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ESTUDOS NEOICNOLÓGICOS II - A UTILIZAÇÃO (PREFERENCIAL) DE EMAS A utilização de animais vivos apresenta várias vantagens relativamente a experiências que apenas utilizam modelos do autopode (pé e/ou mão). Apesar das experiências que utilizam modelos artificiais do pé (Allen 1997; Manning 2004) serem mais fáceis de conduzir e serem mais fáceis de documentar (temos controlo total de todos os parâmetros), falta um factor muito significativo – a interacção dinâmica entre o animal e o substrato (realçada já por Baird em 1957). Utilizando animais vivos, todos os factores que afectam e de onde resultam diferenças no estilo e postura de locomoção, no comportamento individual e no modo de progressão, estão reflectidos nas pegadas e pistas. A primeira comparação de pegadas de ratites com as de teropodes foi feita por Sollas (1879), que comparou moldes de patas de emas e de casuares com o que pensava serem pegadas de aves gigantescas dos conglomerados Triássicos do sul do País de Gales.Com base nas grandes semelhanças, sugeriu que as pegadas poderiam ter sido deixadas por antepassados das ratites (nessa altura os dinossáurios eram conhecidos apenas por material muito escasso). Sollas verificou também que as pegadas das emas variavam conforme o modo de progressão. Para interpretar a icnofauna de origem anfíbia do Pérmico de Coconino Sandstone, no Arizona, muitos trabalhos de comparação com pistas de salamandras e de répteis foram realizados ao longo do tempo. McKee (1947) realizou várias experiências com diferentes tipos de répteis (essencialmente lagartos), subindo e descendo, para simular as antigas dunas. Peabody (1959) realizou uma pesquisa exaustiva em pegadas de salamandras vivas para comparação com pegadas de salamandras do Terceário da Califórnia. A pista fóssil Pteraichnus, descrita por Stokes como tendo sido produzida por um pterossaurio, foi reinterpretada por Padian e Olsen (1984) como tendo origem crocodiliana, depois de terem feito experiências com um caimão progredindo sobre argilas moles. Padian e Olsen (1989) demonstraram que a postura e estilo de locomoção dos teropodes e dos pequenos ornitopodes eram semelhantes às das emas actuais, através da comparação das suas pistas. Farlow (1989) fez

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ESTUDOS NEOICNOLÓGICOS II - A UTILIZAÇÃO (PREFERENCIAL) DE EMAS

A utilização de animais vivos apresenta várias vantag ens relativamente a experiências que apenas utilizam modelos do autopode (pé e/ou mão). Apesar das experiências que utilizam modelos artifici ais do pé (Allen 1997; Manning 2004) serem mais fáceis de conduzir e serem ma is fáceis de documentar (temos controlo total de todos os parâmetro s), falta um factor muito significativo – a interacção dinâmica entre o a nimal e o substrato (realçada já por Baird em 1957). Utilizando animais vivos, todos os factores que afectam e de onde resultam diferenças no estilo e postura de locomoção, no comportamento individual e no modo de progressão, e stão reflectidos nas pegadas e pistas.

A primeira comparação de pegadas de ratites com as de t eropodes foi feita por Sollas (1879), que comparou moldes de patas de em as e de casuares com o que pensava serem pegadas de aves gigantescas dos conglomerados Triássicos do sul do País de Gales.Com base nas grand es semelhanças, sugeriu que as pegadas poderiam ter sido deixadas por a ntepassados das ratites (nessa altura os dinossáurios eram conhecidos apenas por material muito escasso). Sollas verificou também que as pegad as das emas variavam conforme o modo de progressão. Para interpretar a icnofauna de origem anfíbia do Pérmi co de Coconino Sandstone, no Arizona, muitos trabalhos de comparaçã o com pistas de salamandras e de répteis foram realizados ao longo do tempo. McKee (1947) realizou várias experiências com diferentes tipos de ré pteis (essencialmente lagartos), subindo e descendo, para simular as antiga s dunas. Peabody (1959) realizou uma pesquisa exaustiva em pegadas d e salamandras vivas para comparação com pegadas de salamandras do Terceári o da Califórnia. A pista fóssil Pteraichnus, descrita por Stokes como tendo sido produzida por um pterossaurio, foi reinterpretada por Padian e Olsen (19 84) como tendo origem crocodiliana, depois de terem feito experiência s com um caimão progredindo sobre argilas moles. Padian e Olsen (1989) demonstraram que a postura e estilo de locomoção dos teropodes e dos pequenos ornitopodes eram semelhan tes às das emas actuais, através da comparação das suas pistas. Farlo w (1989) fez

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observações semelhantes de pegadas e pistas de uma avestruz; salientou que a avestruz poderá não ser o melhor análogo entre as grandes aves não voadoras para comparação com os teropodes, tendo em co nta que o pé é didáctilo. Para ajudar a interpretar pegadas de teropod es estranhamente colapsadas dos depósitos do Triássico final de James on Land, Groelândia, Gatesy et al. (1999) utilizaram um peru ( Meleagris gallopavo) e um faisão da Nova Guiné ( Numida meleagris), correndo e caminhando em lodos de diferentes consistências, que acabaram por produzir pe gadas com vários graus de colapso. Estes investigadores concluíram que o movimento do pé dos teropodes durante a progressão lenta apresentaria gra ndes semelhanças com o movimento do pé das aves modernas. Estudos rece ntes de Farlow et al. (2000) e de Smith e Farlow (2003) das variações i nterespecíficas em pegadas e na morfologia do pé de ratites e de outras aves cursoriais demonstraram também a importância da incorporação de an álises de animais modernos nos estudos paleoicnológicos. Mais recenteme nte Milán e Bromley (2002a, 2002b) e Milán (2003) demonstraram vários as pectos da formação de pegadas relacionados com variabilidade do substrato através de experiências de laboratório e de campo utilizando emas .

Moldes de pegadas de grandes aves terrestres, vivas e extintas. No sentido dos ponteiros do relógio, a partir do canto superior esquerdo: . pegada de pé direito de uma ema jovem . pegada de pé direito de uma ema adulta. . pegada de pé esquerdo de um casuar . pegada de pé direito de uma avestruz adulta . pegada do pé direito (?) de um mihirung (da Tasmânia) . pegada de um pé direito (?) de uma moa (da Nova Zelândia). . pegada de pé esquerdo de um nandu . pegada de pé direito de um bustardo (retirado de Farlow e Chapman 1997).

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Pé de casuar.

Apesar das semelhanças globais entre pegadas de grand es ratites modernas, elas apresentam diferenças significativas umas das o utras quando examinadas em detalhe, tal como foi confirmado por F arlow e tal. (1997) e por Farlow e Chapman (1997), através de observações de ex emplares em cativeiro e de pegadas produzidas por emas, casuares, nandus, avestruzes e até pelas prováveis pegadas deixadas pelas extintas moas. Estes investigadores verificaram que existem diferenças suf icientes entre estas pegadas de forma que, se tivessem sido encontradas em pegadas fósseis, eram seriam suficientes para distinguir diferentes icnot axa.

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http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Emu_tracks_on_salt_lake.JPG

Porque utilizar emas? As aves, juntamente com os crocodilos, são os únicos Archosauria vivos. Embora aves e crocodilos sejam os parentes vivos um d os outro mais próximos, existem grandes diferenças (morfológicas, f uncionais,…) que os separam. Os dinossáurios estão relacionados muito mai s de perto com as aves do que os crocodilos; e entre eles os teropodes e stão muito mais próximo das aves do que os outros grupos de dinossáu rios.

Cladograma simplificado de Archosauria, com aves e crocodilianos como os únicos arcossaurios vivos. As aves paleognatas e neognatas constituem o grupo coroa de Aves.

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As ratites são as maiores aves terrestres vivas e est ão muito bem adaptadas a uma vida totalmente passada em terra firme. As asas dos kiwis, emas e casuares estão reduzidas e quase que parecem vestígios , enquanto que nandus e avestruzes têm grandes asas, utilizadas muit as vezes para comportamentos de atracção sexual. As aves conhecidas por tinamus, que constituem o grupo irmão das ratites dentro das aves p aleognatas, apresentam asas totalmente funcionais e são voadores eficientes (Davies 2002). A presença de características de voo derivadas nas ratites, como o carpometacarpus fundido, a presença de uma alula nos n andus, a parte distal da cauda fundida num pigóstilo, juntamente com o f acto das ratites terem evoluído nos inícios do Paleocénico, enquanto que a s aves ancestrais remontam ao Jurássico final (pelo menos), mostram que perda da capacidade de voar é secundária (Davies 2002). Esta perda da capacidade de voar surgiu várias vezes e independentemente entre as aves. Praticamente ao mesmo tempo que as av es desenvolveram a capacidade de voo, alguns grupos voltaram a perdê-la e tornaram-se totalmente terrestres. Os dromaeossaurios, que vários in vestigadores consideram como o grupo irmão das aves (Holtz 1994, 1 998; Sereno 1997; Paul 2002) eram incapazes de voar, apesar de terem braço s alongados com penas (Ji e tal. 2001) (embora alguns investigadores considerem Dromaeosauridae e outros grupos derivados de teropodes c omo sendo secundariamente não voadores Paul 2002).

Pé de ema.

As ratites, juntamente com as aves tinamus, constit uem o grupo das aves paleognatas, cuja principal característica é o palato paleognato. Estas aves formam o taxon irmão para todas as outras aves vivas, u nidas por um palato neognata, no clade das Neognathae. As Palaeognathae e as Neognathae são os únicos dois grupos de aves que sobreviveram para a lém do limite Cretácico / Terceário e constituem portanto o actual gru po coroa de teropodes. Isto faz com a que as ratites sejam os p arentes mais próximos dos teropodes Mesozóicos, com uma anatomia dos membro s comparável e com um estilo de vida cursorial muito semelhante. De facto, as ratites modernas apresentam a vantagem de serem capazes de r ealizar progressões bípedes de passada larga, correndo – podem mesmo ser c onsideradas como

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excelentes corredoras, apesar das grandes dimensões em termos de bípedes avianos; apomorficamente, possuem grandes músculos ex tensores, que lhes conferem vantagens mecânicas muito eficientes.

As ratites, juntamente com os tinamus, formam o clade Paleognathae. Neognathae inclui um grupo formado por Galliformes e Anseriformes e o grupo ao qual todas as outras aves actuais pertencem, Neoaves.

O pé da ema Como todas as aves, as emas caminham de forma digití grada, com os alongados tarsometatarsus bem elevados acima do solo . Ao contrário da maioria das aves, as ratites, a que pertence a ema, re duziram o pé para apenas 3 dígitos: II, III e IV. O dígito I, que em m uitas aves está dirigido posteriormente e permite que o pé agarre objectos, como um ramo de uma árvore, foi perdido nas grandes ratites terrestres com o a ema e o casuar – o seu pé, portanto, é apenas tridáctilo. A ema retêm o d ígito I no seu estádio embrionário, mas perde-o depois da eclosão (Davies 200 2). Na avestruz, a maior ratite moderna, o dígito II também foi perdido como uma adaptação a corrida de grande velocidade. O dígito II do pé do casu ar termina por uma longa e especializada garra. O pé da ema é portanto m uito pouco especializado e derivado, tal como seria o pé da mai oria dos teropodes não avianos Mesozóicos.

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Pé de avestruz.

Mas para além das dimensões (proporcionalmente reduzi das), o pé das emas também difere do típico pé teropodiano pela não prese nça do dígito I. De qualquer modo será o melhor análogo para estudos neoi cnológicos. O tarsometatarsus da ema é formado pelos metatarsos II , III e IV fundidos juntamente com os tarsos. A articulação do calcanhar assemelha-se à do joelho por só estar adaptada a actuar como uma alavan ca e a permitir portanto apenas movimentos num plano parassagital. As articulações semelhantes a alavancas são uma característica plesi omórfica para Dinosauria (Christiansen 1997).

Pé direito de ema.

Os dedos II, III e IV da ema são homólogos com os dí gitos II, III e IV dos apêndices pentadáctilos e a fórmula falangeal foi re tida a partir dos antepassados reptilianos como 3 – 4 – 5 para os dígi tos II, III e IV. Nas aves

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que ainda possuem o dígito I, a fórmula falangeal é 2 – 3 – 4 – 5 para os dígitos I – IV (Lucas e Stettenheim 1972). No pé da ema o dígito III é o mais longo, e os dígi tos II e IV têm comprimento quase igual, sendo o dígito IV um pouco mais longo, apesar do dígito II ser formado por apenas 3 falanges, enquanto que o dígito IV tem 5 falanges (incluindo as falanges unguais). Estas falanges term inais apresentam sempre garras aguçadas e robustas.

Esqueleto do pé de ema (retirado de Milàn 2003).

http://s3.amazonaws.com/publicationslist.org/data/jesper.milan/ref-22/Milan%202003%20-%20Experimental%20Ichnology%20MsC%20thesis.pdf

O integumento da parte inferior do pé da ema é formado p or almofadas digitais carnudas cobrindo as articulações entre falan ges. Cada almofada falangeal está separada da seguinte por uma pequena lacuna, o espaço interalmofadeal, situado aproximadamente no meio das duas falanges. A articulação entre as falanges basais e o tarsometata rsus estão cobertas por uma almofada arredondada, a almofada metatarsal, que no caso das emas está nitidamente separada das outras almofadas digita is pot um espaço interalmofadeal profundo e alargado.

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Esqueleto do pé de ema sobreposto a uma pegada de ema (retirado de Milàn 2003). Como as almofadas digitais cobrem as articulações fal angeais, o número de almofadas digitais corresponde ao número de falanges d o pé. O dígito II é formado por três falanges e portanto tem duas almofad as digitais cobrindo as articulações. Tendo em conta que o dígito é curto , o espaço interalmofadeal está fracamente desenvolvido. A fala nge terminal possui uma garra. O dígito III, que tem 4 falanges, apresenta três grandes almofadas digitais, nitidamente separadas por espaços interalmof adas. Como as falanges do dígito IV são curtas, que incluem 5 fal anges, tem apenas o que parece ser uma longa almofada digital, fracamente div idida em duas por uma parte pouco profunda na zona média. Enquanto que as a lmofadas digitais dos dígitos II e IV reflectem claramente o número de falanges do dígito , as almofadas do digito IV não reflectem o número de fal anges do dígito. Se o número de almofadas digitais devesse corresponder ao nú mero de falanges, a fórmula digital falangeal da ema deveria ser 2 – 3 – 4, para os dígitos II, III e IV; mas na realidade é 2 – 3 – 2. A maioria das peg adas fósseis exibem a esperada fórmula digital de 2 – 3 – 4, mas existem e xcepções. O icnotaxon teropode Carmelopodus untermannorum, descrito por Lockley e tal. (1998), é caracterizado por ter uma fórmula de almofadas digitai s de 2 – 3- 3 , em vez da fórmula normal 2 – 3 – 4 dos teropodes. Padian e O lsen (1989) utilizaram o pé de ema para compararem o número de almofadas digita is numa pegada com o esqueleto do pé e concluíram que o número de a lmofadas digitais no dígito IV da ema não se correlaciona com o número de falanges. As superfícies da sola das almofadas digitais estã o cobertas por pequenos tubérculos, situados perto uns dos outros, com 1 mm de dimensão. Pegadas bem preservadas de dinossáurios têm mostrado que os s eus pés também estavam cobertos por tubérculos semelhantes (Currie et al. 1991; Gatesy 2001).

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A - Lado ventral do pé de ema; as almofadas digitais e os espaços entre almofadas estão cobertos com pequenos tubérculos. B – A almofada digital basal do dígito III mostrando os tubérculos muito agrupados, com cerca de 1 mm. C – O lado dorsal do pé coberto por placas córneas transversais sobrepostas. (retirado de Milàn 2003).

O lado dorsal dos dígitos está coberto por placas córne as transversais e que sobrepõem, com largura quase igual à largura dos dígito s. Estas placas continuam-se para cima no lado dorsal do tarsometata rsus. O lado ventral do tarsometatarsus, que nas aves apenas contacta com o solo durante o tempo em que as aves estão agachadas, está coberto com esc amas pequenas pontiagudas, que aumentam de dimensão anteriormente.

Várias características têm sido apontadas como permiti ndo distinguir as pegadas de teropodes não avianos das dos teropodes a vianos Mesozóicos (Lockley e Rainforth 2002). Entra elas, está o ângul o de divergência II – IV que excederia os 110º nas aves e nunca ultrapassaria os 10 0º nos dinossáurios teropodes não avianos (Currie 1981; Thulborn 1990). En tre as ratites não voadoras actuais, o valor deste ângulo apresenta variaç ão, desde cerca de 46º nos casuares, a 57º nos nandus até cerca de 80º nas emas (Farlow e tal. 2000),valores que coincidem com os valores do ângulo de divergência para as pegadas de teropodes não avianos.

Pistas Para registar o movimento dos membros posteriores de uma ema durante uma passada, tirámos uma série rápida de fotografias da s pernas, quando a ave progredia a uma velocidade normal em solo relativam ente firme.

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O ciclo de progressão da ema: A – o pé avança para a frente e para baixo, durante a fase T B – C - o centro de gravidade passa directamente sobre o pé esquerdo, na fase de suporte do peso / carga (fase W) D – o pé esquerdo entra na fase do erguimento (fase K); as extremidades dos dígitos são as últimas a perderem o contacto com o substrato E – F – o pé esquerdo avança no ar e para a frente, para voltar a entrar na próxima fase T. Para descrever o movimento dos autopodes é utilizada a terminologia proposta por Thulborn e Wade (1989) e por Avanzini (1 998), que é aplicável à progressão de qualquer tetrapode. O ciclo da progressão é dividido em 3 fases distintas. A primeira é a aproximação ao solo ( T), quando o autopode se estende para a frente e assenta no solo, enquanto os dígitos divergem. Segue-se a fase de suporte do peso (W), em que os me tatarsos (e metacarpos) se movem para a frente e o centro de gravi dade do produtor passa sobre o autopode que ficou impresso no substrato . Sucede-se a fase do erguimento (K), quando as partes proximais do pé ( e mão) são levantadas e o peso é transferido para as partes distais dos dígit os, à medida que o corpo se move para a frente. Subsequentemente, o mem bro é erguido, preparando uma nova fase T.. Quando o pé é elevado, os dígitos convergem e inclinam-se para trás até uma posição quase vertic al, enquanto o pé se move para a frente.

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Pistas produzidas por emas: A – pista de uma ema progredindo a velocidade moderada B e C – pistas de emas caminhando (escala: 50 cm) (pistas desenhadas a partir de fotografias). METODOLOGIA

Para registarmos séries contínuas de pegadas, as emas f oram encorajadas a caminharem ao longo dos seus percursos preferidos, tal como foi indicado pelos tratadores. Estas pistas, depois de fotografadas e filmadas, foram analisadas tendo em conta que a velocidade de deslo cação pode ser inferida, quer através de uma cronometragem rigorosa, quer através da medição do percurso efectuado (foram colocadas réguas graduadas n o solo, numa extensão superior a 30 m contínuos; estas réguas artic uladas foram construidas por nós, estando bem visíveis as marcaçõe s de metros e de meios metros), bem como pela medição da altura da an ca e do comprimento das pegadas dos pés. Verificámos que a velocidade normal de progressão das emas ronda os 5 – 7 km/h, mas também sabemos, embora este comportamento não tenha sido observado, que as emas são capazes de alcançar veloc idades de deslocação da ordem dos 45 km / h e que até serão capazes de man ter esta velocidade durante vários quilómetros, se necessário (Davies 200 2). A velocidade máxima estimada foi da ordem dos 26 km/h.

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Inicialmente, foi um problema persuadir as emas a cam inharem nos locais onde mais facilmente poderiam ser fotografadas, filmad as e cronometradas, ou seja, nos locais de maior visibilidade e onde fora m colocadas as réguas. As emas são aves que não se adaptam facilmente a mu danças nos locais onde vivem habitualmente. São também aves muito des confiadas, mesmo em condições de semi-cativeiro prolongado. Mas encorajan do-as através do contacto com os tratadores e colocando alimento na zo na final do percurso, acabaram por colaborar. Num trabalho a conduzir no fut uro, a deslocação das ratites far-se-á através de uma longa manga, est reita, no percurso da qual estará colocada uma régua articulada com 50 m, t al como já acordado com a direcção do Monte Selvagem. RESULTADOS EXPERIMENTAIS

Depois de termos filmado várias emas (e um nandu que se «misturou» num grupo em observação) realizando percursos distintos a diferentes velocidades, os valores de passada, passo, e até âng ulo de passo foram medidos, tal como os valores de altura de anca e de c omprimento de pegada para cada uma das aves. Com estes valores, construi-s e a tabela seguinte, empregando-se sempre valores médios. Existe a possibi lidade de algumas das pistas se afastarem um pouco da realidade, por o s animais estarem assustados e quase serem «obrigados» a andar e ou a correr.

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Comparam-se em seguida os valores estimados da veloci dade, obtidos in situ por cronometragem e por medição da distância percorrida, com os valores obtidos através da utilização da fórmula de Alexander.

TABELA

1 ratites adultas / monte selvagem

h

(cm)

L

(cm)

P

(cm) P/h

Distância

(m)

Tempo

(s)

vel. medida

(Km/h)

vel. estimada (Km/h) -

Alexander

ema A 80 17 102 1,3 21 20 3,8 4,6

ema A 80 17 320 4,0 37 5 26,6 30,9

ema B 78 17 130 1,7 32 21 5,5 6,9

ema C 82 19 220 2,7 36 9,5 13,6 14,5

ema C 82 19 270 3,3 14 3 16,8 20,4

ema D 80 20 105 1,3 27 26 3,7 3,9

ema D 80 20 110 1,4 21 23 3,3 4,3

nandu 70 16 140 2,0 14 6 8,4 8,3

Tabela 1 - Resultados da observação experimental de pistas de ratites adultas e cálculo da velocidade de deslocação e velocidade estimada ( Alexander 1976).

Duas notas adicionais:

As emas imprimem com menor profundidade o dígito II d o pé – em alguns casos, quando o solo é muito resistente, as próprias p egadas surgem como didáctilas. De facto, as emas suportam menos peso do corpo sobre o dígito mais interior, o II, uma característica partilhada com outras ratites. O casuar tem uma garra alongada e direita na extremidade do díg ito II e na avestruz este dígito está totalmente ausente, como uma pré-a daptação a progressão a elevada velocidade. A ema, como todas as ratites actuais, progride com uma postura totalmente digitígrada, com o tarsometatarsus, muito alongado, mantido num ângulo inclinado com o substrato. Só quando descansa, agach ando-se e sentando-se, é que se posiciona com o calcanhar anatómico em contacto com o substrato, deixando o longo metatarsus totalmente im presso em pegadas extremamente longas. Esta impressão do metatarsus é m ais profunda proximalmente, no calcanhar anatómico, e a sua profun didade vai diminuindo distalmente, na direcção da almofada metatarsal.

Ema numa posição plantígrada, descansando – o calcanhar anatómico está em contacto com o solo.

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Cópia de uma pegada de ema com a impressão completa do metatarsus (escala: 10 cm) (retirado de Milàn 2003). Conclusões

As ratites representam a linhagem mais primitiva de a ves actuais; embora tenham perdido secundariamente a capacidade de voo, e stão actualmente muito bem adaptadas a um estilo de vida totalmente cursorial. Entre as ratites, as emas serão os melhores candidatos para se compararem com os dinossáurios teropodes não avianos, já que os pés são tridáctilos e não didáctilos, como os das avestruzes (embora no pé dos predadores Mesozóicos tenha persistido o dígito I, o hallux). A não cooperação destas aves, tal como acontece com os casuares, em experiênc ias relacionadas com a análise da sua progressão, pode constituir um obstác ulo difícil de ultrapassar.

Esqueleto do pé de casuar.

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Distinguir pegadas de teropodes não avianos das de te ropodes avianos Mesozóicos é uma tarefa difícil, já que a grande mai oria das características propostas para indicar uma origem aviana têm-se mostra do não conclusivas, pois pegadas de teropodes não avianos têm muitas vez es dimensões reduzidas (1), algumas das aves do final do Mesozóic o atingiam dimensões semelhantes às de uma avestruz adulta (2), as caract erísticas avianas das pegadas são encontradas em várias combinações (3) e pegadas extremamente semelhantes às de aves são encontradas em sedimentos muito mais antigos do que o registo esquelético das mais antigas aves conhecidas (numa diferença que chega a alcançar os 60 milhões de anos) (4). Tudo isto acaba por validar ainda mais significativam ente a utilização de aves, especialmente de ratites, para simularmos os te ropodes Mesozóicos. Também os estilos de vida de aves e dinossáurios tero podes não avianos teriam várias características em comum. Por exemplo: as emas são aves gregárias, com crias precociais, exibindo cuidados par entais (Breithaupt e tal. 2007). Também a sua taxa de crescimento é expon encial – o peso aumenta 65 vezes desde as crias com 740 g até aos ad ultos que pesam 55 kg. O conteúdo de minerais dos ossos altera-se, durante o crescimento, de 50% para 70%, tornando-os muito mais resistentes e com mui to maior capacidade de suporte de peso (Main e Biewener 2007). Por outro lado, um estilo de progressão bípede, deixando pegadas tridáctilas digití gradas em pistas de elevado ângulo de passo, são características adiciona is partilhadas. O método de conduzirmos experiências de campo com as emas tornou-se muito útil, com a vantagem de termos animais vivos p roduzindo pegadas e pistas em todos os aspectos dinâmicos da sua progress ão (embora sejam aves criadas em cativeiro, as condições de enriquecim ento ambiental que o Monte Selvagem propicia são concerteza muito adequa das). Os resultados obtidos confirmam que a fórmula de Alex ander tem aplicação prática muito fiável. Esta conclusão é ainda mais rig orosa quando as aves se deslocavam a baixa velocidade, tal como aconteceu q uando analisámos humanos deslocando-se na praia. Para as duas emas ob servadas e medidas em progressão rápida, a correr (P/h superior a 2,9), o erro é maior. A experimentação do cálculo de velocidades com estas ra tites apresentou uma vantagem significativa em relação aos humanos correndo em condições com controle apertado, já que nestas estimativas de velo cidades empregámos os valores reais da altura da anca (e do comprimento das respectivas pegadas).

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Comparação entre Velocidade Medida com a Estimada para emas e nandu

(km/h)

0

5

10

15

20

25

30

35

0 10 20 30 40

Velocidade Medida

Vel

ocid

ade

segu

ndo

Ale

xand

er

O desvio resultante pode ser considerado não significat ivo porque a métrica que mede o desvio entre o valor medido e o valor estim ado é de 4,3 .

( )

−∑

=

2

1

__1 N

iii estimadaVelmedidaVel

N

De forma idêntica, existe uma interrelação empírica entre velocidade, comprimento da perna (altura da anca) e comprimento da passada baseada em números de Froude e que é muitas vezes empregue nas análises de pistas fossilizadas. Quando colocamos num gráfico os valores obtidos para a passada relativa (P/h) versus número de Froude (2,3 (P/h)0,3) e os comparamos com a interrelação empírica (P/h = 2,3 (v² / g h) ² e com as velocidades estimadas aplicando a fórmula de Alexand er verificamos que existe uma grande sobreposição, que permite confirmar o elevado grau de fiabilidade da fórmula de Alexander.

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Simulação

Medida Medida P/h=2,3(v2/9,8h)0,3 Alexander

P/h (v2)/(9,8h) P/h eq (v2)/(9,8h)

1,3 0,141 1,277 0,206

4,0 6,985 4,121 9,379

1,7 0,304 1,609 0,475

2,7 1,787 2,738 2,019

3,3 2,710 3,102 4,000

1,3 0,138 1,268 0,155

1,4 0,106 1,174 0,181

2,0 0,794 2,146 0,780

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A aplicação da equação de Alexander à estimativa da velocidade de progressão de dinossáurios bípedes apresenta rigor quan do os resultados dos estudos neocinológicos são tidos em conta, espe cialmente os que analisam as grandes ratites modernas. Estes estudos t ambém mostram que, para além de algumas «fraquezas» inerentes ao método (entre elas, a estimativa da altura da anca para cada subgrupo dest es dinossáurios), duas outras podem surgir: . a estimativa de velocidade de bípedes deslocando- se correndo ou a velocidade elevada (especialmente quando P / h ≥ 2,9) (o erro quadrático para as duas emas deslocando-se a grande velocidade é de 6,3, contra 4,3 para a amostra total) . a estimativa da velocidade de deslocação relativa mente baixa quando o comportamento dos animais mostra «incertezas», que se reflectem na paragem no ar de um dos membros, especialmente durante a fase T, não progredindo portanto de forma «contínua»; estas paragen s na progressão têm como resultado uma velocidade real de deslocção m uito inferior ao que seria de esperar se utlizássemos apenas uma fórmula ma temática (ema D quando percorreu 21 metros); na realidade não será nunca possível gerar uma equação que reproduza movimentos de progressão de stas aves bípedes, ou dos seus antepassados não avianos, quan do as paragens são aliatórios, imprevisíveis e de duração muito diversi ficada. É óbvivo que nenhum modelo matemático da natureza poderá alguma ve s zer perfeito. Em ambos os casos podem resultar erros relativamente grosseiros. Também verificámos que as emas passam muito rapidame nte da progressão lenta para a corrida, sem necesidade aparente de uma forte aceleração reflectida num comprimento da passada sucesivamente m aior. Ou seja, não parece terem necessidade de uma zona ou tempo de tran sição entre marcha lenta e corrida. Relativamente ao registo icnológico de dinossáurios, esta observação também ser considerada relevante, já que nos poucos casos em que este registo mostra animais deslocando-se a veloc idades elevadas, não se observa o início da progressão, com ou sem aceler ação, mas sim o registo durante a progressão rápida (com uma excepção, que oc orre na jazida de Ardley ).

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TRABALHO FUTURO

Compreender as complexidades dos comportamentos de ani mais extintos é uma tarefa que envolve sempre algum grau de especulaç ão. As pegadas e pistas de dinossáurios colocam muitos enigmas e é di fícil desvendarmos esses mistérios, quando não conhecemos o seu autor, a sua anatomia, a sua fisiologia, e porque a interacção do autor com o subst rato também é desconhecida. Como as grandes aves terrestres modernas podem ser consideradas análogos dos teropodes Mesozóicos, podem os criar modelos para observar as interacções dinâmicas e as subsequent es assinaturas subsuperficiais a três dimensões dos pés tridáctilos sobre substratos maleáveis. Estes estudos neoicnológicos podem permit ir compreender melhor como é que as pegadas se originaram e quais as combinações particulares dos diversos componentes (propriedades sedi mentológicas dos substratos, salinidade, humidade, oxigenação, tempe ratura, intensidade e tipos de corrente, turbidez da água, ...). Outro tipo de investigação pode utilizar observações pormenorizadas da formação de pe gadas, da sua sobrevivência, da sua área de distribuição e e das pro priedades dos sedimentos lacustres para avaliar a informação paleob iológica que pode ser fornecida por essas pegadas e pistas fósseis.

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Pegada do pé direito de ema.

Complementares a estes estudos, estão as observações de campo da formação de pegadas e de pistas que podem fornecer co mparações directas das acções e actividades dos produtores de pegadas co m os vestígios que deixaram. Assim, outro campo da neoicnologia muito n egligenciado pode permitir o estudo das complexidades associadas com es tilos e posturas de locomoção, incluindo obviamente a velocidade de des locação. Poderemos também interpretar os movimentos e a cinemática do pé e membros dos produtores de pegadas através da observação das modern as aves terrestres.

A observação minuciosa de pistas produzidas pelas em as e nandus permitiu verificar que estas grandes bípedes produzem, por vezes, pistas em que o ângulo de passo é superior a 180º, explicadas pelo cr uzamento sucessivo de ambos os membros, à frente um do outro, durante o ciclo da passada. Esta observação permite interpretar as pistas de bípedes Mes ozóicos com ângulo

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de passo anormalmente elevado; perante a análise da progressão de emas e nandus, o que devemos fazer é tentar explicar anatomic amente a evidência icnológica, especialmente ao nível da cintura pélvic a. Por outras palavras, verificar para os dinossáurios bípedes (teropodes e ornit opodes) quais as características dos ossos e da configuração destes na cintura pélvica e na sua articulação com os membros que permitem um cruzamen to dos membros posteriores, rodando, na fase de ataque ao solo .

Ema deslocando-se com cruzamento dos pés e produzindo uma pista com ângulo

de passo superior a 180º.

Noutras ocasiões, verificámos a ocorrência de uma grande quantidade de pistas, com orientações e sentidos de progressão muito variados, «ao acaso», numa área muito restrita, quando as aves se mo vimentam perfeitamente em grupo, revelando um comportamento greg ário. Esta é uma observação que permitirá interpretar de forma mas rigorosa o registo icnológico que reflecte situações semelhantes.

Grupo de emas e de avestruzes, formando um bando gregário e progredindo numa área limitada, mas deixando pistas com direcções e sentidos muito diversificados.

Notas suplementares, implicando a necessidade da con tinuação deste tipo de investigação:

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1. A amostra analisada é diminuta. Será necessário dis pôr de uma amostragem quantitativamente superior.

2. A amostragem para ratites correndo a velocidade elev ada é ainda mais reduzida. Por outro lado, a «rapidez» de deslocação d estas aves pode muito facilmente conduzir a erros de cronometragem e, e specialmente, a erros na mediação do percurso realizado.

3. É interessante verificar que para que a passada r elativa (P/h) seja superior a 2,9, as ratites devem deslocar-se a veloci dades superiores a 15 km/h – ou seja, seguindo a previsão de Thulborn e Wa de (1984), a deslocação das emas em corrida só deve ser considerada para velocidades superiores a 15 km/h (ema C da experiência ) Continuando a seguir estes investigadores, o limite entre caminhar e «trotar» ocorrerá quando as bípedes ultrapassam os 8 km/h (nandu da ex periência).

4. A estimativa da altura da anca para dinossáurios bí pedes é um dos problemas associados com a aplicação da fórmula de Alexander. No último estudo publicado, Henderson (2003) concluiu que para a grande maioria dos bípedes o produto do comprimento da pegad a pelo factor 4 seria o mais rigoroso, com excepção dos pequenos teropo des, em que este factor deveria ser de 4,5. Assumindo que as ratit es investigadas são teropodes modernos, esta última conclusão parece ser co nfirmada para a maioria das emas e nandus - a relação entre altura da anca e comprimento do pé digitígrado está compreendida entre 4,4, e 4,7, com excepção da ema D, em que o factor é 4,0. Mais uma vez, reforçamos a sugestão de ampliarmos estas amostras, incluindo uma análise do crescimento alométrico das emas, para investigar a relação entre os comprimentos do pé e da altura da anca ao longo da o ntogenia destas aves.

Estes são alguns problemas em aberto e que deixamos p ara trabalho futuro. De facto, a observação, interpretação e análise dos comportamentos (especialmente os associados à deslocação) das gran des ratites apresentam um enorme potencial para penetrarmos nos segredos da v ida dos dinossáurios Mesozóicos, especialmente na dos seus a ntepassados directos, os predadores teropodes.

Agradecemos à Direcção e aos tratadores do Monte Selvagem a colaboração

prestada e esperamos que esta continue num futuro próximo.

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