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O DECRETO Nº 8.426/2015 E A EXIGÊNCIA DA CONTRIBUIÇÃO PARA
O PIS E DA COFINS SOBRE AS RECEITAS FINANCEIRAS – ANÁLISE
DA CONSTITUCIONALIDADE SOB O PRISMA DOS PRINCÍPIOS DA
LEGALIDADE E DA NÃO-CUMULATIVIDADE
Igor Henrique Salles Magalhães
Resumo: Recentemente foi editado pelo Poder Executivo Federal o Decreto nº 8.426/15, com
produção de efeitos a partir de 1º de julho de 2015, revogando o Decreto nº 5.442/2005, e
instituindo a tributação pela Contribuição para o PIS e pela COFINS das receitas financeiras
auferidas pelas pessoas jurídicas submetidas (ainda que parcialmente) ao regime da não-
cumulatividade dessas contribuições, no percentual total de 4,65% (quatro vírgula sessenta e
cinco por cento). A via eleita, contudo, não resiste à análise criteriosa e está inquinada de
inconstitucionalidade, na medida em que esbarra nos mais comezinhos direitos e garantias
constitucionais dos contribuintes, quais sejam, os princípios da Legalidade e da Não-
Cumulatividade.
Palavras-Chave: Contribuição para o PIS. COFINS. Decreto nº 8.426/15. Constitucionalidade.
Princípio da Legalidade. Princípio da Não-Cumulatividade.
I. INTRODUÇÃO E APRESENTAÇÃO DO TEMA - BREVE DIGRESSÃO
LEGISLATIVA SOBRE A CONTRIBUIÇÃO PARA O PIS E A COFINS – A
TRIBUTAÇÃO DAS RECEITAS FINANCEIRAS
I.1. Em um breve escorço legislativo, enquanto a Contribuição para o Financiamento da
Seguridade Social – COFINS foi instituída pela Lei Complementar nº 70/1991, pela outorga
do art. 195, I, da CF/88, a Contribuição para o PIS foi introduzida pela Lei Complementar nº
7/70, e ambas são devidas pelas pessoas jurídicas, inclusive a elas equiparada pela legislação
do imposto de renda, destinavam-se às despesas com atividades-fim da Seguridade Social
(áreas de saúde, previdência e assistência social) ou à integração do empregado ao
desenvolvimento das atividades das empresas, e apresentavam como fato gerador e base de
cálculo (aspectos material e quantitativo da hipótese de incidência tributária) o
“Faturamento”.
Após a declaração de inconstitucionalidade dos Decretos-Lei nos 2.445/88 e 2.449/88 pelo c.
Supremo Tribunal Federal, foi publicada em novembro/1995 a Medida Provisória nº 1.212,
reeditada sucessivamente até a MP-1.676-38/98, logo convertida na Lei 9.715/98, que em seu
art. 2º, I, e art. 3º descrevem a base de cálculo da “Contribuição para o PIS” como sendo o
“faturamento do mês”. Já em novembro/1998 foi publicada a Medida Provisória nº 1.724/98,
convertida, com alterações, na Lei nº 9.718, de 27.11.98, para, no que aqui interessa, elastecer
a hipótese material de incidência da “Contribuição ao PIS” e da “COFINS”, ex vi do art. 3º:
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Art. 3º - “O faturamento a que se refere o artigo anterior corresponde à receita bruta da pessoa
jurídica.
§1º. Entende-se por receita bruta a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo
irrelevantes o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotadas pelas receitas.”
Ocorre que, ao tempo da edição da Lei 9.718/98, inexistia permissivo constitucional a
autorizar a incidência indiscriminada das mencionadas exações sobre as “Receitas”, de forma
ampla e irrestrita, mas apenas sobre o “faturamento”, entendido como a receita proveniente da
venda de mercadorias e/ou prestação de serviços (conforme o objeto social do contribuinte).
Tal expansão, em rigor, somente restou legitimada com a Emenda Constitucional nº 20, de 15
de dezembro de 1998, cujo art. 1º deu nova redação ao art. 195, I, da Carta Magna, para
literalmente incluir aludida expressão1. Assim, no julgamento dos Recursos Extraordinários
nos 357950, 390840, 358273 e 346084, o Pleno do e. STF não hesitou em declarar a
inconstitucionalidade do art. 3º, §1º, da Lei 9718/98, concluindo que o conceito de
faturamento dado pelo referido dispositivo extrapolou a previsão do art. 195, I, da CF, vigente
à época de sua edição, e a própria interpretação consagrada pela Corte (que restringia o
verbete “faturamento” à receita decorrente da venda de mercadorias e da prestação de
serviços). Posteriormente, com a edição da Lei 11.941/2009, tal dispositivo quedou
terminantemente revogado.
I.2. Conforme cediço, com vistas a corrigir as inconstitucionalidades evidenciadas, foram
editadas as Leis Ordinárias nos 10.637/2002 e 10.833/2003, que estabeleceram o faturamento
como hipótese material de incidência da “Contribuição para o PIS” e da “COFINS” (na exata
amplitude da Lei 9.718/98), tida como o total das receitas auferidas pelo contribuinte, e
instituíram a sistemática não cumulativa para tais exações:
LEI n.° 10.637/2002
“Art. 1o A contribuição para o PIS/Pasep tem como fato gerador o faturamento mensal, assim
entendido o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação
ou classificação contábil.
§1o Para efeito do disposto neste artigo, o total das receitas compreende a receita bruta da venda de
bens e serviços nas operações em conta própria ou alheia e todas as demais receitas auferidas pela
pessoa jurídica. ” (original sem destaques)
LEI N.° 10.833/2003
“Art. 1o A Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - COFINS, com a incidência não-
cumulativa, tem como fato gerador o faturamento mensal, assim entendido o total das receitas
auferidas pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil.
§ 1o Para efeito do disposto neste artigo, o total das receitas compreende a receita bruta da venda de
bens e serviços nas operações em conta própria ou alheia e todas as demais receitas auferidas pela
pessoa jurídica.
§ 2o A base de cálculo da contribuição é o valor do faturamento, conforme definido no caput. ” (original
sem destaques)
1 Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da
lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, e das seguintes contribuições sociais: (Vide Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
I - dos empregadores, incidente sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro;
II - dos trabalhadores;
I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: (Redação dada
pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física
que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
b) a receita ou o faturamento; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
c) o lucro; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)
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Os dispositivos legais transcritos dispõem que o “fato gerador” da contribuição ao PIS e da
COFINS é o faturamento mensal, assim entendido como o total das receitas auferidas pela
pessoa jurídica, compreendendo a receita da venda de bens e serviços e todas as demais
receitas auferidas pela pessoa jurídica, incluindo receitas ditas “não-operacionais”.
Adicionalmente, em abril/2004 foi publicada a Lei Federal nº 10.865/2004, que deu nova
redação ao inciso V do art. 3º da Lei 10.833/2003 e ao inciso V do art. 3º da Lei
10.637/20022, de modo a excluir a previsão legal de apropriação de créditos em relação às
despesas financeiras decorrentes de empréstimos e financiamentos, ao mesmo tempo que
através do art. 27, §2º, outorgou ao Poder Executivo a faculdade de instituir, majorar ou
reduzir as alíquotas da “Contribuição para o PIS” e da “COFINS” incidentes sobre as receitas
financeiras, ex vi:
Art. 27. O Poder Executivo poderá autorizar o desconto de crédito nos percentuais que estabelecer e
para os fins referidos no art. 3o das Leis nos 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e 10.833, de 29 de
dezembro de 2003, relativamente às despesas financeiras decorrentes de empréstimos e financiamentos,
inclusive pagos ou creditados a residentes ou domiciliados no exterior.
§ 1o Poderão ser estabelecidos percentuais diferenciados no caso de pagamentos ou créditos a residentes
ou domiciliados em país com tributação favorecida ou com sigilo societário.
§ 2o O Poder Executivo poderá, também, reduzir e restabelecer, até os percentuais de que tratam os
incisos I e II do caput do art. 8o desta Lei, as alíquotas da contribuição para o PIS/PASEP e da
COFINS incidentes sobre as receitas financeiras auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime
de não-cumulatividade das referidas contribuições, nas hipóteses que fixar.
§ 3o O disposto no § 2o não se aplica aos valores decorrentes do ajuste a valor presente de que trata
o inciso VIII do caput do art. 183 da Lei no 6.404, de 15 de dezembro de 1976. (Incluído pela Lei nº
12.973, de 2014) (Vigência)
Nessa ordem de ideias, em dezembro/2004 foi editado o Decreto nº 5.164/2004, cujo art. 1º
reduziu a zero as alíquotas da Contribuição para o PIS e da COFINS incidentes sobre as
“receitas financeiras”, ainda que a pessoa jurídica esteja apenas parcialmente submetida ao
regime da não-cumulatividade. Na oportunidade, foram excepcionadas (e, por consequência
lógica, mantida a tributação) apenas as receitas financeiras oriundas de juros sobre capital
próprio e as decorrentes de operações de hedge. Posteriormente, em maio/2005 foi editado o
Decreto nº 5.442/2005, que apesar de revogar o Decreto nº 5.164/2004, manteve quase que
indene seu conteúdo, acrescentando apenas que as receitas decorrentes de hedge também
teriam as alíquotas reduzidas a 0% (zero), para as pessoas jurídicas que se submetessem
(ainda que parcialmente) à sistemática não-cumulativa da Contribuição para o PIS e da
COFINS, mantendo a tributação das exações somente dos valores pagos a título de juros sobre
o capital próprio. Assim:
“Art. 1o Ficam reduzidas a zero as alíquotas da Contribuição para o PIS/PASEP e da Contribuição para
o Financiamento da Seguridade Social - COFINS incidentes sobre as receitas financeiras, inclusive
2 Art. 3o Do valor apurado na forma do art. 2o a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em
relação a:
V - valor das contraprestações de operações de arrendamento mercantil de pessoa jurídica, exceto de optante
pelo Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de
Pequeno Porte – SIMPLES; (Redação dada pela Lei nº 10.865, de 2004)
V - despesas financeiras decorrentes de empréstimos, financiamentos e o valor das contraprestações de
operações de arrendamento mercantil de pessoa jurídica, exceto de optante pelo Sistema Integrado de
Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte - SIMPLES;
(Redação original)
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decorrentes de operações realizadas para fins de hedge, auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas ao
regime de incidência não-cumulativa das referidas contribuições.
Parágrafo único. O disposto no caput:
I - não se aplica aos juros sobre o capital próprio;
II - aplica-se às pessoas jurídicas que tenham apenas parte de suas receitas submetidas ao regime de
incidência não-cumulativa da Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS.
(...)”
Ocorre que, para alvoroço de parte do empresariado nacional, no contexto de dificuldade de
caixa da União Federal, mais recentemente foi publicado no Diário Oficial da União o
Decreto nº 8.426/2015, com produção de efeitos a partir de 1º de julho de 2015, revogando o
Decreto nº 5.442/2005, e instituindo a tributação pela Contribuição para o PIS e pela COFINS
das receitas financeiras auferidas pelas pessoas jurídicas submetidas (ainda que parcialmente)
ao regime da não-cumulatividade dessas contribuições, no percentual total de 4,65% (quatro
vírgula sessenta e cinco por cento), além de manter a regra anterior atinente aos juros sobre
capital próprio (às alíquotas máximas de 1,65% e 7,6%, respectivamente da contribuição para
PIS e da COFINS). Eis o teor do Decreto:
“Art. 1º Ficam restabelecidas para 0,65% (sessenta e cinco centésimos por cento) e 4% (quatro por
cento), respectivamente, as alíquotas da Contribuição para os Programas de Integração Social e de
Formação do Patrimônio do Servidor Público - PIS/PASEP e da Contribuição para o Financiamento da
Seguridade Social - COFINS incidentes sobre receitas financeiras, inclusive decorrentes de operações
realizadas para fins de hedge, auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime de apuração não-
cumulativa das referidas contribuições.
§ 1º Aplica-se o disposto no caput inclusive às pessoas jurídicas que tenham apenas parte de suas
receitas submetidas ao regime de apuração não-cumulativa da Contribuição para o PIS/PASEP e da
COFINS.
§ 2º Ficam mantidas em 1,65% (um inteiro e sessenta e cinco centésimos por cento) e 7,6% (sete inteiros
e seis décimos por cento), respectivamente, as alíquotas da Contribuição para o PIS/PASEP e da
COFINS aplicáveis aos juros sobre o capital próprio.
§ 3º Ficam mantidas em zero as alíquotas das contribuições de que trata o caput incidentes sobre receitas
financeiras decorrentes de variações monetárias, em função da taxa de câmbio, de: (Incluído pelo Decreto
nº 8.451, de 2015) (Produção de efeito)
I - operações de exportação de bens e serviços para o exterior; e (Incluído pelo Decreto nº 8.451, de
2015) (Produção de efeito)
II - obrigações contraídas pela pessoa jurídica, inclusive empréstimos e financiamentos. (Incluído pelo
Decreto nº 8.451, de 2015) (Produção de efeito)
§ 4º Ficam mantidas em zero as alíquotas das contribuições de que trata o caput incidentes sobre receitas
financeiras decorrentes de operações de cobertura (hedge) realizadas em bolsa de valores, de mercadorias
e de futuros ou no mercado de balcão organizado destinadas exclusivamente à proteção contra riscos
inerentes às oscilações de preço ou de taxas quando, cumulativamente, o objeto do contrato
negociado: (Incluído pelo Decreto nº 8.451, de 2015) (Produção de efeito)
a) estiver relacionado com as atividades operacionais da pessoa jurídica; e (Incluído pelo Decreto nº 8.451,
de 2015) (Produção de efeito)
b) destinar-se à proteção de direitos ou obrigações da pessoa jurídica. (Incluído pelo Decreto nº 8.451,
de 2015) (Produção de efeito)
Art. 2º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos a partir de 1º de julho
de 2015. ”
Todavia, ao assim dispor, o Decreto nº 8.426/2015 está inquinado de flagrante
inconstitucionalidade, por patente violação ao Princípio da Legalidade, já que não é veículo
próprio para instituir ou majorar tributos, na esteira do art. 150, I, da Constituição Federal.
Lado outro, ofende ainda o Princípio da Não-Cumulatividade da Contribuição para o PIS e da
COFINS, porquanto embora tenha determinado a tributação dessas rubricas, não concedeu ao
contribuinte o respectivo direito ao crédito, ex vi do art. 27, §2º, da Lei Federal nº
10.865/2004.
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II. A INCONSTITUCIONALIDADE DO DECRETO Nº 8.426/15
II.1. A VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
II.1.1. Inserto na Seção II do Capítulo atinente ao Sistema Tributário Nacional, o “Princípio
da Legalidade” constitui uma das limitações constitucionais ao poder de tributar e está
delineado no art. 150, inciso I, da Constituição Federal, que preconiza:
“SEÇÃO II - DAS LIMITAÇÕES DO PODER DE TRIBUTAR Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados,
ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;
(...)”
O Primado da Legalidade é a própria expressão do Estado de Direito, no qual a “Lei” é
concebida como manifestação da “Soberania Popular”. Na órbita tributária, a exigência de lei
(em sentido estrito) para instituição ou majoração dos tributos almeja legitimar, sob a ótica da
expressão popular, a expropriação do patrimônio particular, evitando que imposições
confiscatórias, desmesuradas ou irrazoáveis acometam o contribuinte, típicas da
Administração Pública Executiva. Em suma, pretende refletir sobre tão importante atividade
estatal a soberania popular, fonte última de legitimidade do Estado Democrático de Direito. A
esse respeito, o i. Professor Sacha Calmon Navarro Coelho:
“155. O Princípio da Legalidade
É hora de colocar, finalmente, a questão.
O princípio da legalidade, em matéria tributária, forceja no rumo de ser absoluto. Vale dizer, o ato do
Estado que põe a tributação deve ser ato legislativo em sentido formal e material (lei estrita e escrita).
(...)
Indispensável que a tributação decorra da lei (em sentido formal e material). Ao Executivo cabe apenas
catar submissão ao texto legal, cumpri-lo, aplicá-lo, expedindo os atos administrativos que se fizerem
necessários, sob a fiscalização do Judiciário, controlador da legalidade de seus atos funcionais.
(...)
Tanto quanto o Direito Penal, o Direito Tributário registra, ao longo de uma evolução histórica, a luta
indormida dos povos para submeter o poder dos governantes ao primado da legalidade. O jus puniendi e
o jus tributandi foram, antanho, absolutos. Hoje todavia, se repete por toda parte: nullum tributum, nulla
poena sine lege. Assim o quer a consciência jurídica hodierna. Estado de Direito e legalidade na
tributação são termos equivalentes. Onde houver Estado de Direito haverá respeito ao princípio da
reserva de lei em matéria tributária. Onde prevalecer o arbítrio tributário certamente inexistirá Estado
de Direito. E, pois, liberdade e segurança tampouco existirão.
(...)
Os princípios jurídicos da legalidade, anterioridade e irretroatividade da lei tributária encontram
justificação singela e promanam diretamente da experiência dos povos:
a) O princípio da legalidade significa que a tributação deve ser decidida não pelo chefe de
governo, mas pelos representantes do povo, livremente eleitos para fazer as leis;
(...)”
(“Comentários à Constituição de 1988 – Sistema Tributário”, p. 275/277, Ed. Forense, Rio de Janeiro,
1992) (grifos nossos)
O professor e Juiz Leandro Paulsen destaca que “O conteúdo normativo da legalidade
tributária extrapola o da legalidade geral. A legalidade tributária implica reserva absoluta de
lei, impondo que os tributos sejam instituídos não apenas com base em lei ou por autorização
legal, mas pela própria lei, dela devendo ser possível verificar os aspectos da norma
tributária impositiva de modo a permitir ao contribuinte o conhecimento dos efeitos
tributários dos atos que praticar ou posições jurídicas que assumir. Não há a possibilidade de
delegação de competência legislativa ao Executivo para que institua tributo, qualquer que
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seja, tampouco para que integre a norma tributária impositiva, ressalvas apenas as
atenuações através das quais a própria constituição, de modo excepcional, autoriza a
graduação de alíquotas pelo Executivo. Importa que se tenha a possibilidade de determinar,
com suporte direto na lei, quais as situações que implicam o surgimento da obrigação
tributária, quando e em que momento tal se dá, quais os sujeitos da relação tributária e como
calcular o montante devido, independentemente de complementação de cunho normativo por
parte do Executivo, ainda que a título de regulamentação intra legem. A análise do
atendimento ou não, por uma lei, à reserva absoluta faz-se pela verificação da
determinabilidade mediante o critério de suficiência. A lei deve, necessariamente, conter
referências suficientes, em quantidade e densidade, para garantir a certeza do direito. “
(Direito Tributário – Constituição e Código Tributário à luz da Doutrina e da Jurisprudência, 9ª
edição, Ed. Livraria do Advogado, Porto Alegre, 2007, pag. 170) grifos nossos
Nessa ordem de ideias, somente a própria Constituição Federal poderia excepcionar a regra da
Legalidade, o que fez no art. 153, §1º3, restritamente ao Imposto de Importação, ao Imposto de
Exportação, ao IPI (imposto sobre produtos industrializados) e ao IOF (tributos regulatórios do
comércio exterior), e no art. 177, §4º, I, b, que possibilita ao Executivo reduzir ou restabelecer
alíquotas da contribuição de intervenção no domínio econômico (CIDE). Logo, se a
Constituição Federal não dispensou a Contribuição para o PIS e a COFINS da observância do
Princípio da Legalidade (para instituição ou majoração de tributos), não poderia a lei (ao
delegar) e muito menos um Decreto (ao efetivamente instituir ou majorar), validamente fazê-lo,
sob pena de evidente inconstitucionalidade formal!
Ao analisar situações distintas, mas com questões de fundo semelhantes à discutida no presente
mandamus, o e. STF manifestou entendimento favorável ao contribuinte, no sentido de
reservar ao Poder Legislativo a competência para fixação e alteração da alíquota de tributo.
Vejamos:
“TRIBUTÁRIO. SALÁRIO-EDUCAÇÃO. PERÍODO ANTERIOR À LEI N.º 9.424/96. ALEGADA
INCONSTITUCIONALIDADE, EM FACE DA EC 01/69, VIGENTE QUANDO DA EDIÇÃO DO
DECRETO-LEI N.º 1.422/75, POR OFENSA AO PRINCÍPIO DA ESTRITA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA,
CONSAGRADO NOS ARTS. 153, § 2.º, E 178, E AO PRINCÍPÍO DA VEDAÇÃO DA DELEGAÇÃO DE
PODERES, PREVISTO NO ART. 6.º, PARÁGRAFO ÚNICO. ALEGADA CONTRARIEDADE, AINDA, AO
ART. 195, I, DA CF/88. CONTRIBUIÇÃO QUE, DE RESTO, FORA REVOGADA PELO ART. 25 DO
ADCT/88. Contribuição que, na vigência da EC 01/69, foi considerada pela jurisprudência do STF como
de natureza não tributária, circunstância que a subtraiu da incidência do princípio da legalidade estrita,
não se encontrando, então, na competência do Poder Legislativo a atribuição de fixar as alíquotas de
contribuições extratributárias. O art. 178 da Carta pretérita, por outro lado, nada mais fez do que conferir
natureza constitucional à contribuição, tal qual se achava instituída pela Lei n.º 4.440/64, cuja estipulação
do respectivo quantum debeatur por meio do sistema de compensação do custo atuarial não poderia ser
cumprida senão por meio de levantamentos feitos por agentes da Administração, donde a fixação da
alíquota haver ficado a cargo do Chefe do Poder Executivo. Critério que, todavia, não se revelava
arbitrário, porque sujeito à observância de condições e limites previstos em lei. A CF/88 acolheu o salário-
educação, havendo mantido de forma expressa - e, portanto, constitucionalizado -, a contribuição, então
3 Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
I - importação de produtos estrangeiros;
II - exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados;
III - renda e proventos de qualquer natureza;
IV - produtos industrializados;
V - operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários;
VI - propriedade territorial rural;
VII - grandes fortunas, nos termos de lei complementar.
§ 1º É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as
alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V.
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vigente, a exemplo do que fez com o PIS-PASEP (art. 239) e com o FINSOCIAL (art. 56 do ADCT),
valendo dizer que a recepcionou nos termos em que a encontrou, em outubro/88. Conferiu-lhe, entretanto,
caráter tributário, por sujeitá-la, como as demais contribuições sociais, à norma do seu art. 149, sem
prejuízo de havê-la mantido com a mesma estrutura normativa do Decreto-Lei n. º 1.422/75 (mesma
hipótese de incidência, base de cálculo e alíquota), só não tendo subsistido à nova Carta a delegação
contida no § 2.º do seu art. 1.º, em face de sua incompatibilidade com o princípio da legalidade a que, de
pronto, ficou circunscrita. Recurso não conhecido. ” (STF, RExt 290.079/SC, Pleno, Rel. Min. Ilmar
Galvão, 17/10/2001) Grifos insertos
“CONTRIBUIÇÃO DEVIDA AO INSTITUTO DO AÇÚCAR E DO ÁLCOOL - IAA. - O Plenário desta
Corte, ao julgar o RE 158.208, reconheceu a constitucionalidade, em face da Constituição de 1967 e da
Emenda Constitucional nº 1/69, da contribuição instituída em favor do IAA pelo Decreto-Lei 308/67,
alterado pelos Decretos-Leis 1.712/79 e 1.952/82. - De outra parte, ao julgar o RE 214.206, esse mesmo
Plenário não só afastou, com relação a essa contribuição, a alegação de ofensa ao artigo 149 da
Constituição de 1988, mas também a entendeu recebida por esta em consonância com o disposto no artigo
34, § 5º, do ADCT, só se tendo por incompatível com a referida Carta Magna a possibilidade de a
alíquota dessa contribuição variar ou ser fixada por autoridade administrativa, dado o princípio da
legalidade. Recurso extraordinário conhecido e provido. (STF, RExt 238.166/SP, Primeira Turma, Rel.
Min. Moreira Alves, 05/06/2001) (grifos nossos)
Com efeito, na esteira do art. 150, I, da Constituição Federal, aos entes tributantes somente é
permitido instituir ou majorar tributos por intermédio de lei em sentido estrito. Violado esse
preceito, a exação instituída ou majorada estará inquinada de flagrante inconstitucionalidade
formal.
Na hipótese em tela, anteriormente à edição do Decreto nº 8.426/2015, as “receitas não
operacionais” (receitas financeiras) estavam submetidas à “alíquota zero”, nada havendo a
recolher a título dessa exação. Após a edição do Decreto nº 8.426/2015, contudo, por via
manifestamente imprópria, passaram a ser tributadas sob as alíquotas de 0,65% (Contribuição
para o PIS) e 4% (COFINS), o que configura notória “majoração de tributo”, quando
contrastado o status quo ante e o status superveniente, o que, por sua vez, somente poderia ser
efetivado através de “lei” em sentido estrito.
Noutros termos, quando utilizado o critério adequado para a análise do caso (comparação da
situação jurídica do contribuinte antes e após a edição do Decreto nº 8.426/15), denota-se
cristalina majoração de tributos pelo malfadado Decreto, na medida em que saiu-se da
alíquota zero para atingir-se a alíquota conjunta de 4,65% (quatro vírgula sessenta e cinco por
cento). Tendo em vista que a sobredita majoração se deu por via inapta à moldura
constitucional (já que decreto não possui o condão de majorar tributos), o Decreto 8.426/15
afigura-se inconstitucional, a teor do que leciona o i. Professor Maurício Barros:
“Ocorre que a alteração de alíquotas de tributos é matéria bastante cara à CF/1988. Tanto é assim que,
não satisfeita com a cláusula geral de legalidade presente no artigo 5º, inciso II, o constituinte originário
previu uma cláusula específica para a legalidade no âmbito tributário, ao vedar que os entes tributantes
exijam ou aumentem tributo sem lei que o estabeleça (artigo 150, inciso I, da CF/1988). Além disso,
somente constam permissões de alterações de alíquotas de tributos, pelo Poder Executivo (ou seja, de
maneira infralegal), quanto a alguns impostos de competência da União Federal (Imposto de
Importação, Imposto de Exportação, Imposto sobre Produtos Industrializados e Imposto sobre
Operações de Crédito, Câmbio, Seguro e Títulos ou Valores Mobiliários), impostos esses que, à exceção
do IPI, são dotados de caráter regulatório (funções precipuamente extrafiscais). Desse modo, quaisquer
outras alterações de alíquotas, por meios infralegais, são inconstitucionais, ante o silêncio eloquente da
Carta. ”
(“PIS/COFINS sobre as Receitas Financeiras no Regime não Cumulativo: Ponderações sobre algumas
patologias do Decreto nº 8.426/2015”, in Revista Dialética de Direito Tributário nº 239, Editora Dialética,
p. 118) (grifos nossos)
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Entrementes, nem se pode cogitar que o art. 27, §2º, da Lei Federal nº 10.865/04 autorizou ao
Poder Executivo promover, a seu bel-prazer, a instituição ou majoração das alíquotas da
Contribuição para o PIS e da COFINS incidentes sobre as receitas financeiras. A competência
tributária do Poder Legislativo é INDELEGÁVEL, especificamente no tocante à instituição
ou majoração da alíquota do tributo, tal qual o “Princípio da Indelegabilidade de
Competência” descrito no caput e inciso I, do art. 48 c/c o §1º, do art. 68 c/a os arts. 22, 24, I
e XII, e 149, todos da Constituição Federal. A esse respeito a exegese consolidada do e.
Supremo Tribunal Federal, acerca da inconstitucionalidade de atos normativos que delegavam
ao Poder Executivo a fixação de alguns dos aspectos da norma tributária:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – TRATAMENTO TRIBUTÁRIO PREFERENCIAL –
AUSÊNCIA DE CONSENSO DAS UNIDADES DA FEDERAÇÃO – ADEQUAÇÃO. (...) TRIBUTO –
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE – DELEGAÇÃO AO PODER EXECUTIVO – ALÍQUOTA –
IMPROPRIEDADE. Surge discrepante da Constituição Federal lei por meio da qual se delega ao
Poder Executivo fixação de alíquota de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS,
pouco importando a previsão, na norma, de teto relativo à redução. (...)
(ADI 3674, Relator (a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 01/06/2011, DJe-123
DIVULG 28-06-2011 PUBLIC 29-06-2011 EMENT VOL-02553-01 PP- 00011)
CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO. IMPOSTO SOBRE PRODUTOS
INDUSTRIALIZADOS. IMPORTAÇÃO. ARRENDAMENTO MERCANTIL (LEASING).
INCIDÊNCIA.
(...) 4. Contrariedade à regra da legalidade (art. 150, I da Constituição), porque a alíquota do imposto
de importação foi definida por decreto, e não por lei em sentido estrito. O art. 153, § 1º da Constituição
estabelece expressamente que o Poder Executivo pode definir as alíquotas do II e do IPI, observados os
limites estabelecidos em lei. 5. Vilipêndio do dever fundamental de prestação de serviços de saúde (art.
196 da Constituição), pois o bem tributado é equipamento médico (sistema de tomografia
computadorizada). Impossibilidade. Não há imunidade à tributação de operações ou bens relacionados à
saúde. Leitura do princípio da seletividade. Recurso extraordinário conhecido, mas ao qual se nega
provimento.
(RE 429306, Relator (a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 01/02/2011, DJe-
049 DIVULG 15-03-2011 PUBLIC 16-03-2011 EMENT VOL-02482-01 PP-00099)
Assim, igualmente sob a perspectiva constitucional, à luz dos precedentes acima aventados e
da impossibilidade de delegação da competência para fixação dos variados aspectos da
hipótese de incidência tributária, também é discutível a constitucionalidade da delegação
aventada no art. 27, §2º, da Lei Federal nº 10.865/2004.
Na essência, sob a inspiração do art. 150, I, da Constituição Federal (que apenas pode ser
adequadamente compreendido como limitação ao poder de tributar e garantia constitucional
unilateral do contribuinte), a lei somente poderia delegar ao Poder Executivo a possibilidade
de reduzir tributos, mas nunca majorá-los. Logo, quando instrumentaliza aumento de tributos
(através da majoração da alíquota ou alargamento da base de cálculo), o Poder Executivo se
vale da faculdade delineada no art. 27, §2º, da Lei Federal nº 10.865/2004, qualificando-se
como inconstitucional. Já quando reduz tributos, dadas as prerrogativas que lhe são inerentes,
e independente de outorga legislativa, o Poder Executivo atua de forma desvinculada do art.
27, §2º da Lei Federal nº 10.865/2004, sendo despiciendo arguir a constitucionalidade do
dispositivo.4
4 O autor não desconhece que o Código Tributário Nacional, no art. 97, II, estabelece que somente a lei pode
determinar a redução de tributos. Há dúvida, porém, se o dispositivo em voga, proveniente da redação original da
Lei nº 5.172/66, especificamente no tocante à “redução”, foi recepcionado pela nova ordem constitucional,
notadamente porque extrapola os limites do art. 150, I, da Constituição Federal, e subverte o “Princípio da
Legalidade”, concebendo-o como instrumento de proteção estatal (quando, na verdade, apenas pode ser
concebido como limitação constitucional ao poder de tributar e direito/garantia fundamental do contribuinte).
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No afã de legitimar as inconstitucionalidades ensejadas pelo Decreto nº 8.426/15, a d. Receita
Federal do Brasil, no que tem sido acompanhada por algumas decisões judiciais, tem
justificado que o normativo em questão apenas reestabeleceu as alíquotas originais, o que
descaracterizaria a “majoração de tributos” e tornaria despicienda a edição de lei em sentido
estrito.
Tal raciocínio, contudo, é manifestamente falacioso, já que sob o prisma do critério
hermenêutico adequado, o “reestabelecimento de alíquotas” nada mais é do que uma vertente
do fenômeno de “majoração de tributos”, pensado de forma a tentar driblar o óbice da
legalidade. Em ambos os casos a situação jurídica anterior, benéfica ao contribuinte, é
modificada para, no momento subsequente, agravar o ônus tributário, o que revela um
aumento de tributo por via transversa. Com rigor exegético, o “reestabelecimento de
alíquotas” nada mais é do que uma das espécies de majoração de tributo, que, por
consequência lógica, deve se submeter ao império da legalidade.
Logo, seja para estabelecer, seja para reestabelecer, a observância do veículo adequado (lei) é
sobremaneira imperiosa, já que em ambos os casos, há inequívoca oneração da situação do
contribuinte, quando considerada sua situação jurídica anterior.
Tal exegese, aliás, repousa na própria Constituição Federal, que equipara o
“reestabelecimento de alíquotas” à majoração de tributos lhe impõe as mesmas limitações, em
especial, a observância do predicado do art. 150, I, da Constituição Federal. Tanto é assim
que, quando quis dispensar o “restabelecimento de alíquota” do respeito ao Princípio da
Legalidade, a Constituição Federal o fez expressamente, criando nova e literal exceção a essa
regra através da Emenda Constitucional nº 33/2001, que incluiu o §4º ao Art. 177 da CF/88 e
afirmou que as contribuições de intervenção no domínio econômico (relativas a atividades
específicas) poderão ter suas alíquotas restabelecidas através de ato do Poder Executivo.
Assim:
“Art. 177. Constituem monopólio da União:
(...)
§ 4º A lei que instituir contribuição de intervenção no domínio econômico relativa às atividades de
importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool
combustível deverá atender aos seguintes requisitos: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de
2001)
I - a alíquota da contribuição poderá ser: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)
(...)
b) reduzida e restabelecida por ato do Poder Executivo, não se lhe aplicando o disposto no art. 150,
III, b; 2001) ”
Desse modo, é evidente que o “restabelecimento de alíquota” operado pelo Decreto nº
8.426/15 é figura em tudo similar e espécie de “majoração de tributo”, e por isso, deve
obrigatoriamente se sujeitar à regra da legalidade delineada no art. 150, I, da Constituição
Federal.
II.1.2. Embora patente a inconstitucionalidade do Decreto 8.426/2015, por violação ao
Princípio da Legalidade, parte da doutrina entende por bem não questioná-la, sob o argumento
de que o seu reconhecimento passa também pela declaração de inconstitucionalidade do art.
27, §2º da Lei Federal nº 10.865/2004. Nessa perspectiva, caso declarada a
inconstitucionalidade de ambos os normativos, o contribuinte estaria sujeito às disposições
das Leis Federais nº 10.637/2002 e 10.833/2003, que, por sua vez, preconizam a tributação de
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todas as receitas recebidas pelas pessoas jurídicas (incluindo as receitas financeiras) pela
Contribuição para o PIS e pela COFINS à razão de 1,65% e 7,6%, o que agravaria a sua
situação. Esse também tem sido o fundamento pelo qual algumas liminares têm sido
indeferidas pelos órgãos judiciários de todo o país.
Ocorre que, primeiramente, como visto linhas acima, para reduzir tributos, não é necessária a
baliza do art. 27, §2º, da Lei 10.865/2004, já que a Administração atua dentro dos limites de
suas faculdades e no âmbito do Poder Discricionário.
Por outro lado, independentemente da (in) constitucionalidade do art. 27, §2º, da Lei Federal
nº 10.865/2004, incumbe aos pedidos a delimitação do âmbito da prestação jurisdicional, ex vi
dos arts. 1285 e 4606 do Código de Processo Civil. Tratando-se de questionamento judicial
instrumentalizado pela via do Mandado de Segurança, consagra-se, inelutavelmente, o
princípio da “Demanda” ou “Adstrição ao Pedido”, segundo o qual o julgador somente pode
exercer seu múnus nos limites em que a lide é deduzida, por respeito à pretensão das partes,
sob pena de configurar os vícios extra ou ultra petita da prestação jurisdicional e sua
respectiva nulidade.
Nesse cenário, uma vez deduzida a demanda pela estreita via do Mandado de Segurança, que
sequer admite a apresentação de “Reconvenção” (por se tratar de procedimento especial), o
magistrado estará adstrito aos pedidos, que, na hipótese, se limitariam ao reconhecimento da
inconstitucionalidade do Decreto nº 8.426/15, e a consequente invalidade do normativo.
Ainda que o Art. 27, §2º da Lei 10.865/2004 seja efetivamente inconstitucional,
ABSOLUTAMENTE nada poderia ser dito ou aventado a esse respeito na avaliação da
concessão da segurança pleiteada. Aliás, ao apreciar paradigma muito semelhante ao caso
vertente (Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 25476, da Confederação Nacional
do Transporte), o Pleno do STF comungou desse entendimento, declarando a
inconstitucionalidade da Portaria nº 1.135/2001, que majorou a contribuição previdenciária
delineada no art. 22, III, da Lei 8.212/91 para os transportadores autônomos de carga, ao
incrementar a base de cálculo da exação de 11,71% para 20% da remuneração recebida pelo
prestador. Eis a ementa do decisum:
TRIBUTO – BASE DE INCIDÊNCIA – PRINCÍPIO DA LEGALIDADE ESTRITA. A fixação da
base de incidência da contribuição social alusiva ao frete submete-se ao princípio da legalidade.
CONTRIBUIÇÃO SOCIAL – FRETE – BASE DE INCIDÊNCIA – PORTARIA – MAJORAÇÃO.
Surge conflitante com a Carta da República majorar mediante portaria a base de incidência da
contribuição social relativa ao frete. MANDADO DE SEGURANÇA – BALIZAS. No julgamento de
processo subjetivo, deve-se observar o pedido formalizado.
RMS 25476 / DF; Relator(a): Min. LUIZ FUX; Relator(a) p/ Acórdão: Min. MARCO AURÉLIO;
Órgão Julgador: Tribunal Pleno; PUBLIC 26-05-2014
Naquela sentada, especificamente no que tange à inconstitucionalidade da majoração de
tributos sem a respectiva edição de lei (in casu, tal inconstitucionalidade foi perpetrada via
Portaria Ministerial nº 1.135/2001), o i. Ministro Eros Grau lecionou:
5 Art. 128. O juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não
suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte.
6 Art. 460. É defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como
condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado.
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“A recorrente sustenta que a portaria alterou a base de cálculo da contribuição, em flagrante violação
do princípio da legalidade.
O princípio da legalidade assume, no direito brasileiro, duas feições: i) ora vincula a Administração
sujeitando-a às definições da lei; ii) ora a vincula, a Administração, às definições decorrentes de lei, vale
dizer, estabelecidas em virtude de lei. No primeiro caso ela se manifesta em termos absolutos, como
reserva da lei. No segundo, como reserva da norma 2 .
Em matéria tributária --- e dessa matéria cuida-se nestes autos --- a legalidade prevalece em termos
absolutos, em sua feição de reserva da lei. Não há espaço, em matéria tributária, no que concerne à
obrigação principal, para o exercício, pelo Poder Executivo, de qualquer parcela de função
regulamentar. Refiro-me ao art. 150, I, da Constituição, que consagra o princípio da legalidade em
termos absolutos, no bojo do qual o vocábulo "lei" conota ato legislativo, lei em sentido formal. O texto
não deixa margem a dúvida : somente mediante lei em sentido estrito poderá ser exigido, ou aumentado,
qualquer tributo. Por isso mesmo afasto, na hipótese, o precedente do RE n. 343.446, Relator o Ministro
CARLOS VELLOSO, DJ de 04.04.2003.
O preceito veiculado pelo art. 22, III, da Lei n. 8.212/91 reúne os elementos indispensáveis à cobrança
da contribuição. Define seu fato gerador, a base de cálculo e a alíquota. A base de cálculo é constituída
pelo "total das remunerações pagas ou creditadas a qualquer título, no decorrer do mês, aos segurados
contribuintes individuais que lhe prestem serviços".
A portaria n. 1.135/2001 alterou-a, não se limitando a explicitar o conceito de remuneração paga ou
creditada a qualquer título, no decorrer do mês, aos segurados contribuintes individuais que prestem
serviços a determinada empresa. Fazendo-o --- isto é, ao alterar a base de cálculo definida pela lei em
sentido formal --- afrontou o disposto no art. 150, I, da Constituição do Brasil.
Já no que tange à respectiva limitação do provimento jurisdicional aos pedidos efetivamente
deduzidos pelas partes em sede de Mandado de Segurança, pontuaram os i. Ministros:
“A SENHORA MINISTRA CARMEN LÚCIA - Senhora Presidente, peço muitas vênias ao meu nobre
Colega para enfatizar o pedido formulado no sentido de que se conceda a segurança para o fim de ser
declarado ilegal o ato praticado pelo Ministro, por ocasião da edição da Portaria nº 1.135, na medida
em que o consolidou. Dou provimento ao recurso.
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI: Senhora Presidente, também, com todas as vênias,
entendo que estamos diante do princípio do tantum devolutum quantum appellatum. Portanto, dou
provimento integral ao recurso. Estamos limitados pelo pedido.
O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO - Senhora Presidente, ficou absolutamente claro que o pedido
da impetrante é para que os seus associados - textual da petição inicial: "(...) sujeitem-se" - a título de
base de cálculo - "a alíquota de 11,71% a título de contribuição patronal do transporte autônomo a que
se referem os incisos I e II do § 15 do art. 9o do RPS, calculados sobre o valor bruto do frete, carreto ou
transporte de passageiros, (...)" Esse é o pedido. Não podemos, evidentemente, conceder aqui nada que o
prejudique, ou seja, em termos de recurso implicaria reformatio in pejus reconhecer a
inconstitucionalidade do decreto para determinar que a contribuição seja calculada com base no valor
total das remunerações pagas, e diz a lei, "a qualquer título", e, portanto, englobando tudo, sem
nenhuma distinção, o que elevaria brutalmente a base de cálculo e, por conseguinte, o valor final da
contribuição. Ora, nesses limites, reconhecida a ilegalidade da portaria - que não poderia aumentar,
como tal, a base de cálculo -, não há o que fazer, com a devida vênia do eminente Relator, senão dar
provimento ao recurso, para atender integralmente ao pedido. Nesses termos é que voto.
O SR. MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - Senhora Presidente, peço vênia para antecipar o meu voto
- por motivos conhecidos - no sentido de acompanhar a divergência iniciada pelo Ministro Marco
Aurélio e os que o seguiram.
Estou convencido de que a questão é processual. Não cabe, no mandado de segurança, indagar da
legalidade da situação anterior a da impetrante para, eventualmente, piorar-lhe a situação. Lembra-me
de caso relativo à nomeação de juízes em lista tríplice em que determinados candidatos incluídos nas
listas questionavam a inclusão de um dos seus companheiros e suscitou-se uma eventual irregularidade
da integração de um dos impetrantes. E o que se estabeleceu é que o mandado de segurança tem que
saber se, mantido o status quo anterior ao ato impugnado, há vantagem para o impetrante. E, no caso, é
evidente.
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A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - Senhor Presidente, peço vênia ao Ministro Gilmar, mas
acompanho a divergência. Entendo que, observadas as balizas - estamos em sede de mandado de
segurança coletivo - e fazendo uma leitura atenta dos votos anteriormente proferidos - o Ministro
Lewandowski se prende, inclusive, ao princípio do tantum devolutum quantum appellatum-, observadas
essas balizas, repito, o mandado de segurança ataca portaria que é flagrantemente inconstitucional.
Provejo o recurso.”
Como brilhantemente destacou o i. Ministro Sepúlveda Pertence, em rigor, tratando-se do
remédio constitucional do “Mandado de Segurança”, não cumpre ao Poder Judiciário
questionar a legalidade da situação anterior do contribuinte, para efeito de conceder (ou não) a
segurança pleiteada. Cumpre, sim, combater o ato coator, que inequivocamente se configurou
somente após a plena vigência do Decreto nº 8.246/15, por flagrante inconstitucionalidade na
majoração de alíquotas da Contribuição para o PIS e da COFINS incidentes sobre as receitas
financeiras e a consequente violação ao Princípio da Legalidade, ex vi do art. 150, I, da
CF/88.7
II.2. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA NÃO CUMULATIVIDADE
A não-cumulatividade da Contribuição para o PIS e da COFINS tem fundamento último no
art. 195, §12, da Constituição Federal, que predica:
“Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos
termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: (Vide Emenda Constitucional nº 20, de
1998)
(...)
7 Foi o que reconheceu sabiamente o i. Juiz Federal João Augusto Carneiro Araújo, da 12ª Vara Federal da Seção Judiciária do
Rio de Janeiro, nos autos do Mandado de Segurança nº 0068167-75.2015.4.02.5101: “O § 2º do art. 27, acima transcrito, excepcionou a regra da legalidade prevista no inc. I do art. 150 da Constituição Federal, outorgando ao Poder Executivo a faculdade de reduzir e restabelecer as alíquotas da contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS incidentes sobre as receitas financeiras auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime de não-cumulatividade das contribuições. Referida exceção não possui previsão no texto constitucional, a exemplo dos impostos de importação, exportação, produtos industrializados e operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários e da contribuição de intervenção no domínio econômico relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível, os quais possuem autorização expressa para o Poder Executivo alterar as alíquotas, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei em relação aos referidos impostos (art. 153, § 1º, 177, § 4º, I, “b”, CF/88). O princípio da legalidade previsto no art. 150, I, da Constituição é cláusula pétrea, decorrente do modelo adotado pela República Federativa do Brasil de se constituir um Estado Democrático de Direito (art. 1º, caput, CF/88), em que o Poder Público se sujeita ao império da lei e da Constituição. Na lição do tributarista Roque Antônio Carraza, “o princípio da legalidade é um limite intransponível à atuação do Fisco”, garantindo, decisivamente, a segurança do cidadão, diante da tributação (Curso de direito constitucional tributário. 30. ed. 30. São Paulo: Malheiros Editores, 2015, p. 285). Trata-se de verdadeira garantia fundamental do cidadão, com origem remota na Magna Carta de João Sem Terra de 1215, que em seu artigo XII instituiu o princípio do consentimento antecipado dos tributos pelos súditos, ou mais modernamente, princípio da legalidade, ao determinar que “nenhum auxílio ou contribuição se estabelecerá em nosso Reino sem o consentimento de nosso comum Conselho do Reino” (Moraes, Bernardo Ribeiro de; p. 89 apud ÁVILA, Alexandre Rossato. Curso de direito tributário. 6. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2011, pp. 26/27). O respeito ao princípio da legalidade tributária exige que todos os aspectos essenciais ao surgimento da obrigação tributária estejam devidamente previstos em lei (aspectos material, espacial, temporal, quantitativo), inclusive, a alíquota aplicável ao tributo, conforme já decidiu o E. Supremo Tribunal Federal: (...) Presentes, portanto, o fundamento relevante da arguição de violação do princípio da legalidade pelo Decreto nº 8.426/2015, bem como o periculum in mora, considerando a previsão de produção de efeitos a partir de amanhã, dia 1 de julho de 2015 (art. 2º), a autorizar a concessão do provimento liminar, evitando que o contribuinte se sujeite ao solve et repete (pague e depois reclame). Ante o exposto, DEFIRO o pedido de liminar para suspender a exigibilidade das parcelas vincendas de PIS e COFINS incidentes sobre as receitas financeiras das impetrantes com base no Decreto nº 8.426/2015, bem assim determinar à autoridade impetrada que se abstenha de incluir o nome das impetrantes no CADIN e impedir a renovação de certidão positiva com efeitos de negativa em relação aos tributos cuja exigibilidade está suspensa por esta decisão. ”
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§ 12. A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma
dos incisos I, b; e IV do caput, serão não-cumulativas. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de
19.12.2003)”
Com efeito, o “Princípio da Não-Cumulatividade” tem por fim alcançar a neutralidade
tributária (a tributação final de determinada cadeia deve ser igual independentemente do
número de intermediários) e evitar a tributação em cascata, de modo a viabilizar que apenas o
valor adicionado por cada intermediário seja efetivamente objeto da exação tributária. Tais
ilações, adaptadas à Contribuição para o PIS e à COFINS, apontam que a não-cumulatividade
constitui técnica para desoneração do faturamento. Em suma, é a prerrogativa do contribuinte
de abater dos seus débitos de Contribuição para o PIS e COFINS (decorrentes do auferimento
de “receita”) créditos da mesma espécie de exação (oriundos de custos e despesas).
Nessa ordem de ideias, após a edição da Emenda Constitucional nº 42/2003, à luz da
constitucionalização do Princípio da Não-Cumulatividade (art. 195, §12), o legislador
infraconstitucional federal NÃO está livre para moldar a “não-cumulatividade” da
Contribuição para o PIS e da COFINS aos seus deleites, conveniência ou de acordo com a
política arrecadatória em vigor. Ao contrário, está necessariamente vinculado aos parâmetros
doutrinários e constitucionais relativos à hipótese material de incidência da exação, de tal
modo que, a princípio, todos os elementos necessários à obtenção das receitas (base
tributável) necessariamente ensejaria o direito ao creditamento. Tais ilações, em rigor,
afastam totalmente a exegese por vezes difundida inclusive por alguns órgãos do Poder
Judiciário de que a “não-cumulatividade” da Contribuição para o PIS e da COFINS está
livremente sujeita à conformação da lei, inclusive no pertinente ao seu núcleo.
Logo, após a edição da Emenda Constitucional nº 42/2003, o núcleo da Não-Cumulatividade
deve ser preservado, adaptada à realidade jurídica da Contribuição para o PIS e da COFINS,
determinando que os custos e as despesas vinculados à receita bruta tributada (que é o fato
gerador das contribuições) devem gerar direito ao crédito, sem indevidas restrições. À luz da
Constituição Federal, a liberdade do legislador se restringe à eleição dos SETORES
QUE ESTARÃO SUBMETIDOS À INCIDÊNCIA NÃO CUMULATIVA DAS
ALUDIDAS CONTRIBUIÇÕES, de tal modo a manter intacto e respeitado o cerne do
Princípio da Não-Cumulatividade. É o que leciona o i. Professor Pedro Guilherme Accorsi
Lunardelli:
“Além disto, parece-nos também improcedente o argumento de que o citado parágrafo 12 do art. 195 da
Carta de 1988 teria conferido ao legislador ordinário a faculdade de estabelecer a não-cumulatividade
dessas contribuições, faculdade esta, portanto, que teria sido exercida em relação aos critérios para se
apurar os créditos.
Vejam que, se se quiser entender que tal dispositivo contempla uma faculdade, ela seria apenas em
relação à possibilidade de escolher quais setores da economia passariam a reger-se pelo regime não-
cumulativo do PIS e da COFINS. Esta permissão, portanto, não seria para definir os critérios de
apropriação dos créditos, mas sim exclusivamente para selecionar determinadas categorias econômicas
que se submeteriam à sistemática não-cumulativa de apuração destas contribuições sociais.
Desta forma, as hipóteses de créditos elencadas nos incisos do art. 3º das Leis nº 10.637/02 e 10.833/03
não estão enquadradas nesta competência prevista no referido parágrafo 12 do art. 195. A listagem
indicada nesse dispositivo é para quem irá apurar as contribuições por este novo regime e não para o
que deverá compor o próprio regime.”
(“Não Cumulatividade do PIS e da COFINS. Apropriação de Créditos. Definição de Critérios Jurídicos”,
na Revista Dialética de Direito Tributário nº 180, p. 119)
Esses também são os ensinamentos do i. Professor André Mendes Moreira:
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“A norma da não-cumulatividade do PIS/COFINS é, portanto, de eficácia limitada, o que se comprova
inclusive pela sua aplicabilidade diferida. Somente por meio da opção do legislador ordinário será
possível implantá-la. Como a regulamentação do tema depende da atuação e do querer do legislador
ordinário, pode-se ainda dizer que se trata de norma de eficácia limitada de princípio institutivo.
Outrossim, sendo certo que o legislador é livre para seguir ou não os caminhos ditados pela EC n. 42/03
em matéria de não-cumulatividade, a regra de eficácia limitada de princípio institutivo é facultativa e
não-obrigatória. Afinal, o legislador não está adstrito a seguir o comando constitucional, apenas pode
fazê-lo, se assim desejar.
Sendo o legislador livre para seguir ou não o predicado constitucional, resta ainda uma indagação: a
não-cumulatividade poderia ser mitigada no PIS/COFINS, inadmitindo-se, v.g., o crédito sobre insumos
para determinado segmento da economia? Poderia, ainda, o legislador federal determinar que o valor
dos créditos escriturais de PIS/COFINS que excedesse os débitos em determinada competência deveria
ser estornado, como pretenderam no passado algumas normas estaduais? Poderia a lei estipular que o
contribuinte somente teria o direito de aproveitamento de 80% dos créditos dos quais faria jus, como
pretendeu o Estado de Santa Catarina para o extinto ICM na década de 1970?
Como todas essas tentativas de restrição da não-cumulatividade foram declaradas inconstitucionais
pelo STF para o IPI/ICMS, parece-nos que também seriam inválidas para o PIS/COFINS. Afinal,
como o §12 do art. 195 é norma de eficácia limitada de princípio institutivo facultativo, o legislador
poderá optar pela não-cumulatividade. Se não o fizer, manterá a forma cumulativa de exigência do
PIS/COFINS, inclusive nas importações. Se optar, poderá adotar a não-cumulatividade para um, dois
ou dez segmentos da economia, ao seu alvedrio, desde que tal escolha não fira a isonomia e tampouco
provoque desequilíbrios concorrenciais. Todavia, no que tange ao núcleo da não-cumulatividade, ou
seja, à observância dos princípios postos pelo STF ao longo de décadas de litígios envolvendo o antigo
imposto sobre o consumo, o IPI, o ICM e o ICMS, o legislador ordinário federal deverá observar os
ditames da não-cumulatividade no que for compatível com as contribuições sobre receita bruta e
importação de bens e serviços.
Dessarte, havendo escolha da não-cumulatividade no PIS/COFINS, as características essenciais desse
instituto deverão ser mandatoriamente observadas. A liberdade do legislador somente existe no
momento pré-legislativo; feita a opção, deverão ser mandatoriamente observadas as regras
constitucionais atinentes ao instituto. Assim, um sistema não-cumulativo de PIS/COFINS que não
permita o transporte de créditos (saldo credor) para os períodos subsequentes ou que vede o
creditamento sobre insumos será inválido por violar a Constituição. ”
(“A Não-Cumulatividade dos Tributos”, Editora Noeses, Belo Horizonte, págs. 217/218)
Foi assim, inspirado pelo ideal da “Não-Cumulatividade”, que o art. 27, caput, da Lei
10.865/2004 dispôs que o Poder Executivo poderá autorizar o desconto de créditos da
Contribuição para o PIS e da COFINS relativamente às despesas financeiras decorrentes de
empréstimos e financiamentos pagos ou creditados. Paralelamente à permissão para tomada
de créditos, como espécie de contrapartida, foi “facultado” (irregularmente) ao Poder
Executivo tributar as respectivas “receitas financeiras” auferidas pelas pessoas jurídicas
submetidas à sistemática não-cumulativa dessas contribuições, litteris:
“Art. 27. O Poder Executivo poderá autorizar o desconto de crédito nos percentuais que estabelecer e para os fins
referidos no art. 3o das Leis nos 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e 10.833, de 29 de dezembro de 2003,
relativamente às despesas financeiras decorrentes de empréstimos e financiamentos, inclusive pagos ou creditados a
residentes ou domiciliados no exterior.
§ 1o Poderão ser estabelecidos percentuais diferenciados no caso de pagamentos ou créditos a residentes ou
domiciliados em país com tributação favorecida ou com sigilo societário.
§ 2o O Poder Executivo poderá, também, reduzir e restabelecer, até os percentuais de que tratam os incisos I e II do
caput do art. 8o desta Lei, as alíquotas da contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS incidentes sobre as receitas
financeiras auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime de não-cumulatividade das referidas contribuições,
nas hipóteses que fixar.
§ 3o O disposto no § 2o não se aplica aos valores decorrentes do ajuste a valor presente de que trata o inciso VIII
do caput do art. 183 da Lei no 6.404, de 15 de dezembro de 1976. (Incluído pela Lei nº 12.973, de 2014) (Vigência)”
Observa-se, dessarte, uma relação inexorável: se facultada a tomada de créditos sobre a Contribuição para o PIS
e da COFINS sobre as despesas financeiras, logo as receitas financeiras também devem ser tributadas. Na
contramão, vedada a tomada de créditos da Contribuição para o PIS e da COFINS sobre as despesas financeiras,
então não é possível a tributação (pelas mesmas exações) das “receitas financeiras”. Tal mecanismo, em rigor,
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decorre do intuito de preservar a autonomia e integridade do Princípio da “Não-Cumulatividade”, de ordem
eminentemente CONSTITUCIONAL.
Portanto, é somente nesse sentido, e nos limites acima delineados, que se admite a tributação das “Receitas
Financeiras”: Sempre acompanhada da concessão de créditos referentes às despesas financeiras, sob pena de
inconstitucionalidade pela violação ao Princípio da Não-Cumulatividade, ex vi do art. 195, §13, da Constituição
Federal!
A conclusão supra é reforçada quando analisadas as mais basilares técnicas de elaboração, redação, alteração e
consolidação das leis, desenvolvidas pela Lei Complementar nº 95/98, notadamente no que tange às relações
entre o conteúdo do caput de um artigo e seus respectivos parágrafos, reguladas no art. 11, que dispõe:
“Art. 11. As disposições normativas serão redigidas com clareza, precisão e ordem lógica, observadas,
para esse propósito, as seguintes normas: (...)
III - para a obtenção de ordem lógica:
a) reunir sob as categorias de agregação - subseção, seção, capítulo, título e livro - apenas as
disposições relacionadas com o objeto da lei;
b) restringir o conteúdo de cada artigo da lei a um único assunto ou princípio;
c) expressar por meio dos parágrafos os aspectos complementares à norma enunciada no caput do
artigo e as exceções à regra por este estabelecida;
d) promover as discriminações e enumerações por meio dos incisos, alíneas e itens. ”
A técnica legislativa introduzida pela Lei Complementar nº 95/98 assenta que a legislação
(leis, decretos, etc.) será redigida com clareza, precisão e ordem lógica. No que atine
especificamente ao último requisito (“ordem lógica”), devem ser observadas regras mínimas,
dentre as quais a expressada na alínea “c” do inciso III do art. 11, segundo a qual os
“parágrafos de determinada disposição normativa servem como complemento ou exceção à
regra definida no caput”. Em outras palavras, os comandos desenvolvidos nos parágrafos de
determinado artigo não tem existência autônoma, já que somente guardam logicidade quando
vinculados ou conjugados à regra definida no caput, na medida em que somente exercem a
função de complementação ou exceção.
Ante tais premissas, a prerrogativa contida no §2º do art. 27 da Lei 10.865/2004, que autoriza
o Poder Executivo a instituir/majorar a tributação das ditas “receitas financeiras” (ou não-
operacionais), DEFINITIVAMENTE NÃO PODE SER EXERCIDA ISOLADAMENTE,
já que está necessariamente submetida e deve observar a regra definida no caput do mesmo
art. 27, que faculta ao Poder Executivo a autorização para desconto de créditos sobre as
“despesas financeiras”, complementando-a ou excepcionando-a.
Em suma, também por força das regras definidas no art. 11 da Lei Complementar nº 85/98
(em especial, a alínea “c” do inciso III), bem como dos mais comezinhos princípios de
hermenêutica, o art. 27, §2º, da Lei 10.865/2004 não tem existência autônoma, de tal modo
que somente pode ser aplicado em conjunto (seja para complementar, seja para excepcionar) à
regra do caput do mesmo art. 27, que autoriza o desconto de créditos da Contribuição para o
PIS e da COFINS sobre as alcunhadas “despesas financeiras”.
Tais considerações somente reforçam a “relação inexorável” tratada linhas atrás: se facultada
a tomada de créditos sobre a Contribuição para o PIS e da COFINS sobre as despesas
financeiras, logo as receitas financeiras também devem ser tributadas. Na contramão, se é
vedada a tomada de créditos da Contribuição para o PIS e da COFINS sobre as despesas
financeiras, então não é possível a tributação (pelas mesmas exações) das “receitas
financeiras”. O parágrafo, como visto, simplesmente complementa o caput.
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Logo, a tributação pela Contribuição para o PIS e pela COFINS das “receitas financeiras”
impõe CONJUNTAMENTE a autorização para desconto dos créditos da Contribuição para o
PIS e da COFINS sobre as “despesas financeiras”, já que a regra do §2º do art. 27 da Lei
10.865/2004 somente existe para complementar ou excepcionar a regra do caput do mesmo
art. 27 da Lei 10.865/2004. Há necessariamente uma relação de vinculação ou dependência,
de tal modo que a regra do §2º apenas guarda eficácia quando aliada à regra definida no
caput.
Aliás, a lógica de “Paralelismo” entre a tributação (pela Contribuição para o PIS e pela
COFINS) das receitas financeiras e da tomada de créditos (das mesmas contribuições) sobre
as despesas financeiras foi reconhecida (mas lamentavelmente não observada) na nota
explicativa divulgada pela d. Receita Federal do Brasil em seu sítio eletrônico, no endereço
http://idg.receita.fazenda.gov.br/noticias/ascom/2015/abril/nota-explicativa-sobre-o-decreto-
no-8-426-2015, na qual o órgão afirma expressamente que “Tal redução de alíquotas surgiu
em contrapartida à extinção da possibilidade de apuração de créditos em relação às despesas
financeiras decorrentes de empréstimos e financiamentos.”
Assim, dada a notória violação ao Princípio da Não-Cumulatividade, é patente a
inconstitucionalidade do Decreto 8.246/2015, pois paralelamente à majoração das alíquotas da
Contribuição para o PIS e da COFINS incidentes sobre as “receitas financeiras”, não
autorizou ou criou um mecanismo de descontos/abatimentos de créditos sobre as “despesas
financeiras” na mesma proporção. Há, inelutavelmente, a violação de morte ao Princípio
Constitucional da Não-Cumulatividade, ex vi do art. 195, §12, da CF/88, bem como ao art. 11,
III, “c” da Lei Complementar nº 85/98, o Art. 27, caput, da Lei 10.685/2004 e às mais
rudimentares regras hermenêuticas.
III. CONCLUSÃO
De todo o exposto, no afã de viabilizar a cobrança da Contribuição para o PIS e da COFINS
sobre as receitas financeiras das pessoas jurídicas submetidas (ainda que parcialmente) ao
regime da não-cumulatividade dessas contribuições sem o necessário socorro no Poder
Legislativo, o Decreto nº 8.426/15 incorreu em grave vício de inconstitucionalidade, dada a
notória violação aos Princípios da Legalidade (insculpido no art. 150, I, da Constituição
Federal) e da Não-Cumulatividade (delineado no art. 195, §12, da CF/88), bem como ao art.
11, III, “c” da Lei Complementar nº 85/98 e às mais rudimentares regras hermenêuticas.
IV. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm.
BRASIL. Decreto nº 5.442/2005. Reduz a zero as alíquotas da Contribuição para o
PIS/PASEP e da COFINS incidentes sobre as receitas financeiras auferidas pelas pessoas
jurídicas sujeitas à incidência não-cumulativa das referidas contribuições. Diário Oficial da
República Federativa do Brasil, Brasília, DF. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/Decreto/D5442.htm
BRASIL. Decreto nº 8.426/2015. Restabelece as alíquotas da Contribuição para o PIS/PASEP
e da COFINS incidentes sobre receitas financeiras auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas ao
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regime de apuração não-cumulativa das referidas contribuições. Diário Oficial da República
Federativa do Brasil, Brasília, DF. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Decreto/D8426.htm
BRASIL. Lei Complementar nº 1995/1998. Dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração
e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição
Federal, e estabelece normas para a consolidação dos atos normativos que menciona. Diário
Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp95.htm
BRASIL. Lei Federal nº 9718/1998. Altera a Legislação Tributária Federal. Diário Oficial da
República Federativa do Brasil, Brasília, DF. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9718compilada.htm
BRASIL. Lei Federal nº 10637/2002. Dispõe sobre a não-cumulatividade na cobrança da
contribuição para os Programas de Integração Social (PIS) e de Formação do Patrimônio do
Servidor Público (Pasep), nos casos que especifica; sobre o pagamento e o parcelamento de
débitos tributários federais, a compensação de créditos fiscais, a declaração de inaptidão de
inscrição de pessoas jurídicas, a legislação aduaneira, e dá outras providências. Diário Oficial
da República Federativa do Brasil, Brasília, DF. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10637.htm
BRASIL. Lei Federal nº 10833/2003. Altera a Legislação Tributária Federal e dá outras
providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10833.htm
BRASIL. Lei Federal nº 10865/2004. Dispõe sobre a Contribuição para os Programas de
Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público e a Contribuição para o
Financiamento da Seguridade Social incidentes sobre a importação de bens e serviços e dá
outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l10.865.htm