evoluÇÃo da pesquisa clÍnica nacional e das … e biologicas... · para a elaboração da...
TRANSCRIPT
EVOLUÇÃO DA PESQUISA CLÍNICA NACIONAL E DAS MEDIDAS DE
REGULAÇÃO PELOS CONSELHOS DE ÉTICA E ANVISA
Cássia Silveira Assis Barros1
Carina Rau2
Resumo
O investimento na Pesquisa Clínica Nacional é uma estratégia importante para o incentivo de atividades de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) nas indústrias farmacêuticas nacionais, e que deve ser melhor explorada pelo Ministério da Saúde. A capacitação dos profissionais desta área, principalmente na elaboração do protocolo de todas as quatro fases do estudo clínico, permitirá que pesquisas direcionadas às doenças que acometem a população, e que não são de interesse de investimento das multinacionais, sejam priorizadas. O objetivo deste trabalho foi, por meio de uma revisão bibliográfica de artigos publicados nos últimos 11 anos e de análise de dados publicados nos sites dos órgãos reguladores ANVISA, CEP, CONEP e do Ministério da Saúde, foi pesquisar o perfil das organizações/centros de pesquisa clínica do país, assim como o histórico da evolução da regulação desta área. Também foram levantadas informações sobre o número de protocolos clínicos sujeitados à aprovação da ANVISA na última década e às quais fases da pesquisa clínica eles pertenciam.O Ministério da Saúde juntamente com a ANVISA devem ocupar um lugar central na política de pesquisa clínica e desta forma aproximar a agenda de pesquisa com as prioridades e necessidades públicas, visando o desenvolvimento das áreas de pesquisa de novos medicamentos nas universidades em parceria com as indústrias nacionais.
Palavras-chaves: Pesquisa Clínica, ANVISA, Ministério da Saúde e pesquisa e
Desenvolvimento.
Abstract
Investment in the Clinical Research National is an important strategy for encouraging P&D in the national pharmaceutical industry, and that could be better exploited by the Ministry of Health. Training of professionals in this area, especially in developing the protocol of all four phases of the clinical trial, will allow research directed to diseases affecting the population, and that are not targeted from the multinationals Investments. The objective this paper was through a literature review and analysis of published data, on the websites of the regulatory bodies ANVISA, CEP and CONEP and the Ministry of Health, the profile of such were surveyed, as well as the history of the evolution of regulation of this area, in the last 11 years. There were also raised information about the number of clinical protocols subject to approval by ANVISA in the last decade and about which phases of clinical research they belonged to. The Ministry of Health together with the ANVISA should to occupy a central place in the policy of clinical research and in this way bring the agenda of research with priorities and public needs, seeking the development of the areas of new drug research in universities in partnership with industry national.
Keywords: Clinical Research, ANVISA, Ministry of Health and P&D.
___________________________ 1
Farmacêutica Bioquímica Industrial graduada pela Universidade Federal de Ouro Preto e aluna do curso de
Especialização em Vigilância Sanitária pelo IFAR/PUC de Goiás. 2
Farmacêutica Industrial graduada pela Universidade Federal do Paraná – UFPR; Mestre em Ciências
Farmacêuticas pela UFPR. Professora do Curso de Farmácia do Centro Universitário Campos Andrade –
UNIANDRADE. E-mail: [email protected]
1. INTRODUÇÃO
A Pesquisa Clínica é uma área de atuação relativamente nova no Brasil, com
crescente interesse tanto por parte de pesquisadores inseridos nas instituições acadêmicas
universitárias, como por parte da iniciativa privada, principalmente das indústrias
farmacêuticas que vêm desenvolvendo novos fármacos (ACCETTURI; LOUSANA, 2002).
Atualmente, um grande número de indústrias estrangeiras está utilizando os centros
de pesquisa do território nacional para execução dos protocolos de estudos clínicos de
novos medicamentos. O fortalecimento da pesquisa clínica no Brasil implica a criação,
expansão ou consolidação de novos centros, em especial na recuperação dos hospitais
universitários e do fortalecimento do vínculo entre ensino e pesquisa (ZAGO, 2004).
De acordo com o Ministério da Saúde (MS) atualmente, há inúmeros protocolos de
pesquisa clínica em andamento no país. A grande maioria destes protocolos são relativos às
prioridades dos laboratórios contratantes. A participação dos pesquisadores brasileiros,
nestes estudos, têm se restringido à execução de protocolos desenvolvidos em outros
países, além disso, a análise dos dados, bem como a sua apropriação, estão integralmente
no âmbito das firmas contratantes (BRASIL, 2011a).
Os centros de pesquisa clínica no país possuem, hoje em dia, experiência maior na
execução dos testes clínicos, devido à necessidade de atender à demanda de
multinacionais farmacêuticas, prejudicando desta forma a capacitação dos centros de
pesquisa e também dos órgãos no planejamento, execução e avaliação dos estudos,
principalmente dos ensaios clínicos da fase I. A pesquisa clínica nacional apresenta alta
capacitação na realização dos ensaios clínicos da fase III, razoável nas fases II e IV e ainda
é incipiente na I, para o qual existem poucos centros com experiência (QUENTAL; FILHO,
2006).
Acredita-se que o investimento na capacitação nacional em ensaios clínicos é
importante para o desenvolvimento de novos medicamentos para tratar de enfermidades de
importância nacional e que são negligenciadas pela indústria farmacêutica nacional
(QUENTAL; FILHO, 2006), e concomitantemente os órgãos reguladores e comitês de ética
devem também acompanhar esse desenvolvimento na área da pesquisa clínica.
A regulação brasileira sobre pesquisa clínica (conjunto de resoluções do Conselho
Nacional de Saúde - CNS) sob o foco bioético é bastante avançada, podendo ser
considerada em nível de igualdade com os países mais desenvolvidos. Por outro lado, a
regulação sanitária (ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária) começou muito
tímida, com uma visão restrita ao controle de entrada no Brasil, para fins de pesquisa
clínica, de produtos sobre vigilância sanitária não registrados no país e hoje apresenta uma
grande evolução na área em questão (NISHIOKA, 2006).
O objetivo deste trabalho é, por meio de revisão bibliográfica, conhecer melhor o
perfil atual e a evolução da pesquisa clínica no país e como os órgãos reguladores
fiscalizam e controlam os protocolos de estudos clínicos elaborados e executados pelos
centros de pesquisa. Foram vários os fatores que levaram a uma tímida participação das
indústrias farmacêuticas nacionais na pesquisa clínica de novos medicamentos e alguns
deles serão discutidos neste artigo.
2. METODOLOGIA
Para a elaboração da presente revisão bibliográfica foi realizada uma busca na
literatura baseada em artigos científicos de sites especializados em pesquisas na área da
saúde, da análise de normas reguladoras direcionadas à pesquisa clínica e publicações em
sites do MS, dos Conselhos de Ética em Pesquisa (CEP), do Conselho Nacional de Ética
em Pesquisa (CONEP) e da ANVISA. Realizou-se um estudo descritivo de caráter
retrospectivo da evolução da pesquisa clínica nacional e da regulação desta área.
Optou-se por artigos publicados entre o período de 2000 a 2011. A busca foi feita por
meio das palavras chaves: Pesquisa Clínica, ANVISA, Ministério da Saúde e P&D nas bases
de dados Scientific Library online (Scielo), Library of Medicine e Descritores em Ciências da
Saúde (DECs/BIREME), e em outras fontes de dados como livros e no marco regulatório
brasileiro.
3. DISCUSSÃO
3.1 PESQUISA CLÍNICA
O desenvolvimento de um novo medicamento é um processo longo, trabalhoso e de
custo elevado. A cada 10.000 moléculas identificadas com potencial terapêutico,
aproximadamente 1.000 chegam à fase de investigação pré-clinica, e dessas, apenas 10
serão estudadas em seres humanos e somente uma delas chegará ao mercado, após
aprovação e registro para uso terapêutico. Esse processo tem duração aproximada de 10 a
12 anos e custo superior a 300 milhões de dólares (ACCETTURI; LOUSANA, 2002).
O processo de desenvolvimento de um medicamento se divide em cinco fases, cujas
características principais estão especificadas no quadro abaixo (Quadro 1).
Antes de iniciar os testes clínicos em humanos os protocolos referentes aos testes
que serão efetuados devem ser previamente aprovados pelas instâncias regulatórias
nacionais ANVISA, CEP e CONEP.
Fase Sujeito Número de
participantes Objetivo principal
Pré-clínica Animais de laboratório
Variável Verificar efeitos
farmacológicos/terapêuticos e toxicidade em animais
Fase I Voluntários
sadios 20 a 100
Segurança, farmacocinética e farmacodinâmica
Fase II Enfermos 100 a 300 Segurança, eficácia e dosagem
Fase III Enfermos 300 a 1000 Eficácia comparativa e segurança
Fase IV Enfermos Mais de 1000
Ampliar experiência em eficácia e segurança.
Vigilância farmacológica e comercialização.
Quadro 1: Fases de desenvolvimento de novos fármacos Fonte: ACCETTURI; LOUSANA, 2002
Para o novo medicamento obter o registro e a liberação para comercialização é
necessário o encaminhamento para os órgãos reguladores da documentação referente ao
testes pré-clínicos e testes clínicos das fases I, II e III. Após verificação e aprovação dos
dossiês referentes a estes testes o novo medicamento poderá ser comercializado e deverá
ser iniciado estudos da fase IV, também denominados como vigilância pós-comercialização,
com o objetivo de detectar a incidência de reações adversas pouco frequentes ou não
esperadas, determinar os efeitos da administração do produto a longo prazo, avaliar o
produto em populações não estudadas nas fases anteriores e estabelecer possíveis novos
usos para o produto (ACCETTURI; LOUSANA, 2002).
Os medicamentos genéricos e similares são isentos da necessidade da realização
dos testes clínicos, sendo que os testes clínicos de fase I, II e III já realizados para os
medicamentos os quais eles são “cópias” serão válidos para os mesmos a partir do
momento em que for realizado o teste de bioequivalência entre os dois e comprovada a sua
intercambialidade (RUMEL; NISHIOKA; SANTOS; 2006).
O teste de bioequivalência poderia ser considerado “grosseiramente” “uma pesquisa
clínica simplificada”, onde o medicamento de referência e o medicamento ao qual deseja-se
comprovar a intercambialidade com o de referência, serão administrados em pacientes
sadios e avaliada a semelhança na biodisponibilidade das duas drogas, comparando-se as
velocidades de absorção, distribuição e eliminação (RUMEL; NISHIOKA; SANTOS; 2006). A
bioequivalência é de suma importância para a farmacologia, uma vez que, através dela
asseguramos a eficácia e segurança da droga testada comparativamente ao medicamento
de referência.
3.2. CENTROS DE PESQUISA CLÍNICA E A CAPACITAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DA
ÁREA
A pesquisa clínica vem se desenvolvendo no cenário nacional, sobre tudo após a
criação das leis dos genéricos e mais recentemente pela RDC 133/03 que passou a exigir
que todas as empresas detentoras de registros de medicamentos similares para uso oral
realizassem os teste de bioequivalência para renovação do registro. A regulamentação criou
uma firme demanda por testes de bioequivalência e biodisponibilidade por parte das
empresas nacionais. Em 2005, poucos centros de pesquisa, entretanto, cobriam essa
demanda: 78% dos estudos realizados em 2005 foram realizados por 5 dos 24 centros
credenciados para tal (QUENTAL; FILHO, 2006).
Com relação à pesquisa clínica de novos medicamentos, de acordo com MS, os
protocolos desenvolvidos no País são relativos a laboratórios estrangeiros contratantes e as
prioridades do Sistema Único de Saúde (SUS) encontram-se, em geral, negligenciadas. A
participação dos pesquisadores brasileiros têm se restringido à execução de protocolos
desenvolvidos em outros países e a análise dos dados, bem como a sua apropriação, estão
integralmente no âmbito das firmas contratantes. Por outro lado, do ponto de vista da
ANVISA, as pesquisas clínicas patrocinadas por empresas de capital estrangeiro pode
oferecer informações sobre eficácia e segurança desses produtos nas condições locais em
nossa população além de que propicia treinamento a investigadores brasileiros e é campo
de trabalho para profissionais graduados em ciência da saúde (NISHIOKA; SÁ, 2006).
O MS em parceria com o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) criou a Rede
Nacional de Pesquisa Clínica em Hospitais de Ensino (RNPC) com o intuito de promover
melhores práticas de pesquisa voltadas às necessidades do (SUS). A rede prioriza o
desenvolvimento de ensaios clínicos de medicamentos, procedimentos, equipamentos e
dispositivos diagnósticos, de interesse para o SUS (BRASIL, 2011a).
Em 2009, 32 centros de pesquisa públicos encontravam-se vinculados ao RNPC,
que foi idealizado com o objetivo de incentivar a integração dos centros de pesquisa clínica
para proporcionar maior intercâmbio entre pesquisadores e incrementar a produção
científica e tecnológica em território nacional. O objetivo é que a capacitação regional
proveniente da integração nacional dirigida promova a aceleração do crescimento e da
capacidade científica de cada um destes centros. Desse modo, eles estarão aptos a
desenvolver ferramentas próprias com capacidade de solucionar desafios específicos do
nosso país (BRASIL, 2011 a).
A capacitação dos profissionais da área e o investimento em infraestrutura dos
centros de pesquisa são de suma importância para que as indústrias farmacêuticas
nacionais possam competir no terreno da inovação, através de estratégias menos custosas
e arriscadas, além de ser o único caminho para o desenvolvimento de medicamentos para
enfermidades de importância nacional e negligenciadas pelas indústrias internacionais
(QUENTAL; FILHO, 2006).
De acordo com os dados divulgados pela ANVISA no site portal.anvisa.gov.br, o
número de estudos clínicos submetidos ao órgão regulador e o número de aprovações se
mostraram durante o período entre 2003 e 2011, conforme o Gráfico 1.
Gráfico 1 – Número de estudos clínicos submetidos à ANVISA e aprovações
Fonte: BRASIL, 2011c
Nos gráficos abaixo (Gráficos 2 e 3), visualiza-se o perfil dos estudos clínicos submetidos à
ANVISA durante o mesmo período, de 2003 a 2011. Formatar os outros dois gráficos de
acordo com a formatação do texto e normas de metodologia científicas do IFAR.
Gráfico 2 – Porcentagem de estudos clínicos patrocinados por empresas multinacionais x empresas
nacionais
Fonte: BRASIL, 2011c
Gráfico 3 – Distribuição das fases de estudos clínicos submetidos à aprovação da ANVISA
Fonte: BRASIL, 2011c
3.3 REGULAÇÃO DA PESQUISA NO PAÍS
Atualmente, para dar sequencia às etapas da pesquisa clínica no país, os protocolos
de estudo devem estar previamente aprovados pela ANVISA, CONEP e CEP.
O primeiro regulamento sobre pesquisa clínica no Brasil que já requeria aprovação
ética para realização de ensaios clínicos em seres humanos foi a resolução nº. 1 do CNS de
13 de junho de 1988, porém, essa norma teve pouco impacto e foi revogada pela resolução
196 do CNS de 10 de outubro de 1996. A resolução 196 atribuía a aprovação dos ensaios
clínicos a nível local aos CEPs e determinava a criação da CONEP (NISHIOKA, 2006).
Foram criadas novas regulamentações complementares à Resolução 196/1996 que
foram, em 1997 a resolução nº. 251 – que aprovou normas de pesquisa envolvendo seres
humanos na área de pesquisa com novos fármacos, medicamentos, vacinas e testes
diagnósticos – e, em 1999 a resolução nº. 292 – complementou a resolução 196 na área
específica sobre pesquisa em seres humanos, coordenadas do exterior ou com participação
estrangeira e pesquisas que envolvam remessa de material biológico para o exterior
(NISHIOKA, 2006).
O CNS publicou outras resoluções pertinentes à pesquisa clínica entre 2000 e 2004,
e em 2004 foi criada a RDC nº. 219 que atribuía à ANVISA a aprovação do regulamento
para elaboração de dossiê para obtenção de Comunicado Especial (CE) para realização de
pesquisa clínica com medicamentos e produtos para saúde, que substituiu a portaria nº.
911/99. Por meio desta resolução, estudos com medicamentos e produtos para saúde
fabricados no Brasil também devem ser submetidos à avaliação da vigilância sanitária, e
dados pré-clínicos e de estudos clínicos de fases anteriores ao protocolo devem ser
apresentados para dar subsídio à sua avaliação (NISHIOKA, 2006).
Foram publicadas outras resoluções relacionadas à pesquisa clínica ao longo dos
últimos anos, descritas no Quadro 2 (NISHIOKA, 2006). Vale mencionar também a Lei nº.
9787/1999 (Lei dos Genéricos), pois o grande incentivo dado pelo MS para o
desenvolvimento de medicamentos genéricos fez com que crescesse a fiscalização por
parte da ANVISA em centros de bioequivalência nacionais e internacionais, e os mesmos só
poderiam realizar os testes após receber a certificação desta agência.
Ano Norma Emissor Pontos principais Situação
1976 Lei n. 6360 Congresso nacional
Vigilância sanitária de medicamentos, drogas, insumos farmacêuticos, correlatos, cosméticos, saneantes e outros produtos.
Vigente
1988 Resolução n. 1
CNS Aprova normas de pesquisa em saúde. Revogada
1996 Lei n. 9279 Congresso nacional
Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial.
Vigente
1996 Resolução n.196
CNS Requisitos para realização de pesquisa clínica de produtos para saúde utilizando seres humanos
Vigente
1997 Resolução n.240
CNS Define representação de usuários nos CEPs Vigente
1997 Resolução n. 251
CNS Pesquisa envolvendo seres humanos para a área temática de pesquisa com novos fármacos, medicamentos, vacinas e testes diagnósticos
Vigente
1998 Portaria n. 911
SVS Documentos necessários à instrução de pedidos de autorização para realização de Pesquisa Clínica
Revogada
1999 Lei n. 9782 Congresso Nacional
Define o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, cria a ANVISA
Vigente
1999 Lei n. 9787 Congresso Nacional
Medicamentos Genéricos Vigente
1999 Resolução n.292
CNS Pesquisas coordenadas do exterior/com participação estrangeira: remessa material biológico
Vigente
2000 Resolução n.303
CNS Reprodução Humana Vigente
2000 Resolução n.304
CNS Pesquisas em povos indígenas Vigente
2004 Resolução n.304
CNS Genética Humana Vigente
2004 RDC n.219 ANVISA Pesquisa Clínica com medicamentos e produtos para saúde
Vigente
2005 Resolução n. 346
CNS Projetos multicêntricos Vigente
2005 Resolução n. 347
CNS Armazenamento de materiais ou uso de materiais armazenados em pesquisas anteriores
Vigente
Quadro 2: Principais normas brasileiras pertinentes à pesquisa clínica
Fonte: NISHIOKA, 2006
3.3.1 Comitê de Ética em Pesquisa (CEP)
O número de CEPs no país vem crescendo à medida que novas solicitações de
registro continuam chegando à CONEP. Antes da resolução 196/96 o país possuía menos
de cinco CEPs no país e após a resolução esse número elevou-se a um número superior a
300 comitês (ACCETTURI; LOUSANA, 2002).
Conforme a Res. 196/96, os CEPs devem ser compostos pelo menos por sete
membros, de formação profissional diferente e suas atividades serão exercidas
voluntariamente sem qualquer tipo de remuneração. São incumbências dos CEPs:
Analisar os projetos encaminhados: o CEP tem o prazo máximo de 30 dias
para emitir um parecer sobre o projeto em análise e, baseado em seu regimento interno,
este conselho definirá o fluxo interno do dossiê.
Encaminhar o projeto ao CONEP após ter analisado.
Encaminhar para a ANVISA os projetos referentes a novos medicamentos e
produtos para saúde a fim de que sejam liberados o CE e licença de importação.
Acompanhar os projetos por ele analisados, enquanto estes não tiverem sido
encerrados
3.3.2 Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP)
A CONEP está diretamente ligada ao CNS. Ela foi criada pela Resolução do CNS
196/96 como uma instância colegiada, de natureza consultiva, educativa e formuladora de
diretrizes e estratégias no âmbito do Conselho. Além disso, é independente de influências
corporativas e institucionais. Uma das suas características é a composição multi e
transdisciplinar, contando com um representante dos usuários (BRASIL, 2011b).
Ela é composta por 13 membros e 13 suplentes, também de formações profissionais
diferentes, que trabalham voluntariamente e com mandatos de quatro anos de duração. A
CONEP, assim como a ANVISA, pode se valer do auxílio de consultores ad hoc (são, em
geral, especialistas, pesquisadores e/ou professores universitários de reconhecida
competência, que não devem ter conflitos de interesse) para avaliação de protocolos ou
temas de maior complexidade (NISHIOKA, 2006).
A CONEP tem como principal atribuição o exame dos aspectos éticos das pesquisas
que envolvem seres humanos. Como missão, elabora e atualiza as diretrizes e normas para
a proteção dos sujeitos de pesquisa e coordena a rede de Comitês de Ética em Pesquisa
das instituições (BRASIL, 2011b).
Cabe à CONEP avaliar e acompanhar os protocolos de pesquisa em áreas temáticas
especiais como: genética e reprodução humana; novos equipamentos; dispositivos para a
saúde; novos procedimentos; população indígena; projetos ligados à biossegurança e como
participação estrangeira e também se constitui em instância de recursos para qualquer das
áreas envolvidas (BRASIL, 2011b).
3.3.3 Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)
A gerência interna da ANVISA voltada para a pesquisa clínica é denominada de
GEPEC (Gerência de Pesquisa e ensaios clínicos) e a mesma encontra-se subordinada à
Gerência-Geral de Medicamentos (GGMMED).
A ANVISA, por meio da GEPEC, é responsável pela avaliação dos protocolos
clínicos quanto aos aspectos metodológicos, ao risco sanitário e quanto ao correto
endereçamento das questões pertinentes às avaliações futuras do registro dos produtos em
investigação. A autorização da entrada no Brasil de produtos ainda não registrados,
originados de outros países, destinados a estudos clínicos também é atribuição da ANVISA
(NISHIOKA, 2006).
Vale destacar as peculiaridades da sistematização da análise dos dossiês de
pesquisa clínica na GEPEC, considerando que ela ocorre somente após eles terem sido
aprovados pelos CEPs, que os avaliam em nível local, e é feita em paralelo com a CONEP,
sempre que se faça necessária a avaliação por esta comissão, como é o caso da grande
maioria dos ensaios clínicos patrocinados do exterior (NISHIOKA, 2006).
3.3.4 Perspectiva da Regulação da Pesquisa Clínica no Brasil
No Brasil, os estudos clínicos ainda são considerados recentes e certamente as
instâncias regulatórias nacionais estão buscando um melhor acompanhamento e
entrosamento com o processo de condução de um protocolo de pesquisa clínica como um
todo, de forma que, questões como os fluxos operacionais e a própria legislação, poderão
ser revistas e atualizadas dentro dos próximos anos (ACCETTURI; LOUSANA, 2002).
Visa-se futuramente melhorar o acompanhamento dos ensaios clínicos, uma vez que
atualmente ele é feito apenas através de notificações de eventos adversos e de relatórios
periódicos que lhe são submetidos (NISHIOKA; SÁ, 2006).
Consultas públicas estão sendo realizadas para que toda classe evolvida com a
pesquisa clínica nacional possam opinar quanto à regulação vigente, de forma que as
instâncias passem a atuar de forma mais ágil e eficiente, ou seja, diminuindo a burocracia e
aperfeiçoando o controle sanitário (NISHIOKA; SÁ, 2006).
3.4 FOCO DA PESQUISA CLÍNICA NACIONAL
Atualmente a indústria farmacêutica ocupa uma posição insubstituível no cenário
médico atual, pois, é ela quem põe a disposição de pacientes e médicos os medicamentos
que, em ultima instância, consubstanciam a síntese de grande parte da pesquisa médica e
biológica (ZAGO, 2004),
Os interesses das indústrias farmacêuticas, em grande maioria as indústrias de
capital estrangeira, superpõe os interesses públicos, e toda infraestrutura e mão-de-obra
qualificada é deslocada para o desenvolvimento de novos medicamentos de interesse da
indústria e, as pesquisas voltadas a doenças características da população brasileira são
negligenciadas (ZAGO, 2004).
As alterações ocorridas no perfil demográfico da população brasileira nos últimos
anos trouxeram para lista de prioridades da pesquisa em saúde as doenças
cardiovasculares, neoplasias, doenças mentais, doenças associadas a urbanização,
acidentes e violência, e doenças do envelhecimento. Ainda no Brasil, evidenciamos a
incidência e ou prevalência de endemias importantes no seu quadro epidemiológico:
dengue, malária, esquistossomose, hanseníase, hepatite viral, entre outras (ZAGO, 2004).
O investimento na capacitação de profissionais na área de pesquisa clínica, na
infraestrutura de centros de pesquisa universitários e uma política rígida para
direcionamento das pesquisas para doenças de relevância nacional é a única forma para se
desenvolver medicamentos, vacinas, entre outros, voltado ao tratamento de enfermidades
de importância para o Brasil e que são esquecidas pela indústria farmacêutica internacional
(QUENTAL; FILHO, 2006).
3.4.1 Inovação na área de medicamentos no Brasil
De acordo com Filho e Pan (2003), o desenvolvimento das indústrias farmacêuticas
nacionais ocorreu conforme o cronograma abaixo:
Década de 30 – formação das empresas farmacêuticas brasileiras com
características industriais, a partir das boticas;
Década de 40 e 50 – internacionalização da indústria, com as políticas de
atração das primeiras empresas multinacionais;
1971 – promulgação do Código de Propriedade Industrial pela Lei 5.772, de
21/12/1971, que não reconhecia patentes nem de produtos químicos nem de processos de
obtenção, e criação da Central de Medicamentos (Ceme), órgão do Ministério da Saúde
encarregado de definir as políticas e centralizar as compras governamentais de
medicamentos;
1974 – elaboração da primeira Relação Nacional de Medicamentos
Essenciais (Rename), atualizada em 1999 pela portaria MS 597/99;
1984 – Portaria interministerial número 4, dos Ministérios da Saúde e da
Indústria e Comércio, que estabeleceu medidas de incentivo e proteção à produção interna
de fármacos;
Década de 80 – medidas diversas de controle de preços de medicamentos;
1990 – redução das tarifas de importação de fármacos e medicamentos e
eliminação das restrições e proibições à importação de insumos farmacêuticos;
1991 a 1999 – liberação dos preços de medicamentos;
1996 – promulgação da Lei de Patentes no Brasil;
1998 – Portaria MS 3.916/98, estabelecendo a Política Nacional de
Medicamentos;
1999 – promulgação da Lei de Genéricos, criação da ANVISA, e retomada da
política de administração de preços de medicamentos.
Analisando o cronograma acima, verifica-se alguns motivos pelo qual a Pesquisa Clínica de novos medicamentos não foi interesse de investimento do ramo farmacêutico nacional. A política econômica adotada no país nos anos 50 estimulou a instalação de empresas estrangeiras no Brasil, elevando a participação destas indústrias de 14% do total em 1930, para 35% em 1940, 73% em 1960 e em 2002 para cerca de 70% a 80% do total. Esse movimento obteve como aspecto positivo a elevação dos padrões técnicos e gerenciais da produção brasileira e a redução drástica das importações. Já o aspecto negativo é a cristalização de uma condição de excessiva concentração da produção em um grupo de empresas cujas estratégias no país não contemplam a realização de atividades de inovação, já que esta era realizada na matriz e transferida para as filiais em todo o mundo (FILHO; PAN, 2003).
A partir de 1971, a política de não reconhecimento de patentes pelo Brasil, estimulou
as empresas brasileiras a copiarem os produtos patenteados no país, com sua própria
marca, originando o medicamento similar, com custos mais baixos.
As dificuldades ao desenvolvimento de P&D no setor farmacêutico brasileiro devem-
se principalmente à (CALIXTO, 2008):
- Altos custos e riscos do desenvolvimento de novas drogas tradicionais.
- Elevados custos financeiros (juros) e pouca oferta de capital de risco.
- Longo tempo de maturação dos projetos de P&D no setor industrial.
- Falta de divisões formais de P&D no setor industrial.
- Redução do número de empresas nacionais por incorporação às multinacionais /
transnacionais.
- Pouca experiência na área de inovação tecnológica.
- Ausência de pesquisadores nas empresas.
-Ausência (até recentemente) de um programa nacional com a participação do
governo e suas agências.
O estimulo às empresas nacionais para realização atividades de P&D sempre foi
muito reduzido. A maior facilidade, devido ao custo reduzido, de produzir e comercializar
cópias de produtos patenteados no exterior, em conjunto com a inexistência de uma política
industrial para o setor, a instabilidade econômica crônica, as reduzidas exigências
regulatórias de então e a persistente adoção de políticas de controle de preços casuísticas e
sem qualquer base técnica levou as empresas brasileiras a não investirem na inovação.
4. CONCLUSÃO
São várias as discussões de temas como a bioética, a biossegurança, a pesquisa
realizada em seres humanos, o uso de organismos geneticamente modificados
(transgênicos) na indústria alimentícia e as tantas diferentes técnicas de manipulação, com
influencia direta e indireta para o homem, têm feito não apenas a comunidade científica
mundial, mas também grande parte da sociedade. Cada vez mais, produtos de tecnologias
inovadoras são lançados no mercado, o que causa grande preocupação por parte dos
órgãos reguladores quando ao verdadeiro impacto na saúde coletiva.
De acordo com a revisão bibliográfica realizada, o setor da pesquisa clínica no país
está se desenvolvendo, devido principalmente, ao aumento do número de estudos clínicos
multicêntricos realizados no país. Portanto, são crescentes os números de protocolos
clínicos submetidos à aprovação do CEP, CONEP e ANVISA e estes órgãos reguladores
estão buscando acompanhar a evolução desta área.
Entretanto, o desenvolvimento de estudos clínicos está diretamente relacionado à
capacidade do país de produzir e desenvolver novos medicamentos. No Brasil, 80% dos
estudos de pesquisa clínica para desenvolvimento de novos medicamentos são conduzidos
por empresas multinacionais. Além disso, apenas 4% do total desses estudos são
dedicados a pesquisas clínicas de fase I, ou seja, aquelas em que um novo princípio ativo
de medicamento é testado pela primeira vez em humanos. O MS juntamente com a ANVISA
devem ocupar um lugar central na política de pesquisa clínica e desta forma aproximar a
agenda de pesquisa com as prioridades e necessidades públicas, visando o
desenvolvimento das áreas de pesquisa de novos medicamentos nas universidades em
parceria com as indústrias nacionais.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ACCETTURI, C.; LOUSANA, G. Pesquisa Clínica no Brasil. Rio de Janeiro: Revinter, 2002. BRASIL, 2011a. Ministério da Saúde. Rede Nacional de Pesquisa Clínica em Hospitais de Ensino. Disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/saude/Gestor/visualizar_texto.cfm?idtxt=32475>. Acesso em 12/12/2011. BRASIL, 2011b. CNS. Comissão nacional de ética em pesquisa – CONEP. Disponível em: <http://conselho.saude.gov.br/Web_comissoes/conep/index.html>. Acesso em 12/12/2011.
BRASIL, 2011c. ANVISA. Anvisa divulga perfil de pesquisa clínica de medicamentos no Brasil. Disponível em: <http://portal.anvisa.gov.br/wps/portal/anvisa/anvisa/imprensa/!ut/p/c5/rY_LdqpAEEW_JR9guhoaWobIoxuQ90Nh4lJMUIlCAIPw9dfceTJK1XCvU2cXKtBzb_uvc7Ufzs1t_4G2qJB3GlM5oWsAkFcaWEzyZCn0gSnkyfMfOfjCd9oJucUABMVPljpYJIm44mi-iTHaoC2QXXyZWmuu5-gyh9hLB89bq6Orm4GXYn_QI6u_aFNsNOCBYrvzyk-6cIRewZkZGqpVTZNMXp63il9c_7t8c_hhVEAeb65vKEcF3WVMWHKHYWA2XYFlJNz0wRTtgKLkD51_7ZLIn3bZqDgfrq9jeX2FVyCiIEoiwQomdImXhKBNkMtU761RN7LdI4IprKwLE0bX0sJNrnu2Y-exPYX302Fx69JYXCiqMnT0U8ZufZCiqL3vqH0UL_C5b2atZF3f1XU7Tnq1_bhSmLzOJOZNODyMdyiyx32RQkaK2MmD06EoSW7YE38vZ3MpVWXA38aKuXHfhNnQTswS7vOmF4uEB0BrZ11zLKWrShKOx62Hc8Gw_aPgMRqW21OL45WxGJ2sauTBEGdVltw9C19Qe02_Wj7i57_jPzO9MJs!/dl3/d3/L2dBISEvZ0FBIS9nQSEh/?pcid=556ea08047e5ca90b828ba77df03ca82. Acesso em 03/01/2012.
CALIXTO, J. Desenvolvimento de Medicamentos no Brasil: Desafios, Gazeta Médica da Bahia v. 78 (Suplemento I): p. 98-106, 2008. FILHO, P.; PAN, S.; Cadeia Farmacêutica no Brasil: Avaliação Preliminar e Perspectivas, BNDES Setorial, Rio de janeiro, n.18: p. 3-22, 2003.
NISHIOKA, S. Regulação da Pesquisa Clínica no Brasil: Passado, Presente e Futuro, Pratica Hospitalar, ano VIII, número 48, nov-dez/2006. NISHIOKA, S.; SÁ, P.; A agência nacional de vigilância sanitária e a pesquisa clínica no Brasil, Rev. Assoc. Med. Bras. v.52, n. 1: p. 60-62, 2006.
QUENTAL, C.; FILHO, S. Ensaios clínicos: capacitação nacional para avaliação de medicamentos e vacinas, Rev.Bras. Epidemiol. v. 9, n. 4: p. 408-424, 2006. RUMEL, D.; NISHIOKA, S.; SANTOS, A.; Intercambialidade de medicamentos: abordagem clínica e o ponto de vista do consumidor, Rev. Saúde Pública, v. 40, n.5: p. 921-927, 2006. ZAGO, M. A pesquisa clínica no Brasil, Rev.Ciência & Saúde Coletiva. v. 9 n. 2: p. 363-374, 2004.