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ESTUDO TÉCNICO REMUNICIPALIZAÇÃO DOS SERVIÇOS DE SANEAMENTO BÁSICO ESTUDOS DE CASO E DEBATE São Paulo, outubro de 2018.

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ESTUDO TÉCNICO

REMUNICIPALIZAÇÃO DOS SERVIÇOS DE

SANEAMENTO BÁSICO

ESTUDOS DE CASO E DEBATE

São Paulo, outubro de 2018.

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Equipe

Gesner Oliveira – Presidente do Conselho Administrativo de Defesa

Econômica/CADE (1996-2000); Presidente da Sabesp (2007-10); Ph.D. em Economia

pela Universidade da Califórnia/Berkeley; Professor da Fundação Getúlio Vargas-SP

desde 1990. Professor Visitante da Universidade de Columbia nos EUA (2006); Sócio da

GO Associados.

Fernando S. Marcato – Mestre em Direito Público Comparado - Master

Recherche 2, avec mention (com mérito) na Universidade Panthéon-Sorbonne (Paris I),

Paris, França; Professor do Pós GV-Law em Infraestrutura da Escola de Direito da

Fundação Getúlio Vargas de São Paulo – FGV-SP e do curso de graduação em Direito da

EDESP – FGV/SP; Sócio da GO Associados.

Pedro Scazufca – Especialista nas áreas de regulação, defesa da concorrência,

infraestrutura e modelagem de negócios com mais de dez anos de atuação em consultoria;

Mestre em economia pelo Instituto de Pesquisas Econômicas da FEA-USP; Palestrante

em cursos de especialização da Fundação Getúlio Vargas FGV-SP; Sócio da GO

Associados.

Artur Villela Ferreira – Bacharel em Administração de Empresas com ênfase

em Sustentabilidade pela Escola de Administração de São Paulo da Fundação Getúlio

Vargas (EAESP/FGV). Atua na área de infraestrutura com ênfase em saneamento.

Associado da GO Associados.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 5

2 BREVE HISTÓRICO DAS CONCESSÕES NO MERCADO DE

SANEAMENTO ............................................................................................................. 6

3 PARIS ......................................................................................................................... 9

3.1 SETOR DE SANEAMENTO BÁSICO NA FRANÇA .................................................................................. 9

3.2 HISTÓRICO DA OPERAÇÃO DE ÁGUA E ESGOTO EM PARIS .............................................................. 10

3.3 REMUNICIPALIZAÇÃO E RESULTADOS ........................................................................................... 10

4 BUENOS AIRES ...................................................................................................... 13

4.1 SETOR DE SANEAMENTO BÁSICO NA ARGENTINA .......................................................................... 13

4.2 HISTÓRICO DA OPERAÇÃO DE ÁGUA E ESGOTO EM BUENOS AIRES ................................................ 13

4.3 REMUNICIPALIZAÇÃO E RESULTADOS ........................................................................................... 17

5 ATLANTA ................................................................................................................ 19

5.1 SETOR DE SANEAMENTO BÁSICO NOS ESTADOS UNIDOS ............................................................... 19

5.2 HISTÓRICO DA OPERAÇÃO DE ÁGUA E ESGOTO EM ATLANTA ........................................................ 19

5.3 REMUNICIPALIZAÇÃO E RESULTADOS ........................................................................................... 20

6 BERLIM ................................................................................................................... 22

6.1 SETOR DE SANEAMENTO BÁSICO NA ALEMANHA .......................................................................... 22

6.2 HISTÓRICO DA OPERAÇÃO DE ÁGUA E ESGOTO EM BERLIM ........................................................... 22

6.3 REMUNICIPALIZAÇÃO E RESULTADOS ........................................................................................... 24

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7 GANA ........................................................................................................................ 26

7.1 SETOR DE SANEAMENTO BÁSICO EM GANA ................................................................................... 26

7.2 HISTÓRICO DA OPERAÇÃO DE ÁGUA E ESGOTO EM GANA .............................................................. 26

7.3 REMUNICIPALIZAÇÃO E RESULTADOS ........................................................................................... 27

8 CONCLUSÕES ........................................................................................................ 29

REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 32

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SUMÁRIO DE QUADROS

QUADRO 1 – MODELOS PARA PARTICIPAÇÃO PRIVADA EM INFRAESTRUTURA ..... 6

QUADRO 2 – REMUNICIPALIZAÇÕES .................................................................... 7

QUADRO 3 – CONSUMO MÉDIO DE ÁGUA ........................................................... 14

QUADRO 4 – PERDAS DE ÁGUA NA AMÉRICA LATINA ......................................... 14

QUADRO 5 – ÁGUAS ARGENTINAS: METAS CONTRATUAIS ................................. 18

QUADRO 6 – TARIFA DE ÁGUA EM BERLIM, ALEMANHA E INFLAÇÃO ................ 24

QUADRO 7 – AVRL GANA: METAS E REALIZADO .............................................. 27

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1 INTRODUÇÃO

O objetivo deste Estudo é avaliar casos internacionais nos quais a gestão dos

serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário foi remunicipalizada após um

período de gestão privada entender os motivos que levaram à decisão do poder público,

bem como sugerir possíveis fatores que possam mitigar os riscos de eventuais decisões

de retomada dos serviços.

Este Estudo está dividido em oito seções, incluindo esta introdução. A Seção 2

apresenta o histórico das concessões de saneamento básico no Brasil e no mundo, bem

como os principais fatos sobre as remunicipalizações dos serviços de saneamento.

As Seções 3-7 apresentam os estudos de caso de Paris, Berlim, Huston, Buenos

Aires e Ghana, respectivamente. A Seção 8 apresenta as principais conclusões do estudo.

Para a realização deste Estudo foram utilizadas fontes públicas de informação,

devidamente citadas no documento.

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2 BREVE HISTÓRICO DAS CONCESSÕES NO

MERCADO DE SANEAMENTO

O objetivo desta seção é apresentar um breve histórico das concessões no

mercado do saneamento básico.

A participação de empresas privadas nos serviços de saneamento básico iniciou

na França na segunda metade do século XIX, quando, em 1853, a companhia privada

Générale des Eaux recebeu a exclusividade do fornecimento de água no município de

Lyon por um período de 99 anos.

Atualmente, diversos modelos permitem participação da iniciativa privada na

infraestrutura, incluindo no setor de saneamento básico, conforme Quadro 1.

QUADRO 1 – MODELOS PARA PARTICIPAÇÃO PRIVADA EM

INFRAESTRUTURA

Fonte: GO Associados

A participação da iniciativa privada na infraestrutura está associada à atração de

capital para investimento, bem como à eficiência operacional e na gestão dos serviços

públicos prestados. Isso tem gerado historicamente a oposição de diferentes grupos à

prestação destes serviços públicos por entes privados.

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Dentre os diversos setores da infraestrutura, o saneamento básico está entre os

que recebe maiores críticas de grupos contrários à prestação privada dos serviços,

principalmente pelo fato de a água ser um item essencial à vida e seu acesso ser

considerado um direito humano por organizações como a ONU.

Há inúmeros casos de municípios que retomaram a prestação pública dos

serviços de água e esgoto, após um período de gestão privada. Segundo a publicação “Our

public water future - The global experience with remunicipalisation”, teria havido 208

casos de remunicipalização, englobando 235 municípios, entre os anos de 2000 e 2015,

incluindo grandes capitais globais, como Paris e Berlim.

Uma análise mais cuidadosa desses dados mostra que por volta de 40% dos casos

de remunicipalização ocorreram após uma decisão unilateral de encerrar os contratos por

parte do poder público, enquanto em 44,7% dos casos colocados como

“remunicipalização”, o contrato com a iniciativa privada foi cumprido integralmente e,

após cumprir seu objetivo, não foi renovado. Ainda há quatro casos nos quais o operador

privado vendeu sua participação para o poder público, sete nos quais o prestador se retirou

e 16 nos quais existe a intenção de remunicipalização, ainda não executada, além de 11

casos sem informação disponível, conforme Quadro 2.

QUADRO 2 – REMUNICIPALIZAÇÕES

D Decisão de remunipalização ainda não implementada 16 6,8%

E Prazo contratual expirado, seguido de remunicipalização 105 44,7%

S Privado vendeu sua participação 4 1,7%

T Contrato foi terminado precocemente 92 39,1%

W Privado se retirou da operação 7 3,0%

N/A Não disponível 11 4,7%

TOTAL 235 100,0%

Fonte: Our Public Water Future, elaboração GO Associados

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Um dos maiores argumentos utilizados a favor da prestação pública dos serviços

de saneamento básico é a suposta redução das tarifas, possibilitada por um prestador sem

fins lucrativos.

Um estudo bastante citado de Chong, E., Huet, F., Saussier, S., Steiner, F.(2006)

considera 5000 municípios franceses, apontando uma correlação entre a prestação de

serviços por entidades privadas e uma maior tarifa de água e esgoto. Apesar de uma

metodologia econométrica sólida, o estudo não considera algumas variáveis fundamentais

para a comparação tarifária, notadamente o tempo de universalização e características

geográficas.

Outro estudo mais recente, Porcher (2012), com 177 operadores do mesmo país,

conclui que esta correlação entre o preço dos serviços de água e esgoto e o tipo de

prestador não existe.

A maior dificuldade em avaliar definitivamente o impacto do tipo de prestador

no custo dos serviços está no fato de que geralmente a iniciativa privada opera os serviços

onde há maior necessidade de investimentos, principalmente para a universalização dos

serviços, e as tarifas devem amortizar esses investimentos, não sendo possível comparar

estas operações com aquelas onde os serviços já são universalizados.

Além disso, é possível encontrar uma correlação entre a maior complexidade

operacional dos sistemas de saneamento e a decisão de conceder sua operação para a

iniciativa privada.

As próximas seções avaliam casos nos quais houve a retomada da gestão dos

serviços de saneamento pelo poder público, após operação privada, com o objetivo de

entender as principais causas e medidas que possam mitigar eventuais decisões de

retomada que contrariem o interesse público.

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3 PARIS

O objetivo desta seção é descrever o processo de remunicipalização dos serviços

de água e esgoto no município de Paris (França), no ano de 2010. A Subseção 3.1 descreve

de forma resumida o modelo regulatório e operacional francês. A Subseção 3.2 apresenta

um histórico do saneamento básico no município e a Subseção 3.3 descreve o processo

de remunicipalização e seus resultados.

3.1 Setor de saneamento básico na França

O saneamento básico na França possui modelos institucional e regulatório

semelhante ao brasileiro. A responsabilidade pela prestação dos serviços de distribuição

de água, coleta e tratamento de esgoto é dos municípios. O país abriga dois dos maiores

grupos privados do setor, Veolia e Suez Envinroment.

A atuação privada no setor de saneamento francês se dá por meio de contratos

de concessão, aluguel de ativos ou auxílio à gestão, atrelados a metas (contratos de

eficiência), nos quais os municípios mantêm a propriedade dos ativos, delegando apenas

a operação ao parceiro privado.

Na França foi realizada a primeira concessão dos serviços de água da história,

no ano de 1853, quando a companhia privada Générale des Eaux recebeu a exclusividade

do fornecimento de água no município de Lyon por um período de 99 anos.

A França possui mais de 36 mil municípios, alguns com menos de 100

habitantes. Para garantir a eficiência da prestação dos serviços de água e esgoto, grupos

de municípios de pequeno porte recorrem à gestão integrada dos serviços

(“Intercommunalité”). Cerca de dois terços dos franceses são atendidos por companhias

privadas, como Veolia, Suez e SAUR.

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3.2 Histórico da operação de água e esgoto em Paris

No ano de 1860, a capital francesa realizou a concessão do serviço de

distribuição de água para a Compaigne Générale por um período de 50 anos, seguindo o

movimento nacional de concessões dos serviços. Após estes 50 anos de operação privada,

em 1910, e seguindo uma nova onda de nacionalização do saneamento básico, o

município não renovou a concessão e retomou a operação da distribuição de água.

A partir dos anos 60, o setor de saneamento francês passou por forte pressão para

se adequar a padrões ambientais mais rigorosos, incluindo a universalização do

tratamento do esgoto, que demandou grandes investimentos no setor. Com isso, diversos

municípios concederam seus serviços de água e esgoto para o setor privado, que cresceu

de 32% de participação privada em 1932 para 80% em 2000.

O município de Paris, seguindo esta tendência nacional, realizou no ano de 1985

a concessão dos serviços de água e esgoto em duas áreas, divididos pelo rio Sena: a área

esquerda operada (rive gauche) pela companhia Lyonnaise des Eaux e a direita (rive

droite) pela Compagnie Générale por um período de 25 anos.

Durante o período da concessão, os serviços passaram por grande modernização,

substituição de tubulações de chumbo, melhora da qualidade da água e redução das perdas

de 24% para 4%.

3.3 Remunicipalização e resultados

No ano de 2010, o prazo de ambos os contratos de concessão dos serviços de

água e esgoto em Paris se encerrou. O então prefeito reeleito, Bertrand Delanoë (Parti

Socialiste - PS) decidiu não renovar os contratos nem realizar novas licitações para a

concessão dos serviços. Uma nova companhia municipal, Eau de Paris, foi criada e

atualmente opera os serviços na cidade.

Uma das bandeiras do processo de remunicipalização foi a redução das tarifas

de água. Em Paris, as tarifas foram reduzidas em 8% após o fim dos contratos de

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concessão. Essa redução é creditada pelo município e pela nova empresa ao menor custo

de capital da companhia pública, que reinveste todo o seu lucro na operação, sem

distribuição de dividendos.

Apesar da vantagem de curto prazo proveniente da redução das tarifas de água,

é possível perceber que estas foram acompanhadas de uma redução significativa nos

investimentos pela companhia pública Eau de Paris.

No ano de 2013, a empresa municipal investiu € 20,00/habitante, cerca de um

terço da média nacional, e substituiu 0,2% da rede de água e esgoto. Mantida essa média,

a troca da extensão completa da rede ocorreria em 500 anos, muito acima da vida útil da

infraestrutura, que fica por volta de 50 anos para os equipamentos mais duradouros. Entre

2010 e 2013 o índice de perdas aumentou para 8% (Schiffler, M, 2015).

Em primeiro lugar, é possível concluir que o término da concessão dos serviços

de água e esgoto em Paris se deu pelo final do período contratual regulamentar, não por

falta de atendimento de metas ou questões institucionais e regulatórias.

Em segundo lugar, o maior motivador para a não renovação da concessão dos

serviços foi tarifário: o município adotou como política reduzir a tarifa para aos usuários.

No entanto, dois fatores devem ser levados em conta para essa redução tarifária: a

infraestrutura para a prestação dos serviços já tinha sido construída ao longo dos contratos

privados. Desta forma, em um novo período de prestação dos serviços, é natural que haja

menores investimentos em expansão de redes e construção de novas estações de produção

de água e tratamento de esgoto. E a gestão pública que assumiu os serviços reduziu o

nível de manutenção dos sistemas (fato que fica evidente frente à evolução das perdas de

água nas tubulações). Esses dois fatores levam naturalmente a menores tarifas –

independentemente da forma institucional do prestador dos serviços.

Em terceiro lugar, a falta de licitação dos serviços não deixou claro se a redução

tarifária poderia ser atingida por prestadores privados. Ou seja, se as maiores tarifas até o

ano de 2010 apenas refletiram a necessidade de amortizar os investimentos realizados

para universalizar os serviços para os usuários. Como não há um agência de regulação,

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não foi possível confirmar que o atual nível de investimento pelo prestador municipal será

capaz de manter a qualidade dos serviços no médio e longo prazo.

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4 BUENOS AIRES

O objetivo desta seção é descrever o processo de remunicipalização dos serviços

de água e esgoto no município de Buenos Aires (Argentina), no ano de 2006. A Subseção

4.1 descreve de forma resumida o modelo regulatório e operacional argentino. A

Subseção 4.2 apresenta um histórico do saneamento básico no município; a Subseção 4.3

descreve o processo de remunicipalização e seus resultados.

4.1 Setor de saneamento básico na Argentina

O saneamento básico na Argentina possui prestação de serviços locais, em sua

maioria por companhias municipais ou prestação direta de serviços por departamentos

municipais. A região metropolitana de Buenos Aires, capital do país e da região

homônima, era atendida antes do processo de concessão dos anos 1990 pela Companhia

Nacional Obras Sanitarias de la Nación (OSN).

Ao desenhar o modelo institucional para a concessão dos serviços da Região

Metropolitana de Buenos Aires, o Governo Federal argentino decidiu pela adoção de um

modelo inspirado no francês, evitando a venda dos ativos ou do direito de exploração dos

serviços e realizando concessão por tempo determinado.

4.2 Histórico da operação de água e esgoto em Buenos Aires

No início da década de 1990, enquanto o país tentava se recuperar de uma grave

crise fiscal e política no governo do presidente Carlos Menem, a venda de importantes

ativos de infraestrutura pública parecia uma alternativa para a reequilibrar as contas

públicas, garantindo ao mesmo tempo recursos para o Estado e melhora na infraestrutura.

A proposta apresentada pelo Governo Federal foi de aplicar no saneamento

básico de Buenos Aires uma estratégia semelhante à dos setores de energia e

telecomunicações, com a diferença básica de optar pela concessão dos serviços, não pela

venda definitiva dos ativos.

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Antes da concessão, a Região Metropolitana de Buenos Aires apresentava falhas

na cobertura da distribuição de água, com apenas 70% da população ligada à rede pública.

Parcela significativa da população morava em “Villas”, conglomerados irregulares e sem

acesso a serviços públicos. Além disso, a coleta de esgoto não passava de 58%e não havia

tratamento.

A companhia federal possuía um índice de perdas de água de cerca de 45%,

superior à média da América Latina (Quadro 4), além de 20% de inadimplência. Devido

à falta de hidrometração, o consumo per capita de água era de 350 litros por habitante por

dia, valor considerado alto em comparação com outros municípios argentinos e latino-

americanos (), e muito superior ao consumo mínimo indicado pela Organização das

Nações Unidas, de 110 litros por habitante por dia.

QUADRO 3 – CONSUMO MÉDIO DE ÁGUA

Fonte: El Comercio

QUADRO 4 – PERDAS DE ÁGUA NA AMÉRICA LATINA País Operador Abrengência Perdas

Argentina AySA Regional 40,43%

Argentina Aguas Cordobesas Local 17,09%

Argentina Aguas del Norte Salta Regional 40,00%

Argentina OSMGP Local 40,00%

Brasil SABESP Regional 29,96%

Brasil COPASA Regional 34,06%

Brasil EMBASA Regional 33,36%

Brasil SANEPAR Regional 21,91%

Brasil COMPESA Regional 48,10%

Brasil CAGECE Regional 19,63%

Brasil CAERN Regional 48,37%

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Brasil CAESB Regional 26,98%

Brasil CASAL Regional 57,48%

Brasil Manaus Ambiental Local 75,59%

Brasil SANEATINS Regional 26,51%

Brasil SANASA Local 15,00%

Chile Aguas Andinas Regional 30,50%

Chile ESSBIO Regional 35,63%

Chile ESVAL Regional 40,37%

Chile SMAPA Regional 45,10%

Chile ESSAL Regional 42,43%

Chile Nuevosur Regional 42,75%

Chile Aguas del Valle Regional 28,04%

Chile Aguas Araucanía Regional 44,10%

Chile Aguas Antofagasta Regional 26,51%

Chile Aguas del Altiplano Regional 35,34%

Chile Aguas Cordillera Regional 20,50%

Colômbia ACUACAR Local 38,55%

Colômbia ACUAVALLE Local 28,81%

Colômbia AKC Local 54,16%

Colômbia METROAGUA Local 57,24%

Colômbia PROACTIVA MONTERÍA Local 30,33%

Colômbia EMPOPASTO Local 42,14%

Colômbia Aguas de Manizales Local 25,27%

Costa Rica AyA Nacional 51,46%

Equador INTERAGUA Local 56,96%

Equador EPMAPS Local 29,54%

Panamá IDAAN Nacional 50,26%

Peru SEDAPAL Regional 29,24%

Peru EPS GRAU Regional 51,61%

Peru SEDAPAR Regional 24,78%

Peru SEDALIB Regional 42,42%

Peru EPSEL Regional 42,59%

Peru EPS SEDALORETO Regional 55,76%

Peru SEDACHIMBOTE Regional 38,79%

Peru EPS SEDACUSCO Regional 31,70%

Peru SEDAM HUANCAYO Regional 33,39%

Uruguai OSE Nacional 49,62%

Média

38,13%

Fonte: Bando Interamericano de Desenvolvimento, EL FUTURO DE LOS SERVICIOS DE

AGUA Y SANEAMIENTO EN AMÉRICA LATINA (2015)

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Em 1993, foi realizada a licitação para concessão dos serviços, no modelo de

menor tarifa. O consórcio liderado por Lyonnaise des Eaux e Águas de Barcelona se

sagrou vencedor com uma redução tarifária de 26,9%.

O primeiro desafio enfrentado no processo de concessão foi a definição do

modelo regulatório. Com a necessidade de satisfazer interesses do governo municipal

(município de Buenos Aires), estadual (província de Buenos Aires) e federal, foi criada

uma agência tripartite (Ente Tripartito de Obras y Servicios Sanitarios, ETOSS), com dois

representantes de cada instância e liderança rotativa de um ano.

Esta agência reguladora, no entanto, foi preterida do processo de definição

tarifária no ano de 1997, quando a então Ministra do Meio Ambiente, Maria Julia

Alsogaray, assinou o Decreto 149, com o objetivo de realizar negociações contratuais

diretas entre o Governo Federal e a concessionária Águas Argentinas.

Esta foi a segunda alteração contratual nos quatro anos iniciais da concessão,

que contou com aumento de tarifas, aceleração de investimentos e alterações na estrutura

tarifária no período.

No ano de 1994, a concessionária Águas Argentinas tomou junto ao IFC um

empréstimo de U$ 172 milhões. A entidade adquiriu também 5% das ações da companhia.

O contrato de empréstimo possuía um limite de dívida/equity de 1,9 vezes, considerado

estrutura ideal para a operação.

No ano de 1995, foi necessário um novo empréstimo de U$ 150 milhões junto a

um grupo de bancos privados, liderado pelo IFC, além de um empréstimo de U$ 70

milhões junto ao Banco Europeu de Investimento. Com isso, a relação dívida/equity

chegou a 2,37 vezes no final de 1996.

A renegociação contratual direta com o Ministério do Meio Ambiente em 1997

foi necessária, em parte pelo não atingimento das metas contratuais: apesar de ultrapassar

os 81% de distribuição de água, a concessionária coletava à época 61% do esgoto gerado,

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não os 64% previsto no contrato, e não tratava nenhum esgoto, quando deveria tratar no

mínimo 2%.

Em 1999, a Águas Argentinas contratou novo empréstimo de U$ 300 milhões,

aumentando seu endividamento. No total, a concessionária possuía U$ 700 milhões em

dívidas em moeda externa no ano de 2002, quando a paridade entre Peso e Dólar foi

derrubada. Com o início da livre flutuação cambial, a empresa cobrou a obrigação

contratual do Banco Central Argentino, de fornecer dólares na antiga paridade 1:1, porém,

após recusa do Banco Central, congelou seu plano de investimentos.

Em 2006, o contrato foi cancelado pelo Governo Federal e os serviços passaram

a ser prestados pela empresa pública Agua y Saneamientos Argentinos (AySA). Até o

momento, os antigos investidores buscam compensação da ordem de US$ 1,2 bilhão em

danos em cortes arbitrais internacionais.

4.3 Remunicipalização e resultados

Entre 2006 e 2012, a prestação de serviços pela companhia pública que sucedeu

a concessionária privada foi baseada em investimentos do orçamento público, que

permitiram a construção da primeira estação de tratamento de grande porte no município

de Buenos Aires. Apesar disso, a companhia apresenta grande déficit, as receitas são

insuficientes para cobrir os custos de pessoal, em parte pelo congelamento da tarifa.

O insucesso da concessão dos serviços em Buenos Aires pode ser explicado por

vários fatores. Em primeiro lugar, o modelo de concessão teve falhas, entre elas a

cobrança de uma taxa de instalação de novos usuários, em sua maioria de baixa renda,

irreal, e que era necessária para o equilíbrio do contrato.

Em segundo lugar, o desenho regulatório apresentava muita complexidade

organizacional e de interesses, atendendo a três níveis diferentes de governo, com pouca

experiência e capacitação técnica. Após menos de quatro anos da concessão, a agência

reguladora foi deixada de lado em favor de negociações diretas entre o governo federal e

a concessionária. Isso comprometeu a premissa de uma regulação externa e independente.

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Em terceiro lugar, ambos os lados incorreram em descumprimentos contratuais.

Por um lado, a concessionária não atingiu as metas contratuais de cobertura de serviços

(o Quadro 5 apresenta as metas contratuais para o ano de 2002, momento do

congelamento de investimentos, bem como a situação real alcançada pela

concessionária). Por outro, o governo não foi capaz de reajustar as tarifas após a

desvalorização do Peso argentino frente ao Dólar, contrariando compromisso prévio neste

sentido.

QUADRO 5 – ÁGUAS ARGENTINAS: METAS CONTRATUAIS

1993 2002 (meta) 2002 (relizado)

Distribuição de água 70% 88% 79%

Coleta de esgoto 58% 74% 63%

Fonte: Water, Politics and Money (2015)

Por fim, a situação macroeconômica argentina, agravada pelo alto

endividamento da concessionária e pelo descumprimento contratual da garantia da dívida

pelo governo argentino, impossibilitaram a continuidade da operação.

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5 ATLANTA

O objetivo desta seção é descrever o processo de remunicipalização dos serviços

de água e esgoto no município de Atlanta (EUA). A Subseção 5.1 contém uma breve

descrição dos serviços de água e esgoto nos EUA. A Subseção 5.2 apresenta um histórico

do saneamento básico no município de Atlanta. Por fim, a Subseção 5.3 descreve o

processo de remunicipalização e seus resultados.

5.1 Setor de saneamento básico nos Estados Unidos

O saneamento básico nos Estados Unidos é atribuição dos governos locais, o que

faz com que existam mais de 54.000 sistemas de água e esgoto no país. O setor é

subdividido em dois grandes mercados: o mercado chamado regulado, que inclui todas as

concessões e operações nas quais a iniciativa privada interage com os usuários finais e é

regulada pelo Estado, e o mercado não-regulado, no qual companhias privadas prestam

serviço a companhias públicas, com preços definidos por relações comerciais.

5.2 Histórico da operação de água e esgoto em Atlanta

O município de Atlanta sofreu com problemas relacionados à qualidade da água

ao longo dos anos noventa, tanto em relação à água para consumo de seus cidadãos quanto

em relação aos danos causados ao rio Chattahoochee pelo esgoto da cidade.

No ano de 1995, o município foi processado com base na Lei das Águas Limpas

(Clean Water Act), devido à alta carga de poluentes e coliformes fecais presentes nos

efluentes descartados no rio. Em 1998, o município chegou a um acordo com a justiça,

pelo qual se comprometia a garantir o tratamento da água da cidade.

No ano de 1998, o município assinou um contrato de concessão por 20 anos com

a United Water, subsidiária do grupo francês Suez. O contrato previa um investimento de

US$ 480 milhões e era, à época, a maior concessão privada no setor de saneamento básico

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nos Estados Unidos. Além dos investimentos, a operação privada tinha como meta reduzir

pela metade os custos de operação do sistema de água e esgoto da cidade: enquanto a

gestão pública gastava cerca de U$ 50 milhões por ano, o contrato com a United Water

previa pagamento de U$ 22 milhões anuais.

No ano de 2003, a prefeitura de Atlanta emitiu um relatório sobre a operação

privada dos serviços de saneamento no município, com uma série de descumprimentos

contratuais, incluindo:

• alto tempo para reparo de vazamentos, chegando a dois meses;

• funcionários da SPE realizando trabalho em outras operações privadas e

em esforços comerciais dos acionistas;

• qualidade da água distribuída em desacordo com especificações legais e

contratuais;

• cobrança do município por serviços realizados e pagos pelos cidadãos; e

• alto índice de inadimplência dos cidadãos com o município.

Após o relatório, a prefeitura instituiu uma série de metas de aperfeiçoamento

dos serviços para a concessionária, a serem cumpridas em um período de 90 dias. Após a

avaliação destas metas, ainda em 2012, o município decidiu romper o contrato de

concessão.

5.3 Remunicipalização e resultados

Após a retomada da gestão privada, a primeira consequência enfrentada pelo

município de Atlanta foi o aumento dos custos operacionais dos sistemas de água e esgoto

para cerca de U$ 40 milhões, em linha com os custos incorridos antes do contrato com a

companhia privada.

Ficou claro ao analisar a experiência da concessão de Atlanta que não era

razoável operar os sistemas de água e esgoto com o valor proposto no contrato de

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concessão. Com menos da metade do volume de capital disponível do que era gasto pelo

poder municipal, grande parte das metas operacionais foram sacrificadas.

Esta concessão demonstra a importância do desenho realista na licitação de

concessões de saneamento, tanto do ponto de vista do poder concedente quanto do

operador privado. O foco unicamente na redução de gastos pode comprometer outras

metas operacionais relevantes, levando ao fracasso do contrato.

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6 BERLIM

O objetivo desta seção é descrever o processo de remunicipalização dos serviços

de água e esgoto no município de Berlim (Alemanha) em 2013. A Subseção 6.1 contém

uma breve descrição dos serviços de água e esgoto na Alemanha. A Subseção 6.2

apresenta um histórico do saneamento básico no município de Berlim. Por fim, a

Subseção 6.3 descreve o processo de remunicipalização e seus resultados.

6.1 Setor de saneamento básico na Alemanha

O saneamento básico na Alemanha possui, em sua maioria, companhias de

saneamento controladas pelos governos municipais, além de cidades nas quais a prestação

dos serviços de água e esgoto é realizada de forma direta pelas prefeituras.

6.2 Histórico da operação de água e esgoto em Berlim

Assim como grande parte da infraestrutura da cidade, a infraestrutura de

distribuição de água, coleta e tratamento de esgoto no município de Berlim possuía grande

diferença entre o lado ocidental e oriental. Após a reunificação alemã, no início da década

dos noventa, a necessidade de investimento para a modernização, especialmente na antiga

parcela comunista da cidade, gerou um aumento de tarifas da ordem de 150% entre 1992

e 1999.

Com a crescente demanda por investimentos em diversas áreas da infraestrutura

de Berlim, o poder público local se viu com endividamento crescente, que foi combatido

em parte com a venda de ativos, como as companhias de energia elétrica e gás.

No ano de 1994, o operador dos serviços de água e esgoto, Berliner

Wasserbetriebe (BWB), foi transformado de um departamento do município em uma

empresa de controle público, com o objetivo de aumentar sua eficiência operacional e

preparar uma futura venda para investidores privados.

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A legislação alemã garante isenção fiscal do imposto de valor adicionado para

companhias de saneamento, desde que estas sejam empresas públicas. Para contornar a

necessidade de aumento tarifário com a cobrança de impostos, foi criada em 1998 uma

holding, com 50,1% de capital público e 49,9% a ser passado para a iniciativa privada.

Além de controlar a companhia municipal de Berlim, a holding permitiria investimentos

em outros municípios e setores de infraestrutura, como gestão dos resíduos sólidos.

No ano de 1999 foi votada na Câmara Municipal de Berlim a Lei de Privatização

Parcial, que permitia ao Poder Executivo realizar a venda de 49,9% das ações da holding

que controlava a companhia de saneamento BWB. A aprovação da lei gerou controvérsia,

uma vez que o presidente do Tribunal Constitucional do município, Klaus Finkelnburg,

era sócio no escritório Finkelnburg & Clemm, contratado ao mesmo tempo pela

municipalidade para desenhar o projeto de lei e pela companhia privada Vivendi para

assessorar a transação.

A estrutura de remuneração desenhada para o projeto incluiu um empréstimo do

consórcio privado participante da holding para a BWB, remunerado a uma taxa 2%

superior aos títulos públicos de 10 anos. Com isso, o projeto garantiu uma taxa fixa de

retorno para o investidor. Inicialmente, os detalhes do contrato de compra das ações da

holding, bem como o empréstimo entre a holding e a BWB foram considerados sigilosos.

No período entre 1991 e 2014, houve aumento nas tarifas de água no município

de Berlim, exceto no período de cinco anos logo após a entrada de investimento privado,

nos quais a tarifa ficou congelada. Apesar disso, as tarifas em geral cresceram em linha

com a média do país, um pouco acima da inflação no período, conforme análise

comparativa apresentada no Quadro 6.

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QUADRO 6 – TARIFA DE ÁGUA EM BERLIM, ALEMANHA E INFLAÇÃO

Fonte: Water, Politics and Money – A Reality Check on Privatization

6.3 Remunicipalização e resultados

O aumento tarifário de 15% no ano 2004 foi o catalizador para o início do

movimento contrário à gestão privada do saneamento básico em Berlim. Em 2006, foi

iniciada uma tentativa de referendo para obrigar o governo municipal a publicar o contrato

com os investidores privados. Apesar do insucesso inicial, o referendo veio a ser aprovado

no ano de 2011, com 98% dos votos.

No ano de 2012, o órgão concorrencial alemão, de posse dos dados do contrato

entre os investidores e o município de Berlim, concluiu que os preços praticados no

mercado, classificado como monopólio natural, estavam em desacordo com a média do

país e eram abusivos, obrigando uma redução escalonada de 17% nas tarifas praticadas.

Após pressão pública, o município de Berlim readquiriu as ações dos

investidores, RWE em 2011 por € 618 milhões e Veolia em 2013 por € 590 milhões,

completando o processo de remunicipalização dos serviços.

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O processo de remunicipalização não teve como motivadores uma melhora

operacional ou tarifária, uma vez que a alta gestão foi mantida após a remunicipalização,

incluindo o atual presidente da companhia, Jörg Simon.

A conclusão do processo de remunicipalização dos serviços de saneamento

básico em Berlim aponta para a importância da transparência e regulação no saneamento

básico.

Em primeiro lugar, o maior desafio enfrentado pela concessão do ponto de vista

tarifário decorreu da ausência da regulação independente do contrato e do fato de o poder

público ser, ao mesmo tempo, responsável pela determinação do nível tarifário e acionista

da prestadora de serviços. Isso levou à intervenção da entidade concorrencial na tarifa.

Em segundo lugar, o ponto de maior conflito na concessão alemã foi a falta de

transparência quanto ao processo de seleção e contratação de investidores privados, bem

como na relação entre o acionista privado e a companhia de saneamento.

A demanda pela retomada da totalidade do capital da BWB pelo poder público

foi menos devido à pressão por menores tarifas ou maior eficiência, e sim pela forma

como a relação entre o público e o privado foi conduzida.

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7 GANA

O objetivo desta seção é descrever o processo de extinção de contrato de

performance com concessionária privada no conjunto do território de Gana em 2010. A

Subseção 3.1 contém uma breve descrição dos serviços de água e esgoto em Gana. A

Subseção 3.2 apresenta um histórico do saneamento básico no país e, por fim, a Subseção

3.3 descreve o processo de extinção do contrato e seus resultados.

7.1 Setor de saneamento básico em Gana

Ao contrário do Brasil e da maior parte dos países estudados, Gana possui uma

gestão nacional dos serviços de distribuição de água, coleta e tratamento de esgoto. A

empresa federal Ghana Water Company Limited (GWCL) é responsável pela produção e

distribuição de água nas áreas urbanas do país.

7.2 Histórico da operação de água e esgoto em Gana

Gana sofre historicamente com baixo índice de acesso a água tratada nas

residências, tanto em áreas urbanas quanto rurais. Além da baixa cobertura, a

infraestrutura do país sofre com a falta de investimento, que leva a elevados índices de

perdas.

Com o objetivo de aumentar a cobertura e reduzir as perdas de água, o governo

federal realizou, no ano de 2006, um processo licitatório internacional para a concessão

dos serviços de água no país. Porém, devido aos altos passivos da companhia Ghana

Water Company, bem como o alto risco do país, não houve interessados na licitação.

A solução encontrada pelo governo foi realizar um contrato de performance para

a gestão dos serviços, mantendo a responsabilidade pelo investimento na infraestrutura

com o poder público.

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O consórcio de controle holandês e sul-africado Aqua Vitens Rand Limited

(AVRL) celebrou com a Ghana Water Company um contrato de performance, pelo qual

deveria:

• reduzir as perdas de água pelo menos 5% por ano;

• aumentar o índice de faturamento;

• aumentar a eficiência energética e de uso de produtos químicos;

• aumentar a satisfação dos consumidores;

• reduzir o consumo de água em estabelecimentos públicos; e

• garantir a qualidade da água distribuída.

O projeto foi mantido entre os anos de 2006 e 2010, com pouco sucesso na

redução da relação entre custos e receitas, aumento dos custos unitários e redução do

índice de perdas de água abaixo do estabelecido contratualmente, conforme Quadro 7. O

insucesso do contrato em garantir a melhora na gestão do saneamento no país fez com

que um relatório do Ministério de Recursos Hídricos, Trabalho e Habitação de 2010

recomendasse sua extinção.

QUADRO 7 – AVRL GANA: METAS E REALIZADO Indicador Unidade 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Variação

03 - 05 05 - 10

Perdas de água % 57% 55% 48% 53% 52% 52% 50% 50% -15,4% 3,1%

Índice de faturamento % 76% 84% 89% 95% 90% 91% 79% 89% 17,2% -0,1%

Custos/receita % 97% 90% 97% 108% 83% 86% 85% n/d 4,0% -2,4%

Custo unitário total ȼ/m3 0,200 0,220 0,260 0,300 0,270 0,400 0,390 - 30,0% 50,0%

Custo unitário (energia) ȼ/m3 0,059 0,064 0,086 0,070 0,080 0,150 0,100 0,12 45,8% 41,9%

Custo unitário (químicos) ȼ/m3 0,020 0,016 0,023 0,030 0,030 0,030 0,040 0,04 15,0% 78,3%

Fonte: DAGDEVIREN, Hulya, 2013

7.3 Remunicipalização e resultados

O contrato de apoio privado à gestão da companhia pública federal em Gana foi

encerrado devido à incapacidade de atingir as metas estipuladas contratualmente.

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Segundo Dagdeviren (2013), grande parte do insucesso do projeto pode ser atribuído a

falhas no desenho contratual.

Em primeiro lugar, alguns dos indicadores não possuíam nível de base (baseline)

determinado, como era o caso das perdas de água: a meta estipulada de redução anual de

5% nas perdas não apresentava avaliação ex ante, tendo sido determinado apenas após a

entrada do setor privado.

Em segundo lugar, alguns termos do contrato foram definidos de forma vaga e

imprecisa, incluindo “gastos prudentes”, “custos razoáveis e necessários” e

“consumidores prioritários”. Essas imprecisões contribuíram para as disputas de

entendimento entre o poder público e o operador privado.

Por fim, apesar da determinação de multas pelo descumprimento de metas, a

avaliação destas metas contratuais foi baseada apenas em informações fornecidas pelo

operador privado, dificultando ou mesmo impossibilitando a gestão e regulação do

contrato pelo poder público.

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8 CONCLUSÕES

A retomada da operação dos serviços de saneamento básico, apesar de um

número de casos emblemáticos na última década, não aparenta ser uma tendência global:

com um grande número de municípios operados pelo menos parcialmente pela iniciativa

privada, os casos de remunicipalização somam uma média de 23 por ano entre 2005 e

2015, a maior parte dos quais são contratos que cumprem todo seu ciclo de vida e

simplesmente não são renovados.

Dito isso, existem alguns fatores que contribuem para casos de insucesso de

concessões de saneamento básico. Os principais pontos apresentados nos estudos de caso

são:

• Política de preços:

o A definição de preços nos serviços de infraestrutura deve

remunerar de forma satisfatória os custos e o investimento

realizado, independentemente do tipo de prestador de serviço. A

prática de tarifas abaixo do custo de operação é uma prática

populista que onera o orçamento público, como ocorreu no caso

de Buenos Aires, ou reduz a capacidade de investimento, como

no caso de Paris.

• Desenho contratual ruim:

o Falta de informação sobre os ativos: muitos operadores de

saneamento, especialmente públicos, não possuem inventário

detalhado de seus ativos e de sua situação. Gana conctituiu

exemplo neste sentido. Uma avaliação mais profunda antes do

processo de concessão pode minimizar o risco para o investidor

e para o município.

o Incentivos licitatórios desalinhados com o interesse público:

diversas licitações focam demasiado na redução dos custos,

impondo metas irrealistas que não garantem a sustentabilidade

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dos contratos. As metas estabelecidas para Huston não eram

realistas e lavaram a serviços de qualidade inadequada e, em

última instância, ao fim do contrato.

• Regulação:

o Falta de independência regulatória: a regulação dos serviços de

saneamento depende da mediação de diversos interesses muitas

vezes conflitantes. A garantia da independência regulatória é

fundamental para a estabilidade dos serviços. A eliminação da

agência reguladora e o diálogo direto entre o governo e a

concessionária não foi positivo na Argentina.

o Assimetria de informação: muitas vezes por falta de recursos ou

capacitação, o regulador não possui acesso a todas as informações

necessárias para a devida fiscalização dos serviços. É

fundamental que além de determinar as metas operacionais, os

contratos incluam a obrigação de compartilhamento de

informações, bem como eventual auditoria dos dados

apresentados.

• Opinião pública:

o A transparência dos objetivos, metas e dados operacionais e

financeiros das concessionárias dos serviços públicos é

fundamental para renovar a “concessão social” dos serviços na

visão da opinião pública. A venda de parte das ações da

companhia de saneamento de Berlim com contratos sigilosos fez

com que a população demandasse a retomada dos serviços,

mesmo que sua operação fosse adequada.

Cumpre esclarecer, ainda, que há grandes diferenças entre países, seja no que diz respeito

aos atuais níveis de atendimento, seja no que tange à forma de gestão do Poder Público.

Em outras palavras, as amarras e regras institucionais de cada país devem ser levadas em

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consideração para análise dos casos de remunicipalização. Da mesma forma, é

fundamental comparar os índices de cobertura e velocidade na realização de

investimentos para que as comparações possam ser feitas.

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