estudos em educação e linguagem

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Estudos emEducação e Linguagem

Revista Eletrônica do Centro de Estudos

em Educação e Linguagem

Vol 1. Nº 1Recife, 2011

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Copyright 2011 © Centro de Estudos em Educação e Linguagem

Reservados todos os direitos desta revista. Reprodução proibida, mesmo parcialmente, sem autorização expressa dos autores. Para solicitar autorização de uso entre em contato com o editores através do e-mail: [email protected]

Estudos em Educação e Linguagem: revista eletrônica do Centro de Estudos em Educação e Linguagem. v. 1, n. 1, jul./dez. 2011 - . Recife: Universidade Federal de Pernambuco / Centro de Estudos de Educação e Linguagem – CEEL: UFPE, 2011.

Publicação on line.Semestral.ISSN 2237-5880

1. Linguagem e educação - Periódicos. I. Universidade Federal de Pernambuco. Centro de Educação. Centro de Estudos em Educação e Linguagem

UFPECDD (22. ed.) 370 CE 2011-073

Dados de catalogação na publicação.

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ExpedienteUniversidade Federal de Pernambuco

Centro de Educação

Coordenação do Centro de Estudos em Educação e LinguagemAna Cláudia Rodrigues Gonçalves Pessoa – CEEL/UFPE

Andréa Tereza Brito Ferreira – CEEL/UFPEEliana Borges Albuquerque – CEEL/UFPE

Telma Ferraz Leal – CEEL/UFPE

Edição deste VolumeCarmi Ferraz Santos – CEEL/UFRPE

Maria Lúcia Ferreira de Figueiredo Barbosa – CEEL/UFPE

Pareceristas Ad HocAlexsandro da Silva – UFPE

Maria Helena Dubeaux – UFPE

Projeto Gráfico e DiagramaçãoAugusto Noronha e Karla Vidal – Pipa Comunicação

Conselho EditorialAna Cláudia Rodrigues Gonçalves Pessoa – UFPE

Ana Lúcia Guedes Pinto – UNICAMPAna Teberosky – Universidade de Barcelona

Andréa Tereza Ferreira Brito – UFRPEAngela Del Carmen Bustos Romero de Kleiman – UNICAMP

Anne-Marie Chartier – INRPAntônio Augusto Gomes Batista – UFMG

Artur Gomes de Morais – UFPEClecio dos Santos Bunzen - UNIFESP

Cosme Batista dos Santos - UNEBEliana Borges Correia de Albuquerque – UFPE

Maria Auxiliadora Bezerra – UFPBMaria Lourdes Dionísio – Universidade do Minho

Telma Ferraz Leal – UFPE

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Política EditorialEstudos em Educação e Linguagem: revista eletrônica do Centro de

Estudos em Educação e Linguagem é uma publicação semestral do Centro de Estudos em Educação e Linguagem da Universidade Federal de Pernambuco (CEEL/UFPE), com volumes publicados em junho e dezembro. Tendo por objetivo promover a discussão de temáticas que dizem respeito à relação entre educação e linguagem, mais especificamente ao ensino – aprendizagem de língua materna, a revista publica trabalhos tanto de caráter teórico quanto aplicado. Além desses, serão publicadas resenhas ou notas de leitura de obras que versem sobre as temáticas propostas pela revista.

Serão aceitos trabalhos de autores nacionais ou estrangeiros, dando-se preferência a textos inéditos. No entanto, trabalhos publicados em anais de eventos científicos ou em publicações de difícil acesso, ou esgotadas, também serão publicados.

Os textos serão analisados anonimamente por dois pareceristas, que tomarão como critérios básicos a adequação à linha editorial da revista, a consistência teórico-metodológica do trabalho e o cumprimento das normas de publicação. Os critérios para a avaliação dos artigos são:

1. coerência com a proposta da revista;3. consistência teórico-metodológica;4. relevância para a área;5. pertinência da bibliografia;6. qualidade da escrita; e7. normatização.

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Sumário13 Editorial

17 Leitura e tempo: aspectos temporais e as condições de produção da leitura em um curso de graduação Ivete Janice de Oliveira Brotto (UNIOESTE) Flávia Anastácio de Paula (UNIOESTE)

35 O texto literário e o trabalho com a compreensão em livros didáticos de português Thaís Ludmila da Silva Ranieri (FSM/UFPE)

57 O ensino de literatura e a formação de leitores literários: o que dizem os PCN e as orientações curriculares para o ensino médio Rosivaldo Gomes (UNIFAP) Josenir Sousa da Silva (UNIFAP)

73 Do texto ao texto: as refrações do texto lido materializadas no reconto produzido pelos alunos Cláudia Beatriz de Castro Nascimento Ometto (UNIMEP) Rita de Cássia Cristofoleti (FACECAP)

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91 “Ensino de análise linguística – reflexão e construção de conhecimentos ou memorização e reconhecimento de estruturas?” Marcela Thaís Monteiro da Silva (UFPE) Lívia Suassuna (UFPE)

109 Avaliação em larga escala e produção textual: reflexões sobre o ENEM Ewerton Ávila dos Anjos Luna (UFRPE)

125 Gêneros digitais: navegando rumo aos desafios da educação a distância Ivanda Maria Martins Silva (UFRPE)

147 Normas

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Editorial

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Vol. 1 - Nº 1 - Janeiro a Junho de 2011 l 13

Editorial

Caro leitor,

Neste número inaugural da Estudos em Educação e Linguagem: revista eletrônica do Centro de Estudos em Educação e Linguagem múltiplos objetos de estudo e discussão se entrecruzam pautados por um eixo estruturador que é a linguagem e o seu ensino. A leitura, por exemplo, é alvo de discussões em que se enfatizam suas condições de produção, particularmente, as condições afetas ao tempo que leitores utilizam para leitura de textos acadêmicos. Ainda na esteira da leitura e seu ensino, o foco do debate se volta para a compreensão do texto literário em atividades do livro didático (LD), a fim de mostrar outra via de escolarização da leitura, sob o olhar crítico para o LD e suas possibilidades de contribuir com a formação do leitor literário. Essa formação é discutida, mais amiúde, à luz de documentos oficiais como os Parâmetros Curriculares Nacionais e as Orientações Curriculares para o Ensino Médio, enquanto estreita-se a relação entre discussões sobre literatura no ensino médio e o processo de formação do leitor literário na escola. Outro aspecto da leitura em discussão é sua interface com a produção de texto, mais especificamente com a escrita do reconto de história literária e os modos de mediar essa escrita pela docente. Resguardando o eixo estruturador dos trabalhos publicados, a noção de texto é o centro desse eixo, quer quando se discute sobre leitura, quer quando se discute sobre produção de texto. É nesse entrecruzamento que a reflexão sobre análise linguística dialoga com as demais propostas aqui presentes com vistas a confrontar novas perspectivas de abordagem do texto, na dimensão da leitura e da escrita, com formas tradicionais

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de ensinar a língua na escola. Outras questões que emergem no cenário do ensino de língua como, por exemplo, a avaliação em larga escala e a educação a distância são também objeto de discussão do presente número. Com esse perfil, o conjunto de trabalhos ora publicados busca contribuir para divulgar estudos e reflexões no âmbito da pesquisa em educação e linguagem.

Boa leitura!As Editoras

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Artigos

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Leitura e Tempo: aspectos temporais e as

condições de produção da leitura em um curso de graduação

Ivete Janice de Oliveira Brotto UNIOESTE – [email protected]

Flávia Anastácio de PaulaUNIOESTE – [email protected]

RESUMO: Este artigo apresenta o modo como se produzem leituras e leitores no tempo que os estudantes destinam a suas leituras em curso de graduação. A especificidade do tema recai sobre as leituras dos estudantes na disciplina de Alfabetização, do curso de Pedagogia da UNIOESTE. Objetiva-se analisar e refletir sobre como os estudantes organizam as leituras indicadas e justificam as não leituras para a participação nas aulas. Na análise, adotam-se alguns preceitos teóricos bakhtinianos e as dimensões de tempo elaboradas por Heller para a abordagem do tema.

PALAVRAS-CHAVE: formação de leitores; enunciação; tempo.

ABSTRACT: This article presents the way readings and readers are produced in the time devoted by students to their readings in an undergraduate course. Specifically, it addresses the students’ readings for the subject of Literacy in the course of Education at UNIOESTE. It aims at analyzing and making some reflections on how students organize the readings assigned for the classes and how they justify the undone readings. In the analysis, some Bakhtin’s theoretical principles and the conceptions of time in Heller are used to approach the subject.

KEY WORDS: reader education; enunciation; time.

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Introdução

A discussão sobre leitura de estudantes, desenvolvida neste artigo, foi mobilizada por contradições vividas nos cursos de formação de professores. Atualmente, tornou-se corriqueira, nesses cursos, a leitura não integral, ou mesmo, a ausência da leitura dos textos científicos1 indicados para estudo. Em uma espécie de rito inicial, em aulas cujo objetivo é a discussão de uma leitura prévia indicada pelo professor, a pergunta: ‘quem leu o texto para a aula?’, encontra, via de regra, como resposta outras perguntas - ‘que texto?’ ‘Quem era mesmo o autor?’ - que indiciam a não-realização da leitura ou uma leitura feita às pressas.

Essa situação indica que as práticas de leitura entre estudantes universitários efetivamente se modificaram nas últimas décadas. Mesmo nas carreiras das humanidades, em que a fronteira entre a leitura fruição e a leitura de trabalho é mais difusa, convertendo-se esta, para a maioria dos estudantes, em prática obrigatória passível de ser contornada, mais do que efetivamente realizada. Decorre desse fato, muitas vezes, o despreparo desses jovens estudantes para atuarem profissionalmente na escola básica, que tem como uma de suas principais tarefas a de assegurar o acesso de crianças, jovens e adultos à cultura escrita e suas práticas.

A formação inicial de professores não é apenas mediadora do acesso aos conhecimentos relativos ao ensino, à organização da escola e às práticas profissionais. É ela, igualmente, uma prática constitutiva da identidade como leitor e como professor, mediada pelos gestos de

1. Estamos nos referindo aqui a texto científico como um dos tipos mais ou menos estáveis de enunciados, componente dos gêneros discursivos que circulam em esferas de segunda ordem, ou seja, extrapolam a esfera da cotidianidade, justamente pela sua forma mais elaborada (BAKHTIN, 2003).

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leitura do formador. Aceitar essas considerações é aceder ao fato de que novas contradições se evidenciam e colocam em questão as condições de leitura possibilitadas nas relações sociais de ensino produzidas no contexto escolarizado.

Assumindo a centralidade da atividade discursiva, como princípio de pesquisa, propusemo-nos a compreender como os estudantes, com quem atuamos, realizam suas leituras e como justificam suas não-leituras no processo em que se formam professores de leitura e de escrita. Para tanto, pautamo-nos nas enunciações desses estudantes, produzidas no cotidiano de nossas relações de ensino, entendendo-as como modos de significar e compreender a leitura.

Esse modo de focalizar a linguagem em funcionamento nas relações sociais é tributário das contribuições de Bakhtin. Segundo esse autor, aquilo que se enuncia e a compreensão do que se enuncia produzem-se em condições sociais específicas, na relação com outros discursos, na dinâmica da produção histórico-cultural. Dessa perspectiva, as enunciações são sempre dialógicas, isto é, são relações de sentido entre enunciados, constituídas nas relações dos sujeitos com o Outro, da linguagem, da cultura, da tradição, da interação, da interlocução, enfim, o Outro das e nas relações humanas (BAKHTIN, 1988; 2004).

1. Os tempos para a leitura no curso universitário

Nas relações cotidianas de sala de aula, na disciplina de Fundamentos da Alfabetização do curso de Pedagogia de uma universidade estadual no sul do país, apreendemos três enunciações recorrentes, apresentadas como justificativa pelos acadêmicos, para a não-leitura dos textos propostos por nós, suas professoras: falta de tempo, em face das exigências do mundo do trabalho no qual estão inscritos (muitos

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Ivete Janice de Oliveira Brotto & Flávia Anastácio de Paula

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alunos trabalham oito horas por dia); falta de tempo em face dos compromissos acadêmicos derivados do curso, em especial as provas ou os trabalhos avaliativos e falta de tempo em face do número excessivo de textos indicados para leitura pelo conjunto de professores do curso.

Essas justificativas mobilizaram nossas primeiras análises e considerações. A ‘falta de tempo’ para a leitura e seus desdobramentos, em nossa ótica, referem-se a argumentos de superfície, no sentido pragmático. Há algo mais profundo subjacente a esses enunciados que tem implicações no processo de formação de cada sujeito como leitor.

O tempo para ler não é uma questão de ordem estritamente individual. Essa categoria abstrata, ‘em nós entranhada’, é historicamente construída e culturalmente apropriada e elaborada nas relações sociais vividas. Nesse sentido, discutir o tempo, na sociedade do capital, exige focalizá-lo nas condições históricas de sua produção, tanto em sua relação intrínseca com a economia, na qual ele é vivido como um tempo externo, que submete os indivíduos às formas aligeiradas, aceleradas e controladas de vivência das atividades, quanto em sua relação com a subjetividade, como tempo interiorizado, com sentidos distintos, como momentos de atividade, de repouso ou ainda de reconstituição, como forma de auto-organização, como astúcias, como irreversibilidade e limite.

Significado, o tempo se faz visível nos modos como os sujeitos referem-se a ele em seus enunciados, como possibilidades, como irreversibilidade, como limite. Fala-se em perder tempo, ganhar tempo, economizar tempo, não ter tempo, viver o tempo... E, nesse sentido, merecem atenção, nas enunciações sobre o tempo, as categorias com que ele aparece articulado. Elas nos ajudam a pensar a formação e a leitura na formação na medida em que indiciam os modos como os sujeitos organizam-se e lidam com o tempo da sua formação, com o

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tempo do trabalho e da vida, como dialogam com seus conhecimentos prévios, com sua formação leitora, anterior à entrada no curso superior, e com os sentidos que permeiam a interpretação e a compreensão de suas leituras e o estabelecimento da articulação entre as diferentes disciplinas que estão cursando.

Mas os sentidos do tempo também se fazem visíveis como aproveitamento de momentos oportunos. Trata-se não necessariamente de criar, mas de aproveitar uma ocasião, aproveitar a oportunidade. Este é o tempo kairológico, da figura alada de Kairós, que se contrapõe à cronologia representada na figura do titã Cronos2. Considerar o tempo nessas duas dimensões distintas é entendê-lo como mais do que uma grandeza matemática ou uma cronometria com a divisão e sucessão das atividades durante um período, mas, também, é entendê-lo como laços, como tempo qualitativo e taticamente aproveitado nos momentos oportunos.

Nos trabalhos de Agnes Heller (1991), sobre a teoria da vida cotidiana, encontramos contribuições significativas para a discussão da questão do tempo. Segundo ela, o ritmo temporal não ‘caminha’ nem veloz, nem lento. Ele é intensidade e uma relação com a cotidianidade do tempo histórico.

Cotidiano e história são, segundo Heller, dois grandes âmbitos da atividade social em que se divide a vida humana. A vida cotidiana é

2. Cronos figura na mitologia como titã que tanto semeia quanto mata suas criaturas e seus filhos no transcurso do tempo. Alegoricamente Cronos é o semear, a agricultura, o tempo quantificado, medido, colocado em um contínuo onde toda criatura é substituída e substituída com pressa, tornando o tempo do fluir, da velocidade, da exigência de um novo contínuo. Kairós figura na mitologia como pessoa alada que se equilibra na corda e pinça ou flecha a caça e colhe; ou como deusa da fortuna. Alegoricamente Kairós é o laçar, o caçar, o espreitar o momento oportuno. É o tempo da sagacidade e da astúcia, o tempo da intensidade, das dobras, do bordar. São os laços, as amarras kairológicas que dão intensidade e encadeiam os significados no fluir cronológico.

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Ivete Janice de Oliveira Brotto & Flávia Anastácio de Paula

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constituída a partir de três tipos de objetivações do gênero humano que constituem a matéria-prima para a formação elementar dos indivíduos (objetivações genéricas em-si): a linguagem, os objetos (utensílios e instrumentos) e os usos. A vida não-cotidiana constitui-se por objetivações humanas superiores (objetivações para-si): ciências, filosofia, arte, moral e política. O segundo âmbito tem sua gênese histórica no primeiro. No entanto, “a linguagem é a única objetivação genérica em si, na qual, junto com o sistema de signos primários, produziu também um sistema de signos secundários: a escrita” (HELLER, 1991, p. 289, tradução nossa).

O contato cotidiano entre os sujeitos constitui-se como base das relações sociais. Nele elaboram-se algumas categorias da formação humana: a ação verbal, o jogo, os afetos, o espaço e o tempo cotidiano, as disputas e as satisfações. A formação dos indivíduos começa sempre nas esferas da vida cotidiana. Esse processo de formação inicia no momento de seu nascimento e inserção no universo cultural humano e se estende por toda a vida (HELLER, 1991).

O indivíduo, na cotidianidade, aprende a manipular os objetos, os instrumentos e utensílios de sua cultura, dos significados e sentidos das categorias que ordenam as relações sociais, tais como o tempo e o espaço, da linguagem como forma básica de interação entre os indivíduos de um determinado grupo. Essa apropriação é sempre mediada, direta ou indiretamente, por um outro indivíduo, em relações sociais que também são apropriadas e elaboradas no processo mesmo de seu acontecimento. A linguagem é mediada e instrumento de outras mediações, seja ela oral ou escrita. Uma das relações mediadas no cotidiano são as relações temporais.

O sistema de referência do tempo cotidiano é o agora. A vida cotidiana, e não só ela, mas também a política, é repleta de presentes.

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O tempo cotidiano, assim como o espaço, caracteriza-se por ser antropocêntrico.

Segundo Heller (1991), as experiências espaciais e as experiências temporais cotidianas só são influenciadas pelo desenvolvimento da ciência quando esta produz possibilidades de ação. Assim, por exemplo, mesmo quem conhece bem a teoria da relatividade e os conceitos científicos de tempo opera na vida cotidiana com conceitos temporais cotidianos e estes não perdem o sentido de verdade, no sentido do saber cotidiano. Os conceitos científicos de tempo servem aos sujeitos para irem em direção oposta às atividades não-cotidianas. Heller não traz o conceito científico de relatividade para a vida cotidiana, mas faz o inverso, eleva, em nível científico, um aspecto peculiar da vida cotidiana que é muito importante para ela: a experiência interior temporal, isto é, o sentido da duração.

As relações entre o âmbito da vida cotidiana e do não-cotidiano aportam elementos metodológicos interessantes para compreendermos a formação e a mediação através da leitura e a dialética das relações entre teoria e prática como atividades constituidoras de um indivíduo pelo Outro.

Como refere o psicólogo soviético Leontiev (1978), a constituição social da individualidade é, necessariamente, um processo mediado, direta ou indiretamente, por outros indivíduos. O psiquismo humano estrutura-se a partir da atividade social e histórica de outros indivíduos, ou seja, pela apropriação da cultura humana material e simbólica, produzida e acumulada objetivamente ao longo da história da humanidade. Os objetos desse processo de apropriação, a saber, as objetivações produzidas pelo gênero humano, condensam em si, isto é, materializam trabalho humano, faculdades e aptidões humanas desenvolvidas durante toda a história humana e se constituem em uma

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síntese dessa própria história. No caso de um estudante do curso de Pedagogia, que vai se tornar professor alfabetizador e influenciar a formação do leitor, sua formação é tanto mediada por conhecimentos e modos de leitura por ele vividos no decorrer de sua experiência, escolar e não-escolar, anterior ao seu ingresso no ensino superior, bem como pelos conhecimentos e modos de leitura possibilitados e vividos na graduação.

Dessa perspectiva, os enunciados dos estudantes, coletados em turmas de Pedagogia de dois campi diferentes, relativos à falta de tempo, indiciam os modos como os sujeitos organizam-se e lidam com o tempo da sua formação. Como valoram a formação, como lidam com o tempo do trabalho e da vida, como compreendem o ato de ler e sua formação como leitores, como significam suas experiências de leitura, anteriores ao seu ingresso no curso superior, e com que sentidos elaboram essa prática cultural no curso das relações de ensino vividas na graduação. Tais enunciados não só carregam a espessura das experiências vividas por esses sujeitos em relação à leitura, como também remetem a uma avaliação do próprio processo de formação de professores que estão vivendo.

Ao nos voltarmos para as enunciações-justificativas da falta de leitura, com essa visão ampliada pela compreensão mais aprofundada da noção de tempo, reconhecemos que elas deixam à mostra a ausência, ao longo da vida escolar, de práticas leitoras condizentes com um trabalho de/com leitura como princípio educativo, isto é, para a vida humana. Quando dizemos isso, estamos nos referindo à leitura como interlocução, relação com o Outro mediada pelo texto escrito, como prática de compreensão.

Um trabalho educativo com leitura passa pelo conhecimento profundo a respeito do texto com que o professor universitário vai trabalhar, o estabelecimento das relações daquele texto com a disciplina

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que ministra, com os outros textos já trabalhados na própria disciplina e com as outras disciplinas ministradas por outros professores. Ora, poder-se-ia pensar que isso é quase impossível, no entanto, como professor universitário, pressupõe-se que o seu estar na academia foi precedido de algumas etapas formativas que o tornaram (e tornam) um leitor mais profícuo. E, por isso, qualificado para estabelecer as relações intertextuais necessárias, tentando minimizar a fragmentação do conhecimento, que nem sempre foi didaticamente distribuído, ritmado e encadeado no currículo.

Diante dos enunciados literais dos estudantes, tais como - ‘dei uma rápida passada de olhos’, ou ‘li apenas a introdução’, ou ‘li, mas, não consegui entender nada’ - ou da atitude de alguns estudantes que, apesar de não lerem os textos indicados, procuram dar mostras de que o leram, recorrendo a suposições que lhes são sugeridas por seus títulos e subtítulos, cabe questionar o que se lê, como se lê, que Outros emergem dessas e nessas leituras, constituindo o processo de formação leitora e profissional do aluno.

Tais enunciações evidenciam que se leem fragmentos e que se consideram, no âmbito das relações de formação, esses fragmentos como suficientes para fazer inferências sobre a temática discutida em um texto. A despeito da falta de propriedade desse pressuposto, a leitura é significada, nesse tipo de relação, não como uma interlocução com o texto, mas como uma resposta ao professor de que a tarefa escolar obrigatória foi feita, mesmo que parcialmente, ou contornada através da simulação. O que se tem em vista, nesse movimento, são as regras avaliativas do processo escolar, que ainda prescindem de critérios bem definidos e concepções coerentes, primando mais pelo reconhecimento do domínio (ou não) das formas utilizadas, do que pela compreensão do que foi lido de fato.

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As escolhas do estudante entre o que precisa ler e as necessidades mais emergenciais, resolver uma avaliação, por exemplo, levam-no a ler algo sem relacioná-lo com as demais leituras já realizadas e a realizar. A avaliação parece, ainda que equivocadamente, induzir ao entendimento de que a compreensão dos textos anteriormente lidos pode ou precisa ser ‘excluída’, para que um outro saber ‘instale-se’, até que outra necessidade emergencial apareça e se processe uma outra ‘substituição’. Por exemplo, parece muito estranho aos alunos que na avaliação da terceira unidade da disciplina de Fundamentos da Alfabetização sobre diagnóstico da aprendizagem das crianças também se ‘cobre’ a compreensão dos conceitos de primeira unidade sobre língua materna e da segunda unidade sobre as concepções de alfabetização.

Embora temas distintos, a leitura e a avaliação entrelaçam-se na escolarização, mediatizando a constituição de um tipo de formação leitora em que não se realizam leituras conjugadas, compartilhadas, dialogadas intertextualmente.

Se não se produzem essas leituras, o processo de interação em sala de aula pode ficar prejudicado. O texto deixa de ser um ponto de encontro entre as experiências de leitura do estudante, seus conhecimentos, e os pontos de vista do autor, sob a mediação do professor. O saber do autor do texto, o conhecimento ali sistematizado fica à mercê do modo de apropriação e compreensão do professor universitário, quando este se expressa.

No entanto, a leitura do professor, ainda que autorizada socialmente pelo lugar que ocupa na relação de ensino, não é a única possível. Na ausência da interlocução com e sobre o texto, a leitura do professor tende a ser tomada pelo aluno como padrão único de leitura aceitável. Aliás, a situação ‘ler para ser avaliado’ contribui para que o aluno

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busque no professor os indicadores da leitura necessária à aprovação na disciplina cursada, reduzindo a compreensão da própria ciência e das teorias a que tem acesso a fragmentos formais, desconectados do real e sua complexidade.

Esse modo de entendimento não é gratuito e revela uma compreensão dialógica já formulada em anos anteriores de escolarização, mediada por uma grande tradição: teorias e práticas pedagógicas, metodologias de ensino e de aprendizagem. Considerado o tempo de escolarização que compõe a experiência de um estudante de graduação, cumpre lembrar que a redução da leitura à avaliação foi cronologicamente aprendida e longamente consolidada, e que para romper tais sentidos, não basta que a intencionalidade dos formadores seja expressa apenas em seus planos de ensino, através das opções pelos conteúdos e pela bibliografia. O redimensionamento dos sentidos da leitura precisa ser compartilhado diuturnamente, ‘laçado’, com os alunos.

O estudante, no processo de formação em que se encontra, tem que ser incitado constantemente a reconhecer e fazer as articulações entre os diferentes objetos das disciplinas. Ou seja, entendemos que as articulações sejam algo a ser ensinado, orientado; não ficar apenas no subentendido, ou à espera daquilo que supostamente o estudante já tenha desenvolvido, por exemplo, em um terceiro ano de curso de graduação. De algum modo, trata-se de retomar o contexto dialógico, os discursos dos outros, as vozes outras, que constituem a compreensão ampliada de um tema. Este, conforme prenunciado por Bakhtin (2003), é entendido como muito mais do que a organização sintática das palavras em orações, mas as circunstâncias sociais, o contexto histórico-cultural, as intencionalidades e os sentidos produzidos. É a retomada desses elementos, mobilizada pelo professor universitário, que pode acionar uma atitude responsiva ativa pelo aluno – a compreensão

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temática. Em outras palavras, o restabelecimento da dialogia, das ‘vozes’ já pronunciadas por Outros, podem possibilitar a melhor apropriação do conhecimento em questão.

O ensino de um outro modo de ler não se limita às orientações para que os alunos busquem a tese defendida pelo autor, os objetivos de sua escrita, seus argumentos, o caminho teórico-metodológico percorrido e as conclusões a que chega o autor. Dificilmente as orientações em si mesmas são identificadas e provocam reflexão na leitura do estudante. Carece antes da participação dos seus interlocutores imediatos, o professor universitário e os colegas de sala de aula. Especialmente porque é na interação discursiva, na interlocução, que os sentidos são produzidos, e nessa relação, estes podem ser revistos, corrigidos, ampliados, refutados. Esse processo ideal de leitura tem sua realização, sua materialização assegurada, principalmente no contexto de um curso de formação de professores, na medida em que se colocam para o debate os processos históricos, culturais, linguísticos e discursivos de constituição de um tema. Estes que, por sua vez, constituem os índices valorativos dos sujeitos que analisam, avaliam, ponderam, enfim, produzem sentidos sobre esse mesmo tema/conhecimento.

Mais necessário torna-se esse encaminhamento se compreendemos e aceitamos que a palavra sempre parte de alguém e se dirige a alguém, e este, numa atitude responsiva, demonstra o que sabe, compreende, critica, reage; o que não pode ocorrer se o estudante não cumpre com seu papel na relação de ensino. E, no que tange à temática aqui abordada, significa que o aluno tem o compromisso de desenvolver o seu trabalho de leitura com os textos definidos. Caso contrário, há equívocos de ambos, professor e aluno, na compreensão do funcionamento da linguagem enquanto espaço de constituição humana, logo, de interação social.

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A leitura é prática, é exercício, é atividade necessária que o aluno tem que realizar tanto para que o professor conheça o tipo de leitura realizada, a compreensão responsiva que seu outro-aluno elabora, como também para assumir diante da compreensão explicitada, a retomada de elementos elucidativos e concernentes ao objeto em foco no texto e envidar novas investidas, ‘superiores’, para o trabalho de produção de conhecimento de seu aluno.

Nessas condições, considerar a “falta de tempo” para ler merece, além da análise cuidadosa, encaminhamentos práticos no âmbito das próprias relações de ensino produzidas na formação em nível de graduação. Trata-se de reelaborar e aproveitar os ‘momentos oportunos’, conforme explicitam Certeau (1994) e Heller (1991), para produzir modos de leitura que possibilitem um tempo de construção de relações entre pessoas, formas e conteúdos. Reelaborar os ‘momentos oportunos’ exige de qualquer professor uma compreensão tanto do seu objeto de ensino quanto do sujeito para e com quem media. Os ‘momentos oportunos’ dão-se a ver na conhecibilidade, na maleabilidade de retomar temáticas e situações e novamente encadeá-las. Na metáfora kairológica do uso do tempo, rebordando o tecido, repuxando a trama e a urdidura. Como fazê-lo?

A essa pergunta, contrapomos outras: que tempos temos para ouvir, conhecer, reconhecer e elaborar alternativas para os estudantes com quem convivemos? Que tempo temos para conhecer as escolhas dos estudantes? Nesses tempos, o que sabemos sobre as formas em que se produz a leitura dos nossos estudantes? O que sabemos sobre as ‘artimanhas’ de que lançam mão para ler e para não-ler? Como lidamos com elas?

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2. Um episódio singular e seus aprendizados

Analisamos a seguir um episódio vivido por uma de nós.

No corredor das salas de aula uma aluna inquire: “Professora, qual o texto para próxima aula?” Respondo pelo título do capítulo e nome do autor. E em seguida completo: “Você vai tirar cópia?” “Não professora, eu não tiro mais cópias dos textos.” Perguntei: “Você vai ler na biblioteca?” “Não! Eu descobri que se eu tiro cópia, o texto acaba ficando para depois, depois, e eu não leio, assim, agora eu peço a cópia emprestada de uma amiga. Como a amiga também precisa ler para o dia da aula, eu tenho que ler, anotar e devolver a tempo dela ler. (abril de 2008)

No momento mesmo em que aconteceu o relato, o estranhamento por ele suscitado foi tal que levou a professora a registrá-lo. Além disso, provocou a observação cuidadosa dos modos de ler daquela aluna e o acompanhamento sistemático de seu desempenho no decorrer da disciplina, que é anual.

Ao longo dos encontros, a estudante indiciava em sua participação oral que lera os textos programados para as aulas.

Ao final da disciplina, como um dos elementos avaliativos, os estudantes deveriam entregar um relatório/caderno/diário das anotações das aulas, das leituras realizadas e de observações que eles realizaram, seja com crianças, nos estágios, ou em outras situações corriqueiras de leitura e escrita na vida cotidiana que se tornaram visíveis e comentadas em aula. De maneira geral, os cadernos/diários dos estudantes eram muito parecidos. Entretanto, o caderno/diário da estudante do relato acima destoava do conjunto. Em primeiro lugar pelo volume. Era um destes cadernos bem grossos, quase todo

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preenchido, e nele constava o fichamento de quase todos os textos de leitura ‘obrigatória’ e outros complementares. Fichamentos elaborados ora com a redação da própria aluna, demonstrando que tivera, além do tempo para ler, o tempo para escrever sobre aquilo que lera, e outros elaborados no formato de cópias de parágrafos ou itens do texto original.

A análise do material produzido no caderno/diário permitiu várias observações, análises e indagações. Uma condição que se destacou foi a utilização, pela aluna, de uma forma de leitura antiga ou em desuso e em declínio na universidade: ler um texto de empréstimo e fazer anotações à mão sobre ele. Talvez este fosse um modo de ler mais típico antes do advento das fotocópias em que o comum era dirigir-se à biblioteca da universidade para tomar o livro público de empréstimo, fazendo-se apontamentos sobre ele e sobre a própria leitura. Essa prática deu lugar às anotações, rápidas, feitas nas margens ou no verso dos textos fotocopiados.

Outra característica significativa do modo de ler dessa estudante foi sua organização no tempo. De modo a devolver o texto tomado de empréstimo, antes do prazo da aula, ela necessitava ‘autodeterminar’ o tempo (ELIAS, 1994). De certa forma, pela ausência do suporte físico do texto, o modo de ler (ler e anotar) a quantidade (tentar ler todo o texto) e o tempo/prazo de ler diferenciavam-na dos companheiros. A ausência da materialidade do suporte do texto movia a estudante para que lesse e registrasse o lido ou sobre o lido com muito mais critério já que os demais alunos munidos do suporte da fotocópia poderiam retornar a ela em caso de dúvida, para uma releitura, ou para terminar a leitura em outro momento.

O principal questionamento a que esse episódio instiga-nos é: o que os modos de ler dos estudantes podem nos ensinar sobre as

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formas de conduzir a leitura nos processos de formação de professores em um curso de graduação?

A experiência temporal cotidiana, conforme nos lembra Heller, envolve indissociavelmente os aspectos temporais do limite, da irreversibilidade, do tempo vivido, que são tempos longos. Assim como a distribuição, o ritmo, a sincronicidade e a simultaneidade e o aproveitar os momentos oportunos envolve aspectos temporais curtos. Para pensarmos o ensino-aprendizado na graduação priorizamos, neste trabalho, o aspecto limite da experiência temporal cotidiana. O limite é, em outros termos, a duração limite ou a morte, o envelhecimento e a convivência com outra geração, isto é, um dos aspectos mais significativos da temporalidade humana. Foi o que nos mostrou os gestos/atos de leitura da aluna do episódio referido: seus modos de ler marcam a dialogicidade com outros: colegas, professores, autores, contexto imediato e mediato. Inclusive estabelece o diálogo entre os modos de ler da tradição de grande temporalidade e os da geração atual. Limites de longa temporalidade e limites de curto prazo precisam ser sincronizados, encadeados, cadenciados e auto-regulados. O aprendizado do uso destas relações temporais coordenadas com o modo de ler distinguiu a estudante. É o que nos permite ler Heller, quando afirma existir uma intrínseca relação entre os limites da vida do indivíduo e os pontos-limites históricos. Estes últimos periodizam o destino de uma interpretação, fixam o marco do seu desenvolvimento. No entanto, a densidade desses pontos não é indiferente à conduta da vida cotidiana. “A não resignação à irreversibilidade por parte dos homens é um modo de reagir ao feito irreversível da finitude da vida, sua limitação [morte e geração], e isso se faz por projetos históricos que extrapolam a própria vida biológica.” (HELLER, 1991, p. 388).

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Uma relação com o limite é a consciência da falta de tempo, ou “o temor de perder para sempre o que não conseguiu obter hoje” (HELLER, 1991, p. 387-9). Assim, refletir sobre a formação de professores pode ser também uma oportunidade de pensar sobre o tempo: a irreversibilidade, o tempo vivido, o limite. Como pode ser, também, o inverso, isto é, observar como a experiência do tempo na totalidade das práticas pedagógicas é fundante no processo de formação humana e profissional. Os aspectos temporais das situações vividas no cotidiano ajudam a fazer, desfazer e refazer as experiências, bem como ajudam a analisar as práticas educacionais e outros processos de formação de professores.

Referências bibliográficas:

BAKHTIN, Mikhail. Questões de estética e literatura: a teoria do romance. São Paulo: Hucitec, 1988.______. A estética da criação verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.______. (VOLOCHINOV). Marxismo e Filosofia da Linguagem. 11. ed. São Paulo: Hucitec, 2004.CERTEAU, Michel. A Invenção do Cotidiano: artes do fazer. Petrópolis: Vozes, 1994.ELIAS, Nobert. Sobre o tempo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.HELLER, Agnes. Sociología de la vida cotidiana. Barcelona: Ediciones Península, 1991.LEONTIEV, Alexei. N. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Livros Horizonte, 1978.

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O texto literário e o trabalho com a compreensão em livros

didáticos de português

Thaís Ludmila da Silva Ranieri FSM – PPGL/UFPE – [email protected]

RESUMO: Acreditando que há ainda muito que se investigar no campo da compreensão e que os textos literários ainda carecem de uma maior atenção no espaço didático, a presente investigação tem por objetivo fazer uma análise das questões de compreensão propostas para o trabalho com o texto literário em livros didáticos do Ensino Fundamental 2. Para tal, recorremos à tipologia proposta por Marcuschi (2004) e as discussões sobre a escolarização do texto literário em Soares (2006) e Chiappini (2005).

PALAVRAS-CHAVE: compreensão, texto literário, livro didático.

ABSTRACT: Believing that there is still much to investigate in the field of understanding and literary texts that stil require more attention in the educational space, this research aims to analyze the issues of understanding proposed to work with the literary text in books teaching of Ensino Fundamental 2. We rely on the typology proposed by Marcuschi (2004) and discussions on the education of the literary text in Soares (2006) and Chiappini (2005).

KEYWORDS: comprehension, literary text, textbook.

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Apresentação

Há certo tempo, contamos com uma diversidade de pesquisas que visam às questões de compreensão em livros didáticos de língua portuguesa (LDP). Procurando contribuir com as discussões já existentes, o presente trabalho propõe-se a investigar o tratamento dado aos textos literários nos manuais didáticos. Em nosso caso, focamos especificamente às atividades de compreensão que envolvem tais textos. Para tanto, partimos do pressuposto de que o texto literário, como qualquer outro texto ao chegar à instância pedagógica, assume características distintas de seu domínio discursivo. Por sua vez, as atividades em que estão envolvidos são previamente planejadas pelos autores das coleções (MARCUSCHI, B; 2007), que levam em conta esse processo de didatização. Tendo em vista esses pontos, buscamos investigar se as questões de compreensão elaboradas para serem trabalhadas com esses textos exploram os aspectos literários e estilísticos que são intrínsecos a eles. Posto assim, para a composição do corpus, selecionamos os volumes 2 e 3 da coleção didática Tudo é linguagem. Na coleção, selecionamos uma sequência didática de cada volume que trabalha um gênero textual específico da literatura, em nosso caso o conto e o poema. Para isso, tomamos como parâmetro a tipologia proposta por Marcuschi (2004), além das discussões que envolvem o trabalho com o texto literário em sala de aula (CHIAPPINI, 2005; SOARES, 2006). Sendo assim, pretendemos investigar, também, se existe uma diferença entre o tratamento dado ao texto literário em relação aos textos de domínios discursivos distintos, ao que tange às questões de compreensão.

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1. Referencial teórico

Como pressuposto para todo trabalho em Linguística, faz-se necessário uma discussão acerca da concepção de língua e, em nosso caso também, de texto que subjaz a pesquisa. Posto assim, as discussões que serão apresentadas tomam por base as concepções de língua e de texto tal como propostas pela perspectiva sóciocognitiva de estudos da linguagem.

Ao tomar os posicionamentos teóricos expostos por essa área, a visão de língua adotada considera a sua perspectiva funcionalista, não negando, no entanto, a sua organização sistêmica. “Esse ponto de vista implica uma noção de língua que não se esgota no código, nem em um sistema de comunicação que privilegia o aspecto informacional ou ideacional. A língua não é um simples instrumento de transmissão ou de informação” (KOCH, MARCUSCHI, 2006, p. 382). Assim, uma vez que a noção de língua não será tomada apenas como um sistema, destacamos também as questões referentes aos contextos de uso e de produção bem como os sujeitos envolvidos no processo interacional. Portanto, abraçamos a concepção de língua tal como concebida por Marcuschi (2004b, p. 29), que a vê como conjunto de práticas sociais e cognitivas historicamente situadas. Buscamos, também, a visão de Koch (2003) que tem a língua como uma atividade sociocomunicativa. Essas concepções são reforçadas com a visão defendida por Silva (2002, p. 182), quando afirma que “a língua é uma forma de ação de um para com outro, uma ação entre aquele que produz e aquele que recebe e vice-versa”.

Por conseguinte, uma vez exposta a concepção de língua que orienta as reflexões que serão feitas, faz-se necessário apresentar a concepção de texto assumida no presente trabalho.

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Distante das antigas concepções em que a unidade textual se mostrava como um produto acabado, a perspectiva sociocognitiva adota um enfoque em que o texto é visto como produto da ação verbal. Sob essas condições, “os textos são entidades comunicativas verbalmente realizadas e não entidades lingüísticas que adicionalmente possuem um caráter comunicativo” (SCHIMDT apud JUBRAN, 2006). Visto sob essa ótica, o texto ao ser trabalhado congrega princípios teóricos de áreas como a Pragmática, a Linguística Textual e a Análise de Conversação.

Essa posição nos conduz a olhar para a unidade textual dentro de situações concretas de uso da língua, uma vez que somente sob essas condições conseguimos arcar com as especificidades das interações verbais, tais como o contexto de produção e de recepção (no caso dos textos escritos), os sujeitos participantes e os elementos de ordem outras ordem semióticas, isto é, todas as questões pertinentes ao processo da interação verbal. Koch (2003, p. 17), afirma que “há lugar, no texto, para toda uma gama de implícitos, dos mais variados tipos, somente detectáveis quando se tem, como pano de fundo, o contexto sociocognitivo dos participantes da interação”.

O caso do texto literário

Sem precisar fazer uma investigação mais aprofundada, percebemos que os textos literários têm um lugar cativo nos livros didáticos de língua portuguesa. Até certo tempo atrás, era praticamente o único tipo de texto que circulava nas aulas de língua, visto que o texto literário, em vários momentos, foi visto e associado com a ideia do bem fazer e com a estética do belo, tal como aconteceu no fim do século XIX aqui no Brasil. (CHIAPPINI, 2005). No entanto, desde a década de 90 com a criação do PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais) de Língua

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Portuguesa e com as contribuições teóricas vindas das discussões sobre Gêneros Textuais, o texto literário passou a disputar espaço com textos de outras instâncias discursivas, sem, contudo, perder o seu status. Vale ressaltar a afirmação que se encontra no PCN de Língua Portuguesa, quando defendo o trabalho com os textos literários, acompanhe:

A questão do ensino da literatura ou da leitura literária envolve, portanto, esse exercício de reconhecimento das singularidades e das propriedades compositivas que matizam um tipo particular de escrita. Com isso, é possível afastar uma série de equívocos que costumam estar presentes na escola em relação aos textos literários, ou seja, tratá-los como expedientes para servir ao ensino das boas maneiras, dos hábitos de higiene, dos deveres do cidadão, dos tópicos gramaticais, das receitas desgastadas do “prazer do texto”, etc (1998, p. 30).

Como afirma Chiappini (2005) hoje precisamos rever o conceito de literatura, uma vez que não pode ser adotado o mesmo do século XIX. Desse modo, para superá-lo e ampliá-lo, é preciso passar por dentro dele, passar pelo próprio texto. Posto assim, veremos como a escola recebe o texto literário e trabalha com ele.

Ao assumirmos uma concepção de língua e de texto pautada numa perspectiva interacional e sociocognitiva, caminhamos para uma discussão que nos faça ver o texto como produto social e dialógico. No caso do texto literário, mais uma vez Chiapini (2005, p. 245) nos mostra que, dentro da Teoria da Literatura, “há teorias que enfatizam o texto, outras que enfatizam sua relação com o social, umas que acentuam a relação da obra com seu processo de produção e com seu autor, outras, com sua recepção, seus leitores”. Essas perspectivas nos apontam que não

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há uma única forma de lidar com o texto literário, ou melhor, que é possível lidar de maneiras diversificadas com ele. Consequentemente, o trabalho em sala de aula ganha uma gama de possibilidades que ultrapassa uma perspectiva meramente formal, como se tem visto em grande número em propostas de atividades dos livros didáticos de Português para então, adotar uma posição de base interacional que privilegia os espaços de circulação, como também a relação autor-leitor. Para isso, o texto literário sofre algumas adaptações até chegar à sala de aula, conforme veremos abaixo.

É inegável que o saber que chega à escola passa por um processo de transformação para atender as necessidades desse espaço. No decorrer desse processo, o conhecimento científico é modelado e sistematizado, visando uma organização bem própria do espaço escolar. O conhecimento precisa ser ajustado ao tempo escolar, à divisão em séries e à unidades. Não sendo diferente, percebemos que o texto literário também recebe uma nova roupagem, isto é, também sofre alterações para se adequar ao domínio da escola. Nesse processo de escolarização do texto literário, Soares (2006) aponta quatro aspectos importantes:

• a questão da seleção de textos: gêneros, autores e obras;• a questão da seleção do fragmento que constituirá o texto a

ser lido e estudado;• a questão da transferência do seu suporte literário para um

suporte didático, a página do livro didático;• a questão das intenções e dos objetivos de leitura e estudo

do texto.

Em nosso caso, chama-nos a atenção o primeiro e último ponto, a seleção de textos e as intenções e os objetivos da leitura. No caso

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do primeiro aspecto, de modo geral, há uma grande recorrência aos gêneros literários da narrativa (conto, novela e romance) e poema. Ainda se mostra pouco presente a presença de outros gêneros literários como a epístola, a biografia e a peça teatral. Paralelamente, a escola ainda prioriza uma coletânea de obras e autores que são considerados modelos para o bem escrever, colocando de lado autores contemporâneos ou de matizes regionais.

Já ao que se refere ao quarto aspecto, a questão parece ser ainda mais deficitária. Não há uma proposta clara do trabalho com os textos literários, principalmente nas turmas do ensino fundamental. No caso do trabalho com a leitura, observamos que não há um espaço para a leitura do texto em sala de aula e, muito menos, uma orientação adequada do professor para se fazer esse trabalho.

Os LDP’s ficam longe de um trabalho que vise à percepção da literariedade do texto e de seus recursos expressivos e estéticos. Para Soares (idem), os manuais didáticos se preocupam mais com as informações veiculadas do que o modo como são veiculadas, uma vez essa parece ser uma das principais características entre textos literários e não-literários.

Discutindo compreensão

Já está bem discutida a ideia de que ler é decodificar. Estudos recentes vêm mostrando que a noção de leitura se associa à noção de compreensão, assim, pode ser dizer que, ler é compreender. Vista sob essas condições, a leitura deixa de ser uma atividade isolada, para então ser vista como uma atividade social e interacional, vinculada a contextos sociais e culturais. Para Marcuschi (2004, p. 143),

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a compreensão não é uma atividade natural e nem uma herança genética nem uma ação individual isolada do meio e da sociedade em que vive. Compreender exige habilidade, interação e trabalho. Compreender não é uma ação apenas lingüística, mas é muito mais uma forma de inserção e um modo de agir sobre o mundo na relação com o outro.

Podemos afirmar que “a compreensão é também um exercício de convivência sócio-cultural” (MARCUSCHI, 2004, p. 144). Paralelamente, Kleiman (2004), considera o processo de compreensão uma atividade interativa em que o leitor ativará seus conhecimentos com os do texto, gerando, por sua vez, um novo texto. A compreensão de um texto não se esgota somente no lingüístico. Ela é fruto de uma atividade social, uma vez que, para a sua realização, faz-se necessária a participação de fatores socioculturais e cognitivos. Sob essas condições, a leitura passa a ser vista como uma ação solidária e coletiva no seio da sociedade. Para Koch (2002, p. 46), durante o processamento textual “os usuários da língua realizam passos interpretativos finalisticamente orientados, efetivos, eficientes, flexíveis, em vários níveis simultaneamente”, para processar a informação.

Trazendo a discussão para o espaço didático, percebemos que os livros ainda desenvolvem questões de compreensão que pouco exploram os aspectos discursivo-cognitivos dos textos. Ainda há uma predominância de questões tipo “a cor do cavalo branco de Napoleão”, em que as perguntas são autorrespondidas ou de perguntas que focalizam a localização de informações no texto, sem ter um objetivo explícito com essa busca de informação (MARCUSCHI, 2004). Ao fazer uma categorização das perguntas, Marcuschi nos apresenta ainda outros tipos de questão de compreensão em sua pesquisa: questões tipo cópias, objetivas, inferenciais, globais, subjetivas, vale-tudo, impossíveis,

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metalingüísticas. De modo geral, o nome dado às questões já anunciam as suas intenções.

No caso do trabalho com o texto literário, a situação parece ser mais gritante. Ainda que esse tipo de texto apresente características distintas, podemos afirmar que, de modo geral, o tipo de questão apresentada acima é a mesma utilizada para se trabalhar com os textos da literatura. Não há distinção entre um e outro tipo de texto. Ainda que alguns autores anunciem as suas especificidades, tal como Soares (2006, p. 43),

os objetivos de leitura e estudo de um texto literário são específicos a este tipo de texto, devem privilegiar aqueles conhecimentos, habilidades e atitudes necessários a formação de um bom leitor de literatura: a análise do gênero do texto, dos recursos de expressão e de recriação da realidade, das figuras autor-narrador, personagem, ponto de vista (no caso da narrativa), a interpretação de analogias, comparações, metáforas, identificação de recursos estilísticos, poéticos, enfim o estudo daquilo que é textual e daquilo que é literário.

Posto assim, passaremos para a análise em que confrontaremos as reflexões teóricas com os dados coletados.

2. Metodologia e análise dos dados

O corpus foi construído a partir de uma seleção das unidades de uma coleção didática. A coleção selecionada foi Tudo é linguagem aprovada pelo PNLD (Plano Nacional do Livro Didático) de Língua Portuguesa em 2008. Para compor o corpus, foram selecionados os volumes 2 e 3 da coleção e de cada um foi escolhida uma unidade programática. No

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caso do volume 2, escolhemos a unidade 1 que trabalha com o gênero conto. E no volume 3, selecionamos a unidade 7 que apresenta um trabalho com o gênero poema. Para a análise, apresentaremos uma visão geral de cada unidade e, em seguida, os comentários críticos.

Análise das unidades

O momento da compreensão na coleção Tudo é linguagem

A primeira atividade de trabalho proposta pela unidade é a atividade de compreensão. O livro apresenta como Interpretação do texto – Compreensão inicial. Nessa atividade, o aluno se depara com outro subtítulo Atividade escrita, anunciando que as respostas devem ser escritas no caderno. Geralmente os autores propõem uma média de 7 a 10 perguntas referentes ao texto que abre a unidade. Em alguns momentos, também é proposta uma atividade de compreensão para ser respondida oralmente – Atividade oral. Nesse caso, não se trata de questões de compreensão a serem respondidas oralmente, mas de oralização do texto escrito.

Volume 2 – unidade 1 – o gênero conto

Nessa unidade, o livro traz para os alunos o conto A aranha de Orígenes Lessa. O conto é apresentado completo seguido da referência bibliográfica e de um breve quadro com informações sobre o autor no fim da página. È interessante notar a presença, perto do título do texto, da capa do livro onde o texto foi publicado. Há também ilustrações feitas exclusivamente para o conto ao longo da narrativa. De modo geral, as ilustrações apresentam as personagens, imagens do elevador e de uma aranha.

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Em seguida, é aberta a atividade de compreensão (Compreensão inicial – Atividade escrita) e inicia-se a sequência de perguntas. No total, são 9 perguntas de compreensão. Algumas têm mais de uma pergunta por quesito, tal como as questões 1 e 2.

A questão 1 e 2 buscam obter informações sobre o narrador e os personagens. Para isso, os autores constroem 5 questões para o primeiro quesito e 6 questões para o segundo. As questões de modo geral buscam obter informações sobre o enredo do conto, o papel de cada elemento da narrativa, o espaço e as características das personagens. São feitas perguntas que levam o aluno a localizar as informações pontuais no texto. De modo geral, as perguntas parecem querer confirmar se realmente o aluno leu o conto, visto que muitas perguntas de localização apenas pedem que se busquem um ou outro elemento no texto. Muitas vezes sem ser necessário, para que se responda, fazer a leitura do texto. Nesse caso, parece haver uma preocupação dos autores da coleção em garantir que o texto tenha sido lido. Paralelamente, indica também uma preocupação em ajudar o aluno a organizar as informações do texto. Há, em algumas perguntas, a preocupação em identificar alguns elementos da narrativa: personagens, narrador, espaço e tempo.

Veja:

1. Numa história, uma personagem quer convencer o narrador, que também é personagem, a escrever um conto sobre um caso acontecido.a. Quem é a personagem que quer convencer o narrador a

escrever o conto?b. Onde acontece a conversa entre eles?c. Que motivo o narrador alega para não ouvir o caso?d. O que acontece que possibilita a personagem contar sua

história?e. Qual é a história que a personagem insiste em contar para virar

um conto?

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2. A outra história dentro do conto é aquela que Enéias sugere que se transforme em conto. a. Quem são as personagens principais dessa outra história?b. Quais as características do Melo apontadas pelo contador?c. Onde se passa essa história?d. Como é caracterizado o lugar?e. Quando se passam as ações nessa outra história?f. O que acontece nessa história?

Ainda que, à primeira vista, esse tipo de pergunta parece ser descartável no trabalho de compreensão, é interessante salientar a sua importância, quando bem conduzida, como se dá acima. Não se trata de só localizar onde e o quê no texto, mas de sistematizar as informações do texto. Muitas vezes os alunos não conseguem autonomamente reconstruir o enredo do texto e acabam por confundir a sequência de fatos nas narrativas. No caso do conto A aranha, a atividade se mostra necessária, pois o conto também aborda o processo de criação de um conto, isto é, apresenta uma temática metalingüística.

Além desse tipo, encontramos também questões de cópias. Nesse caso, não há um trabalho que explore a compreensão do texto em si, mas, chama a atenção, para se tentar trabalhar o adjetivo como recurso de construção das personagens. A questão se perde, quando só orienta o aluno a copiar e não propõe uma reflexão a mais sobre como essas características. Observe:

“3. A aranha é vista na história de duas maneiras: como um bicho ameaçador e como um bicho companheiro, com comportamento quase humano. Copie do texto palavras que caracterizam cada um desses modos de ver a personagem”.

Já a questão 4, O que fez com que a aranha, a principio considerada monstruosa, passasse a ser distração e a companheira de Melo?, pode ser classificada como inferencial, uma vez que o aluno necessita

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recorrer ao seu conhecimento de mundo para entender a mudança sofrida pela aranha. Da mesma forma, como acontece com a 6 No final do conto, sob o ponto de vista de Melo, a aranha é “uma velha amiga”. E do ponto de vista do visitante, o que a aranha representa?

Nessas duas, o livro pouco explora a construção estilística do conto ou o processo de construção do conto que é uma das temáticas do enredo do texto trabalhado. As questões mostram outras preocupações que não são impertinentes, mas que deixam em segundo plano as especificidades do texto literário.

A questão 5 pode ser classificada como uma questão metalingüística, visto que objetiva analisar os recursos de coesão construídos com o uso do pronome ela. No entanto, a questão também busca olhar para os efeitos expressivos da forma como o pronome se apresenta. Observe:

À medida que o Melo e a aranha vão ficando companheiros, a personagem Enéias vai mudando a forma de se referir a ela. Compare o uso do pronome ela nas frases do texto:

I. “Para ver se ela voltava. E voltou.” (linha 102)II. “Queria saber se ‘ela’ voltava”. (linha 128)III. “Era Ela, com E grande ...” (linha 152)

No exemplo 1, o uso de ela é comum: o pronome está empregado para substituir “a bicha”. Explique o uso das aspas no exemplo II e o emprego da palavra Ela, com inicial maiúscula, no exemplo III.

Tal como propõe Soares (2006), a questão busca explorar estilisticamente o uso do pronome Ela, uma vez que, seu uso nesse contexto, não está sendo evidenciado somente como um elemento de articulação textual. O uso do pronome, nesse trecho do conto, retoma a palavra aranha, ao mesmo tempo em que reconstrói discursivamente a palavra aranha que no texto apresenta valores bem particulares.

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Da mesma forma, busca-se trabalhar na questão 7. O autor nessa questão explora os adjetivos, os verbos e o grau aumentativo, como recursos expressivos na construção do gênero conto. Fica evidente o uso das classes de palavras como elemento importante na construção da narrativa. Acompanhe:

Observe com atenção os adjetivos, os verbos e o aumentativo usados nesta frase:

“E num salto violento, (...) caiu sobre a aranha, esmagando-a com o sapatão cheio de lama.”

Agora, copie em seu caderno a frase seguinte completando-a com a alternativa que achar mais adequada;

Do modo como é narrada essa passagem do texto, o que se pretende mostrar é:

a. a situação de fragilidade da aranha.b. a situação de perigo vivida pelo visitante.

Salienta-se, no entanto, que a questão, ainda que busque explorar os recursos literários do conto, se perde por não levar o aluno a observar as características da aranha. O aluno é levado a responder, de acordo com, a visão do autor do livro que se limita a duas opções. Ou uma ou outra está certa. Além disso, o uso estilístico das classes trabalhadas só é brevemente comentado. A atividade não conduz o aluno a perceber o uso das flexões como algo que particulariza e singulariza o uso da forma lingüística nos textos literários.

Por fim, as questões 8 e 9 voltam a explorar outros pontos do texto, deixando, mais uma vez de lado, os aspectos literários. Assim, seguindo a tipologia proposta por Marcuschi (2004), podem ser classificadas

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como subjetivas, uma vez que não há como confrontar o que será tido como resposta com as informações do texto. A resposta fica a critério do aluno, sem que se precise voltar ou se basear no texto, para obtê-la. Acompanhe:

8. Releia:“E vocês não imaginam o desapontamento, a humilhação com que ele ouviu toda essa história que eu contei agora...”Por que o visitante ficou desapontado e humilhado ao ouvir a história da aranha?

9. O texto começou com uma pergunta: “Quer assunto para um conto?”Depois de ter lido a história da aranha que apreciava música, qual a sua opinião? Esse foi um bom assunto para um conto? Por quê?

Volume 3 – unidade 7 – o gênero poema

Nessa unidade, o gênero poema é o grande destaque. O próprio nome da unidade Agora... poemas revela a quase que exclusividade de textos poéticos presentes por toda a unidade. Logo de cara, os autores apresentam dois textos para as atividades de compreensão textual, mas cada um com questões próprias. Em seguida, há um trabalho de comparação entre os dois poemas. Para a análise em questão, no entanto, selecionamos o segundo O tempo é um fio de Henriqueta Lisboa.

Ao que se refere ao trabalho com a poesia, Soares (2006) aponta para a exploração da metáfora como recurso da construção do texto. E é exatamente com essa proposta que os autores iniciam as atividades de compreensão que pode ser vista nas atividades 1 e 2. Nessas atividades, os autores exploram a relação tempo e fio e a ideia do verbo tecer que possibilita uma diversidade de sentidos.

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Thaís Ludmila da Silva Ranieri

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1. No poema o tempo é definido por meio de uma metáfora, isto é, uma comparação implícita. Recorde a diferença entre metáfora e comparação.

O tempo é um fio. → O tempo é como um fio. ↓ ↓ metáfora comparação

a. Observe o esquema a seguir:

Tempo Fio

Qual é idéia que pode ser comum a tempo e a fio?

b. Copie do texto outras palavras ou expressões que reforçam a idéia apontada por você no item a.

2. Tecer siginifica entrelaçar fios para formar tecidos, redes, esteiras, cestos; o mesmo que trançar. O eu poético faz um apelo: “Tecei! Tecei!”, provavelmente para que se aproveite o fio do tempo. Indica como aproveitar o tempo por meio de metáforas. Observe o esquema:

O que, provavelmente, essas metáforas indicam em relação ao aproveitamento do tempo? Transcreva em seu caderno as alternativas que podem traduzir essa idéia:

Tecei

rendas de bilro com gentileza

franças espessas com mais empenho → carregam frutos

malhas e redes com mais astúcia → apanham peixes

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a. Aproveitar o tempo produzindo algo útil, delicado.b. Aproveitar o tempo fazendo algo que gosta.c. Aproveitar o tempo com trabalhos que dêem dinheiro.d. Aproveitar o tempo com ações que dêem bons resultados.

No entanto, as questões seguintes se detêm a simplesmente explorar os recursos gramaticais da poesia, com pouca reflexão sobre esses recursos na construção do texto poético. Veja:

3. Releia o esquema da atividade anterior e copie os adjuntos adverbiais de modo que estão conferindo atributos ou qualidade às ações para se aproveitar melhor o tempo. Explique-os.

Ou tratam de questões subjetivas ou de localização de informação:

4. Na sua opinião, por que haveria necessidade dessas qualidades para melhor aproveitar o tempo?5. O tempo perdido é comparado com o quê?

Agora, observamos mais uma vez a exploração da construção do texto poético, como acontece na questão 6:

6. O verso “Mas ainda é tempo!” está bastante destacado, pois ele sozinho forma uma estrofe. Qual seria a razão desse destaque?

Nessa atividade, os autores chamam a atenção do aluno para a construção da estrofe. Todo o poema apresenta estrofes com mais de um verso, no entanto, ao se chegar ao fim da poesia é apresentado uma estrofe construída com um verso só.

Já o último quesito, se distancia da proposta das primeiras questões. Percebemos que as questões não podem ser tidas como questões de compreensão. Estão mais para questões de análise lingüística. A preocupação delas é com a reflexão sobre o uso do sistema lingüístico.

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Observe:

7. Releia a última estrofe:“Soltai os potrosaos quatro ventos,mandai os servosde um pólo a outro,vencei escarpas,dormi nas moitas,voltai com o tempoque já se foi!...”

a. Por meio de que palavras percebemos que a última estrofe também é um apelo?

b. Qual é o sujeito a que se referem os verbos dessa estrofe?c. Nessa estrofe o eu poético parece fazer um apelo final convocando o

sujeito a ações mais intensas, mais fortes, mais contundentes. Dessas ações, transcreva a que indica:

• sacrifício;• desafio.• força.• usar todos os recursos.

d. No primeiro apelo feito ao sujeito (segunda estrofe), a ênfase é dada à ação de tecer, para prender o tempo.E para aproveitar o tempo que ainda resta, o que deve ser feito?

e. Na segunda estrofe o eu poético faz um apelo para que se aproveite o tempo, usando o verbo tecer no presente. Já nos dois últimos versos o apelo é diferente, pois há um verbo no pretérito:

“voltai com o tempoque já se foi!...”

Na sua opinião, o que pode significar esse verbo final do poema?

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Conclusão

Ainda que o texto literário tenha um espaço privilegiado na sala de aula, percebemos que, muitas vezes, o trabalho que se é proposto deixa a desejar. No caso da compreensão, que foi o objeto de investigação do trabalho, pudemos ver que os textos literários são tratados com poucas diferenças em relação aos textos de outros domínios discursivos. Não estamos aqui panfletando uma supervalorização do texto literário em detrimento aos demais tipos de textos, mas buscamos trazer a importância de sua presença no espaço escolar. Enfatizamos que é papel da escola fazer uso e tomar para si a obrigação de oferecer acesso aos textos da literatura, bem como de apresentar propostas de trabalho condizentes com o processo de produção deles. Isso nos levar a pensar em um dos aspectos apresentados por Soares (2006) que trata dos objetivos do estudo desse tipo de texto na escola. Assim, quais são as intenções e os objetivos que se têm em mente ao recorrer ao texto literário como objeto de estudo nas aulas de Língua Portuguesa? Essa parece ser a grande pergunta.

Nas atividades analisadas, vimos propostas que buscam atender as especificidades do texto literário. Vimos questões que buscavam explorar os aspectos estilísticos presentes nesse tipo de texto. Explorar a estrutura dos gêneros da literatura trabalhados, analisar os elementos da narrativa. No entanto, temos, na mesma coleção, questões que usam o texto literário como pretexto para se fazer análise lingüística. O interessante é que essas atividades foram encontradas no espaço destinado ao trabalho com a compreensão textual. Aqui surge outra pergunta: está claro para os autores dos livros didáticos e para nós professores, o que é o trabalho com a compreensão?

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A resposta parece ser não. Na análise, pudemos acompanhar uma proposta de trabalho com o gênero poema. As últimas perguntas nem se quer foram classificadas de acordo com a tipologia de Marcuschi (2004), uma vez que não se tratavam de questões de compreensão. Não eram boas ou ruins, não eram, no entanto, questões de compreensão.

As questões aqui levantadas não pretendem pôr em cheque a autoria da coleção ou coisa parecida. Buscamos ver os pontos positivos e os que precisam ser revistos, no intuito de levantar reflexões que caminhem para auxiliar o trabalho do professor em sala de aula. Assim, longe de ser um trabalho conclusivo, pretendemos com esta investigação chamar a atenção para o trabalho com a compreensão e, em especial, para o texto literário, mostrando que há ainda muita coisa a ser investigada.

Referências bibliográficas

CHIAPPINI, Ligia. A reinvenção da catedral. São Paulo: Cortez Editora, 2005.JUBRAN, Safa; KOCH, Ingedore. Gramática do Português Falado no Brasil - Vol. I: Construção do Texto Falado. Campinas: Editora da Unicamp, 2006. KLEIMAN, Angela. Leitura: ensino e pesquisa. São Paulo: Pontes, 2004, 2ed. KOCH, Ingedore. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez Editora, 2003, 2ed.KOCH, Ingedore; MARCUSCHI, Luiz Antônio. Referenciação. In: JUBRAN, Safa; KOCH, Ingedore. Gramática do Português Falado no Brasil - Vol. I: Construção do Texto Falado. Campinas: Editora da Unicamp, 2006.

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MARCUSCHI, Luiz Antônio. Compreensão de texto: algumas reflexões. In: DIONISIO, Angela Paiva; BEZERRA, Maria Auxiliadora. O Livro Didático de Português, Múltiplos Olhares. MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção Textual, Análise de Gêneros e Compreensão. Recife: Departamento de Letras, UFPE. 2ª versão, 2004b, 130, mimeo.PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: português /Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.SILVA, Luis Antônio da. Estruturas de participação e interação em sala de aula. In PRETI, Dino. Interação na fala e na escrita. São Paulo: Humanitas/FFLCH/USP, 2002.SOARES, Magda. A escolarização da literatura infantil e juvenil. In: EVANGELISTA, Aracy Alves Martins; BRANDÃO, Heliana M. B.; MACHADO, Maria Zélia V. A escolarização da leitura literária. O jogo do livro infantil e juvenil. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.

Coleção Didática

BORGATTO, Ana; BERTIN, Terezinha; MARCHEZI, Vera. Tudo é linguagem. São Paulo: Editora Àtica, 2008.

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O ensino de literatura e a formação de leitores literários:

o que dizem os PCN e as orientações curriculares para

o ensino médio

Rosivaldo Gomes UNIFAP – [email protected]

Josenir Sousa da Silva UNIFAP – [email protected]

RESUMO: Neste texto apresentamos algumas reflexões a respeito de como é apresentada a noção de texto literário em dois documentos oficiais, mais especificadamente, nos Parâmetros Curriculares Nacionais (1998) e nas Orientações Curriculares para o Ensino Médio (2006). Expomos também discussões de teorias que discutem as práticas de ensino/aprendizagem de literatura no ensino médio e a questão da formação de leitores literários na escola.

PALAVRAS-CHAVE: ensino, práticas de leitura, texto literário.

RESUMÉ: Dans cet article nous présentons quelques réflexions sur la façon dont est présentée la notion de texte littéraire dans deux documents officiels, notamment les Parâmetros Curriculares Nacionais (1998) et les Orientações Curriculares para Ensino Médio (2006). Nous présentons également des discussions théoriques en discutant des pratiques d’enseignement/apprentissage de littérature dans l’enseignement secondaire bien que la question de la formation de lecteurs littéraires à l’école.

MOTS-CLÉS: enseignement, pratique de la lecture, textes littéraires.

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Introdução

Ler implica troca de sentido não só entre o escritor e o leitor, mas também com a sociedade onde ambos estão localizados, pois os sentidos são resultado de compartilhamentos de visões de mundo entre os homens no tempo e no espaço (COSSON, 2006, p.27).

Atualmente é possível documentar uma série de transformações e mudanças que as instituições governamentais de ensino têm empreendido a favor de uma escola mais formadora e eficiente em relação a seus objetos de ensino. Tais ações, apesar de todos os limites, estão acontecendo tanto na área de formação e capacitação dos professores como em outra, não menos significativa, a das avaliações (ANTUNES, 2003, p. 21).

De acordo com Barros-Mendes (2005), reconhece-se que tais mudanças não ocorreram de uma hora para outra, mas graças, aos grandes avanços das ciências da aprendizagem e das ciências da linguagem, bem como a (re)configuração que está ocorrendo com os currículos de formação de professores desde a década de 60, e as próprias exigências sociais que impõem a revisão de paradigmas (BATISTA, 2003).

Essas mudanças que têm caráter interdisciplinar fizeram com que as investigações sobre leitura passassem a discutir com maior ênfase a interação que existe entre autor-texto-leitor (KOCH & ELIAS, 2009), ou seja, nesse processo, o sentido de um texto é construído na interação texto-sujeitos. Assim, partindo-se desse viés, a concepção de leitura vigente concebe esse processo como “uma atividade interativa altamente complexa de produção de sentidos” (KOCH & ELIAS, 2009, p. 11).

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Para Koch (2005), nessa perspectiva interacional - dialógica, o leitor passa a exercer papel de grande importância, deixando de ser paciente para tornar-se agente desse processo de construção de sentidos. Desse modo, o ato de ler passa a ser compreendido como um processamento cognitivo complexo de informações que são produzidas pelo leitor-produtor na sua interação com o autor-produtor, mediada pelo texto.

No que diz respeito à questão do ensino de literatura e a prática da leitura, incluindo-se nessa a literária, tem-se apresentado nas últimas décadas diversas discussões por teóricos da área, cf. Soares (2002), Lajolo (2008), Nascimento (2001), propondo outras formas de trabalho com o texto literário dentro da sala de aula no que se refere ao processo de escolarização da leitura literária.

Embora existam vários avanços no que se refere ao processo de ensino-aprendizagem de literatura e da leitura literária como prática a ser exercida dentro e fora da sala de aula, tem-se constatado ainda que quando se sai da esfera acadêmica e entra-se na sala de aula da maioria das escolas brasileiras de ensino fundamental e médio, encontramos uma prática pedagógica de trabalho com o texto literário que revela pouca ou quase nenhuma influência de todas essas novas perspectivas de abordagem e dos documentos oficiais, os quais foram criados com a finalidade de propor parâmetros didáticos para a efetivação do ensino de literatura e da leitura literária, ou seja, a escolarização da literatura acaba deixando de lado outros sentidos/significados que o texto possui (SOARES, 2001).

Nesse sentido, objetivamos com este artigo estabelecermos algumas reflexões a respeito de como é apresentada a noção de texto literário nos documentos oficiais criados pelo Ministério da Educação (MEC), mais especificamente, nos Parâmetros Currículos Nacionais (1997/8) e nas Orientações Curriculares para o Ensino Médio (2006). Para isso,

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expomos algumas discussões de teóricos sobre as práticas de ensino/aprendizagem da literatura no ensino médio, abordando a questão da formação de leitores literários na escola, posteriormente apresentamos discussões sobre o discurso do texto literário presente nos PCN e nas Orientações Curriculares para o Ensino Médio, mostrando qual postura esses documentos adotam em relação a esse tema.

Desse modo, este trabalho caracteriza-se como um artigo de revisão teórica, através do qual buscamos apresentar algumas contribuições para as discussões já existentes em relação ao ensino de literatura e da leitura literária, tanto no ensino fundamental quanto no médio.

1. A literatura no ensino médio: que leitores literários a escola tem formado?

Vivemos o momento dos questionamentos sobre o que está “congelado” na “tradição da homogeneidade” que por longos tempos foi “aceito” /imposto; a ordem agora é um mundo globalizante que “exige razões” e abre possibilidades de se libertar dos constrangimentos do passado, isso significa reconhecer que é a face positiva da globalização que nos leva a experimentar a heterogeneidade da vida humana de frente (MOITA-LOPES, 2006, p. 17).

Segundo Moita Lopes (2006) as mudanças culturais, sociais, econômicas, políticas e tecnológicas que estão se efetivando atualmente no mundo têm gerado um foco bastante incisivo na temática das identidades, tanto na mídia como nas academias. Segundo este autor, nas práticas cotidianas está havendo um questionamento constante dos modos de viver a vida social. Esse questionamento tem afetado a “compreensão da classe social, do gênero, da sexualidade, da idade, da

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raça e da nacionalidade”; em síntese, a compreensão de quem somos na vida social contemporânea (MOITA LOPES, 2006, p. 19-20). Com efeito, a escola não escapa dessas transformações e se vê obrigada a tomar decisões e a alterar suas estratégias e objetos de ensino para responder às necessidades da sociedade.

Durante a realização de observações de estágio supervisionado na disciplina Literatura Brasileira em turmas do ensino médio, em uma escola da Rede Estadual de Macapá, duas questões nos chamaram a atenção. A primeira diz respeito à atitude de agentes passivos que os alunos assumiam diante dos textos literários dentro de sala de aula apresentados pela professora, ou seja, raramente questionavam sobre o que liam ou apresentavam outra visão além daquela proposta por ela ou pelo livro didático.

A segunda refere-se ao convencionalismo do ensino de literatura pautado em suas características estruturais e de estilo literário de determinada época, em detrimento de um verdadeiro ensino de literatura e de leitura literária nas práticas escolares.

No que se refere à primeira questão, o processo errôneo e inadequado de escolarização atribuído ao texto literário, possivelmente seja uma das causas desse estado de “inércia” que instaurou-se, e em alguns casos ainda persiste, como percebido por nós nas quatro turmas de ensino médio, nas quais foram realizadas as observações. Segundo Magda Soares (2001), a literatura infantil – e nesse contexto insere-se também a geral – passa por três instâncias de escolarização: (i) a biblioteca escolar, (ii) a leitura e o estudo de livros de literatura e (iii) a leitura e o estudo de textos literários nas aulas de Português.

A primeira instância, conforme a autora, escolariza, ao especificar um lugar para guardar os livros, sendo que neste lugar a criança deve ter atitudes distintas das que têm cotidianamente. A biblioteca escolar seria então uma espécie de “templo”; escolariza também quando estabelece

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tempos para permanência em seu interior e de leitura dos livros sob sua guarda; quando seleciona os livros que oferecerá à leitura; quando socializa a leitura, definindo quem indica e com que critérios indica determinado livro e, por fim, quando estabelece rituais de leitura.

Nesse sentido, ao observarmos a realidade da maioria de nossas escolas, verificamos que praticamente as salas de leitura não exercem seu real papel, e na melhor das hipóteses, quando exercem são espaços não tão apropriados à leitura, ou então a visita a esse espaço de interação é limitado a um determinado dia e horário, é como se o “templo” – a escola – fosse o único lugar possível para que o “culto” – o ato de ler – fosse concretizado, excluindo-se desse modo os rituais pagãos – outras leituras feitas pelos alunos fora da escola. Essa exclusão pode ser explicada por meio do processo de escolarização da literatura, pois como esclarece (NASCIMENTO, 2001, p. 38):

Essa imprópria escolarização contribui para a deturpação, falsificação, distorção da literatura, uma vez que esvazia o texto literário de seu potencial, congelando-o, por exemplo, em definições e classificações que concorrem para afastar o aluno das práticas de leitura literária, desenvolvendo nele resistência ou aversão.

A segunda instância escolariza a literatura quando, nas aulas de Português, a leitura de livros literários assume a configuração (inevitável) de tarefa escolar e passa a ser avaliada por meio de instrumentos diversos, com objetivos também variados e que irão servir posteriormente como critério avaliativo, despertando assim no aluno, o não interesse pela leitura – principalmente a literária - ou seja, “o problema é que os rituais de iniciação propostos os neófitos não parecem agradar: o texto literário, objeto de um nem sempre discreto,

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mas sempre incômodo desinteresse enfado dos fiéis – infidelíssimos, aliás – que não pediram para ali estar” (LAJOLO, 2008, p.12).

Finalmente, a terceira instância que diz respeito ao uso de fragmentos de textos literários para serem lidos, compreendidos e interpretados. Tais fragmentos encontram-se, em sua maioria, em livros didáticos, livros esses que às vezes constituem-se como o único material de leitura dos alunos (e até mesmo de muitos professores) e suporte (e norte) do trabalho do professor.

Em relação à segunda questão, como bem explica Lajolo (2008) o uso do texto literário em sala de aula funda-se, ou deveria fundar-se em uma concepção de literatura muitas vezes deixada de lado em discussões pedagógicas, isto é, em que a escola, por não saber exatamente como explorar o texto literário, acaba atribuindo a esse um lugar secundário, passando então a literatura a ser tratada como pretexto e estratégia para o estudo de outros objetos.

Nesse sentido, o texto literário passa a ser o protagonista do ensino da escrita, da estrutura da língua e de uma leitura quase sempre reduzida a uma leitura não literária, que ao invés de permitir ao aluno liberdade de compreensão e possibilidades de inferências de sentidos, acaba se transformado em uma leitura que não permite a produção de mais de um sentido se não o ditado pelo professor ou pelo livro didático.

Isso pode ser constatado em muitas práticas escolares como a do tipo: o que o autor que dizer com isso? Presentes ainda na cobrança de interpretações de um texto que é literário, esquecendo-se que este possui sua singularidade com relação aos demais textos, se assim é, porque ainda continuamos propondo tais questões aos alunos? Já que de qualquer forma e em qualquer contexto, o autor ainda que queira, não pode influir na leitura que se faz de seu texto depois de pronto.

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Sabemos que a escola pode ensinar a ler, e também desenvolver um ensino de literatura que priorize o desenvolvimento de competências e habilidades relacionadas com o letramento literário, mas para que isso ocorra é necessário que ela se atualize, dando espaço para práticas culturais contemporâneas que são muito mais dinâmicas.

É necessário, portanto, refletirmos sobre quais leitores literários a escola está formando, quais práticas de letramentos literários têm-se priorizado em sala de aula, pois:

[...] devemos compreender que o letramento literário é uma prática social e, como tal, responsabilidade da escola. A questão a ser enfrentada não é se a escola deve ou não escolarizar a literatura, como bem nos alerta Magda Soares, mas sim como fazer essa escolarização sem descaracterizá-la, sem transformá-la em um simulacro de si mesma que mais nega do que confirma seu poder de humanização” (COSSON, 2006, p. 23).

Desse modo, no letramento literário não podemos simplesmente exigir que o aluno leia a obra e ao final faça uma prova ou ficha. É necessário e permissível que se possa ir além dos sentido/significados estabelecidos pelo discurso do professor ou do livro didático para que a inércia seja quebrada e se possam desenvolver capacidades leitoras proficientes, tanto para o ensino de literatura quanto para a prática da leitura literária.

2. O discurso sobre o texto literário nos Parâmetros Curriculares Nacionais e nas Orientações Curriculares para o Ensino Médio.

Amplamente divulgados desde o momento de sua publicação, em 1997 os Parâmetros Curriculares Nacionais do ensino fundamental

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(doravante PCN), foram elaborados com o objetivo de propiciar aos sistemas de ensino e particularmente aos professores subsídios à elaboração e/ou (re)elaboração dos currículos escolares, servindo ainda como eixo norteador para construção e consolidação de um projeto pedagógico que buscasse a efetivação da cidadania do aluno.

Esses documentos são resultado de um longo trabalho que foi inicialmente elaborado em versões preliminares para serem analisados e debatidos por professores que atuavam em diferentes áreas e níveis de ensino brasileiro.

Nesse sentido, os PCN de maneira significativa influenciaram e ainda influenciam fortemente o processo de ensino-aprendizagem nas escolas brasileiras, tanto nas atitudes pedagógicas dos professores, sejam eles contrários ou não às propostas oferecidas por esse documento quanto na maneira de olhar/ensinar determinados objetos de ensino. É sabido que em seu primeiro estágio, esses parâmetros sacudiram bastante a cabeça dos professores mais interessados e provocaram mudanças significativas na elaboração, na escolha dos livros didáticos e no próprio ensino de língua e literatura na sala de aula.

No contexto atual do ensino brasileiro é possível percebermos no discurso de muitos professores marcas, às vezes profundamente alicerçadas, outras apenas superficiais, do discurso dos parâmetros curriculares, ou seja, alguns tomaram para si os PCN como sendo a “bíblia escolar”, ou o fio condutor de todo o processo de ensino-aprendizagem, outros, no entanto, conseguem olhá-los apenas pelo viés de uma invenção educacional. Assim, cabe aqui traçarmos uma discussão sobre como o texto literário é visto/compreendido por este documento.

De acordo com os PCN (1997), sugere-se que o texto literário deve ser aliado às demais práticas cotidianas da sala de aula, pois se trata de uma forma de conhecimento especifico, já que, em seu estudo,

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devem ser mostradas suas propriedades, bem como debatidas e analisadas quando se trata de ler as diferentes manifestações assentadas sobe a rubrica geral de texto literário. Porém, Cosson (2006, p.21) esclarece que “a literatura tem um sentido muito extenso, o que inevitavelmente tem ocasionado o englobamento de qualquer texto escrito, que aparentado parentesco com a poesia e ficção passam a serem rotulados com literários”.

Ainda conforme os PCN, a literatura – e consequentemente o texto literário – não devem ser vistos como a cópia do real, nem como puro exercício de linguagem, muito menos como mera fantasia que se asilou dos sentidos do mundo, de modo que o texto literário deve ser compreendido como um texto construído/constituído em práticas sócio-históricas e culturais.

No discurso do referido documento, a questão do ensino da literatura e da leitura literária envolve, além de elementos estruturais, um exercício de reconhecimento das singularidades e das propriedades compositivas que matizam um tipo particular de escrita, negando-se dessa forma o uso do texto literário com a finalidade de servir ao ensino das boas maneiras, dos hábitos de higiene, dos deveres de cidadão e dos tópicos gramaticais.

Desse modo, tais procedimentos postos de forma descontextualizada, pouco ou nada ajudam para a formação de leitores capazes de reconhecer as peculiaridades que o texto literário possui e os diversos sentidos que dele podem surgir, isto é, os sentidos não estão no texto, à disposição do leitor, nem nas possíveis intenções do autor ao escrevê-lo, antes sim, este sentido é construído pelo leitor ao longo do ato da leitura, dentro dos limites de sua enciclopédia e do próprio objeto escrito, ou seja, “o sentido não está no texto, mas se constrói a partir dele, no curso de uma interação” (KOCH, 2005, p. 25).

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No que se refere às Orientações Curriculares para o Ensino Médio (2006), esses documentos igualmente aos PCN estabelecem que a literatura não deve ser trabalhada em sala de aula de forma descontextualizada, com a intenção apenas de explorar as características que o texto literário apresenta, sobre um determinado estilo literário, já que este difere-se dos demais que estão presentes na sala de aula, como destaca o referido documento

Decorre, diferentemente dos outros, de um modo de construção que vai além das elaborações linguísticas usuais, porque de todos os discursos é o menos pragmáticos, o que menos visa à aplicação práticas. Uma de suas marcas é sua condição limítrofe, que outros denominam transgressão, que garante ao participante do jogo da leitura literária o exercício da liberdade, e que pode levar a limites extremos as possibilidades da língua. (OCEM, 2006, p. 49)

Ao longo de outras passagens, o referido documento discute como o ensino da Literatura pode ser encaminhado no ensino médio, partindo-se das especificidades e da inserção da literatura nos currículos do ensino médio (p.49). Discute-se ainda que o ensino de literatura (e de outras disciplinas) tenha como objeto principal, como estabelece a LDB, “ao aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítica”. (LDBEN, 1996).

As OCEM (2006) defendem também que para se chegar ao desenvolvimento desse objetivo – leitura literária - não se deve sobrecarregar o aluno com informações sobre épocas, estilos, características descontextualizadas de escolas literárias. Tal questão já era discutida desde os PCN, principalmente nos (PCN+) que afirmam

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que essas informações devem ter caráter secundário no ensino de literatura, pois, “trata-se, prioritariamente, de forma leitores literários, em outras palavras, de “letrar” literariamente o aluno, fazendo-o apropriar-se daquilo a que tem direito” (PCN+, 2002, p.55).

Todavia, apesar desse documento chamar atenção para essa questão, (COSSON, 2006, p. 21), em seus trabalhos a respeito do papel da literatura na escola, nos esclarece que “no ensino médio, o ensino da literatura limita-se à literatura brasileira, ou na melhor das hipóteses, à história da literatura brasileira, usualmente na forma mais indigente”, ou seja, as aulas de literatura estão servindo muito mais ao ensino da historicidade da literatura do que propriamente da literatura, o que implica evidentemente dizer que a leitura literária fica em segundo plano, uma vez que os textos literários, quando comparecem na sala de aula, são fragmentados e servem prioritariamente para comprovar as características dos períodos literários.

Com base nas colocações de Soares (2002,) sobre a noção de letramento, as orientações curriculares estabelecem que o Letramento Literário seria visto, então, como estado ou condição de quem não apenas é capaz de ler poesia ou drama, mas dele se apropriar efetivamente por meio da experiência estética. Entretanto, a trajetória de formação do leitor de Literatura na escola, sempre privilegiou os fragmentos literários, pois como destaca Pinheiro (2006, p.24) “o leitor que se pretende formar nas práticas de leitura deve ler o que é permitido, seguindo os valores transmitidos por essa importante formadora da comunidade de leitores”, ou seja, esses valores são veiculados, principalmente, na escola e através do livro didático, que costuma guiar as práticas de leitura realizadas na sala de aula.

A partir do exposto, compreende-se então que o letramento literário se dá através das práticas sociais de uso da escrita literária, sobretudo

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todas as práticas sociais de uso da escrita ficcional com a finalidade de se obter prazer, despertar sentidos e gosto por aquilo que se ler.

Algumas considerações

Podemos perceber diante das reflexões e análises apresentadas que o trabalho com o ensino de literatura e de leitura literárias tem-se apresentado com uma tarefa complexa, já que em se tratando da leitura do texto literário, é importante refletirmos, como defende Paulino (2005), sobre as especificidades que esse possui, sem deixarmos de levar em conta o que há de comum (as semelhanças) entre essa leitura e a de textos não-literários, pois na perspectiva contemporânea, “todos os domínios discursivos, sem exceção, passaram a exigir e desenvolver habilidades complexas e competências sociais de seus leitores” (PAULINO, 2005, p. 61). Habilidades e competências essas que aos pouco estão sendo desenvolvidas pela escola, e é nessa direção que os documentos oficiais têm empreendidos esforços para que o ensino de literatura e da leitura literária possa se concretizar em sala de aula de maneira mais eficaz.

Portanto, possivelmente a certeza acerca de como o professor poderá desenvolver a prática da leitura, em especial da leitura literária, de modo que esta se apresente significativa para os alunos, sem levar em conta apenas aspectos de estilo e características literárias, demandará uma mudança que deverá englobar além de materiais didáticos e outras metodologias, o modo como a escola está vendo/trabalhando esse objeto de ensino – o texto literário – e a concepção que o professor tem sobre ele.

O ENSINO DE LITERATURA E A FORMAÇÃO DE LEITORES LITERÁRIOS: O QUE DIZEM OS PCN E AS ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO

Rosivaldo Gomes & Josenir Sousa da Silva

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O ENSINO DE LITERATURA E A FORMAÇÃO DE LEITORES LITERÁRIOS: O QUE DIZEM OS PCN E AS ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO

Rosivaldo Gomes & Josenir Sousa da Silva

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Do texto ao texto: as refrações do texto lido materializadas no reconto

produzido pelos alunos

Cláudia Beatriz de Castro Nascimento Ometto PPGE – UNIMEP – [email protected]

Rita de Cássia Cristofoleti FACECAP – [email protected]

RESUMO: Este estudo procurou compreender os modos de mediação da professora nos processos de elaboração da escrita pela criança, considerando a leitura e a reescrita como instauradora da atividade, no entanto, não se considerava a possibilidade de refração do texto pela criança, o que se evidenciou na prática do reconto e na produção dela decorrente.

PALAVRAS-CHAVE: produção de texto, autoria e mediação

ABSTRACT: This study sought to understand the ways of the teachers mediation on the processes of writing elaboration by the child, considering the reading and the rewritten as an establisher of the activity, however, didn’t considered the possibility of refraction of the text by the child, evidenced in the practice of the retelling and in the production resulted by it.

KEYWORDS: text production, authorship e mediation

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Introdução

Este trabalho é parte de uma pesquisa já concluída, cujo objetivo foi entender os modos de mediação da professora e os processos de elaboração e re-elaboração da escrita pela criança, tendo em vista o desenvolvimento da dimensão reflexiva do ato de escrever.

O referencial teórico no qual nos ancoramos para a realização deste trabalho foi a abordagem histórico-cultural do desenvolvimento humano de Vygotsky e a perspectiva enunciativo-discursiva de Bakhtin, bem como no trabalho de autores igualmente fundamentados nessas perspectivas.

Tanto Vygotsky (1989) quanto Bakhtin (2002), em suas proposições, destacam a centralidade da linguagem e do outro na constituição de nossa subjetividade e de nossa possibilidade de consciência e reflexividade. Segundo ambos, vamos nos tornando quem somos no processo de apropriação e de elaboração das formas culturais já consolidadas no grupo social a que pertencemos, pela mediação do outro, através da linguagem.

Em nossas relações com o outro, que são relações sociais determinadas pelos lugares e papéis sociais nelas em jogo, apreendemos o outro, ao mesmo tempo em que a ele nos expomos. Nessa relação, porque consideramos, compreendemos e avaliamos os atos dos outros e porque os outros emitem compreensões e juízos acerca de nossos atos, tornamo-nos capazes de compreender e avaliar a nós mesmos.

Em função do referencial teórico assumido, para focalizar a reflexividade não basta voltar-se para o sujeito e sim para a dinâmica interativa em que ele vai se constituindo. Como nosso interesse era apreender o desenvolvimento da reflexividade nas atividades escritas produzidas na escola, voltamo-nos para a dinâmica interativa produzida

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entre professora-alunos, alunos-alunos, professora-alunos-textos, alunos-alunos-textos.

Para tanto focalizamos as interlocuções produzidas em suas condições sociais imediatas e mais amplas de produção, as palavras que eram ditas e escritas e a linguagem não verbal que permeava a produção enunciativa, considerando cada enunciado como um ato de fala singular e ao mesmo tempo histórico, em função de sua vinculação à cadeia da comunicação verbal.

Assim, a dinâmica interativa instaurada pela produção e circulação de textos em sala de aula foi descrita em suas condições sociais de produção e registrada nos distintos enunciados compartilhados entre os sujeitos que dela participaram.

No trabalho que ora apresentamos nos voltamos para alguns dados da pesquisa e os analisamos sob um outro ângulo: o da refração do texto pela criança. Refração essa mediada pela história singular de suas relações sociais e pelo lugar por ela ocupado nessas relações. Para essa análise, destacamos episódios produzidos na prática do reconto e na produção dela decorrente. O que nos conta o reconto?

Para descrever o processo vivido e o modo como os dados foram produzidos, apresentamos a seguir uma síntese do trabalho desenvolvido em sala de aula.

1. A mediação da professora

O processo de ensino da língua estava centrado em três práticas – a leitura de textos, a produção textual e a análise linguística – de acordo com a proposta desenvolvida por Geraldi no livro “O texto na sala de aula” (1997). Segundo o autor, a proposta assenta-se em uma concepção que “situa a linguagem como o lugar de constituição de relações sociais, onde os falantes se tornam sujeitos” (p. 41).

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Nessa perspectiva, a leitura de textos é entendida como um “processo de interlocução entre leitor/texto/autor. O aluno-leitor não é passivo, mas o agente que busca significações” (GERALDI e FONSECA, 1997, p.107). A produção textual, por sua vez, considera os alunos como produtores de textos, e não como produtores de redação, porque não é apenas uma pessoa na função “professor-escola” que os lê e também porque um texto não é apenas sobre alguma coisa, mas também uma produção verbal de alguém dirigida sempre a outrem. (p.106).

A análise linguística refere-se aos aspectos estruturais da língua escrita que devem ser apropriados pela criança, aspectos que cabem ao professor trabalhar durante o ano letivo com seus alunos. Como assinala Geraldi (1997), o essencial nessa prática é “a substituição do trabalho com metalinguagem pelo trabalho produtivo de correção e autocorreção de textos produzidos pelos próprios alunos” (p.79). Nesse contexto, considerando que a linguagem é uma atividade constitutiva e o trabalho linguístico não é nem um eterno recomeçar nem um eterno repetir (GERALDI, 1996), recorreu-se ao reconto como uma das principais estratégias para a produção textual que as crianças realizariam logo no início do ano.

Além da familiaridade das crianças com essa prática – pois já a haviam vivenciado no ano anterior –, foram importantes para sua escolha, o argumento de Geraldi (1997), segundo o qual ao propormos o reconto evitamos o acúmulo de dificuldades que se colocam para a criança frente às exigências de criar e de escrever. E o argumento de Lajolo (1988), segundo o qual, “é o processo de significação atualizado no texto escrito, tomado como ponto de partida, que pode deflagrar o processo de significação do texto a ser criado” (p.59-60). Ou seja, o processo de significação que deflagra um novo texto nasce do encontro com outras produções escritas e da própria leitura que a criança faz

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da vida, ou seja, ao produzir um novo texto a criança coloca-se como autor, um autor que não está diante só do enunciado do texto lido, mas diante também de todos os outros enunciados que foram compondo a sua história de leitor e de leitura. São essas experiências que alimentam o conjunto de idéias e de possibilidades temáticas para ela. É nessa interlocução que ela amplia as possibilidades do que tem a dizer e dos modos de fazê-lo.

Dessa perspectiva, é possível afirmar que um texto não existe sozinho, ele faz parte de uma cadeia de enunciados. Como um enunciado está sempre em relação com outros enunciados, todo enunciado é pleno de vozes, é polifônico. São os vários enunciados que falam em nós.

Acreditando que é nesse encontro com outras obras e na aproximação com elas que os sujeitos vão se nutrindo de possibilidades e de diferentes formas de dizer o que tem a dizer, apostou-se na interlocução estabelecida na sala de aula, nas discussões das experiências de vida e na leitura da obra “Guilherme Augusto Araújo Fernandes” (1995), de Mem Fox, para que o processo de produção textual fosse instaurado pautado na proposta do reconto.

Guilherme Augusto Araújo Fernandes era um menino pequeno, que morava ao lado de um asilo de idosos, todos seus amigos. Mas a pessoa de quem ele mais gostava era Dona Antônia, porque tinha quatro nomes como ele. Certo dia, ao ouvir seus pais conversando, soube que ela perdera a memória. O menino quis saber o que isso significava e perguntou ao pai. Não satisfeito, foi perguntar aos outros do asilo. Ouve diferentes respostas, pois cada idoso atribuía um sentido diferente ao conceito. Nesse jogo de significados e sentidos que se produzem o menino escolhe objetos relacionados aos sentidos que ele produz sobre o que vem a ser memória, monta uma cesta e vai levá-la a Antônia. Ao receber cada um dos presentes ‘maravilhosos’, a

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idosa vai tendo uma lembrança de seu passado. Assim, Dona Antônia recupera a memória ajudada por um menino “que nem era tão velho assim”. (FOX, 1995).

Essa história foi escolhida porque, no decorrer do ano letivo, algumas marcas linguísticas específicas da narrativa deveriam ser trabalhadas, tais como: um verbo no imperfeito introduzindo a abertura da história; o uso de expressões como “daí, então, depois, um belo dia”, introduzindo a ação propriamente dita, seção essencialmente narrativa; e fórmulas de fechamento da história (PERRONI, 1992) e os recursos linguísticos para a criação da expectativa, do conflito e do encadeamento de ações, em um jogo de causa/efeito. (SIQUEIRA, 1992).

Da mesma forma que os significados das palavras vão sendo elaborados ativamente pelos sujeitos nas muitas relações em que eles se confrontam com palavras novas e com situações em que os sentidos dessas palavras são explicitados, também uma série de convenções relativas à escrita vão sendo elaboradas pelas crianças em suas relações com elas. Nós, professoras, destacamos as marcas linguísticas específicas, informamo-las acerca das formas de utilização e de sua função na organização textual, sugerimos que elas se utilizem desses marcadores, utilizando-os, mediadas por nossas intervenções, as crianças ativamente elaboram esses usos.

Concordando com Lajolo (Idem), acreditamos que é nessa condição que a leitura propicia o escrever bem. Pois como afirma ela, não é o fato de ler um bom texto o que habilita o aluno a produzir um bom texto. “A relação entre o ler e escrever talvez seja mais forte do que o julgam os adeptos da teoria da criatividade e mais tênue do que o acreditavam os discípulos da formação do estilo pela imitação dos bons autores” (Destaque das autoras).

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Nesta mesma perspectiva, Bakhtin (2003, p.279), afirma que:

as obras [...] dos diferentes gêneros [...] a despeito de toda a diferença entre elas e as réplicas do diálogo, também são, pela própria natureza, unidades da comunicação discursiva: também estão nitidamente delimitadas pela alternância dos sujeitos do discurso, cabendo observar que essas fronteiras, ao conservarem a sua precisão externa, adquirem um caráter interno graças ao fato de que o sujeito do discurso – neste caso o autor de uma obra – ai revela a sua individualidade no estilo, na visão de mundo, em todos os elementos da idéia de sua obra. Essa marca da individualidade, jacente na obra, é o que cria princípios interiores específicos que a separam de outras obras a ela vinculadas no processo de comunicação discursiva de um dado campo cultural: das obras dos predecessores nas quais o autor se baseia, de outras obras da mesma corrente, das obras das correntes hostis combatidas pelo autor, etc.

O argumento de Lajolo no que diz respeito à intertextualidade contribuiu também para a escolha do reconto, na medida que interessava à professora, mediar a apreensão das relações de significação entre textos.

Considerou-se, naquele momento, que a leitura, vivida em diferentes condições de produção, poderia ser o eixo condutor das mediações junto às crianças.

Em um primeiro momento, ao lerem a obra escolhida para iniciar o processo de produção textual, as crianças estariam, no papel de leitoras, construindo, com o autor, a significação do texto por ele escrito. Em seguida, ao recontarem esse mesmo texto, estariam vivenciando com ele uma outra dimensão da leitura, em que o processo de significação

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atualizado no texto escrito estaria mediando o processo de significação do texto a ser criado.

Posteriormente, ao ser lido por outros alunos e pela professora, o texto criado tornar-se-ia, ele próprio, objeto de leitura e de produção ativa de sua significação. A leitura dessa versão seria mediada, por sua vez, pela leitura do original, que deflagrou sua produção. Nesse jogo, não só o encontro entre textos estaria sendo possibilitado aos alunos, como também a explicitação de relações entre eles, que poderiam pautar os comentários e as sugestões de possíveis revisões.

Nessa condição de leitura, diferentemente do autor da obra lida, que estava distante – não era conhecido por seus leitores e já era portador de toda uma legitimidade conferida pela publicação – os alunos estariam em contato com um texto produzido por alguém próximo, inclusive em termos das posições sociais ocupadas, a quem poderiam se manifestar de modo mais direto e informal, com a certeza de que seus comentários chegariam, de fato, até o autor. Ao voltar para as mãos de seus autores, os textos comentados instaurariam uma outra condição de leitura. Os autores estariam re-encontrando seus próprios textos na condição de leitores e essa leitura estaria sendo mediada pelo original lido, pelos comentários e sugestões registrados por seus colegas na condição de seus leitores e por suas intenções discursivas.

No encontro com os comentários dos próprios colegas, as crianças estariam experimentando o sentimento de autoria, uma vez que no comentário do leitor sobre o texto produzido, a relação entre aquele que escreve e aquele que lê se materializa, instaurando o sujeito de autoria. Nesse sentido, estamos de acordo com Vygotsky (2003) e com Bakhtin (2003), quando dizem que o outro instaura o lugar de autoria na medida em que propicia àquele que escreve a experiência de se reconhecer como autor.

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Como autores, os alunos também seriam convidados a revisar seus textos, tendo em conta as muitas referências de leitura acima destacadas. Mais do que solicitar que a criança olhasse para o próprio texto na intenção de melhorá-lo, a intenção era a de caracterizar o momento da revisão como um espaço de interlocução entre o autor e o leitor de seu texto, em que se explicitassem as diferentes compreensões, sempre possíveis, de um mesmo enunciado, pois “o ser, refletido no signo, não apenas nele se reflete, mas também se refrata” (BAKHTIN, 2002, p.46).

Assim, no decorrer da produção textual, cada criança experimentaria a dimensão comunicativa da linguagem através do desdobramento de suas relações com os textos – leitor, autor, comentarista e autor – revisando o próprio texto.

Parece simples dizer que no processo de produção de textos foi trabalhada a leitura, a produção e a análise da produção textual das crianças, o que implicou leitura e produção novamente. Isso tudo de fato aconteceu, porém, somente no percurso fomos percebendo toda a complexidade das relações envolvidas no processo de construção de textos, entendendo, com Lajolo (1988), que o texto apenas existe quando há o encontro entre dois sujeitos: o que escreve e o que lê.

Em nosso encontro com as produções escritas, procuramos tomar os textos das crianças como espaço de produção de sentidos, muito mais do que como espaço de trabalho sobre a linguagem (GERALDI, 2001, p.52).

Na tentativa de compreender melhor as diferentes significações de enunciados presentes nos textos produzidos pelos alunos, agora no lugar de autores, recorremos a Bakhtin (2003) em “O autor e a personagem”, ensaio incluído no volume Estética da criação verbal. Para ele nenhuma significação é isolável, ou seja, o autor é parte integrante do objeto estético. É esse autor-criador quem dá forma ao conteúdo,

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porém, não é passivo a ele, o autor responde axiologicamente aos enunciados daqueles que o rodeiam.

Fomos percebendo que na proposta do reconto, apesar de a história “já estar contada” e do fato de que os alunos não precisariam criar, bastaria escrever –, o lugar de autoria ocupado pelas crianças instaurava um complexo processo de transposições da vida para a arte. O reconto nunca é um mero reflexo do texto lido, uma vez que há sempre uma compreensão ativa-responsiva daquele que lê. Ao recontar o texto lido anteriormente, a criança, do lugar de autor, “que é aquele que tem o dom da fala refratada” (FARACO, 2005, p.40), traz os signos do enunciado lido para junto dos significados e sentidos que já têm elaborados recortando e reorganizando tanto aspectos formais, como de conteúdo.

“O autor acentua cada particularidade da sua personagem, cada traço seu, cada acontecimento e cada ato de sua vida, os seus pensamentos e sentimentos, da mesma forma como na vida nós respondemos axiologicamente a cada manifestação daqueles que nos rodeiam” (BAKHTIN, 2003, p.03).

2. A singularidade de nossos pequenos autores...

Mais do que estarmos atentas às palavras escritas, foi importante estarmos atentas também às palavras ditas pelos alunos, palavras estas que mediavam a produção escrita. Ao iniciar o processo de produção textual, Ale dirigiu-se à professora e disse: “Tia, como eu posso começar?” A professora argumentou que ele poderia começar da forma como estava escrito no livro: “Era uma vez um menino chamado Guilherme Augusto Araújo Fernandes e ele nem era tão velho assim. Sua casa era ao lado de um asilo de velhos e ele conhecia todo mundo que vivia lá” (FOX, 1995, p.05).

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Ao se deparar com a resposta, Ale se posicionou: “Ah não, era uma vez é muito infantil, eu quero começar de outro jeito”. Após trocarem algumas ideias ele se dirigiu para sua carteira e começou a escrever: “Havia um garoto chamado Guilherme Augusto Araújo Fernandes que morava do lado de um pequeno asilo de velhos onde ele conhecia todos os senhores e senhoras”. No caso de Ale é interessante ressaltar que para ele, se Guilherme Augusto conhecia todos os idosos que moravam no asilo, este asilo só poderia ser pequeno.

Fer, ao escrever seu texto, percebendo que ao final o menino consegue ajudar a idosa a recuperar a memória, explicita, já de início, sua esperteza: “Era uma vez um menino chamado Guilherme Augusto Araújo Fernandes, esse menino era muito esperto, Guilherme Augusto morava do lado de um asilo cheio de velinhos, os que ele mais conversava, que ele era bem amigo, eram só seis [...]” (sic).

Bia assume a condição de ser criança e enuncia: “Existe um menino que se chamava Guilherme Augusto Araújo Fernandes, ele brincava, corria, pulava, fazia de tudo que podia. Morava do lado de um asilo, e conhecia muita gente de lá” (sic).

Ainda, com relação ao início do texto, devido ao fato de que a escola havia realizado uma campanha de produtos de higiene para um lar de idosos na cidade de Piracicaba (interior do Estado de São Paulo), as crianças compreendiam que neste tipo de instituição vivem vários idosos. Nesse sentido Ja se coloca frente ao texto da seguinte maneira: “Havia um menino que se chamava Guilherme Augusto Araújo Fernandes, ele morava perto de um asilo de velhinhos com pessoas muito queridas por ele. Tinham muitos velinhos. Ele gostava em especial de 6” (sic). Ao explicitar que ele gostava especialmente de seis idosos, a aluna dá a ver os seis interlocutores com os quais ele se relaciona na busca da elaboração do sentido da palavra memória.

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Le, uma aluna que tinha o hábito de ler diariamente escreveu: “Havia um menino que morava em uma casa au lado de um asilo de vários idosos. À propósito este menino chama Guilherme Augusto Araújo Fernandes” (sic). Neste caso, o que se evidencia é o uso de um marcador linguístico que a aluna, provavelmente, apreendeu em outras leituras realizadas, ou seja, os enunciados estão sempre se colocando em relação a outros enunciados.

Cabe destacar que a grande maioria dos textos das crianças apresentou contrapalavras exatamente no momento da narrativa em que o pai conversa com a mãe sobre o fato de Dona Antônia ter perdido a memória. É a partir deste momento que Guilherme Augusto inicia a busca pelo significado da palavra memória.

“Um dia, Guilherme Augusto escutou sua mãe e seu pai conversando sobre Dona Antônia.

– Coitada da velhinha – disse sua mãe.– Por que ela é coitada? – perguntou Guilherme Augusto.– Porque ela perdeu a memória – respondeu o pai.– Também, não é para menos – disse sua mãe. – Afinal, ela já tem noventa e seis anos.– O que é uma memória? – perguntou Guilherme Augusto. Ele vivia fazendo perguntas.– É algo de que você se lembre – respondeu o pai.

Mas Guilherme Augusto queria saber mais; então ele procurou [todos os outros idosos do asilo para perguntar: ‘O que é memória?’]”. (FOX, 1995, p.08-09).

Neste momento do diálogo a mãe tece um comentário sobre o fato de Dona Antônia já estar bem velha, talvez esse enunciado tenha sugerido aos alunos que ao reescreverem o texto, na condição de

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autores, pudessem, também eles, tecerem comentários a respeito do significado da velhice que cada um deles vem elaborando nas muitas relações que estabelecem dentro e fora da escola.

Chamou-nos também a atenção o fato de que muitas dessas contrapalavras estavam relacionadas a um momento que retrata o cotidiano de uma criança: a conversa familiar, talvez na sala ou no quarto; a entrada da criança no diálogo dos pais e os objetos que tem guardados em seu quarto, entre outros.

Com relação a essa passagem do texto, encontramos no texto de Thi, o sentido que ele elabora quanto à condição de Dona Antônia, para ele, não há porque ter pena de uma velha que perde a memória: “Um dia seus pais, ou melhor, os pais de Guilherme Augusto A. Fernandes, ele estavam na sala conversando que dona Antonia era uma coitada porque ela perdeu a memória e seu pai respondia Que coitada nada uma velha dessas. So que Guilherme ouviu a conversa. E Guilherme queria saber o que era memória e seu pai respondeu assim que nem quando tem que lembra alguma coisa e não se lembra” (sic).

Diferentemente de Thi, Ama solidariza-se com a condição da idosa e procura, de imediato, ajudá-la: “Um dia ouviu seus pais comentando que Dona Antônia tinha perdido sua memória, mas pensou, pensou o que podia fazer para a memória de Dona Antônia voltar a funcionar. E foi lá perguntar para o seus amigos o que era memória” (sic). Ale apresenta uma explicação para o fato de Dona Antônia ter perdido a memória: “Pobre senhora ela já está justa na idade de quando essas coisas começam – respondeu a mãe – ela já ta na 3ª idade” (sic), ou seja, para ele, o velho já está na idade de perder a memória.

No caso de Hel, é importante ressaltar que a aluna aproximou-se da professora e enunciou: “Tia, eu me lembro da história, mas vou contar com as minhas palavras, vou contar do meu jeito, tá?”:

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“Um dia Guilherme chegou em casa e seus pais estavam falando sobre a dona Antônia.

– Coitadinha da dona Antonia – disse seu Pai.– Mais ela já tem 96 amos, já era de se esperar que...– Coitada porquê? – perguntou Guilherme, cortando sua mãe.– Porque ela perdeu a memória” (sic).

A forma como Hel introduziu Guilherme Augusto no diálogo dos pais mostrou-se bastante significativa, visto que era desta forma que a aluna portava-se em sala de aula, raramente aguardava sua vez de falar.

Na história lida, depois de ouvir as respostas dos idosos sobre o que era memória para cada um deles, o menino seleciona alguns objetos para levar para Dona Antônia.

“Então, Guilherme Augusto voltou para casa, para procurar memórias para Dona Antônia, já que ela havia perdido as suas. Ele procurou uma antiga caixa de sapato cheia de conchas, guardadas há muito tempo, e colocou-as com cuidado numa cesta.

Ele achou a marionete, que sempre fizera todo mundo rir, e colocou-a na cesta também.

Ele lembrou-se, com tristeza, da medalha que seu avô lhe tinha dado e colocou-a delicadamente ao lado das conchas.

Depois achou sua bola de futebol, que para ele valia ouro; por fim, entrou no galinheiro e pegou um ovo fresquinho, ainda quente, debaixo da galinha”. (FOX, 1995, p.16-21).

Nessa passagem a autora do livro não explicita os locais nos quais estão guardados os objetos que Guilherme Augusto pega para compor a cesta que levará para Dona Antônia, exceto o local de onde ele pega o ovo.

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Esli se coloca frente ao texto da seguinte maneira: “Guilherme encontrou um ovo de galinha e lembrou do que a Sra Silvano tinha dito. Em seu quarto encontrou uma marionete antiga e lembrou do que a Sra Mandala tinha falado. Achou também uma bola de futebol que para ele valia ouro e lembrou do que o Sr. Possante tinha falado. Estava cheretando seu armário e achou uma caixa de sapatos antiga cheia de conchas e lembrou o que o Sr Cervantes tinha dito” (sic).

Talvez Esli não tenha explicitado o local onde Guilherme Augusto pegou o ovo devido ao fato de a autora já tê-lo feito. Agora, no lugar de autoria, a criança explicita aos seus leitores os locais em que o menino encontrou os outros objetos, pois, talvez, como leitora, ela tenha sentido a ausência dessas informações no texto. Normalmente as crianças guardam seus brinquedos e objetos pessoais em seus quartos, em seus armários. Especificamente na passagem em que o menino encontra a caixa de conchas, Esli sugere que, talvez, por estar guardada ali há muito tempo, o menino a tivesse esquecido e só a tenha encontrado por estar xeretando no armário. Considerações finais

Certamente, muitos outros indícios de refração poderiam ser encontrados nestas e em outras produções. Ao olhar para os textos produzidos fomos percebendo que as crianças reproduziram passagens da narrativa, porém, combinaram alguns de seus elementos com outros sentidos que produziram a partir dela. A palavra, como signo ideológico, não se colocou neutra, ela penetrou nas relações dos sujeitos refletindo e refratando a realidade em transformação (BAKHTIN, 2002). Nesse sentido, as crianças transformaram, em parte, personagens, cenário e ações.

DO TEXTO AO TEXTO: AS REFRAÇÕES DO TEXTO LIDO MATERIALIZADAS NO RECONTO PRODUZIDO PELOS ALUNOS

Cláudia Beatriz de Castro Nascimento Ometto & Rita de Cássia Cristofoleti

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A atenção ao que os alunos querem nos dizer com/em seus textos, às palavras que nos são ditas por eles e que mediam suas produções escritas, permitem-nos perceber que as escolhas e a direção impressas pela professora às atividades de leitura e de escrita, marcadas por intenções relativas ao processo de ensino, ressignificam-se durante a atividade de leitura e produção de texto, mediadas pela dinâmica intersubjetiva em que se materializam, evidenciando que:

[...] toda enunciação, mesmo na forma imobilizada da escrita, é uma resposta a alguma coisa e é construída como tal. Não passa de um elo da cadeia dos atos de fala. Toda inscrição prolonga aquelas que a precederam, trava uma polêmica com elas, conta com as reações ativas da compreensão. (BAKHTIN, 2002, p.98).

No movimento da comunicação verbal, professora e alunos praticaram a leitura e a escrita nos seus contextos de utilização, elaborando significados e sentidos do/no texto, fazendo-se leitores e escrevinhadores, pois estes, como assinala Nilma Lacerda (2003, p.228), “não nascem feitos [...] mas se formam com trabalho e determinação”.

Referências bibliográficas

BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. Martins Fontes, 2003.BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo, Hucitec, 2002.FARACO, Carlos Alberto. “Autor e autoria”. In: BRAIT, Beth (Org).

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Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2005.FOX, Mem. Guilherme Augusto Araújo Fernandes. Ed. Brinque-Book, 1995.GERALDI, João Wanderley. “O professor como leitor do texto do aluno”. In: MARTINS, Maria Helena (Org) Questões de Linguagem. 6.ed. São Paulo: Contexto, 2001.______. (Org). O Texto na Sala de Aula. São Paulo: Ática, 1997.______. Portos de Passagem. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.______ e FONSECA, Maria Nilma G. “O circuito do livro e a escola”. In: GERALDI, João Wanderley, (Org). O Texto na Sala de Aula. São Paulo: Ática, 1997.______. Linguagem e ensino: exercícios de militância e divulgação. Campinas, SP: Mercado das Letras – ALB, 1996.LACERDA, Nilma G. “Os Peixes de Schopenhauer: Leitura e Classe Pensante”. In: VIELLA, Maria dos Anjos L. (Org) Tempo e espaços de formação. Chapecó: Argos, 2003.LAJOLO, Marisa. O texto não é pretexto. In: Zilberman, R. (Org.) Leitura em crise na escola: as alternativas do professor. Porto Alegre, Mercado Aberto, 1988, p. 51-62.PERRONI, Maria Cecília. Desenvolvimento do discurso narrativo. São Paulo: Martins Fontes, 1992.SIQUEIRA, João Sayeg. Organização textual da narrativa. São Paulo: Selinunte, 1992.VIGOTSKI, Lev Semenovitch. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2003.VYGOTSKY, Lev Semenovitch. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

DO TEXTO AO TEXTO: AS REFRAÇÕES DO TEXTO LIDO MATERIALIZADAS NO RECONTO PRODUZIDO PELOS ALUNOS

Cláudia Beatriz de Castro Nascimento Ometto & Rita de Cássia Cristofoleti

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“Ensino de análise linguística – reflexão e construção

de conhecimentos ou memorização e reconhecimento de estruturas?”

Marcela Thaís Monteiro da Silva PIBIC/FACEPE/CNPq/UFPE – [email protected]

Lívia Suassuna UFPE – [email protected]

RESUMO: Nesse estudo, investigamos como o trabalho com a Análise linguística (AL) se dá no ensino fundamental II. Assim, problematizamos os processos de ensino-aprendizagem de AL observados em duas escolas buscando compreender se estes favoreciam a compreensão dos processos linguísticos e discursivos presentes nos textos ou constituíam-se como um exercício marcado pela ênfase em nomenclaturas e reconhecimento de estruturas.

PALAVRAS-CHAVE: ensino de português; análise linguística; gramática-ensino

RESUMEN: En este estudio, examinamos como el trabajo con el Análisis linguístico (AL) ocurre en la enseñanza básica. Así, problematizamos los procesos de ensenãnza-aprendizaje de AL vistos en dos escuelas buscando comprender si éstos auxiliaban la comprensión de los procesos linguístico-discursivos presentes en los textos o se caracterizaban como un ejercicio enmarcado por el énfasis en terminologías y reconocimiento de estructuras.

PALABRAS-CLAVE: enseñanza de portugués; análisis lingüístico; gramática-enseñanza

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Introdução

Este estudo integra um projeto mais amplo, intitulado Ensino de análise linguística – representações e práticas, por meio do qual pretendemos investigar o ensino de análise linguística (AL) e algumas de suas múltiplas dimensões. O termo análise linguística, cunhado por João Wanderley Geraldi em 1981, designa uma das práticas estruturadoras do ensino de português, ao lado da leitura e da produção textual. Especificamente, a AL consistiria num trabalho de reflexão sobre os recursos expressivos da língua e das operações discursivas realizadas no uso da linguagem.

É importante destacar que a AL, tal como proposta pelo autor citado, coaduna-se com uma concepção de linguagem como interação, no quadro de um ensino de base sociointeracionista. Essa concepção de linguagem como interação ganhou força no contexto histórico-epistemológico que se convencionou chamar de “virada linguística” (transição entre as décadas de 1970 e 1980), cuja principal marca seria uma visão ampliada da linguagem, a partir das teorias da enunciação. Assim, além do enunciado propriamente dito, estariam em jogo as circunstâncias de sua produção.

Do ponto de vista do ensino da língua materna, os impactos da proposta de Geraldi foram muitos, se não em termos de modificações significativas nas práticas vigentes, ao menos em termos da geração de questionamentos sobre o que se costumava fazer nas aulas de português. Disse o autor, em um de seus estudos, que uma diferente concepção de linguagem haveria de engendrar não apenas diferentes metodologias de ensino, mas, sobretudo, novos conteúdos. Afirmou ele também que AL não era apenas um novo rótulo para o ensino tradicional de gramática e que seria importante decidir sobre o lugar da metalinguagem no ensino de língua.

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Entre os muitos questionamentos, dúvidas e tensões derivados de uma proposta que trazia para o interior da sala de aula o texto, em lugar do rol de palavras e frases prontas e modelares, o uso da língua em lugar da mera descrição, o funcionamento dos discursos em lugar da prescrição gramatical, podemos citar:

(a) a ideia de que bastaria retirar do texto o elemento gramatical a ser estudado, permanecendo os mesmos os procedimentos de análise e prescrição que já se praticavam na escola;(b) a ideia de que não se deveria mais ensinar gramática, mas apenas leitura e produção de textos;(c) a ideia de que a AL seria uma atividade de correção do texto do aluno, uma vez que foi sugerido que um dos momentos privilegiados do estudo da língua seria justamente a reescrita;(d) a ideia de que a AL seria a substituição de aulas de gramática normativa da língua padrão por modelos de análise da linguística teórica e aplicada;(e) a crença de que, sob o rótulo de AL se deveriam ensinar, ainda que por metodologias diferenciadas, os mesmos conteúdos elencados nas gramáticas normativas conhecidas.

Os inúmeros processos de formação (inicial e continuada) de professores que se seguiram à proposta da AL, bem como os diferentes documentos curriculares e livros didáticos produzidos dos anos 1980 até hoje também têm gerado questionamentos e dúvidas que se vem procurando tematizar e investigar no contexto da pesquisa acadêmica. As demandas por sugestões de trabalho didático são muitas e são também muitas as indagações sobre os saberes dos professores e suas imagens e crenças acerca do que seja ensinar português, gramática e AL.

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Marcela Thaís Monteiro da Silva & Lívia Suassuna

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Do quadro acima descrito derivam questões que julgamos relevante pesquisar e que vão desde as concepções dos professores sobre língua e ensino de língua, até as práticas de sala de aula, passando por definições e documentos curriculares, livro didático de português e formação de professores. No caso do presente trabalho, a questão que nos ativemos é: as aulas de gramática/AL (dependendo de como os professores concebam e pratiquem o ensino de língua portuguesa) são aulas caracterizadas:

1. pela memorização, pelo reconhecimento de estruturas, pelo investimento na nomenclatura e na prescrição, pela ênfase nos conceitos e exemplos, por exercícios mecânicos e descontextualizados de correção de frases, típicos da perspectiva gramatical tradicional; ou2. pelo cotejo de construções, pelo raciocínio indutivo, pela consideração das variedades linguísticas, pela análise das e reflexão sobre as construções discursivas e seus efeitos de sentido, típicos da perspectiva sociointeracionista?

Com vistas a equacionar as indagações acima, traçamos como objetivo geral para esse estudo a análise e discussão do ensino de AL no ensino fundamental e como objetivos específicos: (1) analisar se e em que medida o ensino de AL se constitui efetivamente como uma prática reflexiva; (2) Identificar as estratégias utilizadas pelos professores para promover a reflexão a respeito da língua e de seus usos; (3) Identificar se predomina, nas aulas de AL, a indução ou a dedução enquanto formas de raciocínio, pensamento e descoberta científica; (4) Verificar se a aula de AL favorece o reconhecimento das variedades linguísticas e de seus efeitos de sentido; (5) Investigar que papel é atribuído à nomenclatura na aula de português.

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1. Fundamentação teórica

Redimensionando a aula de português e de gramática

Na perspectiva tradicional do ensino, a língua ainda é concebida, de modo predominante, como um sistema homogêneo, constituído de signos definíveis pelos contrastes que se pode estabelecer entre eles, como um código abstrato, transparente e descolado de suas condições sócio-históricas de produção (MARCUSCHI; VIANA, 1997).

As propostas alternativas para o ensino de língua tomam como base outra concepção de linguagem, agora vista como processo, discurso, forma de interação social. Tal concepção colocou o desafio de definir novos conteúdos de ensino, novas metodologias e procedimentos didáticos, assim como novos modos de avaliar a aprendizagem.

Levando em conta pressupostos dessa ordem, é preciso decidir sobre o que ensinar e avaliar, dando destaque a certos conhecimentos e capacidades em relação a outros. Atualmente, existe uma preocupação de tentar contemplar o uso social da língua, numa perspectiva discursiva. Desse modo, as atividades e perguntas propostas, na medida do possível, não estarão submetidas ao conhecimento abstrato da língua, ao domínio da nomenclatura e à concepção de correção propostos pela gramática; antes, trata-se de verificar se o aluno sabe relacionar os conhecimentos metalinguísticos ao uso da língua.

Também importa termos em mente que o fim último do ensino de português é formar cidadãos leitores e produtores de textos, em suas mais diversas configurações, através de três práticas articuladas, de acordo com a sugestão de Geraldi (1996, 1997b): leitura, produção de textos e AL. A leitura seria entendida como possibilidade de interlocução com o autor/texto, compreendendo, avaliando e criticando sua visão de mundo. A escrita diz respeito à capacidade de

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colocar-se como alguém que registra sua visão de mundo para ser lido por outros. Já a atividade de AL teria como ponto de partida o uso da língua, enfocando aspectos linguísticos e discursivos desse uso, para, em seguida, permitir o retorno, com conhecimentos ampliados, às práticas linguísticas de leitura e escrita. Nessa situação de reflexão sobre os usos da língua, devem ser priorizados os níveis pragmático e discursivo de análise, funcionando os outros níveis (ortográfico e gramatical, p. ex.) como suportes da compreensão dos fenômenos estudados.

Destaque-se que a prática de AL se aplica simultaneamente à leitura e à produção de textos, quaisquer que sejam estes (dos alunos ou dos autores trazidos para a sala de aula). Quanto à leitura, a AL ajudaria na apreciação e compreensão dos muitos efeitos de sentido presentes no texto. Quanto à produção de textos, a análise possibilita a expressão da subjetividade do autor e dos sentidos que ele propõe ao seu leitor (o que também demanda apreciação e compreensão de efeitos de sentido). Assim sendo, a avaliação ganha muito em qualidade – diante de textos, lendo e escrevendo com nossos alunos, podemos superar a dicotomia certo x errado. Caso o aluno cometa erros – e é certo que os cometerá no processo de aprendizagem –, devemos encará-los como resultantes do nível de entendimento que ele possui da língua, de suas relações com as diferentes situações de enunciação com que se depara. Avaliar esses erros passa a ser promover um trabalho de reflexão sobre a língua e suas peculiaridades, uma atividade de construção/apreensão de suas regras de funcionamento.

No que tange à AL propriamente dita, vimos que, conforme a tradição, o ensino de gramática, ainda hoje, consiste em levar os alunos a dominar uma nomenclatura específica, com a qual se descreve e regula a modalidade padrão escrita da língua, predominando, nesse processo, o enfoque normativo sobre o descritivo. Desse modo, o ensino

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tradicional pauta-se na metaliguagem gramatical (NGB), além de ater-se ao ensino da modalidade escrita da língua padrão, com a aplicação de exercícios de completar lacunas com a forma adequada, flexão de termos, correção de frases erradas e reconhecimento de estruturas lingüísticas, em detrimento da indução ao conhecimento sobre a língua materna. Na opinião de Geraldi (1996), todo falante realiza, em sua prática linguística, atividades epilinguísticas por meio das quais avalia os recursos expressivos que utiliza. No entanto, as atividades de ensino de gramática não constituem, na prática escolar, a continuidade (que seria desejável) dessas reflexões epilinguísticas. A gramática normativa tradicional é tida como a verdadeira e única reflexão sobre os recursos expressivos de uma língua. Diz o autor que as análises resultantes das teorias gramaticais adotadas e ensinadas na escola são respostas elaboradas para perguntas que os alunos não formularam. É por isso que muitos conteúdos gramaticais, regras e classificações pouco ou nada lhes dizem e, não obstante isso, constituem-se em matéria de ensino-aprendizagem; são conteúdos nem sempre epistemologicamente consistentes e de relevância sociocultural duvidosa.

O enfoque no uso, entretanto, como ressalta Pisciotta (2001), ao contrário do que muitos imaginam, não significa que os aspectos gramaticais da língua tenham perdido espaço ou importância. Os fenômenos gramaticais, na verdade, estão presentes como objetos de observação, descrição e categorização, e são essenciais para o estudo do discurso.

Não parece haver dúvidas sobre a importância do conhecimento gramatical para a leitura e a produção de textos, fim último do processo ensino-aprendizagem da língua portuguesa. O que convém rever são as bases desse ensino. Marcuschi (1999) considera que o conhecimento metalinguístico emerge no âmbito das atividades de leitura e produção

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de textos, não se confundindo, portanto, com um mero exercício analítico de palavras ou frases isoladas. Para a autora, gramática e discurso são interdependentes: o texto necessita de uma ordenação formal representada pela gramática, mas com características funcionais que permitam a produção de efeitos de sentido praticada no uso efetivo da língua. Saber gramática, então, envolve a competência para interligar e articular fenômenos, seguir regras e ordenar estruturas que favoreçam a compreensão e a produção de significados discursivos.

Pisciotta (2001) ainda salienta que, embora pareça simples, constitui grande desafio para o professor aliar a AL a situações de uso efetivo da linguagem, construindo explicações e descrições a partir das regularidades observadas em textos significativos para os alunos. A autora propõe um conceito ampliado de AL, que incorpora, além de questões gramaticais e fonéticas, aspectos semânticos e pragmáticos relacionados à produção e à recepção dos discursos. Por isso não se trata apenas de mudança de rótulo, mas de concepção de língua e de objetivo de ensino, o que traz implicações também para a metodologia a ser utilizada e para os conteúdos a serem ensinados. Um dos aspectos que nos interessam em nossa investigação é justamente a forma como os professores vêm lidando com esse desafio: pretendemos ver, além das concepções de língua que informam o ensino de AL, os conteúdos definidos em cada aula e as metodologias adotadas com vistas à articulação entre o linguístico e o discursivo, entre linguagem e sociedade.

2. Metodologia

A pesquisa realizada foi do tipo qualitativo-indiciário, por isso, nela utilizamos poucos dados numéricos. Tratou-se, portanto, de uma

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investigação se que se baseou na observação do dado no ambiente natural em que ele se manifesta, no nosso caso, na sala de aula. Além disso, dados singulares foram considerados importantes para esta pesquisa, assim, trabalhamos com indícios, pequenos dados, que foram passíveis de comparações, reflexões e levantamento de hipóteses explicativas.

Para desenvolvermos a investigação, analisamos a prática de ensino de duas docentes de duas escolas públicas da cidade do Recife/PE. Em cada escola foram observadas 10 horas/aula. Na primeira unidade escolar, pertence à rede estadual de ensino de PE, foram examinadas aulas numa 7ª série do ensino fundamental. A sala de aula onde se deu a observação dispunha de boa infraestrutura, era arejada e bem iluminada, além disso, era composta por um corpo discente de trinta e sete alunos, cuja faixa etária era entre doze e dezessete anos. A docente, cuja prática de ensino foi observada, tem formação em Letras, possui mais de dez anos de experiência em ensino de língua portuguesa e participa de cursos de formação continuada.

Na segunda instituição, que é do âmbito federal de ensino, observamos aulas de uma turma de 9ª série, a qual era composta por trinta e três alunos, que tinham entre doze e treze anos. A professora que participou da pesquisa é formada em Letras e atua a mais de uma década no ensino de língua portuguesa, além de integrar um grupo de pesquisa sobre ensino de língua portuguesa. Além disso, o ambiente onde as aulas aconteceram era iluminado e arejado.

Registramos os dados coletados na pesquisa em gravador de voz MP4 e em diários de campo. Entretanto, antes de empreendermos a investigação sobre a prática de ensino de AL em cada instituição, entramos em contato com a diretoria e com os professores das referidas escolas, a fim de obtermos a autorização para a realização da pesquisa.

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Assim, os professores bem como a diretoria das escolas assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, o qual assegura, entre outros aspectos, o anonimato das escolas que participaram deste estudo. A coleta de dados se deu no período de março a maio de 2010.

3. Resultados e discussão

A partir da coleta dos dados foram constatadas várias situações didáticas que serão aqui discutidas. Dessa forma, trataremos de quatro situações referentes às práticas de ensino de AL observadas nas duas escolas participantes da pesquisa, sendo as duas primeiras referentes à Escola Estadual, enquanto as outras duas tangem à prática docente vista na escola experimental. Tais situações foram escolhidas por representarem bem as práticas das docentes no que se refere ao ensino de AL, durante o período da nossa investigação. Na análise e discussão que se seguirão, chamaremos a professora da Escola Estadual de “professora A” e referida escola se denominará “escola 1”; a docente da escola experimental será aqui nomeada de “professora B”, e unidade de ensino será identificada como “escola 2”. Passemos à análise:

Exemplos da prática de ensino de AL da professora A:

Situação 1: a transmissão de conceitos acabados

Ao iniciar o assunto tipos de frases, a professora A parte do modo tradicional de ensino de gramática. Inicia o ensino de tal conteúdo programático pela conceituação (do que são frases imperativas e declarativas, por exemplo), apresentando as nomenclaturas presentes na gramática tradicional sobre o conteúdo curricular trabalhado.

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Em seguida, exemplifica os tipos de frases usando enunciados descontextualizados, ou seja, os enunciados apresentados pela professora não estavam inseridos em um texto, portanto, não pertencia a um processo discursivo real; por fim, como exercício, a docente pede aos alunos que construam alguns exemplos das frases ensinadas.

Nota-se que, ao iniciar a explicitação do assunto valendo-se das definições dadas pela gramática tradicional (GT), a professora não viabiliza o pensamento, a reflexão e a descoberta do porquê de tais frases receberem determinadas nomenclaturas e a sua correlata funcionalidade em contextos reais de interação.

Consideramos que exercícios que estimulam a reflexão dos alunos são de grande relevância para a construção do conhecimento linguístico e discursivo do aprendiz. No caso da referida situação, notamos que a participação do aluno na construção do conhecimento foi, praticamente, nula visto que a ele coube o papel de receptor de um conceito acabado e reprodutor de estruturas linguísticas deslocadas do seu contexto real de uso, uma vez que apenas afirmamos, negamos ou perguntamos algo a alguém em um espaço de interação. Além disso, verificamos na aula o amplo uso da dedução como modo organizar o pensamento, já que inicialmente definições são apresentadas para, posteriormente, se deduzir as possíveis aplicações.

Ainda sobre a metodologia empregada no desenvolvimento da aula, acreditamos que a utilização de textos, em vez de enunciados isolados, facilitaria a compreensão do alunado acerca da metalinguagem. Desse modo, observar no interior do texto, o uso das referidas estruturas linguísticas permitiria ao aluno fazer a conexão entre a nomenclatura e a função que as sobreditas estruturas exercem.

Também destaca Ignácio (1993) a importância da existência de uma “adequação programática” entre os assuntos ensinados, por meio da

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qual os exercícios de análise sintática se façam de maneira sistemática, integrados com a produção de textos e a leitura de textos variados. Essa prática visaria ao entendimento, assimilação e uso da escrita, e o melhor método de ensino seria o indutivo, no qual se parte da observação dos fatos para se chegar a definições e classificações.

Situação 2: o texto a serviço do reconhecimento de estruturas

Outra situação observada na prática de ensino da professora A se refere à leitura. Ao trabalhar a compreensão textual, a docente indica a leitura de um texto jornalístico. Tal atividade foi realizada em equipes de cinco alunos, e cabia a estes ler e discutir sobre o texto, a fim responder oralmente as perguntas elaboradas pela docente. Depois da leitura e da discussão do texto por parte dos aprendizes, a professora os questionou sobre o tema da matéria que tinham lido, perguntou em que região tinha ocorrido o terremoto mencionado na notícia, entre outras questões concernentes à compreensão textual. Por fim, como atividade para casa, pediu que os alunos encontrassem no texto 5 palavras sinônimas, 2 palavras parônimas, 5 verbos e 10 substantivos. Dessa forma, não presenciamos a discussão prévia sobre a finalidade atribuída aos verbos presentes no texto ou sobre o valor semântico dos sinônimos ali verificados, por exemplo.

Percebe-se, a partir da situação descrita, que a professora procura articular a leitura aos conteúdos de AL, entretanto, o faz de modo que não promove a reflexão dos alunos sobre a língua, uma vez que não se criam meios de observação sobre a função das estruturas lingüísticas presentes na produção textual. Assim, após fazer indagações básicas sobre o texto, a docente pede que nele sejam coletados substantivos, verbos, palavras sinônimas, etc. O exercício proposto trata-se, pois,

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de um exercício de reconhecimento de estruturas, no qual o texto é tomado como um “depósito” de classes de palavras, as quais o aluno deve identificar.

Sobre o conhecimento metalinguístico, Marcuschi (1999) entende que seu surgimento deve emergir no âmbito das atividades de leitura e produção de textos, não se confundindo, portanto, com um mero exercício analítico de palavras e frases.

As discussões e sugestões para o trabalho reflexivo em sala de aula são inúmeras. Concordamos com Hengemuhle (2007), quando este advoga ser a situação-problema um meio que gera interesse e instiga a busca pela solução de uma problemática. Desse modo, convém que o profissional docente priorize uma metodologia que vise à problematização dos conteúdos ensinados aos aprendizes, com vistas à ressignificação do conhecimento adquirido por eles. Em oposição a um processo de ensinar e aprender que valorize a memorização de dados e a sua reprodução, as teorias contemporâneas valorizam e aproveitam os conhecimentos prévios dos alunos, incentivam e desenvolvem seu senso e sua capacidade crítico-argumentativa, a fim de proporcionar-lhes a construção de novos saberes.

Exemplos da prática de ensino de AL da professora B:

Situação 3: a participação do aluno na construção de orações adverbiais

Ao tratar o conteúdo curricular “orações subordinadas adverbiais”, a mestra pede que os alunos elejam um sujeito para realizar uma ação e, posteriormente, pede aos aprendizes para eles relacionarem a ação realizada pelo sujeito à ideia de tempo. Os alunos escolhem o sujeito

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“João” e atribuem a ele a ação de “correr”, por fim, atrelam tal ação à ideia de tempo “amanhecer”. Do raciocínio dos alunos surge a oração “João corre quando amanhece”. Após a elaboração do enunciado realizado pelos aprendizes, a docente solicita que os mesmos tentem nomear a oração adverbial construída por eles, procurando designá-la como faz a gramática tradicional. A docente segue a mesma estratégia para trabalhar os outros tipos de orações adverbiais e, ao final da aula, expõe textos publicitários aos alunos, para que eles em coletividade, na sala de aula, criem hipóteses explicativas para o emprego das orações adverbiais encontradas naquele gênero textual. Na aula, observamos que os alunos são sujeitos que constroem o saber sobre a língua, visto que refletem sobre ela ao construir enunciados e tentar nomeá-los.

Sobre as tentativas de construção de conhecimentos, Geraldi (1996) julga que estas importam e ensinam mais do que o estudo dos produtos de reflexão gerados pelos gramáticos, sem que deles saibamos os critérios e as razões.

Situação 4: as orações adjetivas e a língua em uso

A professora B, em outra aula, trata das “orações adjetivas”. Logo no princípio de uma das aulas observadas, os aprendizes são indagados sobre a função do adjetivo. Após a resposta dos alunos, a professora, a fim de sondar se eles conseguiriam cambiar um adjetivo para uma oração adjetiva, pediu que os alunos transformassem o adjetivo da frase “Conheço um menino falador.” em uma oração adjetiva. Os alunos, obtendo sucesso, construíram o seguinte enunciado: “Conheço um menino que fala muito.”.

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Após verificar que os alunos compreendiam a função do adjetivo, além de saberem construir uma oração adjetiva, a docente oferece explicações sobre os dois tipos existentes de orações adjetivas (explicativas e restritivas) e recomenda aos alunos que atentem ao sentido dessas orações e não apenas para a presença ou ausência de vírgulas. Ao final da aula, além de mostrar anúncios através dos quais os alunos puderam perceber o emprego das orações adjetivas, a professora solicitou, como atividade para casa, que eles buscassem outros anúncios através dos quais pudessem ser encontradas orações adjetivas, observando, sobretudo, as intenções do autor do texto ao empregá-las.

Nesse trabalho, observou-se que, além de desenvolver a reflexão dos alunos sobre as orações adjetivas e apresentar-lhes os seus dois tipos, a docente procurou destacar os usos dessas orações no gênero textual anúncio publicitário, destacando que o discurso publicitário também se vale de adjetivos para qualificar os produtos que deseja promover. Dessa forma, como considera Pisciotta (2001), as atividades de AL, partindo de discursos concretos, mobilizam o conhecimento que o aluno já traz e desenvolvem novas habilidades e saberes.

Também constatamos que os processos de dedução e indução foram utilizados pela docente com vistas à organização do saber linguístico e discursivo por parte do alunado. Ora a professora instiga os alunos a utilizarem os conhecimentos linguísticos e epilinguísticos de que dispunham, ora ela insere a explicação dos tipos de orações adjetivas que existem na língua e conceitua os supracitados tipos. Acreditamos que a aula de português deve ser um momento de produção simbólica e construção de subjetividades, dessa forma, o estudo da língua formal estaria a serviço do dizer.

“ENSINO DE ANÁLISE LINGUÍSTICA – REFLEXÃO E CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTOS OU MEMORIZAÇÃO E RECONHECIMENTO DE ESTRUTURAS?”

Marcela Thaís Monteiro da Silva & Lívia Suassuna

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Conclusão

Mediante a pesquisa empreendida verificamos duas situações de ensino de AL distintas. Na escola A, percebeu-se um ensino de AL muito próximo do ensino tradicional de gramática; assim, as aulas observadas pouco fomentaram a reflexão sobre os aspectos linguísticos e discursivos; deu-se ênfase à memorização e ao reconhecimento de estruturas, e a dedução foi amplamente utilizada durante as aulas. As atividades com texto enquanto totalidade semântica e o reconhecimento das variedades linguísticas, praticamente, não foram observados.

Na escola B, por sua vez, verificou-se o estímulo à reflexão dos alunos sobre os aspectos linguísticos e discursivos da linguagem. Além disso, observou-se que o discurso do aprendiz foi relevante e tomado como parte da aula. Dessa forma, por ter havido, na maior parte das vezes, atividades desenvolvidas com a língua em uso, percebeu-se que as variedades linguísticas são valorizadas e utilizadas no processo de ensino-aprendizagem. Por fim, importa dizer que a nomenclatura emergiu, durante as aulas, após a reflexão sobre as funções de cada elemento da língua, não se caracterizando, portanto, como o objeto propriamente dito de ensino da língua.

A partir dos resultados obtidos, acreditamos ser relevante o desenvolvimento de trabalhos e políticas de formação docente que apresentem estratégias de promoção da AL e que destaquem a importância da reflexão sobre a língua nas práticas de ensino do professor de português.

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“ENSINO DE ANÁLISE LINGUÍSTICA – REFLEXÃO E CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTOS OU MEMORIZAÇÃO E RECONHECIMENTO DE ESTRUTURAS?”

Marcela Thaís Monteiro da Silva & Lívia Suassuna

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Avaliação em larga escala e produção textual:

reflexões sobre o Enem

Ewerton Ávila dos Anjos LunaUFRPE – [email protected]

RESUMO: Este estudo objetiva investigar o que pensam avaliadores da prova de redação do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). O foco é refletir sobre dificuldades encontradas no processo de avaliação em larga escala. O corpus é composto por entrevistas realizadas com os cor-retores; e o referencial teórico é formado por contribuições de estudiosos da Linguística e Educação.

PALAVRAS-CHAVE: avaliação em larga escala; produção textual; ENEM.

ABSTRACT: This study aims to investigate what think evaluators of writ-ing test from Brazilian High School Examination (ENEM). The focus is on the reflection about difficulties during a large-scale evaluation process. The data is composed by interviews realized with some evaluators; and the theoretical reference is formed by contribution of scholars from Linguistics and Education.

KEYWORDS: large-scale evaluation; writing; ENEM.

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Introdução

O processo de avaliação em larga escala é bastante complexo. Dentre suas finalidades, podemos destacar: (1) a seleção, como é feito nos vestibulares e concursos, (2) e a identificação da real situação dos sistemas de ensino. Em relação à primeira, pode-se afirmar que a proposta é classificar os candidatos, e assim hierarquizá-los. A segunda é uma tendência que vêm sendo desenvolvida em vários países, e se relaciona à avaliação dos sistemas de ensino, no geral, e das escolas, das IES, dos professores, dos recursos teórico-metodológicos que guiam o ensino, em particular.

No Brasil, pode-se citar, por exemplo, a partir da década de 1990, a criação do SAEB, Sistema de Avaliação da Educação Básica; do ENEM, Exame Nacional do Ensino Médio; do ENC, Exame Nacional de Cursos, conhecido por Provão – hoje ENADE – Exame Nacional de Desempenho de Estudantes, avaliando o Ensino Superior. Além de exames criados mais recentemente como a Prova Brasil, que avalia apenas estudantes de ensino fundamental de 4ª e 8ª séries e o Encceja, Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos.

Vianna (2003, apud KELLANGHAN, 2001) afirma que as razões para estes tipos de avaliações são inúmeras: “destacando-se, inicialmente, como uma de suas prioridades, a identificação de problemas de aprendizagem, com o fito evidente de imediata superação do quadro apresentado” (p.45). Entretanto, isso nem sempre ocorre. Será, por exemplo, que após os resultados são sempre criadas políticas para redirecionamento de práticas? Será que os relatórios produzidos são acessíveis aos professores? Será que as IES privadas não desvirtuam suas práticas para se preparar para uma avaliação e depois usar o resultado como estratégia de marketing? Até que ponto os resultados indicam a real situação da educação no país?

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Além de todas essas questões relacionadas ao tratamento dos resultados, ainda há as referentes ao próprio processo de avaliação. Esses dois tópicos são frutos desse estudo a partir especificamente da reflexão sobre a avaliação da produção de textos, que configura o referencial teórico (1.0) e do que pensam alguns avaliadores da redação no ENEM, no tópico 3.0, que apresenta e discute os dados da pesquisa; antes disso, porém, são traçados comentários sobre os percursos metodológicos (2.0).

O objetivo desse estudo, logo, é investigar como os profissionais que participam do processo enquanto avaliadores da prova de redação do ENEM se posicionam diante do trabalho por eles realizado com ênfase nas dificuldades apresentadas. Considera-se relevante esta investigação uma vez que aborda o tratamento dado à avaliação da produção textual por uma esfera importante no âmbito do ensino de língua: Ministério da Educação; e, ainda, por refletir acerca de um Exame que vem se popularizando a cada ano. No ano de sua criação, por exemplo, o ENEM teve cerca de 150 mil participantes. Em 2010, o número de concluintes e egressos do Ensino Médio que participaram, voluntariamente, aumentou para cerca de 4,6 milhões.

1. Avaliação da produção textual

Devido à natureza processual da escrita, trabalhos no campo da produção textual (FERREIRO, 1996; ABAURRE et al., 1997; ROCHA, 2003; entre outros) enfatizam um ponto de vista da avaliação que leva em consideração não apenas o produto final do texto, mas também todo o processo de escritura como a revisão e a refacção. Rocha (2003), por exemplo, entende a revisão:

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Ewerton Ávila dos Anjos Luna

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Como um procedimento que permite não apenas ver melhor mas, também, ver de outra perspectiva, na medida em que, durante a produção da primeira versão do texto, o aprendiz tem sua atividade reflexiva centrada em aspectos como: o que dizer, como dizer, que palavras usar... Durante o processo de revisão, a aluno tem possibilidade de centrar esforços em questões pertinentes ao plano textual-discursivo, como dizer mais, dizer de outro jeito, analisar e/ou corrigir o que foi dito... (p.73).

Em relação ao trabalho de reescrita, Ruiz (2001) destaca a importância de que, mesmo que esta etapa ocorra após a leitura e as sugestões do professor, o aluno seja o responsável para encontrar os recursos que melhorarão seu texto. Segundo a autora, “o grande proveito possível que o aluno pode tirar, em função de uma intervenção do professor em seu texto, é aquele que advém também de um esforço pessoal seu...” (p.78). Para Ruiz, a avaliação resolutiva incita o aluno a apenas realizar atividade de cópia enquanto reescrita, impedindo assim a oportunidade de reflexão.

Nessa perspectiva o erro é concebido como fundamental para a aprendizagem. Ferreiro (1996), em estudo sobre crianças, afirma que não se pode esperar que elas saibam fazer perfeitamente aquilo que ainda estão aprendendo, por isso não se pode aplicar os juízos advindos da norma adulta (absoluta). Abaurre, Fiad e Mayrink-Sabinson (1997), afirmam que:

Durante um longo período, os estudos e práticas pedagógicas ignoraram o fato de que os “erros” cometidos pelos aprendizes de escrita/leitura eram, na verdade, preciosos indícios de um processo em curso de aquisição da representação escrita

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da linguagem, registrando os momentos em que a criança torna evidente a manipulação que faz da própria linguagem, história da relação que com ela (re)constroí ao começar a escrever/ler (p. 16-17).

Esses posicionamentos em relação ao erro, à forma como o texto é concebido, aos aspectos contextuais, etc. podem ser observados a partir dos ganhos advindos das teorias do discurso. A concepção de linguagem como trabalho social “mostra que não se trata de aprender uma língua para dela se apropriar para, posteriormente, usá-la; trata-se, antes de usá-la em processos interativos...” (SUASSUNA, 2004, p.133). Mas nem sempre, como pôde ser observado anteriormente, essa visão foi preponderante às demais. O que é avaliado nas produções textuais dos alunos está diretamente relacionado à concepção de língua que subjaz a prática do docente. Segundo Marcuschi (2004),

Os critérios selecionados e atualizados pelo professor de língua materna nos procedimentos avaliativos podem ser vistos como fortes indicadores dos valores lingüísticos e culturais que vigoram em ambiente escolar (e mesmo na sociedade de modo mais amplo) a respeito da linguagem (p.4)

Geraldi (2002), ao questionar como as produções de alunos são avaliadas, destaca que muitas vezes a escola prepara para a vida “encarando-se o hoje como não vida”. Existe, então, um aluno-função que escreve para a função-professor, ou seja, há uma descaracterização dos sujeitos. Segundo o autor, nós, professores, “precisamos nos tornar interlocutores para, respeitando-lhe a palavra, agirmos como reais parceiros: concordando, discordando, acrescentando, questionando perguntando, etc.” (p.128-129).

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A dificuldade de alunos não se dá pela ausência de interlocutor, e sim pela forte presença da imagem da escola como “grande interlocutor” (BRITTO,1983). Em consonância, Leal (2003) afirma que a lógica escolar elimina “a atitude responsiva ativa, pois o aluno sabe de antemão que nada ou muito pouco pode esperar como resposta efetiva do que produz” (p.55). Destaca, ainda, que propósitos indefinidos ou objetivos obscuros também trazem sequelas para o processo de ensino e aprendizagem. Portanto, critérios devem ser claramente estabelecidos. Como destaca Geraldi (1995), o produtor de texto toma decisões variadas que comportam os âmbitos gramatical, estilístico, semântico, pragmático, etc. O professor, por sua vez, ao avaliar, deve estar ciente disso e conceber que estes âmbitos estão imbricados na produção de efeitos de sentido.

Por outro lado, o ensino de produção escrita por parte daqueles que concebem a língua como forma heterogênea de interação sócio-historicamente situada está voltado para condições efetivas de uso. Na avaliação, são considerados como critérios importantes não apenas estruturas gramaticais, mas o uso de recursos expressivos que a língua oferece em prol da construção de sentidos.

2. Percursos metodológicos

A fim de discutir sobre as dificuldades encontradas pelos avaliadores no processo de avaliação da redação do ENEM, foi coletado o corpus da pesquisa composto por dados provenientes da realização de entrevistas semi-estruturadas.

Foram escolhidos, aleatoriamente, 09 sujeitos participantes, seguindo o único critério de terem vivenciado o processo de correção do ENEM enquanto avaliadores dos textos. Considera-se que esse número

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permita “uma certa reincidência das informações, porém não despreza informações ímpares cujo potencial explicativo tem que ser levado em conta” (MINAYO, 1999, p. 102).

Todos possuem graduação em letras e cursos de pós-graduação lato ou stricto sensu em Linguística (maioria), Teoria da Literatura e Educação. A maior parte era, no período de coleta (2008), de recém mestres e estudantes de doutorado, e trabalhavam nas variadas esferas da educação: rede pública e/ou privada; Ensino Fundamental II, Ensino Médio e/ou Ensino Superior.

As observações analíticas a serem tecidas sobre os dados desta pesquisa são realizadas através de ponto de vista baseado em referencial teórico-metodológico desenvolvido ao longo do estudo, que possui caráter interdisciplinar, estando baseada em pressupostos da Linguística e da Educação. Destaca-se, ainda, o fato deste trabalho ser um recorte de pesquisa mais ampla, intitulada “Avaliação da produção escrita no ENEM: como se faz e o que pensam os avaliadores”, dissertação de mestrado defendida em 2009 no Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Federal de Pernambuco.

3. O que dizem avaliadores sobre o processo de correção da redação do ENEM

Dentre as questões apontadas pelos entrevistados, pode-se mencionar a dificuldade de trabalhar com mais de um foco de avaliação em uma única competência. Por exemplo, a competência II, da Planilha de Correção da Redação do ENEM, avalia o domínio estrutural do tipo textual solicitado pela proposta, além da compreensão do tema proposto e o desenvolvimento temático apresentado pelo participante a partir da aplicação de conceitos de várias áreas de conhecimento. Sobre isso, afirma Avaliador 7 (Av7):

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‘desenvolve tangencialmente o tema e/ou apresenta embrionariamente o tipo de texto dissertativo-argumentativo ou desenvolve tangencialmente o tema e domina razoavelmente ou bem o tipo de texto dissertativo-argumentativo ou desenvolve razoavelmente o tema e apresenta embrionária ou precariamente o tipo de texto dissertativo-argumentativo (lendo a planilha)’eu nunca entendia bem porque as três coisas estavam no mesmo tópico eu ficava confusa

Vale ressaltar que o ENEM tem o objetivo de oferecer um retorno ao participante para que ele possa refletir sobre sua prática de escrita. Entretanto, se o avaliador que possui domínio teórico-prático relacionado à produção textual tem dificuldades com a planilha de critérios no momento da avaliação, pode-se, então, inferir como deve ficar o participante.

Se não houver um trabalho interpretativo das competências, o participante receberá seus resultados e se voltará essencialmente para a nota, sem ao menos refletir sobre a mesma. De acordo com Av1, este trabalho com os critérios deve acontecer na escola uma vez que o aluno pode não saber, por exemplo, o que significa “desvios gramaticais de escolha de registro e de convenções da escrita pouco aceitáveis nessa etapa de escolaridade”.

Av1: pra mim também é muito complexo corrigir um texto que não vai ter um leitor da correçãoisso me incomoda muito porque eu dialogoeu digo “faça isso... melhore isso”

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Entrevistador: mas embora o candidato não leia sua observação “faça assim” nesse determinado aspecto ele vai receber uma carta com sua marcação em eu digo “faça isso... melhore isso”

Av1: é... o ENEM tem isso que vai além dos vestibularesagora pergunto... ele consegue ler isso aqui?com as minhas as observaçõespara ele é muito mais fácil quando ele pega isso aqui [segura o texto avaliado]ele diz “ah:: ta... tirei sete”ele não pára e os colégios/aí há uma questão para refletir tambémo colégio não pára“traz todo mundo... vamos refletir... você tirou tanto na competência tal... por quê?faltou isso faltou aquilo”talvez seja isso que a equipe organizadora do ENEM esperamas não é o que as escolas estão fazendoele pega... vê quanto tirou em cada competênciaeles não conseguem lere les não conseguem. . quer d izer . . . eu fa lo bem hipoteticamenteeu não trabalho com o ensino médiomas eu acredito que eles não consigam...‘demonstra domínio da norma culta’“eu tirei dois... então o que eu preciso fazer para tirar a quatro?quais foram os meus problemas?”não há o trabalho com os resultadoso trabalho/ele pára nos resultados quando na verdade ele deveria iniciar um novo trabalho

Questão similar que também pode ser discutida se relaciona a avaliação da própria avaliação. Alguns avaliadores questionaram no

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momento da entrevista quando iniciaria o processo de 2008 e como saberiam se iriam fazer parte da equipe novamente. Pode-se perceber, através do depoimento seguinte, que é sentida a falta da meta-avaliação junto ao avaliador. Assim como o participante recebe a carta sobre sua prova, com a finalidade de desenvolver competências até então passíveis de melhoramento, cada avaliador precisa também de um feedback para a confirmação ou redirecionamento de sua prática. No fragmento abaixo Av1 expõe sua angústia:

Av1: como é que a gente sabe se vai corrigir esse ano de novo ou não? porque eu acho que é outra coisa/deveria ter um retorno para o corretor“você foi bem... você foi mal” /.../isso acontece em outros processos tambéma gente trabalha trabalha trabalhadiscute discute discutemas no final não recebe um retornoa gente só sabe se nossa correção foi boa um ano depois quando eles ligamme chamou para corrigir novamente...então eu penso “gostaram da minha correção” /.../mas nem sobre isso [cotas] eu recebi um retorno“olhe... você não bateu as cotas... mas tudo bem”então... “você não bateu as cotas... tem que bater”eu queria alguma resposta nem que fosse uma bronca porque eu não estava batendo as cotas

Sobre o último trecho transcrito, tem-se uma referência à quantidade de textos a serem avaliados. Muitos dos avaliadores entrevistados argumentaram como fator a ser repensado uma vez que o excesso de material poderia trazer consequências para a qualidade da avaliação.

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Os avaliadores receberam, no ano de 2007, 102 textos por dia durante um mês.

Av1: no início eu voltava muitomas depois eu parei porque se não eu não terminava nuncaeu acho que se não fosse a grande quantidade dessas cotas de cento e tantasa qualidade melhorava

Av5: você fica desesperadovocê tem que corrigir muitas redaçõesum envelope com mais de cem redações

Av7: /.../ então... assim... eu trabalhei pouco tempo com produção textualinclusive todas as vezes que eu era chamada para trabalhar com correçãoeu sempre dizia “não quero não”por quê... porque eu tenho... não seimeu limite de cansaço mental ele/chegou a trinta quarenta redações eu já/aí eu acho que minha criticidade vai pra as cucuiaseu já não consigo... sabe?

Uma outra observação identificada a partir do discurso dos avaliadores é o fato de alguns criarem uma certa imagem sobre o ENEM. É como se o grau de exigência no Exame fosse inferior, por exemplo, à sala de aula ou a outras comissões organizadoras de concursos. O que foi observado é que alguns avaliadores realizam a leitura texto do participante com este pré-conceito, refletindo, portanto, na avaliação feita.

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Av3: aqui a gente/até... eu acho que tem uma certa condescendênciadiante da variedade de estudantes que vem da escola públicaque vem com muita deficiência... de escola rural... /.../a avaliação é virtualentão a gente não pontua questões menoresa avaliação é feita no âmbito maior que ali engloba muita coisa e muita coisa também passa despercebido né?

Av9: eu vejo que no ENEM você acaba pesando menos em alguns critérios

Entrevistador: isso por quê?por conta da planilha?

Av9: também da planilha... mas eu acho que pesa um outro critério aíque é o do público que você tá corrigindo

Não há como evitar a reflexão dos avaliadores em relação ao processo; ter opiniões particulares em relação à rigidez, por exemplo; mas uma coisa é achar que no ENEM as notas devem ser mais altas porque o Exame é ‘leve’ (Av3 e Av9), porque há participantes de classes economicamente desfavorecidas, e outra é deixar essas visões subjetivas interferirem no processo. Essa é a ótica apresentada por Av6 que, apesar de se posicionar criticamente perante o que lhe é oferecido, ele procura seguir as instruções recebidas. Para exemplificar,

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Av6 cita uma comissão de vestibular para qual trabalha em que tinha que contabilizar os erros do candidato e descontar na nota (sendo a infração relacionada ao mesmo conhecimento), mesmo discordando de tal postura.

Av6: eu acho que independente das nossas concepçõesa gente tem que cumprir o acordadoa gente pode discutir concepções antes de começar a corrigir... entendesse?depois que a gente começa a corrigira gente tem que entrar dentro daquelas concepções que foram ali acordadasvestir a camisa

Considerações finais

Não se pretende aqui afirmar que a avaliação da produção textual no ENEM não seja importante e válida para a busca de melhorias educacionais, mas refletir sobre algumas dificuldades vividas em processo em larga escala.

Vale destacar que o mesmo possui certas limitações que não se pode deixar de levar em consideração. Em relação à aprendizagem, por exemplo, não é possível realizar uma avaliação conclusiva da situação de um aluno sem a observação e acompanhamento de seus avanços.

Apesar de todas as limitações discutidas sobre a avaliação em larga escala da produção escrita no ENEM, reforça-se sua importância, nas palavras de Vianna, para os sistemas educacionais:

No sentido de (1) elevar os padrões de ensino muitas vezes bastante comprometidos em algumas instituições; (2) ajustar os processos de ensino à aprendizagem com o uso de

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metodologias adequadas e que devem ser de domínio dos professores, o que nem sempre ocorre; (3) contribuir para a formação de cidadãos que possam desafiar a complexidade de uma sociedade tecnológica; e, ainda, (4) proporcionar aos responsáveis pela tomada de decisões educacionais o feedback necessário para que prevaleça o bom senso que, na prática, conduz ao acerto das ações. (2003, p.74)

É sabido que o ENEM não apenas oferece dados sobre a situação educacional no país, mas também contribui para as reflexões sobre práticas de ensino. Entretanto, sabemos que na busca da melhoria na educação, a avaliação em larga escala não é a solução, e sim o primeiro passo.

Referências bibliográficas

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Gêneros digitais: navegando rumo aos desafios

da educação a distância

Ivanda Maria Martins Silva UFRPE – [email protected]

RESUMO: Os novos suportes de comunicação e os ambientes virtuais de aprendizagem estão re-dimensionando as práticas de linguagem na cibercultura. Os gêneros digitais ou e-gêneros orientam a comunicação online e influenciam as interações síncronas e assíncronas no contexto da educação a distância. Pretende-se discutir os gêneros digitais recorrentes na educação a distância, considerando as características do ambiente virtual moodle.

PALAVRAS-CHAVE: gêneros digitais, educação a distância, ambientes virtuais.

ABSTRACT: The new media of communication and virtual learning environments are changing the language practices in cyberculture. The digital genres or e-genres guide to online communication and influ-ence the synchronous and asynchronous interactions in the context of distance education. This paper intends to discuss about digital genres applicants in distance education, considering the characteristics of the virtual environment moodle.

KEYWORDS: genres digital; distance education, virtual environments.

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Introdução

A educação a distância explora certas técnicas de ensino, incluindo as hipermídias, as redes de comunicação interativas e todas as tecnologias intelectuais da cibercultura. (LÉVY, 1999). Na era da cibercultura, em que a interatividade ganha destaque, novas competências são requeridas, devido à superabundância de informações e à mobilidade do ciberespaço, o qual funciona como uma imensa rede de conexões, promovendo a ampliação da “inteligência coletiva”. (LÉVY,1999).

As práticas de linguagem começam a sofrer transformações diante da rapidez das trocas comunicativas e dos e-gêneros ou gêneros digitais. E-mails, chats, blogs, microblogs, fóruns de discussão, entre outros, tornam-se gêneros cada vez mais conhecidos dos internautas. Os usuários da Internet se adaptam às convenções desses novos modelos e buscam aperfeiçoar estratégias comunicativas, visando à eficácia das interações no ciberespaço. Segundo Crystal (2001), pode-se considerar que o impacto da Internet é menor como revolução tecnológica do que a mudança nos modos sociais de interagir linguisticamente.

Com as mudanças e os avanços tecnológicos, a educação a distância vem re-dimensionando as práticas comunicativas nos ambientes virtuais de aprendizagem (AVA). Os cursos a distância são desenvolvidos em ambientes virtuais de aprendizagem, como, por exemplo, o Moodle (modular object oriented distance learning), ou seja, um sistema aberto para gerenciamento de cursos, destinado a auxiliar educadores na produção de cursos online. O ambiente virtual de aprendizagem assume o papel de uma espécie de hipergênero, promovendo o diálogo entre vários gêneros digitais usados para apoiar a aprendizagem dos alunos na educação online.

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Neste trabalho, alguns gêneros digitais serão priorizados, tais como: fórum, chat, blog, glossário, quiz, no sentido de ampliar o debate sobre os gêneros no ambiente virtual Moodle amplamente usado na educação a distância.

1. Os gêneros digitais nos ambientes virtuais de aprendizagem

Na educação a distância, os fluxos de interação ocorrem nos ambientes virtuais de aprendizagem. Esses ambientes são formados por um conjunto de ferramentas para a construção, disponibilização e manipulação de material instrucional. Este conjunto de ferramentas, além de conter recursos para a manipulação de textos e gráficos, contém dispositivos para organizar dados, gerenciar informações administrativas e conteúdos sobre acompanhamento da aprendizagem do aluno, considerando a participação dos educandos em testes, avaliações, processos de comunicação síncrona e assíncrona.

Pode-se dizer que:

Os AVA consistem em mídias que utilizam o ciberespaço para veicular conteúdos e permitir interação entre os atores do processo educativo. [...] Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) consiste em uma opção de mídia que está sendo utilizada para mediar o processo ensino-aprendizagem a distância. (PEREIRA, SCHMITT, DIAS, In: PEREIRA, 2007, p.05).

Nos ambientes virtuais, os indivíduos tornam-se capazes de interagir, utilizando as ferramentas tecnológicas para elaborar e socializar suas produções. Desse modo, a construção da aprendizagem revela-se colaborativa, na medida em que os sujeitos produzem, (re)avaliam,

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socializam, constroem e reconstroem os diversos percursos que levam à construção do conhecimento.

Os ambientes virtuais podem ser utilizados como suportes para sistemas de educação a distância, realizados exclusivamente online, bem como para apoio às atividades presenciais. Nesses ambientes, a comunicação mediada por computador (e-comunicação) é efetivada nos espaços virtuais e pode ser realizada de três maneiras: comunicação de um para um, comunicação de um para muitos e comunicação de muitos para muitos.

Na comunicação de um para um, o processo de transmissão da informação limita-se ao envio e ao recebimento da mensagem. Como exemplo, podemos colocar o caso das mensagens individuais que os professores usam constantemente nos ambientes virtuais, como pequenos avisos, recados, informes, publicados. O envio de mensagens assume a função do e-mail, podendo-se estabelecer a comunicação entre um determinado participante que envia a sua mensagem para outro.

A comunicação de um para muitos é caracterizada pela existência de um mediador, o qual estabelecerá regras de conduta, fazendo as intervenções necessárias. Podemos citar como ferramenta para utilização desta forma de comunicação os fóruns de discussão. Na comunicação de muitos para muitos ou comunicação estrelar, os integrantes destes ambientes agem de forma colaborativa, ou seja, todos participam da criação e desenvolvimento das comunidades e respectivas produções.

As tecnologias da informação e comunicação permitem criar ambientes ricos em possibilidades de aprendizagem, nos quais as pessoas podem aprender qualquer coisa sem precisar fazer uso do processo de ensino formal. As pessoas podem fazer uso de ambientes que venham a construir o conhecimento de forma colaborativa e cooperativa.

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Como se pode notar, os ambientes virtuais de aprendizagem são espaços de interação, encontros virtuais entre docentes e discentes, locais em que os percursos de aprendizagem vão sendo construídos de forma colaborativa.

Batista (2000) define o AVA como lugar, onde estudantes e professores podem interagir psicologicamente com relação a certos conteúdos, por meio de métodos e técnicas previamente estabelecidos, visando à construção de conhecimentos. Ainda conforme Batista (2000), o AVA revela-se como espaço propício para que os estudantes obtenham recursos informacionais e meios didáticos para interagir e realizar as atividades de acordo com as metas e propósitos educativos estabelecidos. Batista (2000) também aborda dois elementos fundamentais na concepção de um AVA: a) o desenho instrucional, ou seja, a forma como se planeja o ato educativo; b) o desenho da interface, ou seja, a expressão visual e formal do AVA.

Dentre os ambientes virtuais de aprendizagem, o Moodle vem conquistando papel de destaque no campo da educação a distância. Uma das principais vantagens do Moodle sobre outras plataformas aponta para aprendizagem construída paulatinamente na interação entre os sujeitos participantes dos fluxos educacionais. Nesse sentido, os alunos são estimulados à construção de aprendizagens significativas, de modo colaborativo, a partir dos processos de mediação tecnológica e pedagógica.

No Moodle, o acompanhamento dos alunos é realizado a partir de relatórios de acesso, os quais permitem a visualização das atividades realizadas e o registro do parecer descritivo da avaliação. Podem-se visualizar as mensagens postadas por determinado aluno de forma isolada ou ainda apresentar uma lista de enunciados, citações e acessos de forma agrupada. O Moodle apresenta diversas ferramentas que

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podem facilitar as interações entre docentes e discentes, apoiando a formação de comunidades virtuais de aprendizagem, bem como a construção de aprendizagens significativas na educação online.

Os ambientes virtuais de aprendizagem são espaços para leitura, escrita e processamento textual, considerando a integração entre diversos gêneros digitais. Conforme Marcuschi (2003, p. 30), os gêneros textuais precisam ser compreendidos como “artefatos culturais construídos historicamente pelo ser humano”. Sob esse aspecto, diante do contexto dinâmico da cultura digital, o debate sobre os gêneros são re-dimensionados para os novos suportes de comunicação, percebendo-se o ciberespaço e os ambientes virtuais de aprendizagem como novos domínios para as relações sociais entre os sujeitos, bem como para novas estratégias comunicativas usadas nos gêneros digitais.

Nos ambientes virtuais, podemos notar a intertextualidade intergêneros (MARCUSCHI, 2003), se considerarmos o AVA como espécie de hipergênero (BONINI, 2004, SOUZA, 2009), espaço de convergência entre diferentes gêneros que promovem interações síncronas e assíncronas entre docentes e discentes no contexto da educação a distância. Os ambientes virtuais funcionam como “constelações de gêneros digitais”, termo sugerido por Araújo (2005). Sob esse aspecto a confluência de diferentes gêneros, linguagens e ferramentas midiáticas transformam o AVA em um espaço dinâmico, onde som, imagem, textos verbais e não-verbais, hipertextos, e-books, vídeoaulas e outros recursos motivam a aprendizagem dos alunos.

Neste trabalho, será priorizado o ambiente virtual Moodle usado no contexto da educação a distância para apoiar a aprendizagem dos alunos. Nas interações virtuais do Moodle, alunos e professores podem utilizar diversos gêneros digitais, no sentido de manter fluxos contínuos de comunicação nos processos de ensino-aprendizagem. Dentre os

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gêneros digitais mais utilizados no ambiente virtual, destacam-se: perfil do usuário, chat, fórum de discussão, quiz, blog, wiki, como veremos a seguir:

Perfil do usuário

Ao acessar o ambiente Moodle, o usuário pode criar o seu próprio perfil, colocando dados pessoais, como conta do e-mail, informações profissionais, dados acadêmicos e outros comentários. Ainda na composição do perfil, pode-se colocar uma foto do usuário para facilitar a interação no AVA. Em síntese, o perfil é um espaço para a apresentação geral do usuário, no sentido de estreitar as relações interpessoais mediadas pelas tecnologias da informação e comunicação. A construção do perfil envolve características multimodais, aproximando imagem, textos verbais e não-verbais no mesmo espaço virtual.

Chat

O gênero chat é uma sessão de bate-papo que tem muita relevância na educação online. O chat permite a realização de uma discussão virtual via web em modalidade síncrona, ou seja, os participantes da sessão de chat precisam estar conectados de forma simultânea. O chat é importante para minimizar a sensação da distância física (espacial-temporal), permitindo que a interação entre professores e alunos revele-se mais estreita e intensa. Na educação a distância, é importante que o chat seja utilizado não apenas para tirar dúvidas, mas também para ampliar discussões e debates temáticos. Por isso, investir em sessões temáticas de chat com participantes convidados poderá dinamizar a aprendizagem dos alunos.

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Os chats assemelham-se às conversações orais espontâneas, revelando traços de oralidade na tentativa de representar, ou melhor, simular as interações face a face. Nesse sentido, os chats podem ser compreendidos como transmutações de conversas espontâneas, muito frequentes na oralidade e agora representadas nas mídias digitais. Bakhtin (1992) já abordava o diálogo entre gêneros e a sua transmutação para ampliar as reflexões sobre o surgimento e a formação de novos gêneros. Desse modo, podemos perceber como o chat, usado nos ambientes virtuais, apresenta aproximações com as conversas espontâneas da oralidade nas interações face a face.

Nos chats, o diálogo centraliza-se entre duas ou mais pessoas, revelando a interatividade como recurso primordial na rápida troca de turnos conversacionais. É interessante observar que, no ciberespaço, por meio dos chats abertos, os internautas podem esconder suas identidades, criando apelidos virtuais (nicknames). Esse fato está diretamente relacionado com a intersubjetividade nas práticas comunicativas, permitindo que os indivíduos assumam identidades diferentes, com propósitos distintos, configurando, também, o chat como gênero polifônico (BAKHTIN, 1992), no qual o entrecruzamento de várias vozes direciona os papéis dos interlocutores.

No entanto, nos ambientes virtuais de aprendizagem dos cursos a distância, a identidade dos participantes é mantida nas sessões de chat. Nos AVA da EAD, o chat é um gênero de natureza educacional, portanto, os participantes mantêm um fluxo e interação de acordo com o contexto acadêmico de troca de informações, visando à construção de conhecimentos. Nesse sentido, até o padrão de formalidade ou informalidade é diferente dos chats usados abertamente no ciberespaço, em função das relações entre os participantes do processo.

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Na Internet, as relações entre os sujeitos são mais abertas, cada um pode colocar um nickname, a fim de simular comportamentos e até assumir outras personalidades, já que o chat é usado mais com uma função lúdica de interação social. Se, por um lado, as sessões de chat no ciberespaço são mais flexíveis e abertas, por outro lado, nos ambientes virtuais da EAD, as sessões de chat são privadas, já que os participantes precisam estar inscritos no curso a distância. No Moodle usado na EAD, as sessões de chat precisam ter um número limitado de participantes para o mediador acompanhar os fluxos de interação, tirar as dúvidas, promover uma comunicação eficaz, de natureza pedagógica no espaço acadêmico da instituição que está promovendo o curso.

Marcuschi (2004, p.28) elenca vários tipos de chats, dentre os quais destacamos:

a) Chats em aberto: “inúmeras pessoas interagindo simultaneamente em relação síncrona e no mesmo ambiente”.b) Chat reservado: variante dos room-chats, mas com as falas pessoais acessíveis apenas aos dois interlocutores mutuamente selecionados, embora possam continuar vendo todos os demais em aberto.c) Chat agendado: oferece possibilidade de diversos recursos tecnológicos na recepção e envio de arquivos.d) Chat privado: “são os bate-papos em sala privada com apenas os dois parceiros de diálogo presentes”. (MARCUSCHI, 2004, p.28).

A linguagem utilizada nos chats transforma as relações entre fala e escrita, na medida em que há a necessidade de estabelecer a comunicação de modo bastante rápido e dinâmico, simulando as trocas comunicativas na interação face a face. Desse modo, expressões

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surgem abreviadas ao máximo, devido à economia verbal que tende a estreitar as relações entre fala e escrita, contribuindo para acentuar, também, o grau de informalidade nesse tipo de interação.

Marcuschi (2004, p. 47) também aponta para os traços característicos do gênero chat, dentre os quais destacamos:

a) Produções escritas no formato de diálogob) Produções síncronas apesar de escritasc) Contribuições geralmente curtas

Na EAD, os professores tutores têm papel fundamental no processo de mediação dos turnos de interação entre os participantes da sessão de chat. Em geral, vários alunos entram na sessão de chat e cabe ao professor coordenar a interação de modo eficaz, tentando responder a todos satisfatoriamente. Também é importante que o professor se coloque como o facilitador da interação dialógica, convidando também os alunos a assumirem o papel de sujeitos do processo comunicativo e não apenas de receptores passivos.

Na construção coletiva de várias vozes, espécie de orquestração polifônica (BAKHTIN, 1992), o chat pode se transformar em um grande espaço de encontros virtuais, nos quais a afetividade, a interação e o diálogo revelam-se como eixos essenciais. Dar respostas individualizadas, atentando para os nomes dos alunos, considerar as perguntas e questionamentos como fundamentais no processo de aprendizagem, manter a linguagem rápida, dinâmica são premissas importantes para o sucesso do chat como gênero pedagógico usado na educação a distância.

Conforme Cabral e Cavalcante (2010, p. 67), para que o chat seja bem utilizado nas práticas educativas, é fundamental que o professor tenha consciência das habilidades que pode priorizar, tais como:

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• Socialização: o chat permite a criação de redes de relacionamento, motivando o processo de interação social mediado pelas tecnologias da informação e comunicação.• Cooperação: o professor pode utilizar o chat para auxiliar as atividades a serem realizadas em grupo. A organização de seminários virtuais, produções coletivas, painéis de socialização podem ser atividades realizadas por meio do chat.• Estudo: o chat pode ser usado para apoiar estudos e pesquisas dos alunos. O professor pode disponibilizar um horário específico para orientar os educandos em relação às duvidas que poderão surgir durante o processo de ensino-aprendizagem.

Assim como o chat, o fórum também tem importância capital para motivar a interação nos ambientes virtuais de aprendizagem nos cursos a distância, como veremos a seguir.

Fórum de discussão

Os fóruns revelam diversos tipos de estruturas e podem incluir a avaliação recíproca de cada mensagem. As mensagens são visualizadas em diversos formatos e podem incluir anexos. Os fóruns são ferramentas de comunicação assíncrona, permitindo que os participantes estabeleçam a interação sem estarem conectados em tempo real.

Segundo Santos (In: SILVA, 2006, p.229), os fóruns permitem o registro e a comunicação coletiva por meio da tecnologia. Ainda conforme Santos (In: SILVA, 2006, p.229), nos fóruns, “emissão e recepção se imbricam e se confundem permitindo que a mensagem circulada seja comentada por todos os sujeitos do processo de comunicação”.

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Uma vantagem dos fóruns é que eles organizam as mensagens de acordo com o assunto. O fórum tem uma função pedagógica bem importante no processo de interação e trocas de experiências entre os seus participantes. Por meio do fórum, pode-se visualizar a construção da aprendizagem em rede, considerando as contribuições de cada ator do processo de comunicação assíncrona.

De acordo com Cabral e Cavalcante (2010, p. 72), “o fórum constitui um recurso coletivo de aprendizagem que exige a presença constante de um mediador para redirecionar e orientar comentários e/ou situações que não estejam de acordo com os objetivos do trabalho a ser desenvolvido”.

Na educação a distância, o fórum pode ser utilizado para debates sobre temas propostos, esclarecimentos de dúvidas, desenvolvimento de pesquisas, sistematização de leituras, troca de experiências, práticas contínuas de avaliação e autoavaliação, envio de materiais complementares para estudo, além de diversas outras utilidades.

No ambiente virtual Moodle, o professor pode criar tópicos de discussão nos fóruns e solicitar que os alunos alimentem tais tópicos por meio de respostas interativas. Assim, os alunos têm a oportunidade de responder a mensagem proposta no tópico criado pelo professor e os professores tutores podem fazer a mediação dos fluxos de interação nesse processo de aprendizagem em rede, como propôs Lévy (1999). Desse modo, forma-se uma rede de colaboração por meio das contribuições dos alunos, mediadores, professores tutores, todos juntos no processo de construção coletiva nos fóruns de discussão online.

Lévy (1999) já comentava que a função do professor é atuar como “animador da inteligência coletiva” na era da cibercultura, dinamizando os processos de ensino-aprendizagem nos ambientes virtuais. Os fóruns de discussão são gêneros digitais que propiciam esse papel do professor

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“animando” as aprendizagens que são (re)construídas nos ambientes virtuais da educação a distância.

Uma estratégia pedagógica importante é deixar que, nos fóruns, os alunos criem seus próprios tópicos de discussão, no sentido de propiciar oportunidades para que os educandos se manifestem de forma mais dinâmica e consigam estabelecer a interação com mediadores, professores tutores e demais colegas. Nesse sentido, os alunos podem colocar suas temáticas preferidas, compartilhar suas pesquisas, fornecer dicas de leituras, sugerir filmes e sites para outros colegas, enfim, os alunos assumem a posição de mediadores e incentivadores do processo de comunicação, tornam-se sujeitos de seus percursos de aprendizagem e atuam lado a lado com os professores como “animadores da inteligência coletiva” (LÉVY, 1999).

Ressaltamos ainda que os fóruns criados no ambiente Moodle também permitem que os participantes anexem arquivos, nos formatos Word, PowerPoint, jpg, Excel, entre outros, o que certamente pode facilitar a troca de experiências e a interação entre os seus participantes. Além da possibilidade de anexar arquivos e sugerir leituras complementares, os usuários ainda podem inserir imagens, cores e textos verbais na organização do corpo da mensagem, mesclando uma diversidade de códigos e linguagens na composição das produções textuais que são publicadas.

Blogs

Os blogs funcionam como diários virtuais, de cunho público, com várias informações autobiográficas que são disponibilizadas. A contribuição dos leitores é muito colaborativa, por meio de recados, avisos, bilhetes, notícias, poemas, ratificando-se a relação dialógica

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entre leitura e escrita. A autoria compartilhada parece ser uma característica fundamental na constituição dos blogs, os quais se revelam como “vitrines eletrônicas”, mostrando a privacidade dos indivíduos, por meio de dados que fazem parte do cotidiano das pessoas.

Na educação a distância, o blog pode ser usado para que os usuários coloquem suas experiências pessoais, profissionais, no sentido de ampliarem a rede social de interação no ambiente virtual de aprendizagem. Pedagogicamente, o blog pode também ser usado, na EAD, como recurso importante para as práticas autoavaliativas dos educandos, visto que os alunos podem registrar continuamente seus percursos de aprendizagem, suas pesquisas, suas descobertas, o que favorece a reflexão crítica e a construção da autonomia dos discentes.

Quiz

O quiz consiste em um instrumento de composição de questões e de configuração de questionários. As questões são arquivadas por categorias em uma base de dados e podem ser (re)utilizadas em outros questionários e/ou em outros cursos. A configuração dos questionários compreende a definição do período de disponibilidade, a apresentação de feedback automático, diversos sistemas de avaliação, a possibilidade de diversas tentativas. Alguns tipos de questões podem ser priorizados, tais como: múltipla escolha, verdadeiro ou falso, resposta breve, etc.

O quiz funciona como espécie de jogo de perguntas e respostas, o qual estimula diversas habilidades dos participantes. Pode ser construído para ser utilizado individualmente ou de forma colaborativa, gerando-se, neste caso, uma competição entre os participantes que podem se sentir estimulados ao desafio de aprender na interação com os outros.

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O quiz permite a organização de um grupo de perguntas e respostas, com base em diversos recursos que promovem a integração entre imagem, som, textos verbais e não-verbais, animações, movimento, além de várias outras estratégias que proporcionam a interatividade, premissa fundamental nos cursos a distância. O professor pode utilizar diferentes tipos de perguntas para o desenvolvimento de um quiz, considerando os diferentes estilos de aprendizagem dos alunos.

O quiz pode ser útil para instrumentos avaliativos e autoavaliativos online por meio de perguntas e respostas, propiciando um feedback imediato aos alunos. Nesse sentido, o quiz pode fornecer informações importantes para educadores e educandos sobre os desempenhos e percursos de aprendizagem em construção.

Wiki

A wiki proporciona a construção de textos de forma colaborativa, permitindo que os participantes trabalhem juntos, adicionando novas páginas web ou completando e alterando o conteúdo das páginas publicadas. A wiki é importante para a escrita colaborativa no ambiente virtual, promovendo maior interação entre os autores que podem compartilhar suas experiências de produção textual, considerando os mecanismos de textualidade e as orientações do mediador no processamento textual. Pode-se utilizar a wiki para estimular a produção textual coletiva de toda a turma ou ainda motivar a escrita colaborativa em pequenos grupos de trabalho. Os alunos podem usar os recursos do ambiente virtual para trocar ideias, construir projetos em grupo, organizar portfólios colaborativos, criar redes interativas de comunicação.

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Diversos outros gêneros digitais vêm assumindo destaque na comunicação mediada por computador. Poderíamos elencar uma enorme lista, discriminando gêneros que já fazem parte da rotina dos internautas. No entanto, priorizamos apenas alguns e-gêneros, a fim de refletir sobre essas novas modalidades de comunicação. Na verdade, alguns autores (MARCUSCHI, 2004) já defendem que os gêneros digitais encontram contraparte nos gêneros tradicionais.

Com a revolução tecnológica, o que se observa é a mudança significativa nos suportes de comunicação e interação, considerando a tela do computador como novo canal, a fusão de mídias, a criação de ambientes virtuais, etc. Conforme afirma Soares (2002), as práticas de leitura e escrita em novos suportes de comunicação inauguram um novo tipo de letramento, ou seja, o letramento digital como certo estado ou condição dos que se apropriam da nova tecnologia digital e exercem práticas de leitura e de escrita na tela. Ainda segundo Soares (2002), não é apenas a tela do computador que gera um novo tipo de letramento, mas todos os mecanismos de produção, reprodução e difusão da escrita e da leitura no mundo digital.

Considerações finais

Na educação a distância, os ambientes virtuais de aprendizagem têm papel especial nas mediações pedagógica e tecnológica entre alunos e professores que se encontram separados espacial e temporalmente, mas unidos por meio dos recursos tecnológicos. Os ambientes virtuais precisam ser re-dimensionados para o contexto dinâmico da EAD, visando garantir a interatividade, minimizando o sentimento aparente de solidão dos alunos que estudam “sozinhos”, mas que participam virtualmente das redes de conexões da inteligência coletiva.

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Os ambientes virtuais podem estimular os processos síncronos e assíncronos de comunicação entre os aprendizes, além de motivar o trabalho cooperativo, a autoria compartilhada, a pesquisa baseada nos materiais e recursos didáticos disponíveis, visando que os educandos conquistem a autonomia em seus percursos de aprendizagem.

Os ambientes virtuais funcionam como hipergêneros, promovendo o diálogo entre diferentes gêneros em um mesmo espaço de leitura e produção textual. Blogs, fóruns, chats, quiz, perfil do usuário, wikis e vários outros gêneros digitais podem ser utilizados para os processos de comunicação mediada por computador (e-comunicação). É fundamental que os participantes da e-comunicação estabeleçam novos contratos comunicativos, reconhecendo as características dos gêneros digitais e aprimorando o grau de letramento digital no contexto da educação a distância.

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Gêneros:Editorial; Artigos/ensaios; Resenhas..

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1. Os trabalhos deverão ser enviados para o e-mail [email protected], em programa Word for Windows, em dois arquivos, um com texto completo com identificação do(s) autor(es), e indicação do tipo de trabalho (artigo/ensaio, resenha). Em outro arquivo deve constar apenas o texto sem identificação de autor(es).

2. Tipo de letra: Arial, corpo 10.

3. Espaçamento: espaço 1,5 entre linhas e parágrafos; espaço duplo entre partes e entre textos e exemplos, citações, tabelas, ilustrações, etc.

4. As citações com mais de três linhas devem aparecer em parágrafo distinto, iniciando-se a 4 cm da margem esquerda, com letra tamanho 8, com espaçamento simples entre as linhas e sem as aspas.

5. As tabelas, as ilustrações (fotografias, desenhos, gráficos, etc) e anexos são contados no limite total de páginas. Para anexos que constituem textos originais já publicados, incluir referência bibliográfica completa, bem como permissão dos editores para publicação.

6. O texto deve ser apresentado na seguinte seqüência:

•Título:centralizado,emmaiúsculas,emnegrito.

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Vol. 1 - Nº 1 - Janeiro a Junho de 2011 l 148

•Subtítulos: sem adentramento, numerados emnúmeros arábicos(Introdução não tem recebe numeração); apenas a primeira letra de cada sub-título em maiúscula.

•Nome(s)do(s)autor(es):duaslinhasabaixodotítulo,àdireita;letrasmaiúsculas apenas para as iniciais.

a) Sigla da instituição de filiação do(s) autor(es): entre parênteses, abaixo do(s) nome(s) do(s) autor(es).b) Indicação de e-mail abaixo do nome do(s) autor(es).

•Resumo:apalavraRESUMO,seguidadedoispontos,emmaiúsculas,duas linhas abaixo do nome do autor e de sua instituição, sem adentramento. Na mesma linha, o início do texto do resumo, que deverá ter entre 40 e 60 palavras em itálico.

- O primeiro resumo deverá ser redigido em língua portuguesa; o segundo, em língua diferente daquela em que estiver redigido o artigo: se em português, o segundo resumo deverá ser em espanhol ou em inglês ou em francês (Resumen ou Abstract ou Resumé). Se o artigo estiver redigido em espanhol, o segundo resumo deverá estar em língua inglesa ou francesa; se em francês, o segundo resumo deve ser em língua espanhola ou inglesa; se em inglês, em língua francesa ou espanhola. Após cada um dos resumos, deverão constar três palavras-chave em negrito, na língua em que estiver escrito (Keywords, Mots-clés ou Palabras-llave).

7. A Revista publicará os seguintes textos: artigos, resenhas e ensaios.

•Artigos/ensaios - Textos de dimensão variável, entre seis e dezpáginas

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Vol. 1 - Nº 1 - Janeiro a Junho de 2011 l 149

•Resenhas-Textoscomdimensãovariável,entreduasetrêspáginas,contendo o registro e a crítica de obras, livros, teses, monografias, etc, publicadas recentemente;

8. Referências: as referências bibliográficas, redigidas segundo a norma NBR 6023/2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

9. Imagens: As imagens utilizadas no texto precisam ser enviadas em arquivos separados do arquivo .doc, com resolução mínima de 300 dpi e dimensões mínimas de 1024x768 pixels. Capturas da internet devem utilizar softwares adequados (ex: Picasa, Pohotoshop etc.) e finalizadas em formato .jpg, .png ou .tiff. As capturas de internet precisam trazer a url completa da captura nas referências do artigo ou em sua legenda. Todas as imagens precisam ser creditadas e suas fontes mencionadas.

10. Notas: As notas de rodapé devem ser exclusivamente explicativas. Todas as notas deverão ser numeradas e aparecer no pé de página (usar comando automático Inserir/Notas). Não incluir referências bibliográficas nas notas.

11. A correção gramatical e ortográfica é de responsabilidade de cada autor.

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