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FACULDADE CEARENSE Rebeca de Almeida Martins SURSIS ETÁRIO E HUMANITÁRIO NO DIREITO PENAL BRASILEIRO Fortaleza 2015

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FACULDADE CEARENSE

Rebeca de Almeida Martins

SURSIS ETÁRIO E HUMANITÁRIO

NO DIREITO PENAL BRASILEIRO

Fortaleza

2015

Rebeca de Almeida Martins

SURSIS ETÁRIO E HUMANITÁRIO

NO DIREITO PENAL BRASILEIRO

Monografia submetida à aprovação da coordenação do curso de Direito do Centro de Ensino Superior do Ceará, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito, sob a orientação do professor Ms. José Lenho Silva Diógenes.

Fortaleza

2015

Rebeca de Almeida Martins

SURSIS ETÁRIO E HUMANITÁRIO

NO DIREITO PENAL BRASILEIRO

Monografia apresentada como pré-requisito para obtenção do título de Bacharelado em Direito, outorgado pela Faculdade Cearense – FaC, tendo sido aprovada pela banca examinadora. Data de aprovação: ____/ ____/ ____

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________________________ Prof. Ms. José Lenho Silva Diógenes (Orientador)

_______________________________________________________________ Prof. Esp. Francisco Lusimar Cunha de Moura (Examinador)

_______________________________________________________________ Prof. Ms. José Péricles Chaves (Examinador)

Dedico este trabalho a minha mãe, que sempre me proporcionou bons estudos inclusive esta vitória de finalizar o Curso de Direito apoiando meus projetos e estando ao meu lado no que fosse preciso.

AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais, Estela Soares de Almeida e José Cildo Martins

por me apoiarem, não somente neste momento de conclusão de curso, mas durante

toda a vida, por terem me ajudado na realização de todas as minhas decisões.

Ao meu padrasto Antídio Barbosa de Oliveira Filho, por sempre me

orientar nos estudos inclusive neste trabalho que atuou como corretor, sempre

desempenhando o seu trabalho da melhor forma possível.

Agradeço também ao meu noivo, por todo o apoio e incentivo que me foi

dado neste fim de curso e conclusão deste trabalho, por todo seu amor e

compreensão.

Agradeço imensamente à Deus que me fez capaz de finalizar meus

estudos, me deu forças para seguir em frente e ajudou-me a superar as dificuldades

encontradas no caminho.

Por fim, não posso deixar de reconhecer o trabalho do meu orientador,

professor José Lenho Silva Diógenes, a quem sou muito agradecida por sua

paciência, empenho e atenção fornecidos durante o período de elaboração desta

monografia.

RESUMO

Este trabalho analisa os sursis etário e humanitário como instrumentos de concretização do princípio da dignidade da pessoa humana, tendo em vista as condições carcerárias a que estão sujeitos os condenados contemplados por essas medidas descarcerizadoras. São abordados os princípios constitucionais uma vez que, em um Estado Democrático de Direito, são estes quem ditam os limites e possibilidades de exercício do poder punitivo do Estado quando da violação de uma norma penal incriminadora. Apresentam-se, também, alguns dados referentes ao sistema carcerário brasileiro, coletados, principalmente, a partir de levantamentos realizados pelo Conselho Nacional de Justiça. Além disso, procura-se compreender os aspectos jurídicos das espécies de sursis examinados. Para compreenção do problema da pesquisa aqui estudada, foi realizada uma análise do Código Penal e da Constituição Federal de 1988 além de pesquisa bibliográfica de diversos autores. Procura-se com este trabalho, demonstrar a importância constitucional de aplicação do sursis etário e humanitário no direito penal brasileiro.

Palavras chave: Sursis etário e humanitário, sistema carcerário brasileiro, dignidade da pessoa humana.

ABSTRACT

This work analyses the age sursis and humanitarian sursis as instruments of the implementation of the principle of human dignity, in view of the prison conditions to the condemned people that were contemplated by these releasing measures. The constitutional principles are approached in a democratic state of law, since they dictate the limits and possibilities of the exercise of the State punitive power when the violation of an incriminating criminal rule occurs. It is presented also some data on the Brazilian prison system, collected mainly from surveys conducted by the National Council of Justice. In addition, we try to understand the legal aspects of the kinds of sursis examined. In order to comprehend the research problem studied here, it was realized an analysis of the Penal Code and the Federal Constitution of 1988 as well as literature research of various authors. This work tries to demonstrate the constitutional importance of the application of age and humanitarian sursis in the Brazilian criminal law.

Keywords: Age and humanitarian sursis. Brazilian prison system. Human dignity.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................... 8

2 O DIREITO PENAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO ............... 10

2.1 Princípio da dignidade da pessoa humana ............................................. 11

2.2 Princípio da proporcionalidade ................................................................. 13

2.3 Princípio da personalidade ou da responsabilidade pessoal ................ 14

2.4 Princípio da humanidade ........................................................................... 15

2.5 Princípio da individualização da pena ..................................................... 16

3 AS CORRENTES TEÓRICAS DA FINALIDADE DA PENA ......................... 18

3.1 A finalidade da pena segundo as teorias absolutas da pena ................ 19

3.2 A finalidade da pena segundo as teorias relativas da pena .................. 20

3.3 A finalidade da pena segundo a teoria mista .......................................... 22

4 AS PENAS NA REALIDADE DO SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO 23

4.1 Aspectos penais e sociais da pena no Brasil .......................................... 23

4.2 A realidade do sistema carcerário brasileiro ........................................... 24

5 A SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA OU SURSIS ............................. 27

5.1 Aspectos históricos do sursis .................................................................. 30

5.2 Natureza jurídica do sursis ........................................................................ 31

5.3 Requisitos ou pressupostos do sursis etário e humanitário ................ 32

5.4 Período de prova e revogação do sursis etário e humanitário ............. 34

6 CONCLUSÃO ................................................................................................. 36

REFERÊNCIAS .................................................................................................. 37

8

1 INTRODUÇÃO

O objetivo do presente trabalho é analisar a importância, por que não

dizer, a necessidade, do uso do sursis etário e humanitário, espécies de suspensão

condicional da pena como forma de concretizar o princípio da dignidade da pessoa

humana.

Atualmente, dispomos em nosso ordenamento jurídico-penal de quatro

tipos de sursis: o simples, o especial, o etário e o humanitário (GRACO, 2011). Na

presente monografia serão abordados o sursis etário e humanitário e sua importância

para o exercício do princípio da dignidade da pessoa humana em nossa sociedade,

tendo em vista nossas caóticas e desumanas penitenciárias.

O sursis etário é um benefício de natureza jurídica concedido a

condenados com idade igual ou superior a 70 anos de idade. O humanitário é

concedido em casos em que o condenado apresente graves problemas de saúde,

desde que atendidos certos requisitos.

A permanência dos condenados que podem ser contemplados pelas

espécies de sursis acima descritos, em celas sem higiene e superlotadas, nas

condições degradantes conhecidas pela maioria da população, representa uma

redução significativa de suas chances de sobrevivência ou mesmo de recuperação.

Tais condições de reclusão ferem o princípio da dignidade da pessoa humana,

fundamento constitucional do nosso Direito Penal e da organização política do Estado

Federativo brasileiro.

Nosso estudo parte, portanto, da noção essencial de Estado Democrático de

Direito, o modelo adotado no Brasil, destacando os princípios que fundamentam esse

sistema, como o princípio da proporcionalidade, o da personalidade ou da

responsabilidade pessoal, o da humanidade, o da individuação da pena e, sobretudo,

daquele já citado do qual emanam todos estes, o princípio da dignidade humana.

Nesse sentido, em nosso primeiro capítulo, intitulado “O direito penal no

Estado Democrático de Direito”, procedemos a uma breve exposição dos referidos

princípios, relacionando-os sempre ao contexto do sistema penintenciário que aqui

desejamos discutir.

9

No segundo capítulo, intitulado “As correntes teóricas da finalidade da

pena”, abordamos as origens históricas da pena privativa de liberdade; a finalidade

da pena, sob o ponto de vista de três correntes teóricas, a absoluta, a relativa e a

mista. Veremos que o embasamento de cada posição teórica ora é de natureza ética,

ora de natureza jurídica. Por vezes, a ideia norteadora é a de retribuição, de

equivalência empírica entre o dano causado e o devido reparo. Aqui se questiona o

real fim das penas impostas: ressocializar, recuperar o indivíduo, reintegrà-lo à

sociedade ou simplesmente fazê-lo pagar da maneira mais sofrível pelo mal

cometido? A discussão se faz importante até mesmo para que medidas como o

sursis possam ser compreendidas em ser real alcance humanitário.

No terceiro capítulo, “As penas na realidade do sistema carcerário

brasileiro”, particularizamos mais a discussão, abordando o caso do sistema

penintenciário brasileiro em seus aspectos sociais e penais. No atual estado em que

se encontra esse sistema, avaliaremos até que ponto os princípios fundamentais, em

especial, o princípio da dignidade da pessoa humana, estão sendo cumpridos. No

último subitem desse capitulo, teremos oportunidade de apresentar alguns dados

estatísticos atualizados quanto à distribuição dos detentos nas penitenciárias

brasileiras, comprovando a superlotação das celas e, consequentemente, as

inevitáveis condições precárias em que se encontram os seres humanos ali detidos,

em prejuízo do princípio da dignidade da pessoa humana.

O quarto e último capítulo intitula-se “A suspensão condicional da pena ou

sursis”. Nele analisa-se mais de perto as espécies de sursis que aqui nos interessa, o

sursis etário e humanitário. Partimos então da noção de suspensão condicional da

pena, buscando traçar, brevemente, suas origens históricas no Direito Penal em geral

e no caso brasileiro em particular. Além disso, analisaremos sua natureza jurídica: os

requisitos ou pressupostos objetivos e subjetivos legalmente estabelecidos para sua

concessão e o assim denominado período de prova e revogação do benefício.

De um modo geral, o trabalho busca compreender a importância do

benefício do sursis enquanto afirmação e prática de um dos nossos princípios

constitucionais mais caros, o da dignidade da pessoa humana. Acreditamos que a

valorização e aplicação efetiva do sursis etário e humanitário trará a efetividade

desse princípio fundamental para um dos ambientes que mais se tem destacado por

desrespeitar a dignidade do ser humano: o sistema carcerário.

10

2 O DIREITO PENAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

O sistema político de um Estado e suas relações com a sociedade dizem

muito sobre como funciona o Direito Penal no seu território. O Estado pode ser

concebido como uma instituição totalitária/autoritária, caso adote uma postura de

combate aos inimigos de seus interesses, ou como um sistema democrático de

direito, buscando a harmonia entre seus interesses e aqueles da sociedade por ele

representada.

Nossa Constituição Federal de 1988, logo em seu primeiro artigo, afirma

que a República Federativa do Brasil constitui-se em um Estado Democrático de

Direito. Em seguida, no seu inciso terceiro, estabelece o princípio da dignidade da

pessoa humana como um de seus fundamentos.

Com base na Constituição Federal atual, a partir da concepção do Estado

Democrático, podemos observar que o Direito Penal no Brasil possui como pilar

assegurar os direitos e garantias fundamentais das pessoas, afinal, todas as leis

infraconstitucionais devem seguir as diretrizes da nossa Carta Maior, sob pena de

serem declaradas inconstitucionais e carentes de validade jurídica.

O Direito Penal tem como função tutelar os bens jurídicos mais caros à

sociedade, refreando práticas ilícitas, através da ameaça de sanção penal àquelas

condutas que violem as normas definidoras dos tipos penais incriminadores. Nessa

perspectiva, o Direito Penal é muito mais do que um instrumento opressivo em

defesa do aparelho estatal, trata-se de um verdadeiro mecanismo de concretização

dos direitos fundamentais (CAPEZ, 2012).

Os infratores das normas penais são punidos pelo Estado de acordo com

os ditames legais elaborados pelos parlamentares e, de forma indireta, pelos

cidadãos, com o intuito de proteger os bens jurídicos fundamentais. Porém, os

princípios constitucionais mostram que existem limites ao poder punitivo, devendo ser

respeitados estes princípios ordenadores básicos, característicos do Estado

Democrático de Direito que permeiam todo o sistema jurídico de normas. A eles,

todos devem recorrer para a boa interpretação e aplicação do direito positivo, ou seja,

das leis. Assim o mostra Capez (2012, p.25):

11

Do Estado Democrático de Direito partem princípios regradores dos mais diversos campos da atuação humana. No que diz respeito ao direito penal, já um gigantesco princípio a regular e orientar todo o sistema, transformando-o em um direito penal democrático. Trata-se de um braço genérico e abrangente, que deriva direta e imediatamente deste moderno perfil político do Estado Brasileiro, a partir do qual partem inúmeros outros princípios próprios afetos à esfera criminal, que nele encontram guarida e orientam o legislador na definição das condutas delituosas. Estamos falando do princípio da dignidade da pessoa humana.

Constatamos, dessa forma, que os princípios representam justamente o

limite até o qual o Estado pode agir. Justamente por tratar-se de um Estado

Democrático de Direito, os princípios devem ser respeitados, configurando-se, em

caso contrário, um ato inconstitucional. Nesse sentido, procura-se dissertar, nos

tópicos seguintes, sobre os princípios do Direito Penal que são relevantes para a

compreenção do objeto de estudo da presente monografia, a saber, os princípios

constitucionais penais relativos à sanção penal.

2.1 Princípio da dignidade da pessoa humana

O princípio da dignidade da pessoa humana remete à ideia segundo a qual

a pessoa como categoria espiritual é “dotada de valor em si mesma, um ser de fins

absolutos, possuidor de direitos fundamentais e, portanto, de dignidade” (PRADO,

2012, p. 163).

A formulação e desenvolvimento desse princípio teve períodos decisivos

no Iluminismo e no pós-nazismo. Atualmente, ele é um dos principais fundamentos

do Estado Democrático de Direito brasileiro. Segundo a doutrina, os outros princípios

do Direito Penal, como o princípio da individualização da pena, da responsabilidade

pessoal, da culpabilidade e da proporcionalidade são decorrência lógica do princípio

em debate. Conforme leciona Prado (2012, p. 166):

A força normativa desse princípio supremo se esparge por toda a ordem jurídica e serve de alicerce aos demais princípios penais fundamentais. Desse modo, por exemplo, uma transgressão aos princípios da legalidade ou da culpabilidade implicará também, em última instância, uma lesão ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

O princípio da dignidade da pessoa humana deve ser observado em todos

os âmbitos do direito e principalmente no Direito Penal, que é o que abre maior

12

margem para a sua violação, especialmente, na fase de execução das sanções

penais. Afinal, aqui é onde existe a cominação da pena e também seu cumprimento.

No Direito Penal, o princípio em comento significa que “a pessoa humana

deve ocupar uma posição absoluta e central, não puramente retórica, mas concreta e

operativa” (PRADO, 2012, p. 164). Significa dizer que “o reconhecimento do valor do

homem enquanto homem implica o surgimento de um núcleo indestrutível de

prerrogativas que o Estado não pode deixar de reconhecer, verdadeira esfera de

ação dos indivíduos que delimita o poder estatal” (IDEM).

Por essa razão, a Constituição já nos traz, em seu artigo 5º, inciso XLVII, a

proibição de certos tipos de pena (de morte, salvo em casos de guerra; de caráter

perpétuo; de trabalhos forçados; de banimento e cruéis), bem como a proibição a

qualquer ato que coloque o ser humano em condição análoga à de escravo, mesmo

que voluntariamente.

Como consequência lógica do princípio da dignidade da pessoa humana,

tem-se que, uma vez preso, o condenado para execução da pena que lhe foi imposta,

não deixa de fazer jus aos cuidados referentes à saúde, educação e trabalho, tendo

em vista a analienabilidade de sua condição humana. Apenas lhe foi privada a

liberdade.

Conforme previsão legal, o detento poderá ainda estudar e trabalhar,

sendo-lhe, a cada três dias de trabalho, 1 dia de pena descontado e, em caso de

frequência escolar, a cada 12 horas divididas em três dias, 1 dia de pena descontado,

segundo o disposto no artigo 126 caput e seu parágrafo primeiro da Lei de

Execuções Penais.

Ademais, por conta do princípio da dignidade da pessoa humana, pode-se

afirmar que a pena privativa de liberdade visa atingir a liberdade de locomoção do

condenado, sendo-lhe assegurada a manutenção dos outros direitos inerentes à

pessoa humana. Implica dizer que o preso possui vários outros direitos que precisam

ser preservados, como o direito à vida, à propriedade, direito à liberdade de

pensamento e convicção religiosa, à assistência jurídica, à educação e cultura, à

assistência à saúde, à indenização por erro judiciários entre outros (GRECO, 2011).

O detento tem direito ainda à sua integridade física. Meios de tortura são

totalmente vetados pela Constituição em seu artigo 5º, inciso III, embora ainda seja

flagrante o desrespeito a esse mandamento constitucional na seara penal,

13

principalmente na instância policial e na fase da execução das penas. Além disso, a

liberdade de qualquer pessoa somente pode ser privada por ordem judicial ou

flagrante delito.

Logo, fica claro que o princípio da dignidade da pessoa humana, e outros

dele decorrentes, é um princípio inerente ao Estado Democrático de Direito brasileiro

com o escopo de estabelecer os limites e as possibilidades o ordenamento jurídico

infraconstitucional, abrangendo o Direito Penal fundamentado na Constituição

Federal. Consequentemente, um Direito Penal que se firma também em bases

democráticas, o qual visa assegurar os direitos e garantias dos indivíduos em face da

utilização abusiva do poder punitivo do Estado, deve se sujeitar ao referido princípio.

2.2 Princípio da proporcionalidade

O princípio da proporcionalidade traduz a ideia de que a pena deve ser

proporcional ao dano causado à sociedade, devendo ser necessária e suficiente para

a prevenção e repressão das infrações penais. Segundo Greco (2011) e Bitencourt

(2012), este princípio estabelece uma proibição de excesso e, ao mesmo tempo, uma

proibição de punição deficiente das condutas violadoras das normas penais

incriminadoras. Além disso, a ideia de proporcionalidade está demonstrada em várias

passagens da Constituição Federal, como no art 5º e seus incisos XLXI, XLII, XLIII,

etc.

Trata, portanto, o princípio supracitado da proporcionalidade da pena

frente ao dano causado pelo agente. O próprio Código Penal, em meio aos seus

artigos, como consta no art. 61, apresenta-nos casos agravantes, como também

casos privilegiados e suas penas também tratando da individualização da pena, além

do aumento e diminuição desta.

O princípio da proporcionalidade é de grande importância, pois, levando-se

em consideração que, em um Estado Democrático de Direito, a liberdade é um bem

primordialmente tutelado juridicamente, qualquer limitação sua deve ser muito bem

analisada. Somente pode acontecer o cerceamento da liberdade de alguém quando

houver a real necessidade e proporcionalmente à proteção do determinado bem

jurídico ameaçado. Vejamos os ensinamentos de Prado (2013, p. 175):

14

Então, no tocante à proporcionalidade entre os delitos e as penas, deve existir sempre uma medida de justo equilíbrio – abstrata (legislador) e concreta (juiz) – entre a gravidade do fato ilícito praticado, do injusto penal (desvalor da ação e desvalor do resultado), e a pena cominada ou imposta. Em resumo, a pena deve estar proporcionada ou adequada à intensidade ou magnitude da lesão ao bem jurídico representada pelo delito e a medida de segurança à periculosidade criminal do agente.

A aplicação da pena dá-se em dois momentos, que são a cominação em

abstrato das penas, no caso do processo legislativo, e outro na fase judicial de

aplicação da pena, ou seja, quando o Judiciário atribuirá ao infrator pena de acordo

com a situação do caso concreto. Sendo assim, o princípio da proporcionalidade

deve ser observado nestes dois momentos, sob pena de inconstitucionalidade.

Quando legislador cria novo dispositivo de lei atribuindo a certa conduta

um ilícito, a sociedade passa a ter de obedecer, ou seja, cria-se um ônus para todos

os cidadãos. No entanto, deve-se perceber que apesar de todos terem que obedecê-

la acaba por trazer uma maior proteção à sociedade.

Em casos onde não houver esta compensação demonstrada no parágrafo

acima, ou seja, onde a sociedade encontrar-se limitada demais pelas normas criadas,

sem haver que haja esse retorno que é a segurança, o princípio da proporcionalidade

não estará sendo observado.

2.3 Princípio da personalidade ou da responsabilidade pessoal

Segundo o princípio da personalidade, a pena não pode passar da pessoa

do condenado. Com assento no art. 5º, inciso XLV, da CF/88, este princípio garante

que ninguém, além daquele que foi condenado com trânsito em julgado, pode sofrer

a sanção penal que a conduta por ela praticada impõe. Diferentemente do que

ocorria no passado, quando esse princípio não era observado, fazendo-se com que

os familiares do condenado sofressem igualmente as consequências da sanção

penal. Tome-se como exemplo disto, o caso do alferes Tiradentes, no episódio da

Inconfidência Mineira. O culpado, após a condenação, teve seus familiares

considerados infames até a quarta geração (JUSBRASIL, 2014).

À luz do princípio constitucional em discussão, é inconcebível que

terceiros paguem por crimes que não cometeram e para os quais sequer

contribuíram. Conforme prevê o próprio dispositivo constitucional citado, a obrigação

15

de reparação do dano causado pela infração penal, até os limites da herança

transferida pelo condenado, pode ser transferida aos seus sucessores. Senão

vejamos o art 5º, inciso XLV da CF/88, ipsis litteris: “nenhuma pena passará da

pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do

perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles

executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido” (BRASIL, 1988).

Comentando este dispositivo constitucional, a doutrina observa que, a

responsabilidade é pessoal ou subjetiva, ou seja, é própria do ser humano,

decorrendo de sua ação ou omissão. Não se admite nenhuma outra forma de

responsabilidade na esfeera penal, senão essa. Vejamos o que ensina Prado (2013),

citando Sicurella, sobre o assunto:

Desse seu caráter estritamente pessoal decorre que a sanção criminal – pena e medida de segurança – não é transmissível a terceiros. Tal princípio, em sentido amplo, pode ser definido: “a responsabilidade penal é pessoal. Ela é determinada, a título de autor, instigador ou cúplice, segundo o comportamento da pessoa processada em razão de sua própria culpa” (PRADO, 2013, p. 172). (Citando cf. Sicurella, R. Op. Cit. P 28)

Diante do exposto, excetuando-se alguns casos especiais da esfera civil,

não existe qualquer justificativa para que a responsabilidade seja atribuída a

terceiros. Nesse sentido, deve-se obsrervar com Greco (2011) que em caso de morte

do condenado, não poderá o valor correspondente à pena de multa a ele aplicada ser

cobrado de seus herdeiros.

2.4 Princípio da humanidade

Também conhecido como princípio da limitação das penas, este princípio

pauta-se no bem estar da sociedade, incluindo-se nela aqueles indivíduos que

infringiram a lei. O fato de estarem encarcerados não lhes subtrai o direito de serem

tratados como seres humanos. A Constituição de 1988, em seu artigo 5º, inciso

XLVII, nos traz esse princípio ao proibir penas de morte (exceto em caso de guerra),

de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento, cruéis.

A proibição de tortura e maus tratos àqueles que praticaram infrações

penais também são meios de cumprimento do princípio supracitado, sendo

incostitucional qualquer pena que traga ao preso ofensa a sua incolumidade física ou

16

moral. É ainda devido a esse mesmo princípio que o Regime Disciplinar

Diferenciado1 é considerado por alguns doutrinadores como inconstitucional, tendo

em vista, tratar-se de um regime muito severo, que atentaria contra os direitos

fundamentais dos presos.

Conforme preceitua Prado (2013, p. 176):

Em um Estado democrático de Direito vedam-se a criação, a aplicação ou a execução de pena, bem como de qualquer outra medida que atentar contra a dignidade humana (v.g., tratamento desumano ou degradante). Assim, estabelecem a Declaração dos Direitos do Homem (1948): “todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal (art III), e ninguém será submetido a tortura, nem a tratamento ou castido cruel, desumano ou degradante (art V)”; o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1966): ninguém será submetido a tortura, nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Será proibido, sobretudo, submeter uma pessoa, sem seu livre consentimento, a experiências médicas ou científicas (art 7º); a Convenção contra Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (1984) define e pune a tortura (arts 1º e 4º), entre outras.

Vê-se facilmente aí que o princípio da humanidade ou da limitação das

penas, apesar de em muitas situações ter escassa aplicação prática na vida real, é

um direito fundamental da pessoa presa previsto no ordenamento jurídico, não

somente do nosso país, mas de muitos outros signatários de pactos e convenções

que o preveem, a exemplo da Declaração dos Direitos do Homem de 1948.

2.5 Princípio da individualização da pena

Preceitua o referido princípio que, dependendo do caso, o juiz aplicará

para cada autor de um fato típico, ilícito e culpável uma pena na medida exata para

punir o ato ilícito. Quando o juiz entender ser o réu o autor do delito, ao fim do

processo, será sentenciada a este pena prevista nas normas de Direito Penal.

Com a individualização da pena, o juiz age de modo discricionário,

observando as peculiaridades de cada caso e de cada pessoa envolvida. Este é um

1 O Regime Disciplinar Diferenciado é uma sanção disciplinar que se aplica a presos provisórios e condenados e é fixado no caso de prática de fato previsto como crime doloso quando ocasione subversão da ordem ou disciplina internas, observando-se as características previstas em Lei. Cf. SILVA, Fernanda Cintra Lauriano. Análise da In(Constitucionalidade) do Regime Disciplinar Diferenciado. Disponível em: <http://www.lfg.com.br>. Desde 21 de junho de 2009. Acesso em: 10 de dezembro de 2014.

17

princípio Constitucional previsto no art 5º em seu inciso XLVI ao dispor:

Art. 5º - A lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) prestação social alternativa; d) suspensão ou interdição de direitos.

A pena é individualizada tendo em vista três etapas. A primeira, chamada

cominação, é quando o legislador define os atos tidos como crime e a eles atribui

penas respectivas, indicando a quantidade mínima e máxima. A segunda é a fase da

aplicação, em que o juiz, de acordo com o critério trifásico previsto no artigo 68 do

Código Penal aplica a quantidade que julga justa para o crime cometido. Aqui são

observados, entre outros fatores, os antecedentes, culpabilidades, personalidade e

conduta do infrator, levando em consideração as particularidades do caso. Por fim, a

fase da execução, quando, após o transitado em julgado, o condenado cumprirá pena

dada pelo juiz na fase da aplicação (PRADO, 2013).

O princípio em alusão tem como finalidade fazer deterinar que as sanções

penais não podem ser iguais para todos os condenados (GRECO, 2011). Além disso,

ele faz lembrar que a aplicação da pena deve respeitar o limite máximo previsto em

lei, com o intuito de ressocializar o detento, assim sendo, o juiz deve cominar a pena

somente na quantidade que atenda a finalidade da ressocialização do preso.

18

3 AS TEORIAS DA FINALIDADE DA PENA

As infrações cometidas pelos indivíduos devem estar todos previstos em

lei para que, só então, sejam consideradas crimes. Trata-se do princípio da

anterioridade (“não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia

cominação legal”).

Diante da existência de atitudes que vão de encontro ao bem comum, o

Estado busca reprimir essas condutas por meio de uma punição, que pode variar

desde a privação da liberdade, até restrições de direitos e obrigações pecuniárias.

A imposição de penas privativas de liberdade como forma de punir aqueles

que procedem contrariamente a leis estabelecidas pela sociedade tem sua referência

mais remota no antigo Império Romano. Desde então, o sistema carcerário passou

por uma escala de evolução.

A pena de reclusão, primordialmente teve sua aplicação na antiga Igreja

Romana. Quando eram infrigidas leis eclesiáticas, os clérigos eram presos, depois de

condenados por heresia. Essa prática teve ainda larga aplicação durante o período

da Inquisição, marcado também pelas inúmeras penas de morte (COLNAGO, 2013).

A sanção penal de pena privativa de liberdade tem inegáveis raízes no

direito canônico, tendo o sistema penitenciário atual advindo da antiga prisão

eclesiástica. O próprio termo penitenciária é proveniente do termo penitência,

utilizado justamente pela Igreja Romana para a remissão de pecados.

Já no século XVI, as penas privativas de liberdade guardavam relação

com a prestação de trabalhos forçados. Segundo muitos, a condenação a trabalhos

forçados, de certa maneira, inseria-se de forma positiva no contexto do modo de

produção capitalista então emergente (COLNAGO, 2013).

Apesar de o princípio da dignidade da pessoa humana ser considerado

inerente à pessoa, ou seja, já nascemos possuindo o direito à integridade física,

psíquica e emocional, esse princípio é de reconhecimento relativamente recente na

história da humanidade. Nos primórdios, era inexistente, ou seja, não era observardo

pela Ciência do Direito quando do cumprimento das penas na Antiguidade. As

punições eram severas e penosas, como podemos constatar no Código de Hamurabi.

A conhecida premissa “olho por olho dente por dente”, em que se baseava esse

conjunto de leis, pode ser literalmente interpretada, admitindo-se, de forma natural,

19

severos castigos corporais e penas de morte como formas de punição.

Somente no século XVIII, houve o primeiro movimento em oposição aos

modos cruéis de tratamento conferidos aos presos, buscando a dignidade dos

mesmos, o que acabou por promover uma transformação no sistema punitivo.

Vejamos:

Na segunda metade do século XVIII, surge um movimento de oposição à crueldade da legislação penal então vigente, que em detrimento da dignidade do homem, acabara por se tornar um instrumento de dominação em posse das classes mais abastadas. Essas insurgências provocaram a reforma do sistema punitivo, que teve Cesare Beccaria, John Howard e Jeremy Bentham entre seus principais expoentes. (COLNAGO, 2013, p. 73).

A mudança concernia às penas cruéis, castigos corporais e penas de

morte, não mais se admitindo tais meios até então tidos como normais. Dessa forma,

ainda que inconcientemente, houve uma contribuição para o processo de

humanização da pena, almejando a ressocialização do detento para que este não

voltasse a delinquir.

A verdadeira consolidação do princípio da dignidade da pessoa humana se

deu após a Segunda Guerra Mundial, quando passa a ser formalmente reconhecido.

O fim do combate ajuda o assunto a ganhar repercussão internacional. A Declaração

Universal dos Direitos Humanos, em 1948, veio mostrar a importância deste princípio

e a obrigação do Estado de protegê-lo e promovê-lo.

Todos esses fatores mencionados anteriormente influenciarão cada um

em sua respectiva época as discussões teóricas em torno da finalidade da pena.

3.1 A finalidade da pena segundo as Teorias Absolutas

De acordo com essa corrente teórica, a pena existe por causa da prática

do delito, constituindo retribuição ou compensação pelo mal que o indivíduo causou.

Bitencourt (2002, p. 68), ao explicar a teoria absoluta, diz: “A pena é a necessidade

de restaurar a ordem jurídica interrompida”.

O filósofo Immanuel Kant, com sua Teoria da Retribuição ética e moral,2

exerceu grande influência sobre o desenvolvimento da Teoria Absoluta, partindo de

2 Conceito desenvolvido em Fundamentação da metafísica dos costumes (1785).

20

uma fundamentação de natureza ética. Outra contribuição decisiva para a Teoria

absoluta veio do pensamento de Hegel,3 que, diversamente ao pensamento kantiano,

buscava seus fundamentos na ordem jurídica. Para Hegel, com a pena, há

necessidade de restabelecimento da vontade geral. Analisando os pontos comuns e

divergentes entre os dois filósofos, quanto ao tema em questão, Prado (2013, p. 628)

conclui:

[...] A teoria de Hegel tem em comum com a de Kant a ideia essencial de retribuição e o reconhecimento de que entre o delito praticado e a sua punição deve haver uma relação de igualdade. A diferença entre elas repousa no fato de que a teoria hegeliana se aprofunda mais na construção de uma teoria positiva acerca da retribuiçãpo penal e na renúncia à necessidade de uma equivalência empírica no contexto do princípio da igualdade. [...]

No entanto, essa teoria absoluta, por eles defendida, vai de encontro ao

princípio da dignidade da pessoa humana, pois a pena seria, na verdade, um castigo

imposto ao delinquente, sem preocupar-se com os fins, ou seja, se o delinquente

voltará a infrigir a norma. Vejamos como discorre Prado (2013, p. 629):

Para os partidários das teorias absolutas da pena, qualquer tentativa de justificá-la por seus fins preventivos (razões utilitárias) – como propunham, por exemplo, os penalistas da Ilustração – implica afronta à dignidade humana do delinquente, já que este seria utilizado como instrumento para a consecução de fins sociais. Isso significa que a pena se justifica em termos jurídicos exclusivamente pela retribuição, sendo livre de toda consideração relativa a seus fins (pena absoluta ab effectu). A ideia de retribuição em seu sentido clássico, como aliás é mais conhecida, além de indemonstrável, tem base ética e metafísica, despida de racionalidade.

Assim, constata-se certa incongruência entre a concepção de Estado

Democrático de Direito e a Teoria Absoluta, afinal aplicar penas sem ponderar as

consequências das mesmas seria agir arbritariamente, ignorando o princípio da

dignidade da pessoa humana (COLNAGO, 2013).

3.2 A finalidade da pena segundo as Teorias Relativas

Conhecida também como Preventiva, essa teoria afirma que a finalidade

3 Em Princípios da Filosofia do Direito.

21

da pena é evitar que o mal seja novamente praticado. Na verdade, não possui o

intuito de castigar o autor.

Um dos filósofos que influenciaram essa corrente foi Feuerbach, que

defendia a punição, na verdade, como coação psicológica com a pretensão de evitar

o delito. A Teoria Relativa subdivide-se em Prevenção Geral (negativa e positiva) e

Prevenção Especial. Vejamos o que nos diz Prado (2013, p. 629):

Encontram fundamento da pena na necessidade de evitar a prática futura de delitos (punitur ut ne peccetur) – concepções utilitárias da pena. Não se trata de uma necessidade em si mesma, de servir à realização da Justiça, mas de instrumento preventivo de garantia social para evitar a prática de delitos futuros (poena relata ad effectum). Isso quer dizer que a pena se fundamenta por seus fins preventivos, gerais ou especiais. Justifica-se por razões de utilidade social.

No caso da Prevenção Geral Negativa, também conhecida por

intimidatória, o objetivo seria prevenir pelo medo provocado pela pena. Assim, o

temor de ser penalizado, incutido nos cidadãos, inibiria a prática de condutas ilícitas.

Devendo ser salientado que, nesse caso, a intimidação dar-se-ia diante dos cidadãos

em geral.

A Prevenção Geral Positiva, também chamada integradora, justifica seus

efeitos na confiança normativa, ou seja, no fortalecimento da consciência jurídica da

norma, causando um efeito de ponderação da racionalidade do indivíduo. Segundo

ela, a pena causa três efeitos na consciência do indivíduo, responsáveis pela

mudança de atitudes deste: efeito de aprendizagem, de confiança e pacificação

social. Acerca do assunto, assim discorre Prado (2013, p. 630):

Em linhas gerais, três são os efeitos principais que se vislumbram dentro do âmbito de atuação de uma pena fundada na prevenção geral positiva: em primeiro lugar, o efeito de aprendizagem, que consiste na possibilidade de recordar ao sujeito as regras sociais básicas cuja transgressão já não é tolerada pelo Direito Penal; em segundo lugar, o efeito de confiança, que se consegue quando o cidadão vê que o Direito se impõe; e, por derradeiro, o efeito de pacificação social, que se produz quando uma infração normativa é resolvida através da intervenção estatal, restabelecendo a paz jurídica.

No que concerne à Prevenção Especial, esta tem como foco exclusivo o

prórpio delinquente, evitando que futuramente volte a delinquir. Melhor explicando,

diferente da Prevenção Geral, a Prevenção Especial não tem como objetivo intimidar

todo o grupo social, visa apenas ao delinquente para fazer com que este não volte a

22

delinquir.

3.3 A finalidade da pena segundo a Teoria Mista

Na Teoria Unitária, Eclética ou também conhecida como Mista, conciliam-

se a retribuição e a prevenção, ou seja, ocorre uma junção das duas Teorias já

explicadas. Essa teoria advoga tanto a punição do delinquente pelo cometimento de

ato ilícito, quanto a prevenção de crimes futuros por meio da ressocialização e da

intimidação da coletividade.

Na visão de Prado (2013, p. 636), a prevenção a que se refere a teoria

mista não seria somente a geral. O conceito de prevenção especial também se

encontra aí incluído. Vejamos:

É preciso ressaltar que o fundamento da pena não radica tão somente nos fins de prevenção geral ou de prevenção especial. A preponderância absoluta das exigências da prevenção geral implicaria constante e substancial ampliação das margens penas dos delitos mais graves ou mais frequentesmente praticados, o que conduziria a penas injustas e desproporcionais.

Nesta teoria, fica demonstrada uma verdadeira ligação entre a natureza

retributiva da pena e a prevenção. Uma se liga à outra, pois a retribuição é também

forma de prevenir para que o delito não mais aconteça. No entanto, a retribuição não

é o mesmo que prevenção, uma vez que podemos prevenir sem retribuir.

23

4 AS PENAS NA REALIDADE DO SISTEMA CARCERÁRIO

BRASILEIRO

4.1 Aspectos legais e sociais da pena no Brasil

As penas podem ser, como já dito, privativas de liberdade, restritivas de

direito ou pecuniárias. Nosso objeto de estudo aqui serão somente as penas

privativas de liberdade, que podem ser de reclusão, detenção ou prisão simples.

A diferença existente entre reclusão e detenção diz respeito ao regime de

cumprimento da pena. Tratando-se de reclusão, temos, de início, o regime fechado,

aberto ou semiaberto, a depender do caso. Já no caso de detenção, inicialmente,

somente existem o regime aberto ou semiaberto (PRADO, 2013).

Os regimes penitenciários são designados a depender do valor da pena.

São eles, o regime fechado, caracterizado pelo cumprimento da pena em

estabelecimento de segurança máxima; o semiaberto, com o cumprimento em

colônia agrícola ou estabelecimento semelhante; e o aberto, em que o delinquente

fica fora da prisão durante o dia, livre para trabalhar ou estudar, e à noite deve ir para

a casa de albergado ou local parecido.

Quando a pena for superior a oito anos, seu início deve dar-se no regime

fechado. Quando superior a quatro anos, mas não excedente a oito, o regime de

início deve ser o semiaberto. Por fim, em caso de pena igual ou inferior a quatro

anos, o regime de início é o fechado.

A progressão de regime é algo permitido pela lei, ocorrendo quando o

condenado passa de um regime mais rigoroso para outro mais brando, uma vez

satisfeitas as exigências legais. Vejamos o que dispõe Capez (2012, p. 392):

[...] O processo de execução é dinâmico e, como tal, está sujeito à modificações. Todavia, o legislador previu a possibilidade de alguém, que inicia o cumprimento de sua pena em um regime mais gravoso (fechado ou semiaberto), obter o direito de passar a uma forma mais branda e menos expiativa de execução. A isso denomina-se progressão de regime. [...]

Os requisitos a serem cumpridos para a progressão dividem-se em

objetivos, que dizem respeito ao tempo de cumprimento da pena, ou seja,

cumprimento da fração exigida de acordo com a pena aplicada, e subjetivos,

24

relacionados ao bom comportamento carcerário. Sendo importante salientar a

impossibilidade de progressão por saltos, ou seja, não pode sair do regime fechado

para o regime aberto, devendo passar antes pelo regime semiaberto.

4.2 A realidade do sistema carcerário brasileiro

O número de presos no Brasil chega a 711.463 indivíduos, segundo dados

disponíveis pelo Conselho Nacional de Justiça, considerando o número de 147.937

de pessoas em prisão domiciliar. Por esses dados, o Brasil possui a terceira maior

população carcerária do mundo, perdendo somente para Estados Unidos e China

(BRASIL, CNJ, 2014).

Diante dessa estatística, o Sistema Carcerário Brasileiro não dá condições

para qualquer ressocialização, ao contrário, ajuda na propagação de técnicas

criminosas. As cadeias, lotadas e totalmente insalubres como se encontram,

constituem ambientes onde circula todo tipo de doença, sendo locais completamente

inadequados ao ser humano, de acordo com o que preceitua o princípio da dignidade

humana.

Esse é o perfil dos complexos penintenciários e delegacias em que ficam

os detentos no Brasil. O odor emanado das celas é apenas um dos muitos aspectos

que caracterizam a situação subumana a que estão submetidos, em geral, os

detentos brasileiros.

A superlotação, os maus tratos e a ausência de atividades ocupacionais

que possam preencher-lhes o tempo de maneira saudável e produtiva, são outros

aspectos a serem também considerados. Esse conjunto de circunstâncias contribui

para a degradação dessas pessoas, que, apesar de terem cometido atos ilícitos,

permanecem sendo seres humanos.

O número excessivo de presos em uma mesma cela é problema dos mais

graves hoje enfrentados pelo Estado. Apenas a título de exemplo, a situação já

chegou ao ponto de em algumas instituições prisionais não existir mais sequer a

separação de celas exclusivamente para aqueles que aguardam julgamento.

Essa é uma situação que nega ao preso o mínimo de dignidade. Os

detentos empilham-se, dormindo uns sobre os outros, no chão ou em redes ou

mesmo junto ao banheiro, durante anos seguidos. Essa situação degradante alimenta

25

extraordinariamente a revolta daqueles que são forçados a ela se submeterem.

O episódio transcorrido no complexo penitenciário do Carandiru é apenas

um dos exemplos que podem ser citados como uma consequência trágica do que

vimos falando. O Carandiru possuía capacidade para 500 detentos, mas, em vez

disso, lá estavam confinadas 6.508 pessoas. A situação atingiu seu limite, e uma

rebelião interna dos presos eclodiu, deixando centenas de mortos e feridos.

Rebeliões como essa ocorrem com certa frequência nos presídios brasileiros na

tentativa dos detentos de obter do Estado o tratamento digno a que têm direito

(CAMARGO, 2006).

Quanto à preservação da integridade física dos detentos, também é algo

que deixa a desejar, pois muitos são os relatos de pessoas que são mortas e/ou

sofrem violência sexual por falta do dever de fiscalização do Estado para que a

integridade física seja resguardada. Os presídios são, na verdade, depósitos

humanos, onde o mais forte, subordina o mais fraco.

Além disso, o uso corriqueiro de celulares dentro dos presídios também é

mais um aspecto que confirma a falência do sistema. Não só o uso de aparelhos

eletrônicos, mas também o acesso dos detentos às drogas, não raro contribuindo

para o aumento da violência entre eles e o estabelecimento de hieraquias de poder

interno. Não é raro que isso aconteça com a conivência e até o estímulo de agentes

penitenciários despreparados e corruptos.

Por isso, em muitos casos, é concedida a prisão domiciliar em casos de

presos com problemas de saúde ou quando não há unidade prisional de acordo com

o regime em que será cumprida a pena. Por exemplo, muitas vezes, a pena deve ser

cumprida em colônia agrícola por força do regime semiaberto, contudo não há

semelhante estabelecimento. Então, o condenado cumpre prisão domiciliar.

Mudanças profundas no sistema penitenciário devem ser realizadas

urgentemente, pois as cadeias estão “fabricando” delinquentes piores do que quando

entraram. Dentro das cadeias, os presos continuam praticando crimes, comandando

quadrilhas, ou seja, não perdem seus contatos externos, conservando a teia criminal

quase intacta.

A sociedade só estará protegida se o preso for realmente ressocializado.

Em seu artigo sobre o sistema carcerário no Brasil, Virgínia Camargo nos informa:

26

A massa carcerária cresce ao ritmo de um preso a cada 30 minutos; a AIDS prolifera entre detentos com rapidez de uma peste. Cerca de 10% a 20 % dos presos estão contaminados. 48% dos seqüestradores presos se encontravam no Rio de Janeiro. Os homens já representavam 95,5% da população carcerária, e a maioria cumpre pena por assalto, furto ou trafico de drogas. 50.000 homens e mulheres já se encontravam confinados irregularmente em celas de delegacias e cadeias públicas (ÂMBITO JURÍDICO, 2006).

Além de casos de detentos encarcerados de forma que não há separação

em celas quanto ao sexo, muitos dos presos estão encarcerados irregularmente, uma

vez que já cumpriram sua pena e não foram libertados ainda. Apesar de o Judiciário

possuir muita demanda, a ocorrência desse fato não se justifica.

Temos ainda a considerar o fato de ex-detentos, em geral, encontrarem as

portas fechadas na sociedade, ou seja, diante de seus antecedentes, encontram

dificuldade em conseguir emprego e até mesmo veem conhecidos e vizinhos se

afastarem, o que, de certo modo, acabam impelindo-os à prática do crime

novamente. O fato de a sociedade saber que a prisão não ressocializa seus detentos

gera o temor de se aproximar ou contratar serviços de uma pessoa que possui

passagem pela policia, ainda mais tendo cumprido pena (CAMARGO, 2006).

O Estado deve tomar medidas ressocializadoras até mesmo para que,

quando o preso cumpra a pena e saia da prisão, encontre oportunidades que o

conduzam a um meio de vida melhor do que o anterior ao crime. Para que não

precise recorrer a meios ilícitos.

27

5 A SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA OU SURSIS

A Suspensão Condicional da Pena dá-se com o intuito de suspender a

pena privativa de liberdade, evitando que o condenado seja recolhido, mas, para

tanto, o infrator não pode ser reincidente e a pena não pode ser superior a 2 anos, ou

4 anos quando tratar-se de condenado acima de 70 anos ou enfermo.

Dessa forma, o sursis visa à não aplicação da pena privativa de liberdade,

substituindo-a por outra forma de punição, conforme disposto no artigo 78 do Código

Penal. A pena será suspensa, mas devem ser obedecidos os requisitos e também as

condições impostas pelo juiz sob pena de o benefício ser revogado.

Segundo René Ariel Dotti (2002, p. 726), o Ministro da Justiça, João Luiz

Alves, na Exposição de Motivos do Presidente da República, assim se manifestou em

relação ao principal escopo do SURSIS:

[...] 1º Não inutilizar, desde logo, pelo cumprimento da pena, o delinquente primário, não corrompido e não perverso; 2º Evitar-lhe, em contágio com a prisão, as funestas e conhecidas consequências desse grave mal, maior entre nós do que em outros países, pelo nosso defeituoso sistema penitenciário, se tal nome e pode ser dado a um regime sem método, sem unidade, sem orientação científica e sem estabelecimentos adequados; 3º Diminuir o número de reincidências, pelo receio de que se torne efetiva a primeira condenação.

Existem dois sistemas em relação ao sursis: o anglo-americano,

segundo o qual o juiz declara culpado o réu, sem condená-lo e suspendendo o

processo de acordo com as circunstâncias indicativas de que o réu não irá mais

delinquir. O segundo é o sistema belga francês, segundo o qual o juiz condena o réu,

mas suspende a execução da pena, cumprindo os requisitos de primariedade do réu,

desde que a pena não ultrapasse dois anos. Este é o sistema aplicado no Brasil.

(BITENCOURT, 2002).

A natureza jurídica da suspensão em questão é, segundo doutrina

majoritária, direito subjetivo do réu, ou seja, cumpridos todos os requisitos, deve o

juiz ou tribunal que sentenciou pronunciar-se acerca do assunto. Afinal, a

competência para conceder o sursis e até mesmo determinar suas condições é do

juiz que condenou, a não ser que este ou um tribunal atribuam tal função ao juízo de

execução.

28

As diferentes espécies de sursis estão previstas no artigo 77 do Código

Penal. Temos, no caput do mencionado artigo, o sursis simples, concedido àquele

que recebeu Pena Privativa de Liberdade inferior ou igual a 2 anos, podendo ser esta

suspensa por período de 2 a 4 anos.

É bem verdade que o sursis caiu em desuso devido à Lei 9.714 referente

às penas alternativas. Vejamos o que diz Capez (2013, p. 514), acerca do assunto:

Com a lei 9.714 de 25 de novembro de 1998 o instituto sursis praticamente deixou de existir, uma vez que é subsidiário à pena alternativa, ou seja, em primeiro lugar o juiz deve verificar se é caso de aplicar a restritiva de direitos ou a multa em substituição à privativa de liberdade e , somente então, verificada essa impossibilidade, é que se tenta aplicar a suspensão condicional da pena, como uma segunda opção [...].

Uma vez que o sursis só pode ser aplicado quando a pena for igual ou

inferior a 2 anos, sempre poderá haver a substituição da pena privativa de liberdade

por pena restritiva de direito. Mas restam três possibilidades abordadas pelo autor,

em que não seria cabível essa substituição, devendo o condenado recorrer,

realmente, ao sursis. Vejamos:

[...] Restam, no entanto, ainda três possibilidades: a) crimes dolosos cometidos mediante violência ou grave ameaça, em que a pena imposta seja igual ou inferior a dois anos, ou, no caso do sursis etário ou humanitário, igual ou inferior a quatro anos (não cabe substituição por pena restritiva, em face do disposto no art. 44, I, segunda parte, do CP, mas cabe sursis, pois não existe vedação legal no que tange aos crimes com violência ou grave ameaça). b) condenado reincidente em crime doloso, cuja pena anterior tenha sido a pena de multa: pode obter o sursis, pois a lei faz uma ressalva expressa para essa hipótese (CP. Art. 44, II) ; c) condenado reincidente específico em crime culposo (homicídio culposo e homicídio culposo, por exemplo): entendemos que não pode obter substituição por pena alternativa, ante expressa proibição legal (CP, art. 44, §3º, parte final), mas nada impede a suspensão condicional da pena. Em suma, o sursis ainda existe mas respira graças a três tubos de oxigênio. (CAPEZ, 2012, p. 515).

No entanto, existem casos específicos como os do julgado abaixo, em

decisão recente, no qual se decidiu pelo sursis, uma vez que seria mais benéfico ao

réu do que a aplicação da pena privativa de direitos. Vejamos:

PENAL – POSSE E PORTE ILEGAL DE ARMAS DE FOGO - SURSIS ETÁRIO ESPECIAL – CONCESSÃO EM SUBSTITUIÇÃO À PENA RESTRITIVA DE DIREITOS – APLICAÇÃO MAIS FAVORÁVEL AO RÉU – EXCEPCIONALIDADE. – É possível, excepcionalmente, a concessão do sursis etário (art. 77, § 2º, do CP), em vez de substituição da pena nos

29

termos do art. 44 do Código Penal, se as condições especiais do art. 78, § 2º, do mesmo diploma legal, forem mais favoráveis ao condenado no caso concreto. (TJ-MG – APR: 10045110018483001 MG , Relator: Júlio Cezar Guttierrez, Data de Julgamento: 17/12/2012, Câmaras Criminais Isoladas / 4ª CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 10/01/2013)

O chamado sursis humanitário e sursis etário, que, como dito, faz parte de

um dos casos mais utilizados frente ao sursis, que serão os objetos abordados por

este trabalho. O parágrafo terceiro do artigo 77 do CP traz os respectivos institutos.

Nesses casos, a condenação não excederá 4 anos, e a suspensão pode ser de 4 a

6 anos, desde que o condenado seja maior de 70 anos ou seu estado de saúde

justifique a suspensão.

Vejamos uma decisão do ano de 2014 que trata do sursis etário,

demonstrando, inclusive, o fato de a hediondez do delito não impedir o alcance da

suspensão:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL. OMISSÃO. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. SURSIS ETÁRIO OU HUMANITÁRIO. CONCESSÃO DA BENESSE. Diante da pena fixada, bem como da idade do condenado, cabível a concessão da suspensão condicional da pena, nos termos do artigo 77, parágrafo 2º, do Código Penal. Hediondez do delito que não impede o alcance da benesse. Omissão sanada. ACOLHERAM PARCIALMENTE OS EMBARGOS DECLARATÓRIOS. UNÂNIME. (TJ-RS - ED: 70060329463 RS , Relator: Laura Louzada Jaccottet, Data de Julgamento: 17/07/2014, Sétima Câmara Criminal, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 30/07/2014)

No primeiro ano do prazo do sursis, a pessoa beneficiada deve

prestar serviços à comunidade ou submeter-se à limitação de fim de semana. Com o

sursis especial, o juiz pode substituir essas exigências pelas condições postas nas

alíneas do artigo 78, desde que o condenado tenha reparado o dano, salvo quando

houver impossibilidade de fazê-lo:

Art. 78 - Durante o prazo da suspensão, o condenado ficará sujeito à observação e ao cumprimento das condições estabelecidas pelo juiz. [...] § 2° - Se o condenado houver reparado o dano, salvo impossibilidade de fazê-lo, e se as circunstâncias do Art. 59 deste Código lhe forem inteiramente favoráveis, o juiz poderá substituir a exigência do parágrafo anterior pelas seguintes condições, aplicadas cumulativamente: a) proibição de frequentar determinados lugares; b) proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do juiz; c) comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades.

30

5.1 Aspectos históricos do SURSIS

Como já dito, o sistema carcerário tem raízes nos antigos Direito Romano

e no Direito Canônico, o mesmo constatamos ocorrer com o sursis. No Direito

Romano, existia a possibilidade de substituir por uma reprimenda a pena, por

exemplo, nos crimes de incêndio provocados por negligência. Prado (2013, p. 741),

acerca do histórico do sursis, afirma:

A suspensão condicional da pena deita raízes em institutos semelhantes presentes no Direito Romano (severa interlocutio, admoestação judicial) e no direito canônico. Neste último, pela monitio canonica os juízes eclesisásticos poderiam determinar a suspensão – condicionada à não reincidência – das penas temporais e espirituais aplicadas aos codenados que, em sua presença, implorassem perdão.

Naquele tempo, já existia certa preocupação em substituir a pena corporal

por outra mais branda. Mas, somente no século XIX, o sursis adquiriu contornos mais

próximos do que é hoje. O sursis, conforme hoje o entendemos, surgiu na França

com o Projeto Bérenger, de 26 de maio de 1884.

O primeiro país a transformar a referida proposta em lei foi a Bélgica, em

31 de maio de 1888. Em seguida, a França também veio a adotá-la em sua

legislação no ano de 1891. Por isso, o sistema ficou conhecido como belgo-francês,

franco-belga ou continental europeu (BRITO, 2010).

Em nossa legislação, a figura do sursis somente surgiu em 1924. Foi

Esmeraldino Bandeira, deputado federal nos anos de 1906-1908, que apresentou à

Câmara dos Deputados, em 18 de julho de 1906, um projeto de lei que visava

regulamentar a suspensão condicional da pena.

O próprio deputado, autor do projeto, afirma que não se tratava de ideia

sua, mas sim, proveniente da Lei Bérenger, também conhecida como lei do sursis.

No entanto, Bandeira fez modificações no texto original, incluindo, por exemplo, um

requisito para que o sursis pudesse ser concedido ao delinquente: a necessidade de

o delito em questão não ter sido cometido em circunstâncias ou por motivos que

revelassem perversidade ou corrupção do caráter do delinquente (BRITO, 2010).

Assim, conforme o exposto, para a concessão do sursis, os seguintes

requisitos deveriam ser observados: a condenação a uma pena de multa, reclusão,

prisão com trabalho ou prisão celular; a pena não pode ser superior a cinco anos;

31

deve ser, o condenado, primário em crime comum; as circunstâncias e móveis do

delito não devem revelar perversidade ou corrupção de caráter por parte do

delinquente.

No entanto, tal proposta não se transformou em lei. Decorridos dezesseis

anos da apresentação do projeto pelo deputado Esmeraldino Bandeira, o Congresso

Nacional dava mostras de falta de celeridade para pôr fim a todo seu trabalho,

delgando, por isso, alguns assuntos para o Poder Executivo.

Assim, o Poder Executivo promoveu a reforma de todo o sistema

penitenciário, tornando efetivo o livramento condicional e a chamada suspensão da

condenação, por meio do Decreto nº 4.577, de 5 de setembro de 1922. Entretanto,

nenhuma lei a esse respeito foi criada.

Apenas quando João Luís Alves foi escolhido para ser Ministro da Justiça,

submeteu à aprovação do Presidente da República o projeto de lei que se

transformou no Decreto nº 16.588, que tratava da chamada “condenação

condicional”, em nossa legislação, hoje chamada de sursis.

Passados todos esses anos, finalmente, pôde-se ver o instituto do sursis

regulamentado em legislação vigente no Brasil. A norma dessa legislação a qual nos

referimos foi posteriormente codificada no Código de Processo Penal, bem como nos

artigos 51 e 52 da Consolidação das Leis Penais, organizada pelo desembargador

Vicente Piragibe e aprovada pelo Dec. nº 22.213, de 14 de dezembro de 1932

(BRITO, 2010).

O SURSIS surgiu por meio de projeto de lei que, em seguida, transformou-

se no Decreto n° 16.588 de 1924, destinado a uma condenação condicional de

matéria penal, tendo por base um sistema belga, declarando que, após cumprido o

prazo previsto para suspensão, extinguia-se a pena.

5.2 Natureza jurídica do SURSIS

São três as correntes que buscam definir a natureza jurídica do sursis. A

primeira diz ser este um direito público subjetivo do condenado, cuja concessão o juiz

não pode negar, frente ao preenchimento dos requisitos. A segunda o considera

como forma de execução da pena, ou seja, medida de natureza restritiva de liberdade

e não benefício. Por fim, a terceira afirma ser o sursis uma pena efetiva, deixando de

32

lado o entendimento de que seria mero incidente de execução.

Prevalece o entendimento de que o sursis (suspensão condicional)

possui natureza jurídica de direito público subjetivo do condenado; de medida penal

alternativa da prisão. Conforme Capez (2012, p. 515) preceitua:

Direito público subjetivo do sentenciado: o juiz não pode negar sua concessão ao réu quando preenchidos os requisitos legais; no entanto resta ainda alguma discricionariedade ao julgador, quando da verificação do preendimento dos requisitos objetivos e subjetivos, os quais devem ficar induvidosamente comprovados nos autos, não se admitindo sejam presumidos. É a nossa posição.

Ainda quanto à natureza jurídica do sursis, Prado (2013, p. 743) afirma:

A natureza jurídica da suspensão condicional da pena é questão altamente controvertida (v.g. meio repressivo e preventivo da prática de novos delitos; substitutivo da pena privativa de liberdade de curta duração; causa sub conditione de extinção da punibilidade). Havido com direito público subjetivio do réu pela doutrina preponderante, o sursis apresenta caráter nitidamente sancionatório (sobretudo após a Reforma Penal de 1984).

Trata-se, portanto, de recurso subsidiário à pena alternativa, não sendo

correto denominá-lo pena, nem mesmo mero benefício. É uma medida alternativa de

cumprimento de pena privativa de liberdade.

5.3 Requisitos, pressupostos do sursis etário e humanitário e condições

Segundo o artigo 77 e seus incisos do Código Penal, o sursis, de modo

geral, possui para sua concessão alguns requisitos. Divindindo-se em objetivos e

subjetivos.

São requisitos objetivos do sursis: 1) a qualidade da pena: ou seja, a pena

deve ser a Privativa de Liberdade, como já citado anteriormente, não podendo ser

concedido nas Penas Restritivas de Direito nem nas de Multa; 2) a quantidade da

pena: para que seja concedido o SURSIS, não poderá a pena ser superior a dois anos;

3) a impossibilidade de substituição de Pena Restritiva de Direito: o sursis tem

aplicação subsidiária às Penas Restritivas de Direito, ou seja, primeiramente,

deve ser observado se a Pena Privativa de Liberdade não pode ser substituída por

Pena Restritiva de Direito, e só então deve ser concedido o sursis.

33

Os requisitos subjetivos são os seguintes: 1) não reincidência do

condenado em crime doloso: ou seja, se o condenado por crime doloso comete, após

o trânsito em julgado, novo crime doloso, não poderá usufruir do sursis. Por outro

lado, se o condenado por crime doloso, com sentença em trânsito em julgado comete

novo crime culposo, isso não impede que seja concedido o sursis. Também é

aceitável o cometimento de contravenção mais crime doloso para a concessão; 2)

certas circunstâncias judiciais: maus antecedentes impedem a concessão do sursis,

não cabendo em hipótese de criminalidade violenta. O dolo não é elemento de

impedimento à concessão do sursis.

O artigo 77, parágrafo segundo do Código Penal, mostra-nos uma

possibilidade única que ocorre somente quando tratamos do sursis etário e

humanitário. A execução de pena não superior a quatro anos pode ser suspensa por

estes quatro anos ou mesmo por 6 anos, no máximo, quando o condenado for maior

de 70 anos ou possuir razões de saúde que assim o justifiquem. Note-se que se

estendeu o período de prova para até 6 anos.

Com a vigência da Lei 9.714/98, passou a enquadrar-se nesse tipo de

sursis aquele infrator em estado de saúde debilitado a ponto de justificar a

suspensão, tendo em vista os requisitos do sursis etário.

Devem ser também consideradas as condições legais, isto é, aquelas

previstas em lei, e as judiciais, aquelas impostas pelo juiz quando proferem a

sentença. Sobre essas condições, Prado (2013, p. 747) leciona:

As denominadas condições judiciais – discricionariamente impostas pelo juiz- deverão, necessariamente, adequar-se ao fato e à situação pessoal do condenado (art.79, CP). Isso significa dizer que é vedada a aplicação de condições que importem em violação aos direitos fundamentais da pessoa humana ou que se encontrem subordinadas a fatores alheios ao condenado. O juiz poderá, por exemplo, determinar que o benefíciário da suspensão condicional da pena frequente curso de habilitação profissional ou de instrução escolar, atenda aos encargos de família ou se submetam a tratamento de desintoxicação (vide artigo 698, §2º, do CP).

Sabemos da dificuldade que é para uma pessoa idosa locomover-se e que

a mesma dificuldade existe para aquele que possui problema de saúde. O princípio

da dignidade da pessoa humana está aí para todos e deve ser cumprido. Se existe

dificuldade de colocá-lo em prática frente às pessoas jovens e saudáveis, que dizer

no que concerne a idosos e aqueles que possuem problemas de saúde.

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Uma forma de amenizar esse problema, ao mesmo tempo já garantindo o

exercício do princípio da dignidade da pessoa humana, é a concessão do sursis

etário ou humanitário, como garantia de que os detentos em situação especial

cumprirão a pena em condições compatíveis com suas necessidades, o que também

consagra o princípio da isonomia.

5.4 Período de prova e revogação do sursis etário e humanitário

Chama-se período de prova aquele em que o condenado beneficiado com

sursis tem suspensa sua pena privativa de liberdade, enquanto cumpre as condições

impostas pelo juiz. No caso do sursis etário, esse período compreende 4 a 6 anos e,

nos demais casos, inclusive de sursis humanitário, o período varia de 2 a 4 anos.

A revogação do sursis pode ser obrigatória ou facultativa. Os casos de

revogação obrigatória estão dispostos no artigo 81 do Código Penal, segundo o qual

será revogado quandoo o infrator:

Art. 81 – [...] I – é condenado, em sentença irrecorrível, por crime doloso; II – frustra, embora solvente, a execução de pena de multa ou não efetua, sem motivo justificado, a reparação do dano; III – descumpre a condição do § 1° do art. 78 deste Código.

Dessa forma, quando o beneficiado com o sursis for condenado por

sentença irrecorrível por outro crime doloso, ou mesmo, descumprir quaisquer das

imposições feitas pelo juiz, e até não reparar o dano sem motivo justificado, poderá

ter revogado o sursis.

No entanto, quando for, o indivíduo, condenado, por outro crime doloso a

qual lhe tenha sido atribuída pena de multa, não será motivo de impedimento para a

consseção do sursis. Para exemplificar temos o artigo 155, parágrafo segundo do

Código Penal, onde temos: “Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa

furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um

a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa”.

Ressaltamos que o disposto no inciso II acima é considerado em desuso

uma vez que o artigo 51 do Código Penal, com redação dada pela Lei 9.268/96,

determina que a multa será considerada dívida de valor, aplicando-se, assim, a

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legislação concernente à dívida ativa da Fazenda Pública. Vejamos:

Entendemos que, com a nova redação do art. 51 do CP, determinada pela Lei 9.268/96, não existe mais essa hipótese de revogação. Se o ato de frustrar o pagamento da multa não mais acarreta a sua conversão em detenção, também não poderá, por nenhum outro modo, provocar a privação da liberdade (CAPEZ, 2012, p. 524).

Nos casos de revogação facultativa (art. 81, parágrafo primeiro, CP), o juiz

age discricionariamente, não possuindo obrigação de revogar o benefício, uma vez

que os casos de revogação obrigatória já estão elencados na lei. O juiz pode,

inclusive, em vez de revogar o sursis, apenas advertir o condenado ou prorrogar o

período de prova, ou mesmo aumentar o número de condições impostas para a

suspensão da pena.

Casos de revogação facultativa ocorrem quando o condenado descumpre

alguma das condições impostas pelo juiz para a concessão do benefício, ou o

sentenciado é condenado por crime culposo ou contravenção a pena restritiva de

direito ou privativa de liberdade. Cabe, então, ao juiz decidir se revoga a suspensão,

se dá uma advertência, se exige mais condições ou se prorroga a suspensão.

A prorrogação automática, tratada no art. 81, parágrafo segundo, do

Código Penal, ocorre quando o condenado está sendo processado pela prática de

qualquer infração penal, devendo tal prorrogação estender-se até o julgamento

definitivo. É facultativa quando o juiz, em vez de revogar o sursis, tem a faculdade de

prorrogar.

A lei fala em processado, logo a mera instauração de inquérito policial não dá causa à prorrogação do sursis. No momento em que o agente passa a ser processado (denúncia recebida) pela prática de qualquer infração penal, a pena, que estava suspensa condicionalmente, não pode mais ser extinta sem que se aguarde o desfecho do processo. A prorrogação, portanto é automática. Não importa se o juiz determinou ou não a prorrogação antes do término do período de prova. No exato momento em que a denúncia pela prática de crime ou contravenção foi recebida, ocorrea automática prorrogação [...] (CAPEZ, 2014, p. 216).

Quanto ao momento de sua concessão, o benefício do sursis é concedido

logo no início de cumprimento da pena provativa de liberdade, dela eximindo

completamente o condenado. Neste ponto, o sursis difere do Livramento

Condicional, concedido ao final do cumprimento de parte da pena.

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6 CONCLUSÃO

Tratamos do sursis etário e humanitário, que é aquele concedido ao

detento com idade igual ou acima de 70 anos ou, no caso do humanitário, motivado

por sua situação de saúde.

A partir do conhecimento das penitenciárias do nosso país, observamos

que estas não conseguem suprir as necessidades dessas pessoas de idade

avançada ou com problemas de saúde. É praticamente impossível, em ambientes tão

degradantes, garantir a seres humanos o mínimo de dignidade.

O que mais caracteriza o atual sistema carcerário brasileiro é a

superlotação, a falta de higiene, os abusos e desrespeitos à integridade física e moral

dos detentos, por parte tanto de outros detentos quanto de funcionários da própria

instituição penal.

O princípio da dignidade da pessoa humana, fruto de um estado

democrático de direito, um dos limites impostos ao poder do Estado no que concerne

à aplicação de penas aos condenados, caminha juntamente com o sursis etário e

humanitário, uma vez que este, ao possibilitar ao detento condições mais humanas

no cumprimento da sua pena, nada mais é do que a concretização, o exercício,

daquele princípio fundamental.

Diante do exposto, comprovamos a necessidade da concessão do sursis

etário ou humanitário, uma vez que o atual sistema carcerário torna pouco provável a

sobrevivência de detentos com idade avançada ou com problemas de saúde.

Ademais, esse benefício jurídico encontra-se em pleno acordo com o que

preceitua o princípio da dignidade da pessoa humana, tratando os iguais de forma

igual e os desiguais de acordo com sua desigualdade.

Portanto, o sursis, além de medida juridicamente perfeita, adequada e

coerente com os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito assumido

pelos brasileiros, é também medida completamente a favor da vida e saúde do preso,

valorizando-os enquanto seres humanos.

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REFERÊNCIAS

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