examinai as escrituras - o período intertestamentario e os evangelhos

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EXAMINAI AS ESCRITURAS J. SIDLOW BAXTER O PERIODO INTERTESTAMENTÁRIO E OS EVANGELHOS SOCIEDADE RELIGIOSA EDIÇÕES VIDA NOVA Rua Antonio Carlos Tacconi, 75 — 04810 — São Paulo SP

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Page 1: Examinai as Escrituras - O Período Intertestamentario e os Evangelhos

EXAMINAIAS

ESCRITURAS

J. SIDLOW BAXTER

O PERIODO INTERTESTAMENTÁRIO

E OS EVANGELHOS

SOCIEDADE RELIGIOSA EDIÇÕES VIDA NOVA Rua Antonio Carlos Tacconi, 75 — 04810 — São Paulo SP

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Título do original em inglês: EXPLO RE THE BOOK

Copyright© 1955 de j. Sidlow BaxterPublicado pela primeira vez por Marshall, Morgan & Scott, Ltd- Inglaterra

Tradução: Neyd SiqueiraRevisão de estilo: Robinson Norberto Malkomes Revisão de provas: Vera Lúcia dos Santos Barba

Primeira edição em português: 1985 - 3.000 exemplares

Impresso nas oficinas da Associação Religiosa Imprensil i a Fé Cx. Postal 18918 - São Paulo, SP - CEP 04695

iblicaao no Brasil com a devida autorização e com todos os di- eservados pela

S O C IED ^ E RELIGIOSA EDIÇD^ “ W W NOVA Caixa Posta 04698 h^^aulo SP

M A Z I N H O R O D R IG U E S

Page 3: Examinai as Escrituras - O Período Intertestamentario e os Evangelhos

CONTEÚDO

PREFÁCIO ..................................................................... 6

PREFÁCIO À EDIÇÃO EM PORTUGUÊS ........................ 7

PERÍODO IIMTERTESTAMENTÁRIO................................ 9Lições 1, 2, 3 e 4

O NOVO E O VELHO TESTAMENTOS ............................ 93Lição 5

O NOVO TESTAMENTO COMO UM T O D O ...................... 105Lição 6

OS QUATRO E V A N G E LH O S ........................................... 123Lição 7

O EVANGELHO SEGUNDO M A T E U S .............................. 145Lições 8, 9, 10 e 11

O EVANGELHO SEGUNDO M A R C O S .............................. 199Lições 12, 13 e 14

O EVANGELHO SEGUNDO LUCAS ................................ 241Lições 15, 16 e 17

O EVANGELHO SEGUNDO JO Ã O ................................... 289Lições 18, 19 e 20

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PREFACIO

Ao publicarmos estes estudos acerca do período intertesta­mentário e dos evangelhos desejamos fazer três observações:

(1) Não estamos tentando satisfazer neste trabalho os capri­chos de alguns que sempre desejam as últimas novidades em teo­logia. A teologia hoje está em perigo de tornar-se simples especu­lação religiosa, distanciando-se de suas amarras em uma Bíblia inspirada sobrenaturalmente. Estes estudos presumem que a Bí­blia é uma revelação tanto inspirada como completa, com a con­seqüência natural de que a era presente não é de continuação da revelação, mas de percepção humana orientada pelo Espírito.

(2) Estes estudos não pretendem absolutamente ser um “ co­mentário” ou um simpósio de artigos teológicos. Trata-se de uma pesquisa exploratória da Bíblia, a fim de mostrar quão convida­tivas e compensadoras são as suas páginas e prover uma breve, mas ampla, preparação para um estudo mais detalhado de suas várias partes.

(3) Estamos dedicando um número excessivo de páginas aos séculos intertestamentários? Talvez; todavia, a fim de atingir o propósito mencionado acima, estamos convencidos de que um conhecimento adequado do intervalo significativo, e das notáveis instituições judaicas que nele se desenvolveram, é mais valioso pa­ra o estudo do Novo Testamento do que muitos julgam. Conhe­cer de perto essa “grande divisão” faz muitas vezes que passagens dos Evangelhos, Atos e Epístolas ganhem maior "vida” e relevân­cia — como no Sermão do Monte em que as palavras repetidas do Senhor, “Ouvistes que foi dito... Eu, porém, vos digo”, abrem uma brecha entre as suas próprias palavras e aquelas da simples “ Lei Oral” , que surgira no período intertestamentário, e não com o Ve­lho Testamento (como muitos supõem erradamente).

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PREFÁCIO À EDIÇÃO EM PORTUGUÊS

A obra aqui intitulada EXAMINAI AS ESCRITURAS é a quinta parte de uma coleção de seis volumes. Essa coleção surgiu em decorrência do desejo do Pastor J. Sidlow Baxter em oferecer, com lições atraentes e práticas, um conhecimento bíblico básico aos membros da Capela Charlotte, em Edinburgo. O autor teve a fe­liz idéia de preparar seus estudos de um modo completo para os membros daquela igreja, começando com Gênesis e terminando em Apocalipse, sem escrever apenas mais um comentário.

O autor lança um agradável e seguro alicerce para aquele que desejar apresentar-se como obreiro (ou membro da igreja) “que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da ver­dade” (2 Tm 2:15).

Neste volume o Pastor Baxter discorre sobre o período in- tertestamentário e os quatro evangelhos. São poucos os livros que informam os interessados acerca do período de quatrocentos anos da história judaica, chamado de “o período interbíblico (ou inter- testamentário).” Procurar entender o Novo Testamento sem essas raízes históricas presentes entre Malaquias e Mateus, leva o estu­dioso a uma compreensão falha dos Evangelhos. O autor destaca nesta sua obra prima as origens do judaísmo que dominou a Ter­ra Santa nos dias de Nosso Senhor. Os estudos sobre os quatro Evangelhos oferecem ao leitor um panorama inesquecível acerca do conteúdo, estrutura e intenção dos evangelistas.

Em lições sempre práticas e bastante assimiláveis, Baxter dá, àqueles que somente têm idéias acerca do Novo Testamento, in- contávéis informações muito iluminadoras. E nossa convicção que a popularidade gozada por esta obra em inglês, será a mesma que se verificará na sua edição em português. Esperamos que, com o decorrer dos meses, possamos lançar a coleção completa em nosso idioma.

Os Editores

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o p e r ío d o in t e r t e s t a m e n t á r io

I. O ASPECTO POLÍTICO

Lição nQ 1

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NOTAS

(1) As sinopses que se seguem, relativas ao intervalo inter­testamentário, são dirigidas a aprendizes. Não há necessidade de dizer nada novo sobre o mesmo, mas arranjá-lo e apresentá-lo de modo a tornar mais fácil a sua memorização. Para os que dese­jam explorar o período mais detalhadamente, recomendamos: O Novo Testamento — Sua Origem e Anáiise — Tenney — págs. 31-144 e O Período Inter-Bíblico — E. Tognini.

(2) Em sua grande misericórdia, Deus não tornou as verda­des salvadoras de sua Palavra escrita, dependentes do fato de co­nhecermos ou não o curso da história fora da mesma, de modo que tanto os ignorantes como os informados possam ser salvos. Mas se desejarmos adquirir também um conhecimento mais completo e mais proveitoso da Sua Palavra, então aprofundar-se na história fora dela (mas relacionada com a mesma) é de máxima importân­cia para nós, e devemos esforçar-nos para aprendê-la. Este o mo­tivo de termos concedido espaço considerável ao período entre os Testamentos nos estudos que se seguem. Recomendamos que as sinopses desse período sejam lidas cuidadosa e repetidamente, co­mo um preparo realmente valioso para o estudo das Escrituras do Novo Testamento em si.

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ENTRE MALAQUIAS E MATEUS

Não dirfamos que um conhecimento do período entre o Velho e o Novo Testamentos é vital para a nossa compreensão dos quatro evangelhos, embora seja muito desejável e de fato praticamente necessário, se quisermos apreciar plenamente as muitas cenas e incidentes sobre os quais Mateus ergue a cortina. Ele apresenta um pano de fundo contra o qual vemos com perfeita clareza as ligações e relevâncias das palavras e acontecimentos que ocupam as primei­ras páginas de nosso Novo Testamento.

Os leitores bíblicos, geralmente, conhecem muito pouco a respeito deste período. Desejamos muitas vezes que as várias edi­ções da Bíblia incluíssem uma breve sinopse, a fim de esclarecer para o leitor comum este longo e divisor hiato entre os dois Tes­tamentos. Achamos útil dar um breve esboço do período neste ponto, como um prelúdio para o nosso estudo dos quatro evan­gelhos.

O PERÍODO DE FORMA GERAL

O período entre Malaquias e Mateus abrange cerca de quatro­centos anos, se aceitarmos a data habitualmente atribuída a Mala­quias. A crítica histórica moderna situou Malaquias numa data posterior, fazendo com que Joel e partes de Isaías se enquadras­sem no mesmo período, colocando Zacarias perto do ano 250 a.C. e Daniel a duzentos anos do nascimento do Senhor. Mas es-

ll

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sas datas posteriores baseiam-se em pontos subjetivos e não passam, na verdade, de conjeturas teóricas. Podemos aceitar com confiança o encerramento do cânon do Velho Testamento com Malaquias, cerca de 397 a.C.

Este intervalo de quatrocentos anos foi chamado de o “ perío­do negro” da história de Israel nos tempos pré-cristãos, em vista de não ter surgido qualquer profeta ou escritor inspirado em toda essa época. O sol desvanecente da profecia extingüiu-se e o lamen­to do Salmo 74:9 parece encontrar um triste cumprimento nos quatro séculos que se seguiram: “ Já não vemos os nossos símbolos; já não há profeta; nem, entre nós, quem saiba até quando...”

Nossas fontes de informação para o período são os livros XI, XII e XIII de Josefo, dois livros dos Apócrifos, 1 e 2 Macabeus, além de referências aqui e ali em historiadores gregos e latinos: Po- líbio, Tácito, Lívio e Ápio. Os historiadores gentios referem-se apenas superficialmente aos assuntos judeus daqueles dias, prova­velmente por não apreciarem o povo da aliança e devido à sua in­capacidade para avaliar corretamente os aspectos espirituais dos conflitos que irrompiam repetidamente entre os judeus e os povos idólatras que os cercavam.

A condição dos judeus como nação e raça deste período de quatrocentos anos deve ser claramente lembrada. Duzentos anos antes Jerusalém tinha sido conquistada e o povo judeu levado para o exílio na Babilônia (587 a.C.). Cinqüenta anos depois.disso, en­quanto os judeus continuavam cativos, o próprio império babilóni­co fora derrubado e substituído pelo medo-persa, o segundo dos impérios mundiais profetizado em Daniel; Ciro, o imperador persa expedira seu famoso decreto (536 a.C.), provocando a volta do “ Remanescente” judeu a Jerusalém e Judéia, sob Zorobabel, cer­ca de 50.000 ao todo. Vinte e um anos mais tarde, depois de mui­tos obstáculos, a construção do novo templo foi completada em 515 a.C. Outros cinqüenta e sete anos depois disso, em 458 a.C., o escriba Esdras se juntou ao “ Remanescente” repatriado em Jeru­salém com um contingente bem menor de duas mil pessoas com suas famílias, e restaurou a Lei e o ritual. Após outros doze anos, em 446 a.C., Neemias chegou a Jerusalém para reconstruir os mu­ros e exercer a função de governador. Havia então agora, nova­mente, um estado judeu na Judéia, embora sob o domínio persa.

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Mas o “remanescente” que voltara era apenas um remanes­cente. A parte maior da nação preferiu permanecer na Babilônia e Assíria (agora dominada pela Pérsia), onde prosperava e onde, desde o início do reinado medo-persa, eram tratados mais como colonos do que cativos.

Essa é portanto a descrição do povo judeu no começo do período de quatrocentos anos entre Malaquias e Mateus: o rema­nescente judeu de volta à Judéia cerca de cento e quarenta anos; um estado judeu pequeno e dependente ali, Jerusalém e o tem­plo reconstruídos, a LEI e o ritual restaurados; mas a massa do povo continuava dispersa através de todo o império medo-persa.

Nosso interesse se fixa especialmente sobre a comunidade ju­daica repatriada e reconstituída na Judéia, “o Remanescente” , pois é nela que a continuidade da história judaica, nacional e po­lítica, é preservada entre o Velho e o Novo Testamentos; i.e., os que são a nação judaica, distintos dos judeus como uma raça dis­persa e desintegrada.

Se quisermos apreciar corretamente esta comunidade judai­ca, à medida que ela emerge de novo nas páginas do Novo Testa­mento, precisamos traçar o seu curso de duas maneiras: primei­ro, quanto aos desenvolvimentos externos (o aspecto político): e, segundo, quanto aos desenvolvimentos internos (o aspecto re­ligioso).

DesenvÀJyimentos Externos

Considerado externa e politicamente, o curso variado da pequena nação judaica na Palestina, simplesmente reflete a his­tória dos diferentes impérios mundiais e outros grandes pode­res que obtiveram sucessivamente o domínio da Palestina, com exceção de uma breve conjuntura, a saber, a revolta dos maca- bes, quando durante um curto período houve de novo um go­verno independente. Podemos dizer que a história judaica duran­te esses quatro séculos entre os Testamentos se divide em seis períodos: persa, grego, egípcio, sírio, macabeu e romano.

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O Período Persa (536-333 a.C.)O dom mio persa sobre a Palestina, que se iniciou com o de­

creto de Ciro em 536 a.C. autorizando a volta do remanescente ju­deu, continuou até 333 a.C., quando a Palestina caiu sob o poder de Alexandre, o Grande e seu império greco-macedônio (o tercei­ro dos impérios mundiais pagãos preditos por Daniel). Isto signi­fica que no final de Malaquias os judeus se achavam ainda sob o reinado persa e permaneceram nessa situação durante praticamen­te sessenta anos da era intertestamentária.

A última parte do período persa parece ter sido mais ou me­nos calma. Existe pouca informação a respeito. A Palestina fazía parte da satrapia síria, e o domínio parece ter sido tolerante. A forma sacerdotal do governo judeu foi respeitada e o sumo sacer­dote recebeu ainda maior poder civil além de seus ofícios religio­sos, embora tivesse de, naturalmente, prestar contas ao governa­dor persa da Síria.

Ao que parece, a única perturbação notável durante esse tem­po foi uma represália anti-semita provocada pelos próprios líde­res judeus através de intrigas e homicídios em sua competição per­versa pelo cobiçado cargo de sumo-sacerdote — já que o poder ci­vil investido na posição sagrada fizera dele um objeto de ambição política. No próprio recinto do templo, Jônatas, neto de Elisabe, assassinou seu irmão Josué, favorito do governador persa. Os per­sas descarregaram sua vingança sobre Jerusalém, profanaram o templo, impuseram uma severa multa, devastaram parcialmente a cidade e perseguiram os judeus por algum tempo depois disso.

Um outro ponto talvez deva ser destacado neste período per­sa. Ele está ligado a Samaria, a província anexa à Judéia, e parte da satrapia síria. Em 2 Reis 17:24-41, lemos que bem antes, em 721 a.C., depois de destruir o reino das dez tribos de Israel e dispersar os israelitas através das cidades dos medos, o rei da Assíria repo­voou as cidades de Israel com um povo misto que veio a ser chamado de “ samaritanos” , seu território sendo conhecido como Samaria, o nome da cidade principal, ex-capital de Israel. Mais tarde, Neemias encontrou grande oposição e maldade justaménte por parte do povo dessa região, quando foi enviado pelo imperador persa em 446 a.C. para reconstruir os muros de Jerusalém. Agora, muitos anos mais tarde, nos estágios iniciais dos séculos intertestamentá- rios, e quase no final do reino persa, parece que o culto rival de

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Samaria (Ja 4:19-22) tornou-se estabelecido, com a fundação do templo samaritano. Esse acontecimento marcou a separação total entre judeus e samaritanos. Desde então, Samaria passou a viver como uma comunidade isolada em uma estreita área. A competi­ção no culto fazia parte de uma rivalidade mais generalizada, vio­lenta e rancorosa, que persistiu até os dias do Novo Testamento.

5 O Período Grego (333-323 a.C.)Alexandre, o Grande foi um fenômeno meteórico tão notá­

vel na história que não podemos deixar de perguntar-nos quáí se­ria o seu impacto total no mundo se ele não tivesse morrido re­pentinamente aos 32 anos de idade. Arremessado ao poder, após o assassinato do pai, quando tinha apenas vinte anos, Alexandre transformou politicamente a face do mundo em pouco menos de uma década. Ele é o “ chifre notável” na visão do “ bode” de Da­niel (veja Daniel 8.1-7).

Em sua campanha na Síria ele marchou na direção sul contra Jerusalém. Josefo nos conta como o sumo sacerdote Jadua, em suas vestes sacerdotais e encabeçando uma procissão de sacerdotes vestidos de branco, apresentou-se para invocar a clemência do conquistador. Alexandre, que, segundo dizem, reconheceu em Ja­dua o cumprimento de um sonho, não só poupou Jerusalém e ofe­receu sacrifício a Jeová, mas também ouviu a leitura das profecias de Daniel referentes à queda do império persa por meio de um rei da Grécia. Desde então ele tratou os judeus com marcada preferên­cia, concedendo-lhes plenos direitos de cidadania com os gregos em sua nova cidade, Alexandria, e em outras cidades. Isto, por sua vez, criou entre os judeus simpatias decididamente pró-gregas e, juntamente com a difusão da língua e civilização gregas feita por Alexandre, teve suas repercussões a longo prazo no espírito hele- nista que se desenvolveu entre os semitas e afetou grandemente sua

perspectiva mental mais tarde.

O Período Egípcio (323-204 a.C.)Es,ta foi a mais longa das seis épocas na era intertestamentá-

ria. A morte prematura de Alexandre precipitou um intervalo de confusão que se resolveu na divisão de seu império entre seus qua­

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tro generais: Ptolomeu, Lisímaco, Cassandro e Seleno. Esses são os “ quatro notáveis” que substituem o “grande chifre” , como pro­fetizado em Daniel 8:21-22.

Depois de severa luta, em que a J udéia, juntamente com a ou­tra parte da Síria, tornou-se novamente tanto “o prêmio como a vítima” no conflito pelo império entre Leste e Oeste, a Judéia caiu agora nas mãos de Ptolomeu, juntamente com o Egito. Este foi Ptolomeu Soter, o primeiro da dinastia ptolemaica, i.e., a linha­gem de reis gregos sobre o Egito. (Para uma lista dos ptolomeus veja o final deste estudo.)

Ptolomeu arrancou as províncias sírias de um general oponen­te, Laomedo. Os judeus recusaram-se a retirar seu voto de lealda­de a Laomedo, mas Ptolomeu capturou Jerusalém num sábado, dia que os judeus se negavam a profanar mesmo para se defenderem. Dentre os cem mil cativos, Ptolomeu destacou trinta mil para guar­necer suas cidades mais importantes, especialmente na Líbia e Ci- rene, que acabara de anexar. Tomou essa decisão devido à fideli­dade mostrada pelos judeus em se manterem leais a Laomedo.

Durante algum tempo Ptolomeu Soter tratou duramente os judeus, mas depois mostrou-se amigável. Seu sucessor, Ptolomeu Filadelfo, continuou numa atitude favorável e seu reinado desta­cou-se não só por ter fundado a renomada biblioteca alexandrina, mas também pelo fato da famosa tradução Septuaginta das Escri­turas do Velho Testamento ter sido feita nessa época; passando-as do hebraico para o grego, cuja língua se tornara conhecida em to­do o mundo civilizado. Segundo se julga, o Pentateuco foi traduzido cerca de 285 a.C. e o restante das Escrituras em estágios posterio­res. Os judeus eram então tão numerosos no Egito e norte da Áfri­ca que tal tradução mostrou-se imprescindível. Ela passou a ser usada de modo geral bem antes do nascimento do Senhor e muitos dos gentios puderam conhecer então as Escrituras.

Durante o período de tratamento humano e algumas vezes bondoso dos três primeiros Ptolomeus, os judeus da Judéia cresce­ram em número e riqueza; desenvolvendo o seu comércio, que prosperou com a queda de Tiro. Mas durante a última parte do pe­ríodo egípcio eles passaram por duras provações. A Palestina esta­va se tornando cada vez mais um campo de batalha entre o Egito e os agora poderosíssimos Selêucidas (i.e., a linha dos reis s/rios descendentes de Seleuco I). Por achar-se localizada entre a Síria

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e o Egito, a Palestina encontrou-se novamente entre “o martelo e a bigorna” . Antíoco o Grande da Sfria afirmava que a província da Síria tinha sido originalmente cedida a Seleuco na divisão do império de Alexandre. Numa grande batalha em Rafia, perto de Gaza, Antíoco foi derrotado por Ptolomeu Filopatro (o quarto ptolomeu), determinando assim o destino da Palestina que per­maneceu como província egípcia até o final do reinado de Filopa­tro. Este, porém, ganhou a antipatia dos judeus pela sua ousadia em pretender entrar no Santo dos Santos. O sumo sacerdote, Si- mão II, impediu-o e Filopatro, voltando a Alexandria, perseguiu os judeus e tomou até medidas para extirpá-los de seus domínios (3 Mac 2). A partir do reinado de Ptolomeu Filopatro, o poder do Egito desvaneceu-se rapidamente. A estrela do império final­mente empalidecia para o Egito e uma civilização que durava des­de os primórdios da história pós-diluviana em breve seria esmaga­da sob os tacões de aço de Roma.

Por ocasião da morte de Ptolomeu Filopatro, Ptolomeu Epi- fânio, seu sucessor, tinha apenas cinco anos. Antíoco, o Grande, aproveitou-se desta oportunidade e em 204 a.C. invadiu o Egito. Logo depois, Judéia e outros territórios foram anexados à Sí­ria e passaram a ser governados pelos selêucidas. (Para uma lista dos selêucidas na Síria veja o final deste estudo.)

’ O Período Sírio (204-165 a.C.)Dois pontos devem ser especialmente notados neste perío­

do. Primeiro, foi nessa época que a Palestina dividíu-se em cinco províncias, as quais encontramos nos tempos do Novo Testamen­to, a saber: Judéia, Samaria, Galiléia, Peréia, Traconites. (Algu­mas vezes as três primeiras são chamadas coletivamente de Ju­déia.) Segundo, este período sírio foi o mais trágico da era inter- testamentária para os judeus na pátria.

Antíoco, o Grande, foi cruel para com eles. O mesmo acon­teceu com seu sucessor, Seleuco Filopatro. Todavia, os judeus na Judéia continuavam tendo permissão para viver sob as suas pró­prias leis e administrados pelo sumo sacerdote e seu concílio co­mo governantes nominais. Com a ascensão de Antíoco Epifânio (175-164 a.C.), um “ reinado de terror” caiu sobre a Judéia.

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Nessa ocasião tinha surgido na Judéia um partido com idéias gregas ou helenistas, defendendo inovações anti-semitas. Eles se inclinavam a relaxar a observância ortodoxa do judaísmo com a exclusividade nacional contida na mesma, a favor de uma liberda­de grega de pensamento, maneiras e formas de religião. As dispu­tas entre nacionalistas e helenistas para alcançar o poder nesses assuntos provocou amargas contendas e até assassinatos.

Depois de várias interferências anteriores no templo e no sa­cerdócio, Antíoco Epifânio usou então este partidarismo judaico como uma provocação para fazer cair sobre eles todo o peso do seu rancor. Descarregou o seu ódio em forma de uma terrível de­vastação em 170 a.C. Jerusalém foi saqueada, os muros derruba­dos, o templo grosseiramente profanado e a população submeti­da a monstruosas crueldades. Milhares foram massacrados. As mu­lheres e crianças vendidas como escravas. Abolidos os sacrifícios no templo. O Santo dos Santos pilhado e sua valiosa mobília rou­bada. A religião judaica foi banida. Proibiu-se a circuncisão sob pena de morte. Um governador estrangeiro passou a administrar a terra, elevaram um traidor ao sumo sacerdócio e impuseram o paganismo à força sobre o povo. Uma pessoa ficou encarregada de profanar tanto o templo de Jerusalém como o de Samaria e rededi- cá-los a Júpiter Olímpio e Júpiter Xênio, respectivamente.

Todas as cópias da Lei encontradas foram queimadas ou des­figuradas com figuras idólatras e seus possuidores executados. O primeiro livro dos Macabeus diz que muitos judeus se tornaram apóstatas e alguns até se juntaram aos perseguidores. Em 168 a.C. Antíoco ordenou que um porco fosse oferecido sobre o altar de sacrifício e, a seguir, no próprio altar, mandou erguer uma estátua a Júpiter Olímpio. Nessa década medonha os judeus da Palestina achavam-se decididamente no vale da sombra da morte.

O Período Macabeu (165-63 a.C.)Como um relampejar súbito de estrelas brilhantes, irrompen­

do dentre as nuvens numa noite escura, o episódio surge diante de nós. Trata-se de uma das passagens mais heróicas de toda a histó­ria. Para apreciá-la como merece, é necessário que conheçamos não apenas os fatos, mas também que entremos no espírito dos mes­mos.

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O movimento de revolta e resistência foi provocado pelos próprios excessos de Antfoco. Ele iniciou-se com um sacerdote idoso, Matatias, e desenvolveu-se com seu filho Judas, conhecido subseqüentemente como Judas Macabeu, nome derivado do termo hebraico para martelo. Contra um pano de fundo de terríveis tre­vas e desafiando forças contrárias esmagadoras, a fé santa de Mata­tias e seus filhos ardeu com glorioso brilho e encontrou eco no co­ração de uma multidão santa que se ofereceu voluntariamente em sacrifício. A dedicação de centenas de milhares levou-os ao martírio. E difícil encontrar, seja no Velho Testamento ou na era cristã, um flamejar mais nobre de ciúme santo pela honra de Deus.

A centelha que fez explodir a indignação desesperada foi uma represália corajosa e drástica por parte do velho e zeloso sacerdote. Os oficiais de Antíoco, em sua missão de obliterar o judaísmo e substitui-lo pela religião estatal do rei, visitaram Modin, cidade de Matatias. Este, figura então proeminente, recusou-se a cumprir as ordens, matou o oficial de Antíoco, juntamente com um judeu desleal e destruiu o altar idólatra. Matatias e seus cinco filhos refu­giaram-se então nas montanhas do deserto e muitos dos fiéis reu­niram-se a eles com suas famílias. Filipe, o frígio, os perseguiu e matou cerca de mil deles com suas mulheres e filhos, queimando- os vivos nas cavernas onde se escondiam. Isto não foi difícil, por­que os judeus negavam a se defender nos dias de sábado. Matatias os convenceu, depois disso, de que a autodefesa em tais circunstân­cias era justa mesmo no sábado.

Matatias e seu bando vieram a constituir um exército. Eles atacavam cidade após cidade, matando os judeus traidores, derru­bando os altares idólatras e restaurando a verdadeira religião. Cerca de um ano mais tarde, Matatias morreu, tendo indicado seu filho Simão para ocupar o cargo de conselheiro-chefe e seu filho Judas como general do exército.

Judas desenvolveu então uma poderosa estratégia de guerri­lhas, sendo a região perfeitamente adequada a táticas como essa. Seu exército cresceu. Ele derrotou dois exércitos invasores em ba­talha acirrada, matando ambos os comandantes, Apolônio e Seron. Uma terceira expedição, muito maior, com cerca de 50.000 ho­mens enviados diretamente por Antíoco, sob o comando conjunto de seus generais Ptolomeu Macron, Nicanor e Górgias, terminou em derrota. Depois disso, um grande exército de 65.000 soldados

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de infantaria e cavaleiros, dentre os melhores, invadiram a Judéia sob o comando do chefe de todos os generais de Antíoco, Lísias. O resultado foi o mesmo. Os dez mil homens de Judas lutaram com tão terrível desespero e força aparentemente sobrehumanos que os sírios se amedrontaram e Lísias retirou-se, compreendendo que nada senão uma campanha total resolveria a situação.

Judas assumiu então a ofensiva. Jerusalém foi recuperada, o templo remobiliado e a 25 de dezembro, aniversário da sua pro­fanação três anos antes, os sacrifícios ortodoxos foram reinstituí­dos (cuja data os judeus continuam observando como a Festa da Dedicação; veja Jo 10.22). Judas capturou também os principais postos em toda a terra. Antíoco, ao que tudo indica, preparava uma formidável vingança, mas uma pesada derrota em Elimas na Pérsia, além dos fracassos sucessivos na Judéia, parecem tê-lo envolvido num terror supersticioso que transformou-se em enfer­midade fatal. Conta-se que morreu em estado de completa loucura.

O que poderia ter parecido um sinal divino de libertação fi­nal, mostrou-se todavia como justamente o oposto. Veio então a pior crise de todas. O filho de Antíoco era muito jovem. Lísias passou a ser o regente da Síria, autonomeado, e invadiu a Judéia com um exército de 120.000 homens. Judas e seu exército foram derrotados em Betsur e retiraram-se para Jerusalém. O cerco foi longo. Os macabeus resistiram valentemente, mas faltaram provi­sões. Muitos dos sitiados desertaram movidos pela fome. Os adep­tos de Judas foram diminuindo cada vez mais, até que a capitula­ção parecia inevitável e a causa perdida.

Mas quando tudo parecia ter acabado, Lísias ouviu subita­mente falar de um regente rival na capital da Síria e induziu o jo­vem filho de Antíoco e os príncipes sírios a fazer paz com a Judéia em termos amigáveis, prometendo-lhes a restauração de todas as liberdades religiosas. A revolta dos macabeus, no momento em que parecia a ponto de ser esmagada, foi então coroada de sucesso!

No entanto, outros problemas surgiram mais tarde, por parte de um novo sucessor do trono da Síria, Demétrio I. Depois de al­gumas interferências contra os macabeus em Jerusalém, ele final­mente enviou um exército comandado por Nicanor para matar Ju­das. Judas o derrotou e Nicanor foi morto. Mais ou menos nessa época, Judas procurou aliar-se a Roma, que se tornara então um dos maiores poderes do mundo. Mas antes dos frutos dessa aliança

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poderem ser colhidos, ele foi derrubado numa batalha contra o exército sírio, quando resistia corajosamente com um punhado de homens.

Não podemos narrar aqui os sucessivos altos e baixos do po­vo judeu durante as décadas seguintes, as vacilações entre os ma- cabeus ortodoxos e o partido helenista heterodoxo, continuamen­te complicadas pela interferência pouco inteligente dos poderes estrangeiros. Os comentários abaixo irão porém indicar o curso seguido pelos acontecimentos.

O partido ortodoxo prevaleceu sob o comando de Jônatas, irmão mais moço de Judas Macabeu. Ele mostrou-se um guerrei­ro capaz, obtendo notáveis vitórias e, por absoluta força das cir­cunstâncias, os governantes sírios e outros foram obrigados a res­peitá-lo fora da Judéia. Jônatas tornou-se também sumo sacerdo­te, unindo assim a autoridade civil e religiosa em uma única pes­soa e dando início a linha de sacerdotes “asmoneus” ou “ hasmo- neus’’ (assim chamada por causa de Hasmon, tataravô dos irmãos macabeus). Mais tarde, entretanto, ele foi traído e assassinado por um poder estrangeiro (143 a.C.) e seu irmão Simão assumiu a liderança.

Simão também foi um bom líder. Após capturar todas as demais fortalezas sírias na Judéia, ele obrigou a guarnição síria na cidadela de Jerusalém a render-se. A Judéia ficou assim livre de todas as tropas estrangeiras e a partir dessa época (cerca de 142 a.C.), passou novamente a ser um governo judeu independen­te. Exceto por uma pequena exceção, isto continuou até que a Judéia veio a tornar-se província romana em 63 a.C.

Simão, além de expulsar a guarnição síria da cidadela de Je­rusalém, mandou nivelar a “ montanha” sobre a qual ela se achava. O povo trabalhou noite e dia durante três anos, até que a mesma ficou reduzida ao nível comum da cidade, para que jamais voltas­se a ameaçá-los e para que o templo se mantivesse como o mais alto de todos os edifícios. Simão era amado por todos; mas depois de oito anos no cargo ele e dois de seus filhos foram traiçoeiramen­te assassinados por um genro que cobiçava o sumo sacerdócio.

O filho de Simão que restou, o capaz João Hircano, tornou- se então sumo sacerdote. Depois de um revés inicial e um curto in­tervalo de servidão à Síria, ele estendeu notavelmente o poder da Judéia. De fato, desde a dispersão das dez tribos depois do reinado

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de Salomão, nenhum rei judeu conseguira uma área tão espaçosa. João Hircano foi sem dúvida um personagem digno de nota. A di­nastia hasmoneana é geralmente considerada como começando com ele (135-63 a.C.); embora talvez tenha tido verdadeiro início com seu pai Simão em 140 a.C., quando uma grande assembléia em Jerusalém tornou o duplo cargo de príncipe e sumo sacerdo­te hereditário na família dos hasmoneanos.

João Hircano teve um reinado próspero durante 29 anos, morrendo em 106 a.C. Depois dele, infelizmente, o registro da independência judaica está longe de ser brilhante. Os últimos go­vernantes da linhagem hasmoneana não tinham as qualidades dos primeiros macabeus. As amargas contendas partidárias foram agra­vadas por repetidos conflitos mortais e uma guerra civil que só terminou após a intervenção romana.

Com a morte de João Hircano, seu filho Aristóbulo transfor­mou a liderança em reinado, aprisionando e deixando morrer de fome sua própria mãe no processo, encarcerando três de seus qua­tro irmãos, e negociando o assassinato do outro. Mas este Aristó­bulo só viveu mais um ano depois dessas maldades.

Ele foi seguido por Alexandre, que, no mar de sangue que manchou seu reinado, mandou matar 50.000 de seus compatrio­tas. Sua viúva conseguiu manter a coroa por cerca de nove anos após sua morte, mas quando ela também morreu houve um amar­go conflito entre seus dois filhos — outro Aristóbulo e outro Hir­cano.

A família Herodes aparece agora em cena. Antípater, pai do Herodes que reinou na época do nascimento do Senhor, conseguiu obter através de suas engenhosas maquinações o apoio do general romano Pompeu para seu irmão Hircano. Aristóbulo, o outro ir­mão, desafiou Roma. O resultado foi o cerco de Jerusalém. Depois de um cerco de três meses, Pompeu tomou a cidade. Nessa oca­sião, com a máxima desconsideração, ele entrou no Santo dos San­tos — cujo ato imediatamente fez com que todos os corações se voltassem para os romanos. Isso aconteceu em 63 a.C.

O Período Romano (a partir de 63 a.C.)A conquista de Jerusalém por Pompeu encerrou o intervalo

da independência pela Judéia e ela tornou-se uma província do im-

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pério romano. O sumo sacerdote perdeu completamente seus po­deres reais retendo apenas a função sacerdotal. Este sumo sacer­dote, João Hircano, marca o fim da linhagem de sumos sacerdo­tes hasmoneus e macabeus. O governo passou a ser exercido por Antípater, o idumeu, que foi nomeado procurador da Judéia por Júlio César em 47 a.C. ,

Antípater, nomeou Herodes (seu filho pelo casamento com uma mulher árabe, Cipros) governador da Galiléia, quando ele ti­nha apenas 15 anos de idade (segundo Josefo).

Durante a guerra entre Pompeu e César, os interesses da Ju­déia desapareceram durante algum tempo em vista de questões mais importantes. Mas depois do assassinato de César, Herodes fugiu das desordens provocadas por esse incidente na Palestina e apelou para o triunvirato de Roma, onde suas manobras even­tualmente lhe obtiveram a coroa da Judéia, objeto de sua maior ambição. Ele foi nomeado rei dos judeus por volta de 40 a.C.

Ao voltar à Judéia, ele procurou agradar os judeus casando- se com Mariamne, a belíssima neta do asmoneu João Hircano e no­meando sumo sacerdote o irmão dela, Aristóbulo. Ele também aumentou grandemente o esplendor de Jerusalém, construindo o bem elaborado templo que veio a ser o centro de adoração judai­ca nos dias do Senhor.

Herodes, porém, era tão cruel e sinistro quanto hábil e ambi­cioso. Sua determinação em extinguir a família dos hasmoneus era praticamente satânica e para conseguir isto manchou as mãos com homicídios terríveis. Mandou matar os três irmãos da mu­lher — Antígono, Aristóbulo e Hircano. Mais tarde assassinou até mesmo a esposa, embora ela pareça ter sido a única que foi ca­paz de amar. Tempos depois matou também a sogra, Alexandra. E posteriormente ainda assassinou os filhos que tivera com Ma- riamne — Aristóbulo e Alexandre. Este foi aquele “ Herodes, o Grande,” que reinava quando o Senhor nasceu.

Em resumo, esse é o contexto da história dos judeus na Pa­lestina estudado externa e politicamente, durante os quatro sé­culos entre Malaquias e Mateus. E importante guardar na memó­ria os seus períodos descritos. Passamos agora a uma revisão do período do ponto de vista religioso e espiritual.

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PARA SUA REFERÊNCIA em relação ao exame precedente do período entre

Malaquias e Mateus

OS PTOLOMEUS (i.e. a dinastia dos reis gregos que gover­naram o Egito durante a última fase doimpério egípcio)

Ptolomeu Soter 323-285

Ptolomeu Filadelfo 285-247

Ptolomeu Euergetes 247-222

Ptolomeu Filopatro 222-205

Ptolomeu Epifânio 205-181

Ptolomeu Filômetro 181-146

Ptolomeu Fiscon 146-117

Ptolomeu Soter II 117-107

Ptolomeu Alexandre I 107-90

Ptolomeu Soter II (reinado posterior) 89-81

Ptolomeu Alexandre II 19 dias

Ptolomeu Dionísio 80-51

Ptolomeus XII e XIII com a Rainha Cleópatra 51-43

O Egito sucumbiu ao domínio romano em 30 a.C.

OS SELÊUCID/.S (i.e a dinastia dos reis descendentes de Seleuco Nicator, fundador da monarquiasíria)

Seleuco Nicator 312-280

Antíoco Soter 280-261

Antíoco Teos 261-246

Seleuco Cal fnico 246-226

Seleuco Ceranus 226-223

Antíoco, o Grande 223-187

Seleuco Filopatro 187-175

Antíoco Epifânio 175-163

Antíoco Eupatro 163-162

Demétrio Soter 162-150

Alexandre Balas 150-146

Demétrio Nicator 146-144

Antíoco Teos 144-142

Usurpador, Trifão 142-137

Antíoco Sidetes 137-128

Demétrio II (novamente) 128-125

Seleuco V 125-124

Antíoco Gripo 124-96

Seleuco Epifânio 95-93

Logo depois disto os sírios, desgastados pelas guerras civis dos selêucidas, entre­garam o reino a Tigranes, rei da Armê­nia, em 83 a.C. Ele tornou-se parte do império romano em 69 a.C.

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o p e r ío d o in t e r t e s t a m e n t á r io

11. O ASPECTO RELIGIOSO

Lição nQ 2

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É da maior importância lembrar... que apenas uma minoria dos judeus, cerca de 60.000 ao todo, voltou inicialmente da Ba­bilônia, primeiro sob Zorobabel e mais tarde sob Esdras. Esta in­ferioridade não estava apenas nos números. Os judeus mais ricos e influentes ficaram para trás. Segundo Josefo, com quem Filo concorda substancialmente, um vasto número, calculado em milhões, habitava as províncias trans-eufráticas. Só pela estimati­va do número de pessoas mortas nos levantes populares (50.000 apenas na Selêucia), esses algarismos não parecem excessivamen­te exagerados. Uma tradição posterior afirmava que a população judaica era tão densa no império persa que Ciro proibiu a volta de novos exilados, a fim de que o país não ficasse desabitado. Um grupo assim tão grande e compacto logo tornou-se um poder po­lítico. Tratados com bondade pela monarquia persa, depois da queda desse império, eles foram favorecidos pelos sucessores de Alexandre. Quando o governo sírio-macedônio foi por sua vez substituído pelo império dos partas, os judeus, pela sua oposi­ção nacional a Roma, formaram um elemento importante no Oriente. A influência deles era tão grande que numa época tão posterior quanto o ano 40 A. D. o legado romano ainda evitava provocar a hostilidade deles. Ao mesmo tempo, não deve ser ima­ginado què sequer nessas regiões favorecidas eles estivessem com­pletamente a salvo de perseguição. A história registra aqui tam­bém mais do que um relato de conflitos sangrentos promovidos por aqueles povos entre os quais habitavam.

— A. Edersheim, D. D.

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ENTRE MALAQUIAS E MATEUS (2)

Não podemos adiantar-nos muito nas páginas do Novo Tes­tamento sem perceber que grandes mudanças tiveram lugar entre os judeus desde que o último escritor do Velho Testamento des­cansou a sua pena.

Não foi só no sentido de a Palestina ter mudado de mãos meia dúzia de vezes, à medida que os poderes estrangeiros a ar­rancavam sucessivamente uns dos outros e que essas mudanças gravavam suas marcas profundamente sobre a nação. Os judeus em si haviam mudado. Surgiram novas seitas ou partidos — fari­seus, saduceus, herodianos. Novas instituições — sinagoga, escri­bas, Sinédrio.

De fato, o povo judeu se desenvolvera numa espécie de “ is­mo” nacional, i.e., o judaísmo. As coisas evoluíram de tal modo que a nação inteira identificou-se praticamente com este culto, este judaísmo que se desenvolveu em volta das Escrituras do Ve­lho Testamento. Os judeus (o povo) e o judaísmo (a religião) encontravam-se então praticamente coexistindo, e um implica­va o outro.

Todas essas mudanças — o surgimento das novas seitas e instituições, e a evolução do judaísmo — tiveram início durante os quatro séculos que mediaram entre o Velho Testamento e o Novo. Isto, por si mesmo, mostra a importância do intervalo inter- testamentário. Desse modo, tendo recapitulado esses quatro sé­culos quanto ao curso exterior da história judaica, vamos, agora, traçar brevemente os principais desenvolvimentos internos e re­ligiosos.

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Desenvolvimentos Internos

Se quisermos compreender de modo geral o espírito e tendên­cias da comunidade cristã durante esse trecho dos séculos, é preci­so apreciar primeiramente o impacto profundo do exílio da Babi­lônia sobre a nação. Vamos deixar que nossa mente retroceda por um momento ao Livro de Reis. Depois da morte do rei Salomão houve uma divisão no povo hebreu que jamais foi reparada. Dez das tribos se separaram da casa de Davi e estabeleceram um reino próprio; a partir de então houve dois reinos em lugar de um úni­co. Havia o reino do norte com dez tribos tendo Samaria como sua capital: e o do sul, o reino de Judá, com a capital em Jerusa­lém. Depois de uma carreira inglória durante dois séculos e meio, o reino das dez tribos foi conquistado pelos assírios, as tribos dis­persadas em territórios estrangeiros e o imperador assírio repovoou a terra deles com uma mistura heterogênea de cativos levados de outras regiões. Essa dispersão deu-se em 721 a.C. e o povo coloca­do no antigo território israelita tornou-se conhecido como “os sa- maritanos”.

O reino do sul, Judá, continuou durante mais um século e meio e depois sucumbiu ao poder da Babilônia, o novo poder mun­dial que suplantara o império assírio. Em 587 a.C. a Judéia foi conquistada, Jerusalém reduzida a ruínas e a maior parte do povo levado cativo para a Babilônia. Esse exílio babilónico é muitas vezes chamado de exílio dos setenta anos, mas na verdade não du­rou tanto. E certo que durante exatamente setenta anos (de 606, quando Daniel e outros príncipes judeus foram levados, até 536, quando o império babilónico caiu), Deus usou a Babilônia para castigar o povo da aliança; mas o exílio em si durou apenas cin­qüenta arios. Ele teve um impacto tão grande sobre o povo judeu que precisamos estudá-lo a fim de compreender os desenvolvimen­tos religiosos durante o período intertestamentário.

Sanada a Idolatria HabitualQuando refletimos sobre os privilégios únicos, o relaciona­

mento de aliança e o chamado superior do povo escolhido, o exí­lio foi uma catástrofe superlativa. Ele foi, todavia, ordenado por Deus para produzir uma transformação nos conceitos religiosos do

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povo hebreu que só pode ser descrita como uma das mais surpreen­dentes revoluções na história de qualquer nação. Os judeus segui­ram para esse exílio com o que parecia uma paixão insensata, apa­rentemente incurável, pela idolatria. Eles emergiram dele na con­dição em que permanecem até hoje, o povo mais monoteísta do mundo, os defensores e promulgadores.da crença no Deus único e verdadeiro, Jeová, o Senhor.

Recapitulemos a sua história. Mal saíram do Egito e já esta­vam adorando o bezerro de ouro. Logo depois de se estabelecerem em Canaã passaram a prostrar-se diante dos Baalins e de Astarote, divindades dos fenícios. No ponto mais alto da monarquia, o pró­prio Salomão levou a nação a adorar Milcom, abominação dos amonitas; Camos, abominação dos moabitas, assim como Molo- que e outros igualmente abomináveis. Depois da separação das dez tribos, encontramos Jeroboão colocando seus bezerros de ouro em Dã e Betei: e esse não foi senão o começo de um longo e espantoso período de idolatria, agravado por reinados como o de Acabe e sua mulher pagã Jezabel, até que o reino inevitavelmente apóstata foi dissolvido na dispersão pelos assírios. Quanto ao reino do sul, i.e., Judá, apesar dos reinados de vários reis piedosos, o mal da idola­tria agravou-se cada vez mais, até que nos reinados de Manassés, Jeoaquim e Zedequias as coisas chegaram a um ponto crítico. Je­remias, o profeta da hora crucial de Judá, clama: “Segundo o nú­mero de tuas cidades são os teus deuses, ó J udá” .

Todavia, vemos mais tarde este fato extraordinário: depois do exílio na Babilônia o povo judeu converteu-se totalmente e para sempre da idolatria, transformado em um adorador convicto do Deus único e verdadeiro.

Como justificar isso? O que houve, naquele curto intervalo de cinqüenta anos, que alcançou tão decisivamente o que todos os castigos anteriores, exortações proféticas e reformas reais, assim como as advertências divinas tinham falhado em obter? Não foi certamente a cultura babilónica, pois a Babilônia era o centro da idolatria. Seus deuses, altares e santuários eram tão antigos quanto a civilização, sendo venerados em toda parte. A Babilônia pode­ria muito bem ter aumentado a idolatria dos judeus, mas certa­mente não poderia curá-la.

Deve existir, porém alguma explicação para a renúncia rá­pida e final da idolatria por parte de Israel, pois povo algum pode

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experimentar uma transformação tão básica e permanente de idéias sem que haja uma compulsão poderosíssima. O que foi en­tão que converteu tão completa e definitivamente todo esse povo?

Os Fatores SobrenaturaisA resposta está no fato de o milagre da profecia estar sendo

cumprido diante de seus próprios olhos. Em tempos idos, os pro­fetas Isaías e Jeremias haviam predito claramente em seus escri­tos os acontecimentos que sobrevieram sobre eles. A destruição de Jerusalém, o exílio dos filhos e filhas de Judá na Babilônia, a queda subseqüente e súbita da própria Babilônia, as brilhantes conquistas de Ciro o Persa que conquistou a Babilônia, os decre­tos posteriores de Ciro para a restauração do templo em Jerusa­lém — tudo isso foi profetizado 200 anos antes de acontecer, jun­tamente com as profecias mais recentes e ainda mais específicas de Jeremias relativas ao período de setenta anos determinado por Deus para o castigo de Judá, e o intervalo menor do exílio pro­priamente dito na Babilônia (veja Is 43: 14; 44:28; 45:1-7; 46.1 -11; 47:1-11; 48:3-7; Jr 25:8-14; 50, 51).

Os judeus mal podiam imaginar, quando estavam sendo ar­rastados para a Babilônia, que dentro de cinqüenta anos a pode­rosa, opulenta e aparentemente inexpugnável capital do vasto e crescente império de Nabucodonosor seria derrubada para sem­pre, que Ciro o Persa iria conquistá-la e que quase imediatamen­te ele daria aos judeus a oportunidade de voltar para a Judéia de posse de um édito real para a reconstrução do templo. Todavia, tudo isso ocorreu e os judeus exilados, profundamente atônitos, viram as coisas acontecerem exatamente como predito pelo SE­NHOR através dos profetas hebreus! Os fatos não podiam ser im­pugnados. A evidência era conclusiva. O historiador Josefo prati­camente nos conta que o imperador Ciro foi convertido através dessas maravilhas.

Além disso, Deus colocara uma surpreendente testemunha de Si mesmo na própria corte babilónica. Abaixo do imperador, a personagem mais renomada da época era DANIEL. Através de­le, esse judeu de grande fama, esse homem de intransigente leal­dade ao Senhor, tinham sido realizados milagres de sabedoria e poder divinos que superaram todas as artes e mágicas dos babi­

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lônios. Daniel foi sem dúvida um belíssimo monumento da reali­dade e supremacia do Senhor. Cada judeu na Babilônia deve ter­se maravilhado e meditado. E como os judeus devem ter-se surpre­endido com as promessas graciosas que Deus anexara a algumas das predições de Isafas sobre o exílio na Babilônia — promessas de bênção e restauração caso o povo exilado renunciasse a idola­tria e se tornasse um servo verdadeiro do Senhor!

Assim sendo, finalmente, o povo hebreu foi levado a com­preender que os deuses pagãos não passavam de vaidades mentiro­sas e que o Senhor era o único Deus verdadeiro, o Criador de to­das as coisas, o Rei soberano do universo, cuja vontade domina os exércitos dos céus e os habitantes da terra. Ficaram curados de uma vez para sempre de sua idolatria; tornando-se depois disso eternos e confirmados adoradores do seu Deus da ali^nçji, p Se­nhor.

Manifestação e Crescimento do Judaísmo

Ao reconhecermos nessa profunda conversão nacional <5 mais determinante de todos os fatores na história judaica subseqüente, vamos fazer uma viagem mental com os cinqüenta mil que volta­ram da Babilônia para Jerusalém em resposta ao édito do impera­dor Ciro.

Esses cinqüenta mil são conhecidos como o “ Remanescente” . Eles não passavam justamente disso, um remanescente, pois a maior parte da nação permaneceu na Babilônia. Sem dúvida havia muitos para quem a saída da Babilônia e a viagem por centenas de quilô­metros de volta à Judéia seria muito difícil, ou até impossível. Ra­zões de família impediriam alguns, e outros em vista da idade ou má saúde. Outros ainda julgariam insuperável o esforço de voltar a estabelecer-se nas cidades e vilas devastadas, recuperando o solo invadido pelas ervas daninhas e sem cultivo há meio século. Outros pretendiam voltar, porém mais tarde. E, aparentemente, muitos outros, embora sua convicção contra a idolatria fosse genuína e permanente, não se sentiam obrigados a voltar para a terra em si, como uma questão de consciência.

Entretanto, de uma coisa podemos estar certos: aqueles cin­qüenta mil que voltaram eram os mais piedosos entre os piedo­

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sos. Eles sabiam no que acreditavam e porque acreditavam. Sabiam porque estavam voltando. Compreendiam, pelo menos em parte, as dificuldades que os aguardavam e tinham pleno conhecimento do que tencionavam fazer na Judéia. '

De volta à Judéia: e então?Voltemos então à Judéia com o Remanescente. O que eles en­

contraram? Tente sentir como eles. Além daquelas coisas que sal­tam à vista — as ruínas empoeiradas, o mato invadindo tudo, e as lembranças pungentes das tragédias passadas, existem certas au­sências que golpeiam a mente. Não há rei nem trono; a linhagem real de Davi desapareceu. Não há templo; e embora um outro pos­sa ser construído sobre os antigos fundamentos, ela jamais poderá substituir seu incomparável predescessor. Não existe mais também qualquer independência nacional, pois, embora os cinqüenta mil tivessem retornado com o propósito de restabelecer um estado ju­deu na Judéia, eles se acham ali apenas com permissão, como uma província subordinada numa área restrita, abrangendo somente uma pequena parte do antigo reino de Judá.

Nada de trono, templo ou independência! O que restou? Por que esses judeus voltaram a tais ruínas, restos e dificuldades? Por que voltaram com tanto entusiasmo e dedicação? Porque restara ainda uma coisa que se tornara recentemente a possessão mais pre­ciosa e vital em todo o mundo para eles e seus conterrâneos: o te­souro de suas ESCRITURAS sagradas. Elas haviam provado ser indubitavelmente a palavra inspirada do Deus único e verdadeiro, o Senhor; e são os artigos da aliança do Senhor com o povo de Israel. Na Lei de Moisés, ò Pentateuco, esses judeus lêem agora com novos olhos a base de sua comunidade e vocação; com estra­nhas e novas emoções, eles vêem igualmente nela os castigos pro­metidos para a desobediência que foram cumpridos com terrível exatidão com a queda do reino e o exílio das tribos.

Mas, além disto, esses judeus percebem então em suas Escri­turas, especialmente nos profetas, a maravilhosa seqüência de pre­dições relativas à vinda de um Messias que iria reunir de novo e exaltar permanentemente o povo escolhido, sob cujo reinado glorioso todas as bênçãos prometidas na aliança abrâmica deveriam se cumpridas. Todas as demais predições se realizaram, como esses

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judeus viveram para testemunhar, e o mesmo ocorrerá com as de­mais promessas que falam a respeito do Messias que está para vir. Foi assim que esses 50.000 exilados que voltaram raciocinaram consigo mesmos e eles retornaram à pátria, animados por um no­vo zelo pela Lei e com nova esperança para o futuro.

A Lei do Passado: Esperança para o FuturoEssas duas coisas — o novo zelo pela Lei e a esperança messiâ­

nica — jazem nas próprias raízes do “ judaísmo”, o sistema judaico de religião que teve origem logo após o Exílio e se desenvolveu du­rante o período intertestamentário. O estado judeu, como restau­rado sob os líderes do Remanescente, Zorobabel e Jesua, pertence a uma ordem diferente de coisas quando comparado aos reinos an­teriores de Judá e Israel. Nesses reinos pré-exílio as verdades supe­riores da religião israelita haviam sido mantidas na maioria das ve­zes apenas pelos profetas e uma pequena minoria, enquanto a vas­ta maioria se entregava a várias idolatrias e aparentemente não jul­gava haver muita diferença entre o Senhor e os outros deuses. Mas agora existe uma absoluta aversão pela idolatria e o povo como um todo reconhece a incomparável superioridade da religião sobre toda forma de paganismo: Existe agora um novo desejo intenso de compreender as verdades imperecíveis da revelação que lhes foi en­tregue por ser a nação da aliança, e um zelo ardente no sentido de que a nação cumpra a sua vocação como guardiã desse depósito in­superável de verdade divina, que significará, em última análise, a salvação até aos confins da terra. Esses 50.000 decidem moldar o novo estado judeu como o povo santo do Senhor, separado de to­dos os demais pela mais escrupulosa observância da sua Lei.

Porém, traduzir este exaltado conceito em termos práticos, na formação e funcionamento de um novo organismo social, mos­trou ser uma tarefa cheia de dificuldades. Uma delas, como é natu­ral, foi o processo inalterado pelo qual as pessoas morrem e outras surgem em seu lugar. Muitos dos 50.000 que retornaram eram ido­sos (Ed 3.12). Sua volta à terra deu-se poucos anos antes de morre­rem. As crianças que cresceram talvez não pudessem sentiras mes­mas emoções vivas pela repatriação e havia muito para desencora­jar até mesmo os corações mais valentes entre eles. Assim sendo, não se tratava só de oposição dos inimigos externos, mas também

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havia apatia e transigência entre o próprio povo, Mas, ainda assim, as idéias básicas do judaísmo tinham realmente se enraizado e não havia transigência quanto à idolatria. O que o povo precisava era de um novo e sistemático ensino da Lei; e quando o escriba Es- dras chegou , oitenta anos depois do regresso dos 50.000, o povo respondeu. Os progressos foram decisivos e o primeiro objetivo parecia novamente passível de realização.

Nas palavras do Professor John Skinner: “Sob os auspícios de Esdras, uma grande reforma foi levada a efeito. O princípio de separação dos pagãos foi reavivado e reforçado inflexivelmente me­diante a dissolução de todos os casamentos mistos (Ed 9, 10). Nu­ma grande assembléia do povo, o livro da Lei foi adotado como a constituição escrita do estado e norma autorizada da vida pessoal (Ne 8.7-10). Os esforços de Esdras foram apoiados e continua­dos vigorosamente por Neemias, que se propusera, em primeiro lugar, a proteger Jerusalém dos ataques inimigos reconstruindo os muros. Mediante o trabalho conjunto desses dois homens, o ju­daísmo foi finalmente colocado em bases seguras. A Lei tornou- se então, ao mesmo tempo, o padrão da santidade e o símbolo do nacionalismo; e apesar de tendências desintegradoras ainda ope­rantes, ela apoderou-se de tal forma do coração do povo judeu que todo perigo de serem absorvidos pelas nações vizinhas desa­pareceu.”

A Sinagoga, os Escribas e a Lei Ora!A partir de então a sinagoga local, onde as Escrituras eram

lidas e expostas, e a ordem dos escribas, especialistas na tradução e interpretação das Escrituras, assumiram cada vez maior impor­tância.

A partir também dessa época, infelizmente, começou a for­ma-se aquele sistema elaborado de interpretação, ampliações e re­gulamentos adicionais que resultou no judaísmo dos dias do Se­nhor. Sabemos como era esse produto final e como o Senhor o considerou carente de vitalidade espiritual.

O judaísmo surgiu enquanto a voz viva da profecia ainda fala­va através dos profetas do pós-exílio, Ageu, Zacarias e Malaquias, mas suas características distintas se desenvolveram durante os sécu­los sucessivos entre Malaquias e Mateus, quando essa voz silencia­ra. Ageu, Zacarias e Malaquias reiteram a ética superior dos profe-

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tas do pós-exílio — sua censura severa dosimplesformalismoesuas profecias brilhantes sobre a restauração final de Israel, em suprema­cia nacional e religiosa, sob o Messias vindouro. O judaísmo teve iní­cio com o zelo e propósito de manter vivo esse ideal exaltado em meio a perseguições externas e divisões internas, mas os pedagogos e as sinagogas gradualmente introduziram tal escravidão à simples letra da Escritura que o espírito vivo da verdadeira religião mal po­dia sobreviver. A tendência era cada vez mais de se aplicar um lite- ralismo legalista e a exteriorização religiosa. Ao redor das Escritu­ras e especialmente da Lei de Moisés, acumulou-se aquela massa de comentários, interpretação e complementação que veio a ser conhecida como Lei Oral e que era transmitida com uma santida­de tradicional tão grande na época em que o Senhor estava na terra que a obediência se transferira da Lei para a interpretação tradicio­nal.

A Mishna e o TalmudeEsta MISHNA, ou Lei Oral, com sua Halachoth (exegese le­

gal ou determinações) e sua Haggadoth (expansões morais, práti­cas e com freqüencia extravagantes), depois de ter sido transmitida oralmente durante gerações, foi aos poucos sendo escrita em suas várias partes e formas, até que finalmente, por volta do final do se­gundo século A.D., foi totalmente compilada pelo Rabbi Jehuda no TALMUDE, dividido em duas partes principais: (1) a Mishna, ou Lei Oral, e (2) a Gemara, ou comentários sobre a Mishna; e o Talmude permanece a enciclopédia reverenciada e em grande par­te autorizada dos judeus até hoje.

Nos dias do Senhor a Lei Oral continuava ainda principalmen­te oral. Podemos imaginar como Ele a considerou um formidável obstáculo. Contradizê-la, como o fez (Mt 15.1-9; 23.16-18r 23), era contrariar todo o peso da opinião erudita, da convicção piedo­sa e do sentimento público. Além do mais, podemos entender per­feitamente que ao usar seis vezes a fórmula (veja Mt 5): “Ouvistes que foi dito... eu porém vos digo...” no Sermão do Monte, o Se­nhor não estava colocando o seu “eu vos digo” contra as Escrituras do Velho Testamento (como alguns críticos modernos tentaram fazer), mas contra as máximas desta lei ora! ou tradicional. Seu modo habitual de referir-se às Escrituras propriamente ditas era: “ Está escrito” .

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Isso é o que nos compete dizer sobre o “ judaísmo”. Não de­vemos nos esquecer de que bons elementos foram preservados pór ele. Em seus primeiros estágios o judaísmo certamente restaurou as Escrituras a seu lugar adequado na mente popular; e suas duas instituições mais características — a sinagoga e o escriba — tinham o propósito de perpetuar essa ordem de coisas. Ele com certeza manteve a leitura pública regular e sistemática das Escrituras. Esti­mulou a observância devota do sábado e manteve acesa a esperan­ça messiânica, embora não no espírito primitivo e mais correto. O seu mal foi ter sido sobreposto às Escrituras, resultando em uma religiosidade tão rígida e cerimonial, em termos gerais, que na vin­da do Senhor a obstrução mais formidável à sua missão de graça foi o peso morto da exteriorização religiosa, do formalismo e da auto-retidão com que o judaísmo praticamente obscureceu as ver­dades espirituais da Palavra de Deus.

A Sinagoga

O Velho Testamento não menciona uma vez sequer a palavra sinagoga, nem mesmo nos capítulos escritos por último; mas no momento em que começamos a ler, a partir dos quatro evangelhos, nós a encontramos em toda a parte. Uma sinagoga para cada locali­dade ocupada da terra. Quando prosseguimos lendo os Atos dos Apóstolos, nós a encontramos semelhantemente estabelecidas em todo lugar entre as comunidades judaicas, através de todo o impé­rio romano.

Esse é um fato notável e deve ser observado por todo crente, pois foi da sinagoga e não do templo que a primeira Igreja Cristã, como organizada pelos apóstolos, extraiu a sua constituição e prin­cipais formas de adoração. O Senhor evidentemente planejou pa­ra que a sua igreja na terra assumisse a forma da sinagoga quando prometeu que estaria no meio dos discípulos sempre que dois ou três estivessem reunidos em seu nome e quando deu autoridade a tais grupos para exercerem disciplina (Mt 18:17-20). Além disso, os títulos dados aos oficiais da igreja cristã, i.e. “ Presbíteros” (presbuteroi), “ Bispos” (episkopoi), “ Diáconos” (diakonoi), vie­ram todos da sinagoga, enquanto o título “Sacerdote” (hierus) conforme seu uso no templo, não foi empregado sequer uma vez.

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A sinagoga tem sido chamada de “ a instituição mais caracte­rística e de maior e duradoura influência de todas as-instituições judaicas” . Quando, por que e como se originou? Os fatos parecem ser os seguintes:

Não existia antes do Exí/ioPrimeiro, a sinagoga não existia antes do Exílio. Os rabi nos ju­

deus, em seu zelo de acentuar a reverência às instituições israelitas, exageraram excessivamente a antigüidade da sinagoga, fazendo-a retroceder aos dias de Abraão. Mas o fato incontestável é que a si­nagoga, no sentido apropriado da palavra, como uma assembléia religiosa constituída regularmente com um objetivo definido e ofi­ciais estabelecidos, jamais existiu antes do Exílio, nem qualquer outra coisa que se assemelhasse a ela.

Pode ser dito que a palavra “ sinagoga” ocorre no Salmo 74:8, mas trata-se simplesmente de um caso de tradução. O termo he­braico (mo’adah) em questão ocorre duzentas vezes no Velho Tes­tamento, sendo esse o único lugar em que foi traduzido como “ si­nagoga” . (Na versão de Almeida, em português, tanto a Revista e Corrigida como a Atualizada, o termo foi traduzido por “ lugares santos” ). O fato fala por si mesmo. A palavra em si refere-se às fes­tas solenes ou épocas estabelecidas (estações do ano) no calendário religioso de Israel e, a seguir, por extensão, aos lugares onde eram observadas. Ela nada tem a ver com a idéia de sinagoga. O Salmo 74 foi escrito pouco depois dos babilônios terem devastado a ter­ra e está, portanto, em sincronia com as Lamentações de Jeremias. Essa palavra ocorre nas Lamentações no capítulo 2.6, 7, 22 e basta apenas examinar as “ festas solenes” ou “ solenidades” men­cionadas para concluir que não existe qualquer relação possível com a sinagoga. Além do mais, a mesma palavra aparece de novo com o Remanescente, depois da volta da Babilônia, em Esdras 3.5 e Neemias 10.33, onde outra vez é traduzida por “ festas fixas” e onde, obviamente, qualquer idéia de sinagoga é absolutamente es­tranha.

Em 2 Crônicas 17:7-9, é-nos dito que o rei Josafá teve de enviar alguns príncipes, levitas e sacerdotes, levando o livro da Lei com eles, a fim de ensinarem o povo em toda parte; e o capítulo 34:14-21 vemos a surpresa e alarme do rei Josias quando o livro da

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Lei foi encontrado em seus dias (apenas 40 anos antes do Exílio), de modo que a sinagoga não poderia certamente ter existido antes do Exílio.

Veio a existir logo depois do ExílioTodavia, é igualmente certo que a sinagoga passou a existir

logo depois do Exílio. Em Atos 15:21 encontramos o apóstolo Tiago dizendo: “ Porque Moisés tem, em cada cidade desde tem­pos antigos, os que pregam nas sinagogas, onde é lido todos os sá­bados” . As sinagogas deveriam ter então, na época, várias cente­nas de anos. De acordo com isto, em Neemias 8 (noventa anos de­pois da volta do Remanescente) algo bastante parecido com a ado­ração na sinagoga em seu estado plenamente desenvolvido nos confronta. Vemos ali o púlpito elevado de madeira, a leitura da Lei feita por Esdras e outros, a explicação da Lei pelos escribas, a oração e louvor em nome da congregação, com as respostas do povo, tudo sendo feito segundo o padrão usual da adoração na si­nagoga. E, bastante significativamente, foi o próprio povo que pe­diu “ a Esdras o escriba, que trouxesse o livro da lei de Moisés, que o Senhor tinha prescrito a Israel” . As narrativas sobre Esdras parecem certamente incluir um cenário em que a prática de reuniões organizadas e periódicas se havia tornado familiar (Ed 8:15; Ne 8:1, 2; 9:1).

Portanto, parece clara a conclusão de que a sinagoga origi­nou-se durante o Exílio, coincidindo com a notável conversão do povo judeu da idolatria e seu despertar para um novo e intenso in­teresse pelas sagradas Escrituras. Com essa explosão do reaviva- mento religioso surgiu um clamor para conhecer mais aquelas ma­ravilhosas Escrituras. As almas piedosas, impelidas por um impul­so e anseio comuns, começaram então a reunir-se regular e sistema­ticamente com o propósito de aprender o conteúdo dos rolos ins­pirados. Não havia mais um templo judeu e eles se achavam em terra estranha, mas o seu cativeiro na Babilônia não impedia que se reunissem com propósitos religiosos. A exigência nova e urgente e a oportunidade davam-se as mãos. A necessidade era ainda maior porque todos, com exceção dos judeus mais velhos, estavam es­quecendo a língua hebraica e fazendo uso da linguagem babilóni­ca. Desse modo, reuniões regulares começariam a tomar forma vi­sando a leitura e interpretação das Escrituras.

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Foi assim que a sinagoga veio a existir e isso explica imediata­mente porque havia tantas sinagogas entre os judeus da dispersão, como também no novo estado judeu que o Remanescente estabele­ceu na Judéia. A sinagoga iria sem dúvida sofrer muitas modifica­ções desde o fim do Exílio até os dias do Senhor (cerca de 500 anos), mas suas idéias e formas básicas permaneceram as mesmas.

A Idéia Básica, O Método e As CaracterísticasA idéia básica da sinagoga era a instrução nas Escrituras e

não a adoração, embora um serviço litúrgico elaborado se desen­volvesse mais tarde, com orações lidas em público por determina­das pessoas e respostas dadas pela congregação. Como a leitura pública da Lei agora tinha de ser feita mediante tradução para a língua aramaica que o povo aprendera na Babilônia (veja Ne 8.8, onde tal tradução está implícita), a transição da tradução para a exposição e até para os discursos foi fácil, embora tivesse, sem dúvida, ocorrido gradualmente.

Em referências como Mateus 4:23, 9:35; Lucas 4:15, 44; Atos 13:5, 15, 14:1; 17:10; 18:19, vemos que tais discursos na sinagoga eram comuns nos dias do Senhor. Esses versículos tam­bém nos mostram que o direito de ensinar não era reservado so­mente aos professores regularmente treinados e nomeados. O líder da congregação podia convidar qualquer pessoa adequada que es­tivesse presente para dirigir-se ao povo; e qualquer um poderia oferecer-se para fazê-lo. Descobrimos assim que o Senhor, embo­ra não tivesse cursado qualquer das escolas, podia pregar em toda parte e ensinar na sinagoga. Do mesmo modo, lemos em Atos 13:15: “ Depois da leitura da lei e dos profetas, os chefes da sina­goga mandaram dizer-lhes: Irmãos, se tendes alguma palavra de exortação para o povo, dizei-a” .

Quanto à sua constituição, a característica mais importan­te da sinagoga era o fato de ser congregacional e não sacerdotal. Os sacerdotes eram sempre honrados quando presentes, mas não possuíam quaisquer privilégios especiais; desde que suas funções eram consideradas como pertencentes especificamente ao templo, onde o seu direito de desempenhá-las era hereditário. Os ocupan­tes dos cargos na sinagoga não tinham direito hereditário, sendo nomeados pelo voto ou consentimento congregacional. Havia um

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“ chefe (principal)” ou presidente e um conselho de anciãos tam­bém chamados “ principais” (Mc 5:22; A t 13:15). Tinham também um “ legado”, cujo dever era recitar as orações e “diáconos” que cuidavam das esmolas; assim como o chazzan, que chamava em voz alta os nomes dos leitores escolhidos e ficava ao lado deles para fazer com que as lições do dia fossem lidas e pronunciadas adequada­mente, etc. Ele cuidava também dos rolos das Escrituras, soprava a trombeta que anunciava a aproximação do sábado santo, man­dava acender as lâmpadas, supervisionava os utensílios do templo e aplicava os açoites nas ocasiões de castigo. (Ele é referido como “assistente” em Lucas 4:20).

Quanto à disciplina, a jurisdição da sinagoga tornou-se muito ampla, algo inevitável numa constituição em que a lei eclesiásti­ca e civil era uma só, como acontecia entre os judeus após o exí­lio.

A sinagoga tornou-se e permaneceu como uma das institui­ções judaicas mais características e influentes. Foi dito em verda­de: “ Ela era o grande meio de instrução religiosa, o grande centro do pensamento religioso. Por mais superficial que possa ter sido a qualidade de seu ensino algumas vezes, às mãos dos instrutores re­conhecidos de Israel; ao menos foi nela, e nela somente, que a Lei passou a ser lida publicamente, explicações foram dadas sobre a mesma, discursos livres pronunciados e estimulada a mente do po­vo. A grande instituição da pregação — completamente desconhe­cida do paganismo — surgiu na sinagoga; e o zelo pela Lei, que marcou Israel tão notavelmente a partir da volta da Babilônia e até a vinda de Cristo, foi alimentado e aumentado mais pelos seus arranjos do que por qualquer outro agente.”

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o p e r ío d o in t e r t e s t a m e n t á r io

111. ESCRIBAS, FARISEUS E SADUCEUS

Lição n<? 3

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A história de Israel e todas as suas esperanças estavam ligadas à sua religião. Pode-se então dizer que sem a sua religião eles não teriam história e sem a história não teriam religião. Assim sendo, a história, o patriotismo, a religião e a esperança, tudo apontava para Jerusalém e o templo como centro da unidade de Israel.

— A. Edersheim

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ENTRE MALAQUIAS E MATEUS (3)

(1) OS ESCRIBAS

Quem e o que eram os “ escribas” , esses personagens pouco atraentes que aparecem com tanta freqüência nas narrativas do evangelho? O fato de serem uma classe influente fica eviden­ciado e é necessário que os conheçamos um pouco, à medida que viajamos através do Novo Testamento.

Lemos a respeito dos escribas nos tempos do Velho Testa­mento, mas eles elevem ser distingüidos daquela outra ordem que se desenvolveu durante o período intertestamentário e adquirira uma posição importante nos dias do Senhor.

Os escribas que encontramos nas narrativas do evangelho são uma classe de peritos profissionais na interpretação e aplicação da Lei e outras Escrituras do Velho Testamento. Se lhe dermos o seu nome hebraico, eram os sopherim (im é o plural em hebraico), do verbo hebraico saphar, que significa escrever, colocar em ordem, contar. No grego do Novo Testamento, seu título usual é o plural, grammateis, traduzido uniformemente como “escribas” . Com me­nor freqüência são chamados de “ intérprete da lei” (nomikoi), co­mo em Lucas 7.30.

A Origem como uma ClasseQuanto à sua origem como classe, quase o mesmo que foi di­

to sobre a sinagoga também pode ser dito a respeito deles. Quais­

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quer que tenham sido as funções e características dos escribas is­raelitas nos tempos do Velho Testamento, e qualquer que tenha sido o tipo de associação de copistas patrocinado pelo rei Eze- quias cerca de um século antes do exílio babilónico, não pode haver dúvida de que a partir desse exílio desenvolveu-se uma nova linhagem de escribas que não era composta apenas de copis­tas, registradores, transcritores, secretários, mas um novo grupo ou corpo de homens que se tornaram os guardiães, expositores, os doutores da Lei e de outras Escrituras, para toda a nação, e cujo poder como classe aumentou com a passagem do tempo. Eles não eram apenas escribas no sentido antigo, mas “os escri­bas” como uma ordem especialmente distinta na nação.

A transição deveu-se a cinco fatores: (1) a conversão do po­vo judeu na metade do exílio, saindo da idolatria para uma nova e ardente fé em sua religião e na Escritura; (2) a necessidade de pro­fessores especiais, sentida então pelos exilados, devido à separa­ção de sua pátria, da capital e do templo; (3) a mudança do hebrai­co, como linguagem falada, para o aramaico, exigindo uma nova espécie de especialista no estudo e exposição das sagradas Escri­turas; (4) o aparecimento e difusão da sinagoga durante e depois do exílio na Babilônia; (5) a interrupção da viva voz da profecia, com Malaquias, e o acentuado interesse na palavra escrita da ins­piração i.e., as Escrituras, provocado por esse fato.

Não é difícil ver como esta nova ordem de escribas, uma vez introduzida, obteve rapidamente grande poder. A própria nature­za do judaísmo tornou tal coisa praticamente inevitável, pois al­guém observou com acerto, “O alvo e tendência do judaísmo era tornar cada judeu pessoalmente responsável pelo cumprimento de toda a Lei” ; e portanto uma “ regra definitiva” precisava ser de alguma forma extraída da Lei para cobrir praticamente toda ativi­dade da vida diária. Este empenho em fazer da Lei um código tão detalhado, criou um problema complexo e por vezes agudo. De um outro modo a Lei precisava ser normativa mesmo em circuns­tâncias em que não tivesse aplicação específica; e quando um re­quisito parecia ser contrariado por outro, alguma harmonia oculta ou outra explicação adequada tinha de ser descoberta. Como acres­centa o Dr. John Skinner: “Manter-se fiel à aliança de Deus em tais condições tornou-se uma séria dificuldade teórica, vencida ape­nas pelos esforços contínuos de um grupo de peritos treinados,

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que fizeram do estudo da Lei o alvo de suas vidas” . O que isto veio a significar numa sociedade em que a lei civil e religiosa era uma só pode ser facilmente imaginado.

Podemos dizer que a nova ordem de escribas originou-se com o grande Esdras, embora este não possa ser associado às elaboradas deturpações que se desenvolveram mais tarde. Em 458 a.C., cerca de 80 anos depois do remanescente judeu ter deixado a Babilônia para voltar a estabelecer-se na Judéia, Esdras seguiu para lá com seu contingente menor, de duas mil e poucas pessoas. Ele é descri­to com ênfase acentuada como “ escriba versado na lei de Moisés” e “escriba das palavras dos mandamentos e dos estatutos do Se­nhor sobre Israel” (Ed 7.6, 11). Mesmo no decreto de Artaxerxes ele é chamado de “ escriba da lei do Deus dos céus” (Ed 7.21). Fi­ca claro que com Esdras o cargo de escriba alcançou uma nova dignidade. Em Neemias 8.1-8, vemos Esdras em um púlpito ele­vado, lendo, expondo e aplicando a Lei e, juntamente com auxi­liares levitas, dando explicações “ de maneira que entendessem (o povo) o que se lia” (agora que o hebraico não era mais a lín­gua falada por eles). A partir dessa época desenvolveu-se gradual­mente uma classe de especialistas que dedicou-se às Escrituras he­braicas e procurou aplicá-las como uma norma para tudo, até mes­mo nos detalhes. Eles sem dúvida prestaram inicialmente um gran­de serviço; enquanto a voz viva da profecia continuou, diante da qual toda Israel se curvava, a subordinação deles preservou sua utilidade.

Desvio SubseqüenteNas palavras do falecido Dr. William Milligan: “Só depois de

cessada a inspiração profética do período e de completado o câ­non, é que devemos observar a degeneração de seu espírito e o au­mento do seu poder. Em meio às múltiplas influências estranhas que, desde essa época até o início da era cristã, estavam sempre ameaçando a existência de tudo o que era mais característico do povo escolhido, a Lei precisava ser preservada com o maior zelo possível. Ela tinha de ser ao mesmo tempo estudada e seus pre­ceitos aplicados às circunstâncias em contínua mutação da vida e condição do povo. Esta aplicação da Lei, porém, não era feita esclarecendo o seu espírito, mas através de prescrições positivas

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— prescrições que apenas professavam explicá-la e, fazendo isto de maneira concisa, sentenciosa e autoritária, nada deixando ao julgamento dos ouvintes, não podiam deixar de investir as regras assim dadas com uma autoridade quase comparável à dos próprios escritos inspirados... Assim sendo, foi praticamente impossível evi­tar o que veio a constituir os dois princípios fundamentais dos es­cribas: primeiro, a multiplicação das tradições orais; e, segundo, a introdução de um sistema de interpretação e exposição das Es­crituras que destruiu completamente o seu significado e, sob a pre­tensão de honrá-las, na realidade usurpou seu lugar” .

No curso do tempo este corpo de tradição oral transmitida sempre crescente passou a ser considerado como superando até mes­mo a Lei em si. ‘Passo a passo os escribas foram levados a conclu­sões que, segundo acreditamos, teriam horrorizado os primeiros representantes da ordem. As decisões sobre novos assuntos foram acumuladas em um complexo sistema de casuísmo. Os novos pre­ceitos, ainda transmitidos oralmente, adequando-se mais precisa­mente às circunstâncias humanas do que os antigos, passaram pra­ticamente a substitui-los. A relação correta entre a lei moral e ce­rimonial não foi só esquecida, mas absolutamente invertida.” O estudo das Escrituras em si tornou-se uma obsessão para com as minúcias, uma concentração em significados supostamente ocultos até nas sílabas e letras, uma absorção na simples “ letra” da Pala­vra, até que a idolatria da letra destruísse a própria reverência em que ela tivera origem e a verdadeira instrução espiritual acabou por extingüir-se praticamente. Não é de se admirar que o povo ficasse surpreendido com o contraste entre os ensinos diretos de Jesus e o dos escribas (Mt 7.28, 29); nem é de surpreender que nosso Senhor condenasse essa super-veneração da “ tradição dos ho­mens” (Mc 7.7, 8), ou que os escribas, decididos a manter sua po­sição, se opusessem determinadamente ao Senhor e seus ensinos.

Algumas Distinções NecessáriasOs escribas devem ser cuidadosamente distinguidos dos sa­

cerdotes. Talvez possa parecer estranho que a ocupação de expor e aplicar as Escrituras não se identificasse desde o início com o sacerdócio em Israel, mas isso, na verdade, não é estranho. A fun­ção do sacerdote estava ligada inteiramente com as cerimônias ofi­

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ciais e deveres da adoração do templo. Como é natural, o indiví­duo podia ser sacerdote e mesmo assim dedicar seu tempo livre ao estudo da Lei e demais Escrituras, tornando-se assim tanto sacer­dote como escriba (como aconteceu com o renomado Esdras: veja Ed 7.1-11), e sem dúvida muitos sacerdotes fizeram isso: mas as duas atividades sempre foram reconhecidas como completamen­te distintas. Várias vezes nos evangelhos encontramos os escribas e sacerdotes reunidos, indicando estarem cônscios da relação íntima no sistema religioso único. Não obstante isto, porém, as funções de ambos eram separadas. A maioria dos primeiros escri­bas eram homens leigos que, através do estudo concentrado, ha­viam adquirido conhecimento das Escrituras e da Lei Oral, segun­do os padrões exigidos; mais tarde, entretanto, em muitos casos, foi feito um curso na escola de algum rabino em Jerusalém.

Os escribas deveriam ser também distingüidos dos fariseus. Repetidas vezes nos evangelhos eles são mencionados em conjunto com os fariseus (Mt 5:20; 12:38; 15:1; 23:2; Mc 2:16; Lc 5:21, 30, etc.), mas embora isto revele afinidade não implica em identi­dade. Os fariseus constituíam um partido eclesiástico, unido pelos seus objetivos e pontos de vista peculiares, enquanto os escribas compunham um grupo de peritos no sentido escolástico ou aca­dêmico. O indivíduo poderia ser certamente tanto um fariseu co­mo escriba: e o fato que praticamente todos os escribas eram fari­seus em sua perspectiva e associação, daí serem eles tantas vezes mencionados juntamente com os fariseus; as duas fraternidades no entanto diferiam. Os escribas não podiam ser considerados co­mo uma espécie de seção do partido farisaico: eles eram indepen­dentes e são mencionados separadamente em vários pontos (Mt 7.29; 17:10; Mc 9:11, 14, 16, etc.). O homem poderia mesmo ser as três coisas — sacerdote, fariseu e escriba — todavia essas três liga­ções abrangiam áreas distintas de sua vida: a primeira relacionada com a ocupação diária, a segunda com a convicção religiosa, a ter­ceira com a vocação especial. Do mesmo modo, ele poderia ser sa­cerdote, escriba e saduceu, embora não haja evidência clara de que qualquer escriba fosse saduceu, cuja situação seja talvez devi­da à atitude racionalista do partido saduceu.

Não podemos nomear e descrever aqui as várias partes que compunham a chamada Lei Oral e que eventualmente (no segundo século A.D.) foram fixadas em forma escrita. Iremos referir-nos a

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isso num adendo sobre o Talmude judaico.Havia muito de verdade na acusação de haver muita corrup­

ção por trás da santidade exterior dos escribas e o Senhor denun­ciou-a severamente (Mt 23:13-28). Todavia, não deve ser suposto que todos os escribas agissem desse modo. Os nomes de homens como Nicodemos, Gamaliel e o renomado Hillel provam o contrá­rio. O Senhor disse certa vez a um escriba anônimo: “ Não estás longe do reino de Deus” . Foi dito com verdade, porém, que geral­mente “ constituíam uma casta marcada não só pelo pior tipo de farisaísmo, mas também pelo mais alto grau do mesmo. A tendên­cia geral de seu espírito e instruções, como consta em todos os re­gistros do Talmude nesse aspecto, era exatamente o oposto do evangelho de Cristo. Daí a severidade das censuras do Senhor e a justiça das maldições que Ele pronunciou contra os mesmos”.

(2) OS FARISEUS

Por mais que nos desagradem as características dos fariseus como apresentados nas narrativas do evangelho, não podemos dei­xar de sentir que coletivamente tratava-se de uma seita poderosa e extraordinária. O Senhor disse essas coisas a respeito deles e pa­ra eles; e sua forte oposição teve consecjüências tão fatais que deve­mos saber quem eram e o que eram.

Sua origem como um movimento pode ser comparada a um rio que corre debaixo da terra por algum tempo antes de surgir à superfície e continuar correndo visivelmente daí por diante. O espírito e atitudes típicos do farisaísmo já estavam presentes nos judeus do pós-exílio antes que o grupo tomasse sua forma históri­ca sob o nome de “ fariseus”.

Fatores Causais: (1 )0 Separatismo Baseado na LeiPara a protogênese do movimento farisaico, devemos repor­

tar-nos ao início do período intertestamentário. Quando o Rema­nescente voltou à Judéia depois do Exílio, seu objetivo era recons­truir a comunidade judaica repatriada como uma nação dedicada ao Senhor, separada de todas as outras pela mais escrupulosa ob­servância da sua lei. A integração desta idéia na nova organização

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social e através dela mostrou-se muito mais problemática na prá­tica do que na teoria e surgiram inúmeras dificuldades; mas o ideal não desapareceu, especialmente entre os mais piedosos.

Como dissemos, quando Esdras e seu novo “ remanescente” de cerca de duas mil pessoas chegou a Jerusalém oitenta anos de­pois do grupo principal ter-se estabelecido ali, ele encabeçou uma reforma que já se fizera necessária — em que o primeiro ideal de separação tornou-se novamente supremo. Por consentimento co­mum foram dissolvidos todos os casamentos mistos e corrigidas outras irregularidades. Numa reunião coletiva e através de acordo escrito, o livro da Lei foi aclamado como o padrão aceito tanto pelo estado como pelo indivíduo. A separação para o Senhor era o ideal dominante.

Fatores Causais: (2) A Influência Crescente do Sumo SacerdoteA partir dessa épocà (aprox. 458-445 a.C.), durante o perío­

do comparativamente calmo da soberania persa (536-333 a.C.), a importância e prestígio do sumo sacerdócio cresceram cada vez mais. Isso não é de surpreender. Por manter, como direito de he­rança, o supremo ofício sagrado num estado onde não havia rei senão Deus, era certo que exerceria uma influência especial desde o início. A autoridade sagrada e civil fundiu-se cada vez mais na figura única até que, em lugar de nomear governadores civis se­parados, o governo persa concedeu ao sumo sacerdote judeu a completa responsabilidade por toda a administração civil e cobran­ça de impostos para a Pérsia.

Houve também outros aspectos que não surpreendem tanto, sendo a natureza humana como é. O sumo sacerdócio tornou-se um cargo ambicionado por eclesiásticos que pensavam mais em suas vantagens políticas do que em suas responsabilidades espiri­tuais. Não é também de se admirar que isto tivesse levado mais tarde à falta de escrúpulos, criminalidade e degradação do cargo, que veio a prejudicar o curso da história da nação. Seria igualmen­te de se esperar que contra esse estado de coisas surgisse um mo­vimento acentuadamente rígido, defendendo a estrita obediência d Lei nacional dada por Deus e aos primeiros ideais do judaísmo.

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Fatores Causais: (3) O Aparecimento de Dois Grupos OpostosOs primeiros sinais dos dois principais grupos opostos na na­

ção são encontrados bem cedo no período intertestamentário. O Dr. Skinner diz: “ Logo no início surgiram duas classes governan­tes na Judéia, cada uma aspirando à influência suprema segundo seus moldes — os sacerdotes com base em sua posição oficial e os escribas na autoridade da Lei.

“ Vale a pena notar que de todos os círculos da sociedade ju­daica, as fileiras superiores do sacerdócio foram as menos influen­ciadas pelo espírito teocrático, as mais suscetíveis às influências estrangeiras e as mais prontas em momentos de tentação a aban­donarem os princípios fundamentais de sua religião... Os escribas, pelo contrário, foram os zelosos campeões da integridade da Lei e defensores de tudo o que era característico do judaísmo. Eles fo­ram a vida e a alma da resistência popular ao paganismo, que trans­portou a nação com segurança através dos perigos do período gre­go, apesar da apostasia dos principais sacerdotes.”

No decorrer do período persa (536-333 a.C.), foi através dos escribas que “ os grandes princípios da santidade por meio de sepa­ração se gravaram profundamente na consciência da comunidade e o caráter judeu adquiriu gradualmente a austera exclusividade e devoção às formas externas da religião que desde então desperta­ram a antipatia do mundo gentio” .

Não havia possibilidade de transpor a brecha aberta entre o grupo de sacerdotes e o dos escribas. Ela se alargou cada vez mais até cristalizar-se em dois grupos distintos, os “ saduceus” e os “ fa­riseus” , sempre em oposição.

Características Históricas: (1) A Primeira Menção pelo NomeAssim, tendo em mente esta idéia das duas atitudes, grupos

e tendências opostas no pequeno estado judeu, viajemos em pen­samento para além do período persa, atravessando o período gre­go (333-323 a.C.); ao egípcio, quando a Palestina fazia parte do império dos Ptolomeus (323-204 a.C.), do sírio (204-165 a.C.) e entremos no período macabeu (165-63 a.C.).

Depois da heróica resistência dos macabeus (165-135 a.C.) e devido à decadência do poder sírio, o estado judeu obteve um curto período de independência (depois de quatro séculos e meio

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de sujeição a outros poderes). Isto se deu entre 135 a.C. e 63 a.C., data da conquista romana. João Hircano tornou-se sumo sacerdo­te e embora jamais assumisse o título de rei, reinou como tal, dan­do começo àquilo que foi chamada de dinastia hasmoneana. (“ Has- moneu” era o nome de família herdado por Matatias, pai de Ju­das Macabeu e seus irmãos, e avô de João Hircano).

Este João Hircano recapturou a maior parte do território que pertencera muito antes a Israel. Nenhum rei judeu dominara uma área tão vasta desde a separação das dez tribos após a morte do rei Salomão. E nos dias de João Hircano que vemos também a primei­ra aparição em cena dos fariseus, já com esse nome, como um mo­vimento histórico.* Como dissemos, os fariseus representam e dão continuidade àquela subdivisão dos líderes e do povo judeu para quem a leal­dade à Lei e à religião de Jeová, assim como a dedicação aos pri­meiros ideais do judaísmo representava tudo; porém, se não se po­de deixar de presumir que a essa altura uma quantidade considerá­vel de lei oral se acumulara, com múltiplas observâncias religiosas externas. Mais imediatamente, os fariseus eram os sucessores espi­rituais dos Hasidim, i.e., “Os Piedosos”, que trinta ou quarenta anos antes, se haviam agrupado em uma liga secreta a fim de pre­servar a fé judaica quando o enlouquecido Antíoco Epifânio pro­curava exterminá-la mediante terríveis atrocidades. Esses Hasidim viviam de modo tão rígido e literal “ segundo a Lei” que muitos preferiam morrer do que levantar a mão para defender-se no sába­do santo. Quando Judas Macabeu começou sua luta de libertação, os Hasidim se uniram a ele em grande número.

São esses, então, os antecedentes e surgimento histórico dos fariseus. O nome fariseu significa “ Separatistas” ; e não é imprová­vel que seus inimigos lhes tenham assim chamado por causa de sua exclusividade piedosa, mas orgulhosa e por vezes mesquinha. Eles prefeririam ter-se mantido à distância dos assuntos políticos, mas as questões religiosas estavam sendo sempre envolvidas, o que os levou a um partidarismo ardente. A separação era o aspecto predo­minante e a principal virtude no conceito fariseu de religião. Alia­do a este achava-se a obediência fanática à letra da Lei.

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Características Históricas: (2) As Tendências InevitáveisEra inevitável que os fariseus tivessem muitos pontos em co­

mum com os escribas, os especialistas na Lei Escrita e na sempre crescente Lei Oral. De fato, como mencionamos antes, a maior parte dos escribas por vocação seria farisaica por convicção. Tan­to para os escribas como para os fariseus, a separação e a santida­de pelo cumprimento estrito da lei escrita e oral, era o objetivo supremo.

Por outro lado, uma propensão infeliz dos fariseus era um desprezo beato pelo povo comum que não tinha a menor possibili­dade, e sabia disso, de vir a cumprir um dia os requisitos comple­xos do código dos escribas.

Uma outra armadilha era sua facilidade em cair na hipocrisia. A princípio se esforçavam solenemente para desempenharem to­dos os deveres prescritos pelos escribas; a seguir, fracassando nisto, satisfaz iam-se na simples obediência exterior, na correção externa apenas ocultando-se atrás de uma máscara de piedade enquanto pecavam; até que, finalmente, habituando-se a essa atitude, tolera­vam o pecado e o praticavam, tornando-se assim nos piores tipos de hipócritas.

A massa do povo desistiu completamente de tentar, resig­nando-se à posição de infelizes pecadores. Eles, porém, continua­vam admirando os fariseus como representantes de algo que, de alguma forma, deveria ser alcançado, embora estes os desprezas­sem. A situação se encontrava assim nos dias do Senhor na terra.

Características Históricas: (3) Outros Aspectos NotáveisMesmo assim não podemos, com justiça, deixar as coisas

nesse ponto. O movimento dos fariseus incluia, sem dúvida, mui­tas almas sinceras e dedicadas, apesar de sua má orientação. Além disso, foram homens como eles que mantiveram viva e atuante a esperança messiânica no período intertestamentário em Israel, pre­gando a esperança da ressurreição do corpo para os fiéis quando o Messias introduzisse o seu reino.

Em seu livro Antigüidades dos Judeus (Livro XVII), Josefo nos conta que os fariseus nos dias de Herodes eram cerca de seis mil. Talvez nunca tenham chegado a ser um grupo muito grande numericamente, mas sua influência em proporção ao seu número

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era enorme. Seu poder sobre a opinião popular era tanta que ne­nhum governante podia desconsiderá-los.

Durante o período intertestamentário, descobrimos diversas vezes que os fariseus foram o fator determinante nas lutas para al­cançar o poder. No reinado de Alexandre Janus (filho de João Hir­cano) foram os fariseus que incitaram o povo a uma guerra civil contra o rei e os saduceus, obrigando o rei a fugir. Eles também li­deraram uma outra insurreição no reinado de Aristóbulo II (neto de Hircano). Os oitenta anos de independência sob a dinastia dos hasmoneus (macabeus), somados aos ensinamentos dos fariseus, pro­vocaram a reação violenta dos judeus quando a idéia tornou-se parte do império romano.

Basta ler os quatro evangelhos para verificar a tendência de­les nos dias em que o Senhor estava na terra — e sua influência em promover a crucif icação d Ele.

OS SADUCEUS

O fato de concedermos menos espaço aos saduceus não sig­nifica que fossem menos importantes, mas simplesmente porque já discutimos em relação aos fariseus os fatores que deram origem aos dois grupos divergentes e não precisamos mais abordar esse as­sunto.

Os dois movimentos já se apresentavam em estado embrio­nário nas primeiras demonstrações de inimizade entre os sacerdo­tes e escribas.

Eles não puderam desenvolver-se entre os judeus após o exí­lio, enquanto havia profetas inspirados, representando a teocracia em sua forma mais nobre. Mas no período intertestamentário, quando a voz da profecia morrera, as tendências opostas cresce­ram até que, eventualmente, pouco depois da revolta dos maca­beus, elas emergiram sob o nome de “ fariseus” e “ saduceus” .

Parece certo que o título “ saduceus” vem de “ zadoquitas” ; mas se “ zadoquitas” é derivado de “ filhos de Zadoque” , que reti­veram o sumo sacerdócio a partir de Zadoque no reinado de Davi (2 Sm 8:17, etc.) até a época dos macabeus, ou de um certo Zado­que que viveu cerca do ano 250 a.C., ou ainda de uma palavra he­braica significando “ justo” , não tem sido fácil determinar. E mais provável que derive dessa càsa sacerdotal de Zadoque de longa da-

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ta. Numa época posterior, em meio ao período de exílio, Ezequiel cita os “ filhos de Zadoque” como representando todo o sacerdó­cio (40:46; 43:19; 44:15; 48:11). O que seria então mais razoável, quando o sumo sacerdócio passou para a casa dos hasmoneus de­pois da vitória dos macabeus, do que o grupo de sacerdotes judeus, ansioso por reter o prestígio e as vantagens de tão venerada tradi­ção em prol de seus alvos e práticas, enfatizar de um novo modo que, embora apoiassem lealmente o sacerdócio hasmoneu, conti­nuavam sendo na verdade “os zadoquitas"? \ \

O fato de ter-se aberto tão cedo uma brecha entre saceçâo^K tes e escribas na era intertestamentária parece realmente depois de Esdras ter combinado em si mesmo as dtfM^smoes (Ed 7:6, 12). Não havia causa constitucional. O^á&çmtòcimento surgiu de tendências anteriores. Como diss^oá^aaoe+arteocráti- ca e a esperança messiânica representavgjr^ÉíyV^wmos escribas; enquanto os sacerdotes parecem ter-^Nv^ih^ktô^os aspectos oficiais e terrenos do sumo sacerdócio, á(mmfaa que cada vez mais reunia em si mesmo a liderança^pífíSaKe-fíolítica da nação.

Mais tarde, quando o im j^ iqts^ Alexandre difundiu a lin­guagem e cultura gregas atrave^fejodo o mundo civilizado e hou­ve um conflito entre o iodíNsmVe o helenismo, foram os sacerdo­tes que transigir , . ,uartto a influência dos escribas tornou-se a espinha dorsal dOx' to de resistência que eventualmente afastou a n^ã^efç&â^ vozes sedutoras e rochedos fatais.

Muit^Emjt^sHio desaparecimento de Alexandre e seu im- lilfh tfa i ’ grega continuou a espalhar-se entre as nações, ao redor da Judéia tinham sido uma presa fácil. O peri- itável, à medida que os judeus entravam em contato

vários refinamentos, liberdade de pensamento e prazeres ptuosos dessas comunidades de vida grega. O grupo aristocrá- associado aos sacerdotes era sempre o que mostrava propensão

para negligenciar o judaísmo em favor das liberdades gregas: este foi o grupo que mais tarde tomou o nome de saduceus.

O Professor Skinner nos dá uma descrição curta e viva de seus aspectos característicos no seguinte parágrafo: “Os saduceus, à primeira vista, não parecem ter sido uma seita religiosa ou um par­tido político, mas um grupo social. Em questão de número o seu grupo era bem menor que o dos fariseus e pertenciam na maior parte às ricas e poderosas famílias dos sacerdotes que formavam

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a aristocracia da nação judaica. Os líderes do partido eram os an­ciãos com cadeiras no conselho, os oficiais militares, os estadistas e oficiais que participavam da administração dos negócios públi­cos. Jamais tiveram grande influência sobre a massa do povo; como verdadeiros aristocratas, não se incomodavam muito a esse respei­to. Sua única ambição era tornarem-se indispensáveis ao príncipe reinante, a fim de poderem conduzir o governo do país de acordo com suas opiniões. No conceito dos saduceus, como acontece com alguns políticos mais modernos, a lei de Deus não se aplicava à po­lítica. Caso Israel devesse tornar-se grande e próspera, isso se da­ria através de cofres repletos, exércitos fortes, hábil diplomacia e todos os recursos da arte de governar... Eles consideravam como puro e perigoso fatalismo aguardar a libertação divina simplesmen­te através da santificação do povo” .

Deve ser compreendido, todavia, que a seu modo eram tão zelosos do judaísmo quanto os fariseus. A idéia que faziam do mesmo é que era diferente. Eles rejeitavam por completo a Lei Oral acumulada pelos escribas e professavam guardar apenas a Lei Escrita, embora devamos lamentar que essa atitude fosse origina­da por pensamentos céticos e não espirituais. Podemos vislumbrar em Mateus 22:23 e Atos 23:8 como sua atitude era cética até mesmo com respeito à Lei Escrita, pois lemos que negavam a res­surreição do corpo e não acreditavam nos anjos e nos espíritos. Co­mo uma entidade, eles parecem ter sido tão astutos acerca dos aspectos mundanos da religião e da política quanto aos fariseus eram indiferentes a eles, e tão indiferentes à esperança messiânica quanto os fariseus a aceitavam. Os dois grupos provocaram sua própria emergência e oposição mútua. Onde quer que as caracte­rísticas de um surgissem, elas excitavam as reações hostis do outro. O próprio fanatismo dos fariseus instigava o ceticismo dos sadu­ceus. A espiritualidade de um grupo irritava o mundanismo do outro. E a inimizade continuou. Os fariseus tentaram influenciar a nação a partir do poder governante. Nos Evangelhos e Atos vemos a proeminência dos saduceus no Sinédrio. Durante o ministério público do Senhor os sumos sacerdotes, Anás e seu genro Caifás, eram ambos saduceus. Atos 5:17 fala do “ sumo sacerdote e to­dos os que estavam com ele, isto é, a seita dos saduceus”. Pode­mos compreender perfeitamente quão intolerável seriam para tal grupo os ensinamentos, caráter e alegações messiânicas do Se­

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nhor Jesus. Seu ódio pode ser medido pela sua disposição em unir-se até aos detestados fariseus a fim de matá-IO. Foram de fato diretamente responsáveis pela sua crucificação (compare Lc 3:2; Jo 11:49; 18:13, 14, 24; 19:15; Mc 15:11).

Todavia, mesmo assim, devemos ter cuidado para não impli­car que todos os sacerdotes eram necessariamente “ saduceus” . Foi um sacerdote dedicado e seus filhos que lideraram a revolta dos macabeus. Foi a um sacerdote justo que o anjo Gabriel anun­ciou a vinda de um filho que seria o precursor do Senhor. Uma ge­ração mais tarde, depois de Cristo ter subido aos céus e derrama­do o Espírito Santo sobre os discípulos que aguardavam, vemos que, apesar da amarga hostilidade entre os principais sacerdotes, “muitíssimos sacerdotes obedeciam à fé” (At 6:7).

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o p e r ío d o in t e r t e s t a m e n t á r io

IV. ESSÉNIOS, HERODIANOS, ZELOTES✓

E A JUDEIA DOS DIAS DE JESUS

Lição nQ 4

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JOSEFO ESCREVE SOBRE OS ZELOTES

Judas, o Galileu, foi o autor da quarta seita da filosofia ju­daica (i.e., os zelotes). Esses homens concordam em tudo o mais com os conceitos farisaicos; mas possuem um apego inflexível à liberdade e afirmam que Deus deve ser o seu único Rei e Senhor. Eies também não dão valor a qualquer tipo de morte nem na verdade se preocupam com a morte de seus parentes e amigos, um temor que os leva a não chamar ninguém de Senhor. Como esta resolu­ção imutável deles é conhecida de muitos, não falarei mais sobre isso; não me amedronta também a idéia das pessoas não acredita­rem em qualquer coisa que tenha dito sobre eles, embora tema que minha palavras sejam inferiores à resolução mostrada por eles ao passarem por sofrimentos. Foi nos dias de Gessius Florus que a nação começou a enraivecer-se com as loucuras daquele que era nosso procurador e levou os judeus a se enfurecerem pelo seu abuso de autoridade, fazendo com que se revoltassem contra os romanos.

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ENTRE MALAQUIAS E MATEUS (4)

OS ESSÉNIOS

Embora o Novo Testamento não mencione a seita judaica peculiar conhecida como “ os Essênios” , devemos examiná-la bre­vemente, como contribuindo com um outro aspecto significativo ao período intertestamentário final. £ interessante notar como em cada época reaparecem os mesmos três tipos — o “ortodoxo” , o “ heterodoxo” e os “ peculiares” . Os fariseus se apegavam total­mente à letra da Lei. Os saduceus se desligaram de tudo menos do sentido mais amplo da mesma. Os essênios se satisfaziam em vi­ver no espírito da lei e para isto se retiraram da sociedade huma­na comum, vivendo isolados no campo, onde praticavam um esti­lo monástico de vida e um tipo místico de judaísmo.

E igualmente estranho como em cada época os diferentes grupos podem ser tão cegos às suas próprias contradições. Os es­sênios eram super-judeus, sendo Moisés sua principal autoridade. Todavia, como acontece com a maioria dos místicos, sua contem­plação transformou e diluiu os significados claros da autoridade que veneravam tão profundamente.

Eles se desligaram dos sacrifícios no templo, por possuírem, supostamente, purificações próprias que destacavam o significa­do espiritual. Não podiam misturar-se à multidão vulgar dos fre­qüentadores do templo que, segundo eles, profanava os seus pre­cintos. Estava mais de acordo com o espírito das prescrições mosai­cas isolar-se e render sacrifício no santuário mais santo de sua ha­

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bitação. Mesmo assim, porém, mostravam sua reverência pelo tem­plo, enviando ofertas regulares de incenso. Sua obsessão vinha de uma mente pura, uma religião espiritual, a separação para Deus às custas da humilhação pessoal, através de isolamento monástico, disciplina ascética e máxima simplicidade de vida.

Eles eram uma comunidade à parte. Viviam “sós em casas de sua propriedade, trabalhando nos campos ou em serviços úteis, mas rejeitando o comércio como um estímulo à cobiça” . Cada re­feição era preparada pelos seus sacerdotes e tomada como um sa­crifício a Deus. Só um prato era colocado à frente de cada um. Se opunham à guerra por questão de princípios e proibiam os jura­mentos. Os mais estritos renunciavam até ao casamento —um asce­tismo absolutamente estranho ao ensino mosaico. Os membros só eram admitidos depois de um período de experiência, sendo sole­nemente obrigados a cumprir as regras e manter os segredos da ordem; deviam praticar a piedade para com Deus e a justiça para com o homem, odiando os perversos e ajudando os retos; deviam falar apenas a verdade e não prejudicar ninguém.

Sua espiritualidade monástica era, entretanto, sobrepujada pela escravidão às exterioridades! Eles guardavam o sábado tão rigidamente, conforme a Lei, que não podiam sequer acender o fo­go ou preparar a comida. Consideravam profanação comer qual­quer alimento preparado por outra pessoa que não fosse de sua fra­ternidade e preferiam mesmo a morte a tal coisa. Reprimiam-se su­persticiosamente de cuspir, especialmente do lado direito. Quando tocados por algum incircunciso precisavam imediatamente subme­ter-se a abluções corporais.

Embora fossem uma mistura contraditória, manifestavam vir­tudes santas que os elevavam muito acima da média (veja o tributo de Josefo, anexo a este estudo). O motivo era bom, mas o método errado. Seu exclusivismo, ascetismo e misticismo não passavam de escapismo disfarçado. Seu ultra-judaísmo tornou-se quase anti-ju­deu. Sua liberdade mística com a Palavra Escrita não lhes propor­cionou liberdade espiritual, mas os manteve escravos da forma. Afinal de contas, eles não conseguiram penetrar sób a camada su­perficial, descobrindo o verdadeiro espírito da Lei. Isso não pode ser feito do modo deles. O Senhor Jesus mostrou o verdadeiro caminho: e Ele não era um recluso. Os essênios tinham boa repu­tação pela sua piedade, assim como pela sua percepção religiosa e

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foi dito que suas predições sobre o futuro eram consideradas como praticamente infalíveis. Mas não tinham boa comunica­ção com os homens; portanto, não fizeram um impacto real em sua época e não são mencionados no Novo Testamento. São, en­tretanto, importantes por revelarem ainda mais as aspirações e comportamento do povo durante aqueles séculos intertestamen- tários.

OS HERODIANOS

Em Mateus 22:16, Marcos 3:6 e 12:12 encontramos outro círculo judeu, a saber, os herodianos. Quem eram eles? Nenhuma informação explícita foi deixada quanto ao seu agrupamento origi­nal, mas o próprio nome revela naturalmente seu papel destaca­do e razão de ser. Quaisquer que fossem as preferências ou aver­sões religiosas de seus membros, o grupo como tal não era de for­ma alguma um culto ou união religiosa. Era político; e o objeti­vo principal de seus adeptos era promover a causa do governo de Herodes. Não se sabe ao certo se a casa ou trono de Herodes os subsidiava diretamente, mas obviamente eles tinham o selo da aprovação real e cada um dos astutos, mas inquietos Herodes, faria seus agentes colaborarem com eles.

Podemos perfeitamente imaginar que muitos considerariam uma boa política fortalecer a pressão da casa de Herodes sobre os líderes e público judeus. Depois da torturante insegurança, rivali­dades sangrentas e expedientes quase suicidas que haviam afligido os governantes judeus desde o período macabeu, o que poderia ser mais prudente do que apoiar o trono herodiano, que gozava do favor de Roma, dando assim à J udéia a proteção desse podero­so império? Muitos veriam nos Herodes a única esperança judaica de continuação nacional; a única alternativa para fugir ao domí­nio pagão direto. Outros iriam também favorecer uma mistura da fé antiga e da cultura romana como no princípio Herodes e seus sucessores tinham buscado fazer, como sendo a mais elevada consumação das esperanças judaicas.

Por outro lado, devem ter havido muitos que detestavam a própria menção desse nome. A família dos Herodes não era com­posta de judeus, mas de idumeus. O primeiro Herodes não assas­

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sinara todos, com exceção de dois membros do Sinédrio? Ele não comprometera a fé judaica que tinha antes abraçado ostensiva­mente? Não construíra em Panes um templo de mármore branco para a adoração de Augusto? Fora da Judéia, não era ele o patrono indisfarçado do paganismo? Não edificara um teatro romano em Jerusalém, com um amplo anfiteatro fora dos muros, instituindo lutas políticas entre gladiadores? E embora tivesse construído o novo e magnífico templo judeu em Jerusalém, não havia mandado colocar a águia dourada romana sobre a entrada principal do pátio externo? Não estava a família Herodes manchada com o sangue dos crimes mais medonhos? Ela não representava, em análise final, o poder do odiado conquistador romano? Podemos imaginar como os fariseus, por exemplo, devem ter odiado os herodianos! Os dois partidos nao se toleravam de forma alguma, o que torna a união dos fariseus e herodianos contra o Senhor muito mais surpreen­dente.

OS ZELOTES

Em Mt 10:4, Mc 3:18, Lc 6:15 e At 1:13, aparece o nome de um certo Simão, o Zelote. Quem e o que eram então os zelotes? Eles representavam de maneira drástica o partido nacionalista ju­deu. Foram de fato eles que praticamente provocaram o choque furioso com Roma que resultou na completa ruína e saque de Je­rusalém pelo general Tito em 70 A.D.

Para o seu início como movimento precisamos reportar-nos ao ano de 63 a.C., quando o período de independência sob os ma­cabeus terminou e a Judéia passou para o domínio romano. Havia uma larga diferença entre a turbulenta comunidade judaica que tornou-se então vassala de Roma e o Remanescente que se subme­tera ao governo persa no começo do período intertestamentário! Não só tinham crescido em número, como também seu tempera­mento se modificara grandemente. Os setenta anos de governo in­dependente, acrescidos da influência farisaica, atuara sobre o es­pírito da nação tornando-a talvez a comunidade mais provocante que os romanos tinham de administrar.

Enquanto os judeus da Judéia nos primeiros tempos do pe­ríodo intertestamentário estavam resignados a aguardar passiva­

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mente atê que seu Messias viesse e livrasse um povo que cumpria fielmente a lei sagrada, havia agora uma contenda impetuosa no sentido de que a intervenção divina só seria enviada a um povo preparado para lutar pela libertação de Israel do domínio estran­geiro. ,;0 mesmo fanatismo fariseu pela letra da Lei continuava a existir, mas com um tom nacionalista ardente que superava a in­diferença piedosa do farisaísmo anterior.

; Além do mais, vinte e seis anos depois de Roma ter passado a governar a Judéia, o intrigante e odiado Herodes, um estrangei­ro, mediante atos sangrentos e selvagens conseguira apossar-se do trono da Judéia, apoiado por Roma, mas contrariando a resis­tência amarga dos judeus. Foi a sua ascensão, ao que parece, que inflamou os reacionários zelotes a formar um movimento ou par­tido organizado. O Dr. Edersheim não hesita em dizer que “ uma visão mais profunda e independente da história da época (i.e. a partir de então) talvez nos levasse a considerar o país inteiro co­mo dividido, aceitando ou rejeitando uma das facções”.

As mais violentas atividades do movimento parecem ter ocor­rido a princípio na região da Galiléia. No ano 6 A.D., quando Qui- rino, o legado romano da Síria, ordenou o levantamento de um cen­so na Palestina, Judas o Galileu, juntamente com Zadoque, um fa­riseu, encabeçaram uma revolta contra o domínio romano, invo­cando os compatriotas como o povo de Deus para resistir ao despotismo humano. Ele queria restaurar completamente a forma teocrática de governo. Um grande grupo o seguiu, mas foi facil­mente dispersado por Quirino e Judas acabou sendo assassinado (At 5:37). Todavia, como diz o falecido Dr. W. A. Lindsay: “ Des­de essa época até a destruição de Jerusalém e a dispersão da raça judaica, a história externa dos judeus é principalmente um registro das lutas travadas pelos que zelavam pela Lei contra a invasão do poder romano e da cultura helenista” .

Os filhos de Judas continuaram a causa. Dois deles, Jacó e Si­mão, foram crucificados por Tibério Alexandre, um procurador, üm terceiro filho, que afirmou ser o Messias, foi morto por uma multidão.

Mas a oposição dos zelotes contra Roma pela força das ar­mas, acabou infelizmente num pretexto para a violência até mes­mo contra seus próprios patrícios. Durante as últimas décadas antes da destruição de Jerusalém, em 70 A.D., eles se transformaram em

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bandos de marginais sem lei, aterrorizando a todos. Nao é impro­vável que Barrabás e seus homens fossem zelotes, assim como os dois ladrões crucificados pelo Senhor. Note que o nome Barrabás é aramaico; que tanto ele como um grupo de amotinadores se achavam na prisão por terem cometido homicídio em um “ tumul­to” (insurreição) (Mc 15.7). Os dois malfeitores crucificados com o Senhor eram salteadores violentos e não apenas “ ladrões” . A pa­lavra “ salteadores” foi corretamente empregada na Edição Revista e Corrigida em Mateus 27.44. Talvez o salteador penitente, como fizeram outros, tivesse pensado, no início, que o “ reino de Deus” podia ser introduzido pela força. Ao observar Jesus na cruz ele, re­pentinamente, percebeu o seu erro.

O JUDAÍSMO NOS DIAS DO SENHOR

A fim de continuar com nosso estudo intertestamentário, va­mos procurar sentir os resultados dá atmosfera política e religiosa durante a época em que o Senhor viveu na Palestina.

O Mundo RomanoO mundo civilizado daqueles dias coexistia com o império ro­

mano. Uma sujeição comum ligava todas as nações ao trono único. Um controle militar comum mantinha a ordem em toda parte com mão de aço. Uma língua comum, i.e., o grego, unia as cidades maiores e os homens cultos num intercâmbio de pensamento uni­versal jamais conhecido antes. Uma cultura comum, a greco-roma- na, prevalecia praticamente em todas as terras. As famosas estra­das romanas facilitavam as comunicações por terra e tornaram-se grandes vias comerciais. As rotas marítimas no Mediterrâneo liga­vam todos os povos, mantendo todos eles em paz uns com os ou­tros. O comércio florescia por terra e mar. Desse modo, apesar de muitos oficiais facínoras, uma injustiça rústica era mantida em to­do o mundo conhecido num nível jamais visto antes. A lealdade a Roma obtinha uma clemência correspondente. As religiões e costumes locais eram respeitados e concedia-se às províncias liber­dade para autogovernar-se até certo ponto, no que dizia respeito a seus assuntos internos. A Palestina fazia parte de uma dessas pro­víncias romanas (a da Síria) no início de nossa era cristã.

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PalestinaA Palestina achava-se nesse período dividida em cinco sub-

regiões: judéia, Samaria, Galiléia, Peréia, Traconites. O primeiro Herodes (erradamente chamado de “ Herodes, o Grande” em lugar de Herodes, o Sanguinário!) reinara sobre as cinco, mas por oca­sião da sua morte (cerca da época em que o Senhor nasceu), o rei­no fora dividido entre seus três filhos, como disposto em seu testa­mento. Ao mais velho, Arquelau (Mt 2:22), ele legou a Judéia e Samaria. A Herodes Antipas, deixou a Galiléia e a Peréia. A ou­tro filho, Filipe, deixou Traconites. Dez anos mais tarde, Roma havia retirado a Judéia e Samaria de Arquelau devido ao seu mau governo e nomeou em seu lugar um procurador que passou a ser conhecido como “ Governador da Judéia” . Durante o ministério público do Senhor, o quinto desses procuradores administrava a região, a saber, Pôncio Pilatos. Ele prestava contas ao Legado romano sobre a Síria, que controlava toda a Palestina, e que por sua vez tinha de prestar contas ao imperador. A residência habi­tual do procurador ficava em Cesaréia e não em Jerusalém, pois a primeira era a cidade de maior importância política para os romanos. Em ocasiões como a festa da Páscoa, entretanto, quando Jerusalém estava repleta e o sentimento nacionalista poderia esti­mular pensamentos de revolta, o procurador passava a residir tem­porariamente na capital, o que explica a presença de Pilatos ali quando ocorreu a desordem que ocasionou a crucificação do Senhor.

Nessa época também, Herodes Antipas reinava como Tetrar- ca sobre a Galiléia e a Peréia. Ele era filho de Herodes o Grande e Maltace, uma samaritana. Meio idumeu e meio samaritano, não havia uma gota de sangue judeu em suas veias: e a “Galiléia dos Gentios” parecia um domínio adequado para tal príncipe. Os evangelhos indicam que era um homem supersticioso, imoral e cruel. Ele também se achava em Jerusalém quando o clamor pela crucificação do Senhor irrompeu. Pilatos, portanto, ao saber que Jesus era da Galiléia enviou-o a Herodes, mas este devolveu a responsabilidade a Pilatos.

Os Judeus da JudéiaNo que diz respeito à Judéia desse período, os fariseus, sa­

duceus e herodianos, estavam procurando introduzir seus pontos

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de vista, cada um a seu modo. Havia grande atividade nas escolas dos fariseus. Alguns dos mais famosos entre os escribas adorna­ram a época de Herodes o Grande. De fato, os famosos Hillel e Shammai, os mais renomados dentre todos os escribas judeus desde Esdras, e fundadpres, respectivamente, das escolas rivais de her­menêutica rabínica na Babilônia e Palestina, estava ambos em seu apogeu£por ocasião do nascimento de Jesus. Os fariseus tinham grande influência sobre o povo e, portanto, Herodes os tratava com cuidadosa tolerância.

O poder dos saduceus tinha sido grandemente enfraqueci­do com o assassinato de 45 de seus líderes no princípio do reina­do de Herodes. Este também abolira o sacerdócio hereditário — outro golpe contra os saduceus. Não obstante, os saduceus perma­neceram influentes nos círculos mais elevados, As famílias sacer­dotais hereditárias continuavam sendo a aristocracia nativa da ter­ra. Em seus escalões mais altos eles eram ainda motivados por ob­jetivos políticos e não espirituais. Se Herodes não tivesse mostra­do tanta selvageria em relação a eles no começo de seu reinado pelo fato de apoiarem o sumo sacerdócio hasmoneu, teriam cer­tamente tido maior boa vontade do que os fariseus em aceitar sua autoridade e as inovações helenistas; mas eles agora partilhavam do ódio fariseu contra o regime de Herodes. Sua influência sobre o sumo sacerdócio e o Sinédrio ainda se mantinha firme. Tanto no final dos Evangelhos como no início do livro de Atos, o sumo sa­cerdote e os principais sacerdotes eram saduceus, com bastante in­fluência no Sindédrio (veja A t 4:6, 5:17, etc.).

Os herodianos, como faziam os nazistas, se misturavam com o povo; com mais cautela, porém, desde que o filho de Herodes fora substituído por um procurador na judéia. Eles tinham o mes­mo ressentimento que os fariseus em relação a esse oficial, mas não o seu ódio judeu contra Roma. Não se envergonhavam de usar tá­ticas de espionagem e sempre faziam jogo duplo. Para os herodia­nos, mostravam-se aliados fiéis e ao “ Governador” romano, davam ares de defensores leais do domínio romano, do qual Herodes de­rivava a sua autoridade.

Eles desprezavam cinicamente a esperança messiânica dos pie- titas judeus, mas ficaram alertas quando surgiu o grande movimen­to a respeito de Jesus ser o esperado Rei dos Judeus, com supostas reivindicações sobre o trono da Judéia. Sua hostilidade foi imedia-

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ta. Ele era perigoso e deveria ser entregue ao governador para ser silenciado (Lc 20:20).

Não há dúvida que sua organização de espiões era conhecida. Lemos em Marcos 3:6: “ Retirando-se os fariseus, conspiravam lo­go com os herodianos, contra ele, em como lhe tirariam a vida” . Suas manobras ocultas contra o Senhor são expostas em Lucas 20:20 (que Mateus 22:16 aplica a eles): “Observando-o, suborna­ram emissários que se fingiam justos para verem se o apanhavam em alguma palavra, a fim de entregá-lo à jurisdição e à autorida­de do governador”.

Um Triângulo PerversoOs fariseus, saduceus e herodianos achavam-se todos na Ju­

déia naquela ocasião. Cada grupo odiava os outros com um senti­mento de despeito maldoso e desprezo. Todavia, nesse estranho frenesi de ódio que a verdadeira bondade desperta involuntaria­mente na mente dos que praticam o mal, os três grupos se uniram em sua oposição assassina contra o Deus-Homem inocente que era “ manso e suave de coração” .

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Jerusalém Naquela EpocaNão podemos talvez deixar este retrato dos judeus da Pales­

tina nos dias do Senhor sem ter um vislumbre da cidade de Jeru­salém propriamente dita, no seguinte parágrafo escrito pelo Dr. Alfred Edersheim.

“ Existem dois mundos lado a lado em Jerusalém. Um deles representado pelo helenismo com seu teatro e anfiteatro; estran­geiros congestionando a corte e a cidade; tendências e costumes estrangeiros, desde o rei de outras terras, etc. O outro era o velho mundo judeu, tornando-se agora estabelecido e estruturado nas es­colas de Hillel e Shammai, à sombra do templo e da sinagoga. Ca­da um seguindo seu curso ao lado do outro... Se o grego era a lín­gua da corte e do arraial, sendo de fato compreendido e falado pe­la maioria na nação, a linguagem do povo, empregada também por Cristo e seus apóstolos, era um dialeto do hebraico antigo, o ara- maico ocidental ou palestino... Tratava-se na verdade de uma mis­tura peculiar de dois mundos em Jerusalém, não só dos gregos e judeus, mas também da piedade e mundanismo.”

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Existe, porém, um outro aspecto muito importante daqueles judeus da antigüidade que não devemos de forma alguma negligen­ciar. Uma nação não é apenas composta de cortes, escolas, líderes e partidos, mas dos milhares e milhares conhecidos e coletivamen­te como “ o povo comum”. As páginas do historiador os deixam necessariamente desconhecidos e obscuros. Todavia, eles são tão humanos e tão pessoalmente preciosos para Deus, como os persona­gens de renome. São eles que em seu vasto total e continuidade procriativa, constituem o corpo vivo da nação e da raça. São eles o verdadeiro objeto da história. Os poucos que se destacam, só o fazem pelo seu impacto sobre eles. Assim sendo, em tempos remo­tos na Judéia, quando os anos a.C. deram lugar aos A.D., foram os homens e mulheres comuns que constituíram a vida da comuni­dade sempre em movimento. Cada um deles tinha seus peque­nos mundos pessoais de interesses e preocupações, prazeres e des­gostos, alegrias e tristezas. Eles cresceram, envelheceram, trabalha­ram, divertiram-se, riram e choraram, cantaram e suspiraram, tive­ram esperança e temor, viveram e morreram.

O que dizer deles, naqueles dias? Alexander Maclaren assevera que “os períodos mais negros não foram tão maus na realidade quanto parecem na história” . Jamais houve um período mais som­brio na história de Israel antes do exílio, do que o dos Juizes. Fo­ram dias negros de apostasia religiosa e desordem civil; e o livro trágico termina com um suspiro final: “ Naqueles dias não havia rei em Israel: cada um fazia o que achava mais reto” (Jz 21:25). Todavia, logo após essa última sentença do Livro dos Juizes ini­cia-se o pequeno e precioso Livro de Rute, com as palavras: “Nos dias em que julgavam os juizes”, lembrando-nos imediatamente que mesmo naquele período terrível existiam pessoas de bom ca­ráter, crentes fiéis e corações nobres. Isso aconteceu na Judéia à medida que os judeus emergiram daqueles séculos traiçoeiros e torturantes do período intertestamentário para entrar nos dias do Evangelho.

Havia amor sincero, retidão santa, aspiração piedosa, em es­pírito de oração: e muitos estavam aguardando ansiosamente o “ Sol da Justiça” trazendo “ salvação nas suas asas” . “ Então os que temiam o Senhor falavam uns aos outros; o Senhor atentava e ou­via” (Ml 3:16). No carpinteiro de Nazaré e sua esposa virgem; nos pais de João Batista, nos pastores dos campos de Belém, no peque­

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no grupo de santos que se reuniu à volta do recém-nascido Salva­dor no templo, reconhecemos os humildes representantes do mais puro tipo de piedade judaica. Homens e mulheres como esses vive­ram e morreram em Israel durante todos aqueles séculos. Bem dis­tante da pompa das cortes terrenas e da luta de facções, da atmos­fera conflitante do fanatismo político e religioso, eles haviam espe­rado pelo consolo de Israel. E agora, finalmente, a pessoas como essas o há muito esperado Messias tinha sido revelado. Na hora da mais profunda degradação de Israel, quando o reino de Herodes parecia zombar das aspirações de todos os israelitas fiéis com sua aparência simulada de glória messiânica, os olhos deles contempla­vam o Ungido do Senhor, o verdadeiro Rei do reino de Deus, “ cu­jas origens são desde os tempos antigos, desde os dias da eternida­de” (Mq 5.2).

AS SEITAS

É notável ver como aquelas seitas judaicas da antigüidade res­surgem e se apresentam como novas em cada geração. Ninguém se engane, elas vivem de novo hoje, usando roupas atuais e agindo en­tre os modernos cristãos.

Em tempos idos, os essênios e os zelotes se mantinham lon­ge do caminho do Senhor. Ele era demasiado popular para os es­sênios e manso demais para os zelotes. Os essênios se mantinham afastados em sua solidão monástica e os zelotes nos seus esconde­rijos nas colinas. O Senhor não levou qualquer mensagem aos es­sênios, nem pediu ajuda aos zelotes.

Mas os fariseus, saduceus e herodianos estavam ali mesmo em oposição ativa a ele todo o tempo. Quanta ironia! Em seu orgulho cego eles estavam resistindo justamente àquilo que era suposta­mente razão de sua existência. Observe-os cuidadosamente, pois trata-se de tipos altamente significativos. Os fariseus eram os anti­gos ritualistas, os saduceus, os velhos racionalistas. Enquanto os herodianos representavam os secular istas da antigüidade.

A marca do fariseu — o ritualista — é que ele está sempre acrescentando.Ele não se conterita com a Palavra escrita de Deus e com a verdade clara do evangelho, com a fé uma vez entregue aos santos. Sente necessidade de acrescentar suas próprias idéias e

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ordenanças, até que a religião e a salvação se tornem algo muito complexo. Foi isso que os fariseus fizeram até que, devido ao peso acumulado de suas cerimônias e observâncias, tornaram a religião um fardo pesado demais para os homens carregarem.

Por outro lado, a marca do saduceu — o racionalista — é que ele está sempre subtraindo. Ele não pode aceitar a Palavra escrita de Deus em sua integridade, nem a verdade do evangelho como ela é; também não pode aceitar, sem omissões drásticas, a fé uma vez entregue aos santos. Tudo precisa ser julgado no tribunal da razão humana. Isto, aquilo e aquiloutro precisam ser cortados para tornar a fé racional e convincente. Foi esta justamente a atitude do saduceu. Ele não podia, ou antes, não queria, acreditar seja em an­jos ou demônios, seja na ressurreição dos mortos ou em qualquer outro milagre.

Quanto aos herodianos — os secularistas — não se importa­vam em somar ou subtrair. Do mesmo modo que o descuidado Gálio, não se importavam “ com nenhuma dessas coisas” . A pala­vra escrita de Deus, a mensagem do evangelho, a fé uma vez entre­gue aos santos, não eram a sua primeira preocupação. Seu interes­se estava na vida de hoje. O que importa se um Herodes pagão reina sobre um trono manchado de sangue, desde que os interesses materiais estejam sendo atendidos? Enquanto o fariseu ritualista se ocupava em acrescentar e o saduceu racionalista incredulamente subtraía, o herodiano secular negligentemente passava por cima.

Ritualista, Racionalista, SecularistaTemos conosco hoje esses três grupos. O fariseu — o ritualis­

ta — é o moderno eclesiástico “ superior” , o anglo-católico, o cató- lico-romano. Ele não se satisfaz com a Palavra escrita de Deus, a verdade clara do evangelho com suas boas novas da salvação só pe­la graça da parte de Deus e só pela fé da nossa parte; também não se contenta com a fé uma vez entregue aos santos. Nada disso. Ele precisa acrescentar a elas os seus paramentos, velas, imagens, sacramentos, confessionários, penitências, cerimônias, e todos os outros enganosos adornos de sua hiper-religiosidade.

Por outro lado, o saduceu — o racionalista — é o moderno cé­tico religioso, o modernista, o eclesiástico “ liberal” — e ele é tão liberal que algumas vezes não se pode dizer onde sua teologia co-

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meça ou termina. Ele se alegra mais em contar o que não pode ou não quer acreditar do que em declarar aquilo que realmente crê. Fiel à sua linhagem de saduceus, ele está sempre subtraindo. Não pode aceitar a íntegra da Palavra de Deus, nem a verdade do evangelho como ela é; nem pode aceitar, sem cancelamentos drás­ticos, a fé uma vez entregue aos santos. Isto, aquilo e aquiloutro precisa ser retirado. Ele não pode crer em Moisés, Isaías, Daniel. Grande parte da história e doutrina bíblicas é mística e imper­feita. O próprio Cristo é falível. O milagroso e o sobrenatural de­vem ser eliminados até que o único milagre restante seja a infali­bilidade miraculosa da moderna erudição!

No que diz respeito ao herodiano, ele é o homem secular moderno. Assim como seu antigo protótipo teria “ helenizado” e “ herodiziado” a sociedade judaica (tudo em nome do progresso, naturalmente!), assim também o antítipo do século vinte quer su­primir o que julga serem desgastados temores, escrúpulos ou sofis­mas religiosos. Com a maior tranqüilidade, e em nome do chama­do “ progresso” , ele esmagaria sob os pés a santidade do Dia do Senhor, profanando o mesmo com diversões seculares, sob rótu­los piedosos tais como “ Domingos Mais Alegres para o Povo”.

Os Três Grandes InimigosEsses três — o fariseu, o saduceu e o herodiano, ou seja, o

moderno ritualista, o racionalista e o secular ou mundano — são os três grandes inimigos do verdadeiro cristianismo evangélico de hoje. Para o ritualista, o foco do combate é a Mesa do Senhor — será uma mesa ou um altarl Para o racionalista, é a Bíblia — será a Palavra de Deus ou apenas do homem? Para o mundano, o cen­tro é o domingo — será um dia santo ou apenas um dia de des­canso ?

O aspecto mais triste no comportamento desses fariseus, sa­duceus e herodianos da antigüidade, talvez seja o fato de terem se unido numa causa comum contra ELE, apesar de se odiarem e es­tarem sempre em luta uns contra os outros. O que pode surpreen­der-nos mais do que a leitura, bem no início do ministério do Se­nhor: “ Retirando-se os fariseus, conspiravam logo com os herodia­nos, contra ele, em como lhe tirariam a vida” (Mc 3.6)? Como era intenso o ódio que os fez rebaixar-se tanto! Não surpreende tam-

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bém ler pouco depois: “ Aproximando-se os fariseus e saduceus, tentando-o” (Mt 16.1). Não havia também algo de sinistramente estranho na maneira em que os três grupos se reuniram contra Ele (Mt 22.15, 16, 23) num esforço conjunto e final para destruí-IO?

Não queremos parecer rudes, mas temos de estabelecer clara­mente nossa opinião de que os ritualistas, modernistas e seculares de hoje rejeitam o Cristo dos evangelhos, tão real e falsamente quanto os fariseus, saduceus e herodianos. O Cristo dos evangelhos não é aceitável — como Eie realmente é — ao eclesiástico “ supe­rior” , ao eclesiástico liberal, ou ao mundano. Eles podem parecer, respectivamente, “ tão espirituais” , “ tão intelectuais” ou “ tão ca­ridosos”, mas se tocarem o seu nervo sensível, imediatamente dei­xam transparecer sua aversão profunda pelo verdadeiro Cristo e pelo evangelho autêntico. O ritualista não aceita Cristo e o evange­lho em sua simplicidade. O modernista não os aceita em sua infa­libilidade divina. O secular não pode suportá-los com sua ênfase “ rude” sobre a salvaçao pelo sangue.

Esses grupos diferem sensivelmente uns dos outros; todavia, farão causa comum contra o cristianismo evangélico — que pede apenas que o próprio Cristo e a Palavra de Deus escrita sejam a única corte de apelação! Quantas vezes em dias recentes a igreja ritualista de Roma juntou-se às autoridades seculares ímpias afim de suprimir evangélicos protestantes cuja única ofensa fora pregar Cristo e o evangelho estritamente segundo as Escrituras! No ecu­menismo que está se desenvolvendo agora, representado pelo Con­cílio Mundial de Igrejas, os saduceus modernistas irão patrocinar idéias socialistas ou até mesmo comunistas, irão relacionar-se ami­gavelmente com os fariseus de aparência venerável da Igreja Grega Ortodoxa, e receber os elaborados dignatários do Papado de Ro­ma. Todavia, eles se zangam com aqueles que insistem em man­ter-se apegados ao Cristo dos evangelhos e às Escrituras como a Palavra de Deus, inspirada e cheia de autoridade. Abstemo-nos de acrescentar qualquer outra coisa, mas se alguns que pertencem aos grupos acima mencionados vierem a ler estas linhas e se sentirem irados, advertimos: “ Examinai-vos a vós mesmos se realmente es­tais na fé” (2 Co 13.5); “ ... examinando as Escrituras... para ver se as coisas eram de fato assim” (At 17.10).

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Relevâncias EspirituaisEssas extintas seitas judaicas continuam falando entre nós

também através de outros meios. Existe um “ meio dourado” de verdade que, quando seguido, gera nos homens uma santidade sa- diajmas quando os homens e os movimentos se desviam dele, tor­nam-se proporcionalmente desequilibrados e sujeitos a extremos pouco sólidos. Vemos isto objetivado nos fariseus, saduceus, essê­nios, zelotes e herodianos. Façamos um retrospecto. Os fariseus eram extremamente escrupulosos sobre a letra da lei e tornaram- se /7/per-espirituais. Os saduceus bifurcavam-se em sentido contrá­rio, recusando a Palavra, exceto com significados limitados, e tor­naram-se //7/ra-espirituais. Os essênios liam muito mais nas “ entre­linhas” do que nas próprias linhas, convencidos que por meio de percepção peculiar tinham conseguido alcançar a realidade mais profunda de todas e se tornaram ultra-espirituais. Os zelotes, im­pacientemente se afastaram em outra direção, argumentando que a verdadeira lealdade à Palavra não é demonstrada pela preocupa­ção com sua letra exterior ou seu sentido interior, mas pela ativi­dade física, até lutando se necessário, e eventualmente tornaram- se /7<fo-espirituais. Os herodianos romperam obliquamente, insi­nuando que a maneira mais prática era combinar as Escrituras he­braicas com a filosofia grega; o judaísmo com o helenismo; a reli­gião com o prazer; e tornaram-se o/7f/-espirituais.

Hiper, infra, ultra, não, anti — todos estão conosco hoje! Não precisamos começar a identificá-los. Todos exibem suas diferenças. Devemos ficar alerta para as tendências que se desenvolveram nes­ses movimentos judeus. Devemos proteger-nos contra elas como pessoas e como igrejas. O “ meio dourado ou de ouro” de que fala­mos é possuir uma crença firme na Bíblia como a Palavra inspirada de Deus e no Senhor Jesus Cristo como o perfeito Salvador-Exem- plar; e, a seguir, manter-nos simplesmente apegados aos significa­dos comuns das Escrituras. Se fizermos isso, elas nos guiarão no caminho da verdade e guardarão nossos pés do erro. Em nós e através de nós será respondida a oração de Sam Chadwick: “ Se­nhor, faz com que sejamos intensamente espirituais, mas mantém- nos inteiramente práticos e perfeitamente naturais.”

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EXCURSO SOBRE O SINÉDRIO

Existe uma outra instituição judaica que devemos notar co­mo tendo relação com nossa leitura dos quatro evangelhos: ela é o Sinédrio, que nos dias do Novo Testamento era o supremo tribunal civil e religioso da nação judaica. Pertence para sempre a esse cor­po representativo a verdadeira responsabilidade pela crucificação do Messias de Israel, o Filho encarnado de Deus. Pôncio Pilatos foi simplesmente o “ carimbo" do império romano que completou a terrível injustiça. Além do mais, a fim de apressar o crime, o Siné­drio violou seu próprio código de honra.

O Sinédrio é citado em todos os versículos que se seguem, embora o leitor talvez nem suspeite, pois a palavra grega sunedrion é traduzida por “ concílio” : Mateus 26.59; Marcos 14.55; 15.1; Lucas 22.66; João 11.47; também Atos 4.15; 5:21, 27, 34, 41; 6:12, 15; 22:30; 23:1, 6, 15, 20, 28; 24:20. A tradução da Socie­dade Bíblica do Brasil tem “ Sinédrio".

Tratava-se de uma instituição notável, como até nossas breves notas mostrarão. Além do Sinédrio central, metropolitano, havia sinédrios menores, locais, ou “ concílio” (Mt 5.22). Havia de fato dois deles na capital propriamente dita, na entrada para o monte do templo e no salão do templo respectivamente, que tratavam de questões menores do que as julgadas pelo “Grande Sinédrio”. Mas nosso interesse maior nestas notas está ligado ao “Grande Siné­drio”, o supremo concílio judicial e administrativo do povo judeu.

OrigemA tradição dos judeus, com sua habilidade para considerar an­

tigas as inovações judaicas, remonta a instituição do Sinédrio à época em que Moisés designou os setenta anciãos para julgar o povo (Nm 11). Mais tarde, segundo se conta, no início da monarquia, o rei Saul foi presidente do mesmo e jônatas vice-presidente. Ele continuou através do exílio na Babilônia, sendo tempos depois reorganizado por Esdras entre o remanescente que voltou à Judéia.

Mas o Sinédrio que aparece nos Evangelhos e Atos não tem uma origem tão antiga, embora já tivesse nessa ocasião algumas centenas de anos. Nem os livros históricos nem proféticos do Ve-

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lho Testamento mencionam qualquer instituição que pudesse ser identificada com o Sinédrio. Não há também qualquer indicação de um outro grupo comparável, nos primeiros anos após o exílio. Ao se iniciarem os séculos intertestamentários, pode ter havido, mesmo sob o domínio persa, algum acordo entre a corte e o sumo sacerdote em suas responsabilidades administrativas, mas não há evidência disso.

O nome Sunedrion, pelo qual a instituição se tornou conhe­cida, sugere uma origem após o impacto grego de 333 a.C. Além do mais, um concílio supremo como o Sinédrio só poderia ter sur­gido durante uma época em que os judeus tivessem ampla permis­são para se autogovernarem, o que aponta novamente para o pe­ríodo sub-grego, quando o primeiro dos três ptolomeus (323­222 a.C.) favoreceu a expansão do governo próprio. Além do mais, se, como diz a tradição judaica, a “Grande Sinagoga” desa­pareceu cerca de 300 a.C. com Simão o Justo, o que restou da mesma, passando para um sínodo do tipo encontrado no Siné­drio iria adequar-se à conjuntura que mencionamos. Como dado histórico complementar, sabemos que um sínodo ou senado dessa espécie se achava funcionando e era evidentemente bem conheci­do por volta de 202 a.C., pois um decreto de Antíoco o Grande refere-se então a ele como a Gerousia — cujo nome indica a super­visão por parte dos anciãos, o qual reaparece em Atos 5.21, tra­duzido como “ senado” .

Foi desta Gerousia, que provavelmente originou-se no início do terceiro século a.C. e substituiu a “ Grande Sinagoga” , que se desenvolveu o Sinédrio. Cerca do final do período intertestamen- tário nós o encontramos suficientemente poderoso para denunciar o jovem Herodes (mais tarde Herodes o Grande) por seus excessos como governador da Galiléia — embora tivesse perdido a coragem quando Herodes apareceu vestido de púrpura real e acompanhado de guardas armados. Podemos dizer que o Sinédrio dos Evangelhos e Atos era uma instituição de cerca de trezentos anos, embora na­turalmente acumulasse tradições e ligações que se projetavam em direção ao passado, avançando muito além de sua origem histórica.

Ao que parece, o Sinédrio foi temporariamente dissolvido durante a revolta dos macabeus, devido às pressões do período, sendo porém restaurado depois da conclusão vitoriosa desse con­flito.

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ConstituiçãoA maior parte dos detalhes interessantes desta seção e da se­

guinte foi extrafda de várias partes da Mishna e Gemara.O Sinédrio consistia de 71 membros, sendo, ao que parece,

formado por: (1) o sumo sacerdote; (2) 24 “ principais sacerdotes” que representavam todas as 24 ordens do sacerdócio: veja 1 Crô­nicas 24:4, 6; (3) 24 “ anciãos”, que representavam o laicado, mui­tas vezes chamados de “ anciãos do povo” , como em Mateus 21:23; 26:3; Atos 4:8 — e nos fazendo lembrar de Apocalipse 4:4; (4)22 “escribas” , peritos na interpretação da Lei em assuntos tanto religiosos como civis.

Quando é usada a palavra Sinédrio, como em Marcos 14:55, ela denota esta assembléia quádrula; e vice-versa, quando “ princi­pais sacerdotes, anciãos e escribas” são mencionados em conjunto, como em Mateus 16:21, etc., trata-se de uma perífrase para Siné­drio. Um nome alternativo para anciãos é “ autoridade”. Em algu­mas passagens encontramos apenas “ principais sacerdotes e autori­dades” (Lc 23:13) ou simplesmente “autoridades” (At 3:17) usado como uma sinédoque para todo o Sinédrio.

Havia um presidente, chefe nominal do Sinédrio, um vice- presidente (“ pai da casa do julgamento” ), que dirigia as delibera­ções nas seções; e um chakam, ou juiz perito, que pré-examinava os assuntos pendentes e os apresentava à casa. O Sinédrio elegia o seu próprio presidente, vice-presidente e chakam. Só o rei não po­dia ser eleito como presidente, por ser proibido por lei contradi­zê-lo.

FuncionamentoNa época em que o Senhor nasceu, o Sinédrio realizava suas

sessões no “ Salão dos Quadrados” , mas na época de sua crucifica­ção ele se mudara para o “ Salão da Compra” a leste do monte do templo. Havia reuniões diárias, entre o sacrifício da manhã e da noite, exceto nos sábados santos e dias de festa. O presidente ocu­pava uma cadeira elevada, ficando o vice-presidente à sua direita e o juiz à esquerda, enquanto os membros se assentavam em almo­fadas baixas, ao estilo oriental, num semi-círculo em forma de

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meia lua, para que todos pudessem ver-se. A sua frente sentavam- se três fileiras de discípulos — futuros juizes — e também dois es­

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crivães, um à direita e outro à esquerda. O quorum consistia de23 membros, permitindo que dois terços ficassem livres a qual­quer tempo para dedicar-se a seus próprios assuntos; mas nenhum dos membros tinha permissão para sair se sua ausência implicasse na falta de quorum.

FiliaçãoA seguinte citação do falecido Dr. C. D. Ginsburg sobre as

qualificações para a filiação é bastante esclarecedora: “ o candi­dato tinha de ser moral e fisicamente irrepreensível. Devia ser de meia-idade, alto, de boa aparência, rico, conhecedor da Lei Divi­na e de diversos ramos da ciência secular, tais como medicina, ma­temática, astronomia, magia, idolatria, etc., a fim de poder julgar nessas matérias. Era exigido que se conhecesse várias línguas, a fim de que o Sinédrio não precisasse depender de intérprete no caso de qualquer estrangeiro ou assunto estrangeiro se apresentas­se diante dele. As pessoas muito idosas, os prosélitos, eunucos e “ nethinim” eram inelegíveis em vista de suas idiosincrasias; os que não tinham filhos também não podiam ser eleitos, por não terem condições de julgar as questões domésticas, nem os que não podiam provar ser descendentes legítimos de um sacerdote, levi­ta ou israelita, os que jogavam dados, emprestavam dinheiro a ju­ros, os que soltavam pombos para enganar outros, ou negociavam os produtos do ano sabático. Além de todas essas qualificações, o candidato ao Grande Sinédrio devia, antes de tudo, ter sido juiz em sua cidade natal, ter sido transferido dali para o pequeno Siné­drio que ficava à entrada do salão do templo, antes de poder ser recebido como membro dos setenta e um.”

JurisdiçãoA jurisdição do Sinédrio era reconhecida tanto pelos judeus

da pátria como os da diáspora, embora naturalmente os que esta­vam em outras terras devessem observar as leis civis das comunida­des onde viviam. De modo abrangente, sua grande função era a interpretação e aplicação especializada tanto da Lei Oral como da Escrita e, portanto, julgar em pontos de discórdia como o tribunal de justiça exe tiplar da nação. A importância disto num estado que era tido como uma teocracia pode ser facilmente apreciada.

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As principais funções do Sinédrio foram definidas mais ou menos assim: (1) Supervisão sobre a pureza de linhagem direta e legal do sacerdócio, inclusive registros genealógicos cuidadosos. (2) julgamento em casos de suposta imoralidade entre as esposas e fi'has dos sacerdotes. (3) Superintendência sobre a vida religiosa da nação, com especial vigilância contra qualquer lapso na adora­ção de ídolos. (4) Prisão e julgamento de falsos profetas e here­ges perigosos. (5) Vigilância para que nem rei nem sumo sacerdo­te praticassem qualquer ato contrário à Lei Divina. (6) Decisão sobre a entrada ou não em qualquer guerra contemplada pelo rei e autorização para a mesma. (7) Determinação sobre a ampliação dos limites da cidade santa ou do templo em qualquer ocasião, pois só o Sinédrio podia declarar um solo como sagrado. (8) Indicação de sinédrios locais menores. (9) Organização do calendário judeu e harmonização dos anos solares com os lunares mediante dias inter­calados.

AdministraçãoQuanto ao modo e teor da administração, tomamos a liber­

dade de citar novamente o Dr. Ginsburg: “ Eles manifestaram ansiedade em absolver o réu em lugar de condená-lo, especialmente em assuntos de vida e morte. Tinham como princípio estabelecido que “o Sinédrio existe para salvar, e não destruir a vida” . Portanto, ninguém podia ser julgado e condenado estando ausente; e quando o acusado era levado diante do tribunal, o presidente do Sinédrio logo no início do julgamento advertia solenemente as testemunhas, salientando-lhes a preciosidade da vida humana e suplicando-lhes sinceramente que com cuidado e calma refletissem se não haviam negligenciado quaisquer circunstâncias que pudessem favorecer a inocência do acusado. Até mesmo os espectadores tinham permis­são para tomar parte no caso se uma sentença mais branda pudes­se ser assim obtida; os membros do Sinédrio que durante o debate tivessem se manifestado a favor da absolvição do acusado, não po­diam também votar pela sua condenação no final do julgamento. A votação sempre começava a partir do membro mais novo e pros­seguia gradualmente até o mais velho, a fim de que os membros in­feriores não pudessem ser influenciados pela opinião dos superio­res. Nas ofensas capitais era necessária uma maioria de pelo menos

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dois para condenar o acusado, e quando o julgamento se fazia diante de um quorum de 23, 13 membros tinham de declarar-se a favor da condenação. Nos julgamentos de ofensas capitais, o ve­redicto de absolvição podia ser dado no mesmo dia, mas o de con­denação ficava reservado para o dia seguinte; por essa razão tais procedimentos não podiam ser começados no dia anterior ao sába­do ou a uma festa. Nenhum julgamento de crime podia perdurar a noite toda. Os juizes que condenassem um criminoso à morte pre­cisavam jejuar o dia inteiro. O condenado não era executado no mesmo dia em que se passava a sentença; mas depois dos votos pró e contra terem sido registrados pelos dois escrivães, os membros do Sinédrio se reuniam no dia seguinte para examinar o caso e ve­rificar se havia qualquer contradição por parte dos juizes. Se a caminho da execução o criminoso lembrasse de algo novo para acrescentar a seu favor, ele era levado de volta ao tribunal e exami­nada a validade de seu testemunho. Entretanto, clemência e hu­manidade eram manifestadas para com ele mesmo quando jião havia qualquer dúvida quanto ao seu crime e quando a lei se via obrigada a seguir o seu curso final. Antes da execução, uma bebi­da entorpecente era administrada ao condenado por mulheres pie­dosas, a fim de privá-lo da consciência e aliviar o sofrimento. A propriedade do acusado não era confiscada, mas entregue aos her­deiros.”

O Sinédrio e CristoTudo isto naturalmente se relaciona com as circunstâncias da

vida e morte do Senhor, como registrado nos evangelhos. A regra de que ninguém podia ser julgado à revelia lembra imediatamente o “ ponto de ordem” de Nicodemos em João 7:51: “Acaso a nossa lei julga um homem, sem primeiro ouvi-lo e saber o que ele fez” ? O fato do Senhor ter sido levado à noite diante do ex-sumo sacer­dote Anás (Jo 18:13), a farsa do julgamento no turno perante Cai- fás no palácio do sumo sacerdote (19-27), a sentença e execução sem um dia de intervalo, sem mencionar outros aspectos, foram absolutamente contra o código de imparcialidade do Sinédrio.

Se perguntarmos o motivo sinistro dessa aceleração do pro­cesso de acusação e condenação, o Dr. Ginsburg nos diz que a úni­ca exceção a todas as tolerâncias legais acima mencionadas foi

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“aquele que se apresentou como o Messias, ou que desviou o povo da doutrina de seus pais. Alguém assim tinha de suportar todo o ri­gor da lei sem qualquer mitigação. Ele podia ser até julgado e con­denado no mesmo dia ou noite.” O Dr. Ginsburg, porém, cita como sua autoridade para isto o Tosefta Sinédrio x. talmúdico; mas os Toseftas, como mencionamos em nosso artigo sobre o Tal- mude, não passavam de adições, com datas posteriores à Mishna oficial, completado no segundo século A.D.. E evidentemente du­vidoso que qualquer omissão especial dos regulamentos nesse senti­do tivesse sido posta em prática antes daqueles líderes judeus vio­larem vergonhosamente o código de seu próprio Sinédrio na con­denação ilegal do Senhor Jesus.

De qualquer modo, era ilegal por parte do Sinédrio reunir- se no palácio do sumo sacerdote (Jo 18:15) em lugar do seu pró­prio salão de conselhos, e mais ainda o fato do sumo sacerdote usurpar a presidência na ocasião!

Talvez esse comportamento tenebroso possa ser um tanto atenuado se dissermos que se tratava de uma convocação extraor­dinária da assembléia e não de uma reunião determinada por es­tatuto — é certamente difícil pensar que homens como Gamaliel, Nicodemos e José de Arimatéia estivessem presentes; todavia, muitos dos membros devem ter estado lá, como indicado por Ma­teus 26:59 (apesar de alguns dos melhores manuscritos omiti­rem "anciãos” ). Não há um versículo mais trágico em qualquer ponto da história de Israel: “Ora, os principais sacerdotes e todo o Sinédrio procuravam algum testemunho falso contra Jesus, a fim de o condenarem â morte."

Pouco antes dessa época a autoridade de inflingir a pena ca­pital tinha sido retirada dos governantes judeus (o apedrejamento de Estêvão, mais tarde, foi ilegal); e eles foram obrigados a pedir a aprovação de Pilatos para a crucificação. Mas, por que deveriam eles reclamar tal morte? Desde tempos imemoriais as modalida­des de morte judicial dos israelitas eram apedrejamento, morte na fogueira, decapitação e estrangulamento.

Depois da destruição de Jerusalém no ano 70 A.D., Jerusa­lém deixou de ser o centro administrativo cJa religião judaica; e o Sinédrio, depois de várias mudanças, eventualmente localizou-se em Tiberíades. Seu poder declinou gradualmente até que desapa­receu cerca de 425 A.D.

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Nosso Senhor tomou provavelmente como exemplo o presi­dente e setenta senadores do Sinédrio quando escolheu seus seten­ta representantes e colaboradores, como registrado em Lucas 10; assim como tinha em mente as doze tribos de Israel quando indi­cou os doze apóstolos. Sua escolha desses setenta foi talvez pro­fética, entre outros significados, de que a autoridade da velha cor­te judaica estava de fato desaparecendo agora a favor de novos “ setenta” sob a sua presidência.

EXCU RSOS SOBRE O TALMU DE J U DAICO

Há não muito tempo atrás um estudante, em resposta à per­gunta: “O que é o Pentateuco?” escreveu: “O período entre a Páscoa e a Semana de Pentecostes” . Outro aluno respondeu a uma pergunta sobre o Talmude, dizendo: “O Talmude foi um fa­moso rabino judeu do passado!” Eles talvez sejam dois extremos do gênio criativo desperdiçado; todavia, servem de advertência para que nãç tomemos muita coisa como garantida ao lidar com “ novatos” . E possível qué alguns que estão fazendo agora este estudo estejam longe de saber realmente o que é o Talmude e co­mo ele surgiu. Então, a sinopse que se segue pode ser útil.

O Talmude é a grande coleção de escritos que abrange retros­pectivamente e determina largamente as leis religiosas e civis do povo judeu; aqueles preceitos, regras, interpretações e instituições pelos quais (em adição ao Velho Testamento) eles são abertamen­te guiados. Trata-se de uma tediosa miscelânia de tratados e nó­tulas sobre assuntos de religião, filosofia, medicina, jurisprudên­cia, história e os vários aspectos da moralidade prática. Nenhuma decisão poderia ser aceita como válida se contrariasse o significa­do oficial do Talmude: os judeus modernos “ liberais” , embora o considerem como uma obra venerável da antigüidade, dizem que não tem autoridade final para a fé e a vida.

Ele se divide em duas partes: (1) a Mishna, i.e., a Lei Oral;(2) a Gemara, i.e., comentários sobre a Lei Oral.

A Mishna

A Mishna, ou Lei Oral (freqüentemente chamado de Segun' da Lei) é aquela copiosa agregação de regras e regulamentos que

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mediante os métodos de interpretação dos escribas foi cumulati­vamente deduzida da Lei Escrita de Moisés, principalmente duran­te o período intertestamentário.

A origem tradicionalA tradição judaica volta no tempo e alega que a Lei Oral foi

na verdade entregue juntamente com a Lei Escrita para completá- la e explicá-la. Era nisto que os escribas e fariseus dos dias de Je­sus acreditavam. Junto com todos os preceitos, regulamentos e cerimoniais do Pentateuco, Deus dera a Moisés explicações rela­tivas à sua aplicação e suplementação adequada, a fim de serem transmitidas oralmente. Essa é a crença comum até hoje entre os judeus tradicionalmente ortodoxos.

A passagem clássica sobre isto, na própria Mishna, diz: “Moi­sés recebeu a lei (oral) no Sinai e entregou-a a Josué, e Josué aos anciãos e os anciãos aos profetas, e os profetas aos homens da Grande Sinagoga” . (Nota: a “Grande Sinagoga” é um colégio ou assembléia tradicional de 120 homens que se formou depois dos dias de Esdras, à qual os judeus atribuem uma parte importante na formação do Velho Testamento e na entrega da Lei Oral.) A Mishna ou Lei Oral foi transmitida então pelos homens da “ Grande Sina­goga” aos escribas ou rabinos que se seguiram, os quais por sua vez a passaram fielmente de geração a geração.

Nós não cremos naturalmente em qualquer fantasia desse ti­po, como se Deus desse a Moisés, juntamente com a Lei escrita, esta lei “ oral” . Nem podemos aceitar a história da “Grande Sinago­ga” em sua forma tradicional judaica; embora concordemos pron­tamente que Esdras e seus companheiros eruditos tivessem muito a ver com a forma do cânon do Velho Testamento e que Neemias provavelmente organizou uma assembléia desse tipo que pode ter sido seguida de novas reuniões anuais. Como diz o Dr. Edersheim: “ Esdras deixou seu trabalho incompleto. Na segunda chegada de Neemias à Palestina, ele encontrou as coisas em completo estado de confusão, devendo ter sentido a necessidade de estabelecer al­gum tipo de autoridade permanente para supervisão dos assuntos religiosos. Acreditamos que isto tenha sido a Grande Assembléia ou a Grande Sinagoga como é comumente chamada. E impossí­vel determinar com certeza quem participou desta assembléia ou

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de quantos membros ela consistia. É provável que tivesse com­preendido os principais sacerdotes, os anciãos e os ‘juizes’ — as últimas duas classes incluindo os escribas,yse de fato essa ordem já estivesse organizada separadamente. E igualmente provável que o termo Grande Assembléia se refira mais a uma sucessão de homens do que a um sínodo — a engenhosidade de épocas posteriores preencheu o cenário histórico com dados fictícios, nos espaços deixados em branco.”

Quanto à tradição judaica de que Deus transmitiu a Moi­sés a Lei Oral juntamente com a Escrita e que ela foi então trans­mitida do mesmo modo, essa tradição nasceu e cresceu, como a própria Mishna, durante o período intertestamentário, na mente fértil dos escribas ansiosos para investir de santidade e autoridade a lei oral.

A Verdadeira Origem da MishnaComo se desenvolveu, então, realmente a Lei Oral ou Mishnal

E como ela veio a fazer parte do Talmude? Ela se originou no que conhecemos como Midrashim. E o qtteisso significa? Trata-se de comentários sobre a Lei e outras Escrituras do Velho Testamento que começaram a ser feitos por volta da época em que o Remanes­cente voltou à Judéia depois do exílio babilónico. Quando os escri­tos de Moisés e dos profetas pré-exílio se tornaram ininteligíveis para a massa do povo, que então falava o aramaico, as explicações públicas das Escrituras precisaram ser modificadas, sendo na maioria das vezes feitas pelos “ doutores” ou “ escribas” . O profes­sor público freqüentemente se limitava a parafrasear as Escrituras no vernáculo aramaico: mas a tendência compreensível era expan­dir-se para a exegese e aplicação. Com o passar do tempo foi neces­sária a paráfrase do hebraico para outras línguas além do aramaico, pois os judeus se dispersavam cada vez mais entre os diferentes povos do mundo; isto levou a traduções ou versões na língua da Caldéia, Síria e Grécia (sendo tais versões conhecidas como tar- guns). Os primeiros comentários sobre as Escrituras vieram tam­bém a desenvolver-se em comentários mais definidos embora ain­da orais, ou seja os Midrashim.

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Os HalachothEsses Midrashim, ou comentários, quase inevitavelmente se

dividiram em duas categorias, a saber, os Halachoth e os Hagadoth (oth é um plural hebraico).

Os Halachoth eram as regras ou preceitos obrigatórios deduzi­dos ou desenvolvidos a partir da Lei Oral, a fim de cobrir todos aqueles detalhes da conduta humana que a Lei Escrita propria­mente dita não mencionava. Quando nos lembramos de que os ju­deus que voltaram haviam adotado a Lei de Moisés como a cons­tituição escrita do estado e como a regra autorizada da vida pes­soal, e que inevitavelmente surgiram novos e infindáveis proble­mas pessoais, podemos apreciar perfeitamente como isso deu lu­gar ao trabalho contínuo de um grande grupo de homens treina­dos que fizeram do estudo da Lei a grande vocação de suas vidas. E também fácil perceber como essas regras ou preceitos legais, essas extensões confiáveis da Lei Escrita que cobriam circunstân­cias específicas, vieram a adquirir gradualmente uma importân­cia equivalente ou até maior do que a Lei Escrita em si. Eles são conhecidos coletivamente como as Exegese Halachic ou “ Dedu­ções da Lei” , ou como a “ lei tradicional” distinta da “ Lei Escri­ta” de Moisés. Na medida em que o tempo passou e os Halachoth se expandiram, eles cobriram “ todo caso possível e impossível, entrando em cada detalhe da vida particular, familiar e pública; e com lógica férrea, rigor inflexível e análise das mais minuciosas, perseguiram e dominaram o homem, para onde quer que se voltas­se, colocando sobre ele um jugo verdadeiramente insuportável.”

Os HagadothAlém dos Halachoth havia os Hagadoth. Os primeiros eram

prescrições legais, doutrinárias, obrigatórias, fixas, estáveis; en­quanto os últimos consistiam de interpretações livres, homiléti- cas, discursivas, exortativas, prática e acompanhadas por ilustra­ção, comentário, anedotas, ditados inteligentes ou eruditos, etc. Os Halachoth estavam confinados ao Pentateuco, enquanto os Hagadoth abrangiam as Escrituras como um todo. Eles contêm “ belíssimas máximas e afirmações morais de homens ilustres; explicações místicas atraentes sobre anjos e demônios, paraíso e inferno; o Messias e o príncipe das trevas; alegorias poéticas; interpretações simbólicas de todas as festas e jejuns; parábolas

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encantadoras; poemas nupciais espirituosos; orações fúnebres to­cantes; lendas espantosas; resumos biográficos e característicos de personagens bíblicos e heróis nacionais; narrativas populares e notas históricas sobre homens, mulheres e acontecimentos anti­gos; pesquisas filosóficas; ataques satíricos aps pagãos e seus ri­tos; defesas hábeis do judaísmo, etc. etc.” . E de se admirar que essa coletânea de fatos e tradições sagrados e nacionais se tornas­se muito mais interessante para o povo em geral do que as áridas proibições e permissões pertinentes aos decretos legais contidos nos Halachoth? Embora tanto os Halachoth como os Hagadoth se desenvolvessem a partir dos primeiros Midrashim, ou comentá­rios, o termo Midrashim veio na verdade mais tarde a ser usado apenas em relação aos Hagadoth.

Eventual Compilação no TalmudeOs Halachoth foram transmitidos oralmente durante séculos,

sendo portanto também chamados Shematha, indicando aquilo que era ouvido ou recebido, i.e., por aqueles na cadeia de tradição. Colocá-los por escrito era considerada uma ofensa religiosa. As únicas coisas escritas por vários séculos foram obra de alguns ra­binos eruditos que escreveram aqui e ali algumas dessa leis, ou as indicavam por sinais ou insinuações em seus rolò's~"do Pentateu- co, só para ajudar a memória; sendo esses documentos chamados de Rolos Secretos. Foi entre 200 a.C. e 200 A.D. que a compila­ção, redação e rubrica dessa massa acumulada de informação ju- rídico-política e religiosa, os halachoth, tomou forma. Aos pou­cos, as circunstâncias dos tempos indicaram a necessidade de fixi­dez e ordem, sendo então feitas coleções mais ou menos comple­tas dos Halachoth. O erudito Hillel (75 a.C. — 14 A.D.) fez uma primeira tentativa, classificando os Halachoth sob seis sedarim ou ordens (que ainda permanecem). Uma coleção muito mais com­pleta é atribuída ao rabino Akiba (cerca de 135 A.D.). A compi­lação dos Halachoth e Hagadoth numa só obra, em forma final, como a Mishna autorizada, e como se acha agora no Talmude, foi realizada pelo rabino Jehuda, que morreu por volta do final do segundo século A.D. “ A linguagem da Mishna é a do hebraico falado mais tarde, escrito em toda a sua pureza no conjunto, mas com pequenas inserções gramaticais em aramaico, e entremeada de termos gregos, latinos e aramaicos naturalizados.”

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Divisões da MishnaA Mishna, como consta hoje do Talmude, acha-se dividida em

seis Sedarím ou ordens, cujos títulos indicam seu assunto princi­pal: (1) Sedar Zeraim — a agricultura; (2) Sedar Moed — as festas;(3) Sedar Nashim — as mulheres; (4) Sedar Nezikin — a lei civil e criminal; (5) Sedar Kodashim — as coisas sagradas; (6) Sedar Taha- roth — as purificações.

Estas seis ordens ou livros são divididos em tratados. Há 11 tratados na primeira, 12 na segunda, 7 na terceira, 10 na quarta,11 na quinta, 12 na sexta — perfazendo um total de 63 tratados. Esses tratados subdividem-se em perakim (capítulos) — 525 ao todo, que por sua vez ramificam-se em 4.187 mishnas (versículos) — pois a palavra mishna é usada para qualquer versículo da Mishna inteira.

Os Boraitas e ToseftasMas nem esta Mishna oficial conseguiu incorporar todos os

Midrashim, ou preceitos e interpretações tradicionais. Muitos ou­tros existiam, preservados em parte no Sifra, ou Comentário sobre Levítico; os 5/7/7 sobre Números e Deuteronômio; o Mechi/ta so­bre Exodo; e o segundo 5/7/7 sobre Números.

Além disso, temos os Toseftas, ou “Adições” , que surgiram logo depois que a Mishna oficial foi completada. Existem Toseftas, ou “ Adições” , para 52 dos 63 tratados da Mishna.

Substância e Influência da MishnaPara uma compilação tão diferenciada e complexa, a Mishna

é então sistematizada com grande habilidade; mas em substância ela trata os homens como crianças. Seus preceitos, suas proibi­ções e permissões, formalizando os menores detalhes das obser- vâncias rituais, mantinha os homens permanentemente nas sim­ples letras do alfabeto em assuntos religiosos, espirituais e mo­rais. Ela impedia o desenvolvimento da verdadeira teologia e en­chia a mente humana com regras pedagógicas positivas e negati­vas. Nas palavras do Dr. Edersheim: “Os halachach indicavam o mais minuciosamente possível toda ordenança legal obrigatória em questões de conduta. Mas deixava o homem interior, a fonte das

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ações, intocado tanto com relação à fé como à moral. O que deve­ria crer e sentir estava sujeito principalmente aos Haggadah. O in­divíduo tinha liberdade para manter ou propor qualquer ponto de vista, desde que aderisse ao ensino e prática das ordenanças tradi­cionais... Assim sendo, o rabinismo não tinha um sistema de teolo­gia: apenas aquelas idéias, conjeturas, ou fantasias concedidas pe­los Haggadah com relação a Deus, aos anjos, demônios, homem, seu destino futuro e posição presente, e Israel, com sua história passada e glória vindoura. Que terrível massa de declarações con­flitantes e superstições falsas, deturpação lendária das narrativas e cenas bíblicas, incongruentes e degradantes: o próprio Todo-po- deroso e seus anjos tomando parte nas conversas dos rabinos e as discussões das academias; mais ainda, formando uma espécie de Sinédrio celestial, que ocasionalmente requer a ajuda de um rabi­no terreno. O miraculoso é absorvido pelo ridículo e até pelo re­voltante. Curas, suprimentos e ajuda milagrosa, tudo para a gló­ria dos grandes rabinos, que com um olhar ou palavra podem ma­tar ou restaurar a vida. A uma ordem deles os olhos de um rival caem e são recolocados. Outrossim, tal era a veneração devida aos rabinos que R. Joshua costumava beijar a pedra em que R. Elieser se assentava e ensinava, dizendo: “ Esta pedra é como o Monte Si­nai, e aquele que se senta nela é como a Arca” .

Leia tudo isto e depois tenha em mente que a Mishnarepre- senta as tradições correntes entre os escribas e os fariseus quando o Senhor se achava na terra. Sua influência era um peso raoj to con­tra a nova mensagem do reino do céu que nosso Sefohor vitr^pro- clamar.

A Gemara

Até aqui só tratamos da primeira parte do Talmude, i.e., a Mishna; mas existe uma segunda parte, a Gemara, pois a Mishna é apenas uma área menor do tradicionalismo judeu. Como disse­mos, a Mishna alcançou a sua completa padronização às mãos do rabino Jehuda perto do final do segundo século A.D. Daí por diante, devido à obscuridade de muitas de suas regras, a própria Mishna tornou-se objeto de elucidação e comentário. Assim co­mo a Mishna pretende expor e expandir a Lei Escrita, ela deve

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agora ser explicada e completada! Foi o que aconteceu durante o peíodo dos amoraim, os expositores públicos da Lei Oral de cer­ca de 200 a 500 A.D. Durante esses três séculos surgiram comen­tários que abrangiam toda a Mishna.

A Formação da GemaraEsses comentários contendo as “ discussões, ilustrações, ex­

plicações e adições” provocadas pela Mishna em “ sua aplicação ou nas academias dos rabinos,” foram eventualmente reunidos e classificados; sendo essas as coletâneas de comentários que for­mam a Gemara. O significado do termo gemara é “ aquilo que se aprende”, sendo portanto praticamente um sinônimo de ‘‘tal­mude”. E bom notar esse fato, pois embora toda a obra conhe­cida como o Talmude Judaico abranja tanto a Mishna como a Gemara, geralmente, quando os próprios judeus falam do Tal­mude eles estão indicando apenas a Gemara, em separado da Mishna.

Duas GemarasExiste, no entanto, outro aspecto a ser mencionado. São

duas as Gemaras ou Talmudes: a Gemara de Jerusalém e a da Babilônia. Elas receberam esse nome porque um veio das aca­demias palestinas e o outro da Babilônia. E preciso ter em mente que desde a volta do remanescente para a Judéia, depois do exí­lio na Babilônia, os judeus na pátria eram minoria. A maior par­te de sua raça continuou como a “dispersão” . Na época em que Josefo escreveu (37-98 A.D.) não “ havia nação no mundo onde não houvesse parte do povo judeu”. Mas foi entre o Eufrates e o Tigre, na região antes conhecida como Babilônia, que as comuni­dades judias maiores, mais ricas e menos helenizadas permanece­ram (veja nota afixada à lição número 4). Foi dali que saíram os maiores mestres para restaurar e expor a Lei na Judéia — o grande Esdras, antes do período intertestamentário, e o renomado Hillel justamente no final do mesmo. Depois da queda de Jerusalém em 70 A.D., a tensão política mudou o verdadeiro centro do judaís­mo rabínico para a Babilônia.

O Talmude de Jerusalém é o primeiro dos dois, embora mui­to menor, e apresenta as discussões dos amoraim (expositores) pa­

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lestinos desde cerca de 200 a 400 A.D. O Talmude Babilónico é mais ou menos quatro vezes maior e cobre mais de 36 dos 63 tratados de Mishna. Ele é cerca de onze vezes mais longo do que a própria Mishna e chega a quase seis mil páginas grandes, tendo sido completado em algum ponto do ano 500 A.D. As duas Ge­maras começaram a ser conhecidas por esse nome a partir do sé­culo nove. Os judeus consideram o Talmude Babilónico a autori­dade superior entre os dois. A concisão do Talmude de Jerusa­lém, porém, comparada com a prolixidade do babilónico, o pro­tege de muitas fábulas, ficções e absurdos.

Caráter e EstiloNenhuma dessas Gemaras é completa. Ambas de baseiam na

mesma Mishna, mas diferem consideravelmente na Gemara. Em ambas, a Mishna é comentada sobre seríot/m, princípio por prin­cípio. O Dr. Edersheim diz: “Seria impossível transmitir uma idéia adequada do caráter dessas discussões. Se nos lembramos das muitas brilhantes, belas e ocasionalmente quase sublimes pas­sagens no Talmude, mas especialmente de que suas formas de pen­samento e expressão tantas vezes nos trazem à mente aquelas do Novo Testamento, apenas preconceito e ódio poderiam levar à injúria indiscriminada. Por outro lado, parece impossível que al­guém que leia um tratado do Talmude, ou mesmo parte dele, pos-r sa compará-lo com o Novo Testamento, ou encontre em um a ori­gem do outro.”

O erudito bispo Lightfoot, falando da Gemara babilónica, compensando, porém, o Dr. Edersheim, diz: “A quase invencí­vel dificuldade de estilo, a grosseria terrível da linguagem e o sur­preendente vazio e raciocínio sofístico dos assuntos tratados, tor­turam, vexam e cansam o leitor (os autores talmúdicos). Eles pro­liferam em toda parte com trivialidades, como se não quisessem ser lidos; com obscuridades e dificuldades, como se não quisessem ser compreendidos; de modo que o leitor precisa de paciência to­do o tempo a fim de poder suportar tanto a insignificância de sen­tido como a rudeza de expressão.”

Com essa queixa anglicana bem merecida, talvez devamos deixar agora o Talmude, para que outros não comecem também a se queixar!

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JOSEFO E OS ESSÉNIOS

“A doutrina dos essênios é esta: Todas as coisas são melhor atribuídas a Deus. Eles ensinam a imortalidade da alma e opinam que devemos esforçar-nos para obter os prêmios da retidão; quan­do enviam o que dedicaram a Deus no templo, não oferecem sacri­fícios, por terem purificações mais adequadas; por esta razão são excluídos do pátio comum do templo, mas oferecem eles mesmos os seus sacrifícios; todavia, seu estilo de vida é melhor que o dos outros homens, e dedicam-se inteiramente à agricultura. Também merece nossa admiração o fato de excederem em muito os outros homens que praticam a virtude e esta retidão: e na realidade, a tal ponto, que não apareceram entre eles quaisquer outros homens, nem gregos nem bárbaros, nem por pouco tempo, que conseguis­sem prolongar por muito tempo sua estada entre os mesmos. Isto é demonstrado por aquela instituição deles, que não permitirá que nada os impeça de ter tudo em comum; desse modo o rico não go­za mais de sua riqueza do que aquele que nada possui. Existem cer­ca de quatro mil homens que vivem deste modo, sem casar-se, sem ter servos; julgando que a primeira situação tenta os homens a se­rem injustos e a última promove as brigas domésticas. Eles também nomeiam certos homens para receber suas rendas e os frutos do solo; estes são os homens bons e os sacerdotes, que devem ter seu cereal e alimento preparados para eles.”

ALGUMAS PERGUNTAS SOBRE O PERÍODO INTERTESTAMENTÁRIO

1. Você pode citar o nome e a data de seis épocas sucessivas na Judéia durante o período intertestamentário?

2. Quando e como começou o culto rival em Samaria?3. Por que e como Alexandre o Grande favoreceu os judeus?

Que repercussões isso teve sobre os judeus?4. Quem foram os ptolomeus? Quem foi o segundo e qual dos

dois acontecimentos tornou seu reino notável?5. A revolta dos macabeus: por que, como e por quem foi ini­

ciada? Por quem foi continuada?

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6. O que foi a dinastia dos hasmoneus? Como começou? Quem é geralmente considerado como o primeiro na dinastia? Co­mo ela terminou?

7. Quem os romanos nomearam como procurador da Judéia em primeiro lugar? Como se chamava seu filho ainda mais no­tável? De que raça era sua família?

8. O testamento de Herodes dividiu o reino entre os seus três filhos. Quem foram eles e quais os seus domínios respectivos?

9. Como, ou por que, o exílio na Babilônia curou os judeus da idolatria?

10. Diga em uma ou duas sentenças o que era o judaísmo. Como ele surgiu e desenvolveu-se? O que é a Lei Oral?

11. Quando a sinagoga começou a aparecer e, na sua opinião, o que deu origem à mesma?

12. Qual o propósito básico da sinagoga? Quem era o chazzan?13. Quem eram os escribas? Qual a origem deles como classe? Em

que ponto erraram?14. Quem eram os fariseus? Quando apareceram pela primeira vez

como uma seita com esse nome?15. Quais as causas originais e aspectos básicos da seita farisaica?16. Quem eram os saduceus? Você pode explicar a provável ori­

gem do nome? Qual a perspectiva ou ponto de vista deles, em poucas palavras?

17. Quem e o que foram os essênios?18. Quem e o o que foram os herodianos?19. Quem e o que foram os zelotes?20. De que forma os fariseus, saduceus e herodianos se refletem

em nossos dias?

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O NOVO E O VELHO TESTAM ENTOS

Lição n9 5

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No Velho Testamento temos uma interpretação da necessi­dade humana; e o Novo Testamento é uma revelação da provisão divina. No Velho temos o desvendar do coração humano. No No­vo, o coração de Deus se desvenda e vemos como Ele respondeu à necessidade do homem através de Cristo.

G. Campbell Morgan

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O NOVO E O VELHO TESTAMENTOS

Quando idéias poderosas se apossam da mente dos homens, elas afetam toda a sua perspectiva mental, algumas vezes de for­ma revoJucionária. Talvez haja muito maior seriedade sombria do que humor artístico num panfleto publicado recentemente onde se afirma que depois de passar pela Idade do Gelo, Idade da Pedra, Idade do Bronze, Idade do Ferro e Idade Industrial, esta­mos entrando agora na Idade Ideológica!

E verdade que hoje, numa escala muito mais vasta do que nunca antes, as idéias são o fator decisivo. Das idéias surgem as ideologias. Hitler, com sua idéia predominante de governo mun­dial por uma única raça, criou a ideologia nazista — com seus re­sultados fatídicos! Marx, com sua idéia vulcânica de governo mundial por uma única classe, gerou a ideologia comunista — cujas conseqüências globais finais ainda estão por ser vistas. O lí­der russo Vishinsky declarou: “ Não vamos conquistar o mundo com nossas bombas atômicas, mas com nossas idéias, cérebro e doutrinas” .

Aqueles dentre nós que conhecem a palavra profética das Es­crituras têm o consolo de saber que assim como os Hitler, Marx, Lenine, Trotski e Stalin morrem, também jamais haverá qualquer monopólio global completo até que o Cristo ressurreto volte em pessoa para estabelecer o Seu reino universal. Mas esses líderes e ideologias anti-cristãos não deixam de ser de todo modo suprema­mente eloqüentes na maneira em que exemplificam o poder das idéias. Que a história moderna venha a mostrar-nos como é importante que os homens e nações tenham as idéias certas!

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Se nos afastarmos um pouco dessas considerações exteriores e mais amplas, voltando-nos para a nossa mente individual, desco­briremos como é de suma importância que sejamos esclarecidos e inspirados, dominados e energizados pelas idéias mais verdadeiras, puras e elevadas! Toda a nossa vida é enriquecida ou empobrecida, dignificada ou vulgarizada, enaltecida ou degradada, abençoada ou amaldiçoada, pelas idéias que governam a nossa mente.

Com essas reflexões como base é que damos início à nossa pesquisa do Novo Testamento. De todos os livros da terra, ele é o mais maravilhoso em seu conteúdo, significado e mensagem. Suas páginas são imortalizadas pela mais sublime de todas as idéias e ideais. Essas idéias e ideais não são também apenas eticamente in­comparáveis, mas “vivos” , cheios de uma vitalidade inesgotável. Existe neles uma força moral e espiritual gloriosa e explosiva que faz novos homens, abala nações inteiras, provoca novas eras e resultará um dia num novo mundo.

Por que tudo isto? Porque essas idéias, ao contrário do nazis­mo e comunismo, são baseadas em fatos históricos indestrutíveis. Isto é, elas não são apenas idéias, produtos de evolução filosófica, criações do simples raciocínio humano — mas “ idéias que exce­dem” . Não se trata de simples teorias, como as do nazismo e co­munismo — são verdades resultantes de certezas históricas impere­cíveis.

As idéias e ideais do chamado comunismo já se acham gros­seiramente deturpadas. O “ comunismo” é hoje uma designação in­correta do que deveria ser apelidado de “ russianismo” ou “ sovie- tismo” . Mas as verdades redentoras e transformadoras do Novo Testamento têm dentro em si uma chama divina inextingüível. Embora necessariamente estáticas em sua fixidez, elas se mantêm perpetuamente vitais e móveis, com relevâncias em incessante de­senvolvimento e freqüentemente inesperadas no que diz respeito às mudanças na sociedade e ao passar dos séculos; sempre adianta­das no tempo, sempre à frente das últimas descobertas, revelando continuamente novas dimensões de significado e falando com nova voz à novas gerações de peregrinos.

Esta sabedoria jamais será ultrapassada,Embora antiga, nunca envelhece;

Uma escola, um aprendizado, toda-suficiente,

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Ò NOVO E O VELHO TESTAMENTOS

Satisfazendo a busca superior e inata do homem;Cada nova geração repete seu conteúdo

Em busca de nova orientação.Verdades além do mais sábio dos sábios

Brilham aqui, c/aras como a manhã,Enquanto muitas páginas profundamente proféticas Abrangem milênios despercebidos,Que a razão finita jamais concebeu,

E eras ainda por nascer.

A maior necessidade deste nosso perturbado século vinte é uma volta ao Novo Testamento. Ele pode fazer mais por nós do que todas as teorias e teoristas econômicos ou políticos. Vai dire­to ao âmago do problema humano — pois o coração do problema humano é o problema do coração humano. Cria novos homens e, através destes, uma nova sociedade. Foi o que realizou no primei­ro século A.D. e é o que tem condições para fazer no vigésimo. Analisado superficialmente, o século vinte diverge bastante do pri­meiro, mas os fundamentos básicos permanecem. A mesma neces­sidade, o mesmo clamor ressoa e a mesma resposta imutável e toda-suficiente do Novo Testamento continua sendo dada. Essa resposta é JESUS CRISTO!

O Novo Testamento nos apresenta em primeiro lugar fatos, os fatos mais admiráveis de toda história. A seguir ele expõe as idéias ou significados tremendos incorporados nos fatos. A partir deles surgem as grandes verdades\ que salvam os homens, e os ideais elevados do cristianismo. E útil gravar na mente esta se­qüência lógica da revelação do Novo Testamento: (1) Fatos, (2) Idéias, (3) Verdades, (4) Ideais.

A IDÉIA DOMINANTE - CUMPRIMENTO!

Devemos porém apresentar nossos critérios sobre “ idéias” e o Novo Testamento sob um novo aspecto. Ouvimos algumas vezes a advertência para remover toda idéia preconcebida ao chegar ao Novo Testamento, deixando que ele fale às nossas mentes comple­tamente abertas, como se estivesse sendo colocado em nossas mãos pela primeira vez. Talvez esse conselho seja valioso, especial­

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mente quando dado a céticos ou incrédulos, a maioria dos quais parece temerosa de dar ao livro pelo menos uma oportunidade justa; mas quanto aos outros a recomendação precisa ser estuda­da.

Nós que estamos fazendo estes estudos já damos valor às páginas preciosas do Novo Testamento e desejamos apreender seus significados mais significativamente. Queremos com certe­za pôr de lado quaisquer idéias erradas e lê-lo com a “ mente aber­ta” por completo. Todavia, uma mente “aberta” não é necessa­riamente uma mente vazia. Poderemos perder muita coisa se nos aproximarmos do Novo Testamento sem algumas idéias corretas.

Vamos mencionar aqui apenas uma que, se preservada desde o início, irá conferir brilho e entusiasmo à nossa pesquisa do co­meço ao fim. A idéia é esta: O conceito característico que domi­na todos os escritos do Novo Testamento é o de CUMPRIMENTO.

Mateus, logo no início, estabelece este ponto e, para enfati­zá-lo, inclui doze vezes a frase: “Para que se cumprisse” (1:22; 2:15, 17, 23; 4:14; 8:17; 12:17; 13:35; 21:4; 26:56; 27:9, 35). Imediatamente, da primeira vez que registra um discurso público do Senhor, ele relata como ponto-chave do mesmo: “ Vim... para cumprir” . Mateus não é porém o único a dar esta ênfase. Qual foi a primeira palavra dita pelo Senhor ao dar início a seu ministério público? Segundo Mateus foi isto que disse: “ Porque assim nos convém CUM PRIR” (3:15). Marcos registra: “O tempo está CUMPRIDO e o reino de Deus está próximo” (1:15). Segundo Lucas, lemos: "Hoje se CUMPRIU a Escritura que acabais de ou­vir” (4:21). João, como sempre acontece, contraria os outros três evangelhos e em lugar de apresentar-nos a primeira declara­ção do Senhor, oferece uma reação dos que primeiro o “ recebe­ram” - “ACHAMOS!” (1:41). “ACHAMOS!” (1:45). Depois disso, mais de sete vezes, ele repete a nota-chave de Mateus: “ Para que se CUM PRA” (12:38; 13:18; 15:25; 17:12; 19:24, 28,36).

Vemos isso de várias maneiras e em diversas frases através de todo o livro de Atos e das Epístolas. O Novo Testamento é o cumprimento do Velho; ou, para ser mais preciso, o CRISTO do Novo Testamento é o cumprimento. Ele é o cumprimento de tu­do que os profetas viram, que os salmistas cantaram e os corações piedosos esperaram.

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O Novo Testamento é a RESPOSTA do Velho. Sem ele o Ve­lho é como um rio que se perde na areia. Seria revelação sem des­tino: algo previsto, mas nunca concretizado; promessa sem cum­primento; preparo sem consumação. Se o Novo Testamento não for a resposta do Velho, então este jamais teve uma resposta e nunca poderá tê-la. Mas o Novo Testamento E a resposta. Ele é A resposta. Ele é o VERDADEIRO, CLARO E GLORIOSO CUM­PRIMENTO.

Vejamos como isso acontece.

x A SINFONIA INACABADA

Tente imaginar-se lendo ou estudando o Velho Testamento pela primeira vez. Vamos supor que você tenha um amigo judeu que lhe diga: “ Nossas Escrituras hebraicas são maravilhosas; você deve lê-las” . E você responde: “ Suponho que quer dizer a Bíblia” . Ele replica: “ Não, a Bíblia é composta do Velho e Novo Testa­mentos. Nós judeus acreditamos apenas no Velho. Essa é a nossa Escritura. Não se preocupe com o que esses cristãos chamam de Novo Testamento. Leia o Veiho Testamento e não apenas uma vez; ele é maravilhoso demais” .

Você lê então o Velho Testamento uma vez e, naturalmen­te, a primeira seção que percorre é a Torá ou Lei — o “ Pentateu- co” . A coisa que mais prende sua atenção é a predominância do sacrifício de animais. Ele começa bem cedo em Gênesis 4, ocor­rendo de novo nos capítulos 9, 12 e 22. Apresenta-se mais clara­mente em Êxodo, até que em Levítico surge toda uma organiza­ção de sacrifícios, ofertas, rituais e cerimônias. Em toda parte perdura a impressão que esses sacrifícios e cerimônias de algum modo indicam realidades além de si mesmos, embora isto não se­ja em ponto algum explicado claramente. Todavia, você continua lendo os demais livros, esperando encontrar uma explicação. Vo­cê viaja através dos livros históricos (Josué a Ester), os de filoso­fia (Jó a Cantares de Salomão) e os proféticos (Isaías a Malaquias); mas apesar dos sacrifícios e cerimônias da Lei serem mencionados repetidamente, você chega ao final do Velho Testamento sem ob­ter o esclarecimento que precisa e tem uma sensação decepcionan­te de que o Velho Testamento é um livro de CERIMÔNIAS INEXPLICADAS.

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Mesmo assim, você concluiu que o Velho Testamento é na verdade o livro mais maravilhoso que já leu e que os judeus são uma raça notável. Será verdade que os judeus são o “ povo escolhi­do” de Deus, com um elevado propósito e destino? Você deve en­tão lê-lo totalmente de novo. Começa outra vez em Gênesis. Obser­va a aniquilação da civilização antidiluviana e a aliança de Deus com Noé, prometendo que a raça humana jamais seria destrufda de novo pelas águas. A seguir encontra a aliança de longo alcance fei­ta com Abraão em Gênesis 12, 15, 17, 22, renovada mais tarde com Isaque e Jacó. A seguir aprende como as doze tribos foram libertadas do cativeiro no Egito pelo braço estendido do Senhor, fundidas em uma nação no Sinai, recebendo uma Lei e ordenan­ças e constituindo uma teocracia. Você observa o povo da aliança invadir e ocupar Canaã: o futuro está repleto de oportunidades. Mas, lamentavelmente, segue-se o Livro de Juizes com suas sórdi­das decadências e servidões. O Primeiro Livro de Samuel recapitu­la a mudança de teocracia para monarquia. 1 Reis mostra a divi­são do reino em dois. 2 Reis termina com a ida de ambos os rei­nos para o exílio. 1 e 2 Crônicas narram a trágica história. Em Es- dras, Neemias e Ester, um remanescente volta para a Judéia; mas trata-se apenas de um remanescente. Os muros de Jerusalém são reconstruídos, mas o trono davídico não mais existe. Os judeus são uma minoria dependente na Judéia; fora dela eles foram dis­persados nos quatro cantos da terra. Você continua lendo os li­vros de filosofia, mas eles nada falam a respeito disso; os profetas também não fazem qualquer menção sobre os mesmos, exceto o úl­timo trio, Ageu, Zacarias e Malaquias, onde as coisas não vão nada bem com o remanescente que voltou. Você termina assim sua segunda leitura do Velho Testamento com um triste suspiro, achan­do que é um livro de PROPÓSITOS INATINGIDOS.

Uma coisa porém se destaca agora com poder cativante: em seus asDectos esDirituais o Velho Testamento é certamente incom­parável e você pode entender muito bem porque os judeus se orgu­lham dele. Na verdade vai ter de fazer nova leitura pois aqui, com certeza, o Deus verdadeiro é revelado, assim como o caminho para descobri-IO! Você começa outra vez em Gênesis. Este é com cer­teza o mais confiável e sublime relato das origens jamais escrito! Você examina de novo Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio. Esta é verdadeiramente a Lei mais maravilhosa que já foi dada!

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Mas o seu interesse especial está agora concentrado nos livros filo­sóficos do grupo poético, de Jó a Cantares de Salomão, pois são eles que tratam dos problemas dolorosos e pessoais do coração humano. Irá sem dúvida encontrar neles a solução! Mas, isso acon­tece? Não. Embora sejam realmente esclarecedores, penetrantes, práticos, cheios de conselhos, lições e promessas consoladoras, de certa forma não contêm soluções claras ou finais para os terrí­veis problemas do pecado, do sofrimento, da morte e do além. Você continua gemendo com Jó: “Ah! se eu soubesse onde en­contrá-Lo!’ Nos escritos dos profetas que se seguem você encon­tra os mais elevados pontos de ética e as mais surpreendentes pre­dições, mas eles não resolvem sua busca espiritual; e você termina sua terceira leitura do Velho Testamento percebendo igualmente ser ele um livro de ANSEIOS INSATISFEITOS.

Entretanto, mesmo agora, você não pode finalmente esque­cer-se de suas páginas, pois ao lê-lo tornou-se também interessado na busca da realidade e, além disso, descobriu nele um certo fenô­meno surpreendente que não se encontra em nenhuma outra reli­gião ou filosofia debaixo do sol. Este aspecto singular impressio­nou você cada vez mais à medida que releu o livro. Trata-se da ma­ravilha da profecia do Velho Testamento, especialmente a profecia no sentido de predição, Não pode haver qualquer dúvida sobre a sua autenticidade. Previsões traçadas com ousadia, estendendo-se sobre o tempo, notavelmente detalhadas, a respeito do Egito, As­síria, Babilônia e outros grandes poderes foram expostas e depois cumpridas com tanta exatidão que qualquer investigador sincero precisa concordar, “ Este é o selo do Deus vivo sobre essas Escri­turas” . Além disso, o cumprimento das profecias garante a consu­mação similar de muitas outras que se projetam para um futuro ainda mais distante. O corpo central da profecia do Velho Testa­mento fala sobre o futuro como nenhuma outra literatura jamais o fez e o guarnece com a reparação mais compensadora e final. Tudo se concentra na idéia de que ALGUÉM ESTÁ CHEGANDO, e será a resposta de Deus ao clamor das eras. Muito antes, em Gêne­sis 3.15 o “descendente da mulher” deve “ ferir a cabeça” da ser­pente. A promessa deste “ descendente” é renovada a Abraão, Isaque e Jacó, nos capítulos 12, 17, 22, 26, 49. Existem traços dela em todos os rolos sucessivos do Velho Testamento até que em Isaías e seus companheiros, o fluxo de profecia messiânica

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chega ao ponto mais alto. Todavia, ao chegar a Malaquias, embora impérios tenham perecido, séculos marchado para a antigüidade e os videntes jazam em suas sepulturas, o Prometido não veio. “ Eis que Ele virá!” exclama Malaquias enquanto também ele, o último dos profetas, desaparece por trás da cortina nevoenta do passado; mas é preciso que se retire, e você termina o Velho Testamento compreendendo que é um livro de PROFECIAS NÃO CUMPRI­DAS.

O Velho Testamento então, em seus quatro compartimentos sucessivos, i.e., o organizacional, o histórico, o filosófico e o pro­fético, é um livro de (1) CERIMÔNIAS INEXPLICADAS, (2) PROPÓSITOS NAO ATINGIDOS, (3) ANSEIOS INSATISFEI­TOS, (4) PROFECIAS NÃO CUMPRIDAS.

Terminada a Obra-Prima

Vamos supor agora que tendo lido o Velho Testamento você encontre um amigo cristão que o persuade a ler o Novo Testamen­to. O que descobre? Você o lê uma vez, duas, três, e todo o tempo descobre um livro de cumprimentos correspondentes. O primeiro capítulo de Mateus faz soar o refrão que logo se torna habitual, “ para que se cumprisse...” O Jesus que deve “ salvar o povo dos pe­cados deles” tem sua linha genealógica traçada diretamente até o rei Davi e o patriarca Abraão, através de quem as duas grandes “ alianças com promessa” de Deus foram feitas com Israel. O seu nascimento de uma virgem revela imediatamente o segredo de Isaías 7:14: “ Portanto o Senhor mesmo dará sinal: Eis que a vir­gem conceberá, e dará à luz um filho, e lhe chamará Emanuel” j|U significa “ Deus conosco” .

Depois disso você lê sobre o Jesus do Novo Testamento, cu­jo nascimento, vida, morte, ressurreição e ascensão são registra­dos historicamente nos evangelhos, interpretados espiritualmente em Atos e nas Epístolas, e consumados por antecipação em Apo­calipse.

Em Sua morte vicária e auto-sacrifício expiatório, Sua ressur­reição e ascensão, Seu sumo sacerdócio presente nos céus, e Sua volta prometida, você observa as cerimônias inexplicadas da Lei ganharem repentinamente novo significado. Todas elas apontam

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O NOVO E O VELHO TESTAMENTOS

para ELE — como por exemplo as cinco espécies diferentes de ofertas em Levítico, as ordenanças do tabernáculo, a entrada anual do sumo sacerdote no Santo dos Santos para aspergir o sangue da aliança, e o fato dele sair mais tarde em suas vestes gloriosas para abençoar o povo.

Ao ler sobre o nascimento do Salvador e ouvir o anjo anun­ciar: “ Este será grande e será chamado Filho do Altíssimo; Deus, o Senhor, lhe dará o trono de Davi, seu pai...” , você compreende que as histórias não cumpridas do Velho Testamento estão sendo reto­madas e encontrando cumprimento nELE.

Quando lê os ensinamentos de Jesus sobre o amor e paterni­dade de Deus; ao ouvi-lo dizer “ Vinde a mim todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei” ; ao vê-IO não ape­nas subindo aos céus mas enviando o Espírito Santo e vindo assim a habitar no coração de seu povo remido — você testemunha os anseios insatisfeitos dos livros de filosofia do Velho Testamento encontrando plena realização.

Quanto às profecias não-cumpridas da Cristologia do Velho Testamento, desde o dia de seu nascimento milagroso em Belém até o apogeu de sua ascensão miraculosa no monte das Oliveiras, Ele está cumprindo essas predições da antiga dispensação. Ele alega ser o seu cumprimento — como quando diz na sinagoga: “ Hoje se cumpriu a Escritura que acabais de ouvir” (Lc 4:21). Ele prova ser o seu cumprimento pela sua vida sem pecado e ministé­rio confirmado por milagres e, mais ainda, em sua morte no Cal­vário. Sobre quem passagens como Isaías 53 poderiam ser escri­tas senão a respeito dEle a quem João Batista apontou, exclaman­do: “ Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!” ?

O Jesus do Novo Testamento é realmente o cumprimento da cerimônia, história, filosofia e profecia do Velho Testamento. No Velho Ele está vindo. No Evangelho Ele veio em humanidade vi­sível. Nas Epístolas Ele chegou através do Espírito Santo invisível. No Apocalipse Ele volta na glória do império mundial. Os cumpri­mentos de seu primeiro advento provam a divindade da profecia do Velho Testamento e eles garantem que o que resta a ser cum­prido, tanto no Velho como no Novo Testamentos, irá certamente ocorrer quando chegar a hora predestinada.

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Louvemos ao Deus de luz Cuja revelação pura

Faz cessar a noite sombria da superstição Pela verdade divina e segura;

Cuja graça auto-manifestada,Iniciada através dos patriarcas,

Brilha aaora em toda plenitude.Como um reflexo da face de seu Filho encarnado.

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O NOVO TESTAM ENTO COMO UM TODO

Lição nQ 6

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Devemos lembrar primeiramente que o Novo Testamento não foi dado e recebido como um volume, masvque foi crescendo em conjunto através do reconhecimento e uso. A medida que os vários livros foram formando uma unidade, seria de esperar que houvesse muitos tipos de classificação, mas que no geral tendessem a colo­car-se em seus relativos lugares, segundo a lei de ajuste interno, em lugar de qualquer outro princípio que pudesse exercer uma in­fluência temporária, como por exemplo o da dignidade relativa dos nomes dos autores, ou da sua produção ou reconhecimento crono­lógico. De fato, esta tendência se manifesta imediatamente, desde o primeiro período a que nossas pesquisas retrocedem através dos manuscritos existentes, antigas listas dos livros sagrados e pelos ar­ranjos habituais das versões mais antigas... A ordem em que lemos hoje os livros do Novo Testamento é aquela que, em conjunto, eles tenderam a assumir; e o arranjo interno geral da coleção inteira, formando para nós um curso consecutivo de ensino, tem sido sufi­cientemente reconhecido pelo instinto e fixado pelo hábito da Igreja.

T. D. Bernard

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O NOVO TESTAMENTO COMO UM TODO

O NOVO TESTAMENTO é o livro mais vital do mundo. Seu tema supremo é o Senhor Jesus Cristo. Seu objetivo supremo é a salvação dos seres humanos. Seu projeto supremo é o reinado fi­nal do Senhor Jesus num império sem limites e eterno.

Cristo é o tema de suas páginas. Não é Ele também o tema do Velho Testamento? Sim, mas não da mesma maneira nem com a mesma exclusividade. Aquele que figura no Velho como o Cristo da profecia, emerge agora no Novo como o Cristo da história. Ele que é a super-esperança do Velho é o super-fato do Novo. A expec­tativa no Velho tornou-se a experiência no Novo. A previsão trans­formou-se em provisão. O que era latente ficou agora patente. O de há muito predito está hoje presente.

Isto se aplica especificamente aos quatro evangelhos, que va­mos estudar a seguir. Da mesma forma que Jó exclamou, quando fez sua nova descoberta de Deus: “ Eu te conhecia só de ouvir, mas agora os meus olhos te vêem” (Jó 42:5), nós podemos dizer o mes­mo, ao nos encontrarmos reverentemente com o Cristo dos quatro evangelhos. Nas Escrituras anteriores ouvimos falar dEle “ só de ou­vir” , mas agora “ nossos oihos O vêem”. Antes disto, nós O vimos “através de um espelho, obscuramente” , enquanto agora “ vemos face a face”.

Por esta razão os quatro evangelhos são o ponto crucial de toda a Bíblia. Eles são o foco histórico da profecia do Velho Tes­tamento, e a base factual da teologia do Novo Testamento. Eles não são o término da profecia do Velho Testamento, grande par­

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te da qual continua até tempos ainda futuros; mas constituem a junção principal, para onde convergem todos os ramais do Velho Testamento. Todas as linhas se tornam agora uma só linha princi­pal no JESUS DE NAZARÉ histórico. “Mudamos” aqui do que era distintamente judeu para o que é definitivamente cristão; da velha aliança e dispensação para a nova aliança e dispensação; de Moisés para Cristo; da lei para a graça.

Antes de viajarmos pelos quatro evangelhos sucessivamente, devemos recapitulá-los em conjunto: (a) em sua relação estrutu­ral com o Novo Testamento como um todo; (b) em sua inter-re- lação uns com os outros como um quarteto. Neste estudo vamos considerar:

O Novo Testamento Como Um Todo

No início deste curso bíblico salientamos que a estrutura do Novo Testamento manifesta um desígnio divino. Será bastante proveitoso repetir e ampliar neste ponto o que então dissemos. Em sua estrutura, o Novo Testamento é construído na forma de um arco literário. Quando fazemos uma pausa para refletir sobre ele, não existe qualquer estilo de edifício que expresse tão exatamen­te a função espiritual e o significado do Novo Testamento como um arco. O que são esses 27 documentos, essas memórias e cartas colecionadas que compõem o Novo Testamento, senão uma arca­da literária que leva a algo além deles? Não se trata, em sua união total, da arcada maravilhosamente construída por Deus em direção à verdade salvadora, ao verdadeiro conhecimento dEle, à bênção eterna?

Sabemos naturalmente que muitos dentre os que professam a fé cristã têm pontos de vista a respeito da inspiração que lhes tor­nam impossível crer que possa haver um sistema sobrenatural e determinação de seqüência até mesmo no arranjo dos livros do Novo Testamento. Para essas pessoas, a conformação atual do con­teúdo é puramente acidental ou, mais simplesmente, uma das vá­rias maneiras em que foram colecionados por mãos humanas. Va­mos referir-nos novamente a isto mais tarde e queremos apenas mencionar aqui que a nosso ver pareceu sempre uma inferência razoável, caso não seja um corolário necessário, que na medida

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em que Deus se expressou em tal revelação escrita por meio de inspiração sobrenatural, guardando-a através dos séculos pela preservação providencial, Ele poderia moldar e controlar sua integração final. Para nós, a ausência de desígnio predetermina­do nesses oráculos divinos parece tão inconcebível quanto a presença do mesmo parece a outros! Há muito de verdade na frase: “ Deus jamais deixa o trabalho inacabado” !

Os Evangelhos e os AtosAo virarmos as primeiras páginas do Novo Testamento en­

contramos cinco escritos inteiramente narrativos, a saber, Mateus, Marcos, Lucas, João e os Atos dos Apóstolos. Estes formam um grupo separado, por se tratar dos únicos livros históricos do Novo Testamento, sendo fundamentais para tudo o que vem a seguir.

Epístolas da Igreja CristãO final repentino do livro de Atos nos leva a uma série de

cartas. As nove primeiras se reúnem indiscutivelmente num gru­po. Todas elas saíram da pena do mesmo autor humano, o apósto­lo Paulo. Trata-se de cartas de ensino e instrução na verdade e prática cristãs; i.e., são principalmente doutrinárias. Todas elas são dirigidas às assembléias cristãs, ou “ igrejas”, sendo correta­mente chamadas de “ Epístolas da Igreja Cristã” ; i.e., Romanos1 e 2 Coríntios, Gálatas, Efésios, Filipenses, Colossenses, 1 e 2 Tessalonicenses.

Epístolas PastoraisDepois das “ Epístolas da Igreja Cristã” continuamos nos es­

critos de Paulo, mas as cartas restantes não são dirigidas a igrejas. Elas foram escritas a indivíduos, em número de quatro. As duas primeiras são para Timóteo, um dos filhos espirituais de Paulo, que era então pastor sobre uma congregação cristã. A terceira é enviada a Tito, de quem pode ser dito o mesmo que Timóteo. A quarta é para Filemom, um líder cristão em Colossos, que tam­bém dirigia uma “ igreja” que se reunia em sua “ casa” . Estas, espe­cialmente as três primeiras, são conhecidas como “ Epístolas Pas­torais” .

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Epístolas Cristãs HebraicasExistem ainda mais nove escritos no Novo Testamento: He­

breus, Tiago, 1 e 2 Pedro, 1, 2 e 3 João, Judas, Apocalipse. Es­tes são também cartas de vários tamanhos. Até o último e mais longo, embora conhecido geralmente como “ Apocalipse” é na realidade uma carta ou epístola. E uma epístola do próprio Se­nhor Jesus (embora transmitida pelo apóstolo João), como indi­cam suas palavras de abertura: “ Revelação de Jesus Cristo, que Deus lhe deu para mostrar aos seus servos as coisas que em breve devem acontecer, e que ele, enviando por intermédio do seu anjo notificou ao seu servo João, o qual atestou a palavra de Deus e o testemunho de Jesus Cristo..." (Áp 1:1, 2).

Não é preciso examinar muito minuciosamente essas nove cartas para ver que não se trata apenas de um acréscimo hetero­gêneo às epístolas da “ Igreja Cristã” ou “ Pastorais” . Ela se com­binam homogeneamente num grupo final e completo. Essas car­tas não são dirigidas, porém, às igrejas cristãs como as nove pri­meiras. A primeira delas, i.e., Hebreus é dirigida à nação judaica propriamente dita. A seguinte começa: “Tiago, servo de Deus e do Senhor Jesus Cristo, às doze tribos que se encontram na Dis­persão”, mediante cujas palavras o escritor evidentemente indica o povo hebreu. Depois vem Pedro, que inicia com a frase: “ Pedro, apóstolo de Jesus Cristo, aos eleitos que são forasteiros da Disper­são, no Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Betínia” , onde os judeus da “ Dispersão” são de novo salientados. A primeira epístola de João, que segue à de Pedro, nao contém saudação inicial. Sua se­gunda e terceira cartas, porém, são ambas endereçadas a indiví­duos judeus. Seu ponto de vista inter-judeu se revela em comentá­rios como o de 3 João 7, onde o apóstolo menciona certos servos do Senhor como tendo saído “ nada recebendo dos gentios” . João jamais teria mencionado desse modo os gentios caso estivesse escrevendo a eles.

Essas nove últimas epístolas do Novo Testamento são indis­cutivelmente diferentes das nove “ Epístolas da Igreja Cristã” . Elas não são dirigidas às igrejas cristãs locais e nada existe nelas sobre a Igreja, i.e. a Igreja mística — o corpo, noiva e templo místicos do Filho amado de Deus, exceto em formas anônimas e visionárias no final de Apocalipse. Todo esse ensinamento sobre a igreja mística, que é tão precioso ao povo do Senhor, encontra-se nas “ Epístolas

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O NOVO TESTAMENTO COMO UM TODO

da Igreja Cristã” . Não se engane, elas são "cristãs” e algumas das mais magnificentes doutrinas cristãs são tratadas nas mesmas. Elas são porém distintamente hebraicas em sua adaptação e aplicação principal. Seu ponto de vista, abordagem e atmosfera faz certa­mente delas “ Epístolas Cristãs Hebraicas” .

Um Arco de Verdade EscritaNão é então facilmente perceptível que os 27 oráculos de

nosso Novo Testamento, em seus vários grupos, se reúnem, por as­sim dizer, em uma estrutura de revelação escrita em forma de ar­co? A princípio, os quatro Evangelhos e os Atos lançam uma laje ou cinco degraus básicos de fato histórico debaixo de nossos pés. A seguir, subindo à esquerda e à direita, como dois pilares laterais belamente ornamentados num arco magnífico, acham-se os dois grupos de nove epístolas — as “ Epístolas da Igreja Cristã” e as “ Epístolas Cristãs Hebraicas” , vindo o todo estruturar-se à seme­lhança de um arco, alcançando o seu vértice máximo no resumo transcendente da verdade do evangelho: “ Evidentemente, grande é o mistério da piedade: Aquele que foi manifestado na carne, foi justificado em espírito, contemplado por anjos, pregado entre os gentios, crido no mundo, recebido na glória” (1 Tm 3:16).

O famoso “ Arco de Mármore” de Londres, o “Arco do Triun­fo ” de Paris, o antigo Arco de Tito em Roma — o que são eles comparados com este arco literário da revelação divina, traduzida em termos de verdade salvadora e bênção eterna?

>Inter-correspondências

Esta estrutura em arco do Novo Testamento introduz um as­sunto fascinante que poderia absorver muitas páginas. Iremos con­siderar em nosso próximo estudo os inter-relacionamentos contras­tantes e que se completam nos quatro Evangelhos; indicaremos também mais tarde a uniformidade latente e as correspondências mútuas nos dois pilares de nove epístolas. Mas, é bom notar nova­mente aqui alguns dos paralelos comparativos e contrastantes mais óbvios entre esses dois grupos de epístolas.

Ambos começam com um grande tratado doutrinário — num deles a Epístola aos Romanos, de Paulo; no outro, a Epístola aos

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Hebreus. Os dois grupos terminam com o desvendar da volta do Senhor e de “ coisas que devem acontecer — num caso o par de epístolas aos Tessalonicenses; no outro, o Apocalipse, ou Livro de Revelação.

No início de um dos grupos, a Epístola aos Romanos nos mostra que a salvação através do Senhor Jesus Cristo é o único caminho. No começo das outras nove, a Epístola aos Hebreus nos mostra que a salvação através de Jesus Cristo é o melhor caminho — existe um Redentor “ melhor” , Jesus; um sacrifício "melhor” , i.e., o Calvário; e um princípio “melhor” , i.e., a fé. No final do primeiro grupo, as cartas aos Tessalonicenses mos­tram-nos a segunda vinda de Cristo especialmente com relação à Igreja. No fim das outras nove, o Livro de Apocalipse nos mostra o segundo advento de Cristo em relação a Israel e às nações.

Iremos falar mais sobre isto mais tarde; mas o que dissemos aqui terá indicado que o Novo Testamento não é absolutamente uma corrente de escritos sucessivos com pouca ou nenhuma refe­rência à questão de ordem. Existem divisões e agrupamentos esta­belecidos, um padrão geral supervisionado sobrenaturalmente e uma significativa estrutura em arco.

Desígnio e Desenvolvimento

A fim de nossa figura do arco não sugerir algo apenas estáti­co, devemos acrescentar aqui que existe um movimento ordenado que se pode observar no Novo Testamento, o qual vem a combi­nar-se com o arranjo grupai estabelecido das 27 partes. Este movi­mento foi adequadamente chamado de “ progresso da doutrina”. Além do desígnio há desenvolvimento. Além do padrão há progres­so.

Este “ progresso da doutrina” do Novo Testamento não pode permanecer duvidoso para o leitor diligente e perspicaz. Ele é ain­da mais notável porque, em contraste, os escritos não se integram em qualquer progresso formal segundo o calendário.

Os quatro evangelhos demonstram imediatamente que a su­cessão simplesmente de acordo com datas, embora jamais delibera­damente violada, fica sempre sujeita a um padrão e propósito su­periores. Nos manuscritos e versões antigos, assim como nas listas

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O NOVO TESTAMENTO COMO UM TODO

dos livros do Novo Testamento, os quatro evangelhos quase sem­pre ocorrem na ordem conhecida: Mateus, Marcos, Lucas, João; mas nem nessa nem em qualquer outra ordem eles formam as qua­tro partes de uma narrativa consecutiva. Embora Marcos siga-se a Mateus, ele não continua onde Mateus termina, mas volta ao iní­cio, começando com o ministério de João Batista. Lucas segue-se a Marcos, mas começa antes ainda que Mateus, contando-nos não só sobre o nascimento do Senhor, mas também sobre os pais de seu precursor.

Se abrirmos o livro de Mateus, em particular, logo descobrire­mos que ele está mais interessado em apresentar as declarações e atos do Senhor em agrupamentos propositais do que em datas pro­gressivas, o primeiro grupo de declarações sendo o Sermão do Monte, nos capítulos 5, 6, 7; e os primeiros grupos de obras sen­do os milagres nos capítulos 8 e 9. O milagre registrado primeiro por Mateus não foi o primeiro realizado pelo Senhor; enquanto João, que é o último do “quarteto santo”, começa com o primei­ro milagre, i.e., o de Caná na Galiléia.

O mesmo acontece com as epístolas. Sua ordem não é deter­minada pela data da composição. Quase uniformemente as nove “ Epístolas da Igreja Cristã” vieram até nós em sua ordem presen­te; todavia, 1 e 2 Tessalonicenses que foram escritas em primeiro lugar, se acham em último; enquanto Romanos, escrita quase no final, está no começo. As nove “ Epístolas Cristãs Hebraicas” mostram desconsideração similar por qualquer ordem estrita com relação à data.

Todavia, a simples comparação desta falha em seguir a se­qüência estrita do fato cronológico, mostra que existe uma se­qüência consistente de verdade reveladora. Em suas principais divi­sões, o Novo Testamento demonstra um “ progresso de doutrina” que, aparentemente, é talhado para nossa instrução. Os vários exemplos que citamos aqui devem ser tomados como representa­tivos de muitos outros.

A Ordem dos EvangelhosEste “ progresso de doutrina” se manifesta nos quatro Evan

gelhos. Antes de podermos dizer uma palavra sobre o mesmo, po rém, seremos interrompidos pela objeção: “ A ordem atual do;

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quatro Evangelhos não é puramente acidental? Como pode então existir qualquer ‘progresso’ pre-designado ou geral? Não será ele apenas imaginário?” O falecido T. D. Bernard respondeu a essa objeção de uma vez por todas: “Quando este arranjo particular de livros que podem ser, e freqüentemente o foram, dispostos de outro modo, é tratado como abrangendo um curso de ensino pro­gressivo, talvez pareça que uma tensão descabida seja colocada nu­ma ordem acidental que alguns podem considerar como pouco mais que um hábito do impressor e capista... (mas) se a ordem co­nhecida exibe realmente uma seqüência de pensamento e um avan­ço confirmado de doutrina, então os vários documentos estão em seus lugares corretos segundo o tipo de relação mais elevado que podem manter uns com os outros” . O fato é que se esses quatro Evangelhos fossem submetidos a qualquer um de nós, com o pedi­do de que os estudássemos de modo a arranjá-los na ordem mais vantajosa e progressiva, seríamos obrigados a colocá-los na mesma sucessão por eles assumida no Novo Testamento.

Sua ordem atual tem uma exatidão interna, sendo evidente­mente deliberada por um controle superior ao humano. Como po­deria Mateus estar em outro lugar senão o primeiro, ou João em outro senão no final? Quem pode deixar de ver que os quatro são divididos em três e um (como foi sempre reconhecido) — os três primeiros nos preparando para a interpretação completiva do quar­to? Os três primeiros nos familiarizam com os aspectos visíveis da magnífica manifestação e nos preparam para a apresentação apoteótica em João, onde o mistério interior e a majestade do mesmo nos são interpretados.

O livro de Mateus tem de ser necessariamente o primeiro, pois sua especialidade é a ligação do Evangelho com as Escrituras He­braicas, introduzindo assim o Novo Testamento como o cumpri­mento do Velho. “ Para que se cumprisse o que fora dito” é seu refrão característico e ele adapta claramente sua narrativa aos ju­deus, de quem Cristo descendeu na carne.

Da mesma forma Marcos é o seguinte e depois Lucas. Para que o relato de Mateus não pareça sugerir que o evangelho é ape­nas um desenvolvimento da fé judaica e não originário dela (alguns de bom grado o teriam limitado assim), Marcos e Lucas seguem com seus registros em que, para citar palavras adequadas, nosso Senhor é “desengajado daquelas ligações muito aproximadas da

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vida e pensamento judeus que o primeiro evangelho se empenha em expôr” .

Segundo informações calcadas em algo mais do que a tra­dição, Marcos fo i ajudante de Pedro, como Lucas fo i de Paulo. Os Primeiros Pais Cristãos citam Marcos como amanuense de Pe­dro, ou mesmo um tradutor-continuador de um “ Evangelho” o ri­ginal escrito pelo próprio Pedro em aramaico.

A ligação de Marcos com Pedro, e Lucas com Paulo, se evi­dencia indiscutivelmente nos registros de ambos. Foi Pedro quem primeiro “ abriu a porta da fé para os gentios” (A t 10, com 15:7); Pedro permaneceu, todavia, o “ apóstolo da circuncisão” (Gl 2:8, 9), enquanto Paulo começou imediatamente como o “ após­to lo aos gentios” (Rm 11:13, etc.). Do mesmo modo, o Evange­lho de Marcos se distancia da adaptação cuidadosa de Mateus. Ele não inclui uma genealogia da descendência abrâmica e davídica do Senhor. Somente duas vezes (em comparação com as doze de Ma­teus) encontramos a frase “ para que se cumprisse” . O Senhor não é visto tanto cumprindo o passado corrio governando o presente. Ele é o Realizador de prodígios, com poder sobre os reinos visí­veis. Este é um Evangelho de ação e sua primeira abordagem in­tencional parece dirigir-se aos romanos e não aos hebreus. O evan­gelho fo i perfeitamente adaptado a convertidos romanos como os de Atos 10 e pode ser resumido m uito bem nas palavras de Pedro a eles: “ Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e po­der, o qual andou por toda parte, fazendo o bem e curando a todos os oprimidos do diabo” (A t 10:38).

Embora Marcos se afaste das características hebraicas mais exclusivas de Mateus e esboce um Jesus realizador de milagres com impressionante significado para os gentios, no entanto, é Lucas que no sentido mais amplo o apresenta como o “ Filho do Ho­mem". Em Lucas a porta se abre por completo. Nele encontramos a simpatia humana mais abrangente, a perspectiva mais liberal, e um Salvador apresentado de forma a prender a atenção dos gentios em geral. O próprio prefácio nos prepara para isto. Os outros evan­gelistas, segundo a forma hebraica, começam sem introdução, en­quanto Lucas não só inclui no prefácio uma dedicatória à maneira grega e no estilo clássico, como também dedica seu evangelho a um gentio convertido. A partir desse ponto, de um modo que não po­demos detalhar aqui, mas tão notável que qualquer le itor cuidado­

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so poderá distingui-lo, a narrativa expõe, como nenhuma das ou­tras o faz, a humanidade comum do Homem perfeito com toda a fam ília humana e sem considerar as distinções nacionais ou a an­tiga separação entre judeu e gentio.

Paralelos do ProgressoEste “ progresso” exterior de Mateus até Marcos e Lucas, cor­

responde à afinidade racial dos três escritores. Mateus, também chamado de “ Levi, filho de A lfeu ,” era israelita e um parente pró­xim o do Senhor. Marcos, ou “ João Marcos” (A t 12:12), era meta­de judeu e metade gentio; sendo essa talvez a razão de seu nome João (hebraico) e sobrenome Marcos (grego). Lucas era gentio, co­mo o seu nome grego, estilo de escrita grego e as referências de Paulo a ele parecem confirmar, embora seja naturalmente muito provável que seus pais fossem prosélitos do judaísmo.

Este “ progresso” externo do Evangelho, do judeu Mateus, para o judeu-gentio Marcos e depois para o gentio Lucas, se com­para com os três estágios de expansão nos Atos dos Apóstolos. O evangelho é primeiro pregado entre os judeus (A t 1:7). A seguir, ele se espalha através de Samaria, chega ao oficial etíope e irrom ­pe com efusão pentecostal sobre a casa do gentio (romano) Cor- nélio (8-12). Finalmente, por meio das viagens missionárias de Pau­lo ele é propagado livre e completamente a todo o mundo gentio (13-28).

O Quarto EvangelhoSe nos três Evangelhos sinóticos, a apresentação do Cristo his­

tórico mostra esses estágios progressivos, desde seu aspecto judaico original até sua adaptação gentia mais universal, o quarto evange­lho é o seu apogeu aperfeiçoador e protetor. Aquilo que fo i corre­tamente inferido nos relatos dos três é agora nitidamente declara­do na recapitulação do quarto: o Jesus histórico é o Filho eterno. Aquele que é o Messias de Israel, é também o próprio Deus Jeová. Aquele que é o Salvador do mundo é também o Criador do mun­do. Ele não apenas ensina a verdade: Ele é a verdade. Ele transmi­te vida porque Ele é a vida.

João escreveu seu evangelho quando os três primeiros escri­tores já haviam morrido. Ele fo i providencialmente mantido vivo

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com um propósito que mostrou-se realmente necessário. Logo de­pois dos dados completos da manifestação histórica terem sido fixados e preservados por Mateus, Marcos e Lucas, surgiram con­trovérsias sutis em que uma teosofia especulativa começou a ma­nipular a pessoa de Cristo. Era o momento — tempo suficiente depois dos fatos históricos terem circulado, mas cedo o bastante para responder desde o início a todos esses desvios da verdadei­ra doutrina de Cristo — para um endosso e interpretação autori­zados dos três Sinóticos. Isso exigia a voz de uma testemunha ocu­lar ainda viva que pudesse dizer: “ O que temos visto e ouvido” ; mas a testemunha ocular precisava ser também um apóstolo que, além de suprir desse modo a confirmação dos sentidos, pudesse endossar e interpretar os fatos com autoridade permanente para a igreja. O idoso João era testemunha ocular e apóstolo. Assim sendo, como dissemos, o quarto evangelho tanto “ completou” como “ protegeu” .

Existem muitos outros aspectos desse “ progresso” nos quatro evangelhos, mas temos de deixá-los por enquanto. Porém, deve ser notado que esses estágios de progresso nos evangelhos, assim como outros a serem mencionados mais tarde, se constituem apenas por diferença de grau. E surpreendente como se mantêm essencialmente comparáveis embora haja diferença de aspecto. Po­demos dizer em verdade: “ Nada é expandido em um livro que não tenha sido confirmado no outro. E possível tomar qualquer idéia que nos pareça distinta em um deles e sempre encontraremos em todos os outros uma forte expressão da mesma. O judaísmo de Mateus se dirige ao chamado dos gentios; e o espírito universal de Lucas retrocede à sua origem judia. João, ao expor a natureza divina de Cristo, mostra apenas o que os demais implicaram em muitos pontos e afirmaram freqüentemente.” Eles constituem um fenômeno literário inigualável de a7vergência e convergência primorosamente equilibradas.

O Livro de A tosPodemos verificar somente de passagem a continuação

deste progresso em Atos e nas Epístolas.O progresso geográfico no livro de Atos já fo i notado. Ele

segue o curso delineado previamente pelo Senhor no capítulo

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1:8: “ Recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém, como em toda a Judéia e Samaria, e até aos confins da terra”.

Quanto ao progresso doutrinário em Atos, será que já hou­ve um desenrolar mais maravilhoso de acontecimentos e verdades andando lado a lado? Começamos com a repetição da oferta do “ reino” aos judeus, e terminamos com “ igrejas” sendo plantadas através das terras dos gentios; desde o início até o fim , sob o con­trole do Senhor agora invisível, é realizada a evolução da doutri­na evangélica. O Senhor visível nos evangelhos acha-se agora invi­sível, mas em todo ponto necessário há uma intervenção indiscu­tivelmente sobrenatural, para que a direção da história possa ser vista como o selo da doutrina.

Os Atos devem seguir-se imediatamente aos quatro Evange­lhos, pois precisamos ver os fatos externos da vida, morte, ressur­reição e ascensão do Senhor em sua primeira significação para os judeus, agora completados. Do mesmo modo, os Atos devem pre­ceder as Epístolas da Igreja Cristã, pois somos assim preparados para observar os fatos de Cristo em seu significado mais amplo pa­ra a igreja.

Quando a história se inicia, o Jesus crucificado, ressurreto, e elevado aos céus é realmente o Messias de Israel: mas, cada vez mais, à medida que a história se desenrola, Ele é o Salvador do mundo. De fato, em quase todas as páginas iniciais lemos "Primei­ro pára os j u d e u s todavia, cada vez mais legivelmente, quando as páginas finais são folheadas, descobrimos "e também para os gentios”. Os sinais e milagres que enchem as primeiras páginas e depois decrescem são mesmo maravilhosos: mas, ainda de maior magnificência, são as verdades salvadoras interiores que se expan­dem a cada passo até o fim .

O reino messiânico fo i agora oferecido duas vezes e duas ve­zes rejeitado. Nos evangelhos ele fo i ofertado pelos lábios de Cristo, Ele mesmo, mas Israel o rejeitou e pregou Jesus na cruz. Agora, em Atos, ele é de novo oferecido pelo Cristo crucificado, que ressuscitou e subiu aos céus, através de mensageiros inspira­dos pelo Espírito e confirmados por milagres. Israel porém o re­jeita novamente. Os judeus na pátria são os primeiros a finalizar sua rejeição no m artírio de Estêvão. Mais tarde, os judeus da Dis­persão, reunidos em seus milhares de representantes em Jerusalém,

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assinalam sua rejeição na tentativa de linchamento de Paulo (A t 22). .

Embora Israel, de maneira cívica e representativa, tivesse então rejeitado por duas vezes Jesus e o reino oferecido, existem porém grupos de homens e mulheres, tanto judeus como gentios, na Judéia e Samaria e através de todo o mundo romano, que cre­ram nEle e o aceitaram como Rei. O que dizer deles7. Essas pessoas se tornam, então, o ponto crucial da história. A medida que a re­cusa de Israel se cristaliza, gradualmente emerge a compreensão de que a própria falha de Israel está sendo soberanamente vencida na formação da IGREJA, da qual esses diversos grupos de crentes es­palhados são as primeiras unidades!

Mas se o “ reino” em seus aspectos visíveis, messiânicos, está sendo removido, o que é esta “ Igreja” , esta ecdesia, que se desen­volve agora na terra e traz à luz um propósito oculto de Deus? O livro de Atos nos deixa nesse ponto e estamos então prontos pa­ra as Epístolas da Igreja Cristã.

' As EpístolasLamentamos que, em relação aos Evangelhos e Atos, nossa

referência ao “ progresso” da doutrina tenha de ser resumida nu­ma seção curta como esta; e lamentamos ainda mais pela necessi- rLde de nos demorarmos tão pouco agora nas Epístolas. Nos li­mitaremos aqui a indicar algumas linhas gerais de desenvolvimen­to designado.

Três palavras concentram para nós o significado da vida cris­tã, pelo menos no seu lado humano: “ fé ” , “ esperança” e “ amor” . Nas palavras de 1 Coríntios 13:13: “ Agora, pois, permanecem, a fé, a esperança e o amor, estes três: porém o maior destes é o amor” . No espaçoso vestíbulo de uma belíssima catedral européia, o chão consiste de três lajes maciças onde foram escritas três pala­vras latinas em grandes letras. Na primeira, CREDO; na segunda, SPEIRÕ; na terceira, AMO. A primeira é credo, “ creio” . A seguir vem speirõ, “ espero” e depois amo, “ eu amo” . Os três principais escritores das epístolas do Novo Testamento são Paulo, Pedro e João, e eles se apresentam nessa ordem. Todos eles falam de fé, esperança e amor, todavia cada um tem sua própria ênfase. O pri­meiro é Paulo, considerado caracteristicamente como o apóstolo

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da fé. A seguir vem Pedro, o apóstolo da esperança. O últim o é João, o apóstolo do amor. Se mudamos sua ordem de posição, frustraremos a verdadeira ordem espiritual. O arranjo presente tem como propósito indicar a ordem correta do progresso espi­ritual.

Ao tomarmos as nove Epístolas da Igreja Cristã, veremos que as quatro primeiras enfatizam a Cruz; as três seguintes a Igre­ja ; as duas últimas o segundo advento do Senhor. Não é isso um verdadeiro progresso?

Quanto às nove Epístolas Cristãs Hebraicas e suas ênfases características, as duas primeiras salientam a “ fé" e as “obras". As duas seguintes a “ esperança” e o “crescimento". As quatro outras (João e Judas) o “ amor” e depois “ contendas” . No final, o Apocalipse fala de “ vencer” e “ herdar” . Quão notável é o sis­tema de progresso que podemos observar! Leia sem pressa e veja como o equilíbrio espiritual é preservado a cada passo que se dá.

Desde o início até o fim do Novo Testamento existe um mo­vimento permanente de progresso até que o Cristo coroado de es­pinhos na cruz vem a ser o Rei coroado de gloriada Nova Jerusa­lém.

O fato deste “ progresso” deixa naturalmente im plícita a unidade do todo. A simples sucessão aplica-se a muitos, mas o progresso é de um só — indicando aqui uma Mente dominante. Este progresso também implica num plano divino antecipada­mente preparado, a fim de alcançar progresso. Fica igualmente subentendido que a mesma Mente nos fala do começo ao fim ; pois embora possa haver avanço humano na compreensão, não pode haver progresso da revelação divina a não ser que o próprio Cristo esteja falando com tanta realidade nos Atos e Epístolas assim como nos Evangelhos.

Como é também importante que os pregadores e exposito­res reconheçam este fato do progresso da revelação no Novo Tes­tamento! Alguém disse muito bem que os fundamentos adequa­dos da doutrina cristã não se encontram tanto nos textos isola­dos como na “ combinação e convergência” das Escrituras em sua totalidade progressiva.

Como é também magnífica a fusão entre o elemento huma­no e o divino através de todo o Novo Testamento! Neste “ origi­nal” inspirado, constante de fato e verdade cristãos, o que está

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sendo registrado — a revelação divina da verdade, ou a compreen­são humana da mesma? Nos Atos e Epístolas, a verdade revelada nos é exposta não apenas como uma comunicação de Deus, mas também como uma apreensão por parte do homem. As duas coi­sas acham-se tão unidas que a primeira se expressa repetidamen­te através da última, envolvendo assim o ato divino na história humana e moldando esses oráculos divinos no livro mais humano jamais escrito.

Louvemos o Deus de Amor Cujos pensamentos surpreendentes Foram transmitidos lá do céu aos homens

Mediante a pena da inspiração;Cujo Espírito se moveu e operou A través de homens santos da antigüidade,

Trazendo, assim, para todas as eras,O Livro mais precioso de todos.

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Lição nQ 7

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Por trás de seus detalhes divergentes, as narrativas do evan­gelho demonstram uma unidade que levou a muitas tentativas de combinar os quatro em um único. Foi argumentado que combi­ná-los dessa forma iria nos preservar todo o seu conteúdo, enquan­to ao mesmo tempo forneceria um relato curto, apresentado na mais estrita ordem. Todas essas tentativas, porém, embora valio­sas para provar mais ainda a consistência das quatro narrativas, falharam necessariamente em produzir o resultado "único" e per­feito. O fato é que não temos capacidade nem se pretende que combinemos os quatro dessa forma. Uma tal unidade literária irá destruir justamente aquelas características e ênfases que o Espí­rito Santo, usando os quatro escritores, quer que prendam nossa atenção e sirvam para nosso consolo. Mateus, Marcos, Lucas e João foram impressionistas inspirados. Seus relatos são quadros escritos e não anais e nem mesmo diários. A seqüência cronoló­gica exata não é seu objetivo. Portanto, uma “ harmonia” crono­lógica ou unificação em uma história estritamente consecutiva é bastante impraticável. Passamos a transcrever o seguinte pará­grafo extraído de um livreto que há muito deixou de ser publica­do, escrito pelo falecido Rev. E. A. Thompson:

“ A harmonia dos Evangelhos em ordem cronológica estrita é inexeqüível. Não podemos fazer tal coisa, pelo menos com um mí­nimo de certeza; pela razão simples e evidente de que, com exce­ção do início e final de suas narrativas; as quais, como se ligadas por uma biografia, quase necessariamente correspondem, os evan­gelistas não escrevem cronologicamente: cada um deles tem seu plano próprio e distinto, assim como um sistema de arranjo; isto independe tanto da ordem cronológica que se tentarmos reuni- los em tal disposição, iremos imediatamente envolver-nos em d if i­culdades inextricáveis e expor-nos às censuras cáusticas que um sagaz cidadão fez a respeito de um velho ministro da Igreja de Edinburgo, Escócia, que trabalhou durante muitos anos na cons­trução de uma harmonia desse tipo: ‘Ele é um ministro que pas­sa seu tempo e gasta suas energias tentando fazer com que quatro homens que nunca brigaram entrem em acordo.’ ”

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Vamos d irig ir agora a nossa atenção aos quatro evangelhos. Uma coleção de registros mais bela jamais fo i escrita e isto se ápli- ca de modo especial quando os examinamos coletivamente. Não se trata de um inserir o que o outro omite, ou vice-versa: cada um contribui com um aspecto único; todavia, todos se agrupam nu­ma tal unidade quádrupla de apresentação como só a superinten­dência divina poderia ter efetuado. Veremos logo mais que esta declaração não é exagerada.

Por Que Quatro Em Vez de Um?

Para começar, nos encontramos perguntando: Por que há quatro evangelhos, especialmente quando os três primeiros pare­cem abranger quase o jnesmo assunto? Um só não seria melhor?

Como estamos tratando de escritos divinamente inspirados, a resposta final, naturalmente, é que há quatro porque Deus as­sim quis: mas podemos acrescentar que existem razões claras pa­ra Deus ter fe ito isso.

Não precisamos inventar razões, como por exemplo que era necessário “ mais do que uma mente” para registrar “ a vida mais maravilhosa vivida na terra” ; pois se o Espírito Santo tivesse de­terminado isso, Ele poderia ter eficazmente concentrado através de um o que distribuiu mediante quatro. Gênesis 2:10 nos conta: “ E saía um rio do Eden para regar o jardim, e dali se dividia, re­

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partindo-se em quatro braços” . A água nos quatro braços era a mesma do rio principal, dividido a fim de cumprir um propósito geográfico. Da mesma forma o rio principal da inspiração divina espalha através dos quatro evangelhos para cumprir um propósi­to espiritual.

Inferências PreliminaresAntes mesmo de encontrarmos as indicações internas da ra­

zão para os quatro evangelhos em lugar de um, não devemos he­sitar em inferir que o primeiro motivo nasce da consideração di­vina pela nossa fraqueza humana, a saber, enfatizar o interesse pelo conteúdo do evangelho. Assim como na última parte do No­vo Testamento, a doutrina cristã é ensinada através de um maço de cartas ou “ epístolas” interessantes, em lugar de dissertação formal (o cristianismo é a única religião que ensina mediante car­tas), aqui também os fatos básicos históricos da fé cristã são apre­sentados por meio de quatro esboços escritos em que, embora exista a orientação divina controlando tudo, não se sufocam as personalidades nem as idiossincrasias de cada um (quão diferente é Mateus de Lucas e Marcos de João!), de maneira que os quatro registros se tornam ao mesmo tempo de interesse humano para to ­dos que os lêem com o desejo de aprender; e envolventes, surpreen­dendo a todo instante os que os estudam em profundidade ou os comparam cuidadosamente.

Além disso, parece igualmente dedutível que existem quatro, em lugar de um, de modo a apresentar-nos um retrato do Cristo histórico que satisfaça mais ao nosso coração. Há algum tempo atrás visitei um amigo cuja esposa acabara de morrer. Numa mesa em sua sala havia um porta-retrato com quatro partes, adornado de cetim e ouro, contendo quatro fotos coloridas de sua mulher. Ele explicou que em conjunto elas lhe davam justamente as quatro expressões características que mais amava na esposa. Uma fo to apenas não bastava, precisava das quatro. Algumas vezes esta, e outras aquela lhe falava mais de perto, mas cada uma a seu pró­prio modo enchia sua mente de lembranças. Nós também não preferiríamos vários aspectos da vida daqueles a quem mais ama­mos em lugar de ficarmos limitados a um único?

Por que então englobar os quatro em um, como alguns tenta­ram fazer com os quatro evangelhos? (Veja nosso adendo nas cha­

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madas “ Harmonias dos Evangelhos”.) Algum de nós sonharia em cortar quatro fotografias do mesmo ente querido e tentaria depois unir os pedaços em uma nova foto, de maneira a construir o que poderíamos chamar de semelhança básica? Quão fútil seria esse gesto! Do mesmo modo, os quatro evangelhos têm cada um uma individualidade que não pode ser anulada. Leia a vida de Sócra­tes escrita por Xenofonte, um soldado. Leia a seguir o mesmo fi­lósofo da antigUidade como retratado pelo contemplativo Pla­tão. Num você verá Sócrates como um moralista prático. No ou­tro como um pensador especulativo. Seria difícil encontrar duas biografias mais contrastantes da mesma pessoa. Entretanto, ambas são fiéis a Sócrates. Qualquer delas, sem a outra, seria unilateral, enquanto pelos seus próprios contrastes as duas juntas preservam a verdadeira identidade do seu herói.

Pode parecer estranho, mas a “ harmonia” dos quatro evange­lhos é melhor apreciada quando não se destrói mas se conserva as suas diferenças. A unidade do tema, somada à sua diversidade de tratamento é que os torna tão interessantes à mente e tão sa­tisfatórios ao coração, em sua descrição do “ Jesus de Nazaré” his­tórico.

Diferença, mas ConformidadeVamos traçar agora algumas das evidências internas do desíg­

nio divino em nossos quatro evangelhos. Seu caráter mutuamente complementar tem sido com freqüência apontado. O famoso exe­geta, Bengel, compara habilidosamente os mesmos a um quarteto vocal em que as vozes, embora algumas vezes se destaquem separa­damente, unem as quatro partes para formar um todo completo e harmonioso.

Não é precioso negar que existem “diferenças” superficiais entre os quatro relatos, embora algumas delas ao primeiro olhar pareçam até divergências. Elas servem um bom propósito, pois são indicações da autoria independente e de autenticidade. Em ponto algum essas diferenças mostram-se incompatíveis com a exa­tidão histórica. Elas são variações, mas não contradições; surgindo devido à ênfase dada a diversos aspectos ou pontos de vista. De fato, após exame cuidadoso, concluímos tratar-se de nada mais do que as marcas do desígnio sobrenatural.

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Se quatro homens não inspirados tivessem escrito quatro narrativas separadas e independentes, nós certamente nos vería­mos face a face com verdadeiras contradições e incorreções inad­vertidas, mesmo dando margem para a completa sinceridade dos escritores; repetimos, se quatro relatos não inspirados tivessem si­do escritos mediante acordo {conspiração), um cuidado meticulo­so teria sido tomado para eliminar todas as variações como as en­contradas em nossos quatro evangelhos, e o resultado seria üm “perfeito imperfeito” acordo superficial que provocaria suspeitas com respeito à confiabilidade dos escritores e à realidade do gran­de Personagem descrito. Não temos na verdade razão para agrade­cer a Deus por essas coisas não terem sido deixadas à mente e von­tade do homem, sem que houvesse uma orientação?

A questão é que com a mais perfeita naturalidade, Mateus, Marcos, Lucas e João nos deram quatro apresentações únicas do Senhor Jesus, cada uma delas com sua ênfase distinta, cada uma de um ponto de vista peculiar, cada uma num sentido real, com­pleta em si mesma, todavia as quatro reunidas para formar um re­trato fiel do Deus-Homem que o Espírito da inspiração deseja colocar diante de nós.

Um Paralelo SignificativoA maioria de nós, talvez esteja familiarizada com o paralelo

que tem sido freqüentemente notado entre os quatro evangelhos e os quatro “ seres viventes” na visão introdutória do profeta Eze- quiel. Os quatro seres viventes ou querubins, são descritos como segue em Ezequiel 1:10: “ A forma de seus rostos era como o de homem: à direita os quatro tinham rosto de leão; à esquerda, rosto de boi; e também rosto de águia todos os quatro”. O leão simboliza a força suprema, a soberania; o homem, a mais alta in­teligência; o boi, serviço inferior; a águia, a esfera celestial, misté­rio, divindade.

Em Mateus vemos o Messias-Rei (o leão).Em Marcos vemos o Servo do Senhor (o boi).Em Lucas vemos o Filho do Homem (o homem).Em João vemos o Filho de Deus (a águia).Os quatro aspectos são necessários para transmitir toda a

verdade. Como soberano Ele vem para reinar e governar. Como

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Servo vem para servir e sofrer. Como Filho do Homem vem para participar e consolar. Como Filho de Deus vem para revelar e re­mir. Magnífica fusão quádrupla — soberania e humildade;humani­dade e divindade!

Alguém pode perguntar por que deveria haver esta correspon­dência entre os quatro evangelhos e os quatro serafins da visão de Ezequiel. Trata-se sem dúvida de um ponto interessante, mas será apenas uma questão de coincidência curiosa? Ou haverá nisso al­gum significado? A resposta é que existe um profundo significado que todos deveríamos notar. Veja bem, não estamos sugerindo (co­mo alguns defenderam com grande imaginação) que esses quatro “ seres viventes” fossem um tipo dos quatro evangelhos! Devemos distingüir cuidadosamente entre tipos e simples ilustrações. Um ti­po é uma figura prévia adaptada divinamente a alguma verdade a ser revelada mais tarde. Uma ilustração não possui esse intento de tipo, mas trata-se apenas de esclarecer uma coisa por meio de outra com a qual possui, acidentalmente, correspondência úteis. Quando usamos esses quatro “ seres viventes” da visão de Ezequiel (visto de novo por João em Apocalipse 4:6-8) como sendo um paralelo de Mateus, Marcos, Lucas e João, estamos simplesmente usando uma semelhança honrada pelo tempo. A obra Pulpit Commentary diz com bastante ênfase: “ A interpretação patrísti­ca que encontra nos quatro seres viventes os símbolos dos quatro evangelistas... deve ser considerada como produto de uma imagi­nação piedosa, mas não como o desvendar do significado seja de Ezequiel ou de João” .

De fato, a comparação não é tanto entre os quatro serafins e os quatro evangelistas, como entre os quatro rostos de cada sera­fim; pois cada um tinha os quatro rostos, i.e., do leão, do boi, do homem e da águia. Embora a surpreendente semelhança entre esses quatro rostos e os registros dos quatro evangelhos seja usada apenas como ilustração, continua sendo verdade que existe um sig­nificado simples e profundo nela, como segue.

Esses quatro serafins na visão de Ezequiel são, de todos os seres criados, os mais próximos do trono de Deus e devemos com­preender que eles expressam, portanto, mais exatamente a seme­lhança da natureza divina.

Os quatro rostos de cada serafim e todas as demais caracterís­ticas simbólicas têm como propósito manifestar-nos o ser divino e

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seus atributos. O ponto mais destacado e surpreendente é a revela­ção da natureza morai de Deus dada pelos quatro rostos. Um deles corresponde ao leão — o que é facilmente compreensível. Existe porém outro que corresponde ao boi — cujo fato nos surpreende, pois o boi é o símbolo do trabalho servil. Outro ainda correspon­de ao homem, i.e., maior inteligência, razão, emoção, vontade, co­nhecimento, amor, simpatia, compreensão. Por último, o que cor­responde à águia, a maior de todas as criaturas nos céus naturais, solitária, transcendente e misteriosa.

Era portanto inevitável que quando o próprio Filho de Deus tornou-se carne, essas mesmas quatro qualidades ou característi­cas reaparecessem; pois como poderia ser de outro modo? Era pre­ciso que ELE manifestasse a natureza moral da divindade mais cla­ramente ainda do que aqueles serafins irrepreensíveis, gloriosos, os mais sublimes de todos os seres criados, poderiam expressá-la. Nos­so Senhor Jesus Cristo ê na verdade a natureza divina encarnada. “O Verbo se fez carne e habitou entre nós.” Esta revelação quá­drupla representada pelo leão, o boi, o homem, e a águia, volta a expressar-se em Mateus, Marcos, Lucas e João. Mas a sua nova ex­pressão, de modo que cada um dos quatro evangelistas indiscuti­velmente (mas talvez sem suspeitar) destaque um dos quatro as­pectos, a fim de que os quatro aspectos e os quatro registros cor­respondam respectivamente, é uma dessas obras artísticas do de­sígnio divino nas Escrituras que podemos somente admirar.

Ao tocar nesta formação dos quatro evangelhos — leão-boi- homem-águia — achamos difícil conter uma pena entusiasta, im­pedindo que se alongue em detalhes que excedam os limites im­postos a este artigo de estudo, e só podemos esperar escrever mais a respeito em outro lugar. Queremos, entretanto, pelo menos con­vencer aqueles para quem essas coisas sejam relativamente novas que da maneira mais abundante e conclusiva os traços interiores e provas deste padrão quádruplo são inerentes através de todas as narrativas dos evangelhos. Eles são propositais e não apenas deco­rativos. Seu intento é fazer com que vejamos um Cristo magnífico que combina e expressa o que os quatro serafins da visão de Eze- quiel representavam simbolicamente.

Não resta dúvida que se trata do “ leão” em Mateus, do “ boi” em Marcos, do “ homem” em Lucas, da “ águia” em João. Afirma­mos isto ainda mais deliberadamente por existirem alguns que ten­

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taram arranjar a correspondência de outro modo. Não dev^nos também surpreender-nos por terem sido feitas tentativas para ob­ter outros paralelos, pois como aconteceu com aqueles serafins bri­lhantes e rodas terríveis da visão de Ezequiel — “ todos tinha a mesma semelhança” e “ cada ser tinha duas asas, unidas uma à do ou tro ” — o mesmo ocorre com os quatro evangelhos: em meio à sua marcada diversidade, todos eles retratam “ uma semelhança” , a mesma Pessoa magnificente, e em todas as suas páginas suas “ asas são unidas uma à do ou tro ” . (Mas veja nosso adendo sobre os quatro evangelhos e a visão de Ezequiel.)

MateusSó quando seguimos as ênfases características é que vemos

o verdadeiro parálelo. O leão era o emblema da tribo de Judá, a tribo real, a tribo em que corria a dinastia davídica. Em Mateus, nosso Senhor é singularmente “ o Leão da tribo de Judá, “ a raiz de Davi,” o “ Rei e o Legislador” . A primeira sentença oferece ime­diatamente a chave: “ Livro da genealogia de Jesus Cristo, filho de D AVI, filh o de A BR AÃ O ” . Esse começo é peculiar a Mateus, as­sim como a genealogia que Se segue imediatamente, na qual a des­cendência humana do Senhor é traçada até Abraão através de Davi. Marcos não contém essa genealogia. Lucas remonta diretamente a Adão. João avança para a eternidade. Cada um tem um início peculiar e de acordo com a ênfase especial mantida a partir desse ponto até o final. Todos os expositores concordam que Mateus é o evangelho em que, como nenhum outro, o Senhor se oferece aos judeus como o seu Messias-Rei, realizando seus milagres messiâni­cos como credenciais, e proferindo as “ leis” e “ mistérios” do rei­no (como no Sermão do Monte, e nas parábolas do reino do capí­tu lo 13). Se o espaço permitisse, pesquisar nesse sentido seria fas­cinante e convincente.

MarcosO boi é o emblema do trabalho servil. Em especial entre os

antigos habitantes do oriente, ele representava o trabalho paciente e produtivo. Todos os estudiosos dos evangelhos notaram que Mar­cos é essencialmente o “ evangelho da ação” (como alguns o têm

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chamado). Não fo i prefixada uma genealogia e ele contém apenas breves trechos dos discursos do Senhor, se é que são apresentados (o que justifica o fato da história de Marcos ser a mais curta das quatro). A ênfase do livro todo se concentra num Cristo ativo, um Servo forte mas humilde; e o termo característico (que ocorre 43 vezes no grego) é “ imediatamente” .

LucasVemos com perfeição em Lucas o “ rosto de homem” . Sua so­

berania ou divindade não é obscurecida, nem há qualquer interfe­rência com sua humanidade; todavia, de alguma forma, com traços geniais e sem qualquer artifíc io , Lucas destacou tanto sua belíssi­ma masculinidade como suas simpatias humanas de maneira indis­cutivelmente peculiar ao terceiro evangelho. Ele começa com to ­ques humanos notáveis, falando a respeito dos pais e do nasci­mento dessa criança prodígio, “ João Batista” (Mateus, Marcos e João não incluem esses detalhes). A seguir ele narra o nascimento de Jesus, contando a viagem a Belém antes desse acontecimento e sua vinda ao mundo no estábulo, por não haver lugar na katalu- ma (estalagem) onde ficavam os viajantes; e em vez de levar os sá­bios do oriente a Jerusalém inquirindo “ Onde está o recém-nasci­do Rei7, conta como os anjos cantaram para os pastores da região: “ Hoje vos nasceu um Salvador”. Depois disso ele nos diz como em sua infância Jesus fo i apresentado no templo; como aos doze anos passou a Páscoa em Jerusalém com os pais; como continuou com eles como Filho obediente; e como “ crescia em sabedoria, estatu­ra e graça, diante de Deus e dos homens” .

Tudo isto só se encontra em Lucas. Ele era médico e talvez Maria sentisse que podia falar-lhe com menos reserva sobre o nas­cimento e infância do Senhor. Só na última metade do capítu lo 3 é que Lucas nos dá uma genealogia. Entretanto, tendo retrocedido por um caminho diferente até Davi (i.e., através dos ancestrais de Maria), e unindo-se nesse ponto à linhagem principal que remonta­va a Abraão, ele retrocede até Adão, o primeiro homem. Se o es­paço permitisse, seria interessante mostrar como todos esses as­pectos introdutórios são selecionados de conformidade com a ênfase principal da história inteira escrita por Lucas.

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JoãoEm João tudo também se conforma a um padrão e propó­

sito especiais. Ninguém poderia sequer sugerir que qualquer dos quatro evangelistas tivesse em mente os quatro querubins da vi­são de Ezequiel quando traçou o esboço do Senhor JESUS; to­davia, aqui em João novamente e de modo indiscutível como nos outros três, existe a correspondência de aspecto, desta vez com a águia.

Não encontramos no prólogo de João genealogia humana, mas em alguns golpes profundos da pena ele nos leva a píncaros mais elevados e sublimes do que qualquer dos outros evangelhos. Qual a importância da simples antigüidade humana na terral Pa­ra começar, com este Cristo magnífico você deve projetar-se pa­ra além da primeira alvorada no tempo, para a eternidade! Antes do mundo ter começado, o Verbo já existia. “ No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus... Todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e sem ele nada do que fo i fe ito se fez. A vida estava nele, e a vida era a luz dos homens.”

Ele não é apenas o “ Filho de Davi,” ou o “ Filho de Abraão” , ou o “ Filho de Adão” — Ele é o Fiiho de Deus. Ele é o VERBO, e portanto co-eterno com a MENTE eterna. Mas para que não seja de modo algum considerado como impessoal, Ele é também o FILHO, e portanto co-pessoal com o PAI. Não obstante, embora seja co-eterno e co-pessoal com o Pai, Ele não é pessoalmente idêntico ao Pai: absolutamente, como Verbo estava "com Deus,” e como Filho está “no seio do Pai” . Isto também não é tudo: pois, a fim de que não seja julgado essencialmente subordinado ao Pai— como uma palavra ao pensamento, ou um filho ao pai — Ele é também a V ID A e a LUZ. Ele não transmite simplesmente a vida ou refiete a luz — mas “ é” a vida, e “ é” a luz. A vida está “ nEie”, A luz tem origem nEie.

Neste curto preâmbulo, João O descreveu como o VERBO, a LUZ, a V ID A e o FILHO. Não é então preciso dizer que é este o aspecto de Cristo que nitidamente se repete através de todo o quarto evangelho. Tudo é adaptado de modo a salientar a revela­ção da luz, vida e amor divinos através dEle, que, desde o início, é chamado de VERBO. Como “ Luz” Ele revela. Como “ F ilho” redime. Como “ V ida” renova. A humanidade não é obscurecida,✓ ' mas a ênfase está na Divindade. E o aspecto de “ águia” .

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Apelo e Perspectiva Quádruplos

Existem igualmente outros significados no número, na or­dem e nas ênfases discriminatórias desses quatro evangelhos.

O número quatro nas Escrituras é de modo peculiar o nú­mero da terra e da raça humana que ocupa a terra. Quatro é o número do homem como criatura, do mesmo modo que seis é o número do homem em sua condição de pecador. Toda a nos­sa vida terrena parece ser envolvida e condicionada por ele. Bas­ta pensar nos quatro pontos cardeais — norte, sul, leste, oeste; nas quatro dimensões — largura, comprimento, profundidade, altura; nas quatro estações do ano — primavera, verão, outono, inverno; as quatro partes do dia — manhã, meio-dia, tarde, noi­te (escuridão); quatro compostos abrangentes dos elementos materiais — terra, ar, fogo, água; os quatro membros que consti­tuem a fam ília humana — pai, mãe, filho , filha; as quatro fases lunares que dividem o calendário em meses.

Bem no começo, no primeiro livro da Bíblia, por três vezes no capítulo dez de Gênesis, as “ gerações dos filhos de Noé” que repovoaram a terra, são divididas pelo número quatro em “ fam í­lias” , “ línguas” , “ países” e “ nações” (versos 5, 20, 31). No úl­timo livro da Bíblia, quando a história da humanidade chega ao fim , existem nada menos do que sete descrições similares da ra­ça (Ap 5.9; 7.9; 10.2, 11.9; 13.7; 14.6; 17.15). Tanto em Gêne­sis como em Apocalipse a ordem varia nos diferentes versos, mas o número é invariavelmente quatro.

Quando Deus fez a aliança com Noé e “ todos os seres viven­tes de toda carne” de que não mais haveria um “ dilúvio para des­tru ir toda carne” , Ele deu o arco-íris como sinal de aliança. Depois disso o arco-íris sempre representou o acordo de Deus com suas criaturas na terra. Quando Ezequiel teve sua visão dos quatro “ seres viventes” , ele também viu um arco-íris rodeando o trono celestial, o que simbolizou imediatamente a fidelidade da alian­ça de Deus com a terra; e as quatro faces dos serafins, além de expressar algo da natureza moral divina, também representavam todas as criaturas vivas da terra na aliança. O leão representan­do as feras selvagens da terra, o boi os animais domésticos, a águia as aves, e o homem a fam ília humana.

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Muito mais poderia ser naturalmente acrescentado sobre o número quatro na natureza e nas Escrituras, mas já fo i d ito o su­ficiente para mostrar que ele tem referência especial ao que é ter­reno e temporal, à matéria e ao homem.

De maneira peculiar os quatro evangelhos estão ligados à ter­ra e abrangem a raça. Como veremos, Mateus escreve tendo a men­talidade hebraica como primeira referência. Isto talvez já tenha si­do percebido pelas suas repetidas referências ao Velho Testamen­to. Marcos, companheiro de viagem de Pedro, escreve com princi­pal aplicação à mentalidade romana, apresentando o Senhor mais pronunciadamente como o poderoso operador de milagres. Lucas, o médico-viajante de Paulo, adapta sua abordagem com igual pro­priedade à mentalidade grega, salientando a varonilidade incompa­rável do Amigo e Salvador de pecadores. João, cujos escritos ocu­pam um lugar único, por serem tanto uma interpretação como um registro, e compostos praticamente uma geração depois dos outros, escreve mais especialmente para a Igreja, a fim de enfatizar a divin­dade absoluta do Senhor Jesus, mas também para mostrar à toda humanidade, sem distinção racial, a revelação da “ graça e verdade” divina através do “ Verbo” que se “ fez carne” . Foi muito bem observado que esses três povos antigos — os judeus, gregos e roma­nos — representam como nenhum outro, os tipos humanos que persistem através de toda a nossa história racial. Eles representam a religião, cultura e administração (especialmente legal e comer­cial). Os três primeiros evangelhos falaram então com particular propriedade a esses três e continuam faiando, completados e co­roados por João com seu “ Verbo” divino para todo o mundo.

Mateus claramente vem primeiro, logo no começo do Novo Testamento, pois ele liga os dois Testamentos, mostrando os cum­primentos das predições do Velho Testamento e o preparo para a vinda de Cristo fe ito pelo precursor prometido, João Batista, as­sim como a oferta do há muito prometido “ reino dos céus” pelo Mestre da Galiléia, operador de milagres e prodígios. João deve também vir necessariamente em úitimo lugar, com sua revisão, suplementação e interpretação finais, depois dos três sinóticos te­rem desde há m uito abandonado suas penas, e os registros do Je­sus histórico serem bem conhecidos.

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Os Sinóticos e João

Isto nos leva a mencionar outro aspecto óbvio dos quatro evangelhos, a saber, que Mateus, Marcos e Lucas cobrem quase o mesmo terreno, enquanto o registro de João, além de ter sido es­crito consideravelmente mais tarde do que os demais, trata em sua maior parte de matéria não mencionada por eles. Este evan­gelho acha-se isolado tanto no tempo como no caráter dos outros três. Existe um relacionamento contrastante entre eles, como es­tabelecido abaixo:

SINÓTICOS JOÃO

Fatos externos da vida do Fatos internos da vida doSenhor. Senhor.

Aspectos humanos da vida Aspectos divinos da vidado Senhor. do Senhor.

Os discursos públicos Os discursos particulares(em geral). (em geral).

O ministério na Galiléia O ministério na Judéia(em especial). (em especial).

Adaptação Seletiva

Dessa forma, (embora não exclusivamente) Mateus escreve principalmente para o Judeu, Marcos para o Romano, Lucas para o Grego, João para a Igreja. Com esta distinção quádrupla em mente, vejamos alguns exemplos que mostram um princípio de seleção e adaptação que se desenvolve através deles.

Mateus, como dissemos, escreve primariamente para o ju ­deu. Qual é o primeiro milagre em Mateus? A cura do leproso. Pa­ra o judeu as doenças do corpo possuíam um significado simbóli­co. A lepra, a mais terrível e medonha das doenças, servia de com­paração viva para o horror do pecado e do juízo divino. Não havia cura para a lepra e tocar ou mesmo aproximar-se de um leproso

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significava contaminação cerimonial assim como correr o risco de contágio. “ Eis aqui a inspiração,” diz Joseph Parker; “ mal Jesus descera a montanha onde estivera ensinando a multidão quando se aproximou um leproso. Como os olhos dos judeus se arregalam de espanto! A lepra fo i sempre um sério assunto para eles atra­vés das eras. Mateus, portanto, imediatamente coloca o novo Mes­tre em contato com um leproso. O gênio inspirado também não pára nesse ponto: Mateus continua: ‘E Jesus, estendendo a mão’ — veja a sua engenhosidade — ‘tocou-lhe’ — o milagre jamais visto, impossível! Nada poderia ter chamado tanto a atenção dos judeus. Cristo poderia ter sido o príncipe dos necromantes e realizado muitos feitos maravilhosos, e o judeu não atentaria para nenhum deles; mas dizer aos judeus que esse Homem se aproximara de um leproso, tocara o mesmç e o curara, depois mandando-o embora limpo, era outra coisa! O, o poder do gênio, o toque de mestre, a sabedoria de Deus!”

Qual é o primeiro milagre em Lucas? Não é a cura da lepra. Lucas escreveu especialmente para os gentios, e a lepra não repre­sentava para os gentios o mesmo que para os judeus. O grande te­ma dos gentios e principalmente da especulação grega era a demo- nologia, a adoração de demônios, a possessão demoníaca e como livrar-se do demônio. Os gregos se interessavam por todos os as­pectos da demonologia. Esse era o tema favorito. Lucas diz praticamente: “ Vejam, vou contar-lhes tudo sobre isso. Este Ho­mem maravilhoso expulsa o demônio! Este esplêndido ‘reino de Deus’ esmaga o reino do diabo!” Foi este então o primeiro mila­gre de Lucas: “ Achava-se na sinagoga um homem possesso de es­p írito de demônio imundo, e bradou em alta voz... Mas Jesus o repreendeu, dizendo: Cala-te, e sai desse homem. O demônio, de­pois de o ter lançado por terra no meio de todos, saiu dele sem lhe fazer mal. Todos ficaram grandemente admirados e comentavam entre si, dizendo: Que palavra é esta, pois, com autoridade e poder ordena aos espíritos imundos, e eles saem? (Lc 4.33-36).

Variação Característica

Este gênio de seleção e apresentação não pertence de forma alguma apenas ao primeiro milagre escolhido por cada escritor. Ele caracteriza os quatro registros em seu todo.

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Ao ler a acusação de Cristo contra os escribas e fariseus, regis­trada por Mateus, encontramos as palavras: “ A i de vós, escribas e fariseus, hipócritas! porque dais o dízimo da hortelã, do endro e do cominho, e tendes negligenciado os preceitos mais importantes da lei, a justiça, a misericórdia e a fé ” (M t 23.23). Mateus escrevia para leitores judeus. Os gentios não teriam entendido o assunto da mesma forma que os judeus. A “ le i” ? Que lei? Lei âequeml Mas os judeus sabiam muito bem!

Vejamos agora Lucas, que escreve para um público gentio: “ Mas ai de vós, fariseus! porque dais o dízimo da hortelã, da arru^ da e de todas as hortaliças, e desprezais a justiça e o amor de Deus” (Lc 11.42). Esta linguagem é imediatamente compreendi­da pela audiência não-judaica que Lucas tinha em mente. Ele dá a substância da Lei, sem empregar a nomenclatura dos judeus.

Mateus registra outra vez: “ A i de vós, escribas e fariseus, hi­pócritas! porque sois semelhantes aos sepulcros caiados, que por fora se mostram belos, mas interiormente estão cheios de ossos de mortos, e de toda imundícia” . Linguagem mordaz! — dirigida espe­cialmente aos ouvidos judeus. O que os gentios sabiam a respeito de “ sepulcros caiados” ? Não havia esse termo em seu vocabulário. Mas o judeu o conhecia! Se um judeu passasse por um túm ulo to r­nava-se contaminado cerimonialmente. Se andasse sobre ele sem saber que se tratava de uma sepultura, mesmo assim ele ficava con­taminado, tendo de submeter-se às inconveniências das cerimônias de purificação prescritas. Os judeus recorriam, então, à prática de caiar os sepulcros a fim de que estes pudessem ser vistos claramen­te por todos, sendo mantidos à distância exigida!

Vejamos agora como Lucas fala: “ A i de vós! que sois como as sepulturas invisíveis, sobre as quais os homens passam sem o sa­ber” Não há nada local nem judaico aqui. A referência é colocada de forma geral e universal. Lucas faz sua narrativa para um grupo muito diferente daquele a que Mateus se dirige. Esses são apenas dois exemplos que representam muitos outros.

Discriminação Característica

Qual o tema da pregação de Jesus? Segundo Mateus é “ o rei­no dos céus” . Segundo Lucas é “ o reino de Deus” . Não existe se-

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leção inspirada aqui? A expressão “ reino de Deus” tinha seu lado ameaçador para a mente judaica. Ela ocorre nos escritos de Ma­teus apenas três ou quatro vezes. A linguagem hebraica não pos­suía superlativos. Para expressá-lo usavam a palavra “ Deus” . O que deve ser descrito? Será aquela cidade magnífica e de excelsa gran­deza? A língua hebraica a chama então de “ cidade de Deus” . São os cedros incomparáveis do Líbano. O hebraico lhes dá o nome de “ cedros de Deus” . Se Mateus tivesse utilizado a expressão “ reino de Deus, o judeu poderia ter caído em seu erro favorito, pensan­do no reino apenas em seus aspectos exteriores, como um reino visível de magnificência, esplendor e riqueza material superlativas— para eles! “ Era justamente isto que estávamos esperando” , te­riam dito.

Por outro lado, o que significa o “ reino dos céus” para o gentio? Trata-se de algo que soa vago e irreal para ele. Lucas dá- lhe então um nome diferente. Este reino proclamado por Jesus é “ o reino de Deus” . Isso não surpreende? “ O reino de Deus” , veja bem — em nada ligado às divindades desprezíveis e triviais do paganismo politeísta, mas o reino do verdadeiro Deus-Criador. Lucas viveu numa época em que milhares de homens e mulheres desiludidos estavam se afastando das irrealidades e tolices do po­liteísmo grego e romano, a fim de buscar a verdadeira Realidade. Foi este afastamento que deu lugar ao crescente proselitismo na fé judaica. Anunciar este “ reino de Deus” era estratégia inspirada! Esta era a palavra necessária para o gentio.

Um Problema de Inspiração

Esta variação de linguagem nos quatro “ evangelhos” cria para alguns um “ problema” de inspiração; mas, não se trata porventura de uma evidência de inspiração? Vamos ouvir novamente Joseph Parker: “ O formalista diz: “ Veja, Mateus diz uma coisa e Lucas outra, todavia ambos afirmam estar relatando o mesmo discurso. É verdade, mas não fonograficamente: eles registram o âmago das coisas, interpretando o coração de Cristo. Por que os homens não aceitam a interpretação mais ampla, a construção mais nobre, veri­ficando como as palavras podem ser insignificantes e embaraço­sas quando empregadas para manifestar o in fin ito , o espiritual e o divino?

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Alguns não se satisfarão, porém, com a explicação de Joseph Parker. Eles objetarão: “ Essa afirmativa pode ter um certo apelo espiritual, mas não atinge o problema literal neste ponto. Se, por exemplo, ao acusar os escribas e fariseus, Cristo tivesse empregado os termos do relato de Mateus, então as variações no registro de Lucas não podem ser uma descrição exata; como então Lucas po­derá dizer verdadeiramente que foram essas as palavras de Cristo?”

A resposta é cristalina. Um exame das duas passagens em pau­ta mostra que elas não estão ligadas à mesma ocasião. Ambas se acham cronologica e circunstancialmente separadas. Uma delas ocorreu durante a última visita do Senhor a Jerusalém e a outra, antes desse evento. Mateus apresenta a acusação completa e final dos escribas e fariseus por parte de Jesus. Quem pode dizer que não existiram explosões de indignação anteriores e mais curtas, embora não fossem expressas de maneira verbalmente idêntica? A genialidade dos dois escritores é vista em sua seleção sobre o que relatar. Cada um escolhe o que contribui mais positivamente pa­ra o ponto de vista e propósito do seu tratado.

Uma Questão de Linguagem

Este assunto dos discursos registrados de Jesus também envol­ve a complexa questão da língua ou dialeto em que falava. Não existe agora dúvida de que na época de Cristo a população da Pa­lestina era na sua maior parte bilingüe, sendo o aramaico de maior uso. Essa língua, embora chamada de hebraico no Novo Testamen­to e escritos de Josefo, e sendo semelhante a ele, é na verdade uma língua diferente do hebraico do Velho Testamento; possuindo suas próprias peculiaridades e tendo sido submetida a um desenvolvi­mento de vários séculos na Palestina. O grego era a outra língua em uso — não o grego em sua forma pura ática ou clássica, mas um vernáculo enriquecido por uma combinação de termos e expres­sões idiomáticas hebraicos e aramaicos. O aramaico era a língua geralmente falada pela população rural ou “ povo comum” da Pa­lestina. Em Jerusalém e cidades maiores, os chefes e sacerdotes, as classes ocultas e os comerciantes falavam geralmente o grego.

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O Ministério do Senhor — Provavelmente BilingüePelo fato da população da Palestina nos dias de Cristo ter sido

em grande parte bilingüe, segue-se quase necessariamente que o Se­nhor falava em ambas as línguas. Vemos que Ele falava aigumas vezes em aramaico pelas suas palavras nessa língua nos terem sido retidas em alguns pontos: “ Talita cum i” (Mc 5.41); “ Eli, Eli, le- má sabactâni” (M t 27.46). Na capital, especialmente ao dirigir-se aos chefes judeus, o Senhor Jesus usaria mais o grego. Que Ele falava grego é indicado na pergunta que os judeus fizeram entre si depois de Jesus dizer que eles haveriam de procurá-lo, mas não o encontrariam: “ Disseram, pois, os judeus uns aos outros: Para onde irá este que não o possamos achar? irá, porventura, para a Dispersão (judeus) entre os gregos com o fim de os (gregos) ensi­nar?" (Jo 7.34). Se não estivessem acostumados a ouvir Jesus fa­lar em grego, tal pergunta não seria feita.

Não faz parte de nosso propósito discutir esta questão. Refe­rimo-nos simplesmente a ela aqui (juntamente com o fato de o Senhor ter provavelmente pronunciado partes diferentes de seu ensino em mais de uma ocasião — com fraseologia diversa e talvez em duas línguas) para mostrar que existe uma base satisfatória em que as variações nos discursos registrados de Cristo podem ser ex­plicadas de modo a manter os conceitos mais estritos de inspira­ção. Os quatro escritores nos deram quatro relatos verdadeiros, embora haja este processo de discriminação, seleção e apresenta­ção, que dá a cada um dos quatro evangelhos sua ênfase peculiar.

Finais Característicos

É interessante notar também a maneira característica em que cada um dos quatro registros termina, e o progresso de pensamen­to que eles apresentam quando tomados em conjunto. Mateus fina­liza com a ressurreição do Senhor. Marcos avança e termina com sua Ascensão. Lucas se adianta ainda mais e encerra com a promes­sa do Espírito. João completa os quatro, terminando com a pro­messa do segundo advento. Quão apropriado é que Mateus, o Evangelho do poderoso Messias-Rei, termine com o ato esplêndi­do de sua ressurreição, a prova culminante de seu caráter messiâ­nico e poder divino! Quão perfeitamente adequado é que Marcos,

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o Evangelho do Servo humilde, se encerre com o Servo exaltado ao lugar de honra! Como soa belo e harmonioso o final de Lucas, o evangelho do Homem ideal, de coração compassivo, ao lermos sobre a promessa do poder que viria do alto! Que conclusão apro­priada vemos no fato de João, o Evangelho do Filho Divino, escri­to especialmente para a igreja, terminar com a promessa acerca da sua volta, feita pelo próprio Senhor ressurreto. O propósito con­junto evidenciado pelos quatro “ Evangelhos faz deles uma obra­prima de variedade na unidade.

* * *

E AGORA, TESTE SEUS CONHECIMENTOS

1. Em sua opinião, qual a idéia dominante do Novo Testamen­to em relação ao Velho? Cite textos.

2. Quais as quatro maneiras em que o Velho Testamento parece incompleto? Como Cristo o completa?

3. Por que podemos chamar os quatro evangelhos de o ponto crucial da Bíblia?

4. Os grupos de livros no Novo Testamento são cinco, nove, quatro e nove: quais são eles e qual a principal característica de cada grupo?

5. Que correspondências existem entre os primeiros e últimos livros dos dois grupos de nove?

6. Você diria que os quatro evangelhos estão em sua ordem verdadeira? Caso positivo, dê uma razão principal para a sua afirmação.

7. Que ordem tríp lice encontramos nas epístolas do Novo Tes­tamento e seus três principais escritores?

8. Você pode dar razões para haver quatro evangelhos e não apenas um?

9. De que forma os quatro evangelhos fazem paralelo com os querubins na visão de Ezequiel, e por quêl

10. Você pode indicar quatro maneiras em q u e os Sinóticos con­

trastam com João?

11. Dê exemplos de adaptação seletiva em Mateus e Lucas.12. Como você justifica algumas das diferenças verbais entre os

relatos de Mateus e os de Lucas?

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Os Quatro Querubins e os Quatro Evangelhos

Repetimos e enfatizamos que a notável correspondência entre os quatro querubins da primeira visão de Ezequiel e os quatro evangelhos não sanciona a idéia fantasiosa de que os primeiros eram um tipo dos últimos. A verdadeira explicação da correspondência é aquela dada em nosso artigo sobre “Os Qua­tro Evangelhos em Conjunto” (Lição número 7). Esses serafins santos expressam simbolicamente os quatro aspectos sociais bá­sicos da natureza divina; sendo então inevitável que os mesmos quatro aspectos novamente se manifestassem visivelmente quan­do o próprio Filho de Deus tornou-se encarnado — como acontece nas ênfases características dos quatro evangelhos. «

Vários expositores, no entanto, tanto antigos como moder­nos, asseveram que os quatro “ seres viventes” foram na verdade planejados como tipos dos quatro evangelhos em sua apresentação do Senhor, quanto ao aspecto. Mas considerá-los como sendo real­mente tipos dá margem a muita fantasia. Grocio considerou-os como tipos dos quatro apóstolos — Pedro (o leão), Tiago (o boi), Mateus (o homem), Paulo (a águia). Outros os viram como tipos de quatro igrejas patriarcais — Jerusalém, pela sua constância (o leão); Antioquia, pronta a obedecer às ordens dos apóstolos (o boi); Ale­xandria, famosa pela sua erudição (o homem); Constantinopla, no­tada pelos seus homens de elevada contemplação (a águia).

Outros ainda os viram como tipos dos quatro poderes motiva­dores da alma humana — razão, ira, desejo, consciência; e outros, como os quatro elementos — terra, ar, fogo, água; outros, as qua­tro ordens na igreja — pastoral, diaconato, doutrinária, contempla­tiva; para não mencionar outros ainda! Diríamos, nas palavras de Paulo a Timóteo: “ Foge também destes” ! Uma licença assim ima­ginosa é um descrédito para a verdadeira tipologia bíblica.

Todavia, o que desejamos estabelecer aqui é que nos parale­los não-tipológicos, mas significativos, entre os quatro “ seres vi­ventes” de Ezequiel e os quatro evangelhos as verdadeiras justapo­sições são aquelas que mostramos, i.e., o aspecto de leão em Ma­teus, o de boi em Marcos, de homem em Lucas, de águia em João.

Desviar-se disto e adotar ajustes forçados é trocar a evidência pela fantasia. Para dar um só exemplo, a interpretação da igreja

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católica romana é a seguinte: “ São Mateus é comparado ao homem por começar com a genealogia de Cristo, pois Ele é homem; São Marcos ao leão, pelo fato de iniciar com a pregação de João Batis­ta, porque ele fo i como o rugir do leão no deserto; São Lucas ao bezerro, porque ele começou com um sacerdote do Velho Testa­mento, (a saber, Zacarias, o pai de João Batista), cujo sacerdócio sacrificava bezerros ao Senhor; São João a uma águia, por ter in i­ciado com a divindade de Cristo, voando até essa altura, desde que mais alto é imposs/vel” .

Existe algo mais in fantil do que isto? Se fossem essas as úni­cas semelhanças entre os rostos dos serafins e os aspectos dos evan­gelhos, seria melhor não dizer nada sobre elas!

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O EVANGELHO SEGUNDO MATEUS (1)

Lição nQ 8

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Cristo veio, a Luz do mundo. Muitas eras podem passar ain­da antes que seus raios tenham reduzido o mundo à ordem e bele­za, e revestido a humanidade de luz, como uma veste. Mas Ele veio: o Revelador das armadilhas e abismos que se ocultam na es­curidão, o que repreende os predadores perversos que andam na noite, Aquele que acalma os ventos bravios da paixão: o Aviva- dor de tudo que é íntegro, Aquele que enfeita tudo que é belo, o Reconciliador das contradições, Aquele que harmoniza as dis­córdias, o Curador dos males, o Salvador do pecado. Ele veio: a Tocha da verdade, a Ancora da esperança, o Pilar da fé, a Rocha que dá força, o Refúgio que oferece segurança, a Fonte de frescor, a Vinha da alegria, a Rosa da beleza, o Cordeiro da ternura, o Am i­go e conselheiro, o Irmão que dá amor. Jesus Cristo andou pelo mundo. As marcas dos passos divinos jamais serão apagadas. E as pegadas divinas eram de Alguém que é Homem. O exemplo de Cris­to é tal que pode ser seguido pelos homens. Avante! Até que a humanidade passe a usar a sua imagem. Avante! em direção ao cu­me onde não se acha um anjo, nem um espírito incorpóreo ou um abstrato de virtudes ideais ou inatingíveis, mas O HOMEM JESUS CRISTO.

— Peter Bayne: The Testimony o f Christ to Christianity.

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O EVANGELHO SEGUNDO MATEUS (1)

O primeiro livro do Novo Testamento se abre à nossa frente— o Evangelho segundo Mateus. Os que o conhecem melhor o louvam mais. Dizer que se trata de uma obra-prima de gênio hu­mano, combinado com supervenção divina não seria um elogio indulgente, como tentaremos mostrar, embora em um ritmo necessariamente lim itado.

Qual seria a abordagem certa? Deveríamos primeiro exami­nar as últimas discussões sobre sua autoria, ou reunir todas as in­formações disponíveis sobre o próprio Mateus? Não. A primeira coisa (como deve ser fe ito com todos os outros oráculos), é lê-lo como se nos apresenta, até que estejamos perfeitamente fam ilia­rizados com o seu conteúdo. Mesmo numa primeira leitura, espe­cialmente se fo r lido inteiro de uma só vez, ele fornecerá muita informação; mas se o lermos três, quatro, sete, o ito ou uma dú­zia de vezes, irá tornar-se mais revelador e compensador a cada lei­tura. Isso acontece com todas as partes das Sagradas Escrituras, porque por trás dos escritores humanos encontra-se a atividade orientadora do Espírito divino.

Se supusermos então que cada um de nós leu várias vezes o livro de Mateus, podemos estabelecer nossas descobertas prelim i­nares e prosseguir para um estudo mais profundo. A'cada leitura o método e a mensagem se evidenciaram mais claramente para nós. Um aspecto que naturalmente chamou nossa atenção fo i a linha geográfica divisória no início do capítulo dezenove:

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“ E aconteceu que, concluindo Jesus estas palavras deixou aGaliléia e fo i para o territó rio da Judéia, além do Jordão.”

Até esse ponto Mateus dedicou-se ao ministério do Senhor na Galiléia, mas depois disso ele descreve o seu apogeu em Jerusalém. Essa “ divisão” imediatamente remonta ao capítulo 4.12, onde sua única outra ocorrência em Mateus marca o início do ministério na Galiléia:

“ Ouvindo, porém, Jesus que João fora preso, retirou-se paraa Galiléia.”

Vamos marcar esses dois pontos “ divisórios” cuidadosamen­te, como a primeira indicação do plano básico de Mateus:

RETIROU-SE PARA A G A LILÉ IA (4.12).DEIXOU A G A LILÉ IA (19.1).

Até o primeiro deles (4.12) tudo é in trodutório — e ocor­re na Judéia. Depois do segundo (19.1) tudo é culminância — de volta novamente à Judéia. Entre os dois acha-se o ministério na Galiléia, que ocupa a maior parte do livro.

Em ambos os casos, Mateus usa a linha demarcatória com tão notável deliberação que certamente parece indicar assim seu plano principal de tratamento. Note 4.12 outra vez: “ Ouvindo, porém, Jesus que João fora preso, retirou-se para a Galiléia” . Foi uma es­colha deliberada da Galiléia em vista de circunstâncias significati­vas. O silenciar da voz do precursor anunciara solenemente que a voz do Rei iria fazer-se ouvir agora em público: mas existia em Je­rusalém uma hostilidade desfavorável que ameaçava impedir a mensagem e o ministério predestinados do Rei. O sinal fora dado— a escolha era deliberada: “Retirou-se para a Galiléia” .

Vejamos de novo 19.1: “ E aconteceu que, concluindo Jesus estas palavras, deixou a Galiléia” . Observe que fo i ao “ conclu ir” que Jesus cruzou novamente a linha divisória. Não se tratava de haver qualquer hostilidade perigosa na Galiléia. Havia ainda peri­go na Judéia e Jesus poderia ter-se demorado na Galiléia; mas, não, Ele havia “ concluido” suas palavras e obras pré-designadas na Galiléia e chegara a hora para sua apresentação decisiva em Je-

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rusalém. Assim sendo, com deliberação igualmente notável, "Dei­xou a Galiléia".

E útil, então, ver como e por que Mateus marca tão clara­mente os atos de “ entrar” e “ sair” da Galiléia, pois isso faz com que tenhamos em mente que todo o ministério na Galiléia fo i na realidade uma espécie de desvio. O objetivo do Senhor era Jerusa­lém, mas as circunstâncias tornaram impossível uma aproxima­ção imediata e o desvio na Galiléia veio a ser uma estratégia ne­cessária.

No momento em que este arranjo duplo se destaca, estamos preparados para uma nova exploração. Além disso, o padrão come­ça agora a evidenciar-se com fascinante regularidade e progresso. Trace os agrupamentos e movimentos na parte um.

O Ministério na Galiléia (4.12 até cap. 18)

Mateus é mais impressionista que detalhista. Ele não entra em minúcias nas suas descrições como fazem Marcos e Lucas. Ele pin­ta com um pincel mais largo. Sua estratégia é apresentar agrupa­mentos significativos das palavras e obras do Senhor; dos impactos causados por Ele; e das reações provocadas. Você e eu devemos perceber o vivo significado desses agrupamentos impressionistas e observar as linhas maiores e mais marcadas do quadro. Assim, Mateus é a preparação perfeita para os outros três evangelhos.

Primeiro, nos capítulos 5, 6 e 7, existe um agrupamento dos ensinamentos do Senhor, conhecido geralmente como o Sermão do Monte.

Nos capítulos 8, 9 e 10 há um agrupamento dos milagres do Senhor.

A seguir, nos capítulos 11-18, há uma reunião das várias ra7- ções ao Senhor e seu ministério, acompanhada das contra-reações ou veredictos d Ele.

Qualquer pessoa pode perceber como esse plano de apresen­tação é sensato. O que o leitor principiante desejaria saber? Claro que primeiramente o que Jesus disse-, depois o que Ele fez; e por ú ltim o os resultados. Em outras palavras, queremos saber o que Jesus ensinou; o que Ele realizou; o que as pessoas pensaram; sen­do essa a ordem seguida por Mateus.

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Esses três agrupamentos parecem consistir de uma sucessão de dez. O Sermão do Monte (5-7) é composto de dez componen­tes principais. Os três capítulos seguintes (8-10) especificam dez milagres. E os outros capítulos sucessivos (11-18) registram dez reações representativas uma após outra. Quer tenha sido ou não deliberado, este aspecto repetido, de grupos de dez, chama a aten­ção e ajuda a memória.

Devemos compreender que o Sermão do Monte é um pro­nunciamento público em seu sentido mais amplo, como indica a ocorrência de hoi ochloi (i.e., “ as multidões” ) tanto antes como depois dele (v. 1; 7.28). Note em 7.29, que foram “ as multidões” (“ o povo” ) que ficaram maravilhadas, “ porque Ele /IS (a elas) ensinava...”

A Mensagem em Dez Partes (5-7)Estes são os dez componentes do Sermão do Monte:

1. As Bem-Aventuranças (v. 3-16).Ou os súditos do reino.

2. Padrões Morais (v. 17-48).Ou Cristo versus “ Foi d ito ” .

3. Motivos Religiosos (6.1-18).Esmolas (1); oração (5); jejum (16).

4. Adoração a Mamom (6. 19-24).Ou bens materiais versus piedade.

5. Cuidados Temporais (6.25-34).Ou ansiedade versus confiança em Deus.

6. Discernimento Social (7.1-6).Censura (1); indiscrição (6).

7. Encorajamentos (7.7-11).A oração torna tudo praticável.

8. Resumo numa sentença (7.12).Uma vida assim cumpre as Escrituras.

9. As Alternativas (7.13-14).Dois caminhos: estreito versus largo.

10. Advertências Finais (7.15-27).Falsos profetas (15); falsa profissão de fé (21); falso fundamento (26).

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Algumas dessas seções naturalmente prestam-se a novas aná­lises, mas uma nova leitura cuidadosa (segundo cremos) irá confir­mar que essas são as dez zonas de pensamento que tanto dividem como contêm tudo o que é dito no Sermão. Além disso, o fato de ver esse famoso discurso assim analisado nos capacita a distinguir rapidamente sua ordem lógica. Suas três primeiras seções estão li­gadas às virtudes, moral e motivos. As três seguintes referem-se a coisas materiais, temporais, sociais. As outras três dão encoraja­mento, resumo, exortação. O discurso termina então com três advertências solenes.

Note na parte final a sucessão de alternativas formais — dois caminhos, o largo e o estreito: duas portas, a larga e a estreita: dois destinos, a vida e a destruição; duas classes de viajantes, mui­tos e poucos; dois tipos de árvores, boas e más; duas espécies de fru to , bom e mau; dois construtores, o sábio e o insensato; dois fundamentos, a rocha e a areia; duas casas; duas tempestades; dois resultados.

Os Dez Milagres (8-10)Vejamos os dez milagres que Mateus agrupa agora nos capí-

tulos 8 a 10:

1. A purificação do leproso (8.1-4).2. 0 servo do centurião: paralisia (8.5-13).3. A sogra de Pedro: febre (8.14, 15).4. 0 acalmar da tempestade (8.23-27).5. A cura dos endemoninhados gadarenos (8.28-34).6. A cura do paralítico (9.1-8).7. A mulher com hemorragia (9.18-22).8. Ressurreição da filha do chefe (9.23-26).9. A cura de dois cegos (9.27-31).

10. A cura de um mudo endemoninhado (9.32-34).

Além disso, nesses três capítulos que agrupam os milagres existem também duas declarações generalizadas de que Jesus cura­va “ toda” e “ qualquer” doença; mas apenas as dez acima citadas foram detalhadas. Outrossim, o terceiro desses capítulos, i.e., capí­tu lo 10, narra o milagre mais abrangente de todos, a saber, a trans­

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missão deste poder de operação de milagres aos doze apóstolos, pa­ra que eles também pudessem contar as boas novas e estender os benefícios de cura do reino. Todavia, mesmo assim, nenhum exer­cício desse poder transmitido é registrado, de modo que nosso olhar se mantém fixo nos dez milagres já descritos.

Existe, então, algo especialmente significativo a respeito de­les? Sim. Eles são representativos e completos. Os três primeiros se unem; depois há uma interrupção em que nosso Senhor respon­de a certos prováveis seguidores que se entusiasmaram com suas obras poderosas. Os três seguintes também se juntam, vindo en­tão outra pausa em que o Senhor responde aos fariseus e aos dis­cípulos de João. Os últimos quatro também se agrupam e depois deles vem o comentário completivo: “ E percorria Jesus todas as cidades e povoados... curando toda sorte de doenças e enfermida­des” .

t Os três primeiros milagres curam todas as moléstias físicas funcionais que afetam o corpo inteiro, i.e., lepra, paralisia, febre. Os três seguintes mostram o poder do Senhor em outras esferas,i.e., no reino natural (o acalmar da tempestade), no reino espiri­tual (expulsão de demônios), no reino moral (“ Teus pecados te são perdoados” . Os quatro últimos referem-se a doenças locais e orgânicas do corpo, i.e., hemorragia, cegueira, mudez, e a supre­ma demonstração de poder na ressurreição de mortos.

O efeito produzido pelo primeiro trio fo i o desejo entusias­ta de segui-lo “ para onde fores” . A reação depois do segundo trio fo i as multidões terem “ se maravilhado e glorificado a Deus” . O re­sultado depois do terceiro grupo fo i que “ as multidões se maravi­lharam dizendo, isto nunca fo i visto antes em Israel” .

O número dez significa nas Escrituras a totalidade. Isso é fá­cil de compreender. Nosso sistema numérico inteiro consiste de vários dez, o primeiro sendo um tipo de conjunto, desde que se trata de um ciclo completo e representativo de todos os números que podem ser usados. Assim sendo, na Escritura, o significado permanente do número dez é a representação da totalidade, mar­cando o ciclo ou sucessão inteira — como por exemplo as dez gera­ções da era antidiluviana; as dez pragas do Egito, simbolizando o círculo completo do juízo divino; os dez mandamentos da Lei; os dez reinos, representativos do poder mundial do Anticristo; e assim por diante. E isso então que parece acontecer com os dez

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milagres que Mateus agrupou para nós nos capítulos 8 a 10. Eles representam a perfeição ou totalidade.

Podemos ainda acrescentar algo. Esses dez milagres foram selecionados dentre os muitos realizados pelo Senhor, em vista de alguma característica especial contida neles. Em cada um do primeiro trio a ênfase está em alguma coisa que o próprio Jesus disse ou fez. No trio seguinte encontramos três pronunciamentos notáveis sobre Jesus feitos por outras pessoas. No quarteto final existem quatro pontos altos dignos de nota.

Vejamos o primeiro trio — com três coisas notáveis feitas ou ditas por Jesus. Nada espantaria tanto os judeus como a cura ins­tantânea da lepra — a mais temida e simbólica de todas as doen­ças. Mateus a coloca então em primeiro lugar. Todavia, mesmo es­se milagre deve ser coroado por este maravilhoso prodígio: “ E Jesus, estendendo a mão, tocou-lhe...” O fato de Jesus ter toca­do aquela pessoa repugnante e intocável tornou a cura tanto uma revelação de misericórdia divina como de poder sobre humano. A seguir, ao curar o servo paralítico do centurião gentio, Jesus faz a surpreendente declaração: “ Digo-vos que muitos virão do Oriente e do Ocidente e tomarão lugares à mesa com Abraão, Isaque e Jacó no reino dos céus. Ao passo que os filhos do reino serão lançados para fora, nas trevas; ali haverá choro e ranger de dentes” . Depois disso, a cura da febre atrai tantos outros sofre­dores que o grande Médico é repentinamente visto cumprindo a Escritura do Velho Testamento quando Mateus escreve: “ Para que se cumprisse o que fora d ito por intermédio do profeta Isaías: Ele mesmo tomou as nossas enfermidades e carregou com as nossas doenças” .

Vamos examinar agora o segundo trio — e os três pronuncia­mentos importantes sobre Jesus. O acalmar da tempestade provoca a exclamação admirada: “ Quem é este que até os ventos e o mar lhe obedecem?” Em seguida, os dois endemoninhados gadarenos clamam: “ O Filho de Deus! Vieste aqui atormentar-nos antes do tempo?” Quando o paralítico é curado, os escribas murmuram: “ Este blasfema,” dando lugar à tremenda revelação: “ O Filho do homem tem sobre a terra autoridade para perdoar pecados” .

Queremos observar finalmente os últimos quatro milagres— quatro culminâncias dignas de nota. Na ressurreição da filha do chefe vemos o milagre culminante de fazer levantar os mor-

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tos. A seguir, na cura produzida pelo simples toque nas vestes do Senhor, temos a evidência culminante de que Ele não era um simples agente, mas a fonte e plenitude do poder da cura, sua própria pessoa energizada por esse poder. Depois disso, ao devol­ver a vista aos dois cegos testemunhamos uma manifestação com- pletiva de que deve haver fé em Cristo. Os dois cegos jamais t i­nham visto Jesus nem podiam ver para testemunhar uma só cura. Pela primeira vez, portanto, Jesus inicia a cura dizendo: “ Credes que eu posso fazer isso?” Finalmente, ao curar o endemoninha­do mudo, a ênfase é colocada sobre o cinismo perverso dos fari­seus: “ Pelo maiorial dos demônios é que expele os demônios” . Seu veredicto hipócrita fo i uma culminância de preconceito hos­til. Nas três curas anteriores houve um ponto culminante de fé — fé embora a menina estivesse morta; fé em que o fato de apenas tocar as vestes de Jesus resultará em cura, sem que Ele diga sequer uma palavra; fé até mesmo em meio à cegueira e isolada de toda evidência visível. Mas aqui, com os fariseus, vemos o auge da in­credulidade, pois eles ousam até a tribu ir as curas graciosas do Se­nhor à cumplicidade com Satanás! Os dez milagres são, na verda­de, um conjunto significativo!

As Dez Reações (11-18)A esta altura devemos saber mais definitivamente quais fo ­

ram as várias reações a este Pregador que operava prodígios e a sua exposição do reino dos céus. Mateus se antecipa a nós e em seu novo agrupamento (11-18) exemplifica em sucessão dez rea­ções desse tipo. Episódios acidentais se mesclam às mesmas, dando colorido e seqüência à movimentação da história, mas o foco se concentra nas dez respostas provocadas, a saber:

1. João Batista (11.2-15).2. “ Esta geração” (11.16-19).3. Cidades da Galiléia (11.20-30).4. Os fariseus (12.2, 20, 14, 24,38).5. As multidões (13. Veja nota no final do cap.).6. Os nazarenos (13.53-58).7. 0 rei Herodes (14.1-13).8. Os escribas de Jerusalém (15.1-20).

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9. Os fariseus e saduceus (16.1-12).10. Os doze apóstolos (16.13-20).

Como são reveladores esses episódios! Se os recapitularmos, notando a característica principal de cada um, o resultado geral do itinerário do Senhor na Galiléia se desvendará.

1. João Batista — indeciso (11.3).2. “ Esta geração” — indiferente (11.17).3. Cidades da Galiléia — impenitentes (11.20).4. Os fariseus — pouco razoáveis (12.10, 14, 24).5. As multidões — sem discernimento (13.13-15).6. Os nazarenos — incrédulos (13.58).7. O rei Herodes — pouco inteligente (14.2).8. Os escribas de Jerusalém — irreconciliáveis (15.2, 12). .9. Fariseus e saduceus — inflexíveis (16.1).

10. Os apóstolos — reconhecimento alegre (16.16).

A reação geral no término do ministério na Galiléia pode ser resumida no prefixo “ in ” no sentido de “ não” . Houve exceções, mas o resultado geral fo i esse. Mais tarde, no clímax em Jerusalém, o “ in ” passivo daria lugar ao “anti" ativo e fatídico. Mas mesmo agora, já se evidenciava que embora o reino de há muito prometido tivesse boa recepção nos seus aspectos materiais (i. e. a cura dos doentes e alimentação dos famintos), a massa relutava em aceitar seus padrões morais e espirituais. Jesus não se deixou enganar pelas multidões. O povo sempre se reunirá onde houver novidade, mila­gre, pão e benefício físico.

A mudança de tom nas palavras do Senhor do capítulo 11 em diante, é clara demais para não ser notada. Existe acusação. Sur­gem conflitos. Ao lado das dez reações registradas por Mateus ve­mos as contra-reações do Senhor, que prendem igualmente a aten­ção.

Sua reação à atitude indecisa de João provoca uma explica­ção reveladora da identidade profética e significado da posição do precursor (veja lição 10, pág. 178). Sua reação à indiferença desta “ geração” é uma resignação tristonha seguida do comentário: “ Mas a sabedoria é justificada por seus filhos” ; i.e., embora não tivesse havido uma resposta digna seja ao ascetismo de João ou à

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sua própria amabilidade social, a falha está nos ouvintes e não na abordagem. Sua reação às cidades impenitentes, em conjunto, fo i pronunciar juízo e afastar-se delas com uma nova mensagem para o indivíduo: “ Vinde a mim todos os que estais cansados e sobre­carregados...” Aos fariseus insensatos, sua reação é uma advertên­cia terrível contra a excessiva distorção da verdade e ofensa im­perdoável ao Espírito Santo. A multidão obtusa seus ensinamen­tos sobre o reino são desde então feitos principalmente através de parábolas (13.10, 34). Aos seus concidadãos desdenhosos a res­posta é a suspenção dos “ milagres” . Em relação a Herodes é o si­lêncio e a fuga. Para com os escribas de Jerusalém a reação é acu­sá-los de anular hipocritamente as próprias Escrituras de que se diziam guardiães. Para os saduceus reprovação e recusa. Para os Doze, que O reconhecem e confessam, é “ Bem-aventurado!... não fo i carne e sangue quem to revelou... e sobre esta pedra edi­ficarei a minha igreja” . Depois disso, até sua partida da Galiléia, o Senhor não mais falou em público, mas se dedicou a instruir apenas os discípulos.

Este é então um resumo de todos esses fatores e aspectos: o interesse nos milagres, na mensagem e no Homem é grande; mas os que respondem com sinceridade espiritual e inteligência são uma pequena minoria, enquanto os líderes religiosos e polí­ticos se mantêm numa atitude de inimizade. Quando o ministério na Galiléia chega ao fim , o Senhor já prevê a rejeição im plícita do Rei e do reino por parte de Israel e anuncia a chegada da no­va d ispensação: "Edificarei a Minha IGREJA” .

NOTA: Fica perfeitamente claro que nas parábolas do capítulo 13, o Senhor estava avaliando os resultados de sua pregação até aquele ponto. A primeira parábola mostra que apenas um pequeno núme­ro dentre as multidões era composto por ouvintes do tipo “ boa terra” . Ele tem sempre as multidões em mente e seu ju ízo sobre elas é visto nos versos 13-15.

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O EVANGELHO SEGUNDO MATEUS (2)

Lição nQ 9

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NOTA: Por que não ler todo o livro de Mateus de uma só vez, para este estudo?

MATEUS DEVE SER O PRIMEIRO?

Parece que está em moda hoje em dia colocar Marcos antes de Mateus, na suposição de que seu evangelho fo i escrito antes dos de Mateus e Lucas, tendo sido usado por ambos como fonte de au­toridade. Porém, a teoria que dá prioridade a Marcos não nos con­vence. Nós a consideramos como um pretexto duvidoso, emprega­do unicamente em vista das outras teorias sobre a origem dos sinó­ticos terem falhado. Alguns dos argumentos que lhe servem de ba­se são bastante frágeis e seu desaparecimento dentro em breve não nos surpreenderia demais. Mas, se deixarmos de lado todas essas considerações críticas, não fica claro que Mateus deve ser o primei­ro de nossos quatro evangelhos? Como nenhum outro, ele liga o Novo com o Velho Testamento, mostrando como Jesus cumpriu as Escrituras hebraicas. Mateus contém mais citações e alusões ao Velho Testamento do que Marcos e Lucas juntos. Além disso, desde que Mateus (e só ele) escreve principalmente aos judeus, não é ele o verdadeiro in trodutor do Novo, assim como o elo óbvio com o Velho? — pois mesmo o Novo é "primeiro para o judeu". Pedimos que nos perdoem então por mantermos Mateus em primeiro lugar e ficarmos fora de moda!

- J . S . B.

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O EVANGELHO SEGUNDO MATEUS (2)

O Clímax na judéia (19-28)

Vamos observar agora a segunda área do Evangelho de Ma­teus. Com sua pena como nosso guia, retraçamos o desvio na Ga­liléia, e agora, nos capítulos 19 a 28, vemos o.clímax na Judéia.

O Capítulo 19 começa: “ E aconteceu que, concluindo Je­sus estas palavras, deixou a Galiléia e foi para o território da Judéia, além do Jordão...” A partir desse ponto, a história de Mateus muito naturalmente se constrói ao redor de três desen­volvimentos sucessivos:

1. A Apresentação (19:25).2. A Crucificação (26-27).

3. A Ressurreição (28).

Talvez seja útil aos olhos e à memória se estruturarmos nossa análise das duas partes do evangelho de Mateus, como elas se nos apresentam até este ponto.

1. 0 DESVIO NA GALILÉIA(5-28)

2. O CLÍMAX NA JUDÉIA(19-28)

(a) 0 que Jesus Ensinou —ou a mensagem em dez partes (5-7)

(b) Obras de Jesus —ou os dez “ milagres”

(c) O Que o Povo Pensava — ou as dez reações (11-18)

(a) A Apresentação Viagem, entrada, oposição Monte das Oliveiras (19-25)

(b) A Crucificação Betânia, Sinédrio, Pilatos, Calvário (26-27)

(c) A Ressurreição0 anjo, o Senhor, a mentira os Onze (28)

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Poderemos fazer uma análise mais completa mais tarde, con­forme será necessário, mas esta servirá para o momento. Vejamos agora a segunda parte (19-28).

A ApresentaçãoPor “ Apresentação” queremos naturalmente indicar a apre­

sentação pública que o Senhor fez de si mesmo em Jerusalém co­mo o Messias-Rei. Esta parte da narrativa se faz numa seqüência de quatro partes:

Viagem para a cidade (19-20).Entrada na cidade (21.1-17).Oposição na cidade (21.18 até cap. 23).O discurso no Monte das Oliveiras (24-25).

O que Mateus quer que vejamos nesses três movimentos? En­tre várias circunstâncias casuais, quatro aspectos são especialmen­te destacados para chamar nossa atenção, como segue:

Primeiro, na viagem para a cidade (19-20) devemos observar que o Senhor previa o resultado de sua presença predeterminada em Jerusalém, antes mesmo de chegar aos portões.

"Estando Jesus para subir a Jerusalém, chamou à parte os do­ze e, em caminho, lhes disse: Eis que subimos para Jerusalém, e o Filho do homem será entregue aos principais sacerdotes e aos escribas. Eles o condenarão à morte. E o entregarão aos gentios para ser escarnecido, açoitado e crucificado; mas ao terceiro dia ressurgirá ” (20.17-19).“Tal como o Filho do homem, que não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos" (20.28).

Segundo, na entrada triunfal do Senhor (21.1-17) devemos observar que Ele certamente ofereceu-Se como o Messias-Rei de Israel e que os líderes judeus compreenderam isso. Como qualquer expositor, mesmo um “anti-dispensacionalista” poderia escrever (como vimos recentemente) “ Jesus em ponto algum ofereceu-Se aos judeus como seu Messias-Rei” é deveras estranho. Consciente

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e mui deliberadamente Ele cumpriu Zacarias 9.9, como Mateus en­fatiza:

"Dizei â filha de Sião: Eis a í vem o teu Rei, humilde, mon­tado em jumento, num jumentinho, cria de animal de carga”(21.5).

Ele não só aceitou o clamor da multidão, “ Hosana ao Filho de Davi!” mas, com um lampejo de indignação real nos olhos, ex­pulsou os vendilhões do templo; e quando os principais sacerdo­tes, irritados com os gritos de louvor dos meninos perguntaram: “Ouves o que estes estão dizendo?” Ele replicou, “ Sim; nunca lestes: Da boca de pequeninos e crianças de peito tiraste perfei­to louvor?” Aqueles líderes judeus certamente compreendiam. Não foi acidental a inscrição que pouco mais tarde poderia ser lida sobre a sua cruz: “ ESTE E JESUS, O REI DOS JUDEUS”.

Terceiro, nos sinistros conflitos que então se seguiram na ci­dade, entre Jesus e os partidos judeus (21.18 até o cap. 23) deve­mos ver que não só eles haviam decidido implacavelmente rejei- tá-IO, como também Ele agora os rejeitava. A figueira estéril que amaldiçoou era um símbolo deles (21.18-27). Desde o momento de sua entrada, veja como eles lhe fazem oposição (21.15, 23-27). Os herodianos, saduceus e fariseus se unem para persegui-IO (22). Mas Jesus vence sempre. Ele não só lhes responde como também os reduz ao silêncio humilhante (22.46). Além disso, ele os expõe em parábola após parábola (21.28-22.14), e finaliza sua completa aversão naquela denúncia pública e mortal pontuada oito vezes com a frase, "A i de vós, escribas e fariseus, hipócritas!” O, a tra­gédia da religiosidade cega e do amor ultrajado, fazendo que Aque­le que começou seu ministério na Galiléia com oito “ Bênçãos” devesse encerrá-lo em Jerusalém com esses oito “ A is” ! Os líderes judeus não puderam resistir à sua sabedoria, mas resistiram o seu testemunho (discípulo de Cristo, note bem esse fato, pois a mes­ma atitude existe ainda hoje!) E o Redentor real, com o coração partido, afastou-se, com um soluço que representou o repentino explodir de um sentimento infinito e profundo: “ Jerusalém, Jeru­salém! que matas os profetas e apedrejas os que te foram envia­dos! quantas vezes quis eu reunir os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintinhos debaixo das asas, e vós não o quisestes!

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Eis que a vossa casa vos ficará deserta. Declaro-vos, pois, que desde agora já não me vereis, até que venhais a dizer: Bendito o que vem e|n nome do Senhor!”

Quarto, na profecia das coisas que deveriam acontecer fei­ta por Jesus no Monte das Oliveiras, devemos ver, antes de qual­quer outra coisa, que ela foi pronunciada fora da cidade, por um Cristo que agora se afastara e que os acontecimentos previstos se deviam ao fato dEle ter sido rejeitado. A interrupção do capí­tulo não deve obscurecer a ligação entre as últimas palavras do capftulo 23 e as primeiras do 24: “ Desde agora não me vereis... Tendo Jesus sardo... Não ficará aqui pedra sobre pedra... quando sucederão estas coisas?... E ele lhes respondeu (i.e., o discurso do Monte das Oliveiras).

A entrada triunfal se encerra então num sombrio anti-clí- max. A atenção do Senhor estava agora inteiramente dedicada ao círculo íntimo dos discípulos. A presciência onisciente que se fez sentir em seu discurso no Monte das Oliveiras, deve ter sido um grande alívio para eies, pois sem dúvida haviam ficado espanta­dos com a severa dignidade com que Ele havia antagonizado deli­beradamente os líderes religiosos e afastado a classe governante. Notamos ira, mas não uma explosão de gênio. Com toda sereni­dade, enquanto se achava assentado na encosta do Monte, Ele fa­la de seu triunfo final, para além da tragédia presente e dificulda­des que logo viriam.

Alguém pode perguntar: “Se Jesus previa que iriam rejeitá-10, por que se ofereceu então em Jerusalém? ” Mateus não nos dei­xa qualquer dúvida a respeito. O Senhor não profetiza uma vez sequer a sua crucificação isoladamente da sua genial ressurreição (veja 16.21; 17.22, 23; 20.17-20; 26.28-32). Esse fato nos leva a distinguir entre a presciência divina e a predeterminação divina. Deus não predeterminou a traição do Senhor da Glória por parte de Judas ou que os líderes judeus iriam maldosamente matá-IO; mas ele previu tudo isso, esperou que viesse a acontecer e sobe­ranamente superou tudo de modo a mostrar como, sem violar a liberdade do livre-arbítrio humano, Ele triunfou até mesmo so­bre o exercício pecaminoso da vontade, para o cumprimento de outros e maiores propósitos a bem de seu universo. A mesma pres­ciência e predominância continua operando e abrange o nosso tempo, individual, internacional e racialmente. Essa a razão pela

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qual muitas coisas que nos parecem verdadeiros enigmas, que vive­mos e vemos simplesmente m inuto a m inuto, são permitidas. Es­tamos num ponto da história em que podemos ver quão fielmente a predição desta época, feita no Monte das Oliveiras, se desenrolou e chega agora às suas descrições finais. As conclusões distantes que o Senhor presciente pintou para os discfpulos num horizonte lon­gínquo, são para nós indícios de uma era e um reino milenar que logo virão!

A CrucificaçãoVamos em seguida para os dois capítulos sobre a crucificação

(26 e 27). A seqüência é de novo quádrupla. Quatro cenas se suce­dem em patética e dramática culminância. O Senhor Jesus é visto em quatro cenários:

Entre os discípulos (26.1-56)Diante do Sinédrio Judaico (57-75)Perante o Governador Romano (27.1-26 Crucificado, morto e sepultado (27-66).

Ficamos mais uma vez impressionados pela narrativa fatual e direta. Não se faz qualquer esforço no sentido de obter um efeito simplesmente literário, nem se trata de elaborar pormenores em­baraçosos. Percebe-se, todavia, que Mateus tem realmente um pro­pósito ao colorir sua narrativa. Existem certos significados princi­pais nessas quatro cenas comoventes que ele quer que sem dúvida percebamos.

Na primeira delas, em que o Senhor acha-se reunido com os doze (26.1-56), o aspecto enfatizado é que Ele previu perfeitamen­te cada detalhe da nova série de acontecimentos. Quando Maria de Betânia unge Jesus com o precioso ungüento, Ele diz: “ ela o fez para o meu sepultamento” (26.12). Quando os doze sentam-se para cear com Ele, Jesus lhes diz que na verdade um deles iria traí-lo e indica Judas (26.25). Quando Pedro se vangloria, “ Ainda que todos se escandalizem em ti, eu nunca me escandalizarei” , Ele o adverte antecipadamente: “ Antes que o galo cante, três vezes me negarás” (M t 26.33, 34). O fato desta previsão expressar-se agora em relação à Cruz é extremamente significativo. Ele a associa com

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a Páscoa judaica de modo a deixar claro que Ele é a nova Páscoa (26.2). Faz também ligação com Jeremias 31.31, etc., e indica seu sangue como “ o sangue da nova aliança” (26.28). Mostra seu elo com as profecias do Velho Testamento, tais como Isaías 53, pois seu sangue será derramado em substituição (“ derramado em favor de muitos” ), e propiciação (“ para remissão de pecados” ). No Get­sêmani, em sua agonia, a soberania do Pai é reconhecida acima de tudo, e o Filho encarnado se inclina em sublime submissão.

Na segunda cena, em que o Senhor se apresenta diante do Sinédrio judaico (26.57-75), o fato notável é que Jesus fo i conde­nado especificamente por afirmar ser o Messias de Israel. Seu si­lêncio desconcertante levou o sumo sacerdote a exclamar: “ Eu te conjuro pelo Deus vivo que nos digas se tu és o Cristo, o Filho de Deus” (26.63). Uma resposta a tal intimação era obrigatória e o Senhor disse então: “ Tu o disseste; entretanto, eu vos declaro que desde agora vereis o Filho do homem assentado à direita do Todo- poderoso, e vindo sobre as nuvens do céu” . Isso era tudo o que o Sinédrio desejava e eles imediatamente o acusaram de “ blasfêmia” e o declararam “ réu de m orte” (versos 65-68). Ele fo i crucificado por isso e nada mais.

Na terceira cena, onde Jesus se acha diante do governador romano (27.1-26), devemos notar que os judeus o entregaram por ter alegado ser o seu Cristo, mas agora haviam manipulado a idéia de modo a parecer aos ouvidos de Pilatos que Jesus se proclama­ra Rei dos judeus. A primeira pergunta de Pilatos fo i esta: “ Es tu o rei dos judeus?” O experiente Pilatos logo percebeu que seu pri­sioneiro não merecia a morte (versos 23, 24), mas o que salvaria o seu próprio pescoço caso as autoridades romanas lhe perguntas­sem porque a crucificação de Jesus fora permitida, era o fato dEle ter alegado ser o “ Rei” dos judeus em oposição ostensiva a César; essa a razão da acusação de Pilatos em letras grandes sobre a Cruz: “ ESTE É JESUS, O REI DOS JUDEUS” , que também serviu de insulto sutil aos judeus, cujo motivo para entregar Jesus era a in­veja, como Pilatos sabia m uito bem (27.18).

E agora a quarta cena, esse espetáculo que inspira reverência, que m ortifica a alma, a Crucificação (27.27-66). Para aqueles den­tre nós que amam o Senhor Jesus, a Cruz jamais pode ser objeto de fr io estudo intelectual. Nossa teologia da mesma não pode dei­xar de ser continuamente banhada com nossas lágrimas, pois en­

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tramos de alguma forma na comunhão dos seus sofrimentos. Todavia, nem as nossas mais ternas emoções de gratidão e ado­ração podem obscurecer o fato de que Mateus quer destacar para nós duas coisas acima de todas as demais. Primeiro, ao des­crever (mais completamente do que Marcos, Lucas ou João) as anormalidades que acompanharam o episódio — as trevas du­rante o dia, o terremoto, o fender das rochas, os sepulcros que se abriram — ele quer que exclamemos como fez o estupefato centu- rião: “ Verdadeiramente este era Filho de Deus” (v. 54). Segun­do, ao relatar simultaneamente que o véu do santuário se rasgou em duas partes, de alto a baixo, não por meio de mão humana, ter­rena, mas pela mão divina “ do a lto ” ; não apenas em parte, mas completamente, “ de alto a baixo” , ele quer que observemos o profundo significado dessa Cruz em direção a Deus. Esse Sofre­dor é “ o Filho dé Deus” e a Cruz efetuou algo tremendo entre a terra e o céu. Os detalhes posteriores asseguram que a vida fís i­ca extingüiu-se e que o cadáver fo i realmente sçpúitaido? J>lão po­deria haver um despertamento corporal excetfHátravés de^ssur- reição milagrosa.

A RessurreiçãoUm curto capítulo de vinte versos é reservado para o super­

ei ímax — aquele evento mais básico e vital de todas as “ evidên­cias cristãs” ! Não seria de se esperar que Mateus expandisse ex­cessivamente sua narrativa neste ponto, demorando-se afetuosa­mente no magistral triun fo que vingara o seu Herói e confundira seus maldosos crucificadores? Talvez sim, à primeira vista; mas, pensando bem, não. A única preocupação de Mateus é chegar lá — alcançar o milagre da ressurreição, como o fato final triun­fante em sua biografia fielmente verídica. Ele não se ocupa aqui do desenvolvimento teológico do fato (que deveria seguir-se mais tarde), mas com a narração do fato em si e o pronunciamento sim­plesmente estupendo que saiu dos lábios do Cristo ressurreto a es­se respeito: “ Toda autoridade me fo i dada no céu e na terra. Ide portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em no­me do Pai e do Filho e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias até à consumação do século” (M t 28.19, 20). O breve

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relato divide-se em quatro parágrafos: 1. A intervenção do anjo (versos 1-7); 2. O reaparecimento do Senhor (versos 8-10); 3. A história falsa dos judeus (versos 11-15); 4. O re-envio dos Onze (versos 16-20).

Quantos, ou quão poucos, daqueles que lêem o últim o pro­nunciamento registrado do Senhor ressurreto, apreendem o abso­luto esplendor do mesmo? “ Toda autoridade me fo i dada no céu e na terra” . A palavra “ autoridade” é uma tradução melhor que “ poder” , pois o significado aqui não é o poder inerente do Senhor mas sua autoridade administrativa. Essa a razão de dizer: Toda au­toridade ME fo i dada”. Será que Ele não teve sempre essa autori­dade? Como Deus-Filho, sim; mas não como Jesus, “ Filho do ho­mem,” “ Filho de Davi” . As Escrituras deixam transparecer tanto às claras como sutilmente que Satanás mantém uma relação pecu­liar de autoridade sobre a terra. Ele não fo i sempre Satanás e o Diabo, mas Lúcifer, o “ querubim ungido” . Existem indicações de que a desolação total descrita em Gênesis 1.2 resultou da infide­lidade vaidosa e insurreição deste arqui-príncipe entre os anjos. Quando o dom ínio da terra fo i dado ao homem, Satanás imedia­tamente planejou a queda de Adão. Ele é chamado de “ príncipe desi mundo” . Quando tentou o Senhor, dizendo: “ Tudo isto te darei (i.e., ‘todos os reinos do mundo’), pois a mim pertence” , o Senhor não discutiu sua afirmação. Além disso, de alguma manei­ra misteriosa ele manteve o “ poder da morte” (Hb 2.14) e é cha­mado “ o príncipe da potestade do ar” (E f 2.2).

Mas seu poder acha-se agora desfeito e sua autoridade para sempre removida. Esse é o significado da ressurreição do Senhor e de suas palavras: “ Toda autoridade me fo i dada...” Da mesma maneira que o primeiro Adão caiu e perdeu seu dom ínio, Jesus, o “ segundo Adão,” venceu preferindo obedecer a vontade do Pai até o custoso extremo do Calvário; pelo qual Ele tornou-se não só o Redentor da raça decaída de Adão, mas o líder de uma nova humanidade, o experiente, provado, testado, digno Execu­tor da vontade divina e o Administrador dos propósitos divinos, atestado pela ressurreição.

E por isso que agora Ele diz: “ Toda autoridade me fo i da­da, no céu e na terra” . Essa a razão pela qual afirmou mais tarde a João na distante ilha de Patmos: “ Eis que estou vivo pelos sé­culos dos séculos, e tenho as chaves da morte e do inferno” (Ap

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1.18). As chaves não se acham mais nas garras de Satanás; mas pendem da cintura de Jesus; e o cetro de “ toda autoridade” acha- se nas mãos que trazem as cicatrizes dos pregos!

Descobrimos no Velho Testamento a clara profecia de que o Cristo que viria seria o “ Filho de Davi” , que ele ocuparia o tro ­no e reinaria não apenas sobre um Israel restaurado mas também sobre todas as outras nações. Foi também predito que Ele seria Redentor e Salvador num sentido substantivo e expiatório; que seria Príncipe e Salvador, não só dos judeus, mas também dos gen­tios. Mas no pronunciamento do Senhor ressurreto, no final do evangelho de Mateus, encontramos algo que não fo i predito, e que transcende tudo que foi profetizado; pois o Cristo rejeitado de Israel, que se tornou agora o Salvador do mundo, é elevado “ acima de todo principado, e poder, e domínio, e de todo nome que se possa re ferir” (E f 1.21), e coroado Administrador de todo o universo!

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O E V A N G E L H O S E G U N D O M A T E U S 0 REI P R O M E T ID O

C O N F IR M A D O , P O R ÉM R E JE IT A D O : M O R T O , P O R ÉM R ESSU SC ITA D O

Introdução: Genealogia (1.1-17) e Natividade (1.18-2.23). Batismo (3.1-17) e Tentação (4.1-11).

I. O DESVIO NA GALILÉIA (4.12 a Cap. 18).(a) O Que Jesus Ensinou — a mensagem em dez partes

(5-7)As Bem-aventuranças (v. 3-16). Moral (v. 17-48). Moti­vos (6.1-18). Mamom (6.19-24). Cuidados (6.25-34). Discernimento (7.1-6). Encorajamento (7.7-11). Resu­mo (7.12). Alternativas (7.13, 14). Advertências (7.15-27).

(b) O que Jesus Realizou — os dez "prodígios" (8-10).Cura do leproso (8.1-4). Cura do paralítico (8.5-13). Cura da febre (8.14, 15). Tempestade acalmada (8.23­27). Endemoninhados (8.28-34). Cura do paralítico (9.1-8). Hemorragia (9.18-22). Ressurreição da meni­na (9.23-26). Cura dos cegos (9.27-31). Endemoninha­do (9.32-34).

(c) O que o Povo Pensou — as dez reações (ii-18).João Batista (11.2-15). “ Esta geração” (11.16-19). C i­dades da Galiléia (11.20-30). Fariseus (12.2, 10, 14, 38). Multidões (13.1-52). Nazarenos (53-38). Herodes (14.1-13). Escribas (15.1-20). Saduceus (16.1-12). Os Doze (16.16).

II.O CLÍMAX NA JUDÉIA (19-28)(a) A Apresentação — Jesus oferecido como Rei (19-25).

A viagem para Jerusalém (19-20).A entrada triunfal em Jerusalém (21.1-17).As oposições em Jerusalém (21.18 até cap. 23). A profecia resultante no Monte das Oliveiras (24-25).

(b) A Crucificação — Jesus morto como um Criminoso (26-27).Jesus entre seus discípulos (26.1-56).Jesus diante do Sinédrio Judaico (26.57-75).Jesus perante o governador romano (27.1-26).Jesus crucificado, morto e sepultado (27.27-66).

(c) A Ressurreição — Jesus Levantado como Salvador (28). A intervenção do anjo (28.1-7).A reaparição do Senhor ressurreto (28.8-10).A mentira dos judeus (28.11-15).O novo envio dos Onze (28.16-20).

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0 EVANGELHO SEGUNDO MATEUS (3)

Lição nQ 10

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NOTA: Para este estudo leia os capítulos 12 e 13, de novo, várias vezes.

INFORMAÇÕES SOBRE A PESSOA DE MATEUS

Sabemos apenas quatro coisas com certeza sobre a pessoa de Mateus, mas elas são bastante reveladoras.

(1) Ele era um publicano (10.3), um judeu que se tornara coletor de impostos para os odiados romanos, cuja posição era considerada como profundamente desonrosa. Lemos a respeito de “ publicanos e pecadores” , sendo essa associação indicativa do n í­vel moral dos mesmos de maneira geral. Nós sabemos que Mateus era publicano através dos próprios escritos dele. Nos três relatos do seu “ chamado” (M t 18; Mc 2; Lc 5) Marcos e Lucas lhe dão o nome de Levi. Não poderíamos então, por intermédio deles ape­nas, identificá-lo com um ex-publicano. Veja também as três des­crições da escolha dos Doze (Mt W; Mc 3; Lc 6): Marcos e Lucas o chamam agora de Mateus, mas apenas Mateus contém o lembre­te auto-depreciativo, “ Mateus, o publicano”, e só ele preservou as palavras pungentes “ publicanos e meretrizes” (21.31), as quais não implicam em que tivesse sido necessariamente dissoluto, masmos- tram como os publicanos eram em geral considerados. O fato de Mateus descrevê-los revela a sua humildade, não hesitando em des­prezar-se.

(2) Ele tornou-se um discípulo de Jesus (9.9). Marcos e Lucas contam que quando ele “ saiu da coletoria” , abriu hospitaleiramen­te "sua casa” ao Senhor; deu “ um grande banquete” para muitos outros publicanos ouvirem Jesus; e (uma insinuação de que era ri­co) “ deixou tudo ” . Mateus não conta qualquer desses episódios. Suas omissões, assim como suas inserções, revelam humildade.

(3) Ele foi mais tarde escolhido como apóstolo (10.3). Leia novamente as três narrativas. Nosso Senhor enviou os apóstolos dois a dois (Mc 6.7). Seus nomes estão também em duplas. Mateus e Tomé estão sempre juntos e seus nomes são dados nessa ordem por Marcos e Lucas. Mas Mateus coloca Tomé em primeiro lugar— outra indicação incidental de humildade.

(4) Ele tornou-se escritor do evangelho que leva o seu nome— sobre o qual o perito no Novo Testamento, A. T. Robertson, diz: “ O livro é provavelmente o mais ú til já escrito por alguém; ele vem em primeiro lugar na coleção do Novo Testamento e fez mais que qualquer outro para criar a impressão de Jesus obtida pelo mundo” .

- J. S. B.

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O EVANGELHO SEGUNDO MATEUS (3)

Já vimos como este primeiro livro do Novo Testamento se abre convidativamente e nos leva a explorá-lo mais a fundo. Toda­via, precisamos manter-nos dentro dos limites de nosso livro e va­mos então apresentar só mais dois capítulos a respeito. Assim sen­do, nesta revisão oferecemos simplesmente o que julgamos ser uma orientação ú til sobre certos aspectos da narrativa que podem ter deixado alguns leitores perplexos.

O Reino dos Céus

E de máxima importância saber o significado de “ reino dos céus” , pois trata-se do assunto principal da pregação do Senhor. Existe, infelizmente, muita confusão a respeito. Julga-se quase sempre tratar-se de um reino espiritual, mais ou menos idêntico à Igreja: confundir porém os dois obscurece uma das distinções mais claras das Escrituras Sagradas.

João e Jesus começaram proclamando: “ está próximo o rei­no dos céus” ; entretanto, nenhum deles explicou o que era o rei­no. Por quê? Porque seus ouvintes sabiam, sem necessidade de ex­plicação, que significava o reino messiânico de há muito prometi­do através dos profetas do Velho Testamento. Mas as profecias desse reino vindouro têm qualquer ligação com a igreja? De forma alguma! Consulte algumas delas e verifique.

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A previsão refere-se a um reino visível, com o Messias reinan­do no trono de Davi, sobre Israel e as nações dos gentios reunidas, num império mundial. Aspectos éticos e espirituais são prognosti­cados, mas o reino em si deve ser visível, messiânico, global — a própria antítese de uma “ igreja” que pelo seu próprio nome, i.e. ecclesia, é uma minoria chamada para fora, exclusiva.

Esse reino prometido fo i anunciado pelo precursor, depois pregado pelo Senhor com credenciais messiânicas evidentes a to ­dos, exceto para uma geração deliberadamente cega. Para um povo ansioso pelos aspectos materiais do reino há muito esperado, suas exigências morais eram inaceitáveis. Apesar do entusiasmo popu­lar despertado pelos seus ensinos e curas, o Senhor viu-se obrigado a dizer: “ O coração deste povo está endurecido” (13.15). O reino fo i rejeitado e o rei crucificado. Uma nova oferta foi feita duran­te o período de espera coberto pelo livro de Atos, além da tremen­da e nova mensagem da expiação através do Messias Jesus agora crucificado, ressuscitado e elevado aos céus, e confirmado por si­nais e milagres no Pentecostes. Mas houve nova rejeição, primeiro dos judeus da pátria (A t 2-12), a seguir pelos judeus da Disper­são (13-28).

O reino é então retirado. “ O seu sangue caia sobre nós e so­bre nossos filhos !” gritaram os líderes judeus na manhã da cruci­ficação. “ Quantas vezes quis eu!... E vós não o quisestes!... Já não...” (M t 23.37, 39). Israel não quis ver e agora não pode ver. “ Veio endurecimento em parte a Israel, até que haja entrado a plenitude dos gentios” (Rm 11.25). A igreja não é o reino; nem esta era presente a era do reino. Quando o anjo anunciou previa­mente a Maria o nascimento de Jesus, ele disse: “ O Senhor lhe da­rá o trono de Davi, seu pai; ele reinará para sempre sobre a casa de Jacó, e o seu reinado não terá f im ” (Lc 1.32, 33). Dessa forma, o Senhor e o “ reino dos céus” pregado por Ele foram associados imediatamente com o reino messiânico prometido antes no Velho Testamento. O “ reino de Davi” e a “ casa de Jacó” não devem ser espiritualizados. O Senhor não tomou ainda posse desse trono de Davi, mas Ele o fará em seu segundo advento. O reino será estabe­lecido quando o Rei voltar e uma Israel penitente disser: “ Bendito aquele que vem em nome do Senhor!”

Folheie novamente o evangelho de Mateus: veja as muitas re­ferências ao “ reino dos céus” que falam dele como ainda futuro,

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histórico, visível. Procure depois fazer com que elas signifiquem um reino puramente espiritual identificado com a Igreja — e veja como isso é d ifíc il!

O Uso de Parábolas pelo Senhor

Quantas vezes ouvimos generalizações superficiais de textos cujo propósito é apenas local! Disseram-nos repetidas vezes que Jesus jamais pregou exceto por meio de parábolas, porque Mateus 13.34 declara: “ Todas estas coisas disse Jesus às multidões por parábolas, e sem parábola nada lhes dizia” . No mais longo discur­so registrado de Jesus, o Sermão do Monte, não existe porém qual­quer parábola, o que também acontece com muitas outras partes de seus ensinamentos. Mateus 13.34 refere-se apenas a uma ocasião específica.

O fato do Senhor não ter até então fe ito tanto uso de parábo­las fica evidente pela surpresa dos discípulos: “ Por que lhes falas por parábolas?” (13.10). Além disso, seu emprego mais repetido de parábolas dali por diante é explicado na resposta que Ele deu: “ Porque a vós outros é dado conhecer os mistérios (i.e. as verdades até então ocultas) do reino dos céus, mas àqueles (i.e., as m ulti­dões frívolas) não lhes é isso concedido. Pois ao que tem se lhe dará, e terá em abundância; mas ao que não tem, até o que tem lhe será tirado. Por isso lhes falo por parábolas; porque, vendo, não vêem; e, ouvindo, não ouvem nem entendem” (13.11-13).

O fato do Senhor mudar para um método parabólico fo i de grande significado. A idéia daquelas pessoas continuarem vendo e ouvindo sem realmente ver e ouvir (i.e. sem reconhecer e respon­der interiormente à verdade claramente exposta) era acrescentar mais e mais à sua responsabilidade e culpabilidade. Por tempo bas­tante um Céu vigilante suspirara sobre seus pais e eles mesmos: “ Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está lon­ge de M IM ” (15.8). Mediante um processo sinistro a própria capa­cidade de reconhecer e atender à verdade tinha sido prejudicada, e o Senhor tristemente diagnosticou: “ Porque o coração deste povo está endurecido, de mau grado ouviram com seus ouvidos, e fe­charam os seus olhos; para não suceder que vejam com os olhos, ouçam com os ouvidos, entendam com o coração, se convertam e sejam por mim curados” (13.15).

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Trata-se de uma lei da vida: aquilo que não usamos, eventual­mente perdemos. Era isso que acontecia com Israel; e fo i justamen­te esse o princípio agora expresso nas palavras do Senhor: “ Pois ao que tem (i.e., ao que recebeu sinceramente a palavra) se lhe da­rá, e terá em abundância; mas, ao que não tem (i.e., não recebeu sinceramente a palavra) até o que tem lhe será tirado” (v. 12). A partir de então o Senhor ocultaria seus ensinamentos do reino na forma de parábolas. Havia misericórdia nisso, pois poupava o ou­vinte não receptivo da culpa maior de desprezar a verdade clara­mente estabelecida. Havia também juízo — “ Até o que tem lhe se­rá tirado” .

Todavia, as próprias parábolas que deveriam encobrir a ver­dade de alguns, revelariam nova verdade aos discípulos sinceros, pois “ ao que tem se lhe dará” . A esta altura, a rejeição im plícita do reino por parte de Israel fora evidenciada e nessas parábolas de Mateus 13, o Senhor ia revelar verdades até então ocultas sobre o futuro do reino, em conseqüência de sua presente rejeição. Esse é o significado do v. 35: “ Abrirei em parábolas a minha boca; pu­blicarei coisas ocultas desde a criação do mundo (veja também os versos 16, 17). Jesus estava realmente apresentando agora novas verdades sobre os aspectos futuros do reino, depois dele ter sido rejeitado por Israel. E esse fato que nos orienta sobre o seu signi­ficado.

As Sete Parábolas de Mateus 13

Se quisermos que as sete parábolas de Mateus 13 sejam con­sistentes, devemos evitar dois extremos opostos de interpretação: primeiro, espiritualizá-las de forma que se refiram supostamente à igreja e à religião cristã; segundo, manipulá-las de modo a se adequarem a uma teoria dispensacionalista. Os que consideram o reino simplesmente espiritual, irão naturalmente cair no primeiro erro. Os que sustentam um ponto de vista hiper-dispensacionalista tendem para o segundo. Devemos evitar exigir que cada detalhe de uma parábola signifique algo. São as principais figuras e carac­terísticas que contêm o paralelo. Os detalhes são muitas vezes sim­plesmente um cenário acidental.

Qual é então o sentido das sete parábolas em Mateus 13? Em primeiro lugar, elas não se referem à igreja — pois esta nem sequer

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foi ainda mencionada. Cada uma delas, exceto a primeira, começa: “O reino dos céus é semelhante...” Esse reino não é a igreja.

Elas também não descrevem a cristandade nesta era presente, como afirmam certos dispensacionalistas. Neste ponto, segundo nossa opinião, a Bíblia “ Scofield” comete um erro, propondo uma teoria artificial em que o reino existe na terra hoje numa chamada “ forma misteriosa” . A nota de Scofield sobre Mateus 13.3 compa­ra esta “ forma misteriosa” do reino com “a esfera da confissão de fé cristã”, e depois acrescenta, “ É a cristandade” . Tenho prazer em reconhecer que muitas coisas são excelentes nas notas de Scofield, mas esta ficção dispensacionalista, no sentido de que o reino rejeitado existe agora no mundo em “ forma de mistério” , aliás cristandade, é seguramente ridícula. Ponto após ponto, as notas de Scofield contradizem as frases mais claras do Senhor, como alguns exemplos mostrarão. Primeiro:na parábola do joio e do trigo, nosso Mestre diz claramente: “O campo é o mundo” (v. 38); mas as notas de Scofield, embora comecem reconhecendo isto, mais tarde se desviam dizendo: “ A parábola do joio e do tri­go não é uma descrição do mundo, mas daquilo que professa ser o reino” . Segundo, na parábola do fermento, nosso Senhor co­meça nitidamente: “O reino dos céus é semelhante ao fermento” ; enquanto a nota de Scofield diz que o fermento é “o princípio da corrupção operando ardilosamente” na forma de “doutrina perversa”. Uma tal contradição das palavras do Senhor não é uma conjetura estranha?

Qual será então o propósito dessas parábolas? Vamos deixar que sua localização seja nosso guia. Elas ocorrem naquela seção da narrativa que fala das várias reações à mensagem do Senhor (veja a lição número 8). Ele já reprovou as cidades impenitentes da Galiléia; e agora, na parábola do semeador, retrata os resulta­dos de sua pregação entre as multidões. Só uma fração delas pro­vara ser um “ solo bom” (veja 13.18-23). As outras seis parábolas são destinadas a revelar, embora parcialmente e de forma sutil, certas verdades de longo alcance até então retidas com relação ao adiamento do reino, em resultado da resistência de Israel.

O Joio e o TrigoO Senhor explicou também mais tarde, particularmente, a

parábola do joio e do trigo. Confrontada com sua explicação

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direta, a teoria de Scofield quanto à existência do reino no mundo hoje na chamada “ forma misteriosa” , parece certamente estranha. O bom semeador é o “ Filho do Homem”. O campo é “ o mundo” . A boa semente é representada pelos “ filhos do reino”. O joio são os “ filhos do maligno” ; e o “ inimigo” que os semeou é o “diabo” . A ceifa é a “ consumação do século”. Os ceifeiros são os “anjos”. E a parábola termina. “ ENTÃO (i.e., no fim dos tempos) os jus­tos resplandecerão como o sol, no reino de seu Pai” .

O envio de anjos quando o Filho do Homem voltar no final da presente era, e o estabelecimento do reino então, é uma idéia muito repetida no Novo Testamento. O próprio Senhor a declara diretamente em seu sermão no Monte das Oliveiras. O reino virá “ ENTÃO” e não antes. _

O que o Senhor não revelou na parábola é que o “ ENTÃO ” estava bem distante, separado pela presente dispensação da gra­ça. Isso não poderia ser na verdade revelado, caso contrário a ofer­ta contínua do reino a Israel pelo Senhor e seus apóstolos se teria transformado em simples faisa, embora fosse perfeitamente genuí­na. O livre arbítrio da nação foi respeitado e permitido que os acontecimentos tivessem seu curso. E a presciência divina que fala nessas parábolas, divulgando o que deveria acontecer em vista do comportamento já previsto de Israel. O estabelecimento do reino deveria ser adiado.

O detalhe que aparentemente sugere a existência do reino agora na forma de mistério, como cristandade, é que os “ filhos (i.e. herdeiros) do reino” e os “ filhos do maligno” crescem jun­tos até a última ceifa. Nesse ponto a nota de Scofield se desvia do que está realmente escrito e passa para a simples teoria, a sa­ber: “ A parábola do joio e do trigo não é uma descrição do mun­do, mas daquilo que professa ser o reino” .

Três fatores principais se opõem decisivamente contra a idéia de Scofield:

(1) Embora o Senhor dissesse que os “ filhos” ou herdeiros do reino já se achavam no mundo e deveriam continuar nele, com o joio, até a consumação do século, Ele foi igualmente definido ao declarar que o reino em si não viria até “ então", i.e., até o fim dos tempos; é portanto absolutamente errado por parte de Scofield afirmar que esta presença dos “ filhos” na terra antecipadamente é o próprio reino, já aqui de “ forma misteriosa” , como a cristandade!

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(2) No sentido histórico, o fato decisivo é que desde 70 A.D., quando os romanos destruíram Jerusalém e dispersaram os judeus da Judéia, o “ reino dos céus” não foi mais oferecido aos judeus. O que está sendo pregado nesta dispensação, aos gentios e judeus igualmente, é a salvação pessoal através do Salvador cuja morte no Calvário fez expiação por toda a humanidade.

(3) Desde que o Senhor afirmou ser Ele o bom Semeador, a semeadura não pareceria referir-se ao ministério do Senhor então em lugar de algo que tem lugar agora, na sua ausência física? Ou- trossim, já que o Senhor como o Semeador toma o título messiâ­nico de “ Filho do Homem”, isso não seria uma referência a Israel em vez da igreja ou cristandade?

A idéia de que nesta presente dispensação os “ filhos do rei­no” são os cristãos regenerados deve ser rejeitada. Os membros do corpo de Cristo nascidos do Espírito são bem superiores aos “ fi­lhos do reino” segundo o significado do Senhor. Quando o reino vier, eles entrarão nele, não apenas como súditos, mas para reinar com Cristo (como mostram outras passagens).

Se alguém dissesse que os “ filhos do reino” devem estar em algum lugar da terra hoje porque lhes cabe crescer juntamente com o joio até a “ consumação do século”, respondemos que o fi­nal dessa era veio há muito tempo, quando o temível juízo do ano 70 A.D. acabou com a nação judaica e trouxe “grande tribula­ção” como jamais fora vista antes. Até essa ocasião o reino fora oferecido aos judeus, primeiro pelo Senhor em pessoa (nos evan­gelhos), depois através dos apóstolos (em Atos); mas a dupla recu­sa de Israel se solidificara agora inexoravelmente. O juízo caiu; essa era terminou; o reino foi removido; houve uma interrupção; e agora, enquanto isso, surge o novo propósito de Deus, o mara­vilhoso movimento através da Igreja, nesta presente dispensação da graça.

Se fosse objetado que anjos não foram enviados então, como o Senhor previra, e que portanto o juízo do ano 70 A.D. não po­deria ser o que Ele indicara por “ consumação do século”, nossa resposta, de conformidade com seus outros pronunciamentos so­bre este assunto, é que existe tanto um primeiro como um cum­primento final desta parábola resultante da suspensão que se se­guiu à recusa por parte de Israel. Em Mateus 24.34 nosso Senhor diz: “ Não passará esta geração sem que tudo isto aconteça” (veja

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nota no final da lição) e sabemos que todos os acontecimentos pre­ditos se realizaram naquela geração, exceto a volta visível do Senhor com os anjos ceifeiros para estabelecer o seu reino — e o próprio Senhor fez disso a grande exceção, pois Ele declarou: “ Mas a respeito daquele dia e hora ninguém sabe, nem os anjos dos céus, nem o Filho, senão somente o Pai” (24.36).

Este mesmo fenômeno de cumprimentos novos e mais próxi­mos, com a interferência da presente suspensão, aparece outra vez em profecias ligadas com o reino. Por exemplo, o Senhor disse (veja Mt 11.14) que João Batista era um cumprimento da profecia em Malaquias 4.5: “ Eis que eu vos enviarei o profeta...” Depois da morte de João, porém, Ele afirmou que Elias ainda estava para vir, significando a vinda prevista de Elias no final desta era presente (ve­ja a excelente nota de Scofield sobre Mt 17.10,11). Do mesmo mo­do, a “ ira vindoura” pregada por João teve um terrível primeiro cumprimento em 70 A.D.; mas o cumprimento final, como mos­tra a epístola, será no final desta era: veja Apocalipse 6.17 — “ Por­que chegou o grande dia da ira deles, e quem é que pode sus­ter-se” ?

Finalmente, não devemos ver problema no fato do Senhor ter dito que os “ filhos do reino” deveriam estar no mundo “até” o “ fim da era” , mesmo que tivesse indicado esta era presente. O Senhor diz que eles são os "justos”. Tanto os “ filhos do reino” (i. e. os penitentes, retos, piedosos, crentes) como os “ filhos do ma­ligno” estão no mundo através de toda esta era presente; e os primeiros — sempre uma minoria — serão com certeza os herdeiros do reino prometido quando ele vier.

Devemos porém compreender claramente que o “ reino do céu” ainda não veio, nem está aqui sob qualquer “ forma misterio­sa” , identificando-se com a “ cristandade” ou “ a esfera da profis­são cristã” .

A Semente de Mostarda e o FermentoA terceira e quarta parábolas (semente de mostarda e fermen­

to) ilustram o fato do reino estar agora oculto mas que será gran­dioso no final. Como excelentes expositores podem transformara belíssima descrição de Jesus acerca da árvore de mostrarda em todo o seu esplendor no “ crescimento insubstancial” do reino em

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suposta “forma misteriosa” (veja a nota de Scofield) e depois ensinar (como alguns fazem) que “as aves do céu” que alegre­mente se “aninham em seus ramos” são os falsos mestres e hi­pócritas que exploram o reino na sua "forma misteriosa”, é pa­ra nós triste e difícil de acreditar.

É mais lamentável ainda que embora o Senhor diga clara­mente, “O reino dos céus é semelhante ao fermento”, eles insis­tam em que o reino não é o fermento mas a massa, e o fermen­to a falsa doutrina. A nota de Scofield não só explica o fermen­to como “o princípio de corrupção” ou “ falsa doutrina”, mas até identifica a mulher na parábola como a “ igreja apóstata” !

E realmente patético ver como a influência das teorias pode desviar os expositores bem-intencionados! Pelo fato da Escritura usar o fermento de maneira desfavorável, seria inconcebível pensar que o Senhor fizesse uso dele aqui positivamente? Adão é apresen­tado tanto como um tipo perverso como um tipo de Cristo. Em Apocalipse 17, uma mulher simboliza o mal em sua forma mais ampla; entretanto, no capítulo 12, uma mulher representa o povo da aliança. Em Mateus 13 a palavra “aves” ilustra a atividade sa­tânica, todavia no capítulo 6.26 e em outros pontos elas são men­cionadas positivamente. Até mesmo a serpente, empregada repeti­damente num sentido maligno, e como um nome para Satanás, é também mencionada como um tipo do Senhor (veja Jo 3.14). Em Números 6, lemos que quando alguém fazia um voto de nazireado, qualquer coisa “que se faz da vinha, desde as sementes até às cas­cas” o contaminaria; todavia, quantas vezes em outros pontos a vinha é usada num bom sentido! (Jo 15, etc.). Mesmo assim, o fer­mento era utilizado em toda casa; e o Senhor que gostava de ilus­trar suas palavras com as coisas comuns do lar e da natureza, en­controu nele justamente o exemplo que desejava.

Seja o que possa ser dito contra o fermento, não é possível ignorar o sentido das palavras do Senhor: “O reino dos céus é se­melhante ao fermento". Na semente de mostarda e no fermento— a primeira enterrada no solo todavia, eventualmente, uma ár­vore enorme, o outro oculto na farinha mas, eventualmente, leve­dando toda a massa — o Senhor certamente retrata o reino então rejeitado como estando agora oculto, ou longe da vista, mas rea­parecendo no final em toda a sua amplitude e grandeza. Em lu­gar de uma suposta “ forma misteriosa” do reino agora na terra,

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devemos compreender que ele está presentemente suspenso, e que quando o Senhor voltar, todas essas parábolas irão “ reviver” em toda a sua atividade e serão vistas em seu verdadeiro cumprimento.

O Tesouro Oculto e o Negociante de PérolasNas duas curtas parábolas do tesouro oculto e do negociante

de pérolas, o reino é novamente representado como estando ocul­to, mas sob o novo aspecto de ser, não obstante, a “descoberta” suprema para aqueles que estão procurando o melhor. Em lugar de publicidade e oferta comum, o que se vê agora é segredo e des­coberta individual; notamos “ busca” e “ descoberta” e uma avalia­ção do reino vindouro como um tesouro tão grande que vale a pe­na vender tudo para possuf-Io.

Ficamos surpresos com a ingenuidade da nota de Scofield, assegurando-nos que o tesouro é “ Israel, especialmente Efraim, as tribos perdidas no ‘campo’, o mundo” e que “o Senhor é o com­prador, pagando o alto preço de seu sangue”. Mas, será que as Es­crituras nps dizem em algum ponto que Cristo teve de “ comprar” o reino? E verdade que “Cristo amou a igreja, e a si mesmo se en­tregou por ela” (Ef 5.25), mas o reino já era seu por direito divi­no e descendência davídica. Se nos mantivermos nas palavras di­tas, o "reino dos céus” é o “ tesouro” e não as tribos de Israel que o rejeitavam. A “ pérola de grande preço” também não é a Igreja (uma idéia absolutamente extemporânea), mas novamente o “ rei­no dos céus” , como o teor da passagem exige. Jesus não pode ser igualmente o “ homem” que faz a “ descoberta” surpreendente­mente e depois vende tudo para comprá-la, pois Ele veio ofere­cendo abertamente o reino. Não precisamos surpreender-nos com o fato da interpretação mais fácil ser a mais verdadeira, a saber, que o “ tesouro” ou “ pérola de grande valor” é o “ reino dos céus” , e que o homem que faz o “ achado” é o indivíduo sincero que “ busca em primeiro lugar o reino de Deus e sua justiça” e, para citar Paulo, “ considera tudo como perda” pela “ excelência” de herdar o reino vindouro.

A RedeA última das sete parábolas de Mateus 13 é a da rede. Como

as demais, ela tem a sua ênfase particular, que é a separação final

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entre os malfeitores e os justos que herdam o reino. Sabemos ser este o destaque porque o Senhor o interpreta para nós, i.e.: “As­sim será na consumação do século. Sairão os anjos e separarão os maus dentre os justos, e os lançarão na fornalha acesa; ali haverá choro e ranger de dentes".

Existe então progresso nessas sete parábolas. Na primeira temos os resultados da pregação do Senhor até essa altura. Na se­gunda o joio e o trigo “ crescem juntos até..." Na terceira e quar­ta a semente de mostarda e o fermento falam a respeito da sus­pensão presente, mas triunfo futuro do reino. Na quinta e sextao tesouro e a pérola expressam o supremo valor de contar tudo como perda para obter o reino no futuro. Na sétima, o esvaziar da rede mostra a exclusão final dos perversos que não entrarão no reino.

Devemos sempre ter em mente que essas sete parábolas es­tão ligadas primeiro ao tempo em que o Senhor estava na terra. Não há dúvida que na primeira delas (o Semeador) Ele está des­crevendo a reação imediata deles à sua apresentação do reino. Na segunda, o semear do joio é algo que Satanás já fizera, pois o v. 39 diz: “ Um inimigo fez isso” (na versão em inglês: “O inimigo que o semeou é o diabo” ). Isto torna claro que “a consumação do século” a que o Senhor se referia era especificamente o fim daquela época; da qual o reino fora “oculto” , removido, adiado. A era da Igreja intervém agora. No que se refere ao reino houve suspensão. Mas no final da era presente as parábolas do reino serão retomadas no ponto em que se interromperam por causa da presente suspensão e terão seu cumprimento final. O reino virá. Os anjos “ separarão tudo o que possa ofender” e os justos herdarão então o reino.

Todas as parábolas posteriores sobre o reino devem ser in­terpretadas sob esta luz. O tempo de seu cumprimento final está com certeza próximo. Mesmo agora, depois de dois mil anos de dispersão global e espoliações periódicas que teriam sem dúvida extingüido qualquer outra raça, o povo da aliança acha-se nova­mente reunido representativamente em Eretz Yisrae! como um Estado independente. A cegueira ainda perdura em suas mentes com relação ao Senhor Jesus. Tanto dentro como fora do país existem renegados e incrédulos na fé tradicional. Mas permanece ainda, como sempre, o “ remanescente santo”, leal a tudo que é

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mais elevado e verdadeiro no judaísmo, tateando pateticamente e esperando piedosamente a chegada do reino. “ Não dormita nem dorme o guarda de Israel”. “Os olhos do Senhor repousam sobre os justos, e os seus ouvidos estão abertos ao seu clamor" (SI 34.15). O Rei deles está a caminho! O dia de sua vinda “ arde como fornalha; todos os soberbos, e todos os que cometem per­versidade, serão como o restolho” (Ml 4.1). Mas para todos os que temem o Senhor, o “ Sol da justiça” irá levantar-se “ trazendo salvação nas suas asas” . Antes dos juízos ardentes da “ ira vindou­ra” se abaterem sobre a terra, não só a igreja comprada com san­gue será trasladada, mas serão enviados anjos para selar os “cento e quarenta e quatro m il” de Israel (Ap 7), preservando-os para “ brilhar como o sol no reino de seu Pai” , exatamente como o Se­nhor profetizou. “Quem tem ouvidos, ouça.”

1 Alguns tentaram explicar as palavras “ esta geração” como sig­nificando a raça judaica; outros como a geração que estaria na terra na época em que os acontecimentos preditos para os fins dos tempos realmente ocorressem. Rejeitamos ambas as expli­cações como não-exegéticas.

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O EVANGELHO SEGUNDO MATEUS (4)

Lição nQ 11

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NOTA: Para este estudo, reflita novamente com o maior discerni­mento possível sobre o batismo e tentação do Senhor, e sua frase repetida “ Eu porém vos digo”, no capítulo 5.

Quanto mais estudamos os registros desse curto ministério na car­ne, mais nos impressiona o fato de que todo o passado e todo fu­turo se unem nele... e as palavras dos profetas e dos apóstolos, de um e de outro lado, §ão para sempre justificadas e mantidas peJo que foi dito por Aquele que veio entre ambos.

— T. D. Bernard.

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O EVANGELHO SEGUNDO MATEUS (4)

Quando examinamos novamente a história de Mateus, desco­brimo-nos observando mais demoradamente este ou aquele ponto, com a idéia de que talvez alguns comentários explicativos possam ajudar o leitor comum. Ei-los então aqui.

Genealogia Inicial

Por que esta longa genealogia no começo? A razão é muito justa. Lembre-se de que Mateus escreveu principalmente para os judeus; eles, de acordo com a profecia do Velho Testamento, es­peravam que o seu Messias nascesse numa determinada família. Mateus não tinha necessidade de reportar-se a Adão, mas preci­sava começar com Abraão, o progenitor da nação da aliança, e a seguir mostrar a descendência através de Davi, cabeça da linha­gem real de Judá, da qual conforme a promessa da aliança viria o Messias-Rei. Mateus devia mostrar que Jesus era verdadeira­mente Filho de Abraão e Herdeiro de Davi. E ele faz exatamente isso.

Qual o motivo da diferença (em algumas versões) no modo de escrever os nomes em comparação com o Velho Testamento? E porque Mateus escreveu a genealogia baseado em registros es­critos em grego ou traduziu do aramaico para o grego, enquanto os nomes haviam sido originalmente escritos no hebraico do Ve­lho Testamento.

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No v. 17 Mateus escreve: “ De sorte que todas as gerações, desde Abraão até Davi, são catorze; desde Davi até ao desterro para a Babilônia, catorze; e desde o desterro de Babilônia até Cristo, catorze” . Existem certamente catorze de Abraão até Da­vi e de Davi a Jeoiaquim; mas apenas treze no terceiro grupo, a não ser que contemos Jeoiaquim duas vezes. Existe uma expli­cação? Sim, como mostra a comparação com o Velho Testamen­to. O v. 11 diz: “ Josias gerou a Jeconias e seus irmãos, no tempo do exílio em Babilônia” . Josias na verdade não gerou a Jeconias, nem Jeconias teve “ irmãos”. Mas Josias gerou Jeoiaquim e este teve realmente “ irmãos” (veja 1 Cr 3.15). Na lista de Mateus (co­mo a temos hoje) existe uma omissão de Jeoiaquim entre Josias e Jeconias. De fato, alguns manuscritos gregos a inserem, o que re­gulariza o terceiro grupo de catorze em Mateus.

Podem haver significados nessas genealogias que não são no­tados à primeira vista. Por exemplo, vemos que entre Adão e Cris­to existem exatamente sessenta gerações. Essas sessenta parecem divididas em seis grupos de dez, cada décimo homem sendo de grande importância. A partir de Adão o primeiro décimo homem é Noé. Nos dias dele, Deus enviou juízo destruidor sobre toda a raça e aparentemente Satanás conseguira abortar a linha messiâ­nica; mas essa linhagem é preservada no justo Noé, demonstrando a indestrutibilidade do propósito divino.

O décimo homem seguinte é Abraão, com quem Deus entrou em aliança incondicional, para que de sua descendência viesse o Messias e em quem todas as famílias da terra seriam abençoadas.

O próximo décimo homem é Boaz, que se casou com a for­mosa moabita Rute; e através de Rute, da raça gentia, todos os povos gentios são incorporados representativamente na esperança messiânica.

Uzias é o décimo homem seguinte — pois a linha messiânica tornou-se agora a linhagem real de Judá, e o Cristo que virá será o Rei dos Reis. Na verdade, foi “ o ano da morte do rei Uzias” que Isaías, o maior dos profetas de Israel que deixaram mensagens escritas, “viu o Senhor assentado sobre um alto e sublime trono” ,i.e. o Messias (Is 6), sentado no trono que está acima de todos os tronos (João 12.41 nos diz que Isaíasviu Cristo!).

O décimo homem depois dele é Zorobabei, um dos persona­gens monumentais do Velho Testamento; o príncipe judeu que

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levou o remanescente judeu de volta à Judéia depois do exílio na Babilônia! Zorobabel é um tipo de Cristo, como mostra Ageu (2. 20-23), sendo o Líder supremo de Israel, levando-o do longo exí­lio à bênção Milenar.

Dez gerações mais tarde lemos: “José, marido de Maria, da qual nasceu Jesus, que se chama o CRISTO”. Cada décimo homem é típico, profético, uma antecipação: Cristo completa todos. Não tentaremos “ ler” nisto mais do que existe realmente no conteúdo em questão, embora sejamos naturalmente tentados a refletir que dez é o número da inteireza, e seis o número do homem pecador. Seis ciclos completos de dez: vindo então Cristo, que é o centro de todas as gerações e o Salvador dos pecadores. A linha termina nele. Está perfeitamente de acordo, que Ele que é o grande SETE de Deus se seguisse imediatamente a esses seis grupos de dez com­pletados, introduzindo a nova geração espiritual, e o reino que, embora presentemente retido, irá coroar os seis mil anos prece­dentes da história humana com um sétimo grande dia de mil anos, o Milênio do império mundial do Messias, com seu ciclo exato de tempo de cem vezes (dez vezes dez) dez anos de paz e glória.

Cristo Versus “Foi Dito”

E moda hoje em dia entre os que querem depreciar o Velho Testamento citar as palavras do Senhor no Sermão do Monte, quando Ele repetiu várias vezes: “ Foi dito aos antigos... eu porém vos digo...” Jesus repudiou assim, ou pelo menos corrigiu, a ética do Velho Testamento, é o que nos afirmam. Mas os que defendem esse ponto de vista, deixam de reconhecer a diferença entre a Lei Escrita do Velho Testamento, e a Lei Oral que se desenvolvera prolificamente durante os quatro séculos do período intertesta- mentário. A maneira usual do Senhor citar o Velho Testamento é “ Está escrito” (4.4, 6, 7, 10; 11.10; 21.13; 26.24, 31), enquanto é usado no Sermão do Monte o “ Foi dito” , indicando referência à Lei Oral. Ela ocorre seis vezes em Mateus 5 (21-22, 27.28, 31-32, 33-34, 38-39, 43-44).

Talvez seja objetado que alguns dos itens citados acham-se no Velho Testamento. Não obstante, o Senhor os menciona como fo­ram transmitidos pela Lei Oral. Por exemplo, o primeiro “ Não ma-

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tarás; e quem matar estará sujeito a julgamento” , é o sexto manda­mento do Decálogo acrescido do comentário da Lei Oral. Até esse ponto suas citações na verdade concordam com os princípios do Velho Testamento; o Senhor, em lugar de repudiá-los, os intensifi­ca, insistindo numa obediência interior e espiritual, assim como exterior e formal. A própria existência da Lei Oral era um opressi­vo monumento ao literalismo e legalismo judaico. Os comentá­rios de Jesus em cada caso tinham como propósito elevar os pen­samentos dos ouvintes da simples letra para o espírito da Lei. A sua atitude para com o Velho Testamento e seu endosso total do mesmo, são enfaticamente anunciados desde o início (v. 17-19).

O Batismo do Senhor

Por que o Senhor foi batizado por João no rio Jordão? O ba­tismo de João era “para arrependimento". O Jesus sem pecado, não precisava então submeter-se a ele. Mesmo quando Ele se apro­ximou do rio, João teve de dizer: “ Eu é que preciso ser batizado por ti, e tu vens a mim?” (3.14). Todavia, haviam razões para essa imersão em público, que devemos apreciar devidamente.

Primeiro, o Senhor demonstrou desse modo, desde o início de seu ministério público, sua associação com o chamado de João ao povo; e a partir também dessa ocasião, ele repetiu o clamor de João: “Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus” (3.2; 5.17).

Segundo, Ele coroou assim o ministério de João, dando ao fiel precursor a honra de batizar publicamente o Messias-Rei a quem anunciara com tanta emoção (Jo 1.33, 34). Logo depois a voz de João foi silenciada quando ele foi preso (Mt 4.12).

Terceiro, ao submeter-se ao batismo de João Ele mostrou sua humildade ao identificar-se com o remanescente santo de Israel, que vivia piedosamente à espera da chegada do reino. Era “apropriado” que fizesse isso, sendo agora membro da nação que necessitava muito atender ao chamado para o arrependimento; daí seu comentário para João: “ Porque assim nos convém cum­prir toda a justiça” (3.15).

Quarto, e muito mais profundamente, Ele foi batizado numa capacidade representativa, por aqueles a quem viera remir. A partir

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do momento em que iniciou seu ministério público, Jesus passou a ser o novo Homem representativo, o “ Segundo Adão”, o novo Campeão da raça decaída. No mesmo instante, portanto, Ele iden­tificou-se conosco como pecadores, e seu primeiro ato foi signifi­cativamente submeter-se, em capacidade vicária, ao batismo “para arrependimento” . Da mesma forma que na genealogia ini­cial é a pessoa humana de Jesus que está ligada com a descendên­cia messiânica, no batismo e na tentação é novamente a sua hu­manidade que é ungida e depois tentada. Essa humanidade tem um aspecto representativo e vicário através de todos os atos e expe­riências do Senhor.

Vale a pena mencionar também que a voz confirmatória do céu, “ Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo,” coloca o selo de Deus sobre os trinta anos silenciosos e irrepreensíveis que precederam o batismo. Além disso, no batismo do Jordão a trindade divina é pela primeira vez manifesta objetivamente. O Filho acha-se no Jordão. O Pai fala do céu. O Espírito desce co­mo pomba.

A Tentação no Deserto

Qual o motivo dessa tentação no deserto? Cristo, como o novo Ser humano representativo, devia ser testado e provado. O próprio Espírito que descera sobre Ele com suavidade de pomba, o “ leva” agora para o deserto, onde Satanás lhe preparou uma em­boscada quando Ele sentia-se enfraquecido pelo jejum.

E essencial compreender que o Senhor achava-se ali como Homem. Como Deus Ele não poderia ser tentado (Tg 1.13). A sua humanidade foi visada. Com engenhosidade aparentemen­te piedosa, Satanás imediatamente procurou obscurecer seu ob­jetivo. “Se és Fiiho de Deus” — uma alusão à voz do céu no Jor­dão — “ manda que estas pedras se transformem em pães”. Mas Jesus na mesma hora colocou o assunto em foco, com a sua res­posta: “ Está escrito: Não só de pão viverá o homem, mas de to­da palavra que procede da boca de Deus”. O Senhor se achava ali como Homem.

Da mesma forma que a natureza humana tem três aspectos— corpo, alma e espírito — as três abordagens de Satanás foram

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sucessivamente dirigidas às três áreas da natureza humana do Se­nhor. A primeira tentação referia-se ao corpo (“ Manda que estas pedras se transformem em pães”). A segunda à alma (“Atira-te abaixo”, i.e., exiba-se). A terceira era dirigida diretamente ao es­pírito (“Se prostrado, me adorares” ). A primeira sugeriu algo ra­zoável. A segunda algo discutível. A terceira era definitivamen­te errada. Quão freqüentemente essa é a técnica da tentação de Satanás! — física, psíquica, espiritual do que é razoável para o discutível, do discutível para o condenável. Na primeira vemos o disfarce da simpatia. Na segunda o verniz da admiração. Na ter­ceira a máscara foi retirada, toda pretensão desapareceu, e o mo­tivo real fica exposto — “Adore-me” .

Por três vezes a espada brilha na mão do Senhor, enquanto Ele repele o tentador com as palavras “Está escrito” . Três vezes vemos o segredo da vitória - submissão à Palavra de Deus. A vi­tória é tão completa que na repulsa final Jesus afasta o arqui-ini- migo, dizendo: “Retira-te, Satanás, porque está escrito: adorarás (i.e., cada israelita) ao Senhor teu Deus, e só a ele darás culto” (veja Dt 6.13; 10.20).

Logo após “vieram anjos, e o serviam”. Sua fome foi assim satisfeita sem necessidade de transformar pedras em pães; a Es­critura também se cumpriu, “ Aos seus anjos ordenará a teu respei­to que te guardem”, sem precisar atirar-se do pináculo do templo! Deus sempre faz com que seus anjos atendam aos que vencem pela fidelidade à sua Palavra.

O Pecado Imperdoável

Qual é o pecado imperdoável referido em Mateus 12.31, 32? A advertência do Senhor é tão solene que imediatamente nos sen­timos desafiados a fazer indagações. Por estranho que pareça, ela foi dirigida a pessoas muito religiosas, os fariseus, o que parece su­gerir imediatamente que o pecado imperdoável não é qualquer falta isolada de excessiva vulgaridade, impureza, criminalidade, ou mesmo uma sucessão delas.

Ele é chamado de “ blasfêmia contra o Espírito” . E provável que nenhum dos que ouviram as palavras proferidas pelos lábios do Salvador pensassem no Espírito Santo como nós hoje pensamos

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nele, i.e., como uma Pessoa distinta da divindade, assim como não reconheciam então Jesus como a segunda Pessoa encarnada da Di­vina Trindade. Eles considerariam o Espírito como uma influência emanada de Deus. Seu monoteísmo era unitário e não trinitário. A plena revelação de Deus como trino só chega até nós à medida que as páginas do Novo Testamento se desenrolam.

Mas o fato dos ouvintes do Senhor não compreenderem o ca­ráter pessoal do Espírito Santo não diminui a solenidade das pala­vras de Jesus. De modo algum, pois é na verdade um indício de que podemos cometer o pecado imperdoável contra o Espírito Santo sem sequer saber que Ele é uma pessoa.

Blasfemar é falar de modo a vilipendiar, insultar ou ultrajar de qualquer maneira a Deus. De que forma aqueles fariseus da anti­güidade estavam insultando a Deus? Eles diziam: “ Este não expele os demônios senão pelo poder de Belzebu, o maioral dos demô­nios” . Isto é, estavam atribumdo as atividades bonúosas e santas do Espírito Santo ao diabo. E possível que não soubessem, como sabemos hoje, que o Espírito Santo é uma pessoa divina, mas sa­biam que os milagres de cura do Senhor eram manifestamente in­tervenções da graça de Deus; mesmo assim, em rebelião invejosa contra o que estava bem claro e a fim de manter seu prestígio en­tre o povo, mentiram às suas próprias consciências, e afirmaram abertamente que essas obras graciosas de Deus eram operadas por Satanás!

Essa é a blasfêmia então; e o elemento que a tornou imper­doável (ou que a teria tornado imperdoável caso persistisse) foi o fato de ser consciente, voluntária, determinada. Uma blasfêmia dessas pronunciada por ignorância é perdoável (veja 1 Tm 1.13)— vamos aceitar isso com gratidão e firmeza; mas a blasfêmia da­queles fariseus da época era notória, invejosa e cheia de malícia. Eles alegaram deliberadamente que a obra do Espírito Santo pro­cedia do inferno. Que terrível blasfêmia! — e quão inequívoca a advertência contra ela!

O Milagre do Dinheiro para o Imposto

O milagre registrado por Mateus, e só ele, no capítulo 17.24­27, deixa mutas pessoas perplexas.

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O ponto-problema é o comentário do Senhor: “ Logo, estão isentos os filhos...” (v. 26), o que evidentemente implica em sua desobrigação de pagar o tributo, embora isso pareça uma razão obscura para a isenção. Como membro da raça judaica sujeita ao domínio romanc, o Senhor era obrigado a pagar tributo a Roma.

O problema é porém apenas aparente e não real. A palavra grega traduzida aqui como tributo não se refere ao imposto civil, mas àquele pago ao templo. Os que levantaram a questão não eram os coletores de impostos (i.e., os “ publicanos” conforme a tradu­ção), mas “os que cobravam o imposto das d id ra ch m ase a per­gunta deles seria melhor traduzida: “ Não paga o vosso Mestre as didrachmas?” (Na Versão Revista e Atualizada da Sociedade Bí­blica do Brasil lemos: “ Não paga o vosso Mestre as duas dracmas?”- N.T.). ^

O didrachmon era a “ metade de um siclo” de Êxodo 30.11­16, que todo israelita adulto tinha de pagar para a manutenção do tabernáculo. Mais tarde tornou-se um pagamento anual. Vemos referência ao mesmo em 2 Reis 12.4; 2 Crônicas 24.9; Neemias 10.32. Josefo o menciona como sendo anual. Filo fala sobre o pa­gamento fiel por parte das comunidades judias dispersas através de todo o império romano e a remessa do mesmo a intervalos fixos, mediante mensageiros consagrados, para Jerusalém. Por não se tratar de uma taxa do governo, não era legalmente compul­sória, mas como imposto eclesiástico era moralmente obrigatória.

No momento em que compreendemos que as didrachamas eram um tributo devido ao templo, e não um imposto civil, o inci­dente em Mateus 27 ganha um novo e atraente significado. Note onde ele ocorre na narrativa de Mateus. Pedro e os demais apósto­los haviam acabado de fazer sua fervorosa confissão: “Tu és... o FILHO do Deus vivo” (16.13-20). Isto fora seguido pela Trans­figuração e a voz confirmatória do céu: “ Este é o meu FILHO amado” (17.1-13). E agora o Senhor pergunta a Pedro: “ De quem cobram os reis da terra impostos ou tributo; dos seus FILHOS, ou dos estranhos?” Pedro replica: “ Dos estranhos” : o Senhor acrescenta então: “ Logo, estão isentos os FILHOS” , significando naturalmente com isso que Ele, como FILHO DE DEUS, a quem pertencia o templo, não precisaria certamente pagar as didrach­mas à sua própria casa! Pedro teria entendido na mesma hora onde ele queria chegar e espero que nós também o façamos.

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O tributo estabelecido por pessoa era um didrachmon (o pre­fixo “d i” significa dois ou o dobro). Um didrachmon representava portanto duas “dracmas” . Caso tivesse de pagar tanto o seu como o imposto de Pedro, o Senhor precisava de quatro “dracmas”, duas para cada um, Ele disse a Pedro: “ Vai ao mar, lança o anzol, e o primeiro peixe que fisgar, tira-o; e, abrindo-lhe a boca, acharás um estáter..." O estáter era uma moeda equivalente a quatro “drac­mas” , o pagamento exato exigido. “ Toma-o e entrega-lhes," disse o Senhor, “ por mim e por t i” . Pedro (e também o peixe) ficaria com certeza admirado ao encontrar essa moeda. Era uma moeda verdadeira. Quem a deixou cair no lago, de modo que já estivesse lá para ser apanhada pelo peixe? Essa é uma pergunta que talvez seja melhor nem começar a discutir!

Outros Pontos de Interesse

Páginas e páginas poderiam ser naturalmente escritas com res­peito a este e outros pontos de interesse. Existem porém alguns comentários excelentes do tipo versículo por versículo que pode­mos consultar. Aqui, ao encerrarmos nosso breve estudo explora­tório deste primeiro evangelho, simplesmente tocamos em vários assuntos incidentais que foram anotados para menção especial, mas que agora parecem praticamente impossíveis de incluir.

O Senhor e a Confissão de PedroA igreja católica romana tirou muito proveito das palavras

ditas pelo Senhor a Pedro: “Tu és Pedro, e sobre esta pedra edifi­carei a minha igreja” (16.18). Todo protestante deveria compre­ender claramente que o Senhor disse na verdade: “Tu és Petros; e sobre esta Petra edificarei a minha igreja” . Ele simplesmente fez uso do sobrenome de Simão, Petros que significa uma pedra, e nada mais, a fim de apontar para a grande PETRA ou rocha po­derosa, i.e., Ele mesmo, o agora confessado FHho de Deus, sobre o qual fundaria a sua “ecclesia” . Este mesmo versículo, que os ro- manistas usam para ensinar que o Senhor construiu a igreja sobre Pedro, é o que mais definitivamente refuta a idéia.

Deve ser também claramente apreciado que o Senhor jamais entregou as “ chaves da igreja” a Pedro, como sustenta a igreja ro­

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mana. O que Ele disse realmente a Pedro foi: “ Dar-te-ei as chaves do reino dos céus” (v. 19). Esse reino não é a igreja; nem virá até que termine a era da igreja, quando o corpo místico e noiva do Se­nhor tiver sido aperfeiçoado. Na ocasião em que esse reino chegar, como seguramente acontecerá na volta do Senhor, as chaves de seu governo serão vistas por todos, nas mãos de Pedro e seus co- apóstolos.

A Parábola dos Trabalhadores na VinhaA parábola dos trabalhadores na vinha (20.1-16) parece ter

perturbado alguns leitores. Afinal de contas, seria certo que aque­les que trabalharam “apenas uma hora” recebessem tanto quanto os que “ suportaram a fadiga e o calor do dia” ? Devemos perceber rapidamente que pela sua própria ligação esta parábola não tinha como propósito ensinar o que os senhores humanos deveriam pra­ticar em relação aos empregados. Seu objetivo era apenas ilustrar as palavras do Senhor que a precedem: “ Porém, muitos primeiros serão últimos; e os últimos, primeiros” . Ela jamais teve o propósi­to de expressar um princípio sindical! Quando se trata de assuntos de capital e trabalho, a Bíblia insiste firmemente em salário justo para um trabalho justo. Mas esta parábola tem como finalidade única ilustrar as palavras do capítulo 19.29, 30 e fazer isso de mo­do original!

O Homem Sem a Veste NupcialE interessante folhear alguns conhecidos comentários e ver

o problema apresentado pelo homem “ que não trazia a veste nup­cial” . Leia novamente a parábola (22.1-14). Lá está ele, tendo aceito o convite; todavia, por não estar usando a roupa exigida para as bodas “emudeceu” e o rei ordena que seja lançado “ para fora, nas trevas” ! A quem ele representa? Com certeza não pode representar qualquer verdadeiro crente no Senhor Jesus Cristo, pois todos estes nasceram de novo do Espírito Santo e estão ves­tidos com a justiça imputada do Senhor; eles também não serão encontrados sem a “veste nupcial” quando se assentarem para a “Ceia das bodas do Cordeiro” . Ele também não pode representar os mestres hipócritas da salvação através de Cristo, pois estes

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jamais estarão presentes na festa de casamento do Senhor e sua noiva, seja com ou sem veste nupcial.

Na verdade não existe problema algum com essa estranha f i­gura, se aceitarmos a parábola da maneira como o Senhor a usou, isto é, para ilustrar o “ reino dos céus” (veja v. 2), e não a salvação dos crentes. Veja as palavras que imediatamente a precedem e no­te que foram ditas principalmente contra os fariseus (21.45,46; 22.1). O fariseu típico, ocultando orgulhosamente sua injustiça in­terior com a religiosidade exterior, estava certo de que quando o reino dos céus viesse, ele faria parte do mesmo. Jesus diz: “ Não” . Os perversos que foram convidados em primeiro lugar mas se re­cusaram, devem ser destruídos e sua cidade com eles, i.e., os ju ­deus daquela geração, especialmente os líderes. Foi de fato isso que aconteceu. Mas a festa do casamento (que, não se esqueça, re­presenta o reino dos céus) irá não obstante ter lugar e contar com convidados, embora seja agora tão /oclusiva (“ a quantos encontrar­des” ) como fo i antes exclusiva (i.e., para os judeus).

E verdade. Esse reino dos céus que virá um dia, essa “ festa” milenar que proverá paz e abundância para os mansos, incluirá to ­dos. Não vai haver entretanto tolerância com a perversidade ou hi­pocrisia, i.e., para o homem que não usar a “ veste nupcial” exigi­da. Tenhamos em mente que esta parábola da festa das bodas reais não se relaciona com a igreja, mas com o “ reino dos céus” — que fo i oferecido, recusado, está agora suspenso, e logo será estabeleci­do na terra. O homem sem a “ veste nupcial” não é um exemplo do “ crente” falho de hoje, mas uma ilustração do que ocorrerá quan­do essa era do reino da justiça tiver início, quando o Senhor cum­prir Isaías 11.4, e outras promessas semelhantes: “ Mas julgará com justiça os pobres, e decidirá com eqüidade a favor dos mansos da terra; ferirá a terra com a vara de sua boca, e com o sopro dos seus lábios matará o perverso”.

Como os rios que transbordam na estação chuvosa, este estu­do final em Mateus está excedendo os limites apropriados. Como desejaríamos destacar outras passagens para consideração especial! Sentir-nos-emos, entretanto, consolados se tivermos dito o suficien­te para atrair novos alunos a fazerem outros estudos. Talvez não encontremos um fecho melhor para este quarteto de estudos em Mateus do que referir-nos às palavras preciosas do Jesus ressurreto com que o próprio Mateus encerra seu livro: “ E eis que estou con-

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vosco todos os dias até à consumaçao do século”. Note o “ (eu) es­tou” . Em grego, essa é a forma mais forte possível de expressão — Ego eimi. Tanto ego como eimi significam “eu estou” : mas a pri­meira coloca a ênfase sobre o “ eu” , enquanto a última sobre o “estou” . Reunidas, elas constituem a forma mais imperativa em grego para expressar o nome de Deus como o grande “ EU SOU”. Foi assim que o Cristo ressurreto referiu-se neste ponto a Si mes­mo. “ E eis que EU ESTOU convosco!” Existe porém aqui um belíssimo aspecto na construção da frase grega que não se revela em nossa tradução. Ei-la:

“ E eis, Eu convosco ESTOU...”

Você e eu, caro companheiro cristão, estamos entre o “ Eu” e o “ ESTOU” . Ele não está apenas conosco, mas está ao nosso redor — não só de vez em quando, mas “ sempre”, que, traduzido literalmente indica “ todos os dias” — este dia, esta hora, este mo­mento. Quando refletimos sobre a idéia, os aparecimentos e desa­parecimentos súbitos do Senhor durante os 40 dias entre sua ressurreição e ascenção, não tiveram o propósito de ensinar aos primeiros discípulos (e a nós) exatamente isto? A saber, quando se acha invisível ainda está presente, ouvindo, vigiando, conhecendo, simpatizando, dominando? Não nos esqueçamos também de que a promessa especial de sua presença é dada em relação à nossa obra de ganhadores de almas para Ele!

ALGUMAS PERGUNTAS SOBRE MATEUS

1. Quais as duas principais partes do Evangelho de Mateus?2. Quais as dez partes do Sermão do Monte?3. Quais os dez milagres nos capítulos 8 e 9?4. Quais (e o que) são as dez reações nos capítulos 11 a 13?5. Quais as três subdivisões na segunda parte do Evangelho de

Mateus?6. Se o Senhor sabia antecipadamente que seria rejeitado em

Jerusalém, por que seguiu para aquela cidade? Mencione um aspecto que esclareça isto.

7. Nem João nem o Senhor explicaram o que era o reino dos céus. Por que?

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8. O Senhor fez uso contínuo de parábolas? Caso negativo, quando começou a fazer maior uso delas?

9. Quem são os seis décimos homens sucessivos na genealogia de Mateus?

10. Você pode explicar por que as parábolas do Grão de Mostar­da, do Fermento e do Tesouro Oculto têm o seu cumprimen­to previsto para quando Cristo voltar em vez de agora, supos­tamente, na cristandade?

11. Você pode dar quatro razões por que o Senhor fo i batizado por João, embora não tivesse pecado?

12. Como você explicaria o homem sem a “ veste nupcial” em Ma­teus 22?

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O EVANGELHO SEGUNDO MARCOS (1)

Lição nQ 12

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NOTA: Para este estudo leia todo o Evangelho de Marcos pelo menos duas vezes.

Marcos não se esforça para reconciliar as características humanas de Jesus com a sua divindade. Ele desenha o quadro com decisão e ousadia, como Pedro fez em sua pregação... O Evangelho de Mar­cos desde o início proclama Jesus como o Filho de Deus num sen­tido diferente de outros homens, no sentido joanino de divindade num mesmo nível com o Espírito Santo. A doutrina da Trindade acha-se realmente contida no capítulo 1.9-11, no estilo concreto de Marcos. Ele estabelece os fatos e deixa que tiremos nossas pró­prias conclusões.

— A. T. Robinson, D.D., LL.D., L itt. D., em "The Christ ofthe Logia”.

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O EVANGELHO SEGUNDO MARCOS (1)

É cativante notar como a natureza prepara suas diferentes obras artísticas em diferentes lugares, tudo com os mesmos mate­riais — terra, folhagens, águas. Mesmo na pequena área coberta pelas Ilhas Britânicas isso pode ser perfeitamente observado. Co­mo varia o cenário típ ico da Escócia em comparação com o de Gales, ou o da maioria da Inglaterra! E como é decididamente característica a paisagem da ilha de esmeralda logo acima do Mar Irlandês! A identidade básica torna ainda mais notável a divergên­cia de aspecto — a grandeza rústica dos vales, gargantas e braços de mar; os altos cobertos de verde e os vales ondulados do País de Gales; os campos verdejantes e as escarpas desnudas da Irlan­da; as pradarias, as colinas arborizadas, os pântanos em tons de marrom e os lagos cercados de montanhas da velha Inglaterra. Como diferem os cactos do deserto do Arizona daqueles da Pla­nície Nullarbor da Austrália ou do Deserto de Sind no Paquis­tão! — Os Himalaias da India dos Alpes Suíços! — As Ilhas do Hawai das Fijis que lhes são vizinhas, embora bordejadas pelo mesmo Oceano Pacífico!

Isso acontece também com os quatro evangelhos. Todos eles tratam do mesmo material básico, e os três primeiros prati­camente coincidem em seus relatos — daí serem chamados de "S inóticos” , de syn (junto) e opsis (um exame). Todavia, embo­ra os quatro sejam substancialmente a mesma coisa, cada um tem seu aspecto distinto e apresenta os fatos com seu modo peculiar.

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Nosso estudo nos leva agora ao segundo deles. Como é evi­dente a identidade básica do assunto em Mateus e Marcos! Quão definida porém é a diferenciação na individualidade! E interessan­te notar como fo i possível manter através de todo o livro diferen­ças tão características, apesar dos dados tão paralelos.

O Propósito Supremo

Basta ler Marcos duas ou três vezes para que o seu propósi­to supremo nos cative. Ele quer que vejamos Jesus trabalhando. E como se disses5e; “ Olhe! O que Jesus fez prova quem Ele era. O que ele operou autentica o que ensinou. As obras poderosas confirmam as palavras surpreendentes. Observem-no trabalhando e maravilhem-se com este operador de prodígios sobrenatural. Isso irá convencê-lo.”

Não encontramos então uma genealogia introdutória como em Mateus, nenhurn relato inicial sobre o que precedeu, ocorreu no nascimento e aconteceu depois dele. De imediato nos encon­tramos no rio JordSo, para ouvir João anunciar que alguém “ mais poderoso” estava para chegar. Em seguida Jesus entra em cena; tem início o ministério de milagres; com pinceladas entusiastas e descritivas Marcos concentra em um capítulo o que Mateus leva oito para abranger. Ele cobre em nove capítulos o que Mateus relata no dobro. Não se trata de sua narração ser insuficiente, pois vibra com detalhes cheios de vida, mas ele focaliza o que Je­sus fez e omite muito do que Jesus disse.

De fato, é unicamente a ausência dos discursos de Jesus que faz deste o mais curto dos quatro evangelhos. Todo o Sermão do Monte se enquadra (embora seja om itido) entre os versículos 39 e 40 do primeiro capítulo de Marcos. O longo capítulo de Mateus sobre as parábolas do reino (13) só tem um vago paralelo em Mar­cos. A comissão dada pelo Senhor aos Doze, que ocupa 42 versos em Mateus 10, se resolve em sete versos aqui; enquanto a acusa­ção feita às cidades impenitentes não é sequer mencionada. A lon­ga condenação dos escribas e fariseus que se desenrola em Ma­teus 13, não encontra eco algum em Marcos; e o discurso do Mon­te das Oliveiras é reduzido a um terço — para não citar outras con­trações ou omissões,

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Marcos é definitivamente então o evangelho dos feitos de Jesus. Até mesmo o “ reino” , que encheu a pregação do Senhor e é mencionado mais de 50 vezes em Mateus, só se faz presente em Marcos 14 vezes. Fica bem clara a intenção de nosso evange­lista: devemos observar e maravilhar-nos com as “obras podero­sas” — e bem podemos fazer isso!

Método de Trabalho

Não existem agrupamentos planejados como em Mateus. Es­se não é o estilo de Marcos. Ele quer que percebamos a maravilha existente nos atos desse Ser Poderoso. Em lugar então de agrupa­mentos especializados ou divisão metódica, temos uma sucessão proposital e contínua de feitos surpreendentes. Marcos é o fo tó ­grafo dos quatro escritores dos evangelhos, apresentando-nos cenas inesquecíveis, uma após outra. Existem algumas interrup­ções principais em sua história, como logo veremos; mas mesmo estas não conseguem quebrar o ritm o dessas fotos rápidas e su­cessivas dos espantosos milagres.

Alguns de nós podem lembrar-se do tempo em que quadros estáticos eram projetados na tela pela velha “ lanterna mágica” . Painés oblongos de vidro, contendo seis ou mais cenas em suces­são horizontal, eram passados pelo projetor, de modo que os quadros se seguiam na tela, às vezes aos solavancos, um após ou­tro. Assim também, neste “ Evangelho Segundo Marcos” um pro­dígio segue-se ao outro através da tela, algumas vezes numa tran­sição abrupta, até que pela força do impacto cumulativo somos obrigados a exclamar — justamente como pretende Marcos — “ Es­te era certamente o Filho de Deus! Este é o mais tremendo episó­dio, o mais trágico anti-clímax e a mais surpreendente vitória di­vina jamais vista!”

Olhe e Veja!

Examine os primeiros capítulos e veja como isto é verdade. De imediato, no curto prefácio, quatro vozes nos surpreendem, uma após outra, pelos termos solenes com que anunciam o Ope­rador de Prodígios que está sendo apresentado. '

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Marcos — “ Jesus Cristo, Filho de Deus” (v. 1).Isaías — “ Preparai o caminho do SENHOR” (v. 3).João - “ Vem AQUELE que é mais PODEROSO” (v. 7).Deus — “ Tu és o MEU FILHO AM AD O ” (v. 11).A seguir, imediatamente, começa o ministério público. Logo

temos uma série de façanhas surpreendentes:Um demônio expulso na sinagoga (v. 26).Um caso de febre curado numa casa (v. 31).Uma multidão de enfermos curados na porta (v. 34).Um leproso curado no caminho (v. 42).Tudo isto no capítulo um. A palavra euthios (“ na mesma

hora,” “ imediatamente” ) encontra-se em toda parte. O povo f i ­ca “ a tôn ito ” com a sua “ doutrina” e “ surpreendido” com sua “ autoridade” . Sua “ fama” se espalha “ por toda a região” e é “ divulgada” .

Em seguida a todos esses acontecimentos, o capítulo dois nos traz uma rápida sucessão de críticas hostis:

Os Escribas — “ Isto é blasfêmia. Quem pode perdoar peca­dos, senão um, que é Deus?”

Os Fariseus — “ Por que come e bebe ele com os publicanos e pecadores?” (v. 16).

Os discípulos de João — “ Por que motivo jejuam os discí­pulos de João e os dos fariseus, mas os teus discípulos nao jejuam?” (v. 18).

Os Fariseus — “ Vê! Por que fazem o que não é líc ito aos sábados?” (v. 24).

Em cada caso somos levados a nos maravilhar diante da ori­ginalidade das respostas do Senhor. Ele se movimenta de um pa­ra outro encontro em perfeito controle de cada situação.

O capítulo três começa com “ E” (dos dezesseis capítulos, doze começam com “ E” , indicando a continuidade ininterrupta da narrativa!) — e a história em rápido movimento se adianta. E quase um pecado ler Marcos apenas em pedaços e parágrafos na “ tarefa diária” . Desse modo não conseguimos envolver-nos completamente na narrativa vibrante. Até mesmo um le itor va­garoso pode ler Marcos em duas horas. Deveríamos então lê-lo inteiro, de uma só vez, como se fora um romance sagrado, mui­to mais maravilhoso porque se trata de uma história verdadeira e não fictícia.

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Peculiaridades Significativas

Essas são portanto nossas primeiras impressões e uma nova leitura não só as confirma como mostra que as interessantes pecu­liaridades deste segundo evangelho contribuem para um conceito global do Senhor.

Lembramos novamente os quatro rostos mnemónicos dosm lA r i ih i r K n s \/ ic5 o H o P v p r iü ip l h o m e m acrni;?* -fa|a n -

do respectivamente de soberania, serviço, humanidade, divinc < Como notamos num estudo anterior, esses quatro aspectos er; tram paralelo nos quatro registros do evangelho. Em li Senhor Jesus é singularmente transcrito como o SERVÍ pondendo ao segundo rosto do querubim; e se a ,-\ VueJVTarcos em sua descrição não tivesse sido guiada s o b p ítm í^ jr ie n te , só poderíamos considerá-la como produto de (t^ (4 ^ e k b o gênio hu­mano. O mais fascinante de todos os f^\Êm «e^% ^Ívez seja, para o le itor atento, a maneira aparentem eilKYw jjral, embora requin­tada, em que o equilíbrio p e r fe ito ^ -w ^ S ^ 0 através de toc*° ° vro, entre a servidão hum anada s^bjfepnia divina. A soberania se destaca em cada página, to d ^ ia w r to d a parte o Senhor é o SER­VO — da vontade divina^-da neçessidade humana; o Enviado auto­rizado e capacitado (9(^7)^diligente, executivo, dominando cada situação, todavi^dísçtòt© /com passivo, e em tudo obediente à Vontade m rp ff iv C y palavras de Paulo adoravelmente inspiradas: uAssum inactòsrartwa de servo ... tornando-se obediente até à mor­te, e m o ^ t íK ^ t í z ’ ’ (Fp 2.7, 8).

M c rda Natividade

V y O Observe algumas das omissões e inserções peculiares a Marcos '•c veja como todas elas se unem a esta ênfase sobre o Senhor como o tix v \j ae ueus.

Para começar, vemos a completa ausência de qualquer narrati­va da encarnação. Nada existe que corresponda às introduções nos outros três evangelhos: genealogia davídica, estrela orientadora, magos do oriente levando presentes e perguntando “ Onde está o recém-nascido Rei dos judeus?” ; anjos mensageiros, conforme Lu­cas; adoração dos pastores; nada sobre Belém ou Nazaré; nenhuma profecia de Zacarias ou cântico de Maria; nenhum Nunc Dm ittis

h

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de Simeão; nenhum incidente da infância do Senhor; nenhum pró­logo de sua pré-existência, como em João; nada sobre a encarna­ção do Verbo; nem sobre a emergência do Filho Eterno do seio do Pai. Por que? Será puramente acidental o fato de Marcos omi­tir tudo issso e começar imediatamente com o ministério ativo na Galiléia? Ou será deliberado, conformando-se melhor à ênfase so­bre o Servo? E comum dar a genealogia de um servo? Ou é usual suprir a descrição do nascimento e infância de um servo? Isso ja­mais fo i certamente requerido entre os judeus ou nos lares orien­tais da antigüidade.

Discursos CanceladosEntão, como já mencionado, houve um cancelamento direto

ou nítida abreviação dos discursos do Senhor. Marcos tem 16 ca­pítulos, Mateus 28. Ao ser tomado em consideração o compri­mento dos capítulos, verificamos que Mateus é praticamente duas vezes mais longo que Marcos. Eis porém um fato revelador: se a genealogia e o registro da natividade no início de Mateus forem re­movidos, com os capítulos que consistem de sermões ou parábo­las, Marcos é bem mais comprido como uma crônica de realiza­ções! Será isto também puro acaso? Ou haverá um enquadramen­to proposital com a idéia de que obras em lugar de palavras são a característica exigida de um servo?

A usência de A cusaçõesExiste também uma completa ausência de acusações, tais

como as que ocorrem nos outros evangelhos. Não há denúncia das cidades impenitentes da Galiléia (Mt 11); nenhuma condena­ção inflamada dos escribas e fariseus (Mt 12; Lc 11); nenhuma consignação terrível de Jerusalém ao juízo divino iminente (Mt 23; Lc 13) — para não mencionar outros exemplos, por ter rejei­tado Cristo. Por que? Tudo é natural e nada mais? Ou não será que a omissão desses “ A is” tão severos e acusações reais é mais apropriada ao aspecto de Servo que Marcos está enfatizando?

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Omissões IncidentaisObserve também algumas das omissões incidentais. “ Porque

qualquer que, nesta geração adúltera e pecadora, se envergonhar de mim e das minhas palavras, também o Filho do homem se en­vergonhará dele, quando vier na glória de seu Pai com os santos anjos” (Mc 8.38). Por que Marcos omite a sentença em Mateus: “ e então retribuirá a cada um conforme as suas obras” ; e em Lu­cas: “Quando Ele virá em sua própria glória?” E o Servo falando. Veja outrossim o discurso no Monte das Oliveiras: “Quando, pois, vos levarem e vos entregarem, não vos preocupeis com o que ha­veis de dizer, mas o que vos for concedido naquela hora, isso fa­lai; porque não sois vós os que falais, mas o Espfrito Santo” (Mc 13.11). Qual a razão da ausência dessas outras palavras que Lucas preserva: “ Porque eu vos darei boca e sabedoria a que não pode­rão resistir nem contradizer todos quantos se vos opuserem’’? E o Servo falando. Essas omissões são exemplos de muitas outras.

Adições IncidentaisVejamos agora algumas adições incidentais. “Quem receber

esta criança em meu nome, a mim me recebe” — ao que Marcos acrescenta: “ E qualquer que a mim me receber, não recebe a mim, mas ao que me enviou” . E o Servo falando. Do mesmo modo, no discurso no Monte das Oliveiras: “ Mas a respeito daquele dia ou da hora ninguém sabe; nem os anjos no céu, nem o Filho, senão so­mente o Pai” . Só Marcos conserva a inserção do Senhor “ nem o Filho” . Por que? E o Servo falando; pois o Senhor mesmo disse: “ porque o servo não sabe o que faz o seu senhor” .

Só em Marcos as mãos de Jesus ficam tão em evidência. Quando Ele curou a sogra de Pedro, “ tomou-a pela mão” . Em Bet­saida Ele “ tomando o cego pela mão" e mais tarde “ impondo-lhe as mãos”. Depois disso, “ lhe pôs as mãos nos olhos” . Na cura do jovem possesso “ Jesus, tomando-o pela mão, o ergueu”. Ao fazer com que o homem surdo e mudo falasse e ouvisse Ele “ pôs-lhe os dedos nos ouvidos” . Esses detalhes só se encontram em Mar­cos, assim como a pergunta surpresa: “ Donde vem a este estas coi­sas? Que sabedoria é esta que lhe foi dada? e como se fazem tais maravilhas por suas mãos?” (Mc 6.2). A repetida proeminência dessas mãos será involuntária? Ou constitui outra contribuição

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para o aspecto de Servo assumido pelo Senhor? Não são as mãos o próprio símbolo do serviço?

Outros Aspectos ExclusivosÉ igualmente Marcos que enfatiza peculiarmente a discreção

do Senhor. “Tendo entrado numa casa, queria que ninguém o soubesse, no entanto não pôde ocultar-se” (7.24). “Tirando-o da multidão, à parte” (7.33). “ Levou-o para fora da cidade” (8.23).

Da mesma forma em Marcos observamos a atenção especial dada aos isolamentos do Senhor. “Tendo-se levantado alta ma­drugada, saiu, foi para um lugar deserto, e ali orava” (1.35). “ Vin­de repousar um pouco, à parte, num lugar deserto... Então foram sós no barco para um lugar solitário” (6.31, 32).

Ainda em Marcos os olhares e sentimentos do Senhor são mais considerados do que em qualquer outro lugar. “Olhando ao redor, indignado e condoído com a dureza dos seus corações”(3.5). “ Ele, porém, olhava ao redor para ver aquela que fizera isto” (5.32). “ Erguendo os olhos ao céu, suspirou” (7.34). “ Je­sus, porém, voltou-se e, fitando os seus discípulos, repreendeu a Pedro (8.33). “Admirou-se da incredulidade deles” (6.6). “ Je­sus, porém, vendo isto, indignou-se” (10.14). “ Mas Jesus, fitan­do-o, o amou” (10.21). “ Jesus, porém, arrancou do íntimo do seu espírito um gemido" (8.12).

Todos esses toques pessoais são apenas de Marcos, assim co­mo outros que poderiam ser citados. A medida que se acumulam, não se torna aparente que se trata de fios propositalmente tecidos em um padrão predeterminado? Reflita sobre eles. Todos repre­sentam características que se fundem na apresentação de Marcos, mostrando o Senhor como SERVO.

O título “Senhor ”Até mesmo o título “Senhor” parece intencionalmente ex­

cluído deste segundo Evangelho. De acordo com Mateus e Lucas, o leproso disse: "Senhor, se quiseres, podes purificar-me” . Na tempestade no Mar da Galiléia, os discípulos clamam: "Senhor (ou, em Lucas: ‘Mestre’) salva-nos, perecemos!” Na última ceia, eles perguntam: “ Serei eu, SenhorV' Marcos omite o título em ca-

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da caso. Embora “ Mestre” ocorra no relato da tempestade em Marcos, não é a mesma palavra grega empregada por Lucas; e lemos a queixa quase rude (peculiar ao relato do Marcos): “ Não te importa que pereçamos!” — como se fosse culpável o fato dAquele que estava sempre trabalhando ser encontrado dormin­do!

Apesar do título “ Senhor” sp dirigido a Ele entre 70 e 80 vezes nos outros três evangelhos, ele nunca é usado em Marcos— pelo menos antes de sua ressurreição; exceto no capítulo 7.28, onde a mulher siro-fenícia o emprega mais no sentido de “ sr.” (em 9.24 a palavra não se apóia em autoridade de manuscrito; e em 10.51 é apenas Rabino). Na Edição Revista e Atualizada em português, 9.24 omite o título e 10.51 inclui “ Mestre” . Só no último parágrafo deste segundo evangelho Marcos chama Jesus de “ Senhor” — só depois do Servo ter terminado a obra que lhe foi conferida na terra e ser exaltado ao trono nos céus!

A Palavra-Chave de MarcosA palavra que caracteriza Marcos acima de todas as outras

é eutheos, traduzida como “ imediatamente” , “ na mesma hora”, “ incontinente” , etc. Ela é quase como que a assinatura repetida do autor nas atividades intensas que se acumulam na primeira fa­se da história. “ Logo no sábado, foi ele ensinar na sinagoga” (1.21). “ Então correu célere a fama de Jesus em todas as direções”(1.28). “ E, saindo eles da sinagoga, foram, com Tiago e \oão dire­tamente para a casa de Simão e André” (1.29). “ E imediatamente a febre a deixou” (1.31). A versão em português omite o termo imediatamente. Essas são apenas quatro das oito ocorrências no primeiro capítulo. A palavra ocorre 42 vezes em Marcos; apenas sete em Mateus e uma em Lucas. Da mesma forma que os regis­tros de Júlio César sobre a Guerra na Gália estão repletos da pa­lavra “ rapidamente” , a biografia de Jesus contada por Marcos repete eutheos. Isto não concorda de novo com a ênfase sobre serviço — serviço pronto, incansável, ativo, diligente?

Esses toques diferentes são apenas alguns escolhidos entre muitos. Eles bastam porém para mostrar como a ênfase dada ao Senhor no papel de SERVO é mantida através de todo o segun­do Evangelho. Num endosso culminante, o pequeno rolo ter­

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mina com estas palavras: "De fato o Senhor Jesus, depois de lhes ter falado, foi recebido no céu, e assentou-se à destra de Deus. E eles, tendo partido, pregaram em toda parte, COOPERANDO COM ELES O SENHOR, e confirmando a palavra por meio de sinais, que se seguiam.”

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O EVANGELHO SEGUNDO MARCOS (2) Lição NP 13

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NOTA:Para este estudo releia o segundo Evangelho, marcando suas divisões maiores e menores, à medida que se tornem claras.

“ No momento em que aceitamos os Evangelhos como reve­lação divina, abandonamos o “ protegido” dos críticos, o “ Jesus histórico” e nos colocamos na presença de nosso divino Senhor e Salvador. De suas mãos recebemos as Escrituras Hebraicas. Por três vezes, ao ser tentado, Ele apelou para o Livro de Deuteronô- mio como a Palavra de Deus — sua única defesa e resposta para os argumentos e reivindicações do Diabo.

— Sir Robert Anderson.

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O EVANGELHO SEGUNDO MARCOS (2)

Mesmo em nosso exame preliminar deste segundo evangelho, encontramos peculiaridades fascinantes em número suficiente pa­ra refutar a idéia imerecida mas constante de que ele é o menos importante dos quatro.

Entristecemo-nos ao observar nosso velho comentarista favo­rito, Matthew Henry, embaraçado numa meia-desculpa: “Quando muitas testemunhas são chamadas para dar testemunho dos mes­mos fatos não devemos considerar tedioso, mas altamente neces­sário de que devam relatar os incidentes ocorridos em suas próprias palavras repetidamente, a fim de estabelecer a verdade pelo seu tes­temunho simultâneo”. Ele não vê em Marcos mais que uma repe­tição de Mateus “ porque o homem tende a esquecer as coisas” .

Outros opinam que Marcos é um resumo de Mateus; o grande erro em que incorrem é apontado pelo fato de que o seu registro das atividades do Senhor é definitivamente mais longo do que Ma­teus.

Todas essas depreciações comparativas dos registros de Mar­cos resultam da ignorância de sua interpretação especial do Se­nhor em seu aspecto de SERVO.

A observação de E. A. Thompson é objetiva: “Com toda cer­teza, embora posterior a Mateus, Marcos não pode ser tido tendo copiado ou resumido Mateus: existem tantas características dis­tintas, especialmente tais minúcias e plenitude de detalhes teste­munhados e atestados pessoalmente, em quase tudo que ele regis­tra, levando-nos irresistivelmente a concluir que o seu Evangelho é também original no sentido apropriado — fruto de observação independente, de autoria também independente”. O mesmo es­critor tem plena consciência de que esses e outros toques que ex­clusivamente pertencem a Marcos se juntam no propósito unifica-

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dor de projetar Cristo principalmente como Servo de Deus, o po­deroso Obreiro.

Detalhes Extras, Toques Vivos

Vale a pena notar aqui alguns exemplos desses detalhes ex­tras e toques aguçados da pena de Marcos. Eles ajudarão a mos­trar-nos quanto devemos a ele pelo retrato completo que temos do Senhor “ nos dias da sua carne” . O Bible Handbook (“ Manual Bíblico” ) de Angus, diz muito bem: “ Ele freqüentemente supera os outros sinóticos nos detalhes vivos, completos e pitorescos” .

Considere os seguintes exemplos como toques-extra de pers­pectiva descritiva: “ E ali esteve (Jesus) no deserto quarenta dias, tentado por Satanás. E vivia entre as feras” (1.13). “ E toda a ci­dade se ajuntou à porta” (1.33). “ Dias depois, entrou Jesus de no­vo em Cafarnaum, e logo correu que estava em casa” (2.1). “ E logo se ajuntaram tantos, que nem ainda nos lugares junto à porta cabiam” (2.2). “ E, não podendo aproximar-se dele, por causa da multidão, descobriram o telhado onde estava, e, fazendo um bu­raco, baixaram o leito em que jazia o paralítico” (2.4). “ E eles, deixando a multidão, o levaram consigo, assim como estava, no barco; e havia também com ele outros barquinhos. E levantou- se grande temporal de vento, e subiam as ondas por cima do bar­co, de maneira que já se enchia. E ele estava na popa dormindo sobre uma almofada" (4.36-38). “ Então Jesus lhes ordenou que todos se assentassem em grupos sobre a relva verde” (6.39). “ E o fizeram, repartindo-se em grupos de cem em cem, e de cinqüen­ta em cinqü‘enta" (6.40). “ E, vendo-os em dificuldade a remar” (6.48). “ Por volta da quarta vigília da noite, veio ter com eles, andando por sobre o mar; e queria tomar-lhes a dianteira” (6.48).

“ Saindo eles do barco, logo o povo reconheceu Jesus;e, per­correndo toda aquela região, traziam em leitos os enfermos, para onde ouviam que ele estava” (6.53-55). “ Onde quer que ele entras­se nas aldeias, cidades ou campos, punham os enfermos nas pra­ças” (6.56). "Há três dias que permanecem (a multidão) comigo... Se eu os despedir para suas casas em jejum... desfalecerão pelo ca­minho; e alguns deles vieram de longe” (8.2, 3). “ No barco, não tinham consigo senão um só (pão)” (8.14). “As suas vestes torna­

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ram-se resplandecentes e sobremodo brancas, como nenhum iavan- deiro na terra as poderia alvejar” (9.3). “ Trazendo uma criança, colocou-a no meio deles e, tomando-a nos braços, disse-lhes” (9.36). “ Correu um homem ao seu encontro e, ajoelhando-se”(10.17). “ Estavam de caminho, subindo para Jerusalém, e Jesus ia adiante dos seus discípulos. Estes se admiravam e o seguiam tomados de apreensões” (10.32). “Lançando de si (o cego Barti- meu) a capa, levantou-se de um salto e fo i ter com Jesus” (10.50). “ Então foram e acharam o jumentinho preso, junto ao portão, do lado de fora” (11.4). “ Duas pequenas moedas correspondentes a um quadrante” (12.42). "Ah!” (15.29). “ Quem nos removerá a pedra da entrada do túmulo?... pois era muito grande" (16.4). To­dos esses incidentes cheios de vida devemos a Marcos.

Nomes, Horários, Números, Locais

Observe também como Marcos, de um modo todo seu, espe­cifica nomes, horários, números, lugares. “ Tiago e João, aos quais deu o nome de Boanerges, que quer dizer, filhos do trovão”(3.17). “ Quando saía de Jericó, juntamente com os discípulos e numerosa multidão, Bartimeu, cego mendigo... estava assentado à beira do caminho” (10.46). “ E obrigaram a Simão Cireneu que passava, vindo do campo, pai de Alexandre e Rufo, a carregar-lhe a cruz” (15.21).

“ Tendo-se levantado alta madrugada” (1.35). “ Naquele dia, sendo já tarde" (4.35). “ Em vindo a tarde (i.e., a cada dia), saíram da cidade” (11.19). “ Era a hora terceira quando o crucificaram” (15.25).

“ Alguns foram ter com ele, conduzindo um paralítico, leva­do por quatro homens” (2.3). “ Os espíritos imundos entraram nos porcos; e a manada que era cerca de dois mil, precipitou-se despe­nhadeiro abaixo” (5.13). “ Chamou Jesus os doze (apóstolos) e passou a enviá-los dois a dois” (6.7). “ Antes que duçs vezes can­te o galo, tu me negarás três vezes” (14.30). “ E logo cantou o ga­lo pela segunda vez. Então Pedro se lembrou” (14.72).

“ De novo saiu Jesus para junto do mar" (2.13). “Entre dois caminhos" (11.4). “ E, estando Jesus assentado defronte da arca do tesouro” (12.41). “ O centurião que estava em frente dele”

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15.39). “ Entrando no túmulo, viram um jovem assentado ao la­do direito" (16.5).

Cremos não haver mais necessidade de outros exemplos, pois os incluídos são suficientes para mostrar quanto colorido e deta­lhes significativos nos são transmitidos por esse segundo evangelho; além do mais, eles servem para indicar a fragilidade de qualquer teoria no sentido de Marcos ser simplesmente um resumo de Ma­teus ou Lucas. Não existe quase nenhum incidente comum aos três sinóticos, que não tenha sido enriquecido ou reavivado por Marcos através de alguma contribuição exclusiva. Os que toma­rem tempo para aprofundar-se neste aspecto irão tirar muito pro­veito do estudo.

Existe uma ênfase característica através da repetição: “ Mas tendo ele saído, entrou a propalar muitas coisas e a divulgar a notícia” (1.45); “ E deram fru to que vingou e cresceu" (4.8); “Não o conheço, nem compreendo o que dizes” (14.68). Vemos os toques de dramática realidade através da preservação de Mar­cos das próprias palavras que sairam dos lábios do Senhor no dia­leto aramaico, algumas vezes com uma interpretação, e.g. “ Talita cumi” (5.41); “ E Corbã” (7.11); “Efatá, que quer dizer: Abre­te” (5.34); “Abba, Pai” (14.36); “Eloí, E lo í" (15.34). Neste cur­to evangelho é que encontramos quase todos os instantâneos da aparência, gestos e reações emocionais do Senhor. Nas três ou qua­tro primeiras leituras de Marcos, essas são as coisas que chamam a atenção do leitor interessado, em lugar das divisões claras da narrativa; por isso as mencionamos em primeiro lugar. Existe certa­mente um plano ordenado e progresso, mas estes estão subordina­dos ao propósito principal de retratar, da maneira mais viva e des­critiva, Jesus trabalhando-, Jesus como o Servo do Senhor; Jesus o Obreiro Poderoso.

Relato da Transfiguração Feito por Marcos

Para confirmar o que ficou dito acima, vejamos a interpreta­ção de Marcos de apenas um incidente completo comum aos três sinóticos, a saber, a cura do jovem endemoninhado, logo depois da transfiguração do Senhor no monte. Apresentamos aqui a nar­rativa inteira de Marcos, enfatizando em grifo os aspectos que lhe

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são peculiares. Não ressaltamos as formas variantes de dizer a mes­ma coisa, mas apenas aqueles toques contidos em Marcos, mas não em Mateus ou Lucas.

“ Quando eles se aproximaram dos discípulos, viram numero­sa multidão ao redor, e que os escribas discutiam com eles.

E logo toda a multidão ao ver Jesus, tomada de surpresa, correu para ele, e o saudava. Então ele interpelou os escribas: Que é que discutíeis com eles? E um, dentre a multidão, respondeu: Mestre, trouxe-te o meu filho , possesso de um espírito mudo; e este, onde quer que o apanha, lança-o por terra e ele espuma, rilha os dentes e vai definhando. Roguei a teus discípulos que o expe­lissem, e eles não puderam. __

Então Jesus lhes disse: O geração incrédula! até quando esta­rei convosco, até quando vos sofrerei? Trazei-mo.

E trouxeram-lho; quando ele viu a Jesus, o espírito imediata­mente o agitou com violência, e, caindo ele por terra, revolvia-se espumando.

Perguntou Jesus ao pai do menino: Há quanto tempo isto lhe sucede? Desde a infância, respondeu; e muitas vezes o tem lançado no fogo e na água, para o matar; mas, se tu podes alguma coisa, tem compaixão de nós, e ajuda-nos.

Ao que lhe respondeu Jesus: Se podes! tudo é possível ao quecrê.

E imediatamente o pai do menino exclamou (com lágrimas): Eu creio, ajuda-me na minha falta de fé.

Vendo Jesus que a multidão concorria, repreendeu o espírito imundo, dizendo-lhe: Espííito mudo e surdo, eu te ordeno: Sai deste jovem e nunca mais tornes a ele.

E ele, clamando, agitando-o muito saiu, deixando-o como se estivesse morto, ao ponto de muitos dizerem: Morreu.

Mas Jesus, tomando-o pela mão, o ergueu, e ele se levantou (mais literalmente: Jesus, agarrando sua mão, levantou-o, e ele fi­cou de pé!)"

Como essas interessantes inserções estão de acordo com o propósito principal de Marcos, retratando-nos Jesus como o pode­roso Obreiro! Veja o majestoso poder de Jesus em contraste com os discípulos sem poder, frustrados e perplexos por aquele desa­fio satânico, embora eles tivessem praticado e provado o poder que lhes fora conferido de exorcisar demônios.

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Devemos realmente muito a este evangelho mais curto que todos, com seu vigor de estilo, seus traços acentuados e seus deta­lhes descritivos. Devemos lê-lo com freqüência, a fim de apreciá- lo melhor. Ele sempre acaba nos surpreendendo a cada passo — especialmente quando lido em uma versão moderna — com novos ângulos sobre as coisas e novas percepções quanto à importância da pessoa de Jesus. Cada parte do mesmo causará novo fascínio se mativermos “ este mesmo Jesus” fotograficamente diante de nós como o Servo de Deus, o poderoso Obreiro.

Há anos atrás, alguém que é agora amigo meu fo i induzido por uma circunstância aparentemente incidental a ler o livro de Marcos. Ele gostava de “ histórias” interessantes e ficou tão empol­gado que sem qualquer outra ajuda converteu-se realmente a Cris­to. Esse homem.é hoje um ministro do evangelho de grande in­fluência; mas depois de um período de vinte anos ou mais ele con­tinua afirmando que não existe outro livro na Bíblia como o “ Evangelho Segundo Marcos” !

E Agora — O Plano

Três perguntas devem ser feitas ao começar o estudo de um livro das Escrituras: (1) Qual seu objetivo principal? (2) Qual seu plano em termos gerais? (3) Quais seus aspectos essenciais? E es­sa é a ordem certa. Marcos, no entanto, nos força a inverter isso. Essa é a razão pela qual não o submetemos a uma análise até ago­ra. Os outros três escritores dos Evangelhos indicam claramente seu propósito (veja Lc 1.1-4; Jo 20.31 e o “ Para que se cumpris­se” de Mateus), mas em Marcos são os aspectos que nos guiam tanto ao propósito como ao plano.

Esses aspectos, como vimos, têm claramente como alvo prin­cipal retratar Jesus em sua condição de Servo. Eles são também indicadores para uma verdadeira análise. O livro de Marcos não se divide em seções determinadas, mas em movimentos. E claro que pode ser proveitosamente dividido numa análise simples. Qualquer das seguintes serviria.

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Introdução: “ Vem Aquele” (1.1-8).1. O JO R D Ã O -

E OBRAS PODEROSAS NA G ALILÉ IA (1.9-9.50).2. A VIAGEM -

E SEMANA FINAL EM JERUSALÉM (10.1-15). Ponto alto: “ Ele ressuscitou” (16).

OU

Introdução: João Batista, o Batismo, a Tentação . (1.1-13).

1. MINISTÉRIO INICIAL (1.14-9.50).2. MINISTÉRIO FINAL (10.1-15.47).

Encerramento: Ressurreição, Comissão, Ascensão (16).

O material como um todo fica assim “ corretamente dividido” e se presta à outras análises ou subdivisões. De uma certa forma porém não se trata de uma representação realista da recitação viva de Marcos sobre o drama supremo. O resumo do Dr. Campbell Morgan mostra uma imaginação mais viva. A introdução (1.1-13) ele chama de Santificação; os capítulos 1.14 a 8.30, Serviço; e os capítulos 8.31 a 16, Sacrifício. Seu olhar perspicaz apaphou o des­vio significativo da ênfase a partir do capítulo 8.31. É porém es­tranho que nenhum destaque tenha sido dado ao estupendo final da ressurreição e ascensão!

Penetrando na História

Vamos, rapidamente, rever os capítulos de Marcos, tomando conhecimento da história e fazendo sempre a seguinte pergunta: Quais os principais significados que Marcos pretende destacar pa­ra nós?

Logo nos parágrafos iniciais aquelas quatro vozes nos supreen- dem pela sua designação desse Jesus que aparece agora em cena:

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Marcos — “ Jesus Cristo, FILHO DE DEUS.”/saías — “ Preparai o caminho do SENHOR.”João - “ Aquele... MAIS PODEROSO.”DEUS - “ Tu és o MEU FILHO AM ADO .”

Em seguida começa o ministério na Galiléia e Marcos faz sua narrativa de tal modo que não podemos deixar de exclamar: “ É verdade, e que m in istério !” Atos milagrosos se repetem através de todo o capítulo um. Os capítulos 2 e 3 continuam a marcha dos prodígios, apresentando também a surpreendente originalida­de irrefutável, para não dizer pouco convencional, das respostas e pronunciamentos do bondoso Operador de Milagres. Parábolas- modelo foram incluídas brevemente no capítulo 4, mas são se­guidas rapidamente por milagres ainda maiores — o acalmar da tempestade; a expulsão de uma “ legião” de demônios; a cura do incurável; e até a ressurreição de mortos! Prodígios ainda mais espetaculares são encontrados nos capítulos 6, 7, 8 — a alimenta­ção dos cinco mil pela multiplicação criativa de pedaços de pão; o passeio noturno pelo mar agitado; demonismo, surdez e mu­dez curados; e a alimentação dos quatro mil com os sete pães.

Tudo isto em tão poucos capítulos, com tanta rapidez e energia! — e pontuado por referência ao efeito magnético sobre a multidão, as massas que cresciam cada vez mais, as diversas curas, a grande frustração da minoria de críticos e a crescente onda de popularidade:

“Maravilharam-se da sua doutrina” (1.22).“ Todos se admiraram” (1.27).“ Então correu célere a fama de Jesus em todas as direções”

(1.28).“ E de toda parte vinham ter com ele” (1.45).“ Muitos afluíram para ali, tantos que nem mesmo junto à

porta eles achavam lugar” (2.2).“ A ponto de se admirarem todos... Jamais vimos coisa as­

sim” (2.12).“ Toda a multidão vinha ao seu encontro” (2.13).“ Seguia-o da Galiléia uma grande multidão. Também da

Judéia, de Jerusalém, da Iduméia, dalém do Jordão e dos arre­dores de Tiro e Sidom uma grande multidão, sabendo quantas coi­sas Jesus fazia” (3.7, 8).

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“ Por causa da multidão, a fim de não o comprimirem” (3.9).“ Também os espíritos imundos, quando o viam ,prostravam-

se diante dele e exclamavam: Tu és o Filho de Deus” (3.11).“ A multidão afluiu de novo, de tal modo que nem podiam

comer” (3.20).“ Voltou Jesus a ensinar... E reuniu-se numerosa multidão a

ele” (4.1).“ Quem é este que até o vento e o mar lhe obedecem?” (4.41).“ A flu iu para ele grande multidão” (5.21).“ Então ficaram todos sobremaneira admirados” (5.42).“ Muitos, porém... correram para lá, a pé, de todas as cida­

des” (6.33) (o v. 44 mostra que eram milhares).“ E, percorrendo toda aquela região, traziam em leitos os en­

fermos, para onde ouviam que ele estava. Onde quer que ele en­trasse nas aldeias, cidades ou campos, punham os enfermos nas praças, rogando-lhe que os deixasse tocar ao menos na orla da sua veste; e quantos a tocavam saiam curados” (6.55, 56).

“Maravilhavam-se sobremaneira, dizendo: Tudo ele tem feito esplendidamente bem (7.37).

Assim prossegue a história incomparável. Nada que se pudesse comparar a isso jamais fora visto desde a fundação do mundo. Es­te é verdadeiramente o Filho do Deus Bendito! Este é verdadeira­mente o Cristo de Israel! Este é finalmente o Rei há tanto espera­do! O reino dos céus chegou! Todos afluem para Ele. Os curados, os abençoados, os agradecidos, os que aplaudem estão em toda parte. A aclamação pública chegou ao auge. Ele com certeza será agora levado numa enorme maré de entusiasmo até a coroa e o ce­tro que lhe pertencem de direito em Jerusalém!

Mas, nada disso. De repente a luz dim inui, o ar esfria: pois no capítulo 8.31 lemos (com bastante surpresa se tivermos real­mente “ penetrado” na história):

“ Então começou ele a ensinar-lhes que era necessário que oFilho do homem SOFRESSE muitas cousas, fosse rejeitadopelos anciãos, pelos principais sacerdotes e pelos escribas,fosse MORTO” .

Não há dúvida que Mateus e Lucas registram igualmente is­so, mas não com a mesma divisão significativa de Marcos. Só Mar-

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cos comenta: “ E isto ele expunha CLARAM ENTE” . Foi a publi­cidade, acentuando o choque, que provocou a reação de Pedro (v. 32); mas a réplica do Senhor fo i tornar o assunto ainda mais público, pojs Marcos acrescenta no v. 34: “ Então, convocando a M U LTID ÃO e juntamente com os discípulos, disse-lhes: Se al­guém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me”.

Foi isso que aconteceu, logo depois do testemunho culm i­nante dos discípulos agora convictos: “ Tu és o Cristo” . No mo­mento em que parece ter sido alcançado um ponto crítico, as esperanças são destruídas e surge esta brusca e surpreendente transição. Em lugar de um trono esperando na capital, há uma cruz! Em lugar da púrpura real, a morte de um criminoso! O fato de alguém como ELE ser assim desdenhado, morto, envergonha­do, e que TA L ministério de obras poderosas, curas graciosas e sa­bedoria superior devesse terminar em tanta ignomínia, é quase inconcebível: fo i a recusa mais trágica e o maior enigma de todas as eras.

Fica bastante claro pelo estilo de Marcos que devemos con­siderar os fatos dessa forma. Na verdade, embora os discípulos se deixassem enganar pelas aparências e*as multidões pela sua própria superficialidade, o Profeta de Nazaré discernira perfeita­mente a realidade. Ele sabia como o clamor do povo era insubs- tancial; como a inimizade dos líderes do Sinédrio e dos escribas era poderosa; e como o povo não estava disposto a responder de coração ao desafio moral do “ reino de Deus” . A oposição se esta­belecera desde o início; ela era amarga e persistente (2.7, 16, 22; 7.1, 2; 8.11). No começo da narrativa, Jesus se referira aos ou­vintes que eram como um “ solo rochoso” , àqueles que se escanda­lizavam quando surge “perseguição por causa da palavra” e de ou­tros em quem “ os cuidados do mundo sufocam a palavra” . Ele já explicara com triste ironia o motivo de usar parábolas: “ Para que vendo, vejam, e não percebam; e ouvindo, ouçam, e não en­tendam, para que não venham a converter-se e haja perdão para eles” (4.12-19).

Não obstante, a súbita mudança de aspecto no capítulo 8.31 é espantosa. Não há porém meios de evitá-la, pois a partir desse ponto a cruz domina os pensamentos do Senhor e está constan­temente em seus lábios (9.12, 31; 10.21, 10.32-34, 38, 45; 12.7, 8;

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14.8, 18, 22-25). No relato de Marcos é “ a grande divisão”, de mo­do que a história se enquadra em duas partes nítidas — as OBRAS PODEROSAS realizadas por Ele (1.14-8.30) e o TRÁGICO ENIG­MA de sua rejeição (8.31 cap. 15).

Façamos agora um resumo. A idéia-chave em Marcos é a apresentação do Senhor como Servo de Deus, o poderoso Obrei­ro. O versfculo-chdtve é 10.45: “ Pois o próprio Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar sua vida em resga­te por muitos” . A palavra-chwe é “ imediatamente”. Podemos fa­zer um quadro completo como segue:

O EVANGELHO SEGUNDO MARCOS

Idéia-chave: Jesus, o Servo de Deus, o Poderoso Obreiro. Verso-chave: 10.45 — “ Para servir e dar a sua vida.” Palavra-chave: Euthios — “ imediatamente” , “ logo” , etc.

Prólogo: Quatro Vozes O Anunciam:(1:1-13)

“ Filho de Deus,” “O Senhor,” “Aquele... Mais Poderoso,” “ Meu F ilho ’

1. AS OBRAS PODEROSAS (1:14-8:30).Primeira mensagem e discípulos

(1:14-20).Primeiros milagres e efeitos

(1 :21-2 :12)Primeiras críticas — e respostas

(2:13-3:6)Afluência das multidões: Escolha

dos Doze (3:7-19)Advertência aos Escribas: resposta

aos parentes (3:20-35).Parábolas = poucos "bons” ouvintes

(4:1-34).

Mais obras poderosas e efeitos (4:35-6:6).

Os Doze capacitados e enviados (6:7-13)

A idéia de Herodes: o relato dos Doze (6:14-31)

Milagres ainda mais poderosos (6:32-56).

Críticas; gemidos; últimos sinais (7:1-8:26).

Testemunho: “ Tu és o Cristo” (8:27-30).

2. O TRÁG ICO ENIGM A (8:31-15) Nova e estranha nota: a Cruz

(8:31-9:1).A transfiguração: de novo a Cruz

(9:2-13).

A entrada triunfal: Dial( 1 1 : 1 - 11 ).

A figueira: Purificação doTemplo:(11:12-19) Dia 2

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Grande Milagre: de novo a Cruz (9:14-32)

Apóstolos censurados; aconselhados (9:33-50)

Judéia novamente: palavras, feitos (10:1-31).

Para J erusalém: Cruz em vista (10:32-52).

Inimigos: Profecia no Montedas Oliveiras: (11:20-13) Dia 3

Betânia — e traição: Dia 4(14:1-11).

Páscoa — J ard i m — J u Iga-mento: (14:12-72) Dia 5

Pilatos; Cruz; Sepultamento: Dia 6(15:1-47).

Final: Triunfo quádruplo (16).

Ressurreição (1-8). Aparições (9-18). Ascensão (19). Trabalho (20).

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O EVANGELHO SEGUNDO MARCOS (3)

Lição N.° 14

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NOTA: Nesta seção final de Marcos, procure todas as referên­cias do Novo Testamento sobre a pessoa dele, com a ajuda de uma concordância. Leia também cuidadosa­mente outra vez os capítulos 1 e 16 e Atos 10.

AUTORIA

Parece discutível que qualquer dos quatro evangelhos con­tivesse originalmente o título ou o nome do autor. Não ficamos porém em dúvida quanto à autoria deste segundo evangelho. Desde os dias sub-apostólicos a tradição dá firme testemunho de três fatos: (1) um registro das palavras e obras do Senhor foi es­crito por alguém chamado Marcos; (2) esse registro era aquele que hoje conhecemos como o Evangelho Segundo Marcos;(3) este Marcos é o João Marcos que aparece em Atos e nas epístolas do Novo Testamento. Esse tem sido o ponto de vista mantido por todos. E também o veredicto renovado dos erudi­tos da atualidade.

- J. S. B.

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O EVANGELHO SEGUNDO MARCOS (3)

Nesta contribuição final sobre o segundo evangelho iremos referir-nos brevemente a quatro assuntos de grande interesse:(1) a pessoa do autor; (2) a influência de Pedro sobre ele; (3) os primeiros leitores a quem fo i dirig ido; (4) seus valores espiri­tuais.

A Pessoa de Marcos

O próprio Marcos chama merecidamente nossa atenção. Vacilante a princípio, mas agradável e louvável mais tarde, ele constitui um estudo estimulante. Veja quando aparece pela primeira vez em Atos 12.12. O nome de sua mãe, “ Maria” , indica que era judia. Ele também tinha um nome judeu e um sobrenome romano, “ João” e “ Marcos” ; seu pai pode ter sido então romano. A casa deles era evidentemente grande e servia de ponto de encontro para os primeiros cristãos. Ao que tudo indica eram pessoas abastadas, como também o tio de Marcos, Barnabé, parece ter sido (A t 4.37).

Em Atos 12.25, Barnabé e Paulo levam Marcos com eles para Antioquia e mais tarde mostram sua confiança, fazendo- o acompanhá-los naquela primeira épica viagem missionária(13.5). Infelizmente, porém, quando eles chegam a Perge, nas fronteiras do grande mundo pagão, a coragem de Marcos falha e ele volta para casa (13.13). Quando mais tarde Barnabé quer

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levá-lo novamente em sua companhia, numa outra viagem, Paulo e ele discordam de tal forma sobre o assunto que ambos se sepa­ram e Barnabé segue para Chipre com Marcos (15.36-41).

A partir desse ponto não ouvimos mais falar de Barnabé; mas Marcos reaparece nas epístolas e de maneira muito louvável. Quase vinte anos se passaram. Paulo, um veterano cheio de cica­trizes das batalhas, acha-se prisioneiro em Roma. Ele envia uma carta para alguns cristãos distantes numa pequena cidade da F ri­gia — a “ Epístola aos Colossenses” . No capítulo 4.10 ele diz: “ Saúda-vos Aristarco, prisioneiro comigo e Marcos, primo de Barnabé (sobre quem recebestes instruções; se ele fo r ter con­vosco, acolhei-o)” . Marcos continua então vivo e ativo a servi­ço de Cristo, junto com Paulo novamente! De fato, ele está apa­rentemente planejando uma visita evangelística à Ásia Menor, justamente o lugar de onde retornara antes! Essa é talvez a ra­zão pela qual Paulo diz aos Colossenses, cuja pequena cidade f i­ca na possível trajetória da viagem de Marcos: “ Se ele fo r ter convosco, acolhei-o” .

Mais interessante ainda é o acréscimo fe ito por Paulo nov. 11: “ Os quais são os únicos da circuncisão que cooperam pessoalmente comigo pelo reino de Deus. Eles têm sido o meu lenitivo” . Só três judeus cristãos permaneceram fiéis a Paulo e um deles é Marcos! Paulo fala dele agora como um “ coopera- dor” e um “ consolo” ! (Veja também Filemom 24.) Houve en­tão completa restauração!

Marcos é novamente mencionado na últim a carta de Paulo antes de seu m artírio. Ele não tem outro companheiro agora se­não Lucas, “ o médico amado” . No capítulo 4.9-11 ele escreve: “ Procura v ir ter comigo depressa. Porque Demas, tendo amado o presente século, me abandonou e se fo i para Tessalônica; Crescente fo i para a Galácia, T ito para a Dalmácia. Somente Lu­cas está comigo. Toma contigo a Marcos, e traze-o, pois me é útil para o ministério" (2 Tm 4.10). Paulo queria ter Marcos no­vamente a seu lado! Marcos provara ser um amigo leal dele em ocasião anterior em Roma. Marcos dera testemunho de sua cora­josa dedicação a Cristo através dos anos e sua falha inicial em Perge fo i completamente esquecida!

Encontramos novamente uma menção de Marcos, desta vez por parte de Pedro. Leia 1 Pedro 5.13: “ Aquela que se encontra

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em Babilônia, também eleita, vos saúda, como igualmente meu filho M a r c o s Esta designação afetuosa indica ter sido Pedro (como seria de se esperar) que gerou Marcos como convertido a Cristo: mas mostra outrossim que através dos anos Marcos provara ser verdadeiramente um “ f ilh o ” na fé para Pedro. Existem evidências claras de que havia um elo especial entre eles, como mencionaremos mais tarde.

Mas, o que Marcos estivera fazendo durante todos aque­les anos desde o primeiro dia em Perge e seu reaparecimento nas últimas epístolas de Paulo? A tradição, que não temos motivo para pôr em dúvida, nos informa de seu notável ministério no Egito, ganhando muitos convertidos, e a fundação da primeira igreja de Cristo em Alexandria feita por ele. De fato, fo i o ex- desertor Marcos que invadiu a luxuriosa Alexandria, “ gloriosa com templos de mármore dedicados a Serapis e Isis” , com sua famosa biblioteca e intelectuais brilhantes, eclipsando os da pró­pria Roma!

Marcos não fo i então apenas aceito de volta pelos dois maiores apóstolos, como também o próprio Deus confirmou po­derosamente seu serviço para o Senhor. E isso também não é tudo, pois o Espírito de Deus veio especialmente sobre esse ho­mem e através de inspiração sobrenatural usou-o como um dos escritores dos quatro evangelhos a quem devemos os registros preciosos da vida do Salvador na terra. Que honra imperecível para o jovem que certa vez vacilou, tremeu e desistiu!

Além do mais, o jovem que deu meia-volta e fo i embora é o mesmo mártir glorioso que, com dedicação infinda ao mais amado de todos os mestres, entregou-se às mãos dos egípcios enfurecidos, sendo arrastado pelas ruas, atirado ferido e san­grando numa cela e depois queimado na fogueira.

Que nossos espíritos silenciem, nossos corações se curvem e dêem graças a Deus por João Marcos. Quanto consolo ele nos transmite, demonstrando que o fracasso inicial pode ser corri­gido, cancelado, expurgado, pela fidelidade posterior; que um começo fraco pode dar lugar a nobres empreendimentos; que a covardia natural pode ser transformada em heroísmo de mártir através da graça! “ O maior de todos os heróis é o covarde que se obriga a ser valente” , diz um livro de meus tempos de escola. “ Muitos potros desajeitados se transformam em cavalos de ra­

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ça” , diz Alexander Maclaren. Alguns de nós fariam bem em obser­var longa e firmemente a figura de João Marcos!

Os que estão nas alturas não são as almas,Dos que jamais erraram ou se desviaram,

Ou que alcançaram alvos elevados e compensadores,A o longo de um caminho suave, orlado de flores.

Não. Os que se encontram onde começa 0 manhã São aqueles que tropeçaram — mas prosseguiram.

A Influência de Pedro

Como já notado, existe uma nitidez de descrição e detalhe neste segundo evangelho que parece indicar c> fato do escritor ter sido testemunha ocular do que agora registra. Alguns dos toques incidentais parecem tão autênticos que só podemos supor tenham sido relatados por um dos apóstolos ou alguém transcrevendo dire­tamente de um apóstolo. Quem, senão um observador pessoal, um apóstolo, poderia ter-nos transmitido isso?

“ Naquele dia, sendo já tarde, disse-lhes Jesus: Passemos para a outra margem. E eles, despedindo a multidão, o leva­ram assim como estava, no barco; e outros barcos o seguiam. Ora, levantou-se grande temporal de vento, e as ondas se arre­messavam contra o barco, de modo que o mesmo já estava prestes a encher-se de água. E Jesus estava na popa, dorm in­do sobre o travesseiro. ”

Ponto após ponto, uma comparação de Marcos com Mateus ou Lucas indica a mesma familiaridade de primeira mão com o detalhe.

Se alguém então nos perguntasse qual dos principais apósto­los este evangelho reflete, o que responderíamos? Seria João, Tia­go, ou André? Nenhum deles. Seria Pedro? Sim. Já não sentimos como este segundo evangelho sugere de algum modo a maneira de Pedro dizer e fazer as coisas? Existe na narrativa de Marcos a mes­ma atividade intensa, impulsiva, compreensiva e enérgica da natu­reza de Pedro. Poderíamos concentrar este segundo evangelho mais

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corretamente numa sentença do que considerá-lo uma “ semelhan­ça ampliada” do discurso característico de Pedro à casa de Corné- lio, em Atos 10?

“ A palavra... se divulgou por toda a Judéia, tendo come­çado desde a Galiléia, depois do batismo que João pregou, co­mo Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e po­der, o qual andou por toda parte, fazendo o bem e curando a todos os oprimidos do diabo, porque Deus era com ele” , etc.

Além disso, há uma semelhança de natureza entre Pedro e Marcos que faz deste últim o o auxiliar perfeito do primeiro. Ao examinar as referências a Marcos, não encontramos o mesmo en­tusiasmo bem intencionado, impulsivo, compensado pela mesma tendência à súbita fraqueza, como em Pedro? Ambos demonstram franqueza sincera. Ambos falham gravemente no início, mediante o colapso da coragem: Pedro nega a seu Senhor — Marcos deserta em Perge. Mas ambos se recobram e são restabelecidos, não só ao serviço mais corajoso, mas também à mais destacada liderança.

Se não houvesse nada mais definido, ainda assim poderíamos descartar essas coisas como simples coincidências: mas o fato é que a ligação direta de Pedro com o evangelho de Marcos é confirma­da por testemunho externo confiável. Existe uma tradição, remon­tando aos dias sub-apostólicos, de que este segundo evangelho, em­bora atribuído a Marcos fo i na realidade escrito por ele como ama­nuense de Pedro, ou seja como tradutor e continuador de um ori­ginal preparado por Pedro em aramaico.

A evidência mais importante é a de Papias, bispo de Hierá- polis na Frigia, no início do segundo século. Ele escreveu um livro de cinco volumes, há muito perdido, An Exposition ofOrac/esof the Lord. Mas Eusébio, no final do terceiro século, cita três extra­tos do mesmo em sua obra “ Ecdesiastica! History” . Eis os dois pri­meiros:

Extrato 1.“ O que quer que eu tenha a qualquer tempo verificado

e guardado de memória, recebi dos Anciãos e registrei a fim de dar confirmação adicional da verdade pelo meu teste­munho... Sempre que me encontrei com alguém que tivesse

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seguido os Anciãos em qualquer parte, fiz questão de indagar quais foram as declarações destes; o que tinha sido d ito por André, Pedro, ou Filipe; por Tomé, Tiago, João, Mateus, ou qualquer dos discípulos do Senhor; o que fo i d ito por Aristion ou pelo presbítero João, discípulos do Senhor; pois não penso que tenha derivado tanto beneficio de livros como da voz viva daqueles que ainda viviam.”

(Deve ser notado que isto nos leva para bem perto dos dias dos apóstolos, dando ao seu testemunho bastante peso.)

Extrato 2.“ João, o presbítero, disse também isto: Marcos, sendo o

intérprete de -Pedro, o quer quer que tenha registrado escre­veu com grande exatidão, embora não na ordem em que foi falado ou feito pelo Senhor; pois ele não ouviu nem seguiu o Senhor, mas como dito antes, acompanhou Pedro, que lhe deu as instruções necessárias, mas não para apresentar um his­tórico dos discursos do Senhor. Por conseguinte, Marcos não errou em nada, escrevendo algumas coisas como as registrou, pois teve o máximo cuidado em um ponto: não passar por cima de qualquer coisa que tivesse ouvido ou declarar qual­quer falsidáde nesses relatos.”

Em minha opinião, Marcos fo i o compilador-tradutor dos re­gistros já escritos por Pedro, em aramaico, muitos deles registrados na ocasião ou logo depois da ocorrência dos eventos e formando uma espécie de diário. Penso que outros dos apóstolos também de­vem ter escrito “ memórias” simultâneas. Todavia, quer tenha sido ou não assim, Papias não deixa dúvidas quanto à influência espe­cial de Pedro sobre este “ Evangelho Segundo Marcos” . De fato, Justino Mártir, em meados do segundo século cita o nosso Marcos 3.17 como extraído das “Memórias de Pedro”!

No momento em que esta produção conjunta é apreciada, o Evangelho de Marcos ganha novo interesse. E a história dq Pedro. Os olhos ativos de Pedro, seus ouvidos e mãos, participam de tudo. A narrativa vibra com seu espírito enérgico. Vemos também por­que algumas coisas são /Wcluídas e outras excluídas sobre o pró­prio Pedro.

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Leia de novo os capítulos e veja.O capítulo 1.29 diz: “ Foram... diretamente para a casa de Si-

mão e André". Apenas um daqueles toques peculiares a este evan­gelho que mostra a mão de Pedro, o qual sabia que a casa pertencia também ao irmão e quis registrar cuidadosamente este fato.

Mateus e Lucas nos contam que o discurso de Jesus no Monte das Oliveiras fo i em resposta a uma indagação feita pelos discípu­los; mas este evangelho diz: “ Pedro, Tiago, João e André lhe per­guntaram em particular” (13.3).

No Capítulo 11.21 lemos que fo i Pedro quem notou como a figueira secara depressa.

E notável como certos incidentes que honram a Pedro são omitidos deste evangelho, por um motivo que podemos apreciar, sabendo que se trata do relato de Pedro. Não há menção dele ter andado sobre o mar; da bênção pronunciada sobre a sua pessoa quando testemunhou em nome dos Doze: “ Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo” . No relato da ressurreição não encontramos aqui, como em Lucas, “ O Senhor ressuscitou e já apareceu a Simão!” (Lc 24.34). Nada disso, a distinção honrosa é dada a Maria Madale­na (Mc 16.9).

Por outro lado, a negação do Senhor por parte de Pedro é contada com mais detalhes em Marcos, com a agravante de que não fo i senão quando “ o galo cantou pela segunda vez” que Pedro então “ se lembrou” da triste previsão de Jesus. Tanto Mateus co­mo Lucas dizem que Pedro “ saiu e chorou amargamente” . Em Marcos temos apenas: “ E, caindo em si, desatou a chorar” , para que a referência à amargura de suas lágrimas não parecesse afeta­ção de humildade.

Existe, naturalmente, aquele belíssimo toque final encontra­do apenas em Marcos e que, uma vez caído mas amorosamente res­taurado, Simão deve ter-se emocionado ao recordar; a saber, a pri­meira mensagem enviada do sepulcro vazio na manhã da ressurrei­ção: “ Mas ide, dizei a seus discípulos, e a Pedro, que ele vai adian­te de vós para a Galiléia” (16.7). Essas três pequenas palavras “ e a Pedro” devem ter significado para o quebrantado espírito de Simão mais do que tudo que se possa imaginar; mas com profunda gratidão ele se assegura de que elas sejam preservadas aqui. Como acontece com outros toques similares, elas são como uma assina­tura de Pedro na história, desta vez no últim o parágrafo — uma es­

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pécie de lembrete final de que este segundo evangelho é realmente o “ Evangelho Segundo Marcos — e Pedro”!

Os Primeiros Leitores Cogitados

A questão de quem foram os primeiros leitores a quem se dirigiu este segundo evangelho é de igual interesse. Logo se torna claro que o escritor tinha os gentios em mente. Se ele estivesse es­crevendo para judeus, teria usado palavras nesse sentido como no capítulo 7.3: “ pois os fariseus e todos os judeus, observando a tra­dição dos anciãos, não comem sem lavar cuidadosamente as mãos” . Teria ele explicado que a “ preparação” era “ a véspera do sábado” (15.42)? — ou que o Monte das Oliveiras ficava “ defronte do tem­p lo” (13.3)? — ou que os discípulos de João e dos fariseus “ esta­vam jejuando” (2.18)?

Desde há longo tempo se afirma que Marcos escreveu seu evangelho em grego, na cidade de Roma, para os gentios cristãos de lá. Este pode muito bem ter sido o caso, embora nossa opi­nião pessoal seja diferente. Não duvidamos que ele tenha escrito em grego, mas nos inclinamos a pensar que o lugar de onde escre­veu fo i a Palestina e não Roma.

De um lado, a narrativa parece supor que os leitores estejam familiarizados com as localidades da Palestina. Não existem expli­cações topográficas como as que encontramos em Lucas e espe­raríamos encontrar em Marcos, caso fosse escrito para os leitores de Roma.

Assim também, embora os comentários explicativos sobre as práticas judaicas indiquem que os leitores visados não eram judeus, elas parecem pressupor igualmente um certo grau de fam iliarida­de com os assuntos deles. Para citar apenas um caso, a diferença entre as duas festas ligadas de perto, a da Páscoa e dos Pães As- mos, é tida como de conhecimento comum (14.1). Referências aqui e ali a outras festas judaicas e ao sábado são feitas sem qual­quer comentário como seria de se esperar que fossem feitos para leitores estranhos às questões judaicas.

Havia realmente pessoas como as implícitas neste trecho? — caso positivo, onde elas se achavam? A resposta é: Sim, e estavam na Palestina. Não pensamos logo em Atos 10, naquele “ Pentecos-

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te dos Gentios” como alguém o chamou, quando o Espírito Santo caiu sobre a casa de Cornélio, aquele “ centurião da corte, chama­da a italiana” , aquele “ homem piedoso e temente a Deus com toda a sua casa” ? Não havia muitos gentios romanos desse tipo na Pa­lestina? Inúmeros deles não se haviam tornado prosélitos da fé judaica — e depois avançado ainda mais, tornando-se cristãos? Não existiam então esses muitos que conheciam muito bem a Palestina, que estavam familiarizados com as questões religiosas dos judeus, embora não tivessem um conhecimento mais profun­do das mesmas? Não podemos perfeitamente supor que durante os anos que se seguiram ao Pentecoste houve inúmeras conver­sões entre os residentes estrangeiros na Palestina, tanto civis como militares?

Não havia, então, necessidade de preparar um registro do “ Evangelho” para essas pessoas — da mesma forma que o de Ma­teus para os judeus e o de Lucas para os gentios? De algum mo­do, esses prosélitos do judaísmo e convertidos ao cristianismo (não-judeus) na Palestina, parecem situar-se entre os inteiramente judeus e os inteiramente gentios; e é justamente nesse ponto que João Marcos parece estar, pois ao que tudo indica ele descendia de judeus como de romanos. Ele teria interesse predominante na­queles gentios, romanos, prosélitos e cristãos da Palestina e apti­dão para escrever o mais adequado tipo de registro a eles. Isto justificaria também as numerosas expressões latinas no evangelho de Marcos.

Mas, mesmo assim, seria provável que nosso João Marcos, judeu-gentio, escrevesse o seu evangelho na Palestina? Claro que sim. Já vimos a associação íntima entre Marcos e Pedro. Para on­de quer que Pedro tivesse viajado em seus últimos anos, sabemos com certeza que ele permaneceu na Palestina pelo menos vinte anos depois do Pentecoste. Sabemos também que Marcos ali se achava até que seguiu com Paulo e Barnabé naquela primeira via­gem missionária; que ao abandçná-los em Perge ele “ voltou a Je­rusalém” ; e que permaneceu aparentemente ali até que seu tio o levou para Chipre o ito anos mais tarde. Assim sendo, durante cer­ca de vinte anos depois do Pentecoste, Marcos residiu na Palestina.

Outra consideração que parece lançar dúvidas sobre a tradi­ção de que Marcos escreveu de Roma ou Babilônia e reproduziu a substância dos ensinos orais de Pedro, é que a pregação deste ali

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seria certamente em grego, enquanto o evangelho de Marcos é ma­nifestamente uma tradução do aramaico.

Indubitavelmente, quando seu evangelho começou a circular mais livremente, os cristãos'romanos, voltando da Palestina para Roma, levaram suas cópias com eles, o que explicaria como surgiu a idéia de que ele o escreveu em Roma. As evidências reais, segun­do cremos, são de que ele escreveu na Palestina para o tipo de pes­soas por nós descritas.

Caso seja assim, quão apropriado é que Marcos seja o “se­gundo" evangelho! Existem alguns que julgam ser um sinal de eru­dição colocar Marcos em primeiro lugar, seguido por Mateus. Mas, não! Mateus deve vir primeiro — “primeiro para o judeu” — sendo o elo evidente do Novo com o Velho Testamento. E Lucas deve sero terceiro — “ tamjbém para o gentio” — porque Marcos é o evan­gelho intermediário para os gentios-judeus; isto é, os gentios por nascimento e judeus pela fé; e por ter sido especialmente adapta­do para aquele período de transição quando o evangelho estava saindo da exclusividade judaica, como em Mateus, para uma pers­pectiva racial, como acontece em Lucas. Deixe Marcos onde se encontra agora, por favor! Seu lugar adequado é entre Mateus e Lucas!

Os Doze Últimos VersículosE quase certo que alguém pergunte: E os doze últimos ver­

sículos deste evangelho? Eles são autênticos — ou falsos? Como gostaríamos que a pergunta pudesse ser respondida com tanta faci­lidade como é feita! A idéia de Marcos terminar no v. 8, com as palavras “ porque temiam” , num estranho anti-clímax e deixando a cena final da ressurreição patentemente incompleta, é inconce­bível; isso também no que se refere à gramática, i.e. (no grego) a última palavra é a pequena conjunção “ por” .

A nota in loco de Scofield diz corretamente: “ A passagem do v. 9 até o final não se encontra nos dois manuscritos mais an­tigos, o Sinaítico e o Vaticano, e outros a contém com omissões e variações parciais. Mas ela é citada por Irineu e H ipó lito no se­gundo e terceiro séculos” . Poderia ser acrescentado que o manus­crito Vaticano apresenta um espaço vazio depois do nosso v. 8, in­dicando uma ausência conhecida de alguma parte completiva. Co­

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mo afirma o Bible Handbook (Manual Bíblico) de Angus: "A gran­de massa de Manuscritos, versões e Pais favorece os versículos” . Além disso, não parecem ter havido dúvidas relativas aos mesmos até o quarto século. Mas para um excelente resumo da questão ve­ja a última edição do Bible Handbook de Angus.

Em minha opinião, acreditando que os apóstolos fizeram re­gistros escritos simultâneos dos pronunciamentos e obra do Se­nhor, penso que Marcos chegou no v. 8 ao final das memórias es­critas de Pedro e que o resumo rápido mas impressionante que se segue é do próprio Marcos. Encontramos a mesma rápida transi­ção de uma cena para outra, e o todo se harmoniza notavelmente com tudo que o precede. É possível que os primeiros copistas o eliminassem por esta razão; ou talvez o próprio Marcos o tivesse acrescentado pouco depois que sua primeira transcrição tivesse si­do publicada. Isto justificaria o fato dessa parte cons^ndef f u ­rnas cópias e não de outras.

Ricos Valores Espirituais

Quanto mais estudamos de perto este Evangelho de Marcos, mais fascinante ele se torna. Além da rápida movimentação e os detalhes descritos^ ele é um perfeito gênio em dizer muito com poucas palavras. E surpreendente ver quanto é d ito em tão pou­co. Vamos examinar o capítulo 1.13, como exemplo: "E ali es­teve no deserto quarenta dias, tentado por Satanás. E vivia entre as feras, e os anjos o serviam” .

Este evangelho é também singularmente rico de lições espiri­tuais e ilustrações. Elas se acham em toda parte, mas podemos dar aqui apenas uma amostra dentre muitas.

Vamos para o primeiro capítulo, versículos 9-13. Dissemos que o Evangelho de Marcos é o Evangelho de Jesus como Servo de Deus, o Servo perfeito. Não devemos esquecer que para nós Ele é o Servo-padrão, o Exemplo ideal de serviço, a quem deve­mos seguir. Desde os primeiros versículos este significado fica pa­tente. Nos parágrafos indicados (1.9-.13) vemos o começo do seu ministério público, ou seja, os preparativos necessários imediata­mente antes do mesmo. Como esses versículos falam com elo­qüência e seriedade a todos nós que queremos servir verdadeira­

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mente o Mestre celestial! Eles mostram existir quatro pré-requisi­tos indispensáveis a todo serviço cristão eficaz.

1. Uma Separação Preliminar (v. 9)O batismo do Senhor fo i a sua separação inicial, deliberada,

de Si mesmo, para o ministério público messiânico. Esta separação mostrou-se dupla: (a) uma separação de seu estilo de vida anterior; (b) uma separação para o seu novo ministério de ensino e cura: e completa separação para Deus. Esse é também o primeiro pré-re­quisito para nós.

2. Unção Preliminar (v. 10)Nosso Senhor (a) viu algo, i.e., “ os céus se abriram” ; (b) sen­

tiu algo — “ o Espírito descendo sobre Ele” . Esse é também o se­gundo pré-requisito para nós. Devemos perceber os céus “ abertos” à nossa oração e a capacitação com “ poder do a lto ” .

3. Uma Confirmação Preliminar (v. 11)O Senhor recebeu no Jordão uma confirmação prelim inar (a)

quanto à filiação — “ Tu és o meu Filho amado” ; (b) quanto ao caráter — “ em quem me comprazo” . Esse é o terceiro pré-requisito para nós. Necessitamos da segurança íntim a do Espírito Santo e de motivos que agradem a Deus. *

4. Uma Prova Preliminar (v. 11, 12)Devemos notar duas coisas a respeito desta tentação prelim i­

nar do Senhor: (a) Ela fo i divinamente autorizada; isto é, “ O Es­p írito o im peliu” ; (b) fo i uma tentação real — “ por Satanás” . Por mais estranho que pareça, até o Servo inteiramente separado, ungido pelo Espírito, confirmado pelo céu, teve de submeter-se a esta prova preliminar, para estabelecer se Ele seguiria apenas e ab­solutamente o caminho de Deus — ou o do homem.

Todos os que quiserem servir o Senhor dos céus, neste mundo pecador, devem observar cuidadosamente esses quatro pré-requisi­tos. A maior questão para o cristão é esta: Estou realmente dispos­to a entregar-me aqui e agora a Cristo, a fim de que apenas a sua vontade seja feita através de minha vida?

Quanto ao Evangelho de Marcos, ele está simplesmente reple­to desses incidentes compactos, significativos, eloqüentes. Procu­rados! — novos pesquisadores!

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TENTE RESPONDER

1. Você pode acrescentar a última palavra à seguinte sentença?— “ O Evangelho de Marcos é distintamente o Evangelho do que Jesus...”

2. Qual o aspecto especial do Senhor em Marcos? Você pode­ria mencionar algumas omissões e adições que indicam is­so?

3. Você se lembra de alguns detalhes extras e toques vivos fo r­necidos por Marcos?

4. Quatro vozes anunciam o Senhor no prefácio de Marcos. Quais são elas, e que títu los dão ao Senhor?

5. Quais as duas partes principais em que se divide o relato de Marcos? Por que o Evangelho de Marcos se enquadra per­feitamente entre o de Mateus e o de Lucas?

6. Você pode resumir o que o Novo Testamento nos revela so­bre Marcos?

7. Cite duas razões fortes porque parece certo que o Evangelho de Marcos leva a marca de Pedro?

8. Que toques ou omissões incidentais sugerem a influência de Pedro?

9. Quem, na sua opinião, foram os primeiros leitores cogitados por Marcos e por que?

10. Onde você acha que Marcos escreveu seu evangelho? Dê as razões para a sua resposta.

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O EVANGELHO SEGUNDO LUCAS (1)

Lição N.° 15

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NOTA: Para este estudo leia o Evangelho de Lucas inteiro, pelo menos duas vezes.

A GENEALOGIA DE LUCAS

Muito pode ser d ito sobre a genealogia do Senhor apresen­tada por Lucas; mas talvez até esta breve nota possa ser ú til pa­ra alguém. A genealogia de Mateus usa o termo “ gerou” em toda a lista até “ Jacó gerou a José, marido de Maria” . A genealogia de Mateus é então claramente a de José que, além de ser (ape­nas) legalmente o pai do Senhor, era de descendência davídica. A genealogia de Lucas não emprega “ gerou” . Ela começa assim: “ E o mesmo Jesus começava a ser de quase trin ta anos, sendo (como se cuidava) filh o de José, e José filho de Heli; Heli, filho de Matã, Matã filho de ...” ,etc. José não era filho de Heli, mas de Jacó (como mostra o “ gerou” de Mateus), mas se tornara filh o de Heli em outro sentido m uito real para os judeus, pelo seu casamento com Maria. Nas genealogias judaicas da antigüidade, quando um elo na cadeia da descendência pertencia a uma mulher, o nome do mari­do era inserido em lugar do dela, e ele se tornava assim mais do que um genro, sendo chamado de “ filho de...” Lucas dá sem dú­vida a linhagem de Maria. Ambos os pais de Jesus eram de descen­dência davídica. E interessante notar como a genealogia de Lucas de ambos os lados refuta a teoria popular da evolução. Ele retro­cede diretamente a Adão, mas pára nele, pois o homem não exis­tia antes de Adão. Além disso, as doutrinas do Novo Testamento dependem da unidade da raça nesse homem e a partir dele, para que tenham qualquer valor. Deste lado está Cristo — milhões de anos antes de seu tempo, caso seja um produto da evolução! — pois mesmo que nossa raça progrida por outro bilhão de anos, ela jamais poderia avançar além desse caráter perfeito de dois mil anos atrás!

- J. S. B.

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O EVANGELHO SEGUNDO LUCAS (1)

Quando estudamos o segundo evangelho, nos descobrimos di­zendo: “ Como Marcos é diferente de Mateus!” Ao avançarmos através deste terceiro evangelho, não podemos deixar de exclamar: “ Como Lucas é diferente dos dois!” Embora os três cubram o mes­mo terreno, em lugar da monotonia da repetição encontramos o fascínio da variação esclarecedora. Não apenas a individualidade de cada evangelista acha-se nitidamente estampada em tudo que ele nos diz, mas nos tornamos gradualmente cônscios de que “ este Jesus” focalizado por todos efes está sendo apresentado para nós em diversos ângulos e tons, com uma sutileza peculiar mais do que humana.

“ Eis o Homem”

Em Mateus Ele é o Rei. Em Marcos Ele é o Servo. Em Lucas, eis o Homem. Essas diferentes ênfases ou aspectos podem ser exa­gerados, mas dificilm ente ignorados, pois se encontram realmente ali. Não queremos de forma alguma sugerir que cada um dos qua­tro escritores dos evangelhos tenha fe ito seus registros com a in­tenção deliberada de enquadrar o Senhor em qualquer desses qua­tro aspectos que agora caracterizam respectivamente os quatro evangelhos. Nada mais verdadeiro jamais fo i d ito sobre esses qua­tro escritores do que “ terem eles escrito com a simplicidade de homens cujo desejo é deixar que sua história fale por si mesma

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e que jamais sonharam em deturpá-la para adequar-se ao seu pró­prio ponto de vista” . Além do mais, eles escreveram independen­temente uns dos outros e não poderiam ter tido qualquer idéia sobre o desígnio quádruplo final que seus registros iriam abranger coletivamente. Parece porém igualmente verdade que cada um de­les tinha uma classe de leitores em vista, selecionando e usando o seu material de acordo com a mesma; enquanto por trás e aci­ma deles achava-se o Espírito Santo, conduzindo sobrenatural­mente suas penas dóceis a fim de completar o padrão divino de sua apresentação em quatro partes.

Então, em Mateus Ele é o Rei de Israel; em Marcos o Servo de Deus; em Lucas o Homem perfeito. Mateus apresenta agrupa­mentos significativos. Em Marcos encontramos uma série de ins­tantâneos. Lucas d o s oferece uma história contada de uma mui bela forma.

A História Quádrupla de Lucas

“ Uma linda história” — é justamente disso que se trata. Re­nan a descreveu como “ o livro mais belo jamais escrito” . A pena de Lucas é de um cavalheiro e um artista. Uma velha tradição afirma que ele fo i pintor. Duvidamos da tradição, mas percebemos que sua arte se'concentra nas palavras: ele era p in tor de quadros escritos, obscurecidos, infelizmente, pela tradução de uma língua para outra.

Quando exploramos Marcos, consideramos ser melhor não fa­zer uma análise preliminar. A seguir vimos que as divisões literá­rias eram bem menos importantes do que as cenas vívidas e as rá­pidas transições incluídas para prender a atenção do leitor. De fa­to, foram as interessantes idiossincrasias desse segundo evangelho que nos levaram eventualmente a uma análise de acordo com o tipo e espírito do mesmo.

Como tudo é diferente em Lucas! Basta uma primeira le itu­ra para notarmos o arranjo claro em partes ou movimentos; e uma nova leitura confirma nossa primeira impressão. Vamos pois con­tinuar neste terceiro evangelho, anotando aquelas coisas que nos impressionarem, marcando suas principais divisões e terminando com uma análise. Captaremos desta forma o significado e a har­monia da história como um todo.

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A narrativa da natividade feita por Lucas é naturalmente o primeiro aspecto que nos detém. Ela não tem paralelo nos outros evangelhos. Marcos e João não dizem absolutamente nada sobre o advento do Senhor em Belém. Mateus contém o fato, mas embo­ra ele forneça detalhes omitidos por Lucas, não descreve como este o nascimento, infância e adolescência; e seu relato tem apenas um quarto do de Lucas.

A seguir Lucas registra o ministério do Senhor na Galiléia, bem mais curto do que o de Mateus ou Marcos e depois encontra­mos uma nova peculiaridade que não passa despercebida, a saber, a longa crônica da viagem do Senhor para Jerusalém. Em contras­te com apenas dois capítulos em Mateus e um em Marcos, ela se estende por dez capítulos em Lucas, formando assim a parte mais longa da história (9.51-14.44). Não pode haver dúvida de que todos esses capítulos pertencem a essa última viagem. Sete vezes o escritor insere comentários que deixam isso im plíc ito :

“ Manifestou no semblante a intrépida resolução de ir para Je­rusalém” (9.51).“ Passava Jesus por cidades e aldeias, ensinando, e caminhan­do para Jerusalém” (13.22).“ De caminho para Jerusalém passava Jesus” (17.11).“ Eis que subimos para Jerusalém” (18.31; veja também 19.11, 28, 37).Não encontramos nem em Mateus nem em Marcos qualquer

paralelo para esta marcha vagarosa em direção a Jerusalém. Ela foi chamada de “ A Grande Inserção” .

Vemos assim imediatamente que embora os evangelhos de Mateus e Marcos sejam ambos divididos em duas partes bem ní­tidas — o ministério na Galiléia e o clímax na Judéia — os regis-tros de Lucas se apresentam em quatro movimentos indiscutí-veis:

1. Natividade, juventude, idade adulta (1.5-4.13).2. Peregrinações na Galiléia (4.14-9.50).3. A viagem para Jerusalém (9.51-14.44).4. Tragédia e triun fo finais (19.45-cap. 24).

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O Aspecto Característico

Mas tão logo vemos isto, começamos a sentir como tudo se harmoniza com o aspecto característico de Jesus neste terceiro evangelho.

Se perguntarmos por que Lucas se demora na narrativa da natividade, a resposta já começa a formar-se para nós. Lucas se ocupa especialmente da natureza humana, da humanidade de Je­sus, devendo então contar-nos mais particularmente sobre o ma­ravilhoso nascimento, infância e juventude. O relato mais breve de Mateus é especialmente feito do ponto de vista de como o nas­cimento cumpre a profecia, mas o interesse de Lucas se concen­tra de fato na fase da infância e juventude.

Tanto Mateus pomo Lucas apresentam uma longa genealogia, mostrando a descendência do Senhor, mas Mateus coloca a sua bem no início do seu evangelho, enquanto Lucas não a insere se­não depois do batismo no rio Jordão. Por que? Porque a coisa mais importante para Mateus é estabelecer a linhagem davídica do Senhor, enquanto para Lucas é o nascimento humano e o cresci­mento, desde a infância até à perfeita varonilidade.

Da mesma forma, Mateus dá sua genealogia através de José, que era legalmente, embora não fosse realmente, o pai de Jesus; enquanto Lucas faz isso através de Maria, que foi realmente a mãe de sua humanidade.

A genealogia em Mateus começa com Abraão e remonta a Da­vi, com o propósito de mostrar Jesus como o cumprimento da pro­messa e o herdeiro direto do trono; enquanto Lucas retrocede até Adão, como se mesmo numa genealogia ele quisesse transcender qualquer sugestão ou confinamento a uma relação simplesmente judaica, e mostrar o relacionamento racial de Jesus — exatamente onde e como Ele apareceu na história da raça. Lucas poderia ter retrocedido ainda mais, para além de Adão, como João fez. Mas ele, embora voltasse na história, ultrapassando o rei e o patriarca de Israel objetos da aliança, se detém no primeiro homem.

Capítulos Fragmentários sobre a GaliléiaSeu interesse especial na humanidade de Jesus explica tam­

bém porque a apresentação do ministério do Senhor na Galiléia

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(4:14-9:50) feita por Lucas é tão mais curta do que a de Mateus ou Marcos; e porque, em compensação, ele dá informações tão de­talhadas e longas da viagem cheia de peripécias até Jerusalém (9:51-14:44). A ordem (ou como querem alguns, a falta de or­dem) dos materiais de Lucas nessas duas seções, quando compa­radas com Mateus e Marcos, tornam os estudiosos perplexos e fazem o desespero dos que desejam harmonia nos evangelhos— dos quais não desejamos fazer parte. Nosso terceiro evangelis­ta conseguiu certamente selecionar e reunir seus dados de modo a ressaltar a humanidade do Mestre com encanto sutil endereçado àqueles leitores gregos ou de mentalidade grega, a quem ele pare­ce ter-se especialmente dirigido.

Enquanto a ênfase em Mateus se faz sobre o que Jesus disse e em Marcos sobre o que ele fez, aqui em Lucas ela focaliza o próprio Jesus. Em seu curto registro do ministério na Galiléia, Lucas concede praticamente o mesmo espaço às obras e palavras de Jesus, de modo que uma coisa não se sobreponha à outra, e ambas igualmente reflitam o Homem-Maravilhoso. Veja como co­meça o ministério prodigioso da mensagem e milagres, com Jesus na sinagoga de Nazaré (registrado openas por Lucas), dando ime­diatamente ênfase à humanidade de Jesus:

"O Espírito do Senhor está sobre MIM, pelo que M E ungiu para evangelizar aos pobres... e todos na sinagoga tinham os olhos fitos nELE... Hoje se cumpriu a Escritura que acabais de ouvir. Todos lhe davam testemunho e se maravilhavam das palavras de graça que lhe saíam dos lábios, e perguntavam: Não é este o filho de José?” (Lc 4:18-22).

Veja como no capítulo 5, depois da pesca milagrosa (nova­mente registrada apenas por Lucas), Pedro repentinamente perce­be a imensa santidade daquele homem maravilhoso e se prostra diante de Jesus, clamando: “ Senhor, retira-te de mim, porque sou pecador!” (5.8).

No capítulo 7 novamente (registrado só por Lucas), quando a viúva saía chorando pela porta da cidade para enterrar seu filho único, a simpatia compassiva brota imediatamente no terno cora­ção do Filho de Maria, ao dizer à mulher: “ Não chores!” restau­rando à vida seu ente querido.

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Observe, também no capítulo 7 (registrado só por Lucas), “ a mulher pecadora” , percebendo naquela perfeita humanida­de não apenas pureza absoluta, mas compreensão e compaixão humanas pelas quais seu coração desolado ansiava, banhou os pés d Ele com suas lágrimas.

Todas essas instâncias são peculiares a Lucas e servem para introduzir esta ênfase sobre a parte humana, que podemos apenas mencionar aqui, mas que examinaremos em nosso próximo estudo.

Diário da Viagem para JerusalémO mesmo acontece com a extensa narrativa da viagem do Se­

nhor para Jerusalém (9:51-19:44). Em todos esses capítulos são mencionados apena^ cinco milagres — em comparação com 21 (15 singulares, 6 plurais) nos primeiros capítulos cobrindo o m i­nistério na Galiléia. Não encontramos também um só discurso do tipo estabelecido ou prolongado (a não ser que consideremos assim as parábolas da ovelha perdida, da moeda perdida e do f i­lho pródigo, no capítulo 15). Em lugar disso, existe uma misce­lânea de declarações e obras memoráveis, respostas graciosas e censuras diretas, milagres ocasionais e parábolas constrangedoras; tudo porém contribuindo (com uma beleza talvez insuspeita, a princípio) para evidenciar, de diferentes ângulos e sob luzes e ati­tudes diversas, a mente e o coração desse Homem incomparável.

Quaisquer que sejam os problemas que venham a ser criados para os críticos bíblicos pela ordem da narrativa de Lucas, apa­rentemente não-cronológica, uma coisa que imediatamente encan­ta nossos olhos gratos é que nesses dez ou onze capítulos ele reu­niu e nos preservou um tesouro simplesmente inestimável de pro­nunciamentos, parábolas e incidentes não registrados por qualquer dos outros três escritores dos evangelhos. Existem cerca de trin ta ou mais deles e vamos citá-los aqui:

Censurada a ira de João e Tiago 9:51-56Comparação com o arado para o

provável seguidor 9:61-62Os setenta enviados adiante dEle 10:1-12Volta e relatório dos setenta 10:17-20Parábola do Bom Samaritano 10:25-37

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Censurada a preocupação de Marta 10:38-42Parábola do amigo importuno 11:5-10Parábola do rico presunçoso e insensato 12:13-21Resposta sobre os assassinados

porPilatos 13:1-5Parábola da figueira estéril 13:6-9Mulher curada de sua enfermidade 13:10-17Resposta aos fariseus sobre Herodes 13:31-33Cura do hidrópico no sábado 14:1-6Parábola dos convidados e anfitriãos 14:7-14Parábola da grande ceia 14:15-24Comparação: construtor de torre

em potencial 14:28-30Nova comparação: o rei que

pretende fazer guerra 14:31-33Parábola tríplice (2) a moeda perdida 15:9-10Parábola tríplice (3) o filho pródigo 15:11-32Parábola do administrador infiel 16:1-15O rico e L ázaro 16:19-31Ilustração: o senhor e o servo 17:7-10A cura dos dez leprosos 17:11-19Resposta relativa ao reino de Deus 17:20-21Parábola do juiz iníqüo 18:1 -8Parábola do fariseu e publicano 18:9-14Jericó: conversão de Zaqueu 19:1-10Parábola das minas e dos servos 19:11-27O Salvador chora sobre jerusalém 19:41-44

Basta um olhar para essa lista a fim de compreender quanta riqueza existe nesses capítulos. A simples menção das parábolas do bom samaritano, a grande ceia, o filh o pródigo, o fariseu e o publicano, sem referir-se a outras parábolas, milagres, incidentes e pronunciamentos já é suficiente para indicar a preciosidade do conjunto. Não podemos passar sem Mateus. E necessário que te­nhamos Marcos. Mas, com esta cadeia preciosa de registros exclu­sivos diante de nós, será que poderíamos privar-nos de Lucas?

Não é só o valor intrínseco dessas parábolas, milagres e in­cidentes, que os torna não importantes para nós, mas a maneira como revelam o Senhor. Eles vêm até nós um a um, como holofo­

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tes sucessivos de cores diferentes focalizando um objeto de interes­se supremo. Veremos mais completamente em nosso próximo estu­do como todos focalizam a natureza humana do Senhor; mas mes­mo uma primeira pesquisa já deixa suficientemente interessada a mente do le itor atento.

Sem entrar em detalhes neste ponto, pense nos sentimentos humanos, simpatia, generosidade, compaixão, que brotam através das parábolas do bom samaritano, do filho pródigo, do fariseu e publicano: a resposta a Tiago e João quando queriam pedir que viesse fogo do céu sobre os samaritanos; a censura que silenciou o mesquinho chefe da sinagoga quando a mulher enferma fo i cu­rada no sábado: “ Cada um de vós não desprende da manjedoura no sábado o seu boi ou o seu jumento, para levá-lo a beber? Por que motivo não se .devia livrar deste cativeiro em dia de sábado es­ta filha de Abraão, a quem Satanás trazia presa há dezoito anos” (13:14, 15)? Como suas palavra a Zaqueu e sobre ele soam sur­preendentemente fraternais e generosas! Quão comovente é a sua emoção humana e suas lágrimas “ vendo a cidade” ! (19.41).

Para o momento, porém, dissemos o suficiente sobre este aspecto característico do Senhor no evangelho de Lucas. Demo­ramo-nos deliberadamente sobre ele como um dos traços distin­tos que nos atraem e voltaremos de novo para ele com grande sa­tisfação. Fizemos, no entanto, até agora, um estudo que nos dá uma idéia geral da história de Lucas, capacitando-nos a fazer uma análise útil.

Disposição das Partes e do Conjunto

Parte UmComo já notado, os registros de Lucas pré-natividade e pós-

natividade (1 :5-4:13) são mais que uma introdução — eles formam a primeira fase de sua história quádrupla. Esses registros cobrem um período de trin ta anos; pois como Lucas (só ele) nos conta no capítulo 3:23, Jesus tinha cerca de trin ta anos quando submeteu- se ao batismo no Jordão. Os dois primeiros capítulos abrangem os doze primeiros anos (veja 2:42). A seguir, depois de um inter­valo de mais dezoito anos, encontramo-nos no Jordão para pre­senciar o batismo de Jesus fe ito por João, e no deserto para teste­munhar a tentação de Jesus por Satanás.

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Os capítulos se entrelaçam num padrão interessante. Pode­mos escrever sobre os dois primeiros: “Nos dias de Herodes”. So­bre os dois seguintes escrevemos: “Trinta anos depois”. Nos dois primeiros temos as duas proclamações do anjo Gabriel — a primei­ra para Zacarias, relativa a João, e a outra para Maria, falando de Jesus (1:5-38). Vemos depois juntas as duas mães escolhidas • sabei e Maria, e as ouvimos profetizar por inspiração (1:3-56)! Os dois nascimentos milagrosos são então narrados — o de João e o de Jesus (1 :57-2:52). Os capítulos restantes evidentemente se dividem no ministério de João (3:1-22), a genalogia através de Maria (3:23-28), e o ataque por parte de Satanás (4:1-13). Pode­mos colocar esses fatos assim:

“Nos dias de Herodes”As duas proclamações — através

de Gabriel (T :5-38)As duas mães escolhidas —

Isabel e Maria (1 :39-56)Os dois filhos-prod ígio —

João e Jesus (1 :57-2:52)

Parte DoisDepois da unção e tentação iniciais, o ministério na Galiléia

começa capítulo 4:14, com as palavras: “ Então Jesus, no poder do Espírito, regressou para a Galiléia, e a sua fama correu por toda a circunvizinhança” . Esta segunda fase da história vai até o capítulo 9:50, depois do que tem início a narrativa mais longa da viagem de Jesus para Jerusalém.

O curto relato do ministério na Galiléia se divide em áo\s iti­nerários (4:14-9:17) e cuiminâncias (9:18-50). O primeiro abran­ge as peregrinações do Senhor antes de escolher os doze apóstolos (4:14-6:11); a seguir, novos ministérios depois “ dos doze estarem com Ele” (6:12-8:56); e então um ministério m últip lo enviando os Doze (9:1-17).

A confissão de Jesus como “ o Cristo de Deus” (9.18) feita por Pedro marca uma interrupção. Ela fo i feita representativamen­te por todos os doze apóstolos e em resposta direta a uma pergun­ta do Senhor, sabendo que precisava encaminhar-se então para Je­rusalém. Muito dependia do que aqueles doze homens tinham pas­

Trinta anos depois Ministério de João: batismo

Jesus (3:1-22)Genealogia de Maria: linhagem

de Jesus(3:23-38)Ataque de Satanás: a provação

de Jesus (4:1-13)

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sado a crer sobre Ele até aquele ponto no tempo. Em um aspecto vital, o Senhor tinha agora certeza sobre eles, e a partir dessa oca­sião Ele passou a falar — embora isso os entristecesse e os deixasse perplexos — em termos mais claros sobre sua vindoura rejeição e morte.

Essa confissão fo i um clímax, do mesmo modo que a transfi­guração que se seguiu no alto do monte (9:27-36). A primeira foi o reconhecimento humano de Jesus como o Cristo de Israel. A segunda fo i uma confirmação divina dEle como o Filho de Deus. Essa voz do céu já falara uma vez antes disso, no seu batismo: “ Es­te é o meu Filho amado, em quem me comprazo” , atestando as­sim a perfeita irrepreensibilidade dos trin ta anos precedentes e da idade adulta de Jesus. Na transfiguração, essa voz não confirma apenas a continuação de sua vida perfeita, mas também a in fa lib i­lidade de suas palavras. Ele não é só o caráter perfeito, mas o per­fe ito Mensageiro — “ Este é o meu Filho, o meu eleito, a Ele ouvi”. Sua perfeita humanidade já se acha preparada para a sociedade ce­lestial; Moisés e Elias “ apareceram em glória” sobre o monte para lhe falarem. Sem necessidade alguma de morrer, a sua humanidade inocente e santa poderia passar imediatamente para a esfera e gló­ria celestiais, como a sua metamorfose na transfiguração mostrou repentinamente. E verdade, a voz falou no seu batismo — no final dos trin ta anos, quando ele iniciou sua missão pública: e ela agora concede o endosso divino no final do ministério na Galiléia, quan­do Ele se encaminha para o batismo da paixão em Jerusalém.

Depois da transfiguração vem o ú ltim o milagre público antes de iniciar realmente a viagem para Jerusalém, através da Galiléia, Samaria, Peréia e Judéia. Trata-se de uma manifestação conclusiva de poder invencível sobre as forças do mal. Até mesmo os discí­pulos haviam sido desafiados e repelidos pela inteligência satâni­ca do jovem possesso pelo demônio (9:37-50) e não puderam ex­pulsá-lo. O pai apela agoniado a Jesus: “ Mestre, suplico-te que ve­jas meu filho, porque é o único”. Jesus disse: “ Traze o teu f ilh o ” . O endemoninhado fo i conduzido até ele; “ quando ia se aproxi­mando, o demônio o atirou no chão e o convulsionou” . Os olhos daquele Filho unigénito do Pai celestial se encontraram com os do único filho de um pai terreno-, o primeiro recém-saído de uma transfiguração sobrenatural pelo Espírito Santo que nele habita­va, o outro ainda rangendo os dentes e desfigurado por um mau

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espírito! Um olhar! Uma palavra! — e as garras de Satanás se abrem, o demônio foge, o filh o é curado! Não nos surpreende que “ todos ficaram maravilhados ante a majestade de Deus” (9-3743). , '

E digno de nota que cada um desses três pontos fazem refe­rência à Cruz. Logo que Pedro acaba de fazer sua confissão o Senhor diz: “ E necessário que o Filho do homem sofra muitas coisas, seja rejeitado pelos anciãos, pelos principais sacerdotes e pelos escribas; seja m orto e no terceiro dia ressuscite” (9:22). Quando Moisés e Elias apareceram na transfiguração, eles falaram “ de sua partida, que ele estava para cumprir em Jerusalém” (9:31). Depois do livramento do filho endemoninhado lemos: “ Como to­dos se maravilhassem de quanto Jesus fazia, disse aos seus discí­pulos: “ Fixai nos. vossos ouvidos as seguintes palavras: O Filho do homem está para ser entregue nas mãos dos homens” (9-4344). ’

Podemos então estabelecer deste modo esses capítulos sobreo ministério na Galiléia:

Peregrinações ou Itinerários Milagres; pronunciamentos: antes

da escolha dos Doze (4:14-6:11-)

Ensinos; milagres: após a escolha dos Doze (6:12 até 8)

Várias atividades:Enviados os Doze (9:1-17)

Parte TrêsBem pouco precisa ser acrescentado aqui ao que já dissemos

sobre esta parte mais longa da história de Lucas (9:51-19:44) — menos milagres, freqüência de parábolas, etc. Mas um aspecto no­tável é que as declarações mais memoráveis e praticamente todas as parábolas são respostas. Faça uma verificação e confirme. O Senhor era mestre na arte da réplica. Quanto podemos aprender se estudarmos dessa forma as suas respostas!

Esses capítulos também se dividem em duas seções quase iguais — uma terminando com a primeira lamentação do Senhor

CuiminânciasConfissão de Pedro — previs-

vista a Cruz (9:18-26)

A transfiguração — prevista , a Cruz (9:27-36).

U ltim o milagre público — prevista a Cruz (9:37-50).

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sobre Jerusalém (13:34, 35) e a outra com sua segunda lamenta­ção (19:41-44).

Além disso, seu prefixo enigmático a esse primeiro lamento, no final do capítulo 13, indica que a parte mais longa da viagem já ficara para trás e Jerusalém achava-se só a alguns dias de distân­cia — “ Importa, contudo, caminhar hoje, amanhã e depois, por­que não se espera que um profeta morra fora de Jerusalém” . O capítulo 17 :T1 confirma isto, contando-nos que Jesus viajava en­tão entre a Galiléia e Samaria; para cruzar o Jordão, entrando na Peréia e atravessá-lo de novo para a Judeia, em Jericó. Sabemos também que a bênção das crianças feita pelo Senhor e o inciden­te do jovem rico, que Lucas passa a registrar, aconteceram pouco antes de entrar em Jericó (compare com Mateus e Marcos). Pode­mos então estabelecer agora a parte três como segue:

/4s primeiras semanasEnviados missionários: respostas,

parábolas (9:51-11:12).Advertência aos fariseus:

censuras, parábolas (11:13 -12 :12 ).

Reprovada a cobiça: cura da mulher (12:13-13:21).

Jesus se apressa a retirar-se: Lamento sobre Jerusalém (13:22-35)

Os úitimos dias Galiléia: cura do hidrópico.

Declarações (14:1-17:10) Samaria: cura dos leprosos.

Declarações (17:11-18:34).

Jericó: cego: Zaqueu. Declarações (18:35-19:27).

Jerusalém: subida: Lamento sobre Jerusalém (19:28-44).

Parte QuatroEste quarto e últim o movimento vai do capítulo 19:45 até

o fim do capítulo 23. Ele começa com o Senhor no templo e ter­mina com Ele no túmulo. E dividido em dois: (1) antes da prisão;(2) após a prisão. No primeiro deles (19:45-21:4) vemos Jesus em conflito com os líderes judeus inimigos; depois, no Monte das Oliveiras, com os discípulos, profetizando o fu tu ro ; finalmente na Ultima Ceia e no Getsêmani. No segundo, vemos Jesus diante do sumo sacerdote e do Sinédrio; a seguir, perante Pilatos e Herodes e depois na Cruz e na sepultura.

Page 248: Examinai as Escrituras - O Período Intertestamentario e os Evangelhos

Essa é a história de Lucas — tudo menos o magnífico esplen­dor do último capítulo sobre a ressurreição e ascensão do Senhor! Podemos então agora reunir as partes e estudar o conjunto numa análise ampla, mas útil. Vamos fazer isso de modo a harmonizar- se com a sua forma de história, rotulando cada uma das quatro partes principais com as próprias palavras usadas por Lucas nos estágios sucessivos de sua narrativa.

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EXAMINAI AS ESCRITURAS

O EVAN G ELH O SEGUNDO LUCAS

Prefácio explicativo: 1:1-4.

1. "BOAS N O VAS” - UM S ALV A D O R (1:5 - 4:13)

Nos dias de Herodes As duas anunciações

por Gabriel (1:5-38).As duas mães escolhidas —

Isabel e Maria (1 -.39-56) Os dois filhos - prodígio —

João e Jesus (1:57-2:52)

Trinta anos depois Ministério de João: batismo

de Jesus (3:1-22).Genealogia através de Maria:

linhagem de Jesus (1:23-38). Ataques de Satanás: a tentação

de Jesus (4:1-13).

2. “ NO ESPIRITO” - G A L ILÉ IA (4:14-9:50)

Peregrinações Milagres; declarações: antes da

escolha dos Doze (4:14-6:11) Ensinamentos; milagres: depois da

escolha dos Doze (6:12 até 8). Diversas atividades; enviados os

Doze (9:1-17).

Culminâncias Confissão de Pedro: prevista a

Cruz (9:18-26).Jesus transfigurado: prevista a

Cruz (9:27-36).Cura do jovem endemoninhado:

prevista a Cruz (9:37-50).

3. "M AN IFESTO U NO S EM B LA N TE ” - JER U SALEM (9:51-19:44)

As primeiras semanas Mensageiros enviados: respostas,

parábolas (9:51-11:12). Advertência aos fariseus: censuras,

parábolas (11:13-13:21). Reprovada a cobiça: cura da mulher

(12:13-13:21).Jesus se apressa a retirar-se: Lamento

sobre Jerusalém (13:22-35).

05 úitimos dias Galiléia: cura do hidrópico:

declarações (14:1-17:10). Samaria: cura dos leprosos;

declarações (17:11-18:34). Jericó: cego: Zaqueu;

declarações (18:35-19:27). Jerusalém; subida; Lamento

sobre Jerusalém (19:28-44).

4. "ESTE É O HERD EIRO - M ATAI-O ” (19:45 até 23)

Antes da prisão Jesus e o sacerdote, o escriba e o

saduceu (19:45-21:4).Jesus prediz o futuro; Discurso das

Oliveiras (21:5-38).Ultima Páscoa; Getsêmani;

traição (22:1-53).

Depois da prisão Jesus diante do sumo sacerdote

e do concílio (23:54-71). •Jesus diante de Pilatos: Herodes;

escarnecido (23:1-12).Jesus sentenciado, crucificado,

sepultado (23:13-56).

Ressurreição! — Promessa! — Ascensão!

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O EVANGELHO SEGUNDO LUCAS (2)

Lição N.° 16

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NOTA: Para esta segunda parte de Lucas, leia cuidadosamente de novo todas as parábolas e milagres.

E TEÓFILO?

Lucas endereça seu Evangelho e os Atos ao “excelentíssimo Teófilo” . Foi dito que este Teófilo (ou “amigo de Deus” ) não era uma pessoa real mas um artifício inventado por Lucas para dirigir- se secretamente a todos os cristãos. Sabemos que na época em que Lucas escreveu os judeus mostravam-se abertamente hostis e ele empregou então este criptograma para “desviar a atenção do ini­migo” das pessoas reais que tinha em mente, especialmente Maria, que continuava na zona perigosa. Rejeitamos essa suposição como irreal e desnecessária. Todas as indicações internas são no sentido de que Lucas não escreveu especialmente para os discípulos na Pa­lestina. Ninguém pode também dizer com certeza quando ou on­de o Evangelho de Lucas apareceu pela primeira vez ou se Maria se achava viva ou não. Além do mais, o uso de tais ficções é estra­nho aos escritores sagrados; de todo mundo, não dedicar a carta seria melhor do que uma dedicatória fictícia. Por que Lucas tem cuidado em explicar a localização de lugares na Palestina ao escre­ver a judeus daquela região? — “ Uma cidade da Galiléia, chamada Nazaré” ; “ E desceu a Cafarnaum, cidade da Galiléia” ; “ Arimatéia, cidade dos judeus” ; “ Emaús, distante de Jerusalém sessenta está­dios” , etc. E por que será que no momento em que sua narrativa chega à Sicília e Itália ele cita os lugares sem dizer nada sobre sua localização, a não ser que a pessoa a quem escreveu habitasse nes­sa região? Podemos aceitar a idéia de que Teófilo era uma pessoa real, com um nome bonito embora não incomum, homem de alta posição no mundo romano, e convertido ao Senhor Jesus. Oh, se houvesse muitos outros assim!

- J. S. B.

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O EVANGELHO SEGUNDO LUCAS (2)

Uma das preliminares mais invejáveis — e das mais necessárias— ao pesquisar um livro das Escrituras é ficar alerta quanto às pis­tas ou chaves. Neste evangelho segundo Lucas elas podem ser logo percebidas mesmo por quem não seja um perito no assunto.

Foi um começo muito humano. Desde o princípio participa­mos do coração, dos lares e esperanças de pessoas simples, santas, agradáveis — Zacarias e Isabel, José e Maria, “ vizinhos e primos” , pastores, Simeão, Ana. Ele se demora junto ao berço pouco co­mum, a fim de ver o Menino em suas faixas humildes. Enquanto Mateus se ocupa imediatamente da genealogia e Marcos cheio de entusiasmo começa com o ministério público, Lucas se alonga na natividade — o nascimento humano, a infância e juventude da Criança santa.

A medida que prosseguimos para outros capítulos, logo co­meçamos a sentir que esta atenção marcada pelo lado humano, não é só a nossa primeira pista, mas também a chave principal. Existem outras sugestões e indicações nesses capítulos de abertura, tais co­mo as referências repetidas sobre o Espírito Santo; certas aborda­gens supra-judaicas aos gentios; o surgimento inspirado de louvor a Deus nos hinos de Zacarias, Maria, os anjos, Simeão; mas a ênfa­se sobre a humanidade é a chave-mestra que abre o Evangelho de Lucas; é o “ código” que interpreta o significado in terior por trás da história exterior.

Tocamos nesse fato no estudo precedente, mas vamos exami­ná-lo agora mais de perto. Embora não possamos nos empenhar

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numa pesquisa completa, é possívél observar o suficiente para f i­carmos ainda mais intrigados diante dessa esplêndida humanidade.

A Ênfase sobre o Aspecto

Vejamos os primeiros sinais simultâneos da natureza humana do Senhor encontrados apenas nos registros pré e pós-natral de Lu­cas. Só aqui lemos, “ Bendito o fru to do teu ventre” (1:42). Só aqui lemos também sobre a "Criança” (2:12, 16); a circuncisão do “macho" (2:23); o “menino” (2:43). Só aqui lemos que “ o menino cresceu" e que Ele “ crescia em sabedoria e em estatura” (2:40, 52); e que na época de seu batismo “ tinha Jesus cerca de trinta anos” (3:23).

Lucas, naturalmente, não obscurece a divindade ou a reale­za do Menino-Prodfgio. Gabriel anuncia: “ Este será grande e será chamado Filho do Altíssimo; Deus, o Senhor, lhe dará o trono de Davi, seu pai” (1:32). Todavia, até isto é acompanhado por uma insinuação prévia da concepção humana necessária (1:34, 35). Desde o nascimento ao batismo o lado humano é enfatizado. Lu­cas não fala sobre uma estrela anunciando o nascimento de um Rei, nem de sábios do Oriente levando ricos presentes ao Menino- Rei; nem indagações do rei Herodes; é-nos relatada somente a an­siedade da futura mãe longe de casa, a dificuldade do primeiro parto num estábulo ou gruta, e a utilização apressada de uma man- gedoura para servir de berço. No batismo no rio Jordão, trinta anos mais tarde, João não declara (como em Mateus): “O reino... está próxim o!” Em lugar disso, João prega “ o batismo de arrepen­dimento para remissão de pecados” (3:3).

Passamos agora aos registros de Lucas sobre a idade adulta de Jesus. Só ele conta que o ministério na Galiléia começou em Naza­ré. Sentimos imediatamente o toque humano na informação: “ Na­zaré, onde fora criado” (4:16). Somente aqui aparece seu primeiro discurso na sinagoga, colocando toda a ênfase desde o início sobre a humanidade ungida peio Espírito (4:18, 19). Unicamente neste livro vemos manifestadas as emoções de Jesus, lamentando sobre a cidade (13:34; 19:41); ajoelhando-se para orar (22:41); sendo fortalecido por um anjo (22:43); sofrendo tão grande agonia que seu suor era como “ gotas de sangue” (22:44); e rendendo o Espí­

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rito na cruz: “ Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito" (23:46). Somente aqui O encontramos confirmando seu corpo ressurreto aos Onze, pedindo-lhe para “ tocá-lo” ; compartilhando do “ peixe assado” e do “ favo de mel” ; e comendo “na presença deles” (24:38-43) — tudo isso em seu esplêndido entusiasmo de mostrar que continuava humano como eles.

A Tríp lice Interação da Ênfase

Contudo, devemos mencionar uma característica singular des­te terceiro Evangelho; a qual, uma vez observada, acrescenta-lhe novo fascínio. Através dele todo existe uma INTERAÇÃO T R Í­PLICE desta ênfase sobre a humanidade. (1) Certos traços da hu­manidade do Senhor são apresentados com proeminência nEle mesmo. (2) Estes, por sua vez, enfatizam-se de novo através de seu ensino. (3) A própria narrativa com que Lucas envolve o Se­nhor acentua a ênfase.

Dependência Humana da OraçãoNo livro inteiro vemos a dependência humana de Deus, ex­

pressando-se mediante a oração. Cada um dos sinóticos registra a oração no Getsêmani, mas além disso o fato do Senhor orar só é mencionado uma vez em Mateus e duas em Marcos, enquan­to Lucas o relata repetidamente. Só aqui aprendemos que ao des­cer sobre ele o Espírito Santo no Jordão, Ele estava “a orar” 3:21); que ao afastar-se das multidões que o assediavam conti­nuamente, ele “orava” (5:16); que antes de escolher os Doze, passou sozinho “a noite orando a Deus” (6:12); que na ocasião em que perguntou aos Doze “ Quem dizeis que eu sou?” ele es­tava “orando em particular” (9:18); que na sua transfiguração Jesus subira ao monte “ com o propósito de orar" e que a meta­morfose ocorreu “enquanto ele orava” (9:29); que justamente an­tes de ensinar a hoje chamada “ Oração Dominical” ele se achava “orando em certo lugar” (11:1); que ele assegurou a Pedro, “ Eu, porém, roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça” (22:32); que no Getsêmani ele “orava mais intensamente” (22:44); que na cruz tanto o seu primeiro como ú ltim o pronunciamentos foram orações (23:34, 36).

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Não é possível passar por alto essa ênfase ou a maneira co­mo mostra a dependência humana do Senhor. Veja porém agora co­mo ela reaparece em seus ensinamentos. Só em Lucas encontramos a parábola do pedido fe ito à meia-noite, “ Amigo, empresta-me três pães” , ensinando a insistência na oração (11:5-10); a pará­bola do juiz importunado e da viúva, ensinando constância na oração (18:1-8); a parábola do fariseu e do publicano orando no templo, ensinando humildade na oração (18:9-14); apenas aqui “ Vigiai, pois, a todo tempo, orando’’ (21:36); somente aqui o segundo “ Levantai-vos, e orai, para que não entreis em tenta­ção” (22:46).

Veja também como até mesmo a narrativa circunjacente acen­tua esta ênfase. Só em Lucas, como é natural, encontramos “ Du­rante esse tempo, toda a multidão do povo permanecia da parte de fora, orando” (1:10); as palavras do anjo “ Zacarias, não te­mas, porque a tua oração fo i ouvida” (1:13); Ana, servindo a Deus “ noite e dia em jejuns e orações” (2:37); só aqui “ Por que jejuam os discípulos de João muitas vezes, e fazem orações” (5:33); apenas aqui, o pedido, “ Senhor, ensina-nos a orar” (11:1); só aqui, explicado o objetivo de uma parábola — “ o dever de orar sempre e nunca esmorecer” (18:1); e a estranha circunstân­cia que levou o Senhor a assegurar a Pedro: “ Eu, porém, roguei por t i ” . E de surpreender que alguns tenham chamado este evan­gelho de Evangelho da oração?

Necessidade humana do Espírito SantoA proeminência dada ao Espírito Santo acha-se em perfeita

sintonia no terceiro evangelho. Ele é citado mais vezes em Lucas do que em Mateus e Marcos combinados, e até mais do que em João. Com delicada reticência, embora com igual clareza, a ativi­dade milagrosa de Jesus é enfatizada em relação com a natureza humana do Senhor e, a seguir, nos seus ensinos e finalmente no cenário incidental da história de Lucas.

Tanto em Mateus como em Lucas um anjo fala da gravidez sobrenatural de Maria como um fenômeno operado pelo Espíri­to Divino; mas no primeiro evangelho ela é simplesmente declara­da um fato, sem qualquer referência ao processo; enquanto em Lucas existe uma descrição significativa da pré-concepção, com destaque singular dado à atividade do Espírito.

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“Descerá sobre ti o Espírito Santo e o poder do Altíssimo te envolverá com a sua sombra; por isso também o ente san­to que de ti há de nascer, será chamado Filho de Deus” (1:35)

Note bem as palavras: “ O ente santo que de ti há de nascer, será chamado Filho de Deus” . A humanidade do Senhor fo i gera­da inteiramente da substância daquela virgem pura, e nem sequer parcialmente pela comunicação do Espírito Santo, cuja essência é incomunicável. Como diz Pearson, um pouco abruptamente em seu clássico sobre o Credo: o Espírito Santo não era o “ Pai” do Senhor, embora este tenha sido “ concebido por Ele” . Maria conti­nuou tão virgem depois de ter gerado o Jesus irrepreensível como antes. A derivação fo i inteiramente da mãe humana. O milagre pertenceu inteiramente ao Espírito Santo.

Os quatro evangelhos registram a descida do Espírito sobre esse homem sem pecado quando do batismo do Jordão, mas ape­nas Lucas acrescenta: “ Jesus, cheio do Espírito Santo, voltou do Jordão” (4.1). Os três sinóticos contam como o Espírito levou-o ao deserto para ser tentado por Satanás, mas Lucas é o único que diz: “ Então Jesus, no poder do Espírito, regressou” (4:14).

Uma palavra surpreendente em 10:21 é também peculiar a Lucas: “ Naquela mesma hora se alegrou no Espírito Santo” . O termo grego significa saltar ou exultar; e a evidência dos manus­critos é que “ espírito” (como em algumas versões) deveria ser Espírito Santo (conforme a tradução em português). Todas es­sas referências são um sinal da singular associação do Espírito San­to com essa humanidade sem pecado.

Mais ainda, essa humanidade gerada do Espírito teve necessi­dade do dom do Espírito Santo para sua vitória e serviço espiri­tual. O Senhor tornou-se encarnado para ser um de nós — para ser como nós, para nós, conosco, como o novo Adão, o novo Ho­mem representativo, o novo Campeão da raça, o Desafiante hu­mano do usurpador Apolion. Não haveria vitória moral se o Fi­lho de Deus encarnado vencesse Satanás pela repentina libertação de poder divino. O Senhor fo i tentado como homem. Ele venceu como homem. Em todas essas relações seu poder divino esteve sus­penso. Ele venceu em sua humanidade dependente, piedosa, re­vestida do Espírito! Esta vitória humana dele é tão preciosa e

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crucial para nós individualmente como para a raça como um todo, pois significa que Aquele que se tornou nosso Campeão vitorioso tornou-se também nosso Exemplo. Significa que nossa própria natureza humana pode ser agora revestida desse mesmo Espírito Santo para vitória e serviço similares.

Veja agora como esta ênfase sobre o Espírito Santo reapa­rece nas descrições dos ensinamentos do Senhor em Lucas. Os três sinóticos registram o início do ministério na Galiléia, mas só Lucas acrescenta o prefixo da declaração inicial do Senhor em Nazaré: “ O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me un­giu para pregar boas novas” (4:18).

Note a diferença característica entre Mateus 7:11 e Lucas 11:13. O primeiro diz: “ Quanto mais vosso Pai que está nos céus dará boas coisas aos que lhe pedirem?” E Lucas: “ Quanto mais o Pai celestial dará o Espírito Santo àqueles que lhe pedirem?”

Só Lucas registra a alusão surpreendente do Senhor ao Espí­rito Santo como o “ dedo de Deus” (11:20); e encerra o seu evan­gelho com a promessa final de poder pelo Espírito Santo: “ Eis que envio sobre vós a promessa de meu Pai; permanecei, pois, na cidade, até que do alto sejais revestidos de poder” (24:49).

Mesmo em separado do Senhor e seus ensinos, a narrativa de Lucas tem a mesma ênfase. Logo no início, o anjo anuncia com respeito a João: “ Será cheio do Espírito Santo” (1:15). A seguir: “ Isabel ficou possuída do Espírito Santo” (1:41). De no­vo: “ Zacarias, ..., cheio do Espírito Santo, profetizou” (1:67). Pouco mais tarde: “ Havia em Jerusalém um homem chamado Simeão... e o Espírito Santo estava sobre ele. Revelara-lhe o Es­pírito Santo que não passaria pela morte antes de ver o Cristo do Senhor. Movido pelo Espírito fo i ao tem plo” (2:25-27). Tu­do isto nos prepara para uma ênfase distinta. Logo no começo o Espírito Santo é o “ poder do A ltíssim o” (1:35) e no final Ele é o “ poder do a lto ” prometido.

A Universalidade HumanaOutro aspecto ressaltado da humanidade do Senhor, neste

terceiro evangelho, é a sua universalidade. Ela se manifesta repe­tidamente em seus ensinos e persiste através da narrativa de Lu­cas.

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A nota de boa-vontade irrestrita em relação aos que se acham fora do seio da religião judaica soa bem cedo, nos capítulos da natividade. Os interesses de Israel não são negligenciados (veja 1:16, 32, 33, 54, 55, 68-74; 2:11), mas enquanto o registro de Ma­teus é exclusivamente judaico, o de Lucas imediatamente transbor­da para os gentios. Zacarias, repentinamente inspirado, está alu­dindo a uma profecia de Isaías sobre os gentios quando diz: “ Nos visitará o sol nascente das alturas, para alumiar os que jazem nas trevas e na sombra da morte” (1:79). Quando os anjos ansiosos marcharam pelos céus noturnos, a mensagem fo i: “ Eis aqui vos trago boa nova de grande alegria, que o será para todo o povo” (2:10) — ligando a encarnação humana do Senhor com toda a raça.

As palavras do idoso Simeão são cuidadosamente preserva­das: “ Agora, Senhor, despedes em paz o teu servo, segundo a tua palavra; porque os meus olhos já viram a tua salvação, a qual pre­paraste diante de todos os povos; luz para revelação aos gentios” (2:29-32).

Entretanto, além disso, enquanto os três sinóticos associam João Batista com Isaías 40:3-5: “ A voz do que clama no deserto” , só Lucas continua: “ E toda carne verá a salvação de Deus” (3:6).

Assim sendo, neste terceiro evangelho, uma notável univer­salidade envolve a vinda do Senhor em forma humana. Sendo este o preâmbulo para a vasta abrangência dos ensinos do Senhor.

Como é diferente a primeira sentença das parábolas do Se­nhor em Lucas daquela de Mateus! Existem 16 parábolas em Ma­teus (sem contar símiles secundários) e todas menos quatro co­meçam: “ O reino dos céus é como” . Em Lucas encontramos 20, e todas menos duas começam: “ Certo homem” ou outra senten­ça semelhante.

As parábolas registradas por Lucas são apresentadas nos mais amplos termos humanos. Como soam familiares em sua abrangên­cia humana: “ Certo homem descia de Jerusalém para Jericó, e veio a cair em mãos de salteadores” . “ O campo de um homem rico produziu com abundância” . “ Certo homem tinha dois filhos” . Bas­ta comparar o tipo das parábolas preservadas respectivamente por Mateus e Lucas, a fim de perceber a universalidade supra-judaica do último. Se o gênio da seleção acha-se evidente em algum ponto, ele está exatamente aqui.

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Tomemos por exemplo, aquelas duas parábolas, uma em Ma­teus e a outra em Lucas, que são tão semelhantes que alguns ex­positores supõem tratar-se de duas versões da mesma parábola, i.e., a “ festa das bodas” reais (Mt 22) e a “ grande ceia” (Lc 14). Lemos em Mateus: “ O reino dos céus é semelhante a um rei que celebrou as bodas de seu f ilh o ” , e em Lucas: “ Certo homem deu uma grande ceia e convidou a muitos” — um cenário humano e não real, sem qualquer referência ao “ reino” . (Não existe proble­ma de inspiração criado por esta variação entre Mateus e Lucas. O Senhor se movimentava continuamente de lugar para lugar e muitos de seus ensinamentos, parábolas, declarações, seriam repe­tidos por Ele em lugares diversos, com adaptações circunstanciais. Cada escritor do evangelho exerce seleção discriminatória.)

As parábolas que ocorrem em Lucas são suficientes em si mesmas para indicar a ampla ênfase humana neste terceiro evange­lho — os dois devedores (7), o bom samaritano (10), a grande ceia (14), a moeda perdida (15), o filho pródigo (15), a viúva im portu­na (18), o fariseu e o publicano (18).

A mesma universalidade é encontrada até mesmo na narrati­va circunjacente de Lucas. Em primeiro lugar, seu evangelho é d i­rigido a um gentio, i.e., o “ excelentíssimo Teófilo ” (1.3). Quando ele dá a genealogia humana do Senhor, precisa afastar-se para além das simples fronteiras judaicas, remontando a. Adão, o único outro homem que tivera uma importância completamente racial e quem, com o Senhor, não tinha outro Pai senão Deus.

Lucas é o único a registrar os comentários do Senhor em Na­zaré sobre a viúva gentia de Sidom, o sírio gentio, Naamã (4:16­30). Só Lucas acrescenta o interessante detalhe de que o “ servo” do centurião gentio era muito “ estimado por ele” (7:2, 5). Em seu relato do envio dos Doze pelo Senhor, ele omite claramente as palavras preservadas por Mateus: “ Não tomeis rumo aos gentios” (Lc 9:1-6). Só Lucas conta como Tiago e João queriam chamar fo ­go do céu sobre certos samaritanos pouco hospitaleiros, e como Je­sus reprovou-os (9:51-56). Apenas Lucas conta sobre os dez le­prosos que foram curados e que só um deles, um samaritano, vol­tou para agradecer (17:11-19). Lucas é o único que preservou pa­ra nós: “ e, até que os tempos dos gentios se completem, Jerusalém será pisada por e/es” (21:24). Todas essas referências destacam a abordagem distinta fortemente humana deste terceiro evangelho.

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A Pobreza HumanaUma outra especialidade deste evangelho é a proeminência

dada aos pobres. Ela aparece na forma tríp lice usual — primeiro em relação à humanidade do Senhor, depois em s e u s ensinamentos novamente na. narrativa de Lucas.

Quem não conhece a história de Lucas sobre o menino pa­ra quem não “ havia lugar na hospedaria” ; cuja primeira noite na terra fo i passada num estábulo, com uma mangedoura por berço (2:7); e cujos pais eram tão pobres que ao apresentá-lo ao Senhor no templo só puderam oferecer dois pássaros em lugar do cordeiro regulamentar (2:24)?

Desde o início, essa sublime humanidade está associada com a pobreza; e isto por sua vez dá sabor a todos os ensinamentos do Senhor como registrados por Lucas. Tanto Mateus quanto Lucas retêm várias referências aos pobres, que também reaparecem em Lucas; mas as que se seguem encontram-se somente em Lucas.

Logo no início de seu ministério, Jesus anuncia que fo i ungi­do para “ evangelizar aos pobres” (4:18). A seguir no “ Sermão na Planura” (6:17-49), que é o paralelo de Lucas ao “ Sermão do Monte” em Mateus, em lugar de “ Bem-aventurados os hum il­des de espírito” , temos simplesmente “ Bem-aventurados vós os pobres"-, em substituição a “ Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça,” encontramos apenas “ Bem-aventurados vós os que agora tendes fome” ] e em vez de “ Bem-aventurados os que se lamentam” , temos “ Bem-aventurados vós os que agora cho­rais” . As bem-aventuranças preservadas por Lucas se dirigem à verdadeira pobreza, fome e lágrimas físicas, aguçando-as em uma pungência humana mais acentuada.

A seguir, no capítulo 14, vemos Jesus dizendo: “ Antes, ao dares um banquete, convida os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos” (v. 13). No mesmo capítulo lemos a parábola da “ grande ceia” , incluindo a sentença: “ Sai depressa para as ruas e becos da cidade e traze para aqui os pobres, os aleijados, os cegos e os co­xos” . (v. 21). Um pouco adiante encontramos a história de Láza­ro e o rico: “ Havia também certo mendigo, coberto de chagas... e desejava alimentar-se das migalhas que caíam da mesa do rico..- Aconteceu morrer o mendigo e ser levado pelos anjos para o seio de Abraão” (16:19-31). Como os pobres devem ter ouvido aten­tamente essa história! Mais adiante ainda, no capítulo 19:8, vemos

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Zaqueu, chefe dos publicanos de jericó, convertido e exclamando: “ Senhor, resolvo dar aos pobres a metade dos meus bens!”

Veja porém agora como até a narrativa circunjacente de Lu­cas completa tudo isso. Quando Maria canta seu “ Magnificat” , este é o seu primeiro júb ilo : “ Porque contemplou a humildade da sua serva” (1:48). Mais tarde, ela acrescenta: “ Derrubou dos seus tro ­nos os poderosos e exaltou os humildes” (v. 52). Outra vez: “ En­cheu de bens os famintos” (v. 53). Lucas é o único que nos diz que enquanto o Senhor peregrinava pela região em sua pobreza huma­na, Ele dependia de mulheres agradecidas “ as quais lhe prestavam assistência com os seus bens” (8:1-3). E também Lucas (só ele) que nos mostra repetidas vezes o Senhor sentado à mesa de outros para alimentar-se (5:29; 7:36; 10:38-42; 11:37; 14:1; 19:5) — "pobre, mas enriquecendo a muitos” (2 Co 6:10).

As A finidades HumanasDevemos terminar agora nossa breve demonstração dessas ên­

fases incidentais sobre o aspecto humano do Senhor neste tercei­ro evangelho. Elas se acumulam até um ponto em que só os olhos mais indiferentes não percebem que tudo converge para Cristo co­mo HOMEM. Nem a realeza (como em Mateus), nem a qualidade de servo (como em Marcos) é obscurecida; enquanto a sua divin­dade (como em João) se mostra latente ou se patenteia através de todo o livro; o aspecto distinto, no entanto, é a.humanidade. Não necessitamos discutir se Lucas fez isso deliberadamente, ou até que ponto o fez. Tudo o que dizemos é que a peculiaridade fascinante realmente existe.

Ao encerrar, portanto, vamos ver quão marcadamente a.s sim­patias humanas do Senhor surgem no Evangelho de Lucas.

Quem pode ter deixado de notar a proeminência dada às mu­lheres? Logo no início vemos uma indicação disso na proeminência dada a Isabel, Maria, Ana. Ela se destaca em todos os ensinamentos do Senhor. Só em Lucas encontramos Jesus absolvendo a mulher “ pecadora” (7:37-50); acalmando com simpatia “ certa mulher” com suas palavras inesquecíveis: “ Marta! Marta! andas inquietas e te preocupas com muitas coisas” (10:41); somente aqui Ele cu­ra a "mulher possessa de um espírito de enfermidade, havia já de­zoito anos” e a seguir confunde os sabatístas críticos e intoleran­

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tes com sua réplica: “ Por que motivo não se devia livrar deste cati­veiro em dia de sábado esta filha de Abraão, a quem Satanás tra­zia presa?” (13:10-17) (No original inglês: “ esta mulher, filha de Abraão” .) Encontramos apenas em Lucas a "mulher que, tendo dez dracmas...” (15:8); e só aqui vemos Jesus voltando-se na Via Dolorosa para dizer: "Filhas de Jerusalém, não choreis por m im ” (23:28).

A própria narrativa de Lucas completa tudo isto. Só ele nos fala sobre a mãe de João, Isabel; e de Ana, a.profetiza (1, 2) octo­genária; de “ algumas mulheres” ... que lhe prestavam assistência com os seus bens” (7); da queixa de Marta e de Maria, sentada aos pés de Jesus (10); de “ uma mulher” na multidão que exclamou: “ Bem-aventurada aquela que te concebeu1.” (11); e de “ mulheres, que batiam no peito e o lamentavam” enquanto seguiam Jesus no caminho para a cruz (23).

As mulheres são mencionadas em Lucas mais vezes do que em qualquer dos outros três evangelhos, e as viúvas mais do que nos outros três juntos. Só aqui encontramos a “ viúva” Ana (2); ouvi­mos Jesus faiar das “ muitas viúvas em Israel” e da mulher de Sa­repta que era “ viúva” (4). Só aqui lemos sobre a “ viúva” enlutada de Naim (7) e apenas aqui aprendemos sobre a “ viúva” insistente que não dava sossego ao juiz (18).

Note a afinidade com os sentimentos paternais. Os três sinó­ticos relatam a cura da filha de Jairo, mas só Lucas registra o fato dela ser “ filha única” (8:42). Os três registram a cura do jovem endemoninhado depois da transfiguração do Senhor, mas só em Lucas lemos “ meu filho... porque é o único” (9:38). Quando Lu­cas nos mostra a viúva de Naim chorando enquanto acompanhava o enterro, ele explica que o m orto era seu “ filh o único” (7:12).

Este e outros indícios neste terceiro evangelho mostram em- patia para com as tristezas e sofrimentos de outros seres humanos. Observe o interesse puramente humano nos detalhes pessoais. A profetisa Ana era viúva de “ oitenta e quatro anos” e vivera com seu marido "sete anos desde que se casara” . Jesus tinha “ doze anos” quando seus pais O levaram para a Páscoa em Jerusalém; e cerca de "trinta anos” quando fo i batizado por João no rio Jor­dão. A filha de Jairo tinha cerca de "doze anos de idade” . A mu­lher enferma andava encurvada "havia já dezoito anos”. Todos esses toques são peculiares a Lucas e sublinham as simpatias ex- tra-humanas que diferenciam o seu evangelho.

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Observe finalmente sua compaixão pelos desprezados. Neste ponto a ênfase característica torna-se inconfundível. Só aqui Jesus é a Criança para quem “não havia lugar na estalagem” ; e o jovem Profeta “ expulso” de Nazaré (4:29). Nosso Senhor sem pecado, “ desprezado e rejeitado” , veio a conhecer os sentimentos dos pros­critos. Só neste terceiro evangelho temos aquele rejeitado social, o publicano, de pé “ longe” no templo, batendo no peito e dizen­do: “ O Deus, sê propício a mim, pecador” e descendo para sua casa “ justificado” e não o vaidoso fariseu (18). Só aqui vemos pu- blicanos procurando João para serem batizados (3:12) e aceitan­do a palavra de Deus (7:29) e “ aproximando-se” de Jesus (15:1). Aqui apenas temos a “ mulher da cidade, pecadora” cujo profun­do arrependimento provocou absolvição graciosa (7). Só aqui le­mos: “ Este (homem) recebe pecadores” (15:2). A parábola do filho pródigo só se acha aqui (15.11-32) e também somente aqui encontramos, no Calvário, o “ m alfe itor” arrependido a quem Je­sus disse: “ Em verdade te digo que hoje estarás comigo no paraí­so” (23:43). Sim, este é realmente o evangelho para os rejeitados.

Essas singularidades cumulativas no terceiro evangelho são tais que certamente apenas os mais obtusos não notarão a ênfase característica que une todas elas, a saber, a humanidade, a simpa­tia e a compaixão generosas desse Homem perfeito que simboli­za o ideal tornado realidade.

E tudo é fe ito com um propósito imenso, vital — a nossa sal­vação. De modo especial, entre os quatro evangelhos, este é aque­le que faz soar os sinos da salvação pela graça mediante a fé. Só em Lucas, entre os sinóticos, encontramos a palavra “ Salvador” (1:47; 2:11). Só aqui vemos a palavra “ salvação” (seis vezes, 1:69, 71, 77; 2:30; 3:6; 19:9); também aqui deparamos com a belíssima pa­lavra euaggelizõ (participar boas novas: dez vezes: 1:19; 2:10; 3:18; 4:18, 43; 7:22; 8:1; 9:6; 16:16; 20:1) que ocorre somente uma vez nos outros evangelhos. Só em Lucas achamos “ A tua fé te salvou” (7:50; 8:48). Dos três, só Lucas usa a palavra “ graça” (o ito vezes: 1:30; 2:40, 52; 4:22; 6:32, 33, 34; 17:9); e aqui, pela p ri­meira vez no Novo Testamento, lemos a palavra “ redenção” (1:68; 2:38; 24:21). Logo no início o anjo mensageiro anuncia: “ Para todo o povo... o Salvador!” (2:11). Bem no final, o Salvador ressurreto ordena que “ em seu nome se pregasse arrependimento para re­missão de pecados, a todas as nações” (24:47). Esse Salvador é

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nosso parente, “osso de nossos ossos e carne de nossa carne” , em todas as coisas “ semelhante a seus irmãos” ; em todos os pon­tos “ tentado como nós o somos” ; vencendo através do Espírito Santo; orando até mesmo na cruz, “ Pai, perdoa-lhes” ; deixando- nos o exemplo perfeito para toda vida humana.

Que as crianças levantem os olhos para Ele; Ele é o padrão de nossa infância de submissão respeitosa aos pais e reverente en­tusiasmo pelas coisas do Pai celestial. Que as mulheres, as viúvas, os pobres, os necessitados, os pecadores, os desprezados O contem­plem, o Salvador cujo coração bate compassivo. Que todos os cris­tãos observem de novo esse Homem de oração e aprendam que os “ homens devem sempre orar, sem esmorecer” . Que todos nós levantemos os olhos, e com freqüência, para observar esse magní­fico Jesus do terceiro evangelho. Possamos nós aprender a lição de sua simpatia, gentileza, compaixão, sendo “ bondosos uns com os outros; compassivos; perdoando-nos uns aos outros” , assim co­mo nós, através d Ele, fomos perdoados!

Humanidade magnificente, Padrão perfeito,Vive novamente a Tua vida através da minha!

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Observe finalmente sua compaixão pelos desprezados, Neste ponto a ênfase característica torna-se inconfundível. Só aqui Jesus é a Criança para quem “ não havia lugar na estalagem” ; e o jovem Profeta “ expulso” de Nazaré (4:29). Nosso Senhor sem pecado, “ desprezado e rejeitado” , veio a conhecer os sentimentos dos pros­critos. Só neste terceiro evangelho temos aquele rejeitado social, o publicano, de pé “ longe” no templo, batendo no peito e dizen­do: “ O Deus, sê propício a mim, pecador” e descendo para sua casa “ justificado” e não o vaidoso fariseu (18). Só aqui vemos pu- blicanos procurando João para serem batizados (3:12) e aceitan­do a palavra de Deus (7:29) e “ aproximando-se” de Jesus (15:1). Aqui apenas temos a “ mulher da cidade, pecadora" cujo profun­do arrependimento provocou absolvição graciosa (7). Só aqui le­mos: “ Este (homem) recebe pecadores” (15:2). A parábola do filho pródigo só se acha aqui (15.11-32) e também somente aqui encontramos, no Calvário, o “ m alfe itor” arrependido a quem Je­sus disse: “ Em verdade te digo que hoje estarás comigo no paraí­so” (23:43). Sim, este é realmente o evangelho para os rejeitados.

Essas singularidades cumulativas no terceiro evangelho são tais que certamente apenas os mais obtusos não notarão a ênfase característica que une todas elas, a saber, a humanidade, a simpa­tia e a compaixão generosas desse Homem perfeito que simboli­za o ideal tornado realidade.

E tudo é fe ito com um propósito imenso, vital — a nossa sal­vação. De modo especial, entre os quatro evangelhos, este é aque­le que faz soar os sinos da salvação pela graça mediante a fé. Só em Lucas, entre os sinóticos, encontramos a palavra “ Salvador” (1:47; 2:11). Só aqui vemos a palavra “ salvação” (seis vezes, 1:69, 71, 77; 2:30; 3 :6 ; 19:9); também aqui deparamos com a belíssima pa­lavra euaggeíizõ (participar boas novas: dez vezes: 1:19; 2:10; 3:18; 4:18, 43; 7:22; 8:1; 9:6; 16:16; 20:1) que ocorre somente uma vez nos outros evangelhos. Só em Lucas achamos “ A tua fé te salvou” (7:50; 8:48). Dos três, só Lucas usa a palavra “ graça” (o ito vezes: 1:30; 2:40, 52; 4:22; 6:32, 33, 34; 17:9); e aqui, pela p ri­meira vez no Novo Testamento, lemos a palavra “ redenção” (1:68; 2:38; 24:21). Logo no início o anjo mensageiro anuncia: “ Para todo o povo... o Salvador!” (2:11). Bem no final, o Salvador ressurreto ordena que “ em seu nome se pregasse arrependimento para re­missão de pecados, a todas as nações” (24:47). Esse Salvador é

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nosso parente, “osso de nossos ossos e carne de nossa carne” , em todas as coisas “ semelhante a seus irmãos” ; em todos os pon­tos “ tentado como nós o somos” ; vencendo através do Espírito Santo; orando até mesmo na cruz, “ Pai, perdoa-lhes” ; deixando- nos o exemplo perfeito para toda vida humana.

Que as crianças levantem os olhos para Ele; Ele é o padrão de nossa infância de submissão respeitosa aos pais e reverente en­tusiasmo pelas coisas do Pai celestial. Que as mulheres, as viúvas, os pobres, os necessitados, os pecadores, os desprezados O contem­plem, o Salvador cujo coração bate compassivo. Que todos os cris­tãos observem de novo esse Homem de oração e aprendam que os “ homens devem sempre orar, sem esmorecer” . Que todos nós levantemos os olhos, e com freqüência, para observar esse magní­fico Jesus do terceiro evangelho. Possamos nós aprender a lição de sua simpatia, gentileza, compaixão, sendo “ bondosos uns com os outros; compassivos; perdoando-nos uns aos outros” , assim co­mo nós, através dEle, fomos perdoados!

Humanidade magnificente, Padrão perfeito,Vive novamente a Tua vida através da minha!

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O EVANGELHO SEGUNDO LUCAS (3)

Lição NP 17

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NOTA: Para esta consideração final de Lucas, consulte primeiro uma concordância a fim de examinar cada referência do Novo Testamento sobre Lucas; a seguir leia em espírito de oração novamente a partir do capítulo 19:45 até o fim do capítulo da ressurreição.

OS SETE “ PONTOS ALTO S”

Sete eventos de suprema transcendência ocorreram na vida terrena do Senhor, a saber: (1) Seu nascimento, (2) Seu batismo,(3) Sua tentação, (4) Sua transfiguração, (5) Sua crucificação, (6) Sua ressurreição, (7) Sua ascensão. Gostaríamos de ter-nos demorado mais nos mesmos no decorrer destes estudos, mas os li­mites que nos impusemos impediram que o fizéssemos.

J. S. B.

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O EVANGELHO SEGUNDO LUCAS (3)

Quanto mais nos aprofundamos neste “ Evangelho Segundo Lucas”, mais agradavelmente embaraçados nos tornamos pelos as­pectos interessantes que nos convidam a prosseguir em nossas pesquisas. E difícil proporcionar uma impressão satisfatória do mesmo em três seções curtas como estas.

Vimos como ele é distintamente o Evangelho da. humanida­de do Senhor, o evangelho da oração, do Espírito Santo, de uni­versalidade graciosa e simpatias humanas abrangentes; o evangelho da boa-vontade especial para com os pobres e necessitados, as mu­lheres e viúvas, os samaritanos e gentios, os pródigos e os despre­zados. Esses ângulos e tendências de Lucas não devem ser muito enfatizados, pois todos têm algum paralelo através de correspon­dência nos outros escritos dos evangelhos. Nenhum devem tam­bém ser minimizado; pois juntos formam o mosaico tênue de um propósito divino que se manifesta através da penas divinamente orientadas desses quatro escritores. Nenhum dos quatro possui monopólio sobre qualquer aspecto, todavia cada um deles imor­taliza supremamente um dos aspectos; o de Lucas é a. humanida­de irrepreensível, perfeita, graciosa e gloriosa do Senhor.

Nesta última parte do terceiro evangelho falaremos primeiro do próprio Lucas e depois, para encerrar, voltaremos ao tema cen­tral do seu evangelho, a saber, a humanidade do Senhor.

Lucas — O Homem

Este terceiro evangelho e os Atos dos Apóstolos são ambos diri­gidos à mesma pessoa — “ Teófilo" (Lc 1:3; At 1:1). Os dois livros foram também escritos pelo mesmo autor; pois o “ primeiro trata­do” mencionado em Atos 1:1 não pode ser outro senão nosso Evangelho segundo Lucas. O fato de Lucas ter sido o escritor de

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ambos é agora praticamente a opinião unânime dos eruditos, como tem sido também a firme tradição desde Irineu no segundo século A.D.

Todavia, embora devamos a Lucas a primeira história escrita da igreja primitiva, desde o seu inicio até sua implantação através do mundo romano, sabemos muito menos sobre ele do que sobre qualquer outro escritor do Novo Testamento. Ele não se refere a si mesmo em ponto algum do seu evangelho, nem mesmo em Atos, exceto onde os plurais “ nós” e “ conosco” o incluem anonimamen­te no grupo de companheiros de viagem de Paulo.

Companheiro de ViagemSabemos então em primeiro lugar que ele era um companhei­

ro de viagem de Pauio. A mudança de “ eles” para “ nós” em Atos 16:10 parece indicar que se reuniu ao grupo em Trôade, onde Pau­lo viu numa visão noturna um “varão macedônio’’ chamando-os para a Europa. Desde essa ocasião Lucas passou a ser o colabora­dor fiel de Paulo. Ele permaneceu com Paulo durante as aventuras em Filipos e talvez outros lugares “ para o ocidente” (embora a vol­ta ao uso de “eles” em lugar de “ nós” , até 20:5, possa indicar que Lucas ficou em Filipos). Seis anos mais tarde ele deixa Filipos com Paulo (At 20:6) e daí por diante o acompanha sem interrupções. Lucas está com Paulo em Jerusalém quando a multidão fanática decide linchá-lo e durante os dois anos de prisão em Cesaréia (24:27 com 27:1); durante a viagem perigosa e o naufrágio a ca­minho de Roma (27:1-28:16); através de sua permanência na pri­são e os julgamentos diante de Nero; com ele, aparentemente, até a hora do martírio (Cl 4:14; 2 Tm 4:11; Fm 24).

O MédicoTambém nos é dito que ele era médico. Na saudação final da

Epístola aos Colossenses (escrita de Roma), Paulo se refere a ele como tal (4:14). A lenda de que era também pintor data apenas do século quatorze, sendo pelo menos duvidosa, tendo provavel­mente origem em referências retóricas ao seu dom de escritor co­mo pintor de quadros literários cheios de vida. Quando se reuniu ao grupo itinerante de Paulo, ele teria de abandonar a prática da

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medicina, embora seja possível que em lugares onde permaneces­sem longo tempo (principalmente Filipos), ele voltasse temporaria­mente a clinicar. Mais tarde, porém, parece ter subordinado tudo para assistir Paulo como médico particular, companheiro e colabo­rador, apesar de ter-se provavelmente dedicado à prática geral da medicina durante a prolongada permanência em Roma.

Amado por PauloDeduzimos novamente que ele era muito querido por Paulo.

A saudação fraternal citada acima diz: “ Saúda-vos Lucas, o médi­co amado, e também Demas,” indicando assim os sentimentos de Paulo. Quão valoroso alguém como Lucas deve ter sido para Pau­lo! Talvez a união dos dois tenha-se fortalecido porque além de serem companheiros na fé, ambos eram indivíduos cultos, supe­riores a muitos num sentido literário. O tratamento médico pro­porcionado por Lucas a Paulo naturalmente ap/ofundaria ainda mais a apreciação e consideração deste por ele. E digno de nota o fato da associação em Trôade coincidir com uma doença oftá l­mica aparentemente crônica (compare “ região frígio-gálata” em Atos 16:6, com “ nos” em 16:10 é Gl 4:13-15). Parece igualmente que a natureza dos dois homens combinava. Eles foram compara­dos a Lutero e Meianchton na época da Reforma — Lutero, o es­p írito inquieto, o grande ator, o defensor público, admirado por sua valentia e proezas sem iguais; Meianchton, um espírito reserva­do, fora de vista, escrevendo os seus “ chavões,” o primeiro “ Cor­po de Doutrina” produzido pela Igreja da Reforma. Temos neces­sidades de Paulos e de Lucas e eles, geralmente, entendem-se bem, pois não há muita possibilidade de invasão do campo alheio por parte de companheiros cujas especialidades são tão diversas. Sem os Paulos haveria pouco a ser escrito. Sem os Lucas pouco seria preservado.

A Fidelidade de LucasLucas não era somente apreciado por Paulo; fica igualmente

claro que era muito leal a Paulo. Pelo que sabemos, a Segunda Car­ta a Timóteo fo i a última a ser escrita por Paulo antes do martírio. Nela ele diz: “ Procura v ir ter comigo depressa. Porque Demas, ten-

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do amado o presente século, me abandonou e se foi paraTessalô- nica; Crescente fo i para a Galácia, T ito para a Dalmácia. Somente Lucas está comigo” (4:9-11). Quanta emoção nessas duas últimas palavras! Quanto Lucas lhe é caro agora! O julgamento final dian­te de Nero está próximo. Como uma espada de Dâmocles a senten­ça: “ Morrer ou não morrer?” está suspensa sobre o pescoço de Paulo. Durante seus últimos dias em Roma ele sofreu pressões e desânimo.Companheiros professos o abandonaram.Paulo escreve: “ Na minha primeira defesa ninguém fo i a meu favor; antes, todos me abandonaram” (4:16). Ex-companheiros de viagem e colabo­radores foram necessários em outros lugares. Demas cedera à atra­ção do mundo e desertara. Mas "Lucas está comigo”. Com isso re­flete a coragem de Lucas na hora de decepção e perigo! Com quan­ta eloqüência prova sua profunda afeição pelo grande apóstolo que jaz ali em sua cela solitária, algemado e esquecido!

Muito EstimadoAo que parece, também entre aqueles primeiros cristãos, em

geral, Lucas era bastante conhecido e amado. Releia Colossenses 4:14: “ Lucas, o médico amado.” As palavras não indicam apenas a estima calorosa de Paulo, mas o que era sentido em relação a Lu­cas num amplo círculo. Como a maioria concorda, em 2 Coríntios 8:18 a referência é a Lucas: “ O irmão cujo louvor no evangelho es­tá espalhado por todas as igrejas” (embora não concordemos com a tradução sugerida: “ cujo Evangelho é motivo de louvor através de todas as igrejas” , i.e., o evangelho escrito por Lucas). Veja também o v. 19. Em várias ocasiões e lugares, Lucas provavelmente tratara profissionalmente, com competência e bondade, de vários santos.

Um GentioE possível, ainda, inferir que Lucas era gentio. Isto fo i posto

em dúvida, mas em nossa opinião as seguintes informações bastam para estabelecer esse fato. Nas frases de despedida em Colossenses 4:10-14, ele é distinguido de Aristarco, Marcos e Justo, que eram judeus (5:11), sendo associado com Epafras e Demas, que não o eram. Seu nome, Loukas, é grego. Tanto o seu evangelho como os

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Atos começam com uma introdução no estilo grego e romano — os únicos livros do Novo Testamento que fazem isso. Seu conheci­mento da língua grega e o toque de finura clássica em sua introdu­ção, assim como o fato da pessoa a quem o livro fo i dirigido, Teó- filo , ser um gentio, tudo aponta para a mesma direção.

Lucas Antes da ConversãoNão parece ser possível determinar se Lucas era um proséli­

to do judaísmo antes de sua conversão a Cristo ou se viera direta­mente do paganismo. Em minha opinião, seu conhecimento e re­gistro de assuntos judeus sugerem uma familiaridade anterior à conversão. E também possível que, da mesma forma que T im ó­teo, ele tivesse um pai gentio e mãe judia. Dizer que era um dos “ setenta” enviados pelo Senhor (Lc 10), ou o companheiro de Cleópas no caminho de Emaús (24), simplesmente porque só ele dos quatro escritores dos evangelhos menciona esses incidentes, não passa de fantasia sem base. De fato, isso é contradito pelo próprio Lucas, que na sua introdução distingue claramente sua pessoa dos que foram “ testemunhas oculares".

A Tradição de AntioquiaA tradição conta que antes de sua conversão ele era prosé­

lito da fé judaica e nascera em Antioquia. Os eruditos nos adver­tem, porém, que não devemos confundir Lucas com o Lúcio de Cirene mencionado como estando em Antioquia em Atos 13.1, ou o Lúcio em Romanos 16.21, porque o nome de Lucas em gre­go é Loukas, enquanto Lúcio é Loukios; mas em 1912 Sir William Ramsay encontrou uma inscrição no muro de um velho templo na Pisídia, em que os dois nomes são intercambiáveis. Continua­mos achando que Lucas não deve ser confundido com Lúcio de Cirene (embora, singularmente, Cirene fosse famosa por sua es­cola de medicina!); julgamos entretanto que o Lúcio de Atos 13.1 e o de Romanos 16.21 são a mesma pessoa — um judeu africano convertido, a quem Paulo chama claramente de seu “ parente” , i.e., um judeu.

Esse Lúcio fo i provavelmente convertido ao visitar Jerusalém durante o Pentecoste em que o Espírito Santo fo i derramado sobre

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os apóstolos (entre os ouvintes de Pedro são mencionados cirineus: Atos 2:10), e se achava entre aqueles cirineus que, quando os pri­meiros cristãos foram “ dispersos, por causa da tribulação que so­breveio a Estêvão” , viajaram para Antioquia (11:19) e pregaram aos gregos de lá. Talvez estejamos tocando aqui numa daquelas coincidências ocultas das Escrituras, que são tão fascinantes quan­to esquivas, pois não é improvável que nosso médico gentio Lucas estivesse em Antioquia justamente nessa ocasião, e possa ter sido então convertido. Segundo o manuscrito Codex Bezae e certas autoridades latinas, Lucas usa a primeira pessoa do plural em 11:28, o que significaria que se encontrava então realmente em Antioquia. Eusébio e Jerônimo (quarto século) falam dele como pertencendo a Antioquia. Outros o associam a Alexandria, Filipos e Trôade. Ninguém pode afirmar com certeza, mas somos de opi­nião que a tradição de Antioquia é a mais provável.

Não julgamos que Lucas tenha sido convertido por Paulo. O apóstolo jamais o chama de “ f ilh o ” como faz com Timóteo e T i­to. Não hâ dúvidas porém de que fo i grandemente influenciado por Paulo — havendo claros indícios neste sentido em seu escrito. Devemos muito a Lucas — como aconteceu com Paulo. E prová­vel que ele tenha salvo o apóstolo de várias doenças graves, tendo prolongado e aliviado seus dias. Algumas das cartas de Paulo tal­vez jamais fossem escritas sem Lucas. Ele não fo i apenas o primei­ro historiador religioso, tomando notas durante suas viagens e “ escrevendo-as” durante as duas prisões de Paulo (como supo­mos), mas fo i num sentido muito real o primeiro “ médico-missio- nário” .

Lucas — O EscritorE interessante notar como o que Lucas era transparece no

que escreveu.Era médico? — veja então os indícios disto em seu evangelho.

O primeiro texto do Senhor é: “ Enviou-me a curar" (4:18). E tam­bém aqui que encontramos: "Médico, cura-te a ti mesmo” (4:23). Só aqui lemos: “ E o poder do Senhor estava com ele para curar” (v. 17). Há mais menções de “ cura” em Lucas do que em Mateus e Marcos juntos. Os diagnósticos também indicam com freqüên­cia a pena de um médico. A sogra de Pedro estava com “muita fe­

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bre” (os médicos costumavam diferenciar as febres entre “ altas” e “ baixas” ); o leproso estava “ cheio de lepra” (5:12); o paralítico fora “ tomado de paralisia” — termo técnico em grego “ sofria de paralisia” (v. 18); o servo do centurião “ estava doente, e. moribun­do" (7:2); a mulher enferma “andava curvada, e não podia de mo­do algum endireitar-se” (13:11) — e assim por diante.

Era Lucas um gentio? Veja como isso se evidencia no tercei­ro evangelho. Não precisamos repisar terreno já coberto, pois não vimos que este é peculiarmente o evangelho de boas novas aos gen­tios?

Era ele um companheiro de Paulo? Indiscutivelmente tam­bém essa idéia deixa as suas marcas. Talvez seja por isso que se fo r­mou a tradição de que ele não passava de pouco mais do que um amanuense de Paulo. Seu prefácio basta para esmagar essa tradi­ção, pois ele nos conta ser o compilador independente, baseado em evidências de primeira-mão obtidas de “ testemunhas oculares” . Não obstante, a influência de Paulo é discernível. Veja a institu i­ção da Ceia do Senhor: pode qualquer le itor cuidadoso deixar de observar as correspondências praticamente verbais entre o relato de Lucas e o de Paulo? Pense um pouco sobre essas ênfases evan­gélicas características no evangelho de Lucas — Jesus como Salva­dor; a universalidade supra-judaica; o livre perdão dos pecados para os crentes e arrependidos; a justificação não-merecida até para o publicano que se arrependeu e buscou a Deus; a pessoa e obra do Espírito Santo; a glorificação de Deus em alegria san­ta, louvor e serviço; as epístolas de Paulo não se caracterizam igualmente por esses tópicos?

Todos esses pontos se prestam a uma pesquisa mais profun­da; mas no que se refere ao presente estudo, esta deverá ser a nos­sa última palavra.

O Grande Tema

Ao encerrar, voltamos à ênfase controladora e unificadora deste terceiro evangelho, a saber a subiime humanidade do Senhor. Como essa humanidade fala àqueles dentre nós que são cristãos— que desejariam de bom grado servir como Ele serviu e vencer como Ele venceu! Pensamos em Lucas como um grego falando a

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outro grego. Os gregos eram um povo de pensamentos idealistas. Seus filósofos e moralistas tinham seu ideal teórico de perfeita hu­manidade. Lucas apresenta Jesus em toda a simples pureza, esplên­dida naturalidade, profunda beleza e sublimidade moral de sua hu­manidade irrepreensível deixando ver como Ele não só transcende as mais elevadas concepções da cultura grega, mas também traduz o ideal em realidade concreta. Para os cristãos, porém, Jesus significa algo ainda mais próximo do que isso: Ele é nosso exemplo perfei­to. Sua humanidade é nosso padrão. Somos chamados para viver como Ele. Vamos, pois, segui-lo outra vez no decorrer dessas pá­ginas preciosas do evangelho de Lucas e gravar o melhor que pu­dermos como essa humanidade-padrão nos fala.

Parte Um: Sua Perfeita HumanidadeReleia a parte um de novo (1:5-4:13). Aqui, logo no início,

Lucas nos mostra a perfeição de tríp lice aspecto desse Homem maravilhoso. Primeiro ele nos apresenta o aspecto físico, i.e., o nascimento (1 :26-2:20). Depois sobre a infância e desenvolvimen­to mental (2:40-52). A seguir, o batismo no Jordão e a voz do céu que confirmou sua perfeição moral e espiritual quando tinha tr in ­ta anos: “ Tu és o meu Filho amado, em ti me comprazo” (3:21, 22). No início, temos então essa tríp lice perfeição — física, mental e espiritual — da humanidade real e completa do Senhor.

Esse Homem perfeito acha-se agora pronto para o propósito e serviço especiais que deve cumprir? Nós certamente responde­ríamos “ Sim” . Mas não, mais alguma coisa é necessária (e lembre- se o tempo todo que estamos olhando para Jesus como simboli­zando algo que tem em nós sua contraparte). Essa perfeição hu­mana de três faces pode ser chamada de a perfeição natural de Je­sus. Era um pré-requisito indispensável; mas até mesmo essa huma­nidade natural e perfeita exigia uma unção espiritual específica. É este o impressionante significado do acontecimento no Jordão, quando os céus se abriram e o Espírito Santo desceu em forma visível, como de pomba, sobre o Jesus aprovado e santificado.

Então, esse Homem perfeito está agora pronto? Nós repe­tiríamos “ Sim” . Mas não, além da unção com o Espírito é pre­ciso que haja a tentação por Satanás. O quê? Tentação? Sim o Ser santificado e Ungido deve ser testado, experimentado, provado.

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Marque bem a maneira como Lucas fala sobre isso, mostrando co­mo a tentação de Jesus não significou que tenha perdido a pleni­tude do Espírito, mas que esta se achava sob o seu controle espe­cial: “ Jesus, cheio do Espírito Santo, voltou do Jordão, e fo i guia­do pelo mesmo Espírito, no deserto, durante quarenta dias, sen­do tentado pelo diabo” (4:1). Pode ser diferente conosco? Nenhu­ma grande bênção espiritual pode vir sobre nós, da parte de Deus, sem que depois sobrevenha o teste inevitável. De ato, quase inva­riavelmente após uma grande bênção surge uma grande tentação. E neste ponto que muitos crentes "perdem a bênção” ; eles ficam atônitos e entram em colapso com o choque. Eles imaginam que depois de tal bênção ficarão isentos de tentação ou que esta terá perdido a sua força. Experimentam assim reações espirituais desa- nimadoras. Precisamos porém temer tais tentações? Não. Essa é a oportunidade do Espírito Santo mostrar o que Ele pode ser pa­ra nós. Inclinamo-nos a esquecer que enquanto Jesus estava sen­do tentado Ele continuava “ cheio do Espírito Santo” e que a alegria da vitória deve ter sido quase tão gloriosa como o próprio ato de receber o Espírito, através do qual a vitória fo i alcançada. A tentação fo i tríp lice e dirigida sucessivamente contra as três partes de sua humanidade: a física, a espiritual e mental; mas a totalidade do assalto só enfatizou a integralidade da vitória. Isto não fala a nós também, caso tenhamos “ ouvidos para ouvir” ?

Parte Dois: O Ministério na GaiUéiaObserve agora a parte dois (4:14-9:50). Veja como começa:

“ Então J esus, no poder do Espírito, regressou para a Galiléia” . Ah, veremos a seguir uma resposta imediata, alegria, sucesso! Eis aqui o Servo de Deus santificado, cheio do Espírito, vitorioso. Como o milho maduro curvando-se diante do vento, as almas de seus ou­vintes irão curvar-se diante de suas palavras. Mas, é com isso que deparamos? Não, justamente o oposto. “ Todos na sinagoga, ou­vindo estas coisas, se encheram de ira. E levantando-se, expulsa­ram-no da cidade e o levaram até ao cume do monte sobre o qual estava edificada, para de lá o precipitarem abaixo” (4:28, 29).

Pense nisso: a primeira experiência do Ministro cheio do Es­p írito , uma rejeição mortal! Pense: em todo o percurso, oposição pelos religiosos! - e no final, uma cruz! Pense: eles não puderam

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resistir à sua sabedoria, mas resistiram ao seu testemunho. Todavia, embora rejeitassem o seu amor e resistissem à sua palavra, não pu­deram destruir a sua aiegria nem a sua influência; pois a sua cruz tornou-se o seu trono e de sua sepultura Ele trouxe “ à luz a vida e a imortalidade, mediante o evangelho” . Seus crucificadores es­tão mortos, mas Jesus vive em milhares de corações para sempre.

Essas coisas não pesam sobre você e sobre mim como prová­veis servos de Jesus? Através de todo o evangelho de Lucas este Je­sus maravilhoso fala conosco simplesmente por ter sido o que foi em sua sublime humanidade e ministério. Por exemplo, vemos co­mo Ele sentiu necessidade de comunhão no serviço, tendo escolhi­do então os Doze, para que pudessem continuar “ com ele” (8:1); também a sua compreensão de que deveria haver pelo menos algu­ma organização, daí ter treinado, capacitado e enviado os Doze “ dois a dois” . Mas a partir deste ponto temos de deixar nossos leitores “ seguirem os seus passos” por si mesmos. Só queremos acrescentar que a Transfiguração se torna mais significativa por ter ocorrido justamente antes do Senhor iniciar sua longa peregri­nação para Jerusalém. Logo no começo de seu ministério a voz do céu tinha confirmado a perfeição do seu caráter. Agora, ao encer­rar-se o ministério da Galiléia, a voz confirma a perfeição do seu ministério: “ Este é o meu Filho, o meu eleito: a ele ouvi."

Realmente, devemos observar seus caminhos e ouvir suas pa­lavras.

Parte Três: A Viagem para Jerusalém rRecapitulemos agora a parte três (9:51-14:44). É assim que

começa: “ E aconteceu que, ao se completarem os dias em que de­via ele ser assunto ao céu, manifestou no semblante a intrépida re­solução de ir para Jerusalém''. No início de seu ministério Ele já era perfeito, mas o instrumento perfeito fo i agora aperfeiçoado através da provação e do serviço. Isso ainda não basta? Não. Aque­le que é perfeito em Si mesmo e aperfeiçoado no serviço, deve ser também aperfeiçoado “ através do sofrimento"! Isso não fala tam­bém a você e a mim? Não sugere que talvez a maior contribuição que podemos dar a Deus e ao homem não é apenas um serviço d i­ligente, mas sacrifício? No presente esquema de coisas, a maior co­munhão com Deus parece ser sempre desse modo. O sacrifício não

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é uma alternativa para o serviço, mas a forma mais elevada deste. Volte seus olhos e ouvidos para Jesus, enquanto Ele viaja para Je­rusalém. Mesmo em separado dos milagres surpreendentes e das parábolas inesquecíveis, sua conversa e comportamento inciden­tais são eloqüentes. Leia de novo o capítulo: enquanto viaja Ele é continuamente obrigado a corrigir as idéias erradas de outros; censurando a hipocrisia e abrandando o preconceito; controlan­do a excitação e acalmando a impaciência; suportando coisas e pessoas muito abaixo do nível de sua própria vida; corrigindo com brandura e instruindo com bondade: mas jamais mostrando-se Ele mesmo impaciente ou transtornado. Veja a sua franqueza e va­lentia nas repreensões, quando necessário. Observe como não visi­ta apenas as “ cidades” mas também as “aldeias” — pois toda alma na mais simples moradia é preciosa para Ele, como se fora a de um rei. Veja como repetidamente Ele supera a presunção nacional e a barreira racial. Jesus é sempre pouco convencional (como se mostrou com Zaqueu), mas nunca hipócrita. Ele é tão puro, tão simples, tão franco, tão natural, que sua própria naturalidade pa­rece falsa para os pecadores perversos e religiosos hipócritas que O rodeiam. O pecado nos endureceu tanto e os artifícios sociais tiraram de tal modo a nossa naturalidade, que com freqüência aquilo que é realmente natural parece agora artificial. Isso acon­tece ainda mais hoje do que então.

Mais do que nunca precisamos voltar a essas descrições de Jesus naquela estrada para Jerusalém, feitas por Lucas! Faça com­panhia ao Mestre no caminho. Suas palavras são sabedoria. Seu olhar é amor. Seu passo é seguro. Cada um deles o faz aproximar- se mais da dor, da vergonha, do sofrimento, da tragédia, mas Ele continua firme. Não conhece o medo. Quando insistem com Ele: “ Retira-te, e vai-te daqui, porque Herodes quer matar-te” (Lc 13:31), Ele nem se demora nem se apressa. As coisas estão em mãos mais poderosas que as de Herodes. E tão humilde que nada gode humilhá-lo. Tem tanto amor que nada pode amedrontá-lo. E tão simples que nada pode enganá-lo. O que provoca em nós tanto medo? São três as causas: orgulho, falta de amor e motivos ocultos. Onde não há orgulho não pode haver medo de humilha­ção. Onde existe amor verdadeiro não pode haver medo da for­ça. Onde existe sinceridade pura não pode haver medo de ser ex­posto.

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Mas Aquele que não sentia qualquer temor, tinha lágrimas ar­dentes, pois se encontrava num mundo de orgulho, ódio e motivos ocultos. Podemos vê-lo chorando duas vezes sobre a cidade (13:34, 35; 19:41-44). Ele também sentia ira, embora não tivesse “mau gênio” . Quando chegou à cidade, seu primeiro ato foi puri­ficar o templo — não as ruas ou as casas ou salas do conselho, mas o templo; pois sabia (o que os líderes de hoje têm tanta difi­culdade em perceber) que qualquer nação onde haja erro nesse local, não pode estar certa em ponto algum. O Jesus dessa longa jornada para Jerusalém em tempos idos, descrito por Lucas, irá recompensar plenamente uma contemplação demorada e cuida­dosa! Estaria Ele indo em direção à dor e à tragédia? Sim, e “ma­nifestou no semblante a intrépida resolução” de seguir para lá. Ele sabia também que a verdade, a justiça e o amor de Deus sempre alcançam a vitória no final. Ele sabia que para além da tragédia es­tava o triunfo, que além da agonia e da cruz se achavam o trono e a coroa, que além da sepultura estava a glória, e uma multidão incontável de remidos louvando diante do trono celestial! Isto espelha poderosamente o que é verdadeiro com respeito aos que seguem fielmente as pegadas de suas sandálias.

Parte Quatro: O Sacrifício do CalvárioAcrescentamos aqui apenas uma outra palavra breve e reve­

rente sobre a parte quatro (19:45 cap. 23). Veja esse Homem exemplar em meio às obras profundas e terríveis que culminaram no Calvário: a conspiração assassina contra Ele por parte dos ho­mens religiosos com Satanás; o veneno da serpente no beijo do traidor; a retirada dos apóstolos em pânico; a negação e a blas­fêmia de Pedro; a hipocrisia demoníaca do Sinédrio; a zombaria sarcástica de Herodes e a covardia rastejante de Pilatos; o Get- sêmani, com os prenúncios da mais medonha tempestade que já caiu sobre a alma de alguém; o Calvário, onde as comportas das águas amargas foram totalmente abertas em sua direção e os vagalhões de angústia indescritível o envolveram, assim como o horror e a mais profunda escuridão. Quais são agora as suas rea­ções? Entre as primeiras, a súbita intensidade da tempestade que desaba sobre Ele no Getsêmani, vemos o completo abandono à

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vontade de Deus: “Contudo, não se faça a minha vontade, e, sim, a tua” . Quando seus algozes enterram os pregos cortantes em suas mios e pés e o levantam, pregado ali em vergonha e tor­tura públicas, sua primeira palavra foi: “ Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem” . Oh, essa vida! Essa morte! Homem Ma­ravilhoso da Galiléia e do Calvário! Padrão perfeito! Exemplo que condena e atrai! Sempre nos chamando; sempre diante de nós e além de nós; mas sempre conosco, pois Ele ressuscitou; e sempre dentro de nós, pois voltou na pessoa do Espírito Santo para habi­tar em nós, a fim de compartilhar sua vitória conosco e nos capa­citar a seguir pela senda brilhante de seu belíssimo exemplo!

VOCÊ PODE RESPONDER?

1. Qual o aspecto especial do Senhor no Evangelho de Lucas?2. Quais as quatro partes principais da história de Lucas? (Não

é necessário dar as subdivisões.)3. Você pode citar oito parábolas e três milagres que só Lucas

registra?4. Onde ocorrem os seguintes fatos: (1) Envio dos Setenta,

(3) Conversão de Zaqueu, (3) O homem rico e Lázaro?5. De que forma a transfiguração representou um clímax?6. Dê referências que indiquem a universalidade da perspecti­

va neste terceiro evangelho.7. Quais os indícios que encontramos nele de que Lucas era

médico e gentio?8. Existe uma ênfase tríplice na história de Lucas. Você pode

exemplificar isto em sua menção repetida da palavra ora­ção?

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O EVANGELHO SEGUNDO JOÃO (1) Lição NP 18

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NOTA: Para esta primeira parte de João deve haver certamente uma familiaridade com o livro em seu todo, e recomenda­mos que seja lido inteiro de uma só vez (facilmente em duas horas) duas ou três vezes.

NOTA BENE!

Esse brilhante estudioso do grego do Novo Testamento, o fa­lecido Dr. A. T. Robertson, chama o Evangelho Segundo João de “o mais belo de todos os livros” . Nós também nos sentimos as­sim em relação a ele e diríamos isso com igual segurança se não estivéssemos ainda sob o encanto poderoso de Mateus, Marcos e Lucas. De alguma forma, cada um dos quatro é “o maior de to­dos” quando passamos a conhecê-los melhor. Com certeza jamais foi escrita qualquer coisa mais bela do que este evangelho de João e justamente por essa razão temos o sombrio pressentimen­to de que as três breves lições seguintes irão parecer desesperada­mente inadequadas. Todavia, apesar de sua brevidade, elas podem pelo menos fornecer uma chave para abrir seus amplos tesouros espirituais. Esta nota bene, entretanto, é inserida como uma preo­cupação. Embora estejamos tão ansiosos por conhecer as riquezas espirituais do livro quanto qualquer aluno deste curso bíblico, de­dicamos nossa primeira parte ao estudo da relação de João com os sinóticos, a fim de obter uma visão consecutiva completa do ministério público do Senhor. Esperamos que isto não pareça tedioso a qualquer leitor, pois tem muito maior valor prático do que parece a princípio, sendo de grande importância para aqueles que desejam um conhecimento racional dos quatro evan­gelhos. Esperamos que as referências paralelas sejam cuidadosa­mente examinadas, pois valerá a pena ocupar-se com elas.

- J . S . B.

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O EVANGELHO SEGUNDO JOÃO (1)

Um volume inteiro poderia ser escrito com os louvores que os eruditos e santos expressaram sobre este “ Evangelho Segundo João” . Existe em qualquer parte uma combinação mais singular de in fin ita profundidade e simplicidade verbal? Já houve um as­sunto mais sublime e mais habilmente interpretado?

Mas a sua preciosidade ímpar está naturalmente em suas re­velações divinas e valores espirituais. Sobre os seus portais brilha a inscrição: “ Ninguém jamais viu a Deus: o Deus unigénito, que está no seio do Pai, é quem o revelou” (Jo 1:18). A forma do ver­bo em grego, traduzida como “ revelou” é exegesato, da qual vem a nossa palavra “ exegese” . Significa que no Jesus visível o Deus invisível é revelado. “ DEUS” , o conceito incompreensível, é expli­cado objetivamente diante de nós. O próprio coração do Eterno é “ revelado” , pois o Filho unigénito vem do "seio do Pai” .

“ Para que Creiais”

O motivo de João também brilha como uma tocha ao longo de todo o seu evangelho e encontra expressão final ao terminar: “ Para que creais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que crendo, tenhais vida em seu nome” (20:31). Os três sinóticos sim­plesmente estabelecem os fatos e deixam que causem sua própria impressão sobre o leitor. Mas João não age assim: tudo é regular­mente selecionado e orientado para obtenção de um veredito. Ele

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não se ocupa só dos fatos, mas támbém dos assuntos. Existe nisto previsão sobrenatural dos planos novamente? Depois de ter estu­dado Mateus, Marcos, Lucas e João, a maior de todas as decisões deve ser tomada. Ela pode ter sido feita antes de chegar a João; mas, caso contrário, não pode ser mais evitada. O leitor é direta­mente desafiado e deve fazer a sua escolha — receber e ser salvo, ou rejeitar e perecer para sempre.

Uma Necessidade Completiva

A semelhança trina dos outros três evangelhos acentua a diferença deste quarto. Enquanto o lemos, passamos logo a per­ceber seus diferentes pontos de vista e atmosfera. Muitos leito­res talvez não saibam explicar com facilidade como ou por que es­ta diferença se encontra nele, mas ela existe; compreender seu sig­nificado é de máxima importância para nós neste trio de estudos exploratórios.

Este quarto evangelho é uma necessidade completiva. Não sentimos isto ao chegar ao final dos três primeiros? Neles acom­panhamos a Jesus, aprendendo a respeito do que Ele disse, fez e sentiu. Ficamos admirados com aqueles sete eventos principais, seu nascimento sobrenatural, batismo, tentação, transfiguração, crucificação, ressurreição e ascensão. Nos sentimos impelidos a unir nossos ansiosos corações com a confissão de Pedro: “ Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo” . Mas mesmo assim, aprendemos o que Ele era e não quem era. Suas palavras, obras e atitudes nos levaram a identificá-lo de alguma forma como o Deus-Homem, mas justamente essa confissão nos deixa à beira de um completo mistério. Sabemos o que ele é: tanto Deus quanto Homem; mas existe então dualidade ou pluralidade em Deus? Agora que sabe­mos o que Jesus é; oh, seria tão bom se alguém explicasse quem Ele é!

O evangelho de João completa os demais justamente nesse ponto. Os três primeiros são uma apresentação de Jesus; este quar­to é uma interpretação. Os outros três nos mostram Jesus exte­riormente; este quarto o interpreta interiormente. Os outros três enfatizam os aspectos humanos; este quarto revela o divino. Os outros três correspondem respectivamente ao leão, ao boi e ao

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homem na visão de Ezequiel. Este quarto se compara à águia. Os outros três se ocupam principalmente com os discursos públicos do Senhor; este quarto dá mais espaço para suas conversas parti­culares, seus conflitos verbais com os judeus, e seus ensinamen­tos especiais aos discípulos. Os outros três abrangem quase que só o ministério na Galiléia; este quarto se dedica praticamente ao seu ministério na judéia. Os outros três se prendem puramente aos fatos; João é também doutrinário. Os outros três começam com uma genealogia humana e o cumprimento da profecia judaica; João começa com uma revelação divina direta daquilo que fo i in­teiramente anterior à criação do mundo e eterno. Todos esses as­pectos concordam com o propósito interpretativo de João.

Esta ênfase interpretativa do interior e do divino explica a impressão diferente que sentimos em relação ao evangelho segun­do João. Ela cria também um problema interessante, poisem cer­tos pontos não é fácil decidir onde o registro dá lugar aos comen­tários ou explicações do próprio João. Veja, por exemplo, o tex­to mais conhecido da Bíblia, João 3:16. Foi Jesus quem falou as palavras imortais a Nicodemos? ou a narrativa de João sobre Jesus fo i substituída agora pelos seus próprios comentários refletidos? No parágrafo final do mesmo capítulo, o ú ltim o testemunho de João Batista termina no v. 30, 31 ou 32, ou vai até o 36? Inciden- talmente, os comentários repetidos de João e suas explicações são um estudo compensador por si mesmos.

Focalizando os Sinóticos

Outra coisa que imediatamente chama nossa atenção ao ler­mos o evangelho de João é que ele não nos fornece os detalhes contidos nos outros três em forma de diário. Não há registro do nascimento do Senhor; nenhuma descrição do seu batismo; nenhu­ma menção de sua tentação, transfiguração ou ascensão. Em con­traste com 20 milagres em Mateus, 18 em Marcos e 20 em Lucas, temos só o ito em João. Contra 16 parábolas em Mateus, cinco em Marcos e vinte em Lucas, mal temos uma única parábola em João (veja 10:6). Nada existe comparável à sucessão de incidentes maiores e menores, ou o entrelaçamento de milagres e parábolas encontrados nos sinóticos. O próprio João tem naturalmente

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consciência dessas grandes omissõés e quer que saibamos disso (20: 30). Não se trata de pontos negligenciados; eles são deliberadamen­te postos de lado para concentrar-se nos significados do que sele­cionou (20:31).

A maior parte do que João registrou fo i omitida pelos outros três. Além disso, ele lança um raio de luz sobre eles. Por exemplo, quando os sinóticos relatam que o Senhor disse “ Segue-me” a Pe­dro e André, Tiago e João, até parece que Ele não os havia encon­trado antes, o que torna o fato de abandonarem imediatamente seus afazeres para segui-lo tão surpreendente a ponto de parecer artific ia l; mas neste quarto evangelho descobrimos que eles não só já haviam encontrado Jesus antes, nas reuniões de João Batista ao longo do sinuoso vale do Jordão, mas o haviam acompanhado tan­to na Judéia como na Galiléia (1:40, 42, 43, 47). Antes dEle começar sua pregação na Galiléia, havia ali um grupo chamado de “ seus discípulos” (2:2, 11), que certamente incluía André, Pedro, Tiago, João e outros daqueles que mais tarde vieram a constituir o Apostolado. O “ Segue-me” junto ao mar, registrado pelos sinóti­cos fo i fe ito mais tarde, sendo um chamado para o serviço de tem­po integrai com Ele.

Ao ler os outros três evangelhos talvez tenhamos novamente nos perguntado como tão grande fama e vastas multidões pode­riam ter surgido no momento em que Jesus “ começou a pregar” na Galiléia (Mt 4:17). Mas aqui, em João, vemos que antes de ter começado ali, Ele operara milagres em Jerusalém (2:23), que se tornaram notícia na Galiléia. Veja o capítulo 4:45: “ Assim, quan­do chegou à Galiléia, os galiieus o receberam porque viram todas as coisas que ele fizera em Jerusalém, por ocasião da festa, à qual eles também tinham comparecido” . Houve outrossim a transformação da água em vinho em Caná da Galiléia, onde Ele “ manifestou a sua glória e os seus discípulos creram nele” (2:11). Sabemos com certeza que tudo isso aconteceu antes do Senhor começar a sua pre­gação na Galiléia, porque “ João (Batista ainda não tinha sido en­carcerado” (3:24) — e não fo i senão depois da prisão de João que Jesus começou seu ministério na Galiléia (Mt 4:12).

Além disso, uma observação cuidadosa das datas e lugares re­gistrados por João corrige certos mal-entendidos quanto aos mo­vimentos do Senhor. Não só aprendemos agora que depois do seu batismo o Senhor ficou seis meses ou mais em Jerusalém e na Ju-

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déia, indo e voltando dali para a Galiléia, antes que seu principal ministério na Galiléia tivesse início, mas descobrimos também que houve outra interrupção entre o fim deste ministério e sua entrada triunfal em Jerusalém. Se tivéssemos apenas os sinóticos, facilmen­te suporíamos que a entrada triunfa l coroou sem interrupção a viagem da Galiléia para Jerusalém. De fato, com esta informação adicional de João diante de nós, o sensato é justapor imediata­mente os sinóticos e este quarto evangelho de modo a assegurar uma “ construção” correta dos principais movimentos públicos do Senhor. Que os novos alunos não pensem que essa tentativa de co-relação entre João e os sinóticos é desnecessária ou tediosa. Tra­ta-se do meio de obtermos uma visão plena e exata do ministério público do Senhor ou observar o impacto total de sua oferta à na­ção.

Os quatro fazem do batismo no Jordão o ponto de partida da atuação pública. Sabemos também que a missão na Galiléia, sobre a qual os sinóticos se concentram, não começou até que João Batista fosse preso (M t 4:12, 17; Mc 1:14). Vamos tentar, então, coordenar João e os sinóticos.

(1) O Início do Ministério na Judéia

O lugar exato em que o batismo se realizou não é conhecido, mas nõo fo i na Galiléia, pois Mateus diz que João apareceu pregan­do “ no deserto da Judéia" (M t 3.1), i.e., o te rritó rio despovoado a leste da Judéia, nas proximidades do Jordão mas não se esten­dendo até a Galiléia. João sem dúvida se movimentava para cima e para baixo no vale do Jordão. Nós o encontramos mais tarde numa certa “ Betânia, doutro lado do Jordão” (Jo 1:28), e ainda mais tarde em Enon, dentro das fronteiras de Samaria (Jo 3:23). Se ele chegou a viajar Jordão acima até o Mar da Galiléia, nunca avançou para o norte além desse ponto. Mas, de qualquer forma sabemos que o Senhor não fo i batizado na Galiléia, pois Mateus 3:13 diz claramente: “ Por esse tempo, dirigiu-se Jesus da Galiléia para o Jordão, a fim de que João o batizasse” Os sinóticos nos in­formam que imediatamente após o seu batismo o Senhor fo i sub­metido à sua solitária tentação, que ocorreu igualmente no “ de­serto” da Judéia, e que após a tentação Ele voltou à Galiléia (Mt 4:1, 12; Mc 1:12, 14; L c4 :1 , 14).

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O quarto evangelho não narra o batismo ou a tentação. Mui­tos que lêem o primeiro capítulo de João supõem erradamente que as palavras do precursor nos versículos 15, 26, 32, 33 foram ditas por ocasião do batismo do Senhor. Mas não, esses versículos são um registro do que João disse mais tarde a um grupo de Jeru­salém que fo i interrogá-lo (v. 19, 24). Essa é a razão de ele usar o passado do verbo em cada caso: “ Este é o de quem eu disse” (v.15); “ Vi o Espírito descer... e pòusar sobre ele” (v. 32); “ Eu não o conhecia" (v. 33).

Examine outra vez o capítulo 1. Quando João Batista diz: “ No meio de vós está quem vós não conheceis” (v. 26), ele fala desse modo porque Jesus já havia estado entre aquelas multidões e fora batizado cerca de 40 dias antes. Quando lemos o v. 29: “ No dia seguinte, viu João a Jesus que vinha para ele, e disse: Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do m undo!” , devemos com­preender que Jesus havia agora voltado depois de s ~’j s 40 dias de tentação no deserto. E quando João continua: “ V i o Espírito descer... e pousar sobre ele” (v. 32), está descrevendo em retros­pecto o que testemunhara cerca de 40 dias antes. Sabemos isto porque o parágrafo seguinte.nos conta que “ no dia seguinte” , An­dré e outro “ ficaram” com Jesus; e o v. 43 acrescenta que de no­vo “ no dia imediato” , Jesus partiu para a Galiléia, onde chamou Filipe. O capítulo 2 nos diz que “ três dias depois” disto ele se achava num casamento em Caná. Essas atividades não podiam ter tido lugar entre o batismo do Senhor e sua tentação, pois, como afirmam os sinóticos, a tentação deu-se “ imediatamente” depois dele. Essas atividades narradas no primeiro capítulo de João de­vem ter sido portanto subseqüentes à tentação; o que significa, na­turalmente, que o testemunho de João quanto à descida do Espí­rito Santo sobre Jesus fo i dado em retrospecto, mais de 40 dias depois, quando Jesus voltou da tentação.

Logo após as bodas em Caná, Jesus se acha em Jerusalém para a Páscoa — sua primeira visita ali depois do batismo. Ele age agora publicamente como Alguém consciente de sua vocação pro­fética e com ira santa irresistível expulsa os comerciantes que pro­fanavam o templo (2:13-22). Ele também faz sinais milagrosos pa­ra confirmar sua autoridade divina (23-25). Jesus é procurado por Nicodemos e a conversa deixa im plíc ito que o Senhor já devia ter ensinado antes sobre o “ reino de Deus” (3:3, 5), o que deve ter causado profunda impressão sobre os ouvintes.

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Sabemos que tudo isto precedeu o ministério na Galiléia por­que (a repetição serve de ênfase) o capítulo 3:24, diz agora que “ João (Batista) ainda não tinha sido encarcerado” .

O capítulo 4 nos diz então que Jesus voltou novamente à Galiléia. (Dizemos “ vo ltou ” porque continuava morando lá, ain­da em Nazaré, pois não se mudou para Cafarnaum senão depois de João ser preso: M t 4:13.) No caminho de volta à Galiléia, “ era- lhe necessário atravessar a província de Samaria” (v. 4), onde tra­vou a memorável conversa com a mulher de Sicar, junto ao poço de Jacó (vs. 6-42). Mais tarde ele realiza seu segundo milagre em Caná, i.e., a cura do filho do oficial do rei (vs. 43-54).

O capítulo 5 relata uma nova excursão a Jerusalém para uma “ festa dos judeus” e a cura de um paralítico no tanque de Betesda, seguida de um poderoso discurso em resposta aos judeus que que­riam agora fanaticamente matá-lo por ter curado o paralítico no sábado e também por “ fazer-se igual a Deus” .

Todas essas coisas nesses cinco primeiros capítulos são pecu­liares ao evangelho de João e todas precedem as pregações na Ga­liléia. Que período de tempo abrangem? Os versículos 2:12; 3:22; 4:1-3 são reveladores. Quando descobrimos que “ depois fo i Jesus com seus discípulos para a terra (para distingüir da capital) da Ju­déia; ali permaneceu com eles, e batizava” (3:22), inferimos que um intervalo de semanas, ou até meses, é indicado; o que fica con­firmado por outro comentário em 4:1: “ Jesus, fazia e batizava mais discípulos que João” . Isto deve ter levado tempo.

O fato de o Senhor estar realizando um ministério de prega­ção nessa época é indicado no ú ltim o testemunho de João Batis­ta (3:32, 34). Sendo mal recebido na capital, Ele voltou ao povo menos preconceituoso do interior. Devemos pensar em ensino público contínuo; movimento de lugar para lugar; em Jesus repe­tindo o chamado de João Batista ao arrependimento como a preli­minar para o “ reino” ; e multidões cada vez maiores sendo influen­ciadas. Sabemos com que rapidez as multidões se reuniam numa ocasião como essa e em tal lugar; pois João Batista não só in for­mara seu próprio público que Jesus era o Messias ansiosamente esperado, mas Jesus também já realizara milagres estupendos em Jerusalém (2:23; 3:2); todavia, mesmo assim, devemos conceder semanas e talvez até alguns meses, para este primeiro ministério público na Judéia antes que o ministério na Galiléia tivesse início.

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Se pelo menos soubéssemos com certeza qual a “ festa” de que se trata no capítulo 5:1, poderíamos fixa r facilmente a data; mas, qual era a “ festa” ?

(2) O Ministério na Galiléia

Todo o contexto, até o final do capítulo 5, pertence então ao período (cerca de cinco meses?) que precedeu o ministério na Gali­léia. Mas agora, entre o fim do capítulo 5 e o 10:22, ocorrem to­dos os incidentes na Galiléia como registrados pelos sinóticos, em­bora omitidos por João; exceto a alimentação dos cinco mil e o andar por sobre as águas (6). Sabemos disto por três razões: (1) O uso que o Senhor faz do tempo passado ao referir-se a João Ba­tista, no v. 35, indica que João a essa altura já se achava preso (cujo evento precipitou o início do ministério na Galiléia: veja Mt 4:12) O capítulo 6.1 nos diz que o Senhor voltou então à Galiléia. (3) João registra agora a alimentação dos cinco mil, o que aconte­ceu naturalmente na Galiléia e próximo do final das peregrinações nessa região. Este milagre, seguido pelo andar do Senhor sobre as águas é a única menção da viagem à Galiléia feita por João e ele evidentemente a destaca em vista de sua tremenda importância, juntamente com o discurso que provocou sobre o “ Pão da V ida” .

Como confirmação disto, é bom notar que no capítulo 5:16­18, ligado ao capítulo 7:1, temos a razão pela qual Jesus deixou a Judeia nessa conjuntura, começando seu ministério na Galiléia.

Este é talvez o ponto certo para marcarmos em nossa Bíblia, como segue. Voltando ao capítulo quatro de Mateus, poderia ser útil inserir entre os versos 11 e 12: “ OS CINCO PRIMEIROS CA­PÍTULOS DE JOÃO SE ENCAIXAM A Q U I” . (Fazer o mesmo en­tre Lucas 4:13 e 14.) Do mesmo modo em João, devemos escrever entre os capítulos 5 a 6: “ A MAIOR PARTE DO MINISTÉRIO NA G A LILÉ IA ENCAIXA-SE A PARTIR DAQUI ATÉ 7 :1 ” . A seguir, em João 10, escreva entre os versículos 21 e 22: “ INTER­RUPÇÃO DE TRÊS MESES NESTE PONTO. JESUS VO LTA À G A LILÉ IA , QUE, FINALM ENTE, DEIXA DE ACORDO COM MATEUS 19:1 e MARCOS 10:1” .

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Podemos Ter Certeza?No momento em que chegamos a este ponto algum aluno irá

certamente indagar: “ Você tem plena certeza de que Jesus voltou à Galiléia depois de 10:21, e que sua safda final da Galiléia deu-se logo após, conforme Mateus 19:1 e Marcos 10:1? Não há outros que sugerem pontos de partida diferentes? A Bfblia Scofield não diz: “ PARTIDA FINAL DA G A L IL É IA ” no verso dez do capi­tu lo sete7.” Vamos ver então qual a informação que podemos ex­tra ir de João.

No v. 10 do capftulo 7 ele diz que Jesus fo i a Jerusalém “ em ocu lto ” , enquanto Mateus 19:1; Marcos 10:1; Lucas 9:51; 10:1; etc. nos dizem que sua “ partida fin a l” da Galiléia fo i à vista de multidões e com a maior publicidade: João, portanto, não pode de modo algum mencionar esse evento!

Existe outra razão irrefutável para João 7:10 não assinalar a “ partida final da Galiléia” . Mateus, Marcos e Lucas nos mostram como essa partida eventualmente culminou na entrada triunfal, depois do que o Senhor não mais se afastou de Jerusalém e Betâ- nia até sua crucificação, enquanto depois de João 7:10 lemos que o Senhor ausentou-se três vezes, cada uma por um lapso conside­rável de tempo (primeiro, entre 10:21 e 22, como mostra nosso próxim o parágrafo; segundo, 10:39-43; terceiro, 11:54).

Essa saída final deve ter sido após João 7:10: mas quando? João nos guia novamente. Os capítulos 7 a 10 têm uma seqüência tão ininterrupta que todos concordam pertencerem àquela visita especial a Jerusalém para a “ festa dos Tabernáculos” . Mas fica igualmente claro que ocorre uma interrupção no capítulo 10:21, porque a festa dos Tabernáculos realizava-se em outubro enquanto o versículo seguinte (22) diz: “ Celebrava-se em Jerusalém a festa da dedicação. Era inverno” . Entre a Festa dos Tabernáculos em outubro e a da Dedicação (em dezembro) havia um espaço de dois meses inteiros. Onde Jesus esteve durante esse período? Ele deve ter voltado à Galiléia, porque após suas duas outras visitas a Jeru­salém e Betânia Ele não voltou para ali; Ele não avançou além da Peréia (10:4) e Judéia (11:54); e sua próxima visita a Jerusalém depois disso fo i na entrada triunfa l (12:1-19) e crucificação. Sua última visita à Galiléia e saída da mesma devem ter certamente ocorrido entre João 10:21 e 22.

Isto faz surgir uma pergunta intrigante, embora, bem mais fá­

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cil do que parece a princípio. Como iremos associar essas quatro visitas a Jerusalém (7:10, 10:22, 11:17 a Betânia, depois 12:12 para a entrada triunfa l) com a única viagem para lá registrada por Mateus, Marcos e Lucas? Isto parece ter causado dificuldades à maioria dos expositores. Alguns argumentam que o longo relato de Lucas (9:51-19:44), contendo inúmeros incidentes não registra­dos por Mateus nem Marcos, engloba na realidade não apenas uma visita a Jerusalém mas três, a primeira (Lc 9:51-13:21) correspon­dendo à visita de dezembro em João 10:22-42; a segunda (Lc 13: 22-17:10) correspondente à vista a Betânia para a ressurreição de Lázaro, em João 10:1-54; a terceira (Lc 17:11-19:44) correspon­dendo a João 12, a entrada triunfal. Mas o único golpe necessário para fazer desmoronar essa teoria é que em João, Jesus não volta à Galiléia depois de nenhuma dessas visitas, enquanto em Lucas, continuamos na Galiléia mesmo num ponto bem adiantado do li­vro como 17:2!

Existe Uma Solução?Há um modo de resolver o problema? Acreditamos que sim.

Ele é para nós o mais simples e óbvio. Vamos primeiro resolver o problema menor da longa viagem para Jerusalém em relação aos outros dois sinóticos. Tanto Mateus como Marcos transferem o Se­nhor diretamente da Galiléia para “ as fronteiras da Judéia” numa única sentença (M t 19:1; Mc 10:1), enquanto Lucas fala de “ men­sageiros” e dos “ setenta” enviados adiante (9:52; 10:1), de pará­bolas e milagres e de visitas a vários lugares no caminho. Mas de­pois, no capítulo 19:15, Lucas subitamente se liga de novo á Ma­teus e Marcos e a partir desse ponto mantém-se em paralelo com eles até a entrada triunfa l na capital. Veja como isto se destaca perfeitamente:

Jesus abençoa as crianças

O jovem rico — e ensinos correiatos

Jesus prediz sua morte e ressurreição

Pedido ambicioso de Tiago e João

M t 19:13, 15, Mc 10:13-16. Lc 18:15-17.Mt 19:16; Mc 10:17-31;Lc 18:18-30.M t 20:17-19; Mc 10:32-34; Lc 18:31-34.M t 20:20-28; Mc 10:35-45; Lc não menciona.

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Jerícó — multidões; cura do cego; Zaqueu

Entrada triunfa! em Jerusalém

Mt 20:29-34; Mc 10:46-52; Lc 18:35-19:27.M t 21:1-11; Mc 11:1-11;Lc 19:28-44.

Desse modo, ponto por ponto, desde 18:15 em diante, Lu­cas se mantém em paralelo com Mateus e Marcos. A inferência, portanto, se impõe claramente: esses maravilhosos capítulos extras em Lucas (9:51-18-14) pertencem à tumultuada viagem através da Galiléia, Samaria e Peréia (a região a leste do Jordão) até as fron­teiras da Judéia. Lucas se une novamente a Mateus e Marcos no ponto em que Jesus se prepara para cruzar o Jordão a caminho de Jericó e dali para sua entrada triunfal em Jerusalém.

Foi então dali, da Peréia, ao longo da fronteira da Judéia, do lado do Jordão, que o Senhor fez aquelas duas curtas visitas a Je­rusalém e Betânia, registradas por João, i.e., a Festa da Dedicação em dezembro (10:22-39) e ressurreição de Lázaro (11:1 -46). E por isso que ele nos conta depois da primeira que Jesus “ novamente se retirou para além do Jordão” (10:40) e depois da segunda que Ele “ retirou-se para uma região vizinha ao deserto, para uma cida­de chamada Efraim” (11 :54).

Assim sendo, os quatro relatos do ministério público do Se­nhor, pelo menos em seu esboço geral, se reúnem em uma ordem unida e consecutiva.

Todavia, algum estudante mais perspicaz pode continuar um tanto duvidoso. Ao supor que a última visita do Senhor à Galiléia e sua partida final da mesma se encaixam entre João 10:21 e 22, estaremos concedendo um intervalo suficiente (i.e., os dois meses entre a festa dos “ Tabernáculos” em outubro e a da “ Dedicação” em dezembro) para aquela longa jornada de retirada descrita em Lucas 9:51 a 18? Sim, estamos. Só alguns dias eram necessários para o Senhor ir de Jerusalém à Galiléia. Um exame cuidadoso dos capítulos de Lucas mostra rapidamente que se acham tão intima­mente ligados e tão consideravelmente cheios de parábolas que tu­do poderia ter facilmente acontecido em sete semanas ou menos. (Compare esses capítulos com um mapa e verifique.)

A única objeção que pode ser levantada é que Lucas 10:38­42 diz: “ Indo eles de caminho, entrou Jesus num povoado. E cer­ta mulher, chamada Marta, hospedou-o na sua casa. Tinha ela uma

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irmã, chamada Maria” . Como é possível que tão cedo na narrati­va de Lucas sobre a última partida da Galiléia pudesse constar uma visita à casa de Marta e Maria em Betânia, próximo de Jerusalém? Uma solução fácil com base puramente crítica é que Lucas sim­plesmente misturou um pouco suas pequenas folhas de papiro e que este incidente da bondosa censura do Senhor a Marta por “ preocupar-se com muitas coisas” , fo i introduzido aqui por enga­no. Mas esta não é nossa idéia de Lucas e das Escrituras. Quando surge um problema insolúvel deste tipo, preferimos deixá-lo co­mo está, em lugar de oferecer uma explicação que possa de algum modo comprometer a inspiração sobrenatural das Escrituras. Mas, neste incidente específico, existirá realmente um problema? Quem diz que aconteceu em Betânia? Lucas? Não! Ele simplesmente diz “ um povoado” . Seria provável que se referisse desse modo à co­nhecida Betânia, próximo de Jerusalém? Dificilmente faria isso, desde que tão definitivamente a nomeia em 19:29. Além do mais, este incidente não deve ser confundido com a “ ceia” em Betânia em João 12, pois essa realizou-se na casa de “ Simão, o leproso” (compare Mt 26:6; Mc 14:3). Quem poderá dizer que Marta não tinha uma “ casa” , talvez seu lar, na Galiléia?

Quanto Tempo Durou o Ministério Público do Senhor?

Agora que nos defrontamos com as novas informações forne­cidas por João, podemos também calcular o tempo aproximado abrangido pelo ministério pública de nosso Salvador. Foi surpreen­dentemente curto. A suposição geral é de três anos; mas terá real­mente chegado a tanto?

A pista principal encontra-se nos três relatos da Páscoa em João (2:13; 6:4; 11:55, etc.).

Vejamos o primeiro deles. João diz: “ Estando próxima a páscoa dos judeus, subiu Jesus para Jerusalém” (2:13). Antes disso, ocorrera o seu batismo, tentação, volta ao Jordão, primei­ros contatos com André, Pedro e outros de seus futuros apóstolos e uma volta à Galiléia. Devemos conceder os “ quarenta dias” pa­ra a tentação, dois ou três dias ou até mais para a volta ao Jor­dão, depois uma semana até as bodas em Caná (compare 1:29,35, 43; 2:1); digamos dois meses ao todo, além dos dias (quan-

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tos sejam eles) passados então em Cafarnaum (2:12).A seguir, temos a sua visita a Jerusalém para a páscoa, con­

cedendo dias suficientes para seus milagres ali e o impacto sobre as multidões (2:23), a entrevista com Nicodemos (3), seguindo- se um ministério de ensino e batismo na fronteira da Judéia do lado do Jordão (3:22-24) e uma nova volta à Galiléia (4). Para tudo isso devemos conceHfir nm mínimn Hf» nitn Hia<; nara a nás-coa (2:23-3:21); depois, cerca de um mês ou quase para o mi ' tério do Jordão onde Ele “ permaneceu” (3:22) o suficiente fazer “ mais discípulos que João” (4:1); depois dois ou três de volta à Galiléia (4:4, 40). Digamos, cerca de seis ottf sçiec manas. < \\

Isto parece confirmado pelo que surge agpnnçm) J°ão 5. “ Passadas estas coisas, havia uma festa dooucíSay^fesus subiu para Jerusalém”. Esta festa não nomead; ^ANaSg^cia certamen­te ser a Páscoa do ano seguinte, pois jm intervaloinexplicável de silêncio de quase um (a^,jmo apenas por parte de João, mas de todos os quatrcKesèmorês. Além disso, não se trata de simples suposição<me) o^apostolo teria citado o fato caso se tratasse de outra pasoo^como fez em outros trechos.

Esjaif^sta wão nomeada seria a festa de Pen- ‘cinqüenta dias” depois da Páscoa e se também não for outra páscoa,

sér a festa dos Tabernáculos, mas não é se refere a essa festa pelo nome no capítu-

ém possível que o ministério do Senhor no de- ao Jordão (3:22) se esténdesse desde a Páscoa

Absolutamente não tecoste, sete s mai (Lv 23:15). Casá então qual, provável, lo 7:2 serto,

. festa dos Tabernáculos (outubro)? jsfámos praticamente convencidos de que a festa não no-

kia em João 5 foi a de Pentecoste, mas não queremos ser dog- iáticos. Quer tenha sido Pentecoste ou Tabernáculos isso não

1 ■ u u 1 1 1 ll/l ■ | u i | V I I( X I L i a CL u u i a y a u L V L U I u u I I I I I I U L V I l V J U U i

(junho) então o ministério subseqüente do Senhor na Galiléia ini­ciou-se quatro meses mais cedo do que se a festa fosse a dos Ta­bernáculos (outubro). Não podemos resistir à idéia de salientar uma evidência subordinada a favor de tratar-se de Pentecoste, is­to é, o comentário do Senhor no capítulo 4:35: “ Não dizeis vós que ainda há quatro meses até à ceifa?” — o que evidentemente não se enquadraria em outubro! Supomos assim que a festa sem

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nome em João 5 era a de Pentecoste (abril), depois do que o mi­nistério na Galiléia se encaixa na maior parte no intervalo de si­lêncio de João entre os capítulos 5 e 6, e também inciui o capí­tulo 6. Desse modo, desde o batismo até o início do ministério na Galiléia passaram-se cerca de quatro a cinco meses.

Galiléia e Período PosteriorSabemos por João 6:4 que durante a Páscoa seguinte, Jesus

permaneceu na Galiléia, em cuja ocasião Ele realizou seu podero­so milagre de alimentar os cinco mil (6:5-15). Sabemos também pelos sinóticos que uma grande parte de seu ministério na Gali­léia terminou então (constituindo ainda outra confirmação de que a festa não nomeada em João 5 deve ter sido a primeira, i.e., Pen­tecoste). Ele achava-se assim na Galiléia há dez meses mais ou menos, isto é, desde pouco antes da festa precedente de Pentecos­tes (junho) até esta outra Páscoa (abril). No mês de outubro se­guinte foi para Jerusalém para a festa dos Tabernáculos (7:2-10: 21). Entre 10:21 e 22 terminou seu ministério na Galiléia, como mostramos, com uma duração de 18 meses. Ele estava de volta a Jerusalém para a festa da Dedicação em dezembro e foi crucifica­do na Páscoa seguinte (abril).

Assim sendo, o período desde o batismo no Jordão até essa primeira Páscoa foi de três meses; e o intervalo de tempo desde essa Páscoa até a penúltima, em que Ele foi crucificado, abrange dois anos. Essa festa sem nome em João 5 não poderia ter sido ou­tra Páscoa. Houve apenas três Páscoas e não quatro. Portanto, o ministério público do Senhor durou só dois anos e três meses e pode ser esboçado como segue:

Ordem e Duração do Ministério do SenhorI. CONTATOS NA JUDEIA (quatro a cinco meses)

Batismo no Jordão e tentação Mt 3:1 -4:11; Mc 1:4-13;no deserto Lc 3:1-4:13.

Novamente no Jordão; encontro Jo 1:10-42.com André e Pedro

Volta à Galiléia: Caná e o Jo 1:43-2:12primeiro milagre

Em Jerusalém para a Páscoa; Jo 2:13-3:21,

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entrevista com Nicodemos Intervalo de ensino, batismos Jo 3:22-36.na Judéia, próximo ao Jordão

Novamente na Galiléia: mulher Jo 4:1-54. de Sicar; segundo milagre em

CanáFesta de Jerusalém: cura em Jo 5:1-47.Betesda; oposição dos judeus

2. CIRCUITO DA G ALILÉ IA {cerca de um ano e dez meses).Os três relatos sinóticos do

ministério na Galiléia

Intervalo curto — para Jerusalém: festa dos Tabernáculos

Partida lenta e final da GaliléiaParada em Peréia; visita a Jerusalém; festa da Dedicação

De novo a Peréia; dali para Betânia a fim de ressuscitar Lázaro

Da “ cidade chamada Efraim” para a entrada triunfal

Mt 4:12 até cap. 18; Mc 1:14 até cap. 9; Lc 4:14-9:50.

Jo 7:2-10:21.

Lc 9:51-18:14. Jo 10:22-39.

Jo 10:40-11:54.

Mt 19:1-21:11 ; Mc 10:1 até cap. 11 ; Lc 18:15­19:44; Jo 11:54-12:19.

3. CLÍMAX EM JERUSALÉM (cerca de uma semana)Conflitos com I íderes judeus na

capital Predição no Monte das Oliveiras

Em Betânia; a unção por Maria Última Páscoa: Discurso para os apóstolos

Getsêmani; a prisão, a negação de Pedro

Julgamento, crucificação e sepultamento

Mt 21:12 até cap. 23;Mc 11-12; Lc 19:45-21:4.

Mt 24; 25; Mc 13;Lc 21:5-38.

Mt 26; Mc 14; Lc 22; Jo 12 Mt 26; Mc 14;Lc22;Jo 13-17.

Idem e Jo 18.

Mt 17; Mc 15; Lc 23;Jo 18:28 até cap. 19.

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Notas(1) Se a festa no capítulo cinco de João é a dos Tabernácu­

los (outubro) e não a de Pentecoste como supusemos, a seção pré-Galiléia terá quatro meses mais e o ministério na Galiléia qua­tro meses menos; mas o total não será afetado.

(2) A unção do Senhor por Maria de Betânia é colocada de­pois da entrada triunfal e depois do discurso no Monte das Olivei­ras, pelos escritores dos sinóticos. De fato, Mateus 26:2 e Marcos 14:1 indicariam que vários dias haviam passado entre a entrada triunfal e a unção por Maria. Em João 12, porém, ela é colocada antes da entrada triunfal; e por isso tem havido uma pronta ten­dência de certos escritores críticos para pronunciar Mateus e Mar­cos como estando errados, desde que João escreveu mais tarde e (como se supõe) corrigiu-os nesse ponto. Mas, não se trata dis­so, João menciona aqui a ceia e a unção antes desses fatos acon­tecerem porque acabara de dizer que Jesus chegara a Betânia, e ele imediatamente associa as duas coisas. Ele menciona a mesma unção antecipadamente no capítulo 11.2. Além do mais, no capí­tulo 12, v. 9, ele indica claramente que Jesus, na época da unção, estivera tempo suficiente em Betânia para “ numerosa multidão dos judeus” saber que Ele ali se achava e “ lá foram não só por causa dele, mas também para ver a Lázaro a quem ele ressuscita­ra dentre os mortos” . Quando o v. 12 diz “ No dia seguinte” , sig­nifica o dia depois da chegada a Betânia a caminho de Jerusalém e não o dia em que Maria O ungiu.

(3) Leia João 13:2-30 entre Mateus 26:20 e 21; depois leia João 15, 16 e 17, entre Mateus 26:30 e 31.

Talvez alguns leitores e alunos não se entusiasmem muito com a idéia de entrar em detalhes como os precedentes. Não obs­tante, estamos persuadidos de que este método tem grande valor prático. As coisas que mais despertam nosso interesse nem sempre são aquelas que nos proporcionam benefícios mais permanentes ou práticos. Em nossa próxima lição iremos estudar algumas das pre­ciosidades espirituais do evangelho de João; mas ao deixarmos este capítulo não podemos resistir à idéia de enfatizar mais uma vez que conhecer o esboço geral do ministério público do Senhor é de enorme utilidade em todos os nossos estudos de seus aspectos espi­rituais.

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O EVANGELHO SEGUNDO JOÃO (2)

Lição NQ 19

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NOTA: Para este estudo, leia novamente todo o Evangelho deJoão, descobrindo e citando: (1) os milagres, (b) as con­versas do Senhor.

A proeminência dada neste evangelho aos discursos de Jesus e a certas conversas é especialmente digna de nota. João não rela­ta nenhuma das parábolas registradas pelos sinóticos, mas nos apresenta um diálogo com Nicodemos (3:1-15) e com a mulher samaritana (4:4-38); o discurso depois da cura em Betesda (5:19­47), e afirmações alegóricas sobre o “ Pão da V ida” (6:35); “ a Luz do Mundo” (8:12); “ a Porta” e “ o Bom Pastor” (10:1); “ o Cami­nho, a Verdade e a V ida” (14:6-31); “ a Videira verdadeira” (15); a missão do Consolador (16). Por mais diferentes em estilo que esses discursos sejam dos contidos nos sinóticos, existem muitas correspondências notáveis quanto ao ensino doutrinário, suficien­te para provar que não se trata de nova doutrina, mas de uma ex­posição mais completa das verdades apresentadas pelos sinóticos de forma mais concreta.

Angus, Bible Handbook

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O EVANGELHO SEGUNDO JOÃO (2)

Nossa vontací^ de aprender os ensinamentos espirituais deste “ Evangelho Segundo João” jamais poderá ser excessiva, pois ele não decepciona nem o que busca pela primeira vez ou o pesquisa­dor que quer aprofundar-se no seu conhecimento. Não existem pa­lavras complicadas para impedir os simples, nem obscuras para confundir os interessados. No decorrer de toda a sua leitura só encontramos a mais transparente simplicidade. Existem, porém, significados íntimos quase inexprimíveis e profundezas infinitas; cada novo estudo proporciona, assim, novas recompensas. Os que mais o estudaram seriam os primeiros a dizer:

Freqüentemente lanço meu balde bem fundo neste poço,

Ele jamais chegou ao final dele,Por mais que descesse;

E apesar de continuar mergulhando, pelo estudo, fé e oração,

Não tenho capacidade para medir a água viva nele contida.

Vamos então examinar seu conteúdo e aprender a sua men­sagem principal. Percebemos imediatamente que a maneira de d i­zer e ver as coisas é muito diferente daquela de Mateus, Marcos ou Lucas. Em Mateus temos agrupamentos impressionantes; em Marcos uma rápida sucessão de movimentos instantâneos; em

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Lucas o desenrolar de uma belíssima história. Em João, porém, tu ­do fica subordinado ao desenvolvimento de certas idéias repetidas. Estas foram reunidas no prólogo e a seguir são desenvolvidas no decorrer do livro inteiro, até o final. Não se trata de essas idéias serem abstrações inventadas por João; elas são verdades espirituais resultantes de fatos férteis. De um acúmulo de informação dispo­nível, João seleciona apenas aquelas que demonstram e promovem essas verdades centrais de seu tratado.

Marque bem: a característica estrutural deste quarto evange­lho é a da repetição de idéias. Mesmo entre estas (algumas das quais iremos considerar separadamente) existe uma que está exata­mente no centro, a saber, a vida eterna, crendo em Jesus como Fiiho de Deus e Salvador dos homens. Perdemos de vista o verda­deiro caráter e força cumulativa deste quarto evangelho se tentar­mos dividi-lo em seções doutrinárias. Considerar, por exemplo, que Cristo é revelado como Vida no primeiro grupo de capítulos, como Luz no grupo seguinte e como Amor no últim o grupo, é ar­t ifíc io e não análise. As três aliterações poderiam ser transpostas, entrosando-se, todavia, igualmente bem. Dizer que nos capítulos1 a 6 temos Revelação, nos capítulos 7 a 12 Rejeição, e nos capí­tulos 13 a 21, Recepção é simplesmente um trio arbitrário de “ Rs” . O fato é que a revelação, rejeição e recepção se encontram lado a lado no decorrer de todo o livro, assim como a vida, a luz e o amor. Não estamos afirmando que não existe um plano básico no evangelho de João, insistimos no entanto em que esse arranjo não fo i fe ito de acordo com a doutrina ou assunto em questão, e que forçar a análise desse tipo confunde sua repetição cumula­tiva de idéias. (Encontramos esta mesma forma de ensino através de ênfases repetidas na primeira epístola de João.)

Antes de considerarmos alguns desses temas sucessivos neste quarto evangelho, talvez devêssemos examinar rapidamente o ar­ranjo básico do material de João, como realmente é. Há um prólo­go (1:1-18) e um epílogo (21). Os capítulos intermediários se agru­pam como segue:

1. O ministério público de Jesus aos judeus (1:19-21).2. O ministério particular de Jesus aos “seus" (13-17).3. O clímax pascal de tragédia e triunfo (18-20).

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O primeiro desses grupos de capítulos é ocupado com os “ si­nais” milagrosos feitos por Jesus, dentre os quais João registra se­te, culminando com a ressurreição de Lázaro. Note como os pri­meiros contatos se desenvolvem rapidamente em conflitos poste­riores e depois terminam em absoluta divisão.

O segundo grupo refere-se principalmente às novas e maravi­lhosas revelações do Senhor sobre o Parácleto que está para vir. Os capítulos finais abrangem o resultado terrível mas glorioso do todo.

Uma análise mais detalhada não só sobrecarrega a memória em lugar de ajudá-la, como também é desnecessária para o nosso propósito presente. E interessante gravar as três divisões princi­pais e, tendo fe ito isso, apressemo-nos a examinar alguns desses te­mas interligados que se estendem como correntes brilhantes atra­vés do livro inteiro, como já tivemos ocasião de mencionar.

PLANO BÁSICO DO EVANGELHO DE JOÃO

Prólogo (1 :1-18).

“ O Verbo se fez carne.”

1. M INISTÉRIO PÚBLICO DE JESUS AOS JUDEUS (1:19-12).Primeiros “ sinais” , testemunho e contatos (1:19 a cap. 4). Outros “ sinais” , testemunho e conflitos (5-10).U ltim o “ sinal” , testemunho & divisão (11-12).

2. M INISTÉRIO PARTICULAR DE JESUS AOS “ SEUS” (13-17).Presságio de sua partida (13-14:15).Promessa da vinda do Espírito (14:16 a cap. 16).Oração a Deus-Pai a favor deles (17).

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Lucas o desenrolar de uma belíssima história. Em João, porém, tu ­do fica subordinado ao desenvolvimento de certas idéias repetidas. Estas foram reunidas no prólogo e a seguir são desenvolvidas no decorrer do livro inteiro, até o final. Não se trata de essas idéias serem abstrações inventadas por João; elas são verdades espirituais resultantes de fatos férteis. De um acúmulo de informação dispo­nível, João seleciona apenas aquelas que demonstram e promovem essas verdades centrais de seu tratado.

Marque bem: a característica estrutural deste quarto evange­lho é a da repetição de idéias. Mesmo entre estas (algumas das quais iremos considerar separadamente) existe uma que está exata­mente no centro, a saber, a vida eterna, crendo em Jesus como Filho de Deus e Salvador dos homens. Perdemos de vista o verda­deiro caráter e força cumulativa deste quarto evangelho se tentar­mos dividi-lo em seções doutrinárias. Considerar, por exemplo, que Cristo é revelado como Vida no primeiro grupo de capítulos, como Luz no grupo seguinte e como Amor no últim o grupo, é ar­tifíc io e não análise. As três aliterações poderiam ser transpostas, entrosando-se, todavia, igualmente bem. Dizer que nos capítulos1 a 6 temos Revelação, nos capítulos 7 a 12 Rejeição, e nos capí­tulos 13 a 21, Recepção é simplesmente um trio arbitrário de “ Rs” . O fato é que a revelação, rejeição e recepção se encontram lado a lado no decorrer de todo o livro, assim como a vida, a luz e o amor. Não estamos afirmando que não existe um plano básico no evangelho de João, insistimos no entanto em que esse arranjo não foi fe ito de acordo com a doutrina ou assunto em questão, e que forçar a análise desse tipo confunde sua repetição cumula­tiva de idéias. (Encontramos esta mesma forma de ensino através de ênfases repetidas na primeira epístola de João.)

Antes de considerarmos alguns desses temas sucessivos neste quarto evangelho, talvez devêssemos examinar rapidamente o ar­ranjo básico do material de João, como realmente é. Há um prólo­go (1:1 -18) e um epílogo (21). Os capítulos intermediários se agru­pam como segue:

7. O ministério público de Jesus aos judeus (1:19-21).2. O ministério particular de Jesus aos “seus” (13-17).3. O dímax pascal de tragédia e triunfo (18-20).

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O primeiro desses grupos de capítulos é ocupado com os “ si­nais” milagrosos feitos por Jesus, dentre os quais João registra se­te, culminando com a ressurreição de Lázaro. Note como os pri­meiros contatos se desenvolvem rapidamente em conflitos poste­riores e depois terminam em absoluta divisão.

O segundo grupo refere-se principalmente às novas e maravi­lhosas revelações do Senhor sobre o Parácleto que está para vir. Os capítulos finais abrangem o resultado terrível mas glorioso do todo.

Uma análise mais detalhada não só sobrecarrega a memória em lugar de ajudá-la,,como também é desnecessária para o nosso propósito presente. E interessante gravar as três divisões princi­pais e, tendo fe ito isso, apressemo-nos a examinar alguns desses te­mas interligados que se estendem como correntes brilhantes atra­vés do livro inteiro, como já tivemos ocasião de mencionar.

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PLANO BÁSICO DO EVANGELHO DE JOÃO

Prólogo (1:1-18).

“ O Verbo se fez carne.”

1. MINISTÉRIO PÚBLICO DE JESUS AOS JUDEUS (1:19-12).Primeiros “ sinais” , testemunho e contatos (1:19 a cap. 4). Outros “ sinais” , testemunho e conflitos (5-10).Últim o “ sinal” , testemunho e divisão (11-12).

2. M INISTÉRIO PARTICULAR DE JESUS AOS “ SEUS” (13-17).Presságio de sua partida (13-14:15).Promessa da vinda do Espírito (14:16 a cap. 16).Oração a Deus-Pai a favor deles (17).

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3. CLÍM AX PASCAL: TRAGÉDIA E TRIUNFO (18-20).Prisão e inquérito (18-19:15).Crucificação e sepultamento (19:16-42). Ressurreição e reaparecimento (20:1 a cap. 31). Epílogo (21): “ Até que eu venha” .

Versículo e Tema Principais

Pense com cuidado: quais seriam para você o versículo e te­ma principais no evangelho de João? Permite que o ajudemos para obter uma resposta correta? No decorrer do livro inteiro encontra­mos um cenário sombrio de incredulidade por parte dos judeus, fazendo com que nos lembremos repetidamente do capítulo 1:12. “ Veio para o que era seu, e os seus não o receberam” . Mas em pri­meiro plano vemos uma sucessão compensadora de conversas com indivíduos que o receberam, lembrando-nos novamente do capí­tulo 1:12: “ Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus” . Em íntima associação com essas f i ­guras em destaque, existe uma cadeia de “ sinais” notáveis que de­monstra com inesquecível limpidez o poder transformador de Cris­to, fazendo com que volte à nossa memória outra vez o capítulo 1:12: “ Deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus. Sei que o termo grego traduzido aqui como “ poder” pode ser adequada­mente interpretado como “ d ire ito ” ou “ autoridade” , mas isso de forma alguma dim inui o seu sentido dinâmico. O “ d ire ito ” ou “ autoridade” de se tornarem filhos de Deus impiica no poder pa­ra isso; pois, (marque bem) não é simplesmente o direito de “ ser” mas de “ tornar-se” (genésthai), abrangendo o poder moral trans­formador de tornar-se filho de Deus e viver como tal. (De que va­leria, por exemplo, a “ autoridade” a um rei se lhe faltasse o po­der para exercê-la?).

No que se refere à mensagem espiritual do evangelho de João, o versículo-chave é, sem dúvida, 1:12. Os que estão agora fam ilia­rizados com o conteúdo deste evangelho não podem deixar de per­ceber como essas três linhas centrais correm com persistência em paralelo e com crescente nitidez através dos capítulos:

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1. “ Os seus não o receberam.”2. “ Mas, a todos quantos o receberam.”3. “ Deu-lhes o poder de serem feitos (de se tornarem)” .

Os Oito MilagresVamos pesquisar primeiro os o ito milagres ao redor dos quais

a narrativa se concentra. Certos aspectos imediatamente prendem a nossa atenção.

1. Transformação da água em vinho (2)2. A cura do filho do oficial do rei (4)3. A cura do paralítico em Betesda (5)4. A alimentação dos cinco mil (6)5. O andar sobre as águas do mar da Galiléia (6)6. A cura do cego de nascença (9)7. A ressurreição de Lázaro (11)8. A pesca maravilhosa \ (21)

Da mesma forma que todo som musical é apreendido em oita­vas, João também apreendeu o significado de todos os milagres do Senhor nesses o ito pontos. O som musical, quer produzido por cordas como no piano, ou por colunas de ar como no órgão de foles, é criado por vibrações diminutas; mas todas elas se conju­gam em oitavas.-Por exemplo, se começarmos com um Dó (C) in­termediário, subimos sete notas consecutivas e chegamos então a outro Dó (C). Mas, por que devemos chamar novamente de Dó essa oitava nota? Porque o número de vibrações é exatamente o dobro do Dó intermediário e está, portanto, num alinhamento de som exato com ele. A oitava repete então sempre a primeira das o ito notas.

O mesmo acontece com a oitava de milagres no evangelho de João. A primeira faz soar a nota-chave: “ Com este deu Jesus princípio a seus sinais em Caná da Galiléia; manifestou a sua gló­ria e os seus discípulos creram nele" (2:12). Isto não se repete até a próxima colcheia: “ Para que creiais que Jesus é o Cristo, o Fiiho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome” (20:31). Dá-se o mesmo com as outras oitavas bíblicas, como por exemplo as o ito bem-aventuranças do Sermão do Monte. A primeira, por as­

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sim dizer, faz soar o Dó intermediário: “ Bem-aventurados os hu­mildes de espírito, porque deles é o reino dos céus” . Não existe uma repetição disto até que cheguemos à última, à oitava, quando se faz ouvir o mesmo som: “ porque deles é o reino dos céus” . De fato, toda a história da humanidade, como revelada nas Escri­turas, se conforma a esta lei das oitavas. Começamos com uma no­va criação, em Gênesis. A seguir temos quatro mil anos a.C., e depois os atuais mil anos A.D., que devem ser seguidos de outros mH anos R.D. (Regno Domini), perfazendo sete grandes dias de mil anos cada, a serem encerrados com o julgamento geral da hu­manidade diante do Grande Trono Branco; depois do que a oita­va se repete com outra nova criação — “ um novo céu e nova ter­ra” ; “ Eis que faço novas todas as coisas” .

Três aspectos dos o ito sinais milagrosos de João devem ser notados: (a) ele numera os dois primeiros, a fim de que haja se­qüência; (b) não existe duplicação, como nos sinóticos; portan­to, há seleção cuidadosa; (c) encontramos um propósito geral (20:11), havendo então especificidade.

Existe também uma idéia unificadora que pode ser traçada através de todos eles, a saber: transformação. Ao examiná-lo su­cessivamente, encontramos transformação de tristeza em alegria; de doença em saúde; de paralisia em energia; de carência em sa­tisfação; de agitação em tranqüilidade; de trevas em luz; de mor­te em vida; de frustração e fracasso em grande sucesso. Não é pre­ciso estudar muito para ver como essas o ito transformações sobre­naturais fornecem não apenas “ sinais” evidentes da divindade do Senhor mas também ilustrações claras desse “ poder de tornar-se” transformador que opera em “ quantos o recebem” .

"Quantos o Receberam”As entrevistas particulares do Senhor com indivíduos ou pe­

quenos grupos têm sido freqüentemente notadas como uma carac­terística especial deste quarto evangelho. João recapitulou o ito de­las para nós:

1. Pedro, Natanael, etc.2. Nicodemos, líder dos fariseus3. A mulher de Sicar

(1:35-51)(3:1-21)(4:6-26)

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4. O homem cego de nascença5. Marta e Maria; Betânia6. Os onze apóstolos7. Maria Madalena8. O apóstolo Pedro

(9:35-41)(11 )(13-16)(20:1-18)(21:15-23)

Esses oito exemplificam representativamente “ quantos o re­ceberam” . Pode-se pensar momentaneamente que João Batista de­veria ser incluído; mas, não, não existe aqui qualquer registro de uma conversa entre Jesus e ele; nem com o paralítico de Betesda no capítulo 5, além das simples palavras que pronunciaram cura e advertência.

O primeiro dos oito faz soar a nota: “ Poder para tornar-se” . Não ficamos sabendo o que se passou durante a entrevista de An­dré e João com Jesus (1 :39). A ênfase está no que Jesus disse a Si- mão e Natanael: “ Tu és... tu serás” . “ Pois maiores coisas do que estas verás. ” Esta é a promessa envolvida nesse “ poder para tor­nar-se” protoplásmico. /

A seguir, nas entrevistas que se sucedem vemos ilustrado co­mo opera essa nova vida em “ quantos o receberam” .

Na entrevista com Nicodemos observamos que sua operação começa com o “ nascer de novo” . Na entrevista com a mulher de Sicar vemos uma fonte in terior de vida e satisfação. No cego re­vela-se como uma percepção interior e exterior de Jesus como “ o Filho de Deus” (9:35). Na conversa com as irmãs de Betânia ela é uma energia que, em resposta à fé, conquista o aparentemente im­possível (11:40). Na longa e tocante conversa com os Onze (13­16), aprendemos, por informação direta, que o executor desta no­va vida de poder é o Parácleto Divino. A seguir, na entrevista pa­tética, embora emocionante, com Maria Madalena, vemos como promove a manifestação individual do Senhor ressurreto àqueles a quem Ele ama, transformando a tristeza em alegria. Finalmente, na última conversa com Pedro, vemos como traz restauração e uma nova ordem para ministrar dada pelo Salvador.

E interessante notar, incidentalmente, como a característica da oitava se repete aqui, nesta oitava entrevista — tocando em Pe­dro novamente como na primeira das o ito. A promessa ainda se mantinha de pé: “ Tu és... tu serás” ; mas Pedro precisava aprender que a oitava mais alta do “ poder de tornar-se” é poder para vencer.

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“ Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de se­rem feitos filhos de Deus; a saber, aos que crêem no seu nome” (1:12). Essa é realmente a mensagem espiritual central que per­corre todo este evangelho segundo João.

Como esta idéia fornece possibilidade de um estudo mais mi­nucioso! Quão maravilhosamente esses o ito sinais milagrosos ilus­tram a operação deste “ poder de tornar-se” ! Apenas como suges­tão, examine os quatro atos do Senhor ao alimentar os cinco mil com o almoço do rapazinho — (1) Ele tomou, (2) Ele abençoou, (3) Ele partiu, (4) Ele usou.

Um Paralelo Notável

Existe, outrossim, uma correspondência fascinante entre a estrutura deste quarto evangelho e os utensílios do antigo Taber­náculo. O Tabernáculo judeu prim itivo tinha três partes. Primei­ro, o pátio externo amplo e oblonquo, com 100 côvados de com­primento (cerca de 50 metros) por 50 de largura (i.e., 25 metros); e dentro dele, num dos cantos, ficava o “ santuário", medindo 30 côvados de comprimento por 10 de largura. O santuário dividia- se em duas partes — o Lugar Santo (20x10) e na outra extremida­de (a partir da entrada do pátio externo) ficava o Santo dos San­tos (10x10). Tanto o pátio externo oblongo, como o santuário interno também oblongo, ficavam sempre na direção leste-oeste, com suas entradas respectivas a leste. A entrada para o pátio ex­terno era chamada de “ portão” ; a do Lugar Santo de “ porta” ; e a do Santo dos Santos de “ véu” .

Esse antigo Tabernáculo continha sete objetos da maior im­portância. Entrando pelo “ portão” do pátio externo, encontra­mos (1) o altar de bonze do sacrifício. Mais para dentro, (2) o la­vatório de bronze dasobluções, ou “ bacia” .

A seguir, passando pela “ porta” para o Lugar Santo, vemos(3) a mesa dos pães da proposição (à direita ou lado norte) com suas oblações e libações (Ex 25:29) ou ofertas de alimento e bebi­da, tip ificando Cristo, o Pão de Deus, aquele que nutre a vida do cristão como crente-sacerdote (Lv 24:9). A esquerda, ou lado sul do Lugar Santo ficava (4) o candelabro de ouro de sete braços, t i ­pificando Cristo nossa Luz, brilhando na plenitude do poder do

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Espírito Santo de sete aspectos, representado pelo óleo que ali­menta à luz. Nesse Lugar Santo, bem diante do “ véu” que dá pa­ra o Santo dos Santos fica o (5) altar de ouro do incenso, que fa­la tipicamente de Cristo como nosso Intercessor e das orações do crente-sacerdote tornadas fragrantes pelos méritos perfeitos do Nome precioso através do qual ora.

Em últim o lugar, além do “ véu” , no interior do Santo dos Santos, encontramos (6) a arca, aquela caixa sagrada de madeira de acácia coberta de ouro, cerca de 1,23m de comprimento por 70cm de largura e altura (contendo as duas tábuas de pedra da Lei, um vaso de ouro com maná e a vara de Arão), tip ificando Cristo como a base e centro perfeito do relacionamento de alian­ça com Deus. Sobre esta ficava (7) o assento de misericórdia de ouro sólido (ou propiciatório), coberto pelas asas estendidas dos dois querubins de ouro que ficavam um de cada lado, de faces voltadas um para o outro; tendo a estrutura toda as mesmas dimensões que a arca sobre a qual se achava e com o trono, longi­tudinalmente, defronte do reposteiro ou/véu de entrada. Esse pro­piciatório tipificava o trono de DeusrO fato de ser um trono da graça em lugar de juízo devia-se ao sangue da expiação que era aspergido sobre ele a favor dos israelitas pecadores.

Mas havia algo mais nesse tabernáculo divinamente planeja­do que dava a esses sete objetos progressivamente sagrados uma consumação de glória misteriosa. Era a Chequiná, a luz indefiní­vel, sobrenatural, que brilhava logo acima do propiciatório, entre as asas curvas dos dois querubins. Esse brilho de glória sobrenatu­ral era mais que um símbolo, pois tratava-se na verdade de uma forma visível da presença divina, consagrando com absoluta soleni­dade os preceitos e artigos daquele primeiro santuário.

Os utensílios do Tabernáculo, com seus significados simbóli­cos e tipológicos, podem ser assim estabelecidos:

1. Altar de bronze.

2. Bacia de bronze

3. Mesa dos pães da proposição.

4. Candelabro

Expiação através de sacrifício.Renovação espiritual

Sustento espiritual.

Iluminação espiri­tual.

A Expiação feita por Cristo. Regeneração pelo Es­pírito Santo.Cristo como o Pão da Vida de seu povo. Cristo a Luz, espe­cialmente de seu po­vo.

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5. Altar do incenso.

6. A arca.

7. O propiciatório.

Súplica aceitável.

Acesso mediante re­lacionamento de aliança.Aceitação junto ao trono de Deus.

Oração em o Nome de Jesus (Jo 14; Ap 5:8).Cristo como nosso acesso à aliança.

Aceitação junto a Deus, em Cristo (Rm 3:25).

Como já mencionamos, existe, então, um fascinante parale­lo entre esses utensílios do Tabernáculo e o Evangelho Segundo João. Se João fez isso deliberadamente ou se tinha conhecimen­to do fato não insistiremos em afirmar, mas ele certamente exis­te. Talvez a razão para a correspondência seja a unidade básica das coisas. A verdadeira ordem de aproximação de Deus é uma só e a mesma, quer na velha ou na nova dispensação. Em todo caso, nes­te quarto evangelho, João nos leva às grandes realidades espirituais tipificadas por essas sete peças da mobília do Tabernáculo, exata­mente na mesma ordem.

Ele começa nos levando ao altar de bronze do sacrifício, pois por duas vezes no capítulo 1 nos fala: “ Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” . Depois, no capítulo 3, faz com que nos aproximemos da bacia de bronze da purificação ou renovação, dizendo: “ Quem não nascer da água e do Espírito, não pode en­trar no reino de Deus” .

A seguir, nos capítulos 4-6, ele nos leva até à mesa dos pães da proposição, com seus alimentos e bebidas, registrando-nos a conversa do Senhor com a mulher de Sicar, relativa à “ água da vida” da qual, se alguém beber, jamais terá sede novamente; e o grande discurso do Senhor a seu próprio respeito como sendo o “ Pão da V ida” do qual, a pessoa que comer, viverá eternamen­te. Depois disso, nos capítulos 8 e 9, João nos faz examinar o can­delabro de ouro; vemos agora o Senhor repetir duas vezes “ Eu sou a Luz do mundo” e “ quem me segue não andará em trevas, pe­lo contrário terá a luz da vida” — e o homem cego de nascença é curado como um exemplo vivo.

Mais adiante, nos capítulos 14-16, nesse longo e terno discur­so aos Onze, descobrimo-nos junto ao altar de ouro do incenso, aprendendo a orar de um modo e através de um Nome até então desconhecido, aprendendo a oferecer orações através de Jesus, que se tornam como incenso perfumado mediante o pronunciar

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desse Nome que, acima de todos os demais, é caro ao coração de Deus.

Em seguida, naquele sublime capítulo 17, na comovente oração intercessória que temos o privilégio de ouvir ao sair dos lábios de nosso amado Sacerdote, somos levados através do “véu” para dentro do Santo dos Santos; tendo permissão para vislumbrar o ministério sumo sacerdotal de intercessão que Ele exerce a nos­so favor na presença de Deus.

E então, no clímax do Calvário que domina o nosso coração, vemos nos capítulos 18 e 19 como Ele é também a própria Arca da Aliança e o Propiciatório aspergido com o sangue sagrado de sua auto-entrega vicária. Temos depois o capítulo 20, o capítulo da ressurreição, em que o Senhor ressurreto anuncia imediata­mente nosso novo relacionamento de aliança com Deus: “Subo para/neu Pai e rasso Pai, para meu Deus e vosso Deus” .

João viaja assim, em paralelo, desde o primeiro até o último desses sete objetos que compunham os utensílios do tabernáculo israelita. Ele finalmente revela a realidade que corresponde a essa chequiná absolutamente santa. Na tarde daquele dia esplêndido em que Jesus ressuscitou, Ele apareceu repentinamente diante dos Onze com a saudação tranquilizadora: “ Paz seja convosco” ! mostrando-lhe suas mãos e seu lado feridos e pronunciando pala­vras de conforto. Antes de desaparecer novamente, Ele fez e dis­se algo de imenso significado: “Soprou sobre eles, e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo". Essa é a nova chequiná da experiên­cia cristã.

Como toda essa correspondência de ordem entre o taberná­culo primitivo de Israel no deserto e o novo tabernáculo do teste­munho de João feito com pena e tinta é interessante! Devemos considerá-la como um acidente ou ato deliberado? Muito mais maravilhoso ainda é esse querido Salvador em quem possuimos es­sas sete provisões divinas, desde o altar da expiação até a habita­ção da Chequiná do pentecoste!

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O EVANGELHO SEGUNDO JOÃO (3) Lição N.° 20

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NOTA: Para nossa revisão final do Evangelho de João, meditecuidadosamente sobre o prólogo, capítulos 5, 6 e 21.

As relações literárias entre os evangelhos são um assunto que provoca grandes diferenças de opinião entre os eruditos e embora tenham sido feitos esforços de tempos em tempos para harmonizar os evangelhos como um todo, nenhuma dessas tentativas mostrou- se completamente satisfatória. Raramente duas dessas harmonias concordam. O problema sinótico, como é chamado, não só não foi resolvido, mas permanecerá talvez insolúvel. De fato, pode ser dito, sem praticamente qualquer dúvida, que uma verdadeira harmonia é impossível em vista de cada evangelho ter seus próprios aspectos característicos, os quais não podem ser combinados com outros.

Existem várias razões poderosas para esta contenda. Em pri­meiro lugar, esses aspectos, expressivos do propósito definido de cada evangelho, são necessariamente omitidos ou pelo menos igno­rados na tentativa de harmonizá-los. A seguir, o material nem sem­pre é arranjado cronologicamente, sendo na maioria das vezes agru­pado de acordo com os assuntos. Mais importante ainda: não pos­suímos nada que se pareça com um registro completo e ordenado das palavras e atos do Senhor Jesus (Jo 20:30, 31, 21:25), e cada escritor foi evidentemente levado a fazer uma seleção segundo seu propósito específico. Não é como se os quatro evangelhos fossem escritos por uma única pessoa, pois nesse caso seria possí­vel considerar e comparar a substância de cada um, análise essa impraticável em relação à obra de quatro pessoas diferentes. Isto pode sugerir que seria sensato dar primeiramente atenção a todos os evangelhos de uma vez e não apenas a três deles. Nos pontos principais existe acordo substancial no sentido do ministério de Cristo ter sido exercido primeiro na Judeia (Jo 1 a 4); depois na Galiléia (maior parte de Mateus e Marcos); a seguir, novamen­te na Judéia, encerrando com a última semana em Jerusalém, na qual todos os quatro evangelhos se unem.

— W. H. Griffith Thomas

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O EVANGELHO SEGUNDO JOÃO (3)

Como já foi mencionado, muitas páginas poderiam ser es­critas com louvores notáveis a este Evangelho Segundo João. O Dr. H. R. Reynolds, do Cheshunt College, chamou-o de “o mais magnificente de todos os escritos bíblicos” . De Wette descreveu- o como “este evangelho terno, singular, verdadeiramente supre­mo” . O livro Christ o f the Logia do E)r. A. T. Robertson, refere- se a ele como “a suprema obra literária ao mundo” .

Por estranha ironia, aquele que mereceu os mais entusiásti­cos louvores provocou também as maiores controvérsias. Os con­flitos mais severos entre os críticos do Novo Testamento se con­centraram sobre ele e continuam ainda hoje. Nem mesmo o Pen- tateuco mostrou-se um campo de batalha mais feroz entre os eru­ditos rivais. A colisão entre as penas, cérebros, teorias e preconcei­tos desenvolveu-se de tal forma que não se pode acusar ninguém de excesso de imaginação por suspeitar nisso um estratagema do próprio Satanás para obscurecer com a poeira do debate o esplen­dor deste precioso evangelho. No estudo que estamos fazendo, não é nosso intento alistar-nos nas fileiras dos combatentes. Para nós, o quarto evangelho é um documento autêntico e seu autor humano é o apóstolo João.

Em nosso último estudo mencionamos que tudo neste evan­gelho de João está subordinado ao desenvolvimento de certas idéias repetidas. Julgamos proveitoso examinar como elas foram reunidas desde o início, no prólogo, e depois desenvolvidas atra­vés dos capítulos subseqüentes.

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O Prólogo

O prólogo de João (1:1-18) é o núcleo principal do livro in­teiro. Isto se evidencia de tal forma para o leitor comum, sem idéias preconcebidas, que só podemos admirar-nos ao encontrar príncipes entre os eruditos afirmando que “ele não faz parte do restante do volume” e um crítico do nível de Harnack, na virada do século, considerando-o apenas um prefixo filosófico com o in­tuito de agradar um círculo mais erudito. O falecido Sir Robert Anderson tinha na verdade razão ao queixar-se de que os “ especia­listas” são notoriamente pouco confiáveis quando se trata de ava­liar evidência clara e geral! Existe um tipo refinado de erudição que se perde de tal forma em minúcias técnicas que as palavras do antigo provérbio “ não podem ver a floresta por causa das árvores” se aplicam perfeitamente ao mesmo. O prólogo de João constitui sem dúvida um molho de chaves que pode abrir tudo que se segue.

Existem no prólogo quatro designações do Senhor que ime­diatamente prendem nossa atenção: (1) o VERBO, (2) a VIDA,(3) a LUZ, (4), o FILHO. Duas delas declaram o seu relacionamen­to com Deus-Pai. As outras duas indicam atividade na direção dos seres humanos.

Em relação a Deus, o Pai, Ele é o VERBO eo FILHO. Esses termos são de um significado tão imenso que o pensamento huma­no não pode sondar as suas profundezas. Eles são, todavia, tanto significativamente esclarecedores como impenetravelmente miste­riosos. Têm como propósito dizer-nos algo — e o fazem.

Nosso Senhor é o VERBO, i.e. a expressão de Deus, não só em relação ao homem, não só a partir da antigüidade, mas antes de toda a criação (vs. 2, 3), fundamental, eterna e indivisivelmen- te. Ele não se achava simplesmente desde o início, Ele já estava “no princípio” (v. 1). Ele não estava apenas “ com Deus” ; Ele “era Deus” (v. 1). Nenhum estratagema exegético pode ocultar realmente a força das palavras gregas empregadas aqui, especial­mente quando lidas adequadamente em seu contexto. Logos em grego, traduzido aqui como “ Verbo” , é mais completo do que qualquer palavra correspondente em português; todavia, mesmo o nosso substantivo “ Verbo” é grandemente útil neste ponto. Da mesma forma que uma palavra pode ser distingüida do pensa­mento que expressa (pois ambos não são idênticos), a Segunda

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Pessoa da Divindade pode ser também distingüida da Primeira. Co­mo não pode porém existir uma palavra em separado do pensa­mento por trás da mesma, também “ Deus” e o “ Verbo” não po­dem ser concebidos como tendo existido em momento algum se­paradamente. Eles são distinguíveis, mas inseparáveis.

Nosso Senhor é também o FILHO. O conceito de Logos em relação a Theos é transformado no do FILHO em relação ao Pai. Tais comparações humanas não chegam necessariamente aos pés dessas realidades-protótipo que elas buscam tornar humanamente inteligíveis, todavia, mesmo assim, são bastante aproximadas. O Lo­gos está simplesmente “com" Deus (v. 1), mas o Filho está “ no seio” do Pai (v. 18). Existe uma comunhão recíproca de amor imanente na Divindade; sendo esse um dos fundamentos, eternos como Deus, pois não pode existir paternidade eterna sem filiação eterna.

Essas duas metáforas, o “ Verbo” e o “ F ilho ” , suplementam e protegem uma à outra. Tomadas separadamente, elas poderiam levar pensadores diferentes a concepções muito diversas e igual­mente errôneas do Senhor; mas quande^tomadas em conjunto, ca­da uma corrige o possível emprego incorreto da outra.

Pensar no Senhor apenas como o “ Verbo” eterno poderia sugerir simplesmente uma qualidade ou faculdade impessoal de Deus. Pensar nEle como “ F ilho” apenas, poderia limitar-nos fal­samente ao conceito de um ser pessoal, mas criado. Porém, os dois termos combinados asseguram ambos os aspectos da verdade para nós, e ao mesmo tempo nos livram de erros. Nosso Senhor e Salva­dor, o segundo membro da Trindade é tanto eterno como pessoal.

A seguir, em relação a nós, seres humanos, Ele é a V ID A e a LUZ. Toda vida criada é uma derivação dEle, tanto física como psíquica. DEle é irradiada toda verdadeira iluminação, tanto inte­lectual como espiritual (vs. 4, 9). Os dois termos implicam igual­mente na divindade do Senhor, como o fazem as metáforas “ Ver­bo” e. “ F ilho” .

De fato, as duas designações, “ V ida” e “ Luz” correspondem a “ Verbo” e “ F ilho” . Como o Verbo Ele é o personificador, o re­velador, o iluminador, a Luz. Como o Fiiho Ele é o executivo pes­soal, avivador, comunicador, a Vida. Em paralelo com essas, te­mos também as palavras “ graça” e “ verdade” , nos vs. 14 e 16. O Ser Encarnado é “ cheio de graça e verdade” , i.e., cheio de “ graça”

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para remir o homem, e cheio de “ verdade” para revelar Deus. Ele é o Deus-Homem Revelador-Redentor.

Oh, nosso Salvador é de suprema transcendência! “ O seu no­me será M ARAVILHOSO” ! Só neste primeiro capítulo são mencio­nados nada menos do que oito títu los gloriosos envolvendo como um diadema sua fronte divino-humana; o ito nomes supremos que Lhe pertencem absoluta e exclusivamente: o VERBO (v. 1), a V ID A (v. 4), a LUZ (v. 7), o FILHO (v. 18), o CORDEIRO (v. 29), o MESSIAS (v. 41), o REI (v. 49), o FILHO DO HOMEM (v. 5 !) . ^

Logo de início, no prólogo, João reúne os principais aspectos que irá desenvolver nos capítulos seguintes: o “ Verbo” (vs. 1, 14), a “ Vida” (vs. 3, 4), a “ Luz” (vs. 5, 9), o “ F ilho” (vs. 14, 18), “ trevas” (v. 5), “ testemunho” (vs. 7, 8, 15), “ crer” (v. 7), “ capaci­dade para ser” (v .J2 ), “ nascido de Deus” (v. 13), “ cheio, plenitu­de” (vs. 14, 16). E bastante estranho o fato de alguém poder dei­xar de ver que este prólogo de João é o seu estribilho indicativo de toda a composição. Essas dez ênfases se estendem por todo o livro, em cinco pares associados, e irão recompensar grandemen­te um estudo detalhado:

1. O Verbo — tornando-se carne como a verdade encarnada (1:1, 14, 17; 8:40; 14:6, “ em verdade, em verdade,” etc.).

2. A Luz — brilhando nas trevas; “ as trevas não a compreen­deram” ; “ os seus não o receberam” (3:19; 12:46, etc.).

3. A Vida — concedendo o novo nascimento e o “ poder de tornar-se” (1 :12, 13; 3:8, 15; 10:10, etc.).

4. O Filho — chegando “ cheio de graça” e compartilhando de sua “ plenitude” (1:14, 16, 33:4, 10; 14:27; 15:11, etc.).

5. Testemunho — para que todos “ possam crer" (1:7, com re­petida freqüência) e “ tenham vida”.

Há muito incentivo para que continuemos nossas pesquisas! O que podemos fazer neste curto esboço? Vamos tentar, embora brevemente, examinar o últim o dos cinco, i.e., a idéia de vida pe­la fé. Escolhemos este item porque entre os temas encadeados que percorrem o livro é ele que contém o propósito principal de João (20:31).

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A Vida Eterna Através da Fé

João afirma que seu propósito prático é o seguinte: “ Para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome” (20:31). Essa palavra “ crer” ocorre em suas várias formas 98 vezes; as palavras “ vida” {zoe) e “ viver” (zaõ) 55 vezes. Quando selecionamos as principais referências à vida eterna (1:4; 3:14-16; 3:36; 4:10-14; v. 24-29; 6:35-55; 8:12; 10:28, 29; 11:25, 26; 17r3, etc.) descobrimos um indiscutível pro­gresso de doutrina. Cada nova referência revela uma outra verdade de forma tal que a transposição iria prejudicar a ordem. Não dize­mos que João tivesse fe ito esse arranjo conscientemente; mas hou­ve uma orientação do alto.

Comecemos com 1:4: “ A vida estava nele, e a vida era a luz dos homens” . A primeira coisa então é que esta vida está no Filho, e que seu primeiro ato sobre a alma é conceder luz, a luz que reve­la as realidades espirituais, que “ brilha nas trevas” , revelando o pe­cado humano e a verdade divina.

Segundo, em 3:14-16 lemos: “ E do modo por que Moisés le­vantou a serpente no deserto, assim Lrriporta que o Filho do ho­mem seja levantado, para que todo o que nele crê tenha a vida eterna. Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigénito, para que todo o que nele crê não pereça, mas te­nha a vida eterna” . Aprendemos aqui que a vida nos é concedida pela fé na obra do Calvário, realizada pelo Filho-Salvador, e que ela é eterna.

Terceira, em 3:36 lemos: “ Por isso quem crê no Filho tem a vida eterna; o que, todavia, se mantém rebelde contra o Filho não verá a vida, mas sobre ele permanece a ira de Deus. A palavra “ tem” salta a nossos olhos aqui, dizendo-nos que esta vida eterna é uma posse presente do cristão. Não há dúvida alguma; o trecho não diz “pode te r” . Nem é apenas uma promessa para o futuro: pois a palavra “ tem” significa aqui e agora.

Quarto, em 4:14 Jesus diz: “ Aquele, porém, que beber da água que eu lhe der, nunca mais terá sede, para sempre; pelo con­trário, a água que eu lhe der será nele uma fonte a jorrar para a vi­da eterna” . A vida neste ponto não é apenas uma posse presente, mas uma satisfação interior. Quando bebemos, a água que dá vida se transforma em uma fonte dentro de nossa alma, sempre jorran­do, sempre saciando!

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E agora o capítulo 5:24: “ Em verdade, em verdade vos digo: Quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou, tem a vida eterna, não entra em juízo, mas passou da morte para a vida” . “ Juízo” aqui é krisis e refere-se ao julgamento final da humanida­de, como mostra o v. 29. A posse da vida eterna pela fé no Salva­dor isenta do juízo. Existe uma transição da “ morte” no pecado para a “ vida” em Cristo. Jesus, de uma vez por todas, tomou so­bre si o castigo devido ao pecador: e uma vez por todas, a vida eterna nEle nos livra do ju ízo e condenação.

Isto nos leva ao capítulo 6:40: “ De fato a vontade de meu Pai é que todo homem que vir o Filho e nele crer, tenha a vida eterna; e eu o ressuscitarei no último dia” . Em seu grande discur­so neste trecho, o Senhor é o Pão da Vida. Ele se torna esse pão ao dar sua carne e sangue (vs. 51, 53). Ele indica também que alimentar-se dEle é crer e que o sustento é espiritual (vs. 35, 36, 63). Mas o acréscimo notável, que ocorre como um refrão é: “ E eu o ressuscitarei no últim o dia” (vs. 39, 40, 44, 54). Esta vida eterna não só assegura a salvação da alma, como também inclui a promessa da imortalidade do corpo!

Nossa próxima referência encontra-se em 10:27-29: “ As mi­nhas ovelhas ouvem a minha voz; eu as conheço, e elas me seguem. Eu lhes dou a vida eterna; jamais perecerão, eternamente, e nin­guém as arrebatará da minha mão. Aquilo que meu Pai me deu é maior do que tudo; e da mão do Pai ninguém pode arrebatar” . Es­ta cena dos salvos estarem seguros nas mãos entrelaçadas do Filho e do Pai é a maior garantia possível de que a vida eterna significa preservação eterna!

Encontramos agora no capítulo 11:25, 26: “ Eu sou a ressur­reição e a vida. Quem crê em mim, ainda que morra, viverá; e todo o que vive e crê em mim, não morrerá, eternamente” . Fico me per­guntando quantos conseguem compreender o surpreendente signi­ficado desta passagem. Marta acabou de dizer: “ Eu sei que ele (Lázaro) há de ressurgir na ressurreição, no último dia”. O Senhor emprega um subjuntivo aoristo em sua resposta: “ Quem crê em mim, ainda que morra (i.e., “ esteja morto no últim o dia” ), viverá (pois eu sou a ressurreição); e todo o que vive (i.e., que estiver então vivendo e crente) e crê em mim, não morrerá, eternamente (pois eu sou a vida)” . Assim sendo, todos os possuidores da vida eterna em Cristo deverão partilhar desta prometida transfiguração no fim dos tempos!

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Finalmente, no capítulo 17, ficamos sabendo qual o ponto máximo a respeito desta vida eterna. No v. 3 o Senhor diz: “ E a vida eterna é esta: que te conheçam a ti, o único Deus verdadei­ro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste” . Possuir Jesus Cristo e ser possuído por Ele é encontrar Deus — e a verdadeira vida. Todos os que aceitam Cristo são levados a Ele pelo Pai. Esse chamado pode ser desprezado, mas quando respondido pelo crente, passa a ser uma dádiva do Pai ao Filho (Jesus diz isso sete vezes neste capítu­lo). O v. 2 afirma que o Filho concede a vida eterna a “ todos” da­dos pelo Pai “ a Ele” ; e o ponto alto desta idéia está no v. 24: “ Pai, a minha vontade é que onde eu estou, estejam também comi­go os que me deste, para que vejam a minha glória” . A vida eterna que os crentes possuem através do Salvador será então consuma­da numa glorificação celestial!

Não existe em tudo isto uma progressão sobre-humana de revelação? Em primeiro lugar vemos que esta vida está no Filho, sendo uma luz que expõe o pecado e a escuridão. A seguir vemos que a vida é recebida pela fé nAquele que levou nossos pecados sobre Si no Calvário. Além disso, sucessivamente, ela é uma pos­se, uma satisfação interior, uma isenção de juízo, uma promessa de imortalidade do corpo; tem garantia de preservação eterna; aguarda a transfiguração no final dos tempos e será consumada em glorificação celestial!

João tem tudo isto em mente quando escreve ao término de seu evangelho: “ Estes, porém, foram registrados para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome” Quem pode avaliar tudo o que está en­volvido em tais imensidades? Quão simples, porém, é o caminho para esta vida eterna — “ Creia” !

Oh, como difere das obras complexas do homem,O plano fácil, natural, sem tropeços do céu!Não há graças pérfidas e enganadoras,Nem ornamentos agrupados para servir de obstáculo;Livre de ostentação e de fraquezas,Subsiste como o arco da cor do céu que vislumbramos, Majestoso em sua simplicidade.Inscritas por sobre o portal, desde longe Nítidas como uma estrela brilhante,

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Legíveis apenas pela luz que refletem,Acham-se as palavras que avivam a alma —

CREIA E VIVA!

O Verbo Encarnado — O Filho Unigénito

A partir do prólogo até ao epílogo observamos o desenvolvi­mento da apresentação de Jesus como o Verbo encarnado e Filho unigénito. Esta a glória central do Evangelho de João.

Embora abordemos apenas levemente o assunto aqui, pode­mos pelo menos indicar aspectos que convidam a novas pesquisas.

Encontramos 23 vezes o significado “ Eu sou” do Senhor (4: 26; 6:20, 35, 41, 51; 8:12, 18, 24, 28, 58; 10:7, 9, 11, 14; 11:25; 13:19, 14:6; 15:1, 5; 18:5, 6, 8). Escolhemos dentre esses os ver­sículos em que ele combina sucessivamente os seus “ Eu sou” com sete impressionantes metáforas que expressam sua relação salvado­ra com a humanidade:

“ EU SOU o Pão da V ida” (6:35, 41, 48, 51).“ EU SOU a Luz do Mundo” (8:12).“ EU SOU a porta das ovelhas” (10:7, 9).“ EU SOU o Bom Pastor” (10:11, 14).“ EU SOU a Ressurreição e a V ida” (11:25).“ EU SOU o Caminho, a Verdade e a V ida” (14:6).“ EU SOU a videira verdadeira” (15:1, 5).

A mensagem do Senhor fo i fundamentalmente Ele mesmo. Jesus não veio simplesmente pregar um evangelho; Ele é o evange­lho. Ele não veio apenas dar pão; Jesus disse: “ Eu sou o pão” . Nãoveio só irradiar luz, pois afirmou: “ Eu sou a luz” . Não mostrou so­mente a porta; Ele disse: “ Eu sou a porta” . Não veio para nomear um pastor, mas disse: “ Eu sou o pastor” . Jesus não veio para apon­tar o caminho; Ele disse: “ Eu sou o caminho, a verdade e a vida” . Ele não veio simplesmente para plantar uma vinha, pois declarou: “ Eu sou a videira” .

Os outros pronunciamentos “ Eu sou” do Senhor parecem igualmente conter uma profunda implicação, embora mais latente

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do que aparente. No grego, “ Eu sou” é ego eimi. Tanto ego co­mo eimi significam “ Eu sou” ; mas o primeiro enfatiza “ eu” e o ú ltim o “ sou". Assim sendo, ego eimi expressa o ser pessoal da maneira mais positiva possível. E a expressão grega para o nome divino “ EU SOU” . Vamos repetir as referências: 4:26; 6:20; 8:18, 24, 28, 58; 13:19; 18:5, 6, 8.

Vejamos a primeira delas (4:26). O que o Senhor diz literal­mente à mulher de Sicar não é “ Eu o sou, eu que falo contigo” (i.e., o Messias) como traduzido na Versão Atualizada de Almei­da; mas “ EU SOU, eu que falo contigo” . Em alguns desses versí­culos os tradutores aparentemente tiveram dificuldade em deci­d ir sobre a inserção do “ Ele” ou não, colocando-o então apenas em itálico. Não queremos fazer qualquer pressão indevida, toda­via parece certo que em alguns desses pronunciamentos o Senhor usa EGO EIMI com um máximo de implicação. Veja as referências e verifique.

Tudo isto recebe naturalmente apoio por parte das reivindi­cações e suposições majestosas do Senhor,jjue encontram expres­são periódica através deste evangelho. Tomemos, por exemplo, a passagem que começa no capítulo 5:19. Esta resposta tremenda aos líderes judeus é introduzida pela explicação: “ Por isso, pois, os judeus ainda mais procuravam matá-lo, porque (Ele) ... mas tam­bém dizia que Deus era seu próprio Pai, fazendo-se igual a Deus” (v. 18). Surge imediatamente a pergunta: Jesus realmente quis fa­zer-se “ igual a Deus” ? Vamos ver. Ele afirma igualdade aqui em sete pontos.

1. Igual no trabalho

2. Igual em conhecimento

3. Igual na ressurreição

“ Porque tudo o que este (o Pai) fizer, o Filho também semelhantemente o faz”(v. 19).“ Porque o Pai ama o Filho e lhe mostra tudo o que faz” (v. 20).“ Pois assim como o Pai res­suscita e vivifica os mortos, assim também o Filho v iv ifi­ca aqueles a quem quer” (v. 21 com vs. 28, 29).

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4. Igual ao jufzo “ E o Pai a ninguém julga, mas ao Filho confiou todo o julga­mento” (v. 22 com v. 27).

5. Igual em honra “ A fim de que todos honrem o Filho, do modo que honram o Pai” (v. 23).

6. Igual em regeneração “ Quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou... passou da morte para a vida” , etc. (vs. 24, 25).

7. Igual em auto-existência “ Porque assim como o Pai tem vida em si mesmo, também concedeu ao Filho ter vida em si mesmo” (v. 26).

Quem pode ler alegações como essas sem ver nelas as suposi­ções de uma tal unidade com o Pai eterno, indicativa de qualidade essencial? Os líderes judeus compreenderam suficientemente as suas reivindicações, e João quer que nós também as compreenda­mos claramente.

Os limites que nos impusemos só permitirão mais alguns pa­rágrafos sobre este quarto evangelho. Para nossa própria decep­ção, não encontramos lugar onde discorrer sobre a pessoa do após­tolo João, sua ligação com Efeso e as circunstâncias que provavel­mente o levaram a escrever este evangelho que leva o seu nome.

Ao terminar, voltamos nossa atenção para outra daquelas de­clarações do prólogo:

“ E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, cheio de gra­ça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigé­nito do Pai” (1:14).

Esta “ plenitude” é outra das ênfases repetidas de João e vale­rá a pena estudá-la mais a fundo. Ela ocorre de novo no prólogo: “ Porque todos nós temos recebido da sua plenitude” (1:16). A

“Cheio de Graça e de Verdade”

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plenitude é personificada, a fim de poder ser transmitida. Duas li­nhas percorrem os capítulos seguintes: (1) plenitude de graça pa­ra restaurar; (2) plenitude de verdade para revelar. A primeira ocorre através de suas obras-, a segunda através de suas palavras.

Mas a característica para a qual chamamos atenção especial aqui é a de que a “plenitude” é atribuída ao Senhor depois de Ele ter-se encarnado. Isto, portanto, é uma refutação imediata pela Bíblia da chamada teoria da “ kenosis” , a qual sugere que o Senhor “esvaziou-se” (Fp 2:7) praticamente até o ponto da falibilidade humana comum.

O Cristo “ kenosis” dos críticos não é certamente o Senhor JESUS dos escritores dos evangelhos. Segundo o primeiro ponto de vista, o conhecimento do Senhor era “adequado para o ensino das doutrinas do seu reino, mas não se estendia às questões de eru­dição e crítica” . Para eles “ Jesus fala como qualquer outro ho­mem” . Mas, segundo João e os sinóticos, não era absolutamente assim.

Estamos nos referindo aqui apenas ao testemunho de João e bem resumidamente; todavia, mesmo poucas referências já serão suficientes. O terceiro capítulo imortal é introduzido com a expli­cação: “ Jesus... os conhecia a todos. E não precisava de que al­guém lhe desse testemunho a respeito do homem, porque ele mes­mo sabia o que era a natureza humana" (2:24, 25). Ele não só co­nhecia “ todos” os homens individualmente, mas a “ natureza” do homem constitucionalmente. O que era isso senão um conhe­cimento sobrenatural, excedendo todos os limites humanos?

Relembramos o episódio em que Ele conta à mulher de Si- car todo o seu passado; a cura do filho do oficial do rei feita à distância de um dia de viagem; o fato de saber que Lázaro acaba­ra de morrer, em Betânia, a cinqüenta milhas de distância; sua informação a dois dos discípulos de que encontrariam num certo lugar um jumento amarrado, do qual precisava — isso sem mencio­nar outros incidentes.

Podemos lembrar também de alguns de seus pronunciamen­tos sobre a sua própria pessoa-. “ Antes que Abraão existisse, EU SOU” (8:58); “ Eu sou... A VERD AD E” (14:6); e profecias que prevêem o futuro próximo e distante (2:19; 3:14; v. 28; 12:32; 14:3; 15:26; 16:1-4, etc.). Pensamos nessas coisas, além de muitas outras evidências, e a conclusão inevitável se apresenta diante de

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nós, em lugar de um “esvaziar-se” até nosso simples nível humano, existe uma PLENITUDE sobrenatural.

Concedemos prontamente que o Senhor tenha suspendido a atividade de seus atributos divinos em algumas direções durante sua vida na terra; mas que Ele pudesse existir em separado deles é absolutamente inconcebível. Fazer com que a sua encarnação O esvaziasse de seus atributos divinos não indicaria que “ o Verbo se fez carne”, mas que o VERBO morreu — uma idéia tão injuriosa quanto absurda.

O exórdio de João sobre a vinda do Verbo em carne é a Es­critura interpretativa da passagem “ kenosis” de Paulo em Filipen- ses. Os dois trechos devem ser estudados lado a lado. Não que haja qualquer incerteza sobre a intenção de Paulo em Filipenses 2:5-8. A “ kenosis” ou auto-esvaziamento, está ligada apenas à “ forma’-’ (morphê) ou expressão, e não à distância (vs. 6, 7). Quando o Se­nhor “esvaziou-se” (ekenõsen) com o propósito da encarnação, Ele separou-se da expressão pré-encarnada de Si mesmo, i.e., da “G LÓ R IA ” que tinha com o Pai “ANTES QUE HOUVESSE MUNDO” (Jo 17:5).

Não podemos compreender o mistério dessa profunda transi­ção em que Ele despiu-se dessa “glória” pré-cósmica, mas pode­mos compreender que Ele não quis e nem podia desligar-se daqui­lo que é eternamente. Não nos é possível penetrar na dualidade psíquica desse Deus-Homem, mas com as copiosas evidências dian­te de nós podemos aceitar racionalmente que o Ego era o LOGOS encarnado; que a natureza humana incorporada é que foi dotada sobrenaturalmente pelo Espírito, tornando-se assim a parte huma­na um perfeito veículo para o Ego Divino.

Eleve novamente os olhos para o Cristo deste quarto evangelho. Em lugar do simplesmente natural existe o sobrenatural sempre presente. Em lugar de um “ esvaziamento” vemos um enchimento infinito. Em oposição à “ kenosis” vemos um PLEROMA divino — Aquele que é “ corporalmente toda a plenitude da divindade” (Cl 2:9). Veja isso em todo o milagre — “ cheio de graça” . Ouça em toda mensagem — “ cheio de verdade” . Siga essa linha de pensa­mento e passará a apreciar as palavras de João como nunca o fez antes — “Vejam a sua glória".

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Um Retrospecto Final

Ao terminamos os quatro evangelhos compreendemos nitida­mente a insuficiência desses rápidos estudos; consolamo-nos, toda­via, com a idéia de que foram úteis para uma pesquisa e podem ter indicado caminhos atraentes para outros estudos. Como vimos, cada um dos quatro evangelhos tem o seu aspecto ou ênfase dis­tinto ao apresentar o Senhor Jesus. É importante destacar exces-. sivamente as linhas demarcatórias; mas as ênfases respectivas es­tão certamente ali e é lamentável negligenciá-las, pois constroém um belíssimo conjunto de quatro faces. Agora que já passamos pe­los quatro, vamos fazer um retrospecto e focalizar claramente o esboço quádruplo:

Mateus O Prometido está aqui;

Oh, que maravilhoso Salvador! Como devemos dar-lhe valor, amá-lo, exaltá-lo, dar testemunho dele, e ansiar por aquele dia em que O veremos! Ele é a “ plenitude” de suprimento para todas as nossas necessidades. A plenitude acha-se incorporada nEle, para que possa ser transmitida a nós. “ Todos recebemos de sua plenitu­de” . Vamos manter-nos recebendo, pois Ele veio para que “ tenha­mos vida... em abundância” (Jo 10:10).

Continuemos a servi-lo. Suas palavras de despedida, no final do evangelho de João, nos deram as três qualificações vitais para isto. Primeiro, “Tu me amas?” (21:15, 16, 17); segundo, “ Pasto­reia as minhas ovelhas... Apascenta as minhas ovelhas” (15, 16); terceiro, “ Segue-me” (19, 22).

Essas são realmente as três qualidades essenciais — um amor profundo por Ele, um senso de sua comissão para nós, e um seguir dedicado, com os olhos postos sempre naquela belíssima esperan­ça da qual Ele mesmo fala, exatamente na última sentença do

João

Marcos

Lucas

veja as suas credenciais.Era assim que Ele operava:

veja o seu poder.Ele tinha este aspecto;

veja a sua natureza.Este é quem Ele realmente era;

veja a sua Divindade.

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evangelho de João:

“ATÉ QUE EU VEN H A”.

PERGUNTAS FINAIS

1. De que forma João completa a apresentação que os Sinóticos fazem do Senhor?

2. De que três maneiras especiais J oão lança luz sobre os outros evangelhos?

3. Quanto tempo se passou entre o batismo do Senhor e sua via­gem pela Galiléia?

4. O ministério na Galiléia se encaixa no final de que capítulo do livro de João?

5. Por que é improvável que a Festa mencionada em João seja a Páscoa ou a dos Tabernáculos?

6. João registra três Páscoas. Isto tem influência sobre a duração do ministério do Senhor?

7. Qual o plano básico do evangelho de João, dividido em três partes?

8. Quais os versículos centrais e o tema do evangelho de João?9. Quais são os oito milagres? E qual a idéia principal que ocor­

re através deles?10. De que maneira as designações “ Verbo” e “ Filho” comple­

tam e protegem uma à outra?11. Quais as sete metáforas “ EU SOU” do Senhor e onde se en­

contram?12. Como o prólogo de João corrige a errada teoria da “ kenosis?”