quando os fins reais são a relação perpétua

e a constante presença diante do TU. Desta forma, quando é entendido de novo pelo

homem que qualquer caminho que ele resolva trilhar prescindindo da necessidade do

encontro, a um bom porto com certeza ele não aportará. Como neste capítulo foi da

melhor maneira possível demonstrado, para Buber é sim perfeitamente possível a

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ação em perfeita simbiose com a reflexão. Pois a reflexão deve reverberar na prática

a sua relevância em prol do desenvolvimento de EU no TU, e se tal não acontece,

para Buber, tal pensamento nada mais fará senão eclipsar o poder real da relação na

presença do encontro.

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2 RELAÇÃO SUSTENTÁVEL COMO REALIZAÇÃO EFICIENTE

Buber pensa em como se pode retornar ao início, onde tudo demonstrava mais

relação, mais sustentação por meio da relação. Quando apresenta o exemplo de uma

criança que balbuciantemente exibe, à sua maneira de ser, o primeiro estímulo de

pronunciar a palavra TU, ele vai ainda explicar que:

Muitos movimentos, chamados reflexos, são um instrumento indispensável à pessoa na construção de seu mundo. Não é verdade que a criança percebe primeiramente um objeto, e, só então entra em relação com ele. Ao contrário, o instinto de relação é primordial, como a mão côncava na qual o seu oponente, possa se adaptar. Em seguida acontece a relação, ainda uma forma primitiva e não-verbal de dizer-TU. (BUBER, 2003, p. 30).

Buber parte do essencial, do ontológico da relação. Na perspectiva de Martin

Buber não há espaço para uma contraproposta que possa invalidar esse princípio.

Não há sociedade que se sustente sem a relação, e o diálogo não pode ser sem a

relação. Dizer TU é entrar numa dimensão relacional, tanto na Divindade como no

relacionamento face-a-face. Seguindo neste entendimento da dimensão ontológica da

relação, Buber discorre sobre os conceitos de divindade que perpetuam a ideia de

relação. Ele vai dizer que:

Este caráter original de relação do aparecimento de todos os seres cuja ação perdura por muito tempo, faz com que seja mais bem compreendido um elemento da vida primitiva, que a ciência moderna estudou muito e sobre o qual ela discorreu largamente, embora ele ainda não seja muito bem entendido. Trata-se deste poder cheio de mistério, cuja ideia se encontra, sob diversos aspectos na crença ou na ciência, (estas duas, aliás, são aqui uma só) de muitos povos primitivos. É o Mana, o Orenda, de onde parte um caminho até o sentido originário do Brahman, ou ainda a Dynamis, a “Charis” dos papiros mágicos ou das cartas apostólicas. (BUBER, 2003, p. 22).

Buber eleva o conceito do que seja amor acima dos sentimentos

imediatamente percebidos, ou seja, um conceito meramente frenológico, sem,

contudo, uma conveniência para com o todo da existência humana, e não com apenas

parte do todo, gerando uma mera experienciação do TU, tornando-o um ISSO. Buber

estabelece a palavra zwischen, “entre”, como sendo ontológica da relação, ou para a

compreensão do que seja a relação. Para Buber, o amor só pode ser real no “entre” o

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EU e o TU; pois o amor, não como os sentimentos que são constitutivos, frenológicos,

que fazem parte do homem, não pode ser possuído, mas acontece justamente entre

o EU e o TU, pois não se concebe que haja esse amor sem a relação com o outro.

Para Buber, o verdadeiro amor concebe o real significado de igualdade, já não

havendo pobre ou rico, grande ou pequeno, feio ou bonito; mas apenas aquela

ação/intenção que só pode ser realizada no encontro, no zwischen o EU e o TU, não

sendo, portanto, um mero sentimento. Desta forma, Buber dirá que:

O sentido da ação não é tão evidente quando se trata da relação com o TU humano. O ato essencial que instaura aqui a imediatez, é comumente interpretado em termos de sentimentos e, por isso mesmo, desconhecido. Os sentimentos acompanham o fato metafísico e o metapsíquico do amor, mas não o constituem: aliás estes sentimentos que o acompanham podem ser de várias qualidades. O sentimento de Jesus para com o possesso é diferente do sentimento para com o discípulo amado, mas o amor é um. (BUBER, 2003, p. 16 e 17)

Na Filosofia personalista de Martin Buber, como se constata muito bem

demonstrado neste trecho acima, ocorre o resgate de um tema tão macerado pelos

filósofos, mas pouco entendido – pelo menos por uma parte destes – sobre a

possibilidade real do amor como acontecimento, e não como um mero e estéril

conceito. Martin Buber entende o amor não como sendo a efusão de hormônios que

a contemporaneidade vai chamar de amor; de propósito – pois é melhor assim pensar

– ignorando que o que eles chamam de amor não passa de um hormônio, a

neurotrofina, ou seja, uma substância hormonal secretada pela glândula hipófise

responsável pela sensação de prazer causada pelo objeto desejado – o apaixonado

pelo objeto de sua paixão – e isso tem prazo de validade, tornando assim o que é

asseverado como sendo o mais nobre dos sentimentos uma mera peça descartável

de acordo com a conveniência de seus usuários. Buber retoma o amor não como uma

peça descartável e afirma a nítida diferença entre o que são os sentimentos efêmeros

e fugazes, logo passíveis de descarte, do verdadeiro amor.

O amor como intenção para Buber irá causar a liga que une a verdadeira

relação do encontro. O amor não pode variar em sua objetivação, que seja a

celebração do TU em uma relação permanente e cheia da atualidade que lhe é

inerente. O amor como uma mera teoria a ser observada especulativamente,

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divorciado do real encontro entre o EU e o TU, decompõe-se em mero conjunto

obscuro e leviano de sentimentos amorais e na maioria das vezes imorais, onde o TU,

convertido em ISSO, passa como mera experiência.

O que se pode pensar do verdadeiro amor é a necessária adequação de seu

ente na categoria das intenções, onde o homem projeta-se diante de seu TU em um

sempre atual e exclusivo face-a-face que não pode decompor-se em um ISSO. Desta

forma, “o TU se revela, no espaço, mas, precisamente, no face-a-face exclusivo no

qual tudo o mais aparece como cenário” (BUBER, 2003, p.34). Aqui vê-se o

pensamento buberiano projetando a relação no tempo e no espaço, relembrando

Kant, e neste resgate, ou melhor dizendo, nessa demonstração vemos Buber situando

a essência ontológica da relação no espaço como o TU, inalienável em sua

significação correlacional e derivativa do EU e ao mesmo tempo consolidativa do

mesmo, e desta forma, o amor será a concretização e o real motivador para o

encontro, a humildade, necessária para a procura constante do si – mesmo, para o

completo significado do encontro com o outro e de uma produtiva relação em que o

alvo será a descoberta constante de quem sou no outro.

Nas afirmações de Buber, o tzadik – (qydx) “justo”, e o povo dependem um do

outro. Conforme Newton Aquiles Von Zuben,

Diz Buber que um dos aspectos mais vitais do movimento hassídico é o fato de que os hassidim contavam entre si histórias sobre seus líderes, os tzadikim. Grandes coisas haviam presenciado, participando delas e a eles cumpria relatá-las, testemunhá-las. “A palavra utilizada para narrá-las é mais que mero discurso: transmite às gerações vindouras o que de fato ocorreu, pois a própria narrativa passa a ser acontecimento, recebendo consagração de um ato sagrado” - cfr. Histórias do Rabi, pág. 11. (BUBER, 2003, p. 32)

E esta relação será inspiração para o pensamento de que a verdadeira e

grande obra humana, degradada e vilipendiada com tantas idas e vindas de

3 Em se tratando de termos da língua-mãe de Martin Buber, teve-se a preocupação de

manter as palavras em seu idioma original para que se respeite na íntegra a mensagem do filósofo. Como Buber além de alemão também é judeu, preservaram-se aqui algumas palavras em hebraico para melhor demonstração de sua filosofia.

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especulações ocas, será a relação; a relação que respeita o outro por que outro e

porque EU-TU e porque EU. Não se concebe na obra de Buber uma relação

verdadeiramente humana que desconheça a indispensável descoberta do que eu sou,

do que posso ser, dos meus anseios, aspirações e frustrações imediatamente no outro

enquanto homem, mulher e não um ISSO. Novamente, a obra de Buber coloca a

relação na dimensão da ontologia do encontro, onde vai prevalecer aquele primeiro

conceito do que de fato venha a ser um encontro real, vibrante, fagueiro, sem

entremeações de hipóteses inócuas e pretensiosas; pretensão à forma descabida e

caduca de quem quer apenas complicar sem a sábia e necessária pretensão de

colocar algo de melhor como substituto dessa aparentemente insignificante relação.

Aqui agora ampliando o espaço de raciocínio da obra de Buber segundo a visão

da linha de pensamento personalista, vemos que outros pensadores vão concordar

com essa perspectiva, a de que o personalismo, em especial a filosofia do diálogo de

Buber, não pode conceber uma desconstrução do homem, como que para se entender

os devaneios e as articulações do ser do homem fosse necessário torná-lo em um

ISSO.

Segundo Juan Manuel Burgos, autor da obra hacia una definición de La filosofia

personalista, a existência do homem não pode ser perscrutada pela ótica de um

idealismo frio ou de um desconstrutivismo que descaracteriza o homem, segundo ele,

“El personalismo no soporta ni el idealismo ni la desconstrucción del hombre: el mundo

es real, el hombre es real, y no solo real, sino denso, profundo y estable.” (BURGOS,

CAÑAS, FERRER, 2008, p. 22)

Enquanto houver um esforço pela descaracterização do homem enquanto

homem – e lembrando-se da inevitabilidade da confrontação no mundo do ISSO, mas

ao mesmo tempo da capacidade de se poder saber da existência dele sem prescindir

da liberdade do encontro – haverá, pela tendência necessária de um dado

comportamento, de uma dada formatação social a fim de adequar os interesses de

muitos sob os de uns poucos, os estragos causados pelas teorias de quem gosta de

elucubrar para a si se agradar com lisonjas de que grandes e auspiciosas

“O personalismo não suporta nem o idealismo nem a desconstrução do homem: o mundo é real, o

homem é real, e não somente real, mas denso, profundo e estável.”

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contribuições intelectuais para o mundo do conhecimento foram computadas com

vistas ao progresso dos homens! Pois quê? Como se sustenta um homem sob um

pensamento cujo propósito é justamente não ter propósito? Buber nos chama a

atenção para uma mútua construção dos homens através do encontro, e sempre

vendo-se a si mesmo para evitar o descuido de se cair no poço do obsolescismo das

amizades fraudulentas, das amizades sem rosto e sem identidade, das relações

políticas, interesseiras e coisificantes, progredindo apenas a reificação das almas

ignoradas e ignorantes, usadas apenas e simples e desavergonhadamente como

moeda de troca umas das outras que detém – assim pensam elas – o poder, pois na

verdade, como poderiam os poderosos assim se considerar se não fossem os homens

cujas almas se tornaram apenas um ISSO? Hegel, pensando na fenomenologia das

relações e inter-relações das atividades do espírito humano muito bem expôs esse

pensamento de que existe uma dialética da relação do ser essente em que muito mais

carente do outro para a própria relevância de sua própria existência como senhor será

a relação entre o senhor e o escravo. Conforme suas palavras,

O senhor é a consciência para si essente, mas já não é apenas o conceito dessa consciência, senão uma consciência para si essente que é mediatizada consigo por meio de uma outra consciência, a saber, por meio de uma consciência a cuja essência pertence ser sintetizada com um ser independente, ou com a coisidade em geral. O senhor se relaciona com estes dois momentos: com uma coisa como tal, o objeto do desejo, e com a consciência para a qual a coisidade é o essencial. (HEGEL, 1992, p. 130)

Procurando uma forma de se enxergar no outro não porque outro, mas porque

objeto de sua própria razão de ser como senhor é que neste raciocínio Hegel pensa

em como há uma forma de se relacionar reificante na dialética do senhor e do escravo,

onde apenas o escravo está bem ciente de quem é e que do senhor não precisa para

ser ele mesmo, não perdendo, portanto, sua essência de homem que só está escravo,

mas de fato não o é, diferente do senhor, que engodou-se em sua própria dinâmica

reificante para assim se fazer presente na sociedade; pois, como se pode depreender,

o senhor precisa do escravo para o afim de quê de sua posição tão necessária para a

sua subsistência como homem importante, que em contrapartida ao escravo, o senhor

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dele precisa para ser senhor, e não sabe como se portar sem a importante existência

do escravo que para ele jaz reificado.

Na relação não há espaço para que um se faça em detrimento do TU do outro,

de sua essência, desprezando que o TU também é um EU para que haja a atualidade

do encontro e da relação verossímil. Assim também pensa Reale quando interpreta

Buber sobre essa característica de se ter o outro como sendo um mero recurso a ser

utilizado e não realmente vivido como o deve ser numa relação sempre presente,

atual, da seguinte maneira:

O ESSE é uma realidade objetivada, é o conjunto dos objetos da ciência e da tecnologia. O TU, ao contrário, não é um objeto, mas uma presença que irrompe em minha vida. E é o TU que me torna EU; o EU se constitui na presença do TU. E se na relação com o ESSE, o EU fala do ESSE, na relação com o TU o EU fala ao TU, dialoga com o TU:

a realidade humana é esse diálogo. (REALE, ANTISERE, 2006, p. 417)

Desta maneira compreendemos como é possível uma relação que de fato seja

sustentável para o homem, que se constrói a partir do outro, respeitando o outro como

sendo o TU, que não pode deixar de ser um EU sempre que se posta na face do TU;

mas não esquecendo que a partir do momento em que passo a vê-lo como uma ponte

para o meu futuro seja ele qual for, torno o meu TU um ISSO e decomponho de novo

minha relação a uma mera experimentação.

Para que se possa crescer a partir do outro do modo como Buber aponta se faz

necessário que o crescimento só o seja de fato a partir do momento em que o outro

também cresça concomitantemente em confrontação direta, num face – a – face

contínuo, sempre presente, pois na atualidade deste encontro é que se faz uma

realização eficiente de si mesmo junto com o outro, e não apesar do outro.

Vê-se isso na vida que se constrói na comunidade. Ainda referindo-se a filosofia

do encontro de Buber, Edith Stein vai demarcar muito bem como se dá esse processo,

visto que a relação não pode ser pensada sem a concepção lógica de uma

comunidade oriunda de um primeiro relacionar-se.

Tudo que pode ser construído como valor daquilo que se diz através das

palavras não o pode ser sem uma intenção, “todo valor reconocido és inseparable de

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una intención, cuyo cumplimiento solo se alcanza comunitariamente, entre las

personas.” 5 (STEIN, apud FERRER in BURGOS, 2008, p. 84). Eis o porquê não se

pode pensar numa relação baseada apenas na experimentação de um TU tornando-

o um ISSO, pois a comunidade sempre seguirá aquilo que por ela mesma é valorado

como sendo a verdade. Ainda demonstrando como se dá a dinâmica em uma

comunidade, Stein ainda evidencia como se dá o pensamento de um dado indivíduo

que se vê apenas a admirar uma dada obra de arte sem se aperceber que na verdade

está a se construir quando observa a arte, assim, Stein vai dizer que:

Al admirar una obra de arte, me siento miembro de la comunidad de los expertos o de los aficionados al arte y, al comportar-se así, mi vivencia reivindica la reproducción de la vivencia comunitaria y el estar ocupada com ella.6 (STAIN, apud FERRER in BURGOS, 2008, p. 84)

Podemos assim entender que não é possível eximir-se de tal característica do

encontro, sentir-se parte de um todo é justamente a proposta de uma relação

empreendida com foco na formação do TU assim como o EU, completo em sua inter-

relação.

Ainda considerando a imagem desenhada por Edith Stein sobre a arte e sua

implicação comunitária, vemos a palavra de Buber ainda a falar sobre a influência do

encontro numa dada obra de arte, ele diz que “Acontece o mesmo com a arte: é na

contemplação de um face-a-face que a forma se revela ao artista.” (BUBER, 2003, p.

48). Então, como se dá esse fenômeno do encontro que até em seres inanimados

impinge sua própria imagem, sua própria semelhança?

O homem, assim é considerado, vive por e através da relação. Não se pode

conceber que ao homem se possa fazer-(se) sem a consideração de uma necessária

relação, e que se a tal não se faz como em um encontro presente e atual, sempre há

5 “Todo valor reconhecido é inseparável de uma intenção, cujo cumprimento somente se alcança

comunitariamente, entres as pessoas.”

6 “Ao admirar uma obra de arte, sinto-me membro da comunidade dos espertos ou dos aficcionados à

arte e, ao comportar-me assim, minha vivência reivindica a reprodução da vivência comunitária e o

estar ocupada com ela.”

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de se tornar uma mera abstração, uma figura disforme daquilo que deveria ser, em

consonante harmonia com a própria ontologia do encontro, da relação. Saber-se

homem sem a necessária relação é o mesmo que o entregar-se voluntariamente ao

ostracismo espiritual, tornando todos ao redor como meras coisas, úteis apenas para

a satisfação de fugazes interesses, nunca a observar a realização do outro ou a

ausência desta, sem se importar somente. Buber resgata isso em sua utopia da

relação sustentável.

É necessário entender que na composição do mundo do ISSO, a inteligência

científica e estética cumprem seu papel de acordo com a sua hierarquia, com seu

respectivo valor na escala de conveniência, Buber diz que: “Não que a inteligência

científica e estética não tenham papel a desempenhar: mas ela deve realizar fielmente

sua obra e mergulhar na verdade superinteligível da relação que envolve todo

inteligível” (BUBER, 2003, p. 48), ou seja, o seu papel somente será completo se

imbuir-se do superinteligível da relação inteligível, noutras palavras, o exacerbo do

academicismo erudito acaba por tornar um TU em um ISSO. Em seguimento a esse

raciocínio, numa continuação de sua crítica ao exacerbo de uma aquisição de

conhecimento desprovida de parâmetros aceitáveis em prol de uma realização

eficiente a partir do encontro, Buber afirma que aqueles que constroem para si

mesmos um edifício de conhecimento o fazem em detrimento da palavra abrigada no

TU, no encontro. Ele diz que:

Estes, porém, indiferentes e incapazes para tal contato vivo que lhe abriria o mundo, estão bem informados. Eles aprisionaram a pessoa na história, e seus ensinamentos nas bibliotecas; eles codificaram indiferentemente o cumprimento ou a violação das leis, e são pródigos na auto-veneração ou mesmo na auto-adoração sempre bem camuflada com psicologia, como é próprio do homem moderno. Oh! semblante solitário como um astro na escuridão. Oh! dedo vivo colocado sobre uma fronte insensível. Oh! ruídos de passos cambaleantes. (BUBER, 2003, p. 49 e 50)

O encontro vem a ser o afim de quê que a filosofia buberiana vem nortear todas

as produções intelectuais do homem contemporâneo, dialogando e com os erros

aprendendo a dialogar com as obras escritas num passado em que a história tem

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demonstrado exaustivamente que a supressão de um tão necessitado encontro tem

ocasionado no homem e pelo homem.

O Homem não pode viver sem o mundo do ISSO, como tem afirmado Buber

(BUBER, 2003, p. 39), mas não poderá construir-se a partir do outro se não souber

discernir que na relação não pode haver uma uniformização de absolutamente tudo o

que estiver em nosso entorno, inclusive o TU numa assimilação massiva de tudo o

que os olhos podem ver num ISSO. De tudo o que foi dito até o presente momento,

Buber demonstra que uma relação não poderá se sustentar e, por conseguinte, não

suscitará numa realização de si mesmo que permaneça eficiente para a geração de

outros encontros de autodescobrimentos e assim por diante se o homem não entender

que toda a atividade do espírito do homem encontra-se no encontro autêntico e

despretensioso de uma relação, o EU diante do TU permanente e atual.

Prosseguindo com a demonstração desta perspectiva de Buber, apontando

para a incongruência de não se poder viver como que fora desta vida em que se está

inserido, o mundo do ISSO, Buber coloca tanto a economia quanto o Estado como

sendo os habitáculos da vontade de utilizar e da vontade de dominar,

respectivamente. Assim, ele dirá que:

A economia, habitáculo da vontade de utilizar e o Estado, habitáculo da vontade de dominar, participam da vida enquanto participam do espírito. Se renegam o espírito, é a própria vida que renegam. A vida, na verdade, não se apressa em levar a cabo sua tarefa, e em um bom momento, se crê estar vendo um organismo mover-se quando já há muito tempo é um mecanismo que se agita. De nada adiantará introduzir no processo uma dose de espontaneidade. (BUBER, 2003, p.57)

Buber segue demonstrando que todo e qualquer posicionamento humano que

arquitete planos com vistas ao bem estar da sociedade, contudo tendo como resultado

a preclusão de um contato vivo e atual como o desabrochar natural do encontro

culminará com a renegação da vida como resultado da renegação do espírito. A

autorrealização tão buscada por esta sociedade que ai está (e isto já era previsto por

Buber ainda em sua época, no início do século XX) não contempla a concomitante

realização do outro com a sua própria realização, ou seja, uma vez que as sociedades

foram surgindo na história em uma inter-construção subjetiva, tal comportamento foi

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dando lugar a outra coisa, ao observar desse progresso vemos uma construção de si

mesmo apesar do outro, exacerbando a importância de si mesmo em detrimento do

outro sempre em um ciclo vicioso e agravante. Como Buber diz, a vida segue para

aquilo no qual ela está programada sem que haja a necessidade de se acrescentar o

que quer que seja, como por exemplo, os meios de produção industrializada, que

manipulam a genética de plantas e animais com vistas a dar conta das necessidades

criadas na sociedade a partir deste modo de ver a vida como algo em que se pode

sempre lucrar mais, porém desprezando o impacto que tal prática causa nas relações

humanas e em todo o seu entorno. Ainda lembrando Mounier citado por Antisere e

Reale, vemos que vai concordar plenamente com esse pensamento de Buber para o

correto entendimento do desenvolvimento humano sempre levando em consideração

o espírito dessa relação. Mounier vai discordar veementemente tanto do moralismo,

muito vigente em sua época bem como do capitalismo. Segundo os autores a respeito

de Mounier,

Contrário ao moralismo ("mudai o homem, e as sociedades se curarão") e, como veremos, contrário ao marxismo ("mudai a economia, e o homem será salvo"), Mounier considera o individualismo como o pior inimigo do personalismo. Isso deve-se ao fato de que, no personalismo, a pessoa é uma presença voltada para o mundo e para as outras pessoas: "As outras pessoas não a limitam; ao contrário, permitem-lhe ser e se desenvolver. Ela (a pessoa) só existe enquanto voltada para os outros, só se conhece através dos outros, só se encontra nos outros". Tudo isso é quase o mesmo que dizer que eu só existo enquanto existo para os outros e que, no fundo, "ser significa amar". (REALE, ANTISERE, 2006, p. 425)

Neste entendimento, se faz necessário compreender que o mundo do ISSO de

maneira nenhuma pode ser rasgado do convívio necessário do homem, o que não

pode ser é tais coisas equipararem-se à importância que somente na relação pode

ser dada ao TU. Sobre isso, Buber dirá que:

Somente a presença do espírito pode infundir em todo trabalho, sentido e alegria, e, em toda propriedade, respeito e dedicação, não de um modo pleno, mas satisfatoriamente. Todo produto do trabalho, todo conteúdo da propriedade, embora permaneçam no mundo do ISSO ao qual pertencem, somente o espírito pode transfigurá-los em confrontadores e numa representação do TU. Não há retrocesso,

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mesmo no momento de maior necessidade, neste momento precisamente, há um “mais-além” insuspeito. (BUBER, 2003, p.58)

Buber diz que o mundo do ISSO é o mundo das causas e o causador de todos

os fenômenos existentes, sendo dessa forma atribuído à essa especificidade o caráter

de finalidade, porém lembrando que o homem não pode estar preso à essa finalidade

por causa da atualidade do encontro. Sobre isso, dirá que:

O reino absoluto da causalidade no mundo do ISSO, embora seja de importância fundamental para a ordenação científica da natureza não aflige o homem que não está limitado ao mundo do ISSO e que pode sempre evadir-se para o mundo da relação. Aí o EU e o TU se defrontam um com o outro livremente, numa ação recíproca que não está ligada a nenhuma causalidade e não possui dela o menor matiz; aqui o homem encontra a garantia da liberdade de seu ser e do Ser. (BUBER, 2003, p.60)

Embora se diga que o homem, para que possa fruir livremente no mundo da

relação tem de estar como um pássaro com asas fortes para poder enlevar-se de tudo

o que pode ser medido e calculado no mundo do ISSO, em outro momento foi dito que

o homem nasce para a relação mas isso não implica necessariamente uma ordenação

metódica pelos moldes da ciência, por exemplo; quer-se dizer que ao homem foi dado

o poder da presença por causa de uma presença primeira, como foi dito em páginas

anteriores sobre o Mana, o Orenda; uma Presença maior que a tudo conclama para a

relação, para um encontro perpétuo, onde tudo só faz sentido mediante a relação

autêntica e atual. Como ele mesmo diz,

Ele não é o seu limite mas o complemento; liberdade e destino unem-se mutuamente para dar sentido; e neste sentido o destino, até há pouco olhar severo suaviza-se como se fosse a própria graça. Não, o homem portador de centelha que retorna ao mundo do ISSO não é oprimido pela necessidade causal. E, em épocas em que a vida é sã, a confiança se propaga a todo povo através de homens do espírito; todos, mesmo os mais tolos, conheceram de alguma maneira seja por natureza, ou um modo intuitivo ou obscuro, o encontro, a presença; todos de algum modo pressentiram o TU; agora o espírito é para eles a garantia. (BUBER, 2003, p.62)

Eis a possibilidade apontada por Buber, é perfeitamente possível a auto-

atualização a partir da atualização do TU, ou seja, Buber não acredita em um fazer-

se a si mesmo sem a necessária presença do outro, do TU, e para a desconstrução

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de um pensar isolado, mecanicista, é que Buber defende que a liberdade somente

pode consistir em uma inter-construção; para que o EU possa sentir-se sempre

emparelhado com as últimas tendências de seu tempo, se faz necessário que tal

reciclagem contemple a possibilidade da reciclagem do outro junto consigo como parte

fundamental, estrutural de sua própria reciclagem, pois sem a presença do TU, tal

crescimento não poderá ser possível; ainda que se diga em todo instante que tal

movimento não se dá de um modo mecânico, mas isso é livre. Para demonstrar isso,

Buber assevera que:

Compreende-se que o mundo do ISSO abandonado a si mesmo - isto é, privado do contato do tornar-se TU, aliena-se tornando-se um íncubo; como é possível, no entanto, que, como dizes, o EU do homem perca a sua atualidade? Quer ele viva na relação ou fora dela, o EU garante-se a si mesmo na sua consciência de si; é o fio de ouro ao qual vêm se ordenar os estados intermitentes. Que EU diga: “eu te vejo” ou “eu vejo a árvore” este meu ver pode não ser igualmente atual em ambos os casos, mas o que é igualmente atual nos dois casos, é o EU. - Senão vejamos, verifiquemos se é assim. A forma linguística não prova nada; muitos TU proferidos são, fundamentalmente, ISSO, ao qual se diz TU, somente por hábito ou sem pensar. E muitos ISSO expressos significam, no fundo, um TU de cuja presença se guarda, mesmo estando distante, no fundo de seu ser, uma lembrança; assim em inúmeros casos o EU é apenas um pronome indispensável, apenas uma abreviação necessária de “este aqui que fala”. (BUBER, 2003, p.72)

Assim, ao homem não é possível um crescimento em qualquer que seja o

seguimento em que se condicione sem a relação, o encontro com o TU, EU e TU em

um ciclo constante, relacional para uma realização completa.

O homem busca a realização, mas ela, que lhe é inerente por causa de sua

natureza que o constrange à busca-la, só será completa quando houver uma total

entrega ao espírito dessa relação, que é o encontro, melhor dizendo, o espírito só se

fará perceber a partir da relação, é o ar que se respira entre o EU e o TU atual, perene

e espontâneo, pois como já fora dito, é a síntese do amor: não se ama de fato quando

se nega a relação, relacionar-se é entregar-se às pessoas numa construção mútua.

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3 A COISA, EM DETRIMENTO DO TU

Buber vai definir o que pensa sobre a palavra-princípio EU-ISSO, onde tudo o

que perde sua essência de relação, de diálogo como se comigo mesmo eu falasse

passa a ser ISSO, uma mera coisa, ainda que essa coisa seja uma pessoa, nesta

afirmação: “O mundo como experiência diz respeito à palavra-princípio EU-ISSO. A

palavra-princípio EU-TU fundamenta o mundo da relação.” (BUBER, 2003, p. 44), pois

essa pessoa passou a ser somente um meio de se chegar a algum objetivo. Mundo

em que homens são tornados coisas, só é possível quando confundimos os objetos

que nos rodeiam com o apreço que somente ao outro deve ser endereçado. A

possibilidade, no entanto, de tornar alguma coisa em ISSO é inerente da própria

natureza humana, bem como de tornar um ISSO em TU. Para exemplificar, Buber diz:

A árvore permanece, em todas estas perspectivas, o meu objeto tem seu espaço e seu tempo, mantém sua natureza e sua composição. Entretanto pode acontecer que simultaneamente, por vontade própria e por uma graça, ao observar a árvore, eu seja levado a entrar em relação com ela; ela já não é mais um isso. A força de sua exclusividade apoderou-se de mim. (BUBER, 2003, p. 45)

Buber discorre em todas as linhas na capacidade do homem de relacionar-se

com o que ele quiser, mas, na medida em que a originalidade da relação é

desgastada, provocando afastamento e a descaracterização da própria humanidade,

gera como consequência a reificação da relação. Sobre isso, Buber diz:

O homem não é uma coisa entre coisas ou formado por coisas quando, estando eu presente diante dele, que já é meu TU, endereço-lhe a palavra-princípio. Ele não é um simples ele ou ela limitado por outros eles ou elas limitados, um ponto inscrito na rede do universo de espaço e tempo. (BUBER, 2003, p. 45).

Quanto à reificação da relação, as coisas, objetos tendem a degradar a relação

para a mesma importância transitória que um dado objeto tem. Ainda lembrando-se

das civilizações primitivas discorridas acima, nas relações primitivas têm-se em suas

expressões idiomáticas termos que refletem bem a riqueza das relações na sua mais

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primitiva manifestação. No vernáculo hebraico, por exemplo, emwlv-hm7 (mãh slomka)

“qual é a sua paz?”, onde ilustra essa condição primitiva da relação. E, para completar

o sentido do que foi asseverado acima, Buber diz que:

Ao encontrarmos alguém, nós o saudamos, desejando-lhe o bem ou assegurando-lhe a nossa dedicação ou recomendando-o a Deus. Porém, quão mediatas e desgastadas são estas formas (o que se sente ainda no “heil” (olá) daquela força originária radiante?) se comparadas àquela saudação relacional sempre jovem e autêntica dos Cafres: “Eu o vejo”. – ou a sua variante americana, a expressão, embora ridícula, sublime: “Cheire-me”. (BUBER, 2003, p. 21)

O progresso aprendeu a separar os sentimentos das instituições como sendo

uma clausura para quem precisa proteger-se das vicissitudes estressantes das

mesmas, no entanto, apesar de reunidas sob o mesmo teto de propósitos, não

constituem necessariamente uma comunidade de autênticos relacionamentos; e nem

o que vive em sua clausura sentimental consegue interpenetrar-se com o outro, numa

autêntica interpessoalidade.

A esse respeito, Buber dirá que:

Mas o ISSO desvinculado das instituições é um Golem8 e o EU separado dos sentimentos é uma alma-pássaro9 que volita. Ambos desconhecem o homem: aquelas, somente um exemplar: estes, somente um objeto; nenhuma conhece a pessoa, a comunidade. Ambos desconhecem a presença; aquelas, as instituições, mesmo as mais modernas, conhecem somente o passado estagnado, o ser acabado; os sentimentos, mesmo os mais duradouros, não conhecem senão o instante fugaz, aquilo que ainda não existe. (BUBER, 2003, p. 51 e 52)

7 A expressão é tão usual como outra ainda mais comum e que vai originar essa e outras expressões

tais como: ! Mwlç “a paz!”.

8 Mlg “GOLEM” é uma palavra que aparece uma só vez na Bíblia no salmo 139:16. Significa aí “sem

forma “. A literatura hebraica da Idade Média empregava-a para designar a matéria sem forma.

Buber explica que Golem é um pedaço de argila animado sem alma.

9 SEELENVOGEL. Trata-se da uma noção mítica da alma que se incorpora em animais ou aves.

Segundo a crença dos povos primitivos, a alma de um homem após a morte, sobrevive em um animal,

um réptil ou uma ave (SeeIenvogel). Esta crença se baseia na crença da migração das almas.

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Retomando, no seguimento deste capítulo onde se tem por objetivo

demonstrar o que Buber afirma sobre as necessárias consequências de se reificar a

relação na atualidade de um encontro autêntico, prossegue-se a demonstração do

filósofo nas afirmações de outros pensadores, postulando sobre a coerência de um

pensar personal, de uma filosofia do relacionamento.

Aqui, nota-se o que outros pensadores contemporâneos de Buber e até de

antes dele formularam sobre o que causa a coisificação do homem, o que o mundo

do ISSO sem o assessoramento das instituições torna-se e o que os sentimentos não

em plena harmonia com o EU podem ocasionar como foi demonstrado por Buber.

Reale e Antiseri, citando mais destes pensadores contemporâneos de Buber ou não,

mostram que o cerne da filosofia do encontro prescreve, ou melhor dizendo, pensa

num homem personal que se encarna na história mas não pode ser objetivado pela

mesma, assim,

A pessoa, para Mounier, está encarnada em um corpo e imersa na história, e é comunitária por sua natureza. Todavia, permanece não objetivável, não pode ser capturada por nenhuma definição, nenhuma descrição pode retratá-la em sua inteireza. (REALE, ANTISERE, 2006, p. 422)

O homem permanece em sua essência inalterável. Ele é para o TU mediante o

encontro como o espírito o é para a obra mediante a contemplação; não podem ser

um sem o outro e, quando acontece essa separação ocorrerão certamente as

reificações de que tanto se está a elucubrar por esta filosofia; dentre elas pode-se

lembrar das parafilias que, segundo Roudinesco, ilustram com plena luz de

demonstração o quanto tais desdobramentos prejudicam numa reiterante reificação a

relação autêntica e consciente de objetivos inter – construtivos. Segundo ela,

Em 1987, a palavra perversão foi substituída, na terminologia psiquiátrica mundial, por parafilia, que abrange práticas sexuais nas quais o parceiro ora é um sujeito reduzido a um fetiche (pedofilia, sadomasoquismo), ora o próprio corpo de quem se entrega à parafilia (travestismo, exibicionismo), ora um animal ou um objeto (zoofilia, fetichismo). (ROUDINESCO, 1998, p. 598)

Será que se pode atestar a veracidade das parafilias como sendo um mal social

oriundo da coisificação do TU em prol do que deveria estar em seu devido lugar sem

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estar a alterar a relação autêntica entre o EU e o TU? Quão verdadeiras são as

palavras de Roudinesco! Quão bem demonstradas são estas observações de uma

particularidade da relação deteriorada dos homens! Relação esta em que indivíduos

são tornados descartáveis por causa da constante ressignificação da relação

incomum de homens com as coisas! A sociedade em que estamos inseridos hoje e já

desde tempos imemoriais tem testemunhado esse crescente moto diante de seus

olhos, e muito pouco se tem feito para se refrear tal atitude desrespeitosa da dignidade

do encontro, de sua atualidade supra-inteligível. Ainda conforme Antiseri,

Minha pessoa – escreve Mounier – não coincide com minha personalidade. Ela está além do tempo, é uma unidade dada, não construída, mais vasta do que as visões que dela tenho, mais íntima do que as reconstruções por mim tentadas. Ela é uma presença para mim. A pesquisa da própria vocação, o empenho em uma obra como sinal da própria encarnação, e a renúncia a si próprio em favor dos outros: estes são os três exercícios essenciais da pessoa. (REALE, ANTISERE, 2006, p. 422)

E quando se diz a coisa em detrimento do TU tem por objeto de demonstração

justamente essa necessidade de se desconstruir o homem, não suas teorias, mas a

sua própria essência afirmando que esse homem, segundo algumas teorias

estruturalistas, é resultado de uma construção segundo um prisma metafísico-

teológico-cristão e que tem de desaparecer para que se erga das abissalidades da

ignorância religiosa o verdadeiro homem, o homem que é além dele mesmo, o hecce

homo que Nietzsche propusera que deve aceitar a vida exatamente como ela é, mas

sem pensar em modificá-la, o que vem a descaracterizar a inter-construção do

encontro que se dá mediante o diálogo, mas não um diálogo baseado em palavras

que drenem do homem a capacidade da relação.

A esse respeito, Buber assim vai afirmar:

Aqui, muitas vezes, a palavra tornou-se vida e esta vida é ensinamento, quer ela tenha cumprido a lei quer a tenha transgredido – estas duas circunstâncias são, na verdade, necessárias para que o espírito não morra sobre a terra. Assim, ela permanece para a posteridade, para instruí-la, não a respeito do que é ou deve ser, mas sobre a maneira de como se vive no espírito, na face do TU. (BUBER, 2003, p. 49)

Neste sentido, a palavra ocorre como ato puro porque acontece como

correspondência vivaz de um EU para um TU, não ficando presa à exegese fria da

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mera letra e desconstrutora dessa interpessoalidade do encontro, não importando,

portanto, em se está de acordo com um dado código de ética ou não, mas o espírito

dessa palavra lançada só se faz de fato mediante a atualidade do encontro. E essa

prática pode ser ensinada na medida em que se adentra nessa mesma e permanente

dimensão espiritual do encontro e não como mera repetição; tornando, assim como

mera repetição, a palavra-princípio TU em um ISSO. E os reflexos de tal prática vão

sendo sentidos entre os homens, mas cada um dará conforme a sua conveniência

termos complicados e adentram em um explicacionismo amplo10 onde se dá um rótulo

perfeito para cada estágio dessa dinâmica da exclusão do encontro e da necessidade

do diálogo invertidos e assim convertidos em etapas, métodos de como influenciar

pessoas e fazer discípulos, onde tudo é medido milimetricamente em pipetas

experimentais para se averiguar a autenticidade e a relevância de tal empreita, para

que se possa aceitar e ser aferido como sendo apto para uso; assim têm se tornado

os relacionamentos, mas os homens na verdade não querem assentir que as dores

de se inverter o que não pode ser invertido sem consequências estão a se manifestar

diária e historicamente. Sobre isso, Buber demonstra que:

Com dor crescente, e em número cada vez maior, sentem os homens que as instituições não geram a vida pública. É daí que provém a angústia sequiosa deste século. Que os sentimentos não geram a vida pessoal, poucas pessoas o compreendem ainda, pois, parece que é neles que reside o que se tem de mais pessoal. Quando se aprende, como o homem moderno, a dar muita importância aos seus próprios sentimentos, o desespero em comprovar sua irrealidade, não será melhor esclarecimento, pois este desespero é também um sentimento e como tal nos interessa. (BUBER, 2003, p. 52)

Quando é dito que os homens sentem as dores de se manipular a seu bel

prazer os movimentos do encontro, do diálogo, sendo assim um movimento

intempestivo e irracional, por mais que se ataviem de pura racionalidade auto-

declarada, é isso demonstrado pelas sucessivas derrocadas de todos os projetos

inéditos de agrupamento consciente da sociedade, sem, contudo respeitar-se as

demandas de um verdadeiro encontro que propiciará um verdadeiro diálogo.

10 No explicacionismo amplo, linha epistemológica em resposta à linha naturalista, há a ideia de que é

um valor intelectual de alcance geral e que nem todas as boas explicações precisam ser

distintamente científicas.

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Assim sendo, o amor fati de Nietzsche contraria essa perspectiva do inter-

construto do EU com o TU, uma vez que a ideia nietzschiana postula que a vida deve

ser abraçada do modo como ela é, intocando, inclusive, nesta mesma vida quando ela

significa dor e profunda solidão pela ausência de um TU que possa com um EU

praticar uma mútua construção de vidas autênticas num encontro atual, da relação.

Para Nietzsche, a ideia de uma inter-construção personal é absolutamente antagônica

ao seu plano de um homem que possa transvalorar o próprio homem, ou como ele

mesmo dirá, a expressão latina da passagem de Pilatos e Jesus – Ecce homo, só que

desta vez um homem que venha a quebrar os velhos costumes como sendo

antinaturais a uma aceitação da vida em sua forma estritamente apolínea de ser.

Segundo Reale e Antisere,

O amor fati é aceitação do eterno retorno, é aceitação da vida. Mas não se deve ver nele a aceitação do homem. A mensagem fundamental de Zaratustra, com efeito, está em pregar o super-homem. É o homem, o homem novo, que deve criar um novo sentido da terra. Abandonar as velhas cadeias e cortar os antigos troncos. O homem deve inventar o homem novo, isto é, o super-homem, o homem que vai além do homem e que é o homem que ama a terra e cujos valores são a saúde, a vontade forte, o amor, a embriaguez dionisíaca e um novo orgulho. (REALE, ANTISERE, 2006, p. 35)

Uma sociedade que acredita em seus arquitetos da vida transgênica tenta

fechar os olhos para esses sintomas de se viver mecanicamente, usam e abusam dos

eufemismos para continuarem a negar essas dores apontadas por Buber e assim

lançarem continuamente, morbidamente em um ciclo vicioso - o eterno retorno de

Nietzsche - mão dos paliativos-assistentes-substitutivos da pós-modernidade que

serão todas as formas de distração que o homem pode criar resultante de sua supra-

inteligível capacidade de projetar, de imantar todos os objetos ao seu redor com a sua

própria personalidade, porém, contudo, não havendo com isso um encontro real de

um EU com um TU, mas o que ocorre será a deterioração de um TU em um ISSO,

por causa dessa gananciosa vontade corrompida do homem em seu amor próprio pela

busca irrefreada pelo divertimento. O que não se vê nas desconstruções é a colocação

de algo que seja melhor do que havia anteriormente no lugar do que foi desconstruído,

e assim as dores apontadas por Buber vão se manifestando cada vez de uma forma

diferente, mas oriunda sempre de uma mesma fonte de problemas – a insana vontade

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pelo divertimento. Segundo um dos proponentes da Filosofia personalista citado por

Reale e Antisere, Blaise Pascal, o homem está, em sua angústia existencial, sempre

a buscar um refúgio seguro de si mesmo, onde possa recolher-se em seu mundo de

entretenimentos com vistas a não ter de encarar a sua própria miséria existencial.

Conforme Emmanuel Mounier apud Reale e Antisere,

[...] Leibniz e Kant (aos quais o personalismo muito deve, sempre segundo Mounier), Pascal ("o maior mestre" do personalismo), Maine de Biran ("o moderno precursor do personalismo francês"); encontra concordâncias substanciais com não poucas ideias de Max Scheler e Martin Buber. (REALE, ANTISERE, 2006, p. 421)

No livro Pensamentos, Blaise pascal demonstra com exímia propriedade esse

dado do comportamento humano em deixar a tão necessária prática de uma sadia

reflexão de si mesmo para afixar-se nas distrações, e com isso pretende-se

demonstrar o que Buber está a afirmar sobre as dores de se ter a falsa esperança de

um estado ou de uma vida pública ser gerado pelas impotentes instituições. Segundo

Pascal a respeito da alma dos homens e sua característica inquietação,

É, para ela, uma pena insuportável ser obrigada a viver consigo e a pensar em si. Assim, todo o seu cuidado consiste em se esquecer de si mesma e deixar correr esse tempo tão curto e tão precioso sem reflexão, ocupando-se com coisas que a impedem de pensar nisso. Eis a origem de todas as ocupações tumultuárias dos homens e de tudo o que se chama divertimento ou passatempo, nos quais, de fato, não se tem por fim senão deixar neles passar o tempo sem sentir, ou antes, sem se sentir a si mesmo, e evitar, perdendo essa parte da vida, a amargura e o desgosto interior que acompanhariam necessariamente a atenção que se prestasse a si mesmo durante esse tempo. (PASCAL, 2006, p. 247 e 248)

Então, como o homem pode sempre tornar em qualquer momento o TU em um

ISSO, se mobiliza em suas elucubrações selecionadas cuidadosamente para que

possam assim evitar a fadiga de executar algo tão penoso, mesmo que ele próprio

seja o alvo desse benefício, lança-se em procurar fragmentar vidas e regiões

sentimentais, numa fragmentação da vida pública em sentimentos, a liberdade dos

sentimentos, procurando tornar a vida pública, ou a ocorrência dela, mais flexível

mediante esse paliativo.

Sobre isso, Buber vai apontar que:

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Os homens que sofrem com o fato de as instituições não produzirem vida pública alguma lembram-se de um meio: dever-se-ia torná-la mais flexíveis graças aos sentimentos, dissolvê-las ou fragmentá-las; dever-se-ia mesmo renová-las pelos sentimentos inoculando-lhes a “liberdade de sentimento”. (BUBER, 2003, p. 52)

O que sendo corretamente observado, pode-se ver que de novo tal

empreendimento já é em sua gênese fadado ao fracasso, pois, conforme Buber vai

demonstrar,

Se, por exemplo, o Estado automatizado agrupa cidadãos totalmente estranhos uns aos outros, sem fundar ou favorecer uma vivência com-o-outro, deve-se substituir isto por uma comunidade de amor. Esta comunidade de amor deve florescer quando pessoas se agrupam pela manifestação de um livre sentimento e resolvem viver juntas. Mas isso não é assim; a verdadeira comunidade não nasce do fato de que as pessoas têm sentimentos umas para com as outras (embora ela não possa, na verdade, nascer sem isso), ela nasce de duas coisas: de estarem todos em relação viva e mútua com um centro vivo e de estarem unidos uns aos outros em uma relação viva e recíproca. (BUBER, 2003, p. 52)

O que se faz por meio disso, como está sendo devidamente demonstrado por

todas as argumentações aqui apontadas, é mais uma vez criar um destino diferente,

manipulando uma característica da humanidade de cada um que não admite

intervenção para que possa fruir do modo certo. E por modo certo pretende-se aqui

afirmar que consiste naquela idiossincrasia de cada ser TU que se faz homem, se faz

pessoa de um modo autêntico e atual diante de um EU. O que se vê é a sempre

frustrante mas sempre reincidente tentativa de se criar relacionamentos plásticos,

flexíveis às novas demandas do mercado que respeite aos caprichos de cada um, que

como foi demonstrado, nunca ninguém chega a um consenso por que cada um tem

em si mesmo sua própria forma de se sentir bem, sendo esse comportamento muito

bem demonstrado na afirmação da grande maioria, ou de um modo explícito e

assumido ou de um modo velado para que se possa preservar uma pretensa imagem

de irrepreensibilidade de que entre o certo e o errado, prefere-se aquilo que os torna

felizes.

Sendo aqui agora reiterado sobre a natureza do que venha a ser o amor como

tem sido demonstrado noutro capítulo, é sobre esse fundamento que se baseia toda

e qualquer verdadeira e durável relação. Como é demonstrado por Buber,

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O matrimônio por exemplo, nunca se regenerará senão através daquilo que sempre fundamentou o verdadeiro matrimônio: o fato de que dois seres humanos se revelam o TU um ao outro. É sobre esse fundamento que o TU, que não é o EU para nenhum dos dois, edifica o matrimônio. Este é o fato metafísico e metapsíquico do amor, do qual os sentimentos são apenas acessório. Aquele que deseja renovar o matrimônio por outro meio não é essencialmente diferente daquele que quer aboli-lo, ambos declaram que não conhecem mais o fato. Na verdade, se se desejar despojar do erotismo tão falado em nossa época, tudo o que se refere ao EU, portanto, todo contato no qual um não está presente ao outro, e nem se presentifica a ele, mas onde cada um se limita a fruir a si mesmo através do outro, o que restaria? (BUBER, 2003, p. 53 e 54)

Sendo assim, os sentimentos, que nada mais são do que apenas acessórios

subservientes aos propósitos do encontro, não podem eclipsar a atualidade do

mesmo, sendo revivificado pelo amor que é o vínculo dessa inter-construção mútua

entre o EU e o TU, onde cada EU sempre será um TU, numa harmônica entrega de

um para o outro, mas sem uma prévia ordenação para que assim o seja, pois no

verdadeiro diálogo não há uma compulsoriedade de obrigações para tal, mas apenas

o encontro vivo e atual.

E como propõe o estruturalismo que outrora fora falado? Mais uma vez se tem

a necessidade de uma pormenorização com vistas a se completar o sentido de um

dado pensamento com presunçosas esperanças de se dar uma solução, por assim

dizer, à controvérsia sobre o que vem a ser o relacionamento humano: uma mera

casualidade conexa com intrincadas sinapses estruturais com status de ordenação ou

de fato uma consciente e perfeitamente possível e cumplicial relação com base no

diálogo autêntico e inédito tendo como resultante uma completa e viva inter-

construção do EU no TU?

Conforme artigo da doutora em psicologia clínica Bianca Novaes de Mello, a

proposta do estruturalismo não pode amparar em suas explicações do homem a

necessidade do diálogo, sua inerente ontologia relacional por pretender justamente a

dissolução do significado de homem. O apontamento se dá enquanto ela explica a

teoria dos quatro discursos de Jacques Lacan a partir do discurso do mestre como

norteador de todo laço social e de como a teoria estruturalista tem influenciado,

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explicando que tudo não passa de um código complexo de linguagem, sendo esse

último oriundo da teoria pragmática da linguagem,

Segundo Dosse (1993), os pós-estruturalistas consideraram que o estruturalismo culminava inevitavelmente em um formalismo exacerbado no qual não há lugar para o sujeito. Esta conhecida crítica ao estruturalismo atribui a esta corrente ter executado “a morte do sujeito”, dado o privilégio concedido ao caráter formal da língua em detrimento da individualidade do falante, de sua história e de seu contexto social. (MELLO, 2011, p. 2)

Então, demonstra-se que Buber vai afirmar a mesma coisa que o excerto do

artigo quando diz que:

A palavra-princípio EU-ISSO não tem nada mal em si porque a matéria não tem nada de mal em si mesma. O que existe de mal é o fato de a matéria pretender ser aquilo que existe. Se o homem permitir, o mundo do ISSO, no seu contínuo crescimento, o invade e seu próprio EU perde a sua atualidade, até que o pesadelo sobre ele e o fantasma no seu interior sussurram um ao outro confessando sua perdição. (BUBER, 2003, p. 54)

Como está sendo demonstrado, tais teorias muito tiveram a contribuir com um

surto de individualismo comprometendo a real importância da individualidade,

correspondendo ao encontro do EU com o TU. De acordo com Nicola Abbagnano, o

termo individualismo acabou por mesclar-se com o termo individualidade por causa

do crescimento das teorias políticas, segundo o autor, individualismo é

Toda doutrina moral ou política que atribua ao indivíduo humano um preponderante valor de fim em relação às comunidades de que faz parte. O extremo desta doutrina é, obviamente, a tese de que o indivíduo tem valor infinito, e a comunidade tem valor nulo; essa é a tese do anarquismo. (ABBAGNANO, 1998, p. 566)

Mas, conforme tem sido exposto, o TU não poderá jamais lograr êxito em seu

inter-construto com o EU se não enxergar que o assassinato de uma comunidade se

dá justamente por este tipo de pensamento excludente de indivíduo com suas

importâncias pessoais e dedicação ao completo desprezo das outras importâncias

pessoais de outros indivíduos. Toda comunidade de indivíduos necessariamente se

faz através de outros indivíduos que somente se completam mediante o encontro,

surgindo daí o diálogo na presença de um EU com um TU.

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Logo, em uma recapitulação de tudo o que foi construído até aqui, Buber irá

colocar em termos práticos como forma de uma breve revisão de sua filosofia

relacional as respectivas diferenças entre as duas palavras-princípio. Buber explica

que,

O EU da palavra-princípio EU-TU é diferente do EU da palavra-princípio EU-ISSO. O EU da palavra-princípio EU-ISSO aparece como egótico e toma consciência de si como sujeito (de experiência e de utilização). O EU da palavra-princípio EU-TU aparece como pessoa e se conscientiza como subjetividade, (sem genitivo dela dependente). O egótico aparece na medida em que se distingue de outros egóticos. A pessoa aparece no momento em que entra em relação com outras pessoas. O primeiro é a forma espiritual da diferenciação natural, a segunda é a forma espiritual do vínculo natural. A finalidade da separação é o experienciar e o utilizar, cuja finalidade é, por sua vez, “a vida”, isto é, o contínuo morrer no decurso da vida humana. A finalidade da relação é o seu próprio ser, ou seja, o contato com o TU. Pois, no contato com cada TU, toca-nos um sopro da vida eterna. (BUBER, 2003, p. 73)

Desta forma, é visto e demonstrado que o ser egótico, como Buber vai chamar

aquele que se distingui de outros sujeitos de mera experimentação, não pode se

igualar ao ser personal por que esse se faz somente e através da relação, logo, será

somente através do encontro que a coisa se distinguirá perfeitamente do TU por que

são pessoas formando pessoas, sensíveis ao outro por que TU que se faz com e a

partir do EU.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Aqui está o que se pretendeu como sendo uma alternativa às muitas teorias

filosóficas que não podem em sua gnosiologia contemplar o homem como um ser que

só se faz mediante a relação, o encontro. Quanto se viu até hoje de construções

apodíticas da maioria das vertentes que negam inclusive, tendo como demonstração

o estruturalismo, o homem em sua essência, como ser subjetivo a não ser visto como

meramente um signo que pode sofrer alterações ao bel prazer das vicissitudes do

tempo? Ora, como se pode admitir como sendo razoável uma teoria que versa sobre

o que possa ser e toma como objeto de pesquisa o homem como se o tal fosse um

mero objeto descartável sujeito aos absurdos mais diversos como necessária

consequência de tais assertivas? Pois bem. O objetivo deste projeto é apontar como

uma alternativa viável para futuras construções na área da subjetividade humana,

como as ciências psicológicas e sociológicas, por exemplo, tendo como base a

pessoa, em toda a sua unidade a partir do outro. A inter-construção como vem sendo

demonstrado e aqui o termo foi bastante utilizado para o entendimento deste projeto

é de fato o que está a fazer o investigador do comportamento humano a repensar a

sua abordagem e identificar que uma teoria que nega a subjetividade, por exemplo,

do sujeito não o levará a uma agregação de novos ou reciclados valores para o bem

de uma dada sociedade, e notará esse pensador que a teoria aqui estudada é na

verdade o quid pro quo de teorias de fato motivadas pelo diletantismo e não tem em

nada um afim de que com os reais interesses do homem como ser que se relaciona,

e que disto gera uma comunidade que se enxerga a partir do outro, que só se constitui

como pessoa quando pode sempre contribuir com a constituição do outro, e nunca vê

tal movimento como um processo que pode perfeitamente auto-conduzir-se

desprezando o outro, como é o que tem sido observado por teorias políticas de

tendência e/ou de manifestada condutas egóticas em seus mais diversos campos de

pensamento.

Acredita-se em diálogo. A conduta humana que sempre deu certo ainda que

praticada sempre por corajosos porém solitários guerreiros em certos momentos da

história foi a do encontro com o outro.

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O diálogo como sendo o carro forte, a força motriz de todo e qualquer

empreendimento humano tem de dominar os discursos que ai estão para os

lançamentos da base de uma sociedade igualitária, porém pessoal; melhor dizendo,

de uma sociedade personal. O que temos visto no decurso da história recente senão

demonstrações fartas a deixar a sociedade farta e por isso conduzida ao ostracismo

sociológico, ao suicídio social senão teorias que nada mais fizeram a não ser conduzir

o homem numa senda de incertezas, a uma dúvida nada metódica sobre quem de fato

é o homem, mas sem nada pôr no lugar para daí surgir uma saída para esse mal-estar

que acorrenta aos desperdiçados numa caminhada que precipita-os ainda mais ao

desespero? Mas por que se deveria por algo no lugar – perguntariam os iconoclastas

das teorias ditas inúteis porque nada de fato se aproveita a partir delas, um olhar que

seja endereçado à alguém partindo de um espírito realmente interessado em saber

apenas como o outro está, sem intermediações, sem parvoíces ou eloquências

inúteis, apenas o olhar terno e cheio de atualidade e calor, como isso pode ser inútil?

Deixa-se de salvar muitas vidas apenas por que deixou-se de dar somente um sorriso

em direção à alguém que só queria ser visto como pessoa, como TU! O que fazem

tais teorias individualistas com facho de ciência ou novo e irretocável sistema filosófico

senão reforçarem ainda mais aquilo que dizem denunciar e/ou desconstruir ao

suscitaram uma espécie de elitismo velado por aqueles que elaboram uma doutrina

capaz de negarem a humanidade do sujeito tendo como resultado sujeitos

individualizados e, portanto, esnobes e indiferentes ao ser que está logo ao seu lado

como sendo apenas coisas experienciáveis e indignas de sua sapientíssima

presença? São estas questões em Buber que foram pormenorizadamente

demonstradas ao curso deste projeto e que acabou por se criar um novo olhar e a

afirmação do que já havia no trato com o outro, com o TU.

A relação não está mais em moda, por que é complicado relacionar-se com o

TU e não com um ISSO, o que tem sido comum hodiernamente! Sempre que se vê

pessoas conformadas a uma sociedade extremamente hedonista tem-se a nítida

impressão de que tudo vai de mal a pior; portanto, o que deve ser feito é uma exaustiva

desconstrução de um pensamento que tem como decorrência necessária tudo o que

se vê como sendo o mal social, ou seja, uma sociedade de zumbis incapazes de uma

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relação autêntica, mas meramente conveniente e reificante. Deve-se confrontar as

teses inócuas aos fatos, ainda que sempre haja alguém a perturbar tal empreita com

a seguinte pergunta: o que vem a ser fato? Ora, o que vem a ser tal pergunta senão

uma manobra irresponsável com vistas ao descontrole do interlocutor para poder

esconder seu próprio medo de assumir-se como sendo um ser carente do próprio

encontro, da relação, do diálogo? Pois quê! O populismo é uma forma de tornar o TU

em um ISSO. Quando vemos sistemas políticos tratando pessoas como sendo gado

de manipulação, temos exemplos clássicos de indivíduos a praticarem o seu

individualismo em prol de interesses mesquinhos em face de uma tão maior causa, e

o pior é que tais pessoas tornam-se negociáveis, portanto quanto mais ignorantes e

carentes de serem informadas o que de fato são, que lugar ocupam na escala de

prioridades, tais pessoas serão o filão cobiçado dos homens egóticos, egoístas,

vampiros sociais e psicológicos! Usam tudo em prol de sua insandice, em prol de suas

torres de babel do poder, para cada vez mais colocarem-se acima do homem e acima

de uma possível Divindade, mesmo arrotando aos quatro ventos que divindades são

para os ignorantes, mas, o que de fato ocultam é que não suportam a ideia de

postarem-se diante dos homens e assentirem que são carentes do encontro, e uma

vez encontrando-se, conscientizarem-se de que são vazios, ocos de relação, logo

incapazes de uma consistente construção que perdure para a posteridade. Como tem-

se visto exemplos assim! Não vem, porventura, o personalismo como uma alternativa

ao que se tem construído com vistas à elaboração de uma sociedade onde tudo é

descartável, ou mais ecologicamente, tudo é reciclável e portanto, pode ser retirado

assim que passa a não mais representar os interesses da maioria? O que vem a ser

a maioria senão um coletivo de muitos encontros, resultantes de muitas relações

construídas? Seria possível realmente conforme todas as regras conhecidas de

entendimento que alguém que passe a conhecer e dialogar com o TU em um encontro

sempre atual – hoje, sempre no presente – e, portanto, esse EU passou a ser o TU

que diante de sua face está de contínuo, de repente, agora manifestado como uma

comunidade, como uma maioria, venha atentar contra si próprio como resultado de

uma resolução sumária de que pelo bem da maioria o TU que de repente virou um

ISSO deva ser cortado? Essas muitas indagações correspondem tanto ao que foi

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depreendido quanto a uma indignação que passou a existir ainda mais como forma

de uma legítima manifestação personal em resposta a tudo o que foi pesquisado e

intuído dos fatos que se percebe e que assalta de contínuo com verdadeiros golpes

na face! Contra outra coisa vem responder o personalismo de Buber, contra uma

noção de posse onde extrapola as coisas naturalmente descartáveis e experienciáveis

para vitimar homens, dados naturalmente à relação, agora transformados em simples

aquisições que, de acordo com o preço, podem ser muito valiosos ou muito baratos,

logo, substituíveis! O conceito de propriedade deixou de atender uma necessidade

real do mundo do ISSO para poder tornar os homens em meras e fúteis coisas.

Quando se vê que é perfeitamente possível uma reformulação das relações frente a

uma premente necessidade de significado e não nota-se muitas mentes a trabalharem

a favor disso causa-se uma profunda estranheza e consequente frustração! Os sinais

estão aí pra todos verem. Hodiernamente, vive-se em tempo de pseudo-politicas que

nada tem a ver com a relação, onde na ontologia da coisa pública tem-se como

objetivo as relações dos líderes em perfeita harmonia – ou pelo menos o mais próximo

disso – com os interesses de seus representados, mas é isto que se tem visto? De

fato que não! Vive-se uma política do coitadismo e do politicamente correto onde não

se pode de fato ser um EU diante de um TU com toda liberdade de poder ser a si

próprio sem máscaras diante do outro, e poder manifestar as reais opiniões sem ter

que se obrigar a retratar-se em um tribunal por que ofendeu o outro em uma dada

opinião muitas vezes certa, algumas erradas, mas o que se pretende ao se afirmar

isso é o fato de que as pessoas estão a confundir legitimidade de direitos perante o

outro com enclausuramento ideológico, onde tudo o que possa ser interpretado como

ofensivo já é motivo de transtorno e de visitas caríssimas a um profissional da

psicologia que, em vez de mostrar a verdade, de acordo com o preço que está a

cobrar, reforça tal conduta pueril e por vezes perigosa, construindo assim uma

sociedade de idiotas vingativos com dinheiro no bolso! Vive-se em um tempo em que

não se pode mais gracejar com o outro sem que esse outro, de acordo com o seu

código de crenças, possa ressentir-se de tal brincadeira, vive-se em um tempo que se

é forçado a ser hipócrita, falar de modo fingido com o outro para poder usufruir de um

lugar ao sol nessa selva estranha, onde sorrisos são falsos e os verdadeiros são

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ridicularizados por não andarem em conformidade com as últimas tendências, com o

fashion, matando e levianamente condenando à extinção o que é tão forte e vivo no

homem: a relação! Vive-se em tempos que nada do que é verdadeiro possa ser de

fato atrativo para os outros que arrendam as próprias almas em troca de um pouco de

uma falsa atenção, pelo motivo escondido e por vezes até inconsciente de se afastar

o mais que se possa de encontrar-se consigo mesmo, não é isso uma tragédia? Como

pode alguém querer está a sós consigo mesmo? Daí o desespero em se matar e tornar

uma espécie em extinção e ridicularizar o máximo que se puder o homem que pode

com toda naturalidade dizer TU; dizer que é possível relacionar-se em uma entrega

total, tendo como resultado natural um perfazer de personalidades a partir do encontro

contínuo só pode ser uma brincadeira! Dir-me-iam alguns críticos: e os interesses

pessoais? Alguns confundem interesses pessoais com mesquinhez, onde tudo o que

possa significar um prazer sôfrego, efêmero e pobre de significados duradouros são

por estes egóticos assim chamados de interesses pessoais! Mas desejo nenhum que

de fato seja legítimo deva ser extirpado da carne, desde que esse possa ocupar seu

devido lugar na escala de prioridades, mas é o que se tem visto? É claro que não! O

encontro supera a isso tudo, o homem que quer escapar da egoidade da maioria pode

perfeitamente postar-se na dimensão da relação genuína e atual, sem ser nem que

de leve incomodado pelas parvoíces dos que, vendidos, notam-se apenas como seres

instintivos, sem a mínima intenção de singrar os mares de sua própria existência para

poder, como diria Sócrates, conhecer a si próprio, e partindo desse conhecimento,

correr para outros mares de outros TUs e poder dar prosseguimento a inter-

construção sublime e verdadeiramente eficaz de um EU com um TU.

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