excelentÍssimo senhor desembargador … · 2011-09-22 · ministÉrio pÚblico do estado do...

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO Procuradoria-Geral de Justiça 1 EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO vem, no uso das atribuições que lhe são conferidas pelo artigo 112, inciso III da Constituição do Estado do Espírito Santo e artigo 29, inciso I da Lei 8.625/93 c/c artigo 30, inciso XVI, da Lei Complementar Estadual 95/97- Lei Orgânica do Ministério Público, propor a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE da Lei nº. 1.316, de 13 de fevereiro de 2007, do município de Boa Esperança (ANEXO 1), requerendo, desde logo, seja concedida a antecipação dos efeitos da tutela pretendida in limine litis e inaudita altera parte, pelos fatos e fundamentos abaixo aduzidos.

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

Procuradoria-Geral de Justiça

1

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO.

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO vem,

no uso das atribuições que lhe são conferidas pelo artigo 112, inciso III

da Constituição do Estado do Espírito Santo e artigo 29, inciso I da Lei

8.625/93 c/c artigo 30, inciso XVI, da Lei Complementar Estadual 95/97-

Lei Orgânica do Ministério Público, propor a presente

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

da Lei nº. 1.316, de 13 de fevereiro de 2007, do município de Boa

Esperança (ANEXO 1), requerendo, desde logo, seja concedida a

antecipação dos efeitos da tutela pretendida in limine litis e inaudita

altera parte, pelos fatos e fundamentos abaixo aduzidos.

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I - DA COMPETÊNCIA DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO

PARA O PROCESSAMENTO E JULGAMENTO DA AÇÃO DIRETA DE

INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI MUNICIPAL EM FACE DA CONSTITUIÇÃO

ESTADUAL

O Brasil é uma Federação. Esse tipo de Estado caracteriza-se pela

descentralização territorial do poder, no qual os Estados-Membros e os

Municípios possuem autonomia, manifestando-se a unidade de Estado

em três esferas, cada qual delimitada pelas normas da Constituição

Federal, que atua como Estatuto da Federação.

Nos termos dos artigos 18 e 29 da Constituição Republicana de 1988, o

Município goza de autonomia, o que equivale dizer que tais entes

detêm competência para gerir seus próprios interesses. A competência

municipal funda-se em quatro capacidades: I) auto-organização,

através da lei orgânica; II) autogoverno, com a eleição de seu próprio

corpo de agentes políticos; III) capacidade legislativa, preparando o

ordenamento jurídico local e; IV) autoadministração, organizando e

mantendo o serviço público local.

Essa feição autônoma dos Municípios não tem par nas ordens

constitucionais pretéritas. De fato, as Constituições anteriores

determinavam que os Estados-Membros deveriam organizar seus

municípios, assegurando-lhes autonomia. Note-se que a autonomia era

dirigida aos Estados-Membros, porque a estes cabia organizar os

Municípios.

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Com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil

de 1988, ficou diretamente assegurada a autonomia Municipal, de

maneira que a ingerência do Estado nos assuntos do Município ficou

limitada aos aspectos expressamente indicados na Constituição

Cidadã.

Pelo fato de o Município não mais sofrer ingerência do Estado-Membro,

estando a disciplina jurídica principiológica do Município quase que

totalmente inserta na Carta da República, há poucas questões que, por

força da própria Constituição Federal, foram atribuídas à regulação

pela Constituição Estadual (e.g., fusão, desmembramento de

municípios, etc.).

Com efeito, somente em raras hipóteses estar-se-á diante de

inconstitucionalidade de Lei Municipal em face da Constituição

Estadual, uma vez que, conforme visto, a Constituição do Estado-

Membro pouco ou quase nada tem a ditar, em termos de diretrizes, ao

Município.

Pode ocorrer, contudo, de as Constituições Estaduais repetirem norma

já constante na Constituição da República, caso em que uma eventual

inconstitucionalidade de Lei Municipal ofenderia tanto a Constituição

Federal quanto a Constituição Estadual.

Assim, como em nosso sistema não se admite ação direta de

inconstitucionalidade de Lei Municipal em face da Constituição da

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República Federativa do Brasil, abre-se a possibilidade de controle de

constitucionalidade da Lei Municipal por meio de jurisdição

constitucional estadual, a ser exercida pelo Tribunal de Justiça do

Estado.

A esse propósito, assim se manifesta o Professor André Ramos Tavares1

[...] somente pode existir jurisdição constitucional no âmbito

do Estado-membro se a Constituição Federal assegurar às

unidades federadas não só a liberdade para criar

Constituições autô-nomas, mas também o poder de regular

a defesa judicial de sua específica Constituição. É

exatamente o que fez a atual Lei Magna, no § 2º do mesmo

art. 125. Nesse dispositivo, a Constituição Federal declara a

competência dos Estados para criar mecanismos de

proteção de suas Constituições contra leis inferiores que lhes

sejam contrárias.

Permite-se, assim, uma verdadeira jurisdição constitucional

estadual, a que estarão submetidos os atos normativos

emanados tanto do Estado-membro como de seus

Municípios. Determina o referido dispositivo constitucional:

“Cabe aos Estados a instituição de representação de

inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais

ou municipais em face da Constituição Estadual, vedada a

atribuição da legitimação para agir a um único órgão.

Vê-se, pois, que a defesa da Constituição Estadual mira, em última

análise, a defesa da Constituição Federal, por garantir a melhor

interpretação das normas constitucionais em todos os níveis da

federação. Ganha, com isso, a unidade e a força normativa da Lei

Fundamental.

1 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional / André Tavares Ramos. 5. ed.

São Paulo: Editora Saraiva, 2007. p. 385-386.

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Não por outra razão, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

admite que cabe Recurso Extraordinário do acórdão que decide

representação de inconstitucionalidade estadual quando o parâmetro

é norma presente na Constituição Estadual por repetição obrigatória:

Reclamação com fundamento na preservação da

competência do Supremo Tribunal Federal. Ação direta de

inconstitucionalidade proposta perante Tribunal de Justiça

na qual se impugna Lei municipal sob a alegação de ofensa

a dispositivos constitucionais estaduais que reproduzem

dispositivos constitucionais federais de observancia

obrigatoria pelos Estados. Eficacia jurídica desses dispositivos

constitucionais estaduais. Jurisdição constitucional dos

Estados-membros. - Admissão da propositura da ação direta

de inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça local,

com possibilidade de recurso extraordinário se a

interpretação da norma constitucional estadual, que

reproduz a norma constitucional federal de observancia

obrigatoria pelos Estados, contrariar o sentido e o alcance

desta. Reclamação conhecida, mas julgada improcedente.

(Reclamação 383. Relator: Ministro Moreira Alves. Órgão

Julgador: Tribunal Pleno. Data do Julgamento: 11/06/1992).

Sobressai, então, com clareza, que é cabível o conhecimento de ADI

pela Corte Estadual, mesmo que a norma constitucional estadual

violada seja repetição de disposição da Carta Magna, cabendo, da

decisão do Tribunal de Justiça, recurso extraordinário com fulcro no

artigo 102, inciso III, da CRFB/88.

Destarte, revela-se plenamente possível a argüição de

inconstitucionalidade, via processo objetivo de controle concentrado

abstrato, perante o Tribunal de Justiça, mesmo quando o dispositivo

violado for norma de repetição obrigatória da Constituição da

República.

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Portanto, se o Supremo Tribunal Federal tem a missão precípua de atuar

como guardião da Constituição da República Federativa do Brasil,

declarando a inconstitucionalidade de leis e atos normativos que com

ela conflitam, resta evidente que cabe a esse Colendo Sodalício

Estadual atuar como guardião da Constituição do Estado do Espírito

Santo, controlando a constitucionalidade das leis e atos normativos

municipais ou estaduais com esta conflitantes.

II –LEI Nº 1.316/2007. OFENSA AO PRINCÍPIO DO CONCURSO PÚBLICO –

VIOLAÇÃO AO ARTIGO 32, INCISOS II e IX, DA CONSTITUIÇÃO DO

ESTADO DO ESPÍRITO SANTO DE 1989.

Tanto a Constituição Estadual quanto a Carta da República

contemplam dispositivos regentes do tema.

Assim preleciona a Constituição Federal:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de

qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito

Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de

legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e

eficiência e, também, ao seguinte:

II - a investidura em cargo ou emprego público depende

de aprovação prévia em concurso público de provas ou

de provas e títulos, de acordo com a natureza e a

complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista

em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em

comissão declarado em lei de livre nomeação e

exoneração;

IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por

tempo determinado para atender a necessidade

temporária de excepcional interesse público;

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No mesmo sentido, em enunciado quase idêntico, o texto estadual:

Art. 32. As administrações públicas direta e indireta de

quaisquer dos Poderes do Estado e dos Municípios

obedecerão aos princípios de legalidade,

impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência,

finalidade e interesse público, e também aos seguintes:

II - a investidura em cargo ou emprego público depende

de aprovação prévia em concurso público de provas ou

de provas e títulos, de acordo com a natureza e a

complexibilidade do cargo ou emprego, na forma

prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo

em comissão declarado em lei de livre nomeação e

exoneração;

IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por

tempo determinado para atender à necessidade

temporária de excepcional interesse público;

Com efeito, em matéria de acesso ao serviço público, a regra

constitucional é a de que o ingresso nas carreiras públicas somente se

dê após aprovação em concurso público de provas ou de provas e

títulos.

Em contrapartida, a própria Constituição traz as hipóteses em que o

concurso público é prescindível: nas nomeações para cargos de

provimento em comissão, declarados em lei de livre nomeação e

exoneração, e na contratação temporária para o atendimento de

necessidade efêmera de excepcional interesse público.

Interessa, para o deslinde do problema inserto neste tópico, a

interpretação da segunda exceção, a contratação temporária de

servidores visando o preenchimento de vagas oriundas de necessidade

pública de caráter transitório e excepcional, conforme o previsto no art.

32, IX da Constituição Estadual, acima colacionado.

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Acerca do tema, o Professor Celso Antonio Bandeira de Mello, com a

clareza que lhe é peculiar, ensina:

A Constituição prevê que a lei (entende-se: federal, estadual,

distrital ou municipal, conforme o caso) estabelecerá os casos

de contratação para o atendimento de necessidade

temporária de excepcional interesse público (art. 37, IX). Trata-

se, aí, de ensejar suprimento de pessoal perante contingências

que se desgarrem da normalidade das situações e presumam

admissões apenas provisórias, demandadas em circunstâncias

incomuns, cujo atendimento reclama satisfação imediata e

temporária (incompatível, portanto, com o regime normal de

concursos). A razão do dispositivo constitucional em apreço,

obviamente, é contemplar situações nas quais ou a própria

atividade a ser desempenhada, requerida por razões

muitíssimo importantes, é temporária, eventual (não se

justificando a criação de cargo ou emprego, pelo quê não

haveria cogitar de concurso público), ou a atividade não é

temporária, mas o excepcional interesse público demanda que

se faça imediato suprimento temporário de uma necessidade

(neste sentido, “necessidade temporária”) por não haver

tempo hábil para realizar concurso, sem que suas delongas

deixem insuprido o interesse incomum que se tem de

acobertar.

Logo, percebe-se que o permissivo constitucional abrange duas

hipóteses: i) contratações para o desempenho de atividade pública

ocasional (como contratação de especialista para conduzir projeto

especial por tempo determinado), ou; ii) casos em que a atividade em

si insere no âmbito das atribuições públicas normais, mas excepcional

interesse público demanda contratação emergencial (e.g.:

contratação de médicos para combate a surto endêmico eventual).

Todavia, analisando a legislação municipal objeto da presente ação,

observa-se que ela não se adéqua a nenhuma das hipóteses acima

tratadas.

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A norma consagrada na Lei 1.316/2007 versa acerca de contratação

temporária para preenchimento de vagas de profissionais da área de

educação e de saúde do Município, sem, contudo, especificar qual a

motivação da contratação.

Observa-se, claramente, que se trata de contratação de pessoal para

a prestação de serviço público corriqueiro, não restando especificada

qual circunstância extraordinária visa atender.

Diante disso, justamente por serem exceções ao princípio do concurso

público, essas nomeações devem atender a uma baliza teleológica

imposta pelo texto constitucional, a saber, destinarem-se somente ao

atendimento de excepcional interesse público.

De tal forma, para que haja a contratação temporária é necessário

verificar se se tratam, verdadeiramente, de funções de caráter eventual

e de excepcional interesse público a serem exercidas por tempo

determinado, como exige a Constituição.

Entretanto, como se pode extrair da tabela que integra o artigo 1º, a lei

em questão trata de serviços básicos, relacionados a funções de

caráter permanente das áreas de educação e saúde.

Destarte, ao instituir contratação temporária para serviços de caráter

permanente, a referida lei violou substancialmente os preceitos insertos

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na Lei Fundamental Estadual, tratando-se, portanto, de

inconstitucionalidade material.

A jurisprudência pátria é pacífica quanto ao assunto, senão vejamos:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. LEI ESTADUAL CAPIXABA QUE

DISCIPLINOU A CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE SERVIDORES

PÚBLICOS DA ÁREA DE SAÚDE. POSSÍVEL EXCEÇÃO PREVISTA

NO INCISO IX DO ART. 37 DA LEI MAIOR.

INCONSTITUCIONALIDADE. ADI JULGADA PROCEDENTE. I - A

contratação temporária de servidores sem concurso público

é exceção, e não regra na Administração Pública, e há de

ser regulamentada por lei do ente federativo que assim

disponha. II - Para que se efetue a contratação temporária, é

necessário que não apenas seja estipulado o prazo de

contratação em lei, mas, principalmente, que o serviço a ser

prestado revista-se do caráter da temporariedade. III - O

serviço público de saúde é essencial, jamais pode-se

caracterizar como temporário, razão pela qual não assiste

razão à Administração estadual capixaba ao contratar

temporariamente servidores para exercer tais funções. IV -

Prazo de contratação prorrogado por nova lei

complementar: inconstitucionalidade. V - É pacífica a

jurisprudência desta Corte no sentido de não permitir

contratação temporária de servidores para a execução de

serviços meramente burocráticos. Ausência de relevância e

interesse social nesses casos. VI - Ação que se julga

procedente. (ADI 3430, Relator(a): Min. RICARDO

LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 12/08/2009, DJe-

200 DIVULG 22-10-2009 PUBLIC 23-10-2009 EMENT VOL-02379-

02 PP-00255)

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N.

10.843/04. SERVIÇO PÚBLICO. AUTARQUIA. CADE.

CONTRATAÇÃO DE PESSOAL TÉCNICO POR TEMPO

DETERMINADO. PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DA ATIVIDADE

ESTATAL. CONSTITUCIONALIDADE. ART. 37, IX, DA CB/88. 1. O

art. 37, IX, da Constituição do Brasil autoriza contratações,

sem concurso público, desde que indispensáveis ao

atendimento de necessidade temporária de excepcional

interesse público, quer para o desempenho das atividades

de caráter eventual, temporário ou excepcional, quer para

o desempenho das atividades de caráter regular e

permanente. 2. A alegada inércia da Administração não

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pode ser punida em detrimento do interesse público, que

ocorre quando colocado em risco o princípio da

continuidade da atividade estatal. 3. Ação direta julgada

improcedente.

(ADI 3068, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/

Acórdão: Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em

25/08/2004, DJ 23-09-2005 PP-00006 EMENT VOL-02206-1 PP-

00132 REPUBLICAÇÃO DJ 24-02-2006 PP-00007)

Ainda nesse sentido, segue o seguinte trecho do irretocável voto

proferido nos autos da ADI 890 do Supremo Tribunal Federal, de lavra do

Ministro Maurício Corrêa:

Com efeito, a cláusula constitucional autorizadora destina-

se exclusivamente – e aqui a interpretação restritiva se

impõe – aos casos em que comprovadamente haja

necessidade temporária de pessoal. Tal situação não

abrange aqueles serviços permanentes que estão a cargo

do Estado nem aqueles de natureza previsível, para os quais

a Administração Pública deve alocar, de forma planejada,

os cargos públicos para isso suficientes, a serem providos

pela forma regular do concurso público, sob pena de

desídia e ineficiência administrativa. Frisa-se que o

comando constitucional não confere ao legislador ordinário

ampla liberdade para pontuar os casos suscetíveis de

contratação temporária.

Desta forma, é defeso ao Executivo municipal, sob a forma de

contratação temporária, contratar servidores que deveriam exercer

funções de caráter permanente.

Corroborando a questio juris, colacionamos a doutrina de José dos

Santos Carvalho Filho2:

[...] A prévia aprovação em concurso público é, como

regra, condição de ingresso no serviço público. O alcance

2 FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo/ José dos Santos

Carvalho Filho. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008. p. 588 .

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da exigência deve ser o mais amplo possível, de modo que

pode se considerar que a exigência da aprovação em

concurso se configura como a regra geral.

Vê-se, pois, que a lei ora vergastada afronta o princípio constitucional

do concurso público, estabelecido pelo art. 32, inc. II da Constituição

Estadual.

Ademais, para que a contratação temporária seja válida, além de

observar a regra estabelecida no inciso IX, devem ser levados em conta

também os demais princípios constitucionais norteadores da

administração pública insculpidos no caput do art. 32 da Carta

Estadual.

Notório, portanto, que a Lei Municipal nº. 1.316/2007, além de violar a

norma constitucional do concurso público, macula os princípios da

impessoalidade3 e da moralidade4, sediados no artigo 32, caput da

3 Impessoal é “o que não pertence a uma pessoa em especial”, ou seja, aquilo que

não pode ser voltado especialmente a determinadas pessoas.

O princípio objetiva a igualdade de tratamentos que a Administração deve dispensar

aos administrados que se encontrem em idêntica situação jurídica. Nesse ponto

representa uma faceta do princípio da isonomia. Por outro lado, para que haja

verdadeira impessoalidade, deve a Administração voltar-se exclusivamente para o

interesse público, e não para o privado, vedando-se, em conseqüência, sejam

favorecidos alguns indivíduos em detrimento de outros e prejudicados alguns para

favorecimento de outros. (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito

Administrativo / José dos Santos Carvalho Filho. 12. ed., rev., ampl. e atual. Rio de

Janeiro: Editora Lumen Juris, 2005. p. 15). 4 O princípio da moralidade impõe que o administrador público não dispense os

preceitos éticos que devem estar presentes em sua conduta. deve não só averiguar os

critérios de conveniência,oportunidade e justiça em suas ações, mas também

distinguir o que é honesto do que é desonesto. Acrescentamos que tal forma de

conduta deve existir não somente nas relações entre a administração e os

administrados em geral, como também internamente, ou seja, na relação entre a

Administração e os agentes públicos que a integram. (Idem, p. 16.)

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Constituição do Estado do Espírito Santo, que repete, simetricamente, a

redação do artigo 37 da Carta Magna.

Ante o que até aqui exposto, parece claro que a Lei Municipal nº

1.316/2007, de Boa Esperança, viola substancialmente os preceitos

constitucionais insertos no artigo 32, caput e incisos II e IX, da

Constituição do Estado do Espírito Santo, merecendo firme censura por

essa E. Corte.

III – ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA PRETENDIDA

É imperiosa a concessão de medida liminar para a suspensão imediata

da vigência da Lei ora impugnada na presente Ação Direta de

Inconstitucionalidade, com espeque no art. 10 e seguintes da Lei nº

9.868/99, c/c artigo 273 do Estatuto Adjetivo Civil.

Com efeito, a tese jurídica esposada ostenta a necessária relevância

jurídica – fumus boni iuris – na medida em que o texto impugnado fere

frontalmente o art. 32, incisos II e IX da Constituição Estadual, que

consagra os princípios norteadores da acessibilidade ao serviço público,

além de afrontar diretamente o caput do citado preceptivo

constitucional. É flagrante a incompatibilidade que se verifica entre as

exceções à regra constitucional de acesso ao serviço público somente

pela via do concurso e a contratação temporária que se logrou operar

pela malsinada lei.

Facilmente aferível, também, o periculum in mora, em razão do

constante dano que vem sendo causado ao erário público municipal

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com os pagamentos dos servidores admitidos por meio da espúria

contratação temporária. Até o julgamento definitivo da presente ação

o município poderá continuar a realizar indevida contratação e

ilegítimo estipêndio a servidores contratados ao arrepio da Constituição

Estadual, em constante prejuízo do erário e da ordem públicos.

Como é de comezinho conhecimento, depois de verificada a

ocorrência dos danos, ou seja, o pagamento da contraprestação

pecuniária pelos serviços prestados, não é possível o ressarcimento aos

cofres públicos, razão pela qual não se pode admitir que tal situação se

protraia no tempo, causando ainda maiores prejuízos ao tesouro da

municipalidade.

Assim sendo, não há nenhum motivo que justifique a imposição do ônus

de se aguardar o pronunciamento de mérito, uma vez que quando ele

ocorrer, fatalmente, terão ocorrido outros pagamentos em flagrante

afronta ao texto constitucional.

Conclui-se pela imperiosa necessidade de antecipação dos efeitos da

tutela pretendida no caso em tela, providência essencial para obstar

que se protraia no tempo a lesão ao ordenamento jurídico que reside

no texto vergastado.

IV - PEDIDOS

Ex positis, requer:

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

Procuradoria-Geral de Justiça

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a) A suspensão liminar dos efeitos da Lei Municipal nº 1.316/2007 ora

vergastada, nos termos do artigo 169, alínea b, do Regimento Interno

deste Egrégio Tribunal de Justiça e do artigo 12 da Lei 9.868/99;

b) A notificação do Prefeito e do Presidente da Câmara Municipal

de Boa Esperança, para os fins previstos no artigo 169, alínea a, do

Regimento Interno deste Egrégio Tribunal de Justiça;

c) E, por derradeiro, seja a presente Ação Direta de

Inconstitucionalidade julgada procedente, declarando-se a

inconstitucionalidade material da Lei Municipal nº. 1.316/2007,

adotando-se as providências necessárias para que cessem, ex tunc,

todos os seus efeitos.

V – VALOR DA CAUSA

Dá-se à causa, por força de expressa disposição legal, o valor de R$

100,00 (cem reais).

Termos em que,

Pede deferimento.

Vitória, 11 de março de 2011.

FERNANDO ZARDINI ANTONIO

PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA