MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
Procuradoria-Geral de Justiça
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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO.
O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO vem,
no uso das atribuições que lhe são conferidas pelo artigo 112, inciso III
da Constituição do Estado do Espírito Santo e artigo 29, inciso I da Lei
8.625/93 c/c artigo 30, inciso XVI, da Lei Complementar Estadual 95/97-
Lei Orgânica do Ministério Público, propor a presente
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
da Lei nº. 1.316, de 13 de fevereiro de 2007, do município de Boa
Esperança (ANEXO 1), requerendo, desde logo, seja concedida a
antecipação dos efeitos da tutela pretendida in limine litis e inaudita
altera parte, pelos fatos e fundamentos abaixo aduzidos.
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I - DA COMPETÊNCIA DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO
PARA O PROCESSAMENTO E JULGAMENTO DA AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI MUNICIPAL EM FACE DA CONSTITUIÇÃO
ESTADUAL
O Brasil é uma Federação. Esse tipo de Estado caracteriza-se pela
descentralização territorial do poder, no qual os Estados-Membros e os
Municípios possuem autonomia, manifestando-se a unidade de Estado
em três esferas, cada qual delimitada pelas normas da Constituição
Federal, que atua como Estatuto da Federação.
Nos termos dos artigos 18 e 29 da Constituição Republicana de 1988, o
Município goza de autonomia, o que equivale dizer que tais entes
detêm competência para gerir seus próprios interesses. A competência
municipal funda-se em quatro capacidades: I) auto-organização,
através da lei orgânica; II) autogoverno, com a eleição de seu próprio
corpo de agentes políticos; III) capacidade legislativa, preparando o
ordenamento jurídico local e; IV) autoadministração, organizando e
mantendo o serviço público local.
Essa feição autônoma dos Municípios não tem par nas ordens
constitucionais pretéritas. De fato, as Constituições anteriores
determinavam que os Estados-Membros deveriam organizar seus
municípios, assegurando-lhes autonomia. Note-se que a autonomia era
dirigida aos Estados-Membros, porque a estes cabia organizar os
Municípios.
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Com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil
de 1988, ficou diretamente assegurada a autonomia Municipal, de
maneira que a ingerência do Estado nos assuntos do Município ficou
limitada aos aspectos expressamente indicados na Constituição
Cidadã.
Pelo fato de o Município não mais sofrer ingerência do Estado-Membro,
estando a disciplina jurídica principiológica do Município quase que
totalmente inserta na Carta da República, há poucas questões que, por
força da própria Constituição Federal, foram atribuídas à regulação
pela Constituição Estadual (e.g., fusão, desmembramento de
municípios, etc.).
Com efeito, somente em raras hipóteses estar-se-á diante de
inconstitucionalidade de Lei Municipal em face da Constituição
Estadual, uma vez que, conforme visto, a Constituição do Estado-
Membro pouco ou quase nada tem a ditar, em termos de diretrizes, ao
Município.
Pode ocorrer, contudo, de as Constituições Estaduais repetirem norma
já constante na Constituição da República, caso em que uma eventual
inconstitucionalidade de Lei Municipal ofenderia tanto a Constituição
Federal quanto a Constituição Estadual.
Assim, como em nosso sistema não se admite ação direta de
inconstitucionalidade de Lei Municipal em face da Constituição da
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República Federativa do Brasil, abre-se a possibilidade de controle de
constitucionalidade da Lei Municipal por meio de jurisdição
constitucional estadual, a ser exercida pelo Tribunal de Justiça do
Estado.
A esse propósito, assim se manifesta o Professor André Ramos Tavares1
[...] somente pode existir jurisdição constitucional no âmbito
do Estado-membro se a Constituição Federal assegurar às
unidades federadas não só a liberdade para criar
Constituições autô-nomas, mas também o poder de regular
a defesa judicial de sua específica Constituição. É
exatamente o que fez a atual Lei Magna, no § 2º do mesmo
art. 125. Nesse dispositivo, a Constituição Federal declara a
competência dos Estados para criar mecanismos de
proteção de suas Constituições contra leis inferiores que lhes
sejam contrárias.
Permite-se, assim, uma verdadeira jurisdição constitucional
estadual, a que estarão submetidos os atos normativos
emanados tanto do Estado-membro como de seus
Municípios. Determina o referido dispositivo constitucional:
“Cabe aos Estados a instituição de representação de
inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais
ou municipais em face da Constituição Estadual, vedada a
atribuição da legitimação para agir a um único órgão.
Vê-se, pois, que a defesa da Constituição Estadual mira, em última
análise, a defesa da Constituição Federal, por garantir a melhor
interpretação das normas constitucionais em todos os níveis da
federação. Ganha, com isso, a unidade e a força normativa da Lei
Fundamental.
1 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional / André Tavares Ramos. 5. ed.
São Paulo: Editora Saraiva, 2007. p. 385-386.
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Não por outra razão, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
admite que cabe Recurso Extraordinário do acórdão que decide
representação de inconstitucionalidade estadual quando o parâmetro
é norma presente na Constituição Estadual por repetição obrigatória:
Reclamação com fundamento na preservação da
competência do Supremo Tribunal Federal. Ação direta de
inconstitucionalidade proposta perante Tribunal de Justiça
na qual se impugna Lei municipal sob a alegação de ofensa
a dispositivos constitucionais estaduais que reproduzem
dispositivos constitucionais federais de observancia
obrigatoria pelos Estados. Eficacia jurídica desses dispositivos
constitucionais estaduais. Jurisdição constitucional dos
Estados-membros. - Admissão da propositura da ação direta
de inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça local,
com possibilidade de recurso extraordinário se a
interpretação da norma constitucional estadual, que
reproduz a norma constitucional federal de observancia
obrigatoria pelos Estados, contrariar o sentido e o alcance
desta. Reclamação conhecida, mas julgada improcedente.
(Reclamação 383. Relator: Ministro Moreira Alves. Órgão
Julgador: Tribunal Pleno. Data do Julgamento: 11/06/1992).
Sobressai, então, com clareza, que é cabível o conhecimento de ADI
pela Corte Estadual, mesmo que a norma constitucional estadual
violada seja repetição de disposição da Carta Magna, cabendo, da
decisão do Tribunal de Justiça, recurso extraordinário com fulcro no
artigo 102, inciso III, da CRFB/88.
Destarte, revela-se plenamente possível a argüição de
inconstitucionalidade, via processo objetivo de controle concentrado
abstrato, perante o Tribunal de Justiça, mesmo quando o dispositivo
violado for norma de repetição obrigatória da Constituição da
República.
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Portanto, se o Supremo Tribunal Federal tem a missão precípua de atuar
como guardião da Constituição da República Federativa do Brasil,
declarando a inconstitucionalidade de leis e atos normativos que com
ela conflitam, resta evidente que cabe a esse Colendo Sodalício
Estadual atuar como guardião da Constituição do Estado do Espírito
Santo, controlando a constitucionalidade das leis e atos normativos
municipais ou estaduais com esta conflitantes.
II –LEI Nº 1.316/2007. OFENSA AO PRINCÍPIO DO CONCURSO PÚBLICO –
VIOLAÇÃO AO ARTIGO 32, INCISOS II e IX, DA CONSTITUIÇÃO DO
ESTADO DO ESPÍRITO SANTO DE 1989.
Tanto a Constituição Estadual quanto a Carta da República
contemplam dispositivos regentes do tema.
Assim preleciona a Constituição Federal:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de
qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência e, também, ao seguinte:
II - a investidura em cargo ou emprego público depende
de aprovação prévia em concurso público de provas ou
de provas e títulos, de acordo com a natureza e a
complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista
em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em
comissão declarado em lei de livre nomeação e
exoneração;
IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por
tempo determinado para atender a necessidade
temporária de excepcional interesse público;
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No mesmo sentido, em enunciado quase idêntico, o texto estadual:
Art. 32. As administrações públicas direta e indireta de
quaisquer dos Poderes do Estado e dos Municípios
obedecerão aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência,
finalidade e interesse público, e também aos seguintes:
II - a investidura em cargo ou emprego público depende
de aprovação prévia em concurso público de provas ou
de provas e títulos, de acordo com a natureza e a
complexibilidade do cargo ou emprego, na forma
prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo
em comissão declarado em lei de livre nomeação e
exoneração;
IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por
tempo determinado para atender à necessidade
temporária de excepcional interesse público;
Com efeito, em matéria de acesso ao serviço público, a regra
constitucional é a de que o ingresso nas carreiras públicas somente se
dê após aprovação em concurso público de provas ou de provas e
títulos.
Em contrapartida, a própria Constituição traz as hipóteses em que o
concurso público é prescindível: nas nomeações para cargos de
provimento em comissão, declarados em lei de livre nomeação e
exoneração, e na contratação temporária para o atendimento de
necessidade efêmera de excepcional interesse público.
Interessa, para o deslinde do problema inserto neste tópico, a
interpretação da segunda exceção, a contratação temporária de
servidores visando o preenchimento de vagas oriundas de necessidade
pública de caráter transitório e excepcional, conforme o previsto no art.
32, IX da Constituição Estadual, acima colacionado.
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Acerca do tema, o Professor Celso Antonio Bandeira de Mello, com a
clareza que lhe é peculiar, ensina:
A Constituição prevê que a lei (entende-se: federal, estadual,
distrital ou municipal, conforme o caso) estabelecerá os casos
de contratação para o atendimento de necessidade
temporária de excepcional interesse público (art. 37, IX). Trata-
se, aí, de ensejar suprimento de pessoal perante contingências
que se desgarrem da normalidade das situações e presumam
admissões apenas provisórias, demandadas em circunstâncias
incomuns, cujo atendimento reclama satisfação imediata e
temporária (incompatível, portanto, com o regime normal de
concursos). A razão do dispositivo constitucional em apreço,
obviamente, é contemplar situações nas quais ou a própria
atividade a ser desempenhada, requerida por razões
muitíssimo importantes, é temporária, eventual (não se
justificando a criação de cargo ou emprego, pelo quê não
haveria cogitar de concurso público), ou a atividade não é
temporária, mas o excepcional interesse público demanda que
se faça imediato suprimento temporário de uma necessidade
(neste sentido, “necessidade temporária”) por não haver
tempo hábil para realizar concurso, sem que suas delongas
deixem insuprido o interesse incomum que se tem de
acobertar.
Logo, percebe-se que o permissivo constitucional abrange duas
hipóteses: i) contratações para o desempenho de atividade pública
ocasional (como contratação de especialista para conduzir projeto
especial por tempo determinado), ou; ii) casos em que a atividade em
si insere no âmbito das atribuições públicas normais, mas excepcional
interesse público demanda contratação emergencial (e.g.:
contratação de médicos para combate a surto endêmico eventual).
Todavia, analisando a legislação municipal objeto da presente ação,
observa-se que ela não se adéqua a nenhuma das hipóteses acima
tratadas.
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A norma consagrada na Lei 1.316/2007 versa acerca de contratação
temporária para preenchimento de vagas de profissionais da área de
educação e de saúde do Município, sem, contudo, especificar qual a
motivação da contratação.
Observa-se, claramente, que se trata de contratação de pessoal para
a prestação de serviço público corriqueiro, não restando especificada
qual circunstância extraordinária visa atender.
Diante disso, justamente por serem exceções ao princípio do concurso
público, essas nomeações devem atender a uma baliza teleológica
imposta pelo texto constitucional, a saber, destinarem-se somente ao
atendimento de excepcional interesse público.
De tal forma, para que haja a contratação temporária é necessário
verificar se se tratam, verdadeiramente, de funções de caráter eventual
e de excepcional interesse público a serem exercidas por tempo
determinado, como exige a Constituição.
Entretanto, como se pode extrair da tabela que integra o artigo 1º, a lei
em questão trata de serviços básicos, relacionados a funções de
caráter permanente das áreas de educação e saúde.
Destarte, ao instituir contratação temporária para serviços de caráter
permanente, a referida lei violou substancialmente os preceitos insertos
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na Lei Fundamental Estadual, tratando-se, portanto, de
inconstitucionalidade material.
A jurisprudência pátria é pacífica quanto ao assunto, senão vejamos:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. LEI ESTADUAL CAPIXABA QUE
DISCIPLINOU A CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE SERVIDORES
PÚBLICOS DA ÁREA DE SAÚDE. POSSÍVEL EXCEÇÃO PREVISTA
NO INCISO IX DO ART. 37 DA LEI MAIOR.
INCONSTITUCIONALIDADE. ADI JULGADA PROCEDENTE. I - A
contratação temporária de servidores sem concurso público
é exceção, e não regra na Administração Pública, e há de
ser regulamentada por lei do ente federativo que assim
disponha. II - Para que se efetue a contratação temporária, é
necessário que não apenas seja estipulado o prazo de
contratação em lei, mas, principalmente, que o serviço a ser
prestado revista-se do caráter da temporariedade. III - O
serviço público de saúde é essencial, jamais pode-se
caracterizar como temporário, razão pela qual não assiste
razão à Administração estadual capixaba ao contratar
temporariamente servidores para exercer tais funções. IV -
Prazo de contratação prorrogado por nova lei
complementar: inconstitucionalidade. V - É pacífica a
jurisprudência desta Corte no sentido de não permitir
contratação temporária de servidores para a execução de
serviços meramente burocráticos. Ausência de relevância e
interesse social nesses casos. VI - Ação que se julga
procedente. (ADI 3430, Relator(a): Min. RICARDO
LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 12/08/2009, DJe-
200 DIVULG 22-10-2009 PUBLIC 23-10-2009 EMENT VOL-02379-
02 PP-00255)
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N.
10.843/04. SERVIÇO PÚBLICO. AUTARQUIA. CADE.
CONTRATAÇÃO DE PESSOAL TÉCNICO POR TEMPO
DETERMINADO. PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DA ATIVIDADE
ESTATAL. CONSTITUCIONALIDADE. ART. 37, IX, DA CB/88. 1. O
art. 37, IX, da Constituição do Brasil autoriza contratações,
sem concurso público, desde que indispensáveis ao
atendimento de necessidade temporária de excepcional
interesse público, quer para o desempenho das atividades
de caráter eventual, temporário ou excepcional, quer para
o desempenho das atividades de caráter regular e
permanente. 2. A alegada inércia da Administração não
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pode ser punida em detrimento do interesse público, que
ocorre quando colocado em risco o princípio da
continuidade da atividade estatal. 3. Ação direta julgada
improcedente.
(ADI 3068, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/
Acórdão: Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em
25/08/2004, DJ 23-09-2005 PP-00006 EMENT VOL-02206-1 PP-
00132 REPUBLICAÇÃO DJ 24-02-2006 PP-00007)
Ainda nesse sentido, segue o seguinte trecho do irretocável voto
proferido nos autos da ADI 890 do Supremo Tribunal Federal, de lavra do
Ministro Maurício Corrêa:
Com efeito, a cláusula constitucional autorizadora destina-
se exclusivamente – e aqui a interpretação restritiva se
impõe – aos casos em que comprovadamente haja
necessidade temporária de pessoal. Tal situação não
abrange aqueles serviços permanentes que estão a cargo
do Estado nem aqueles de natureza previsível, para os quais
a Administração Pública deve alocar, de forma planejada,
os cargos públicos para isso suficientes, a serem providos
pela forma regular do concurso público, sob pena de
desídia e ineficiência administrativa. Frisa-se que o
comando constitucional não confere ao legislador ordinário
ampla liberdade para pontuar os casos suscetíveis de
contratação temporária.
Desta forma, é defeso ao Executivo municipal, sob a forma de
contratação temporária, contratar servidores que deveriam exercer
funções de caráter permanente.
Corroborando a questio juris, colacionamos a doutrina de José dos
Santos Carvalho Filho2:
[...] A prévia aprovação em concurso público é, como
regra, condição de ingresso no serviço público. O alcance
2 FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo/ José dos Santos
Carvalho Filho. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008. p. 588 .
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da exigência deve ser o mais amplo possível, de modo que
pode se considerar que a exigência da aprovação em
concurso se configura como a regra geral.
Vê-se, pois, que a lei ora vergastada afronta o princípio constitucional
do concurso público, estabelecido pelo art. 32, inc. II da Constituição
Estadual.
Ademais, para que a contratação temporária seja válida, além de
observar a regra estabelecida no inciso IX, devem ser levados em conta
também os demais princípios constitucionais norteadores da
administração pública insculpidos no caput do art. 32 da Carta
Estadual.
Notório, portanto, que a Lei Municipal nº. 1.316/2007, além de violar a
norma constitucional do concurso público, macula os princípios da
impessoalidade3 e da moralidade4, sediados no artigo 32, caput da
3 Impessoal é “o que não pertence a uma pessoa em especial”, ou seja, aquilo que
não pode ser voltado especialmente a determinadas pessoas.
O princípio objetiva a igualdade de tratamentos que a Administração deve dispensar
aos administrados que se encontrem em idêntica situação jurídica. Nesse ponto
representa uma faceta do princípio da isonomia. Por outro lado, para que haja
verdadeira impessoalidade, deve a Administração voltar-se exclusivamente para o
interesse público, e não para o privado, vedando-se, em conseqüência, sejam
favorecidos alguns indivíduos em detrimento de outros e prejudicados alguns para
favorecimento de outros. (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito
Administrativo / José dos Santos Carvalho Filho. 12. ed., rev., ampl. e atual. Rio de
Janeiro: Editora Lumen Juris, 2005. p. 15). 4 O princípio da moralidade impõe que o administrador público não dispense os
preceitos éticos que devem estar presentes em sua conduta. deve não só averiguar os
critérios de conveniência,oportunidade e justiça em suas ações, mas também
distinguir o que é honesto do que é desonesto. Acrescentamos que tal forma de
conduta deve existir não somente nas relações entre a administração e os
administrados em geral, como também internamente, ou seja, na relação entre a
Administração e os agentes públicos que a integram. (Idem, p. 16.)
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Constituição do Estado do Espírito Santo, que repete, simetricamente, a
redação do artigo 37 da Carta Magna.
Ante o que até aqui exposto, parece claro que a Lei Municipal nº
1.316/2007, de Boa Esperança, viola substancialmente os preceitos
constitucionais insertos no artigo 32, caput e incisos II e IX, da
Constituição do Estado do Espírito Santo, merecendo firme censura por
essa E. Corte.
III – ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA PRETENDIDA
É imperiosa a concessão de medida liminar para a suspensão imediata
da vigência da Lei ora impugnada na presente Ação Direta de
Inconstitucionalidade, com espeque no art. 10 e seguintes da Lei nº
9.868/99, c/c artigo 273 do Estatuto Adjetivo Civil.
Com efeito, a tese jurídica esposada ostenta a necessária relevância
jurídica – fumus boni iuris – na medida em que o texto impugnado fere
frontalmente o art. 32, incisos II e IX da Constituição Estadual, que
consagra os princípios norteadores da acessibilidade ao serviço público,
além de afrontar diretamente o caput do citado preceptivo
constitucional. É flagrante a incompatibilidade que se verifica entre as
exceções à regra constitucional de acesso ao serviço público somente
pela via do concurso e a contratação temporária que se logrou operar
pela malsinada lei.
Facilmente aferível, também, o periculum in mora, em razão do
constante dano que vem sendo causado ao erário público municipal
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com os pagamentos dos servidores admitidos por meio da espúria
contratação temporária. Até o julgamento definitivo da presente ação
o município poderá continuar a realizar indevida contratação e
ilegítimo estipêndio a servidores contratados ao arrepio da Constituição
Estadual, em constante prejuízo do erário e da ordem públicos.
Como é de comezinho conhecimento, depois de verificada a
ocorrência dos danos, ou seja, o pagamento da contraprestação
pecuniária pelos serviços prestados, não é possível o ressarcimento aos
cofres públicos, razão pela qual não se pode admitir que tal situação se
protraia no tempo, causando ainda maiores prejuízos ao tesouro da
municipalidade.
Assim sendo, não há nenhum motivo que justifique a imposição do ônus
de se aguardar o pronunciamento de mérito, uma vez que quando ele
ocorrer, fatalmente, terão ocorrido outros pagamentos em flagrante
afronta ao texto constitucional.
Conclui-se pela imperiosa necessidade de antecipação dos efeitos da
tutela pretendida no caso em tela, providência essencial para obstar
que se protraia no tempo a lesão ao ordenamento jurídico que reside
no texto vergastado.
IV - PEDIDOS
Ex positis, requer:
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a) A suspensão liminar dos efeitos da Lei Municipal nº 1.316/2007 ora
vergastada, nos termos do artigo 169, alínea b, do Regimento Interno
deste Egrégio Tribunal de Justiça e do artigo 12 da Lei 9.868/99;
b) A notificação do Prefeito e do Presidente da Câmara Municipal
de Boa Esperança, para os fins previstos no artigo 169, alínea a, do
Regimento Interno deste Egrégio Tribunal de Justiça;
c) E, por derradeiro, seja a presente Ação Direta de
Inconstitucionalidade julgada procedente, declarando-se a
inconstitucionalidade material da Lei Municipal nº. 1.316/2007,
adotando-se as providências necessárias para que cessem, ex tunc,
todos os seus efeitos.
V – VALOR DA CAUSA
Dá-se à causa, por força de expressa disposição legal, o valor de R$
100,00 (cem reais).
Termos em que,
Pede deferimento.
Vitória, 11 de março de 2011.
FERNANDO ZARDINI ANTONIO
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