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Faculdade Meridional IMED Escola de Saúde Curso de Psicologia Relatório de Pesquisa Trabalho de Conclusão de Curso O processo de luto e a percepção da família frente ao suicídio Leticia dos Santos Souza Passo Fundo 2016

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Page 1: Faculdade Meridional – IMED · Leticia dos Santos Souza O processo de luto e a percepção da família frente ao suicídio Relatório de Pesquisa apresentado pela Acadêmica de

Faculdade Meridional – IMED

Escola de Saúde

Curso de Psicologia

Relatório de Pesquisa

Trabalho de Conclusão de Curso

O processo de luto e a percepção da família frente ao suicídio

Leticia dos Santos Souza

Passo Fundo

2016

Page 2: Faculdade Meridional – IMED · Leticia dos Santos Souza O processo de luto e a percepção da família frente ao suicídio Relatório de Pesquisa apresentado pela Acadêmica de

Letícia dos Santos Souza

O processo de luto e a percepção da família frente ao suicídio

Relatório de Pesquisa apresentado pela

Acadêmica de Psicologia Letícia dos Santos

Souza da Faculdade Meridional – IMED, como

requisito para desenvolver o Trabalho de

Conclusão de Curso, indispensável para a

obtenção de grau de Bacharel em Psicologia.

Orientadora: Profª. Me. Susana König Luz

Passo Fundo

2016

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Leticia dos Santos Souza

O processo de luto e a percepção da família frente ao suicídio

Relatório de Pesquisa apresentado pela

Acadêmica de Psicologia Leticia dos Santos Souza da

Faculdade Meridional – IMED, como requisito para

desenvolver o Trabalho de Conclusão de Curso,

indispensável para a obtenção de grau de Bacharel em

Psicologia.

Aprovado em: _____ de ____________________ de _____.

BANCA EXAMIDANORA

______________________________________________________

Profª. Naiana Dapieve Patias

Faculdade Meridional – IMED, Brasil

______________________________________________________

Profª. Simone Nenê Portela Dalbosco

Faculdade Meridional – IMED, Brasil

_____________________________________________________

Orientadora : Profª. Susana König Luz

Faculdade Meridional – IMED, Brasil

Passo Fundo

2016

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RESUMO

O suicídio é um ato contra a vida do próprio ser, por apresentar-se como um fenômeno

violento e complexo, tem consequências imensuráveis sobre a vida dos familiares. Tal

fenômeno vem merecendo ampla discussão na sociedade, à medida que se caracteriza como

uma das principais causas de morte no mundo. Nessa direção, este estudo apresenta-se como

uma revisão narrativa de literatura e teve como objetivo apresentar uma análise do processo de

luto pela morte de pessoas que se suicidaram, além dos sentimentos vivenciados pelas

familias, e dos ritos de passagem. Para tanto, foram utilizados materiais científicos,

encontrados nas bases de dados Scielo e Lilacs,com os descritores em português:morte,

luto,ritos funerários, suicídio, família, publicados entre os anos 2006 até 2016, os quais

permitiram realizar a pesquisa e elaborar a fundamentação teórica. Dentre o material analisado

na íntegra, pode-se verificar os principais sentimentos vivenciados pelos familiares enlutados,

sendo eles, desamparo, dúvida, impotência, pressão, rejeição, busca pela religiosidade,

saudade, sensação de perda, solidão e tristeza. Destacaram-se, no entanto, os sentimentos de

angústia, choque, medo, negação, raiva, vergonha, em especial, de culpa. Ainda, evidenciou-

se o trauma, muitas vezes, por se ter encontrado o corpo. A pesquisa revelou, também que o

suicídio ainda é visto como tabu, abrindo, assim, uma lacuna para novas pesquisas.

Palavras-chave: morte, luto, ritos funerários, família, suicídio

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ABSTRACT

Suicide is an act against the own life of being, by be presented as a violent and complex

phenomenon, it has immeasurable consequences on relative lives. This phenomenon has been

deserving large discussion in society, as it is characterized as one of the main causes of death

worldwide. In this direction, this study presents itself as a narrative literature review and

aimed to present an analysis of the mourning process of people who committed suicide family.

Therefore, scientific materials were used, found in the databases Scielo and Lilacs, which

allowed to search and develop the theoretical basis. Among the material analyzed in its

entirety, it can be verified that the main feelings experienced by mourning families, namely,

helplessness, doubt, powerlessness, pressure, rejection, pursuit by religion, missing, sense of

loss, loneliness and sadness. It stressed, however, feelings of anxiety, shock, fear, denial,

anger, shame, especially, of guilt. Still, it was evidenced the trauma, often, because they have

found the body. The survey revealed, also, that suicide is still seen as taboo, thus opening a

gap for new research.

Keywords: death, mourning, funeral rites, suicide , family

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 7

MÉTODO ....................................................................................................................... 11

APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ....................................... ...12

O período de luto dos familiares em função da morte por suicídio...............................12

Sentimentos pela morte do suicida.................................................................................13

Os rituais de passagem na morte por suicídio...............................................................17

CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 19

REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 20

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INRODUÇÃO

O suicídio é uma das principais causas de morte no mundo, contabilizando um milhão

de mortes anuais com tendência de crescimento nas próximas décadas, caracterizando,

portanto, um importante problema de saúde pública. A taxa mundial média de suicídio é de

16 óbitos por 100 mil habitantes, tendo aumentado 60% nos últimos 45 anos. No Brasil,

atinge em média 5,7 óbitos por 100 mil habitantes, constituindo-se na terceira causa de óbitos

(6,8%) por fatores externos identificados no país (Machado & Silva,2015)

Nesse contexto de pensar a morte e o luto, emergem as questões que se referem ao

suicídio. A palavra suicídio deriva do latim e significa: sui , si mesmo e caedes, ação de

matar. O suicídio é um ato contra o próprio ser, sendo caracterizado como um fenômeno

violento e complexo, e, consequentemente, um golpe violento na vida dos familiares. Por se

tratar de vidas e de perda das mesmas, merece uma ampla discussão na sociedade. Desde a

antiguidade, até os dias de hoje, o fenômeno do suicídio é visto como tabu e motivo de culpa.

O suicídio e suas tentativas representam uma grande violência no âmbito familiar e dos

profissionais envolvidos (médicos, psicólogos, assistentes sociais), pois implicam em atitudes

que traumatizam, silenciam e estarrecem. Tem sido considerado sinônimo de loucura, sendo,

por vezes, um assunto proibido (Fukumitsu, 2013).

A morte, é um fenômeno inerente aos seres humanos, no entanto, as incertezas e a

imprevisibilidade desse fato fazem com que as pessoas tenham que conviver com a morte e o

morrer do início até o final do seu desenvolvimento e de modo, nem sempre, pacífico. Isso,

em função de que esse fenômeno natural tem para cada pessoa significações diversas,

gerando conflitos que lhe são consequência em função do pensar a própria morte ou a de um

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familiar. Tal conduta faz aflorar, segundo Silva, Santos, Moura, Melo e Monteiro (2011),

vários sentimentos, como raiva, tristeza e, muitas vezes, negação.

Caputo (2008) aponta a maneira como uma sociedade se posiciona diante da morte

tem um papel decisivo na formação e na manutenção da identidade coletiva e, assim, na

formação de uma cultura. Evita-se falar de morte, assim como ver o corpo do morto, pois isso

traz à tona a nossa relação com a finitude.

Barbosa, Melchior e Neme (2011) estudando a morte no contexto familiar, percebeu a

maneira como as famílias lidam com situações de perda de seus diferentes membros,

mostrando que essa experiência é invariavelmente marcada por sofrimento, em diversas

configurações e magnitudes. Assim, quanto mais próximo e mais amado, mais essa morte

significa a perda de parte de si mesmo e, ainda, mais aproxima o familiar enlutado de sua

condição de ser-para-a-morte.

Buscando-se abordar as questões que se relacionam diretamente à morte, discorre-se

sobre o luto. Para Bousso (2011), o luto pode ser caracterizado pela fase de elaboração de

uma perda de algo significativo, que pode vir a acontecer não apenas nos casos de morte de

algum ente querido, mas em situações diversas, como aposentadorias, separações, entre

outros. Desse modo, para a autora, o luto é considerado algo natural, pois é o rompimento de

um vínculo, sendo que a importância que o indivíduo atribui a essa perda é que irá definir a

intensidade dessa etapa.

Sendo assim, a pessoa entra no estado de luto buscando fazer com que a dor não se

eternize, ao contrário, o luto tem a função de fazer com que o indivíduo elabore e assimile a

perda, bem como estabeleça o rompimento com esse objeto/sujeito. No caso de luto em

função da morte, o enlutado sofre com a perda, lembra constantemente do morto, tentando,

assim, afirmar que algo se perdeu, o que resulta, por algum tempo, no prevalecimento da

inibição de atividade, e, temporariamente, a falta de capacidade de ter um novo objeto de

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amor (Pinheiro, Quintela, & Verztman, 2010). É importante consciencializar que o luto é um

processo dinâmico e ativo que varia de pessoa para pessoa.

Candido (2011) relata, também, fruto de suas pesquisas sobre suicídios, que os

sistemas familiares do qual os suicidas faziam parte, aparentavam dificuldades psicossociais

antes do falecimento. Ainda, que tais famílias mostravam maior incidência de conflitos

interpessoais, transtornos mentais e uso de substâncias psicoativas.

O comportamento suicida é determinado por inúmeras causas complexas, como a

perda de entes queridos, o término de relações, endividamento, problemas jurídicos e sociais.

A história familiar de suicídio, abuso de álcool e drogas, abuso na infância, isolamento social

e alguns transtornos mentais, como depressão e esquizofrenia, também têm grande influência

sobre inúmeros casos de suicídios (Barron & krmpotic, 2016).

Assim como são complexas e variadas as causas do suicídio, também são os

sentimentos que despertam na família. Fukumitsu (2013), Batista e Santos (2014), Fukumitsu

e Kovacs (2016) ,afirmam que os sentimentos são vividos com maior intensidade e são

acompanhados de uma sensação de ambivalência, pois, por um lado o familiar sente a dor da

perda, mas, ao mesmo tempo, sente um estranho alívio. Também apontam que as famílias

vivem sentimentos diversos em função de serem obrigadas a viver a partir do momento do

suicídio com as especulações e com o olhar do outro, pois torna exposto socialmente uma

dificuldade antes vivenciada e mantida no em segredo na dinâmica familiar.

Na mesma proporção, uma morte por suicídio afeta as pessoas nos mais variados tipos

de relacionamento e altera as relações entre os membros da família para com os parentes mais

distantes, amigos e vizinhos. Jordan e McIntosh (2011) propuseram vários níveis de reação ao

luto por suicídio, tais como: a tristeza, o desejo de se reunir com o falecido (características

após mortes inesperadas), o choque, nomeadamente a sensação de irrealidade sobre a morte e

o trauma de encontrar um corpo mutilado e destruído.

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Mostram os autores que tal crescimento obriga a dar-se atenção especial aos

sobreviventes, cuidado de extrema importância, pois são encontrados vários desafios que,

ainda, envolvem os processos de luto. Caputo (2008), ao abordar aspectos do tema da morte e

do luto na sociedade, aponta que não há muitos estudos sobre esse assunto confirmando um

espaço necessário na literatura. Barbosa, Melchiori e Neme (2011) revelam a necessidade de

estudos que propiciem a abordagem e a reflexão sobre como a morte é vivenciado no âmbito

individual e familiar, uma vez que a experiência dessa perda será inevitável em algum

momento da trajetória de vida de todo ser humano – de modo especial a perda por suicídio.

Em função dessa grande prevalência de morte por suicídio e das, ainda, necessidades

de se pensar, saber e publicar sobre o assunto, o presente artigo tem como objetivo, por meio

de uma pesquisa de revisão narrativa da literatura apresentar uma análise do processo de luto

pela morte de pessoas que se suicidaram, além dos sentimentos vivenciados pelas famílias, e

dos rituais de passagem para, assim, possibilitar a abertura para novas discussões e debates

envolvendo esse tema.

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MÉTODO

O presente estudo trata-se de uma revisão narrativa da literatura. Segundo Rother

(2007), as revisões narrativas são publicações amplas usadas para descrever e discutir o

“desenvolvimento” de um determinado assunto, sob o ponto de vista teórico e contextual. São

textos que constituem a análise da literatura científica na interpretação e análise crítica do

autor. Constituem, assim, basicamente, da revisão bibliográfica de livros, artigos, teses,

artigos de revistas impressas e ou eletrônicas, na interpretação e análise crítica pessoal do

autor. Essa categoria de artigos tem papel fundamental para a educação continuada, pois

permite ao leitor adquirir e atualizar o conhecimento sobre uma temática específica em curto

espaço de tempo.

As revisões narrativas podem contribuir, também, no debate de determinadas

temáticas, que ainda encontram-se insipientes (Rother, 2007). Com base nessas ideias, a

busca do material para esta pesquisa se deu de forma não sistemática, incluindo a busca em

bases eletrônicas de dados, nomeadamente, Lilacs e Scielo. Estipulou-se apenas o período de

abrangência dos artigos - entre 2006 e 2016 – e, ainda, utilizou-se dos descritores Família,

Suicídio e Luto, valendo-se do operador AND.

Os títulos e os resumos de todos os artigos identificados na busca eletrônica foram

revisados.

Os critérios de inclusão foram: artigos de pesquisa, estudos de caso e revisões

sistemática, bibliográficas, teses que discutissem o tema e que fossem do ano 2006-2016.

Os critérios de exclusão foram: textos que não foram disponibilizados e textos que

não discutissem sobre o tema ou que não tivessem sido publicado de 2006 até 2016.

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APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DE DADOS:

O período de luto dos familiares em função da morte por suicídio

Dentre o material selecionado e analisado na íntegra, buscou-se, primeiramente,

identificar como se processa o período de luto pelos familiares em função da perda por

suicídio, além dos sentimentos vivenciados pelas famílias.Fukumitsu (2013) expõe que o luto

é um convite para lidar com a falta, com o acolhimento, com o não saber, com a tolerância

para informações mal respondidas. Refletir sobre o luto, significa a vivência da dor, a busca

pelo recomeço, a conscientização dos lugares e dos papéis na família. Segundo os autores,

refletir sobre o luto por suicídio é, então, falar das consequências da morte do outro, enfrentar

as perguntas sem respostas e explicações sem comprovações, lidar com especulações sobre a

vida daquele que se matou.

Todavia, Pinheiro, Quintela e Verztman (2010) apontam que a morte por suicídio

pode comprometer o desenvolvimento do processo de luto, em decorrência de ser uma morte

violenta, envolvida em tabu e preconceito e, muitas vezes, em circunstâncias de doença

psiquiátrica prévia e intensos conflitos familiares. O suicídio é, desse modo, um tipo de morte

com um impacto muito negativo e pode ainda ser devastador para seus sobreviventes.

Conforme os autores, o enlutado sofre com a perda, lembra constantemente do morto,

tentando, assim, afirmar que algo se perdeu, mas, por algum tempo, prevalecendo a inibição

de atividade, e, temporariamente, a falta de capacidade de ter um novo objeto de amor.

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Candido (2011), nessa direção, relata que parte da literatura sobre o tema afirma que

os indivíduos enlutados por suicídios estão mais suscetíveis a riscos de desenvolver

transtornos mentais, podendo, esse fato, estar associado às dificuldades de enfrentamento da

perda, o que significativamente aumenta a chance de vivenciarem o, chamado, luto

patológico. Concorda-se com tais condutas e sentimentos, pois, dos diversos tipos de morte

que tornam o luto uma fase delicada, sem dúvidas, o suicídio é um dos mais difíceis.

Compreende-se que o luto por mortes inesperadas, como o suicídio, está relacionado com

manifestações depressivas mais intensas e duradouras do que nas mortes que são de alguma

maneira "esperadas".

Sentimentos pela morte do suicida

Dentre o material selecionado e analisado na íntegra, buscou-se, ainda, na direção do

objetivo de pesquisa, verificar os principais sentimentos vivenciados pelos familiares

enlutados em função da perda por suicídio. García-Viniegras e Cernuda (2013) relatam que,

além da saudade, sentimento comum de quem perde alguém, outros sentimentos são

vivenciados pelos familiares de suicidas, como a tristeza, choque, abandono, angústia,

desamparo, solidão, dúvida e impotência. Machado e Santos (2015) apontam como

sentimentos decorrentes da perda por suicídio, a raiva, a negação, a culpa, a vergonha do

olhar do outro, e o trauma por, muitas vezes, ter encontrado o corpo mutilado. Ainda, o fato

de o suicídio ser visto como tabu.

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Woehl (2016), por sua vez, expõe que os familiares de um suicida não só ficam com

uma sensação de perda, mas ficam com uma herança de vergonha, medo, rejeição, raiva e

culpa. Os enlutados sofrem uma pressão após o ato, que interferem e definem o

comportamento da própria família e de suas relações sociais. Sendo assim, aceitar uma morte

não é tarefa fácil, aceitar o suicídio como morte é ainda mais desafiador, pois envolve tabus,

ritos religiosos, e, ainda, padrões éticos e morais que decifram o comportamento das pessoas

que compartilham do mesmo princípio.

Martins e Leão (2010) esclarecem que, em função de o impacto do suicídio na família

ser tão devastador, ela tenta se reorganizar para superá-lo, para admiti-lo ou para negá-lo.

Para tanto, utiliza uma série de estratégias, que contribuirão, ou não, para a reconstrução da

instituição após a perda do ente. As principais estratégias citadas são a religiosidade e o

suporte social.

A forma como os sobreviventes reagem aos sentimentos após morte por suicídio,

conforme Silva e Polubriaginof (2009), difere em consequência da história anterior do

falecido e a expectativa de morte - o quanto ela foi inesperada. Assim, familiares podem

vivenciar, após o suicídio, o sentimento de alívio (muitas vezes, subjetivamente percebido

como inaceitável e juntamente com culpa). Ainda, podem reagir demonstrando o sentimento

de choque, especialmente nos casos em que a morte aconteceu inesperadamente. A principal

mudança do indivíduo pode ser manifestada pela agressividade em relação à pessoa perdida.

Outros fatores estão ligados às reações psicológicas de familiares de pessoas que se

suicidaram, na visão dos supracitados autores, dentre eles: a idade do falecido; o tipo de

relação estabelecida; o tempo passado desde o episódio; a exposição ao corpo da vítima; a

antecipação do suicídio.

Desde o início, o luto dos sobreviventes do suicídio passa pela fase de reconstruir as

condições, os significados e as motivações que levaram o familiar a cometer o ato. Fukumitsu

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(2013), em uma pesquisa com filhos de genitor que cometeu suicídio, identificou que, além

da culpa, sentimento trazido por todos os autores que pesquisam sobre o tema, o medo de

seguir os passos do familiar foi algo que apareceu nas entrevistas. Tal fato em função de

poderem/terem recebido do genitor um modelo de autodestruição, medo de não ser um bom

pai/mãe. Ainda, em alguns filhos, a autora notou a demanda em salvar pessoas, sendo, talvez,

uma estratégia utilizada para amenizar a culpa por não ter salvo o pai/mãe. Além da

intensidade de sentimentos ser muito grande, a pesquisa revelou que os filhos sentiam-se

evitados pelos amigos e familiares, as mudanças bruscas de assunto dos amigos quando

queriam falar no assunto, mencionando o suicídio como um tabu, sentindo que no próprio

contexto familiar não era permitido que o tema fosse compartilhado.

Concordando com tais direcionamentos, Martins e Leão (2010) relatam que, além do

sentimento de culpa, os familiares buscam estratégias para enfrentar o processo de luto. As

autoras inferem, então, sobre os sentimentos de negação - expresso pelo comportamento de

fuga e esquiva, que consiste em fantasiar sobre possíveis soluções para o problema para

escapar e/ou evitar o fator estressante; a busca pelas respostas na religiosidade - para tentar

explicar a morte.

Fukumitsu (2013), por sua vez, busca explicar os sentimentos em função das cartas,

muitas vezes, deixadas pelo sujeito que suicida-se. Tal instrumento é, muitas vezes, a única

explicação encontrada, mas, que nem sempre traz sentimento de alívio para a família,

podendo tornar-se um peso, dependendo do conteúdo escrito nela, especialmente, quando

pouco explica os motivos do ato. Acrescenta o autor, que costuma serem diversos os assuntos

deixados escritos, como pedidos de desculpas ou textos acusatórios, permitindo criar no

imaginário da família enlutada a ideia de que a pessoa não gostava o suficiente delas ou não

pensou nelas ao cometer suicídio, aumentando, assim, muitas vezes, o sentimento de culpa.

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Abordando o mesmo direcionamento, para Silva e Polubriaginof (2009) aqueles que

escrevem uma carta antes de cometerem uma autoviolência, atentando contra sua própria

vida, parecem ser movidos pelos mesmos intuitos - consciente ou inconscientemente, querem

viver para além da sua própria vida. Os suicidas tentam viver de alguma forma através de

seus escritos derradeiros, cujos conteúdos ‘amarram’ a vida dos vivos à vida dos mortos,

fazendo dos que seguem vivendo, destinatários das motivações do suicídio. A função

‘psicológica’ de fazer cair sobre os destinatários o peso e a culpa da morte do emissário, é

também uma constante nas escritas de suicidas

Sentimentos peculiares ocorrem quanto acontece o testemunho visual do suicídio –

“encontrar o corpo” como comumente se chama. É comum, na visão de Martins (2011), que

familiares e amigos sejam testemunhas do ato suicida, além dessa exposição, é comum que os

suicídios aconteçam na própria casa. A cena da morte é o que há de mais desconcertante, o

que há de mais característico neste instante é sua atipicidade: a violência do ato, a morte, o

rompimento da relação. Podendo-se perceber que o chamado enlutamento por suicídio é uma

combinação de reações de luto e de transtorno de estresse pós-traumático, pois o fato de

encontrar o corpo pode, muitas vezes, ser traumático.

Em função de todos os sentimentos e situações elencadas, concorda-se com

Fukumitsu e Kovacs (2016), ao falarem da importância de pensar sobre a maneira de se

oferecer amparo a uma pessoa que presenciou o suicídio de um ente querido. É necessário o

acolhimento do enlutado por suicídio que presenciou a cena, respeitando a singularidade e o

limite de cada um. Sérvio e Cavalcante (2013), expõem que a angústia daqueles que terão que

conviver com a lembrança de um suicídio deve ser vista com atenção (pelos profissionais da

saúde), por representar um significativo fator de risco para ocorrência de outros suicídios. A

lembrança da ocorrência do suicídio parece acompanhá-los como um fantasma, destruindo

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planos de vida, nos quais pessoas com maior grau afetivo não encontram forças para se

reerguer. A ausência de conformação, para os autores, caracteriza-se, nesses casos, como a

principal barreira para as pessoas enlutadas.

Percebe-se, assim, a gama de sentimentos vivenciados pelos familiares ao enfrentarem

o suicídio dos seus – com ou sem a observação da cena em si. Dentre esses se destacam os

sentimentos de abandono, agressividade, alívio, angústia, choque, culpa, desamparo, dúvida,

impotência, medo, negação, pressão, raiva, rejeição, religiosidade, saudade, sensação de

perda, solidão, tabu, trauma, tristeza e, ainda, vergonha.

Os rituais de passagem na morte por suicídio

O estigma social contribui para que o suicídio seja uma fase dolorosa, devastadora e

traumatizante, ocorrendo, por esses motivos, a falta de despedida e a falta de rituais de luto,

que são considerados fundamentais para dar sentido e significado a situações de crise. Os

rituais funerários são muito importantes, porque a convivência entre vivos e mortos nem

sempre é pacífica. A participação nesses rituais ajuda na elaboração do luto e na construção

de significados na vida sem a pessoa amada (Kovacs, Vaiciunas, & Alves, 2014).

Na morte por suicídio, os rituais perdem seu lugar de significado. Diminui-se o tempo

do velório e os enterros são, muitas vezes, rápidos. Dessa forma, em épocas diferentes, e por

vários motivos, os funerais de pessoas que se suicidaram foram proibidos, eram tratados

como uma traição por parte da pessoa que cometeu o ato. Ademais, e em meio a isso tudo, o

enlutado não era/é socialmente aceito, sofrendo pressão social, sendo questionado do

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porquê de não terem impedido de alguma forma que acontecesse o suicídio (García-

Viniegras & Cernuda, 2013).

Há que se considerar, ainda, que, dependendo do caso, é necessário que o velório seja

de urna lacrada. Assim, além de serem realizados rapidamente, a família ainda tem que lidar,

muitas vezes, com problemas econômicos e legais, pois envolve investigação, autópsias,

impedimento de acesso à residência e prestação de depoimentos, fatos que causam

desconforto, culpa e questionamentos para os familiares. A realização de uma autópsia, que é

muitas vezes imprescindível nos caso de suicídio, pode ir contra a cultura ou a religião dos

familiares, trazendo uma nova forma de dor. Esses processos legais podem durar muito

tempo, prolongar o processo de luto e aumentar as especulações de porque o familiar cometeu

o ato (Silva, 2015).

Sendo assim, novamente cita-se o sentimento da culpa. Agora, conforme Candido

(2011), vinda pelo fato do questionamento alheio, como um sentimento que acompanha a

maioria dos familiares de quem cometeu suicídio. Além disso, como foi citado acima, por ser

uma morte que inclui vários processos legais, os familiares não têm assegurada a privacidade,

pois a morte por suicídio está na maioria das vezes exposta ao olhar alheio, sendo a morte

escancarada.

Percebe-se, então, a gama de dificuldades da família de um ente que se suicidou – seja

no processamento do luto, seja na profusão de sentimentos gerado, seja, ainda, no

enfrentamento dos ritos de passagem e aspectos legais. Conforme Candido (2011), o enlutado

precisa encontrar meios para enxergar o impacto que vem de diversas formas, isolando-se ou

mesmo culpando-se daquilo que mais lhe parece ameaçador: o olhar do outro.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O suicídio é um ato contra o próprio ser, é um fenômeno violento e complexo, um

momento difícil na vida dos familiares, merecendo uma ampla discussão na sociedade, sendo

uma das principais causas de morte no mundo. A perda por suicídio encontra-se na categoria

das mortes não reconhecidas, e é considerada, ainda, um tabu para nossa sociedade, e a partir

disso as famílias sobreviventes são rotuladas como desajustadas, desequilibradas,

desestruturadas e incapazes de dar amor e cuidado, tendo que viver além da dor de ter perdido

um ente querido, viver rodeado do julgamento dos outros.

Dentre o material analisado na íntegra, pode-se verificar os principais sentimentos

vivenciados pelos familiares enlutados, sendo eles, desamparo, dúvida, impotência, pressão,

rejeição, busca pela religiosidade, saudade, sensação de perda, solidão, trauma e tristeza. No

entanto, destacaram-se, na pesquisa, os sentimentos de angústia, choque, medo, negação,

raiva, vergonha, em especial, de culpa. Entende-se, assim, a necessidade de olhar para

aqueles que ficam, o cuidado com o sentimento no processo de luto é visto com extrema

importância, sendo esse momento delicado e cheio de emoções vindas de maneiras intensas,

pois a sociedade ainda trata a morte por suicídio como tabu e, muitas vezes, não é aceitado e

nem falado sobre o assunto, criando uma barreira para os que sofrem com a fase de luto.

Por fim, destaca-se a importância de estudos nesse tema,os mesmos podem auxiliar os

profissionais que trabalham com suicídio a ajudarem as famílias enlutadas, sendo o processo

de luto uma fase muito singular, que pode variar de pessoa para pessoa. Pesquisar sobre esse

assunto requer ética, responsabilidade além de empatia, para que possa proporcionar

intervenções e assistência aos indivíduos sobreviventes. Sugere-se que, para estudos futuros,

possam ser feitas mais pesquisas empíricas frente ao tema exposto.

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