f i g u e ira artigo · acesso a um centro espiritual, existe uma singela árvore, cha- mada ......

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JULHO DE 2011 emoções humanas. Dá à lama o que a ela corresponde em vibra- ção. Não deves prosseguir, car- regando em tua bagagem cargas tão densas e pesadas. Alivia-te, e prossegue! O peregrino, um tanto descon- certado, adianta- se no caminho e novamente ouve: Ó peregrino, à tua frente vais atravessar os trilhos de uma linha férrea. Uma encruzilhada. Dei- xa para trás teus pensamentos, ideias, conceitos e preconceitos. Eles criam conflitos de energia dentro de ti, desnecessários à tua jornada. Se não te purificas, cor- res perigo em uma encruzilhada. – Aquieta-te. Acalma tua men- te. Alinha-te com a von- o canteiro central de um caminho de terra, que dá acesso a um centro espiritual, existe uma singela árvore, cha- mada sibipiruna. Foi plantada ali, há algum tempo, por alguém que talvez não tivesse total consciên- cia do real papel daquela árvore naquele local. Todavia, a consci- ência dévica que o inspirou, o sa- bia. Seu papel era tornar-se guar- diã do lugar sagrado, que só mais tarde iria se revelar ali. Certa vez, um peregrino colo- cou-se a caminho desse centro espiritual. Distraído, passou sob a frondosa copa da sibipiruna, que já estava atenta à sua chega- da, muito antes dele ali chegar. De repente, ele ouviu uma voz suave e firme, que não sabe de onde vinha. Ó peregrino, à tua frente vais cruzar um pequeno rio de águas turvas, lamacentas. Lança nele teus dese- jos, tuas paixões e N ARTIGO por Frei Ameino (Clemente)* Sibipiruna, guardiã do caminho tade superior em ti. Assim, não vais te perder em uma encruzi- lhada, e vais ser capaz de reco- nhecer o caminho correto que deves seguir. O peregrino começa a perceber que algo está se transformando dentro dele. E a voz prossegue: Ó peregrino, à tua frente vais atravessar uma alameda de ár- vores irmãs: aroeiras, painei- ras, coqueiros, eucaliptos e ale- crins. Juntas, vão completar tua purificação e teu alinhamento. Sê grato! O peregrino já não é mais o mesmo distraído que havia en- trado ali. Escuta agora a voz com atenção: – Ó peregrino, à tua fren- te vais encontrar um último sinal, antes que possas adentrar o lugar sagrado que almejas alcançar. O riacho de águas cristalinas, que ainda vais cruzar, oculta F I G U E I RA 24 anos * Ameino é médico clínico e pesquisador. Atualmente é frei da Ordem Graça Misericórdia.

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Page 1: F I G U E IRA ARTIGO · acesso a um centro espiritual, existe uma singela árvore, cha- mada ... purificação e teu alinhamento. Sê grato! o peregrino já não é mais o

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emoções humanas. Dá à lama o que a ela corresponde em vibra-ção. Não deves prosseguir, car-regando em tua bagagem cargas tão densas e pesadas. Alivia-te, e prossegue!o peregrino, um tanto descon-certado, adianta- se no caminho e novamente ouve:– Ó peregrino, à tua frente vais atravessar os trilhos de uma linha férrea. Uma encruzilhada. Dei-xa para trás teus pensamentos, ideias, conceitos e preconceitos. Eles criam conflitos de energia dentro de ti, desnecessários à tua jornada. Se não te purificas, cor-res perigo em uma encruzilhada.– Aquieta-te. Acalma tua men-te. Alinha-te com a von-

o canteiro central de um caminho de terra, que dá

acesso a um centro espiritual, existe uma singela árvore, cha-mada sibipiruna. Foi plantada ali, há algum tempo, por alguém que talvez não tivesse total consciên-cia do real papel daquela árvore naquele local. Todavia, a consci-ência dévica que o inspirou, o sa-bia. Seu papel era tornar-se guar-diã do lugar sagrado, que só mais tarde iria se revelar ali.Certa vez, um peregrino colo-cou-se a caminho desse centro espiritual. distraído, passou sob a frondosa copa da sibipiruna, que já estava atenta à sua chega-da, muito antes dele ali chegar. de repente, ele ouviu uma voz suave e firme, que não sabe de onde vinha.– Ó peregrino, à tua frente vais cruzar um pequeno rio de águas turvas, lamacentas. Lança nele teus dese-jos, tuas paixões e

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ARTIGO

por Frei Ameino (Clemente)*

Sibipiruna, guardiã do caminho

tade superior em ti. Assim, não vais te perder em uma encruzi-lhada, e vais ser capaz de reco-nhecer o caminho correto que deves seguir. o peregrino começa a perceber que algo está se transformando dentro dele. e a voz prossegue:– Ó peregrino, à tua frente vais atravessar uma alameda de ár-vores irmãs: aroeiras, painei-ras, coqueiros, eucaliptos e ale-crins. Juntas, vão completar tua purificação e teu alinhamento. Sê grato!o peregrino já não é mais o mesmo distraído que havia en-trado ali. escuta agora a voz com atenção:

– Ó peregrino, à tua fren-te vais encontrar um

último sinal, antes que possas adentrar o lugar sagrado que almejas alcançar.

O riacho de águas cristalinas, que

ainda vais c r u z ar,

oculta

F I G U E I R A

24 anos

* Ameino é médico clínico e pesquisador. Atualmente é frei da Ordem Graça Misericórdia.

Page 2: F I G U E IRA ARTIGO · acesso a um centro espiritual, existe uma singela árvore, cha- mada ... purificação e teu alinhamento. Sê grato! o peregrino já não é mais o

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ARTIGO

um portal. Deixa antes para trás tuas boas intenções humanas, teus desejos de cresceres e de te curares.– Dependura tuas velhas vestes e descalça os pés de teus sapatos suados e gastos, antes de atraves-sar o portal e prosseguir. Depois, segue em silêncio.– Vais entrar agora em um lugar sagrado, onde o Espírito vive, tudo vê, e jamais descansa. Só Ele conhece tuas necessidades re-ais, que nem mesmo tu conheces. Conhece tua origem, teu destino, teus dons e qualidades; tam-bém tuas falhas, imperfeições e dificuldades. Se te entregas a Ele, tudo em ti será suprido, no tempo que só Ele sabe. Segue os novos sinais que vais encontrar pelo caminho.o peregrino não sabe ainda o que realmente aconteceu. Sabe apenas que tudo se deu no mo-mento em que internamente se encontrou com a consciência dévica daquela guardiã do ca-minho, a sibipiruna.Ao deixar agora aquele lugar sagrado, percebe-se mais aten-to e alinhado. Sente-se maduro para irradiar o que vivenciou, no mais profundo do seu ser. Ao passar novamente pela sibipi-runa, escutou ainda uma outra vez, sua voz:– Ó peregrino, agora estás dei-xando um lugar sagrado. Cui-da-te. Não voltes a colocar sobre ti as vestes antigas que deixaste para trás. Não te demores em encruzilhadas, mais do que o ne-cessário, para que o perigo não paire sobre ti. Deixa para trás o rio lamacento que acabaste de cruzar, e não voltes a sujar de lama teus pés.

– Mantém acesa em ti a chama que acabaste de vivificar. Tem cui-dado com caminhos largos, fáceis, cheios de atrativos e tentações, que vais encontrar pela frente. Não te distraias pelo caminho. Tem cui-dado com o mundo lá fora que te quer de volta, aprisionado e en-torpecido, para dele nunca mais te deixar sair.– Segue em frente. Tens a minha paz. Minha aura te acompanha e te protege. Dou-te a bênção, pois a recebo continuamente do Espí-rito, e só assim posso abençoar. Abençoa também teus irmãos ao longo do caminho que agora tens pela frente.

Sibipiruna, fogo na matéria

Siwe’pyra’una, do tupi-guarani, pode assim ser traduzido: “ma-deira forte que sustenta potente fogo purificador”, ou ainda “vaso em que arde um fogo purifica-dor”. Pyra, do latim, pode signi-ficar: “altar do sacrifício”.os fogos do espírito queimam sem arder. Assim, podem quei-mar e purificar cada partícula do ser. A sibipiruna revela externa-mente também esse potente fogo purificador. Basta estar atento e observar, ao amanhecer de cada dia, as vestes puras que usa: sua folhagem verdejante, sua sombra acolhedora; seu porte amoroso e firme, e por que não, elegante; sua floração irradiante e encantadora.Sibipiruna, os fogos das entra-nhas da Terra e os fogos dos con-fins do espaço se unem em tua essência! n

Este texto integra a coletânea “Histórias que as árvores nos contaram”, em preparação.

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24 anos