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ESTUDO DO SISTEMA DE DRENAGEM QUATERNÁRIO DA PLATAFORMA CONTINENTAL NA PORÇÃO NORTE DA BACIA DE PELOTAS BEATRIZ FARIAS MELO Orientador: Dra. Elaine Siqueira Goulart Co-Orientador: Oc. Gilberto Henrique Griep 2017 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE INSTITUTO DE OCEANOGRAFIA CURSO DE GRADUAÇÃO DE OCEANOLOGIA

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ESTUDO DO SISTEMA DE DRENAGEM QUATERNÁRIO DA PLATAFORMA

CONTINENTAL NA PORÇÃO NORTE DA BACIA DE PELOTAS

BEATRIZ FARIAS MELO

Orientador: Dra. Elaine Siqueira Goulart

Co-Orientador: Oc. Gilberto Henrique Griep

2017

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE

INSTITUTO DE OCEANOGRAFIA CURSO DE GRADUAÇÃO DE OCEANOLOGIA

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ESTUDO DO SISTEMA DE DRENAGEM QUATERNÁRIO DA PLATAFORMA

CONTINENTAL NA PORÇÃO NORTE DA BACIA DE PELOTAS

BEATRIZ FARIAS MELO

Monografia apresentada ao Curso de Graduação de Oceanologia da Universidade Federal do Rio Grande, como requisito para a obtenção do grau de Oceanólogo.

Orientador: Dra. Elaine Siqueira Goulart

Co-Orientador: Oc. Gilberto Henrique Griep

RIO GRANDE

Agosto de 2017

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE INSTITUTO DE OCEANOGRAFIA

CURSO DE GRADUAÇÃO DE OCEANOLOGIA

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A todos que sempre acreditaram em mim.

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AGRADECIMENTOS

Antes de tudo e de todos, gostaria de agradecer a minha mãe, Cláudia Farias, o meu maior exemplo de determinação. Muito obrigada por tudo que fizestes, e ainda faz, pela minha formação como pessoa e profissional. A cada dia me enxergo mais parecida contigo. Ainda bem.

Gostaria de agradecer também ao meu pai, Osmar Melo (in memoriam), por todo amor e zelo. Mesmo em pouco tempo, me ensinou sobre a importância de sermos bons e gentis uns com os outros, e que às vezes pequenas gentilezas podem mudar o dia de alguém.

Não poderia deixar de dizer um muitíssimo obrigada a minha família, vó Josina, tias Suzana e Miriam e primas, por todo o amor, companheirismo e apoio.

Ao meu companheiro, Diogo Minasi, por todo o amor, amizade e apoio incondicional. Fico muito orgulhosa de ver como estamos crescendo, sempre juntos.

A Lenira Marroni, por me acolher como uma filha e sempre me incentivar a ir mais longe.

A Elaine Goulart, por aceitar esse desafio com muita paciência e estar sempre disponível a esclarecer dúvidas, dar conselhos e ouvir algumas das minhas bobagens.

Ao Gilberto Griep e Isabel Machado, pela grande oportunidade, conselhos, conhecimentos e risadas compartilhados.

Aos colegas do Laboratório de Oceanografia Geológica, aos amigos que dividiram esses difíceis, e ótimos, anos de Cassino e FURG.

A todos os professores que passaram pela minha vida.

Ao professor Lauro Calliari, por aceitar participar da minha banca de avaliação e por todas as contribuições ao longo do trabalho.

Um agradecimento especial ao PRH-27 da ANP/Petrobras, por financiar o meu trabalho e proporcionar diversas experiências para o meu crescimento acadêmico e profissional.

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ÍNDICE

ÍNDICE 4

LISTA DE FIGURAS 5

RESUMO 6

1. Introdução 7

1.1. Motivação e Aplicação na Indústria do Petróleo 9

2. Área de Estudo 10

2.1. Origem da Bacia de Pelotas 10

2.2. Porção Norte da Bacia de Pelotas 10

2.3. O período Quaternário e os seus efeitos na porção norte da Bacia de Pelotas 11

3. Objetivos 13

3.1. Objetivo geral 13

3.2. Objetivos específicos 13

4. Material e Métodos 14

4.1 Prospecção Sísmica 14

4.2. Levantamento sísmico de alta resolução 14

4.2. Aquisição de dados 15

4.3. Processamento de dados 17

4.4. Identificação de estruturas 17

4.5. Estimativa da espessura dos pacotes holocênicos 17

4.6. Confecção dos mapas 18

5. Resultados e Discussão 18

5.1. Perfis com a identificação de Paleocanais 19

5.2. Perfis com a identificação de Paleolagoas 29

5.3. Beachrocks e paleolinhas de costa 32

5.4. Espessura dos pacotes holocênicos 33

5.5. Épocas de origem e ocorrência das feições identificadas 34

5.6. Bolsões de gás 35

5.7. Cenários hipotéticos 36

6. Conclusões 38

7. Referências Bibliográficas 39

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LISTA DE FIGURAS Figura 1: Registro sísmico de paleocanais. 8 Figura 2: Registro sísmico de uma cortina refletiva anômala, indicando gás no sedimento (Terra, 2013). 8 Figura 3: Paleoleito do Albardão (Rocha, 2014). 9 Figura 4: Bacia de pelotas (Anjos-Zerfass et al., 2011). 10 Figura 5: Área da região de estudo. 11 Figura 6: Esquema do sistema deposicional laguna-barreira (Villwock & Tomazelli, 1995). 12 Figura 7: Curva de flutuação de nível relativo do mar de 24000 anos A.P. até hoje, para o sul do Brasil (Cooper et al, 2016). 13 Figura 8: Casco do NOc. Atlântico Sul com um conjunto de transdutores acoplados. 14 Figura 9: Esquema ilustrativo do NOc. Atlântico Sul realizando levantamento sísmico contínuo. 15 Figura 10: Linhas sísmicas selecionadas na área de estudo. 16 Figura 11: Padrão de deposição sedimentar da Lagoa dos Patos (Weschenfelder et al., 2008). 17 Figura 12: Perfil sísmico da lagoa Grand Terre (Zinke et al., 2001). 17 Figura 13: Horizonte refletivo indicativo de estabilização do nível do mar. 19 Figura 14: Perfil F- F1. Linha 1303. 20 Figura 15: Perfil D – D’. Linha 0349. 21 Figura 16: Perfil G – G’. Linha 1303. 22 Figura 17: Perfil A – A’. Linha 2053. 23 Figura 18: Perfil A – A’. Linha 3235. 24 Figura 19: Perfil B – B’. Linha 4126. 25 Figura 20: Perfil A – A’. Linha 0919. 26 Figura 21: Perfil B – B’. Linha 1303. 27 Figura 22: Perfil F – F’. Linha 2507. 28 Figura 23: Perfil H – H’. Linha 3754. 29 Figura 24: Perfil B – B’. Linha 0154. 30 Figura 25: Perfil A – A’. Linha 1408. 31 Figura 26: Perfil C – C’. Linha 2431. 32 Figura 27: Perfis A – A’ e B – B’ com fundo de Beachrock e paleolinhas de costa propostas por Corrêa (1996). 33 Figura 28: Distribuição espacial dos paleocanais e respectivas espessuras dos pacotes holocênicos. 34 Figura 29: Distribuição espacial dos paleocanais e respectivas épocas de ocorrência. 35 Figura 30: Primeiro cenário hipotético. 37 Figura 31: Segundo cenário hipotético. 37 Figura 32: Terceiro cenário hipotético 38

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RESUMO

A plataforma continental da região sul brasileira apresenta características relacionadas aos processos geológicos que ocorrem na região desde a separação do Supercontinente Gondwana e ao grande aporte sedimentar proveniente das bacias de drenagem da região. O seu espesso pacote sedimentar é reflexo da sua história geológica. Durante o Quaternário Superior, as oscilações do nível do mar remodelaram a região costeira assim como o sistema de drenagem continental. Atualmente, é possível reconhecer os registros sedimentares deixados pela drenagem ocorrente na plataforma durante a última grande Regressão Pleistocênica, chamados de paleocanais de drenagem, através da aquisição de dados sísmicos. O levantamento sísmico de alta resolução se baseia no estudo de ondas acústicas criadas artificialmente na superfície, as quais se propagam pela subsuperfície, onde são refletidas e refratadas pelas diferentes interfaces. A identificação dos paleocanais é possível, pois, com a subida do nível do mar, o leito dos canais de drenagem foi preenchido por sedimentos, preservando a sua estrutura e criando refletores sísmicos. O objetivo deste estudo é compreender o sistema pretérito de drenagem da plataforma continental pleistocênica da porção norte da Bacia de Pelotas. Para tanto, foram utilizados dados de sísmica alta frequência para identificar e mapear os paleocanais. A bordo do Navio Oceanográfico Atlântico Sul, foram realizados cinco cruzeiros pela região para a aquisição dos dados. O processamento dos dados foi realizado utilizando o programa SonarWiz 5®. As linhas sísmicas analisadas possuem fortes refletores sísmicos, quais representam as variações bruscas nos processos de sedimentação do fundo marinho. Ao longo dos 590 km de linhas processadas e interpretadas, foram identificadas estruturas do sistema de drenagem pretérito pleistocênico e holocênico, como paleocanais e paleolagoas. A densidade dessas estruturas se mostra maior que o sul da Bacia de Pelotas, o que pode ser justificado pela ausência de uma barreira holocênica como ocorre na planície costeira do Rio Grande do Sul. Foram encontradas evidências de que os principais rios que deságuam atualmente na região, Mampituba, Tubarão, Urussanga e Araranguá, assim como rios que hoje deságuam em lagoas costeiras, como os rios Três Forquilhas e Cardoso, também se estendiam pela plataforma continental durante as regressões Pleistocênicas e Holocênicas. Essas evidências foram encontradas a partir da identificação e demarcação dos refletores sísmicos que indicam o leito dos paleocanais desses rios. Alguns registros também apontaram a presença de paleolagoas costeiras e beachrocks indicativos de paleolinhas de costa na plataforma continental interna. O presente estudo corrobora com estudos anteriores que sugeriram antigas posições do nível do mar e gera subsídios para estudos futuros na plataforma continental norte da Bacia de Pelotas.

1. Introdução Nos últimos 2,5 milhões de anos a Terra passou por oscilações climáticas nos quais períodos glaciais e interglaciais foram os principais responsáveis por oscilações do nível do mar. Esse período geológico é conhecido como Quaternário, no qual as planícies costeiras e plataforma continental foram remodeladas pelas transgressões e regressões marinhas. O período Quaternário é dividido em duas épocas, o Holoceno e Pleistoceno. O Pleistoceno começou com o início do Quaternário, e terminou a cerca de 18 mil anos concomitantemente ao último máximo glacial, quando o Holoceno teve sua origem (Suguio et al., 2005).

As duas épocas ficaram registradas no pacote sedimentar, devido às mudanças climáticas que ocorreram durante o período (Horn et al., 2014) e podem ser reconhecidas através da identificação de linhas de estabilização do nível do mar preservadas nos sedimentos, que marcaram o período de transição do Pleistoceno para o Holoceno.

Nos estágios em que o nível do mar recuou, a plataforma continental ficou exposta e o sistema de drenagem continental corria por esta até a linha de costa. Quando o nível do mar subiu, rios e canais foram afogados juntamente com a planície costeira pretérita e preenchidos por

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sedimentos de origem marinha em eventos transgressivos do Quaternário, o que preservou assim o leito dos paleocanais (Terra, 2013).

É possível reconhecer esses paleocanais (Fig. 1) através de um levantamento sísmico de alta frequência e consequente alta resolução, que representa atualmente uma das mais importantes ferramentas no estudo de terrenos submersos, sendo crucial a sua realização para a construção de portos, barragens, pesquisa mineral, entre outros. Têm-se requerido, para a caracterização devida e segura das áreas, mais informações de subsuperfície que aquelas geradas pelos métodos convencionais de investigação, isto é, sondagens, testemunhagens ou amostragens (Souza, 2008). Trata-se de um método não destrutivo ou não invasivo, pois as informações são obtidas a partir da superfície, sem a necessidade de penetração física no meio investigado.

Figura 1: Registro sísmico de paleocanais.

O método possibilita ainda a identificação de outras estruturas dentro do pacote de sedimentos. Em estudos como o realizado por Terra (2013), foram identificados bolsões de gás aprisionados na subsuperfície na plataforma continental interna da Bacia de Pelotas, utilizando o levantamento sísmico de alta resolução (Fig. 2). Outro trabalho realizado na mesma bacia é o de Weschenfelder et al., (2010), que identificaram um paleocanal do rio Camaquã, um rio que continua ativo no presente e que, antes da formação da barreira IV durante o Holoceno, corria sobre a planície costeira deixando o seu registro no que hoje é a Lagoa dos Patos.

Figura 2: Registro sísmico de uma cortina refletiva anômala, indicando gás no sedimento (Terra, 2013).

Alguns trabalhos desenvolvidos na região relatam a presença de paleocanais na plataforma continental da Bacia de Pelotas. Rocha (2014) mapeou o leito do Canal do Albardão (Fig. 3), considerado de grande importância no entendimento nos processos deposicionais do Cone de Rio Grande, se utilizando da mesma técnica utilizada no presente estudo.

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Figura 3: Paleoleito do Albardão (Rocha, 2014).

1.1. Motivação e Aplicação na Indústria do Petróleo

Em trabalhos de investigação do substrato marinho, como o estudo de paleocanais de drenagem da plataforma continental, há o detalhamento de superfícies e habitats muitas vezes inexplorados. O conhecimento sobre a composição e características do fundo gera subsídios para o desenvolvimento de uma série de outras atividades.

Alguns estudos paleoceanográficos se baseiam nas características do fundo para inferir o comportamento de correntes, massas d’água, marés, oscilações do nível do mar e a composição química da água e atmosfera em tempos passados. Isso é possível devido a capacidade que os sedimentos têm de registrar condicionantes ambientais e os seus efeitos. Isso quer dizer que compreender a estrutura sedimentar do fundo marinho é imprescindível para o devido entendimento da história geológica desse ambiente.

A identificação e estudo dos paleocanais gera subsídios para um maior entendimento das oscilações do nível do mar durante o Quaternário, ajudando a compreender os processos envolvidos e suas implicações. Compreender os eventos passados é de grande importância para o entendimento dos processos ocorrentes na atualidade e no futuro.

O uso de técnicas de sísmica também se aplica a prospecção de recursos minerais subsuperficiais. A técnica sísmica e frequência mais adequadas dependem do que se procura na coluna sedimentar. Para o reconhecimento de um mineral chamado fosforita, por exemplo, a técnica utilizada é a sísmica de reflexão de baixa frequência, a mesma utilizada pela indústria de óleo e gás para a investigação destes minerais. A técnica utilizada para a identificação dos paleocanais, a sísmica de reflexão de alta frequência, é a mesma para a identificação de recursos minerais como bolsões e hidratos de gás (Silva et al., 2004). Assim, é plausível dizer que estudos como o presente geram subsídios científicos à exploração de recursos minerais como os hidratos de gás.

Recentemente, descobertas minerais trouxeram atenção a região sul do país. Hidratos de gás metano foram encontrados na Bacia de Pelotas, mais especificamente no Cone do Rio Grande (Miller, 2015). A descoberta desse recurso mineral de grande interesse econômico trouxe mais interesse a essa bacia, que até alguns anos atrás não era considerada muito economicamente atrativa, devido à ausência de reservas significativas de hidrocarbonetos. Descobertas como essa são possíveis através de iniciativas da pesquisa científica por explorar a subsuperfície da plataforma continental da região.

Nos últimos anos, alguns estudos de caráter investigativo do substrato da plataforma continental foram realizados na Bacia de Pelotas. Mesmo com o crescente interesse na região,

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a porção norte da Bacia de Pelotas ainda não possui muitos estudos quando comparado a região sul da bacia. Assim, o presente trabalho visa gerar mais subsídios para o conhecimento das estruturas sedimentares da plataforma continental na porção pouco investigada desta bacia.

2. Área de Estudo

2.1. Origem da Bacia de Pelotas

A bacia sedimentar marginal de Pelotas (Fig. 4) localiza-se no extremo sul da margem continental brasileira, estando compreendida geologicamente entre o Alto de Florianópolis, ao norte, e o Alto do Polônio, ao sul. A porção submersa da bacia abrange uma área de aproximadamente 210.000 km² entre a costa e a cota batimétrica de 2000m (Silveira, 2004).

A Bacia de Pelotas é uma bacia de caráter tectônico passivo, assentada no oceano Atlântico Sul desde o a fragmentação do supercontinente Gondwana, que separou a América do Sul da África (Horn Filho et al, 2014). A separação desses dois continentes começou pela porção sul, o que significa que a margem continental sul do Brasil foi submetida a processos deposicionais e erosivos por um período de tempo maior que outros setores da margem continental brasileira. O espesso pacote sedimentar da região assim como a grande extensão da plataforma continental podem ser explicados por esse maior tempo de exposição (Mahiques et al., 2010).

Figura 4: Bacia de pelotas (Anjos-Zerfass et al., 2011).

2.2. Porção Norte da Bacia de Pelotas

No o presente estudo, a área de investigação será a plataforma continental na porção Norte da bacia de Pelotas, que se compreende entre a cidade de Tramandaí, no Rio Grande do Sul e o Cabo Santa Marta, em Santa Catarina (Fig. 5).

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Figura 5: Área da região de estudo.

Zembruscki (1979) classifica a margem continental da região como uma margem continental "deposicional" ou "construcional", pela expressiva acumulação de sedimentos, suavização das feições morfológicas e minimização de suas declividades. A plataforma continental possui uma linha de costa côncava e largura variando de 100km na faixa mais estreita a 160 km na faixa mais extensa, com uma declividade variando de 1:600 a 1:900, estando a quebra da plataforma localizada entre 140 e 180 m (Mahiques et al., 2010).

O pacote sedimentar da plataforma chega a cerca de 8 km de espessura de sedimentos clásticos continentais, transicionais e marinhos. Seus depósitos sedimentares estão associados às transgressões e regressões do nível do mar que ocorreram desde o Neocomiano (Cretáceo inferior) até o Holoceno, estando registrada parte da história geológica das flutuações recentes do Quaternário (Horn Filho et al., 2014).

2.3. O período Quaternário e os seus efeitos na porção norte da Bacia de Pelotas

O Quaternário é marcado pela alternância de períodos glaciais e interglaciais durantes os quais o clima da Terra foi caracterizado, respectivamente, por temperaturas globais mais baixas ou semelhantes às atuais (Van Andel, 1992; Suguio, 1999). As variações climáticas ocorridas nesse período resultaram em mudanças ambientais cujas evidências ficaram preservadas sob a forma de registros sedimentares, possibilitando a reconstituição de ambientes passados. (Moura & Silva, 1998).

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As regressões marinhas durante as glaciações acarretaram a exposição de extensas áreas de plataforma continental, que foram submetidas a processos erosivos subaéreos, de sedimentação e formação de solo. Já durante as interglaciações, as planícies sedimentares, deltas, praias e lagoas foram subsequentemente submersas, devido a fusão das geleiras pleistocênicas (Bigarella, 2009). Assim, as oscilações do nível do mar no período Quaternário são fator de grande importância na evolução da planície costeira e plataforma continental (Mahiques et al., 2010).

A região costeira é predominantemente formada por planícies costeiras, havendo uma interrupção pelas escarpas da Serra Geral que chegam ao litoral da cidade de Torres, representando o único promontório rochoso da área de estudo (Petry et al., 2005).

O sistema litorâneo da região é caracterizado como do tipo laguna barreira (Fig. 6) e está associado a dois episódios regressivos e quatro transgressivos, sendo marcadas quatros fases de estabilização do nível do mar no Rio Grande do Sul (Villwock & Tomazelli, 1995) e cinco em Santa Catarina (Corrêa, 1979). Na planície costeira catarinense os depósitos quaternários se correlacionam aos sistemas laguna/barreira III e IV, definidos anteriormente para o Rio Grande do Sul (Diehl & Horn, 1996). Atualmente, é possível encontrar depósitos pleistocênicos e holocênicos dos ambientes marinho raso, eólico, lagunar e paludial, cujas principais formas de relevo são terraços, dunas, cordões regressivos e planícies (Horn Filho et al., 2014).

Figura 6: Esquema do sistema deposicional laguna-barreira (Villwock & Tomazelli, 1995).

O sistema laguna-barreira destaca-se por permitir a reconstrução das antigas posições ocupadas pelos níveis relativos do mar (Horn Filho et al., 2014). Cooper et al (2016) definiram a curva de variação do nível relativo do mar durante os últimos 24 ka AP para o sul do Brasil (Fig. 7), esboçando uma variação de mais ou menos -130 m entre o máximo regressivo e o nível do mar atual.

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Figura 7: Curva de flutuação de nível relativo do mar de 24000 anos A.P. até hoje, para o sul do Brasil (Cooper et al, 2016).

Na plataforma interna da Bacia de Pelotas, a sedimentação holocênica preenche o relevo irregular desenvolvido em estágios de baixo nível do mar. Perfis de sísmica rasa revelam que esta sedimentação chega a quase 10 metros em algumas áreas. Testemunhos obtidos nessa plataforma possuem uma considerável variabilidade tanto em tamanho de grão quanto em composição do sedimento, indicando que o input de sedimentos e a intensidade das correntes foram regulados nos últimos 7000 anos por mudanças nos ventos e descarga do rio La Plata, o que está provavelmente relacionado a oscilações de Milankovitch (Mahiques et al., 2009).

Atualmente, a sedimentação na plataforma continental sul brasileira é dominada pela dinâmica de massas d'água oceânicas e pela circulação da plataforma. Processos hidrodinâmicos influenciam a redistribuição dos sedimentos na plataforma, levando ao estabelecimento de diferenças geográficas nas taxas de sedimentação e faciologia sedimentar (Mahiques et al., 2010).

Quatro afluentes deságuam na região costeira atualmente. São eles o Rio Tubarão, Rio Urussanga, Rio Araranguá e Rio Mampituba. É plausível afirmar que possivelmente estes mesmos rios corriam sobre a plataforma quando esta estava exposta, sendo estes afogados posteriormente quando o nível do mar subiu. Outros canais como os rios Cardoso e Três Forquilhas, no litoral norte do Rio Grande do Sul, desaguam nas lagoas costeiras formadas após a formação das barreiras III e IV. Antes da formação das lagoas, possivelmente esses rios também corriam até a linha de costa pretérita.

3. Objetivos

3.1. Objetivo geral

Identificar e descrever o sistema de drenagem quaternário da plataforma continental norte da bacia de Pelotas.

3.2. Objetivos específicos

• Identificar paleocanais;

• Identificar bolsões de gás;

• Estimar espessura dos depósitos holocênicos nos paleocanais;

• Relacionar feições pretéritas com o sistema de drenagem atual.

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4. Material e Métodos 4.1 Prospecção Sísmica

A prospecção sísmica surgiu em 1922 com o intuito de identificar domos salinos. É caracterizada como um dos métodos geofísicos mais desenvolvido e divide-se em duas modalidades, a sísmica de reflexão e refração (Terra, 2013).

O conhecimento bastante detalhado da crosta terrestre deve-se ao uso de técnicas de sísmica, capazes de diferenciar meios com características diferentes (Sheriff & Gelgart, 1982). O método se baseia no estudo de ondas mecânicas elásticas criadas de forma artificial na superfície. Essas ondas se propagam pela coluna d’água e substrato onde ao encontrarem diferentes interfaces são refletidas e refratadas. O sinal de retorno é capturado por geofones ou hidrofones acoplados a um sismógrafo. O equipamento registra o tempo entre a emissão e recepção da onda, o que permite determinar as velocidades em que as ondas se propagaram e inferir sobre o substrato como sua composição, morfologia e espessura das camadas litológicas ou sedimentares (Terra, 2013).

4.2. Levantamento sísmico de alta resolução

O levantamento sísmico de reflexão e de alta resolução se baseia no estudo de ondas acústicas criadas artificialmente na superfície através de um transdutor (Fig. 8), as quais se propagam pela subsuperfície, onde são refletidas pelas diferentes interfaces. A alta resolução obtida se deve ao uso de ondas de alta frequência, que possuem baixa penetrabilidade no substrato e permite que sejam detectadas camadas sedimentares de diferentes composições litológicas.

Figura 8: Casco do NOc. Atlântico Sul com um conjunto de transdutores acoplados.

Essa diferenciação só é possível devido às assinaturas acústicas de acordo com a composição sedimentar das camadas. A impedância acústica é a propriedade do meio geológico que garante a diferenciação das camadas quando o sinal acústico atravessa porções com grandes contrastes de densidade (Souza, 2006). Essa propriedade é definida como produto da velocidade da onda pela densidade do meio (Sancevero et al., 2006). Assim, o levantamento

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sísmico de alta resolução é capaz de identificar paleocanais de drenagem no substrato marinho pela diferenciação das camadas deposicionais destes paleocanais.

4.2. Aquisição de dados

Figura 9: Esquema ilustrativo do NOc. Atlântico Sul realizando levantamento sísmico contínuo.

A aquisição dos dados foi realizada de forma contínua em 590 km de linhas sísmicas perfiladas a bordo do Navio Oceanográfico Atlântico Sul (fig. 9), pertencente à Universidade Federal do Rio Grande, durante cinco cruzeiros oceanográficos de oportunidade (fig. 10, Tabela 1). O equipamento utilizado foi um perfilador contínuo de subsuperfície, mais conhecido como Sub Bottom Profiler, modelo Bathy 2010 da marca Syqwest®, que emite ondas de alta frequência de 3,5 kHz. Este perfilador é considerado um equipamento de bom desempenho para áreas rasas (Souza, 2006).

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Figura 10: Linhas sísmicas selecionadas na área de estudo.

Tabela 1: Data dos cruzeiros e linhas sísmicas realizados.

Linha Cruzeiro Data

2731 5318

RG – Santos Maio de 2012

2431 2507 3754 4126

RG – Natal Agosto de 2012

0349 2340 3954 4553 5929

Santos - RG Setembro 2012

0154 1408 2053 2710 4911 4945

Felipe Janeiro de 2013

0919 1303 3235 5055

INCT JAN 2015 Janeiro de 2015

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4.3. Processamento de dados

Os dados sísmicos obtidos foram processados no programa SonarWiz® 5.0, da empresa Cheseapeak Technology Inc®. Esse processamento se baseou na aplicação de filtros para a retirada dos efeitos de Swell, variação da aplicação de ganho do sinal para melhor visualização das feições sedimentares e na remoção de ruídos da coluna d'água.

4.4. Identificação de estruturas

A identificação de paleocanais é realizada a partir da visualização de fortes refletores que apresentam forma acanalada (Fig. 1), sugerindo assim estruturas de canais de drenagens pretéritas.

Bolsões ou cortinas de gás são identificados a partir da atenuação do sinal sísmico (Fig. 2), que é visualizada na forma de feições anômalas que representam turbidez nos registros. Isso acontece devido à densidade do gás ser muito menor que a densidade dos sedimentos.

Alguns estudos pretéritos realizados em paleolagoas demonstram padrões sísmicos de deposições lagunares com camadas sedimentares plano paralelas. Weschenfelder et al. (2008) identificaram elementos arquiteturais na Lagoa dos Patos utilizando técnica semelhante à do presente estudo. Em um dos perfis realizados, foi possível identificar o padrão sísmico de deposição dessa laguna costeira (Fig. 11), com margem definida e diferentes refletores sísmicos internos a laguna.

Figura 11: Padrão de deposição sedimentar da Lagoa dos Patos (Weschenfelder et al., 2008).

Zinke et al. (2001) estudaram a arquitetura sísmica e distribuição de sedimentos holocênicos na lagoa Grand Terre (Fig. 12), no arquipélago Comoro, oceano Índico. Nos perfis realizados, também é possível observar um padrão deposicional característico de lagoas. No perfil exemplificado abaixo, é possível reconhecer as margens, horizontes refletivos e estruturas como um canal.

Figura 12: Perfil sísmico da lagoa Grand Terre (Zinke et al., 2001).

4.5. Estimativa da espessura dos pacotes holocênicos

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A velocidade das ondas acústicas depende da densidade do meio em que se propagam. Sheriff e Geldart (1982) calcularam, a partir de experimentos, a velocidade das ondas acústicas em diferentes meios, como exemplificado na Tabela 2:

Tabela 2: Velocidade das ondas acústicas em meios distintos (Sheriff & Geldart, 1982).

Tipo de meio Velocidade da onda acústica (𝑚 . 𝑠−1)

Ar 330 Água 1500 Solo 1600 até 1800

Calcário 3500 até 6500 Granito 4600 até 7000

A Equação 1, conhecida como two way travel time, permite o cálculo da profundidade de cada refletor. O cálculo é feito a partir do tempo t de propagação da onda acústica (s), da

profundidade d do refletor (m) e da velocidade v da onda no meio (em 𝑚 . 𝑠−1).

𝑡 = 2 𝑑

𝑣 (1)

No programa utilizado para o processamento dos dados, o SonarWiz®, as velocidades médias

de propagação utilizadas são 1500 𝑚 . 𝑠−1 na coluna d’água e 1650 𝑚 . 𝑠−1 no substrato. Ao inserir essas velocidades no programa, os registros sísmicos processados são mostrados com a profundidade dos refletores sísmicos automaticamente calculada. A espessura do pacote é considerada a medida linear vertical entre o talweg dos canais e o fundo oceânico.

4.6. Confecção dos mapas O mapeamento do sistema de drenagem pretérito foi realizado utilizando o programa de informações geográficas Quantum GIS® versão 2.18.2. Para a melhor visualização dos registros juntamente ao sistema de drenagem atual, o software Google Earth Pro® foi utilizado para uma visualização tridimensional.

5. Resultados e Discussão

Após o processamento dos dados, foram selecionadas 22 linhas que apresentam boa resolução do sinal sísmico, possibilitando a identificação de feições com refletores distintos na plataforma interna da porção norte da Bacia de Pelotas. Todas as estruturas identificadas tiveram suas dimensões quantificadas e respectiva identificação quanto a sua época do período Quaternário, ou seja, a época qual os rios corriam sobre a plataforma exposta.

A identificação das épocas de ocorrência foi realizada a partir da identificação de horizontes refletivos, que marcam níveis de estabilização do nível do mar (Fig. 13).

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Figura 13: Horizonte refletivo indicativo de estabilização do nível do mar.

O horizonte refletivo mais raso representa o máximo regressivo holocênico, que ocorreu a aproximadamente 18 mil anos. Horizontes refletivos mais profundos representam eventos pleistocênicos.

A curva de variação do nível do mar proposta por Cooper et al. (2016) também foi utilizada para confirmar a classificação quanto a origem e ocorrência das feições geológicas identificadas, levando em consideração a profundidade em que se encontram.

Devido ao grande volume de estruturas identificadas, somente os perfis com as estruturas mais distintas serão expostos nesses resultados. Outros perfis serão anexados a este trabalho e suas características descritas na forma de uma tabela.

5.1. Perfis com a identificação de Paleocanais

Em todas as linhas selecionadas foram registradas ocorrências de paleocanais através da identificação de estruturas acanaladas. Ao todo, foram identificados 120 leitos de paleocanais, sendo alguns destes com diferentes estágios deposicionais, representados por refletores acanalados inseridos dentro de outro refletor mais profundo.

Os paleocanais identificados foram classificados quanto a época de ocorrência, Holoceno e/ou Pleistoceno e possível comportamento meandrante.

5.1.1. Paleocanais holocênicos

Dentre os paleocanais identificados, 27 foram classificados como exclusivamente holocênicos, isto é, tiveram a sua origem a 18 mil anos ou menos. Para exemplificar os registros encontrados, foram selecionados dois refletores identificados como holocênicos.

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Figura 14: Perfil F- F1. Linha 1303.

O perfil F – F’ da linha 1303 (Fig. 14) apresenta o leito de um paleocanal holocênico bem refletivo, sem outros refletores indicativos de diferentes estágios deposicionais em seu interior. É o canal de menores dimensões identificado no presente trabalho, possuindo cerca de 4,7 metros de profundidade e 180 metros de largura na seção horizontal orientada sentido sudoeste/nordeste.

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Figura 15: Perfil D – D’. Linha 0349.

O perfil D – D’ da linha 0349 (Fig. 15) também apresenta o leito de um paleocanal formado no Holoceno. O pacote de sedimentos interior ao canal não possui horizontes refletivos. Diferentemente da maioria dos outros registros de paleocanais deste estudo, possui pouca profundidade quando comparado a largura, o que pode estar relacionado com o ângulo em que a linha sísmica foi perfilada pela embarcação em relação à orientação do paleocanal. Esse canal possui cerca de 6,5 metros de profundidade e 4,98 metros de largura na seção horizontal orientada sentido sudoeste/nordeste.

Uma característica dos canais exclusivamente holocênicos encontrados é que dentre os 27 registros, 11 apresentam mais de um estágio deposicional, sendo encontrados no máximo dois refletores no pacote que preenche o leito do canal. Os outros 16 registros possuem um único estágio de deposição de sedimentos. Isso indica uma certa homogeneidade dos sedimentos que o preenchem. Uma rápida ascensão do nível do mar pode justificar a ausência de diferentes estágios deposicionais.

5.1.2. Paleocanais pleistocênicos

Dentre os paleocanais identificados, 39 foram classificados como exclusivamente pleistocênicos, isto é, tiveram a sua origem a mais de 18 mil anos e se tornaram inativos também nessa época.

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Figura 16: Perfil G – G’. Linha 1303.

O perfil G – G’ da linha 1303 (Fig. 16) apresenta dois refletores distintos. O primeiro um horizonte indicativo do nível de estabilização do nível do mar da regressão holocênica. O segundo, um refletor de formato acanalado completamente dentro do pacote pleistocênico, indicando o leito de um paleocanal desta época. A profundidade do canal, considerada a medida vertical entre o talweg e a sua margem, é de cerca de 5,29 metros e a largura da seção horizontal com orientação sudoeste/nordeste é de aproximadamente 271,3 metros.

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Figura 17: Perfil A – A’. Linha 2053.

O perfil A – A’ da linha 2053 (Fig. 17) apresenta um refletor indicador do leito de um paleocanal completamente inserido no pacote pleistocênico. O que torna esse registro bastante distinto é a sua morfologia de fundo bastante acidentada. Estruturas sedimentares inconsolidadas possuem relevo mais suavizado, sendo esse registro interpretado como algum material duro e irregular, possivelmente beachrock.

Martins et al. (2003), relataram a presença de afloramentos de beachrocks ao longo da plataforma continental interna desde a cidade de Rio Grande, no Rio Grande do Sul, até São Francisco do Sul, em Santa Catarina. O perfil A – A’ da linha 2053 está inserido nessa área, o que corrobora a hipótese de há a ocorrência de beachrock nesse local. A seção transversal do canal está orientada no sentido sudeste/noroeste e possui cerca de 771,4 metros de largura e uma profundidade de aproximadamente 6,8 metros.

Dentre os 39 registros interpretados como exclusivamente pleistocênicos, apena seis possuem mais de um refletor indicativo de estágios deposicionais distintos.

5.1.3. Paleocanais Pleistocênicos e Holocênicos

Os registros com leitos de paleocanais identificados como de origem no Pleistoceno e contínua atividade até o Holoceno foram os de maior frequência, totalizando 55 leitos de paleocanais assim classificados.

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Figura 18: Perfil A – A’. Linha 3235.

O perfil A – A’ da linha 3235 (Fig. 18) possui o registro do paleocanal mais profundo identificado, atingindo mais de 27 m de profundidade. Não é possível saber a sua real profundidade, uma vez que o sinal sísmico é perdido após os 27 metros. A margem direita do leito mais profundo também não pôde ser observada no registro. É possível observar três diferentes estágios de sedimentação, sendo o refletor mais profundo com a sua origem no Pleistoceno, assim como o segundo refletor mais profundo. Ambos tiveram continuidade no Holoceno antes do refletor mais raso se formar também no Holoceno. A seção qual o perfil foi realizado possui sentido noroeste/sudeste.

5.1.4. Paleocanais Meandrantes

Alguns dos perfis interpretados apresentam estruturas refletivas acanaladas com profundidades no sedimento muito semelhantes e espacialmente muito próximas. Há ainda uma certa similaridade nos pacotes deposicionais dentro desses canais, apresentando grande semelhança no número de estratos observados. Linhas sísmicas paralelas indicam a continuidade lateral desses paleocanais meandrantes.

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Figura 19: Perfil B – B’. Linha 4126.

O perfil B – B’ da linha 4126 (Fig. 19) apresenta dois leitos bastante refletivos de um paleocanal. É possível observar até três estágios de sedimentação bem marcados. O leito mais profundo possui cerca de 11,7 metros e teve o seu início no Pleistoceno, se desenvolvendo também no Holoceno. Os outros canais se caracterizam como holocênicos. Este perfil exemplifica o que seria um possível meandramento de um mesmo canal, devido a sua proximidade espacial. A orientação do perfil é de sudoeste/nordeste.

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Figura 20: Perfil A – A’. Linha 0919.

O perfil A – A’ da linha 0919 (Fig. 20) foi perfilado no sentido sul/norte e apresenta seis leitos refletivos de um paleocanal. É possível observar dois estágios de sedimentação bem marcados. O refletor mais profundo está a cerca de 15,9 metros abaixo do fundo oceânico. Os leitos são possivelmente pertencentes a um único paleocanal também meandrante e pleistocênico.

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Figura 21: Perfil B – B’. Linha 1303.

O perfil B – B’ da linha 1303 (Fig. 21) possui nove refletores provavelmente também representando meandros de um mesmo paleocanal. O refletor mais a noroeste apresenta um único estágio de sedimentação, enquanto os outros possuem dois ou três estágios. Os refletores mais profundos e indicados em vermelho são de origem pleistocênica, assim como o primeiro refletor azul a noroeste e o refletor azul mais a sudeste. Estes se mantiveram durante o Holoceno, quando os outros leitos holocênicos se formaram. O refletor mais profundo possui cerca de 14,3 metros de profundidade no pacote sedimentar.

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Figura 22: Perfil F – F’. Linha 2507.

O perfil F – F’ da linha 2507 (Fig. 22) apresenta nove refletores pertencente provavelmente a um único canal pretérito de drenagem. Os dois refletores mais a sudoeste não possuem continuidade entre si, ou seja, não representam dois estágios sedimentares de um mesmo canal, mas sim canais formados independentemente em épocas diferentes. O leito em vermelho mais a sudoeste se caracteriza como sendo pleistocênico e o que se situa acima deste, holocênico. O leito marcado em vermelho ao lado destes se originou no Pleistoceno e seguiu ativo durante o Holoceno. Há ainda o registro de uma estrutura refletora acanalada com até quatro estágios de sedimentação, representando o assoreamento do canal original. Este teve a sua origem no Pleistoceno e teve os seus estágios seguintes presentes até o Holoceno. Mais a nordeste, há a presença de um leito de paleocanal com dois estágios de sedimentação, sendo ambos formados durante o Pleistoceno e se mantendo ativos até o Holoceno. O leito mais profundo no perfil atinge pouco mais de 10 metros no pacote de sedimentos.

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Figura 23: Perfil H – H’. Linha 3754.

O perfil H – H’ da linha 3754 (Fig. 24) possui 18 refletores indicativos de leitos de um paleocanal. Todos possuem ao menos três estágios de sedimentação. Os refletores em verde tiveram a sua origem no Pleistoceno e se mantiveram até o Holoceno, sendo assoreados e sucedidos pelos outros estágios sedimentares ocorrentes ainda no Pleistoceno, mas também ocorrentes no Holoceno. O sinal sísmico pôde atingir mais de 21 metros dentro da coluna sedimentar, sendo perdido após essa profundidade. Esse perfil está orientado no sentido sudoeste/nordeste e é mais um exemplo de um possível paleocanal meandrante.

Chen et al. (1995) investigaram a ocorrência de paleocanais na plataforma continental interna da Virgínia, EUA. Essa plataforma possui características bastante semelhantes à da área de estudo do presente trabalho, como largura, declividade e regime de micro maré. Outra característica em comum é a presença de um sistema laguna-barreira desenvolvido ao longo do período Quaternário. A Baía de Chesapeake, uma laguna costeira com características bastante semelhantes a Lagoa dos Patos, está inserida nesse contexto. Paleocanais meandrantes e com desenvolvimento desde o Pleistoceno até o Holoceno foram identificados com até três estágios deposicionais bem marcados, identificados a partir do uso da sísmica de reflexão de alta resolução, com frequência de 3,5 kHz, igualmente ao presente estudo. Possivelmente, os processos ocorrentes durante o período Quaternário foram bastante semelhantes na plataforma continental da Virgínia e da Bacia de Pelotas, justificando a semelhança entre os registros sísmicos do sistema de paleodrenagem de ambas as regiões.

5.2. Perfis com a identificação de Paleolagoas

Em quatro das linhas selecionadas, foram registradas ocorrências de paleolagoas através da identificação de estruturas com taludes, morfologia e séries de refletores de sedimentação de características lagunar. Ao todo, foram identificados quatro leitos de paleolagoas.

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Figura 24: Perfil B – B’. Linha 0154.

No perfil B – B’ da linha 0154 (Fig. 24), há a ocorrência de superfícies refletivas de grandes extensões. A profundidade máxima de alcance do sinal sísmico é de cerca de 18 metros, sendo após isso, perdido. Dentro dessa feição geológica interpretada como uma paleolagoa, há a visualização de sete outros refletores indicativos de sequências de deposição de sedimentos. As margens dessa lagoa pretérita não são observadas dentro da camada de sedimentos holocênicos, sendo considerada uma paleolagoa pleistocênica. Algo bastante distinto nesse registro e só observado em apenas uma outra feição, é a morfologia bastante acidentada e o que parece ser indicativa de um material consolidado, podendo representar uma superfície de beachrock, representada pela linha em rosa. A região da paleolagoa também está inserida na área com ocorrência de beachrocks proposta por Martins et al (2003).

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Figura 25: Perfil A – A’. Linha 1408.

No perfil A – A’ da linha 1408 (Fig. 25) também são observados refletores de grandes dimensões inseridos em uma paleolagoa, sendo o refletor mais profundo (rosa) um indicador da morfologia da estrutura geológica. Podem ser contabilizados 9 horizontes de diferentes camadas sedimentares, indicativas de estágios de sedimentação diferentes. A paleolagoa teve a sua origem no Pleistoceno e continuidade no Holoceno.

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Figura 26: Perfil C – C’. Linha 2431.

No perfil C – C’ da linha 2431 (Fig. 26), há o registro do leito de uma paleolagoa com cerca de nove horizontes refletores que indicam diferentes estágios de sedimentação desta. A margem nordeste não pôde ser observada nos registros, impossibilitando a quantificação total das suas dimensões. Essa paleolagoa teve a sua origem no Pleistoceno e continuou exposta durante parte do Holoceno.

Um estudo realizado na região de Maricá, no Rio de Janeiro, por Pereira et al. (2004),

identificou a presença de uma paleolagoa com pacote sedimentar com cerca de 10 metros e

desenvolvida durante o Holoceno a partir da formação de cordões arenosos. No mesmo

trabalho foram encontrados paleocanais também holocênicos nas áreas adjacentes a

paleolagoa. A sedimentação plano paralela da paleolagoa também foi evidenciada por um

registro sísmico de alta resolução. A paleolagoa possui características morfológicas bastante

semelhantes às encontradas nos perfis analisados no presente estudo, o que torna possível

sugerir que tiveram processos de formação parecidos.

5.3. Beachrocks e paleolinhas de costa

A identificação de beachrocks é útil por várias razões, desde a sua grande eficácia na proteção

costeira contra processos erosivos até pelo fato de se tratar de registros geológicos de níveis

marinhos pretéritos (Hopley, 1986).

A identificação de prováveis beachrocks nos perfis sísmicos analisados pode ser considerado

um indicativo de paleolinhas de costa, uma vez que beachrocks são sedimentos litificados na

zona intermareal, através da cimentação de areias por carbonato de cálcio proveniente de

sedimentos biodetríticos (Ferreira Júnior et al., 2011).

O detalhamento da granulometria e estrutura sedimentar dessas rochas pode indicar

condicionantes ambientais do ambiente praial qual a rocha foi formada, definindo com grande

precisão a posição do nível do mar quando à formação do beachrock (Suguio,1999).

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Alguns registros de refletores interpretados como beachrocks foram identificados nas linhas

sísmicas analisadas. Após o cruzamento entre o mapa com as feições interpretadas como com

fundo composto por beachrock e o mapa de paleolinhas do nível do mar proposto por Corrêa

(1996), verificou-se que localização destas feições coincide com as paleolinhas de costa

propostas (Fig. 27).

Figura 27: Perfis A – A’ e B – B’ com fundo de Beachrock e paleolinhas de costa propostas por Corrêa (1996).

O perfil B – B’ pertence a linha 0154 e possui o registro de uma paleolagoa com fundo

característico de beachrock. A profundidade da paleolagoa é de aproximadamente 25 metros

em relação ao nível do mar atual, o que também coincide com a profundidade da paleolinha de

costa mais rasa proposta por (Corrêa, 1996).

O perfil A – A’ pertence a linha 2053 e apresenta um paleocanal com fundo também

interpretado como composto por beachrock. A profundidade desse paleocanal em relação ao

nível do mar atual é de aproximadamente 46 metros, o que está bem próximo da profundidade

da paleolinha de 32-45 metros qual o perfil está bastante rente.

5.4. Espessura dos pacotes holocênicos

A espessura dos pacotes de sedimentos holocênicos nos paleocanais variaram de pouco mais

de dois metros até mais de 20 metros. Para melhor visualização, os valores foram divididos em

classes com intervalos de dois metros de profundidade no sedimento e apresentados em um

mapa (Fig. 28).

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Figura 28: Distribuição espacial dos paleocanais e respectivas espessuras dos pacotes holocênicos.

Após a identificação espacial dos paleocanais, não foi possível identificar um padrão distinto de

distribuição dos pacotes deposicionais quanto as suas espessuras. Para uma melhor

investigação, foram realizadas análises de correlação entre a espessura dos pacotes

sedimentares holocênicos e a profundidade local dos paleocanais. Não foram encontradas

correlações significativas entre esses parâmetros, o que significa que a espessura dos pacotes

sedimentares holocênicos dentro dos paleocanais e a profundidade do local em que se

encontram não possuem nenhum grau de relação entre si.

5.5. Épocas de origem e ocorrência das feições identificadas

A distribuição espacial das feições identificadas foi representada em um mapa, de acordo com

as respectivas épocas de ocorrência (Fig. 29).

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Figura 29: Distribuição espacial dos paleocanais e respectivas épocas de ocorrência.

Padrões de distribuição dos registros de acordo com a época de ocorrência não puderam ser observados.

A formação da barreira IV foi responsável pelo surgimento de algumas lagoas costeiras e aprisionamento de alguns rios que deixaram de chegar a linha de costa e passaram a desembocar nessas lagoas. Porém, diferentemente do que ocorreu na planície costeira do Rio Grande do Sul, alguns rios continuaram correndo sobre essa barreira, mantendo a sua comunicação com o oceano durante o Holoceno. Isso pode justificar a presenta de paleocanais holocênicos na plataforma continental interna entre Torres e o Cabo Santa Marta, assim como a ausência de um padrão de distribuição desses paleocanais nessa região.

5.6. Bolsões de gás

Todas as linhas sísmicas foram analisadas detalhadamente, porém, não foram identificados bolsões de gás retidos nos sedimentos, como o esperado. A plataforma continental da área de estudo é bastante semelhante à plataforma continental sul da Bacia de Pelotas, onde alguns estudos como o de Terra (2013) apontaram a presença de bolsões de gás aprisionados na coluna sedimentar. Porém, algumas diferenças regionais podem resultar em composições sedimentares distintas.

Uma das principais diferenças entre as plataformas continentais norte e sul da Bacia de Pelotas é o volume do suprimento de sedimentos provenientes do continente. A região sul está inserida em uma área sob forte influência de dois sistemas de drenagem de grande porte, sendo estes o Rio da Prata, no Uruguai, e a Lagoa dos Patos, no Rio Grande do Sul.

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O Rio da Prata é a conexão entre o oceano Atlântico e a bacia do Prata, considerada a quarta maior bacia do mundo. A descarga fluvial do Rio da Prata é de cerca de 22.000 m³s-1, que transportam sedimentos provenientes de cerca de 20% da área da América do Sul para a plataforma continental e regiões adjacentes (Piola et al., 2005).

A Lagoa dos Patos é reconhecidamente a maior laguna costeira estrangulada do mundo, ocupando uma área de cerca de 10.000 km (Kjerfe, 1986). A descarga média dessa laguna é de aproximadamente 2.400 m³s-1, o que significa que um volume considerável de sedimentos finos chega a plataforma continental da região de forma contínua (Vaz et al. 2006).

A plataforma continental norte, onde se insere a região do presente estudo, possui sistemas de drenagem de pequeno porte. O Rio Araranguá, por exemplo, possui uma vazão média de 91,14 m³s-1 (Silva, 2011). Já o Rio Mampituba apresenta valores médios de vazão de cerca de 19 m³s-1 (D’Aquino et al., 2011). Não foram encontrados valores de vazão média para os Rios Urussanga e Tubarão, porém, médias isoladas encontradas apontam valores inferiores a 100 m³s-1.

Uma vez que a diferença entre as vazantes dos sistemas de drenagem chega a três ordens de grandeza, o aporte de sedimentos na plataforma continental é muito maior na região sul, o que significa, de forma geral, que o aporte de matéria orgânica também é maior nessa região. Um expressivo e contínuo aporte de material de origem orgânica e continental justifica a presença de bolsões de gás inseridos no pacote sedimentar, diferentemente do que ocorre na porção norte da Bacia de Pelotas.

5.7. Cenários hipotéticos

A partir das características dos registros encontrados e suas respectivas posições, foram elaborados alguns cenários hipotéticos. Apenas os registros mais próximos a costa foram inseridos nesses cenários, uma vez que há uma ausência de dados em uma região entre as linhas sísmicas mais próximas a costa e outras mais afastadas.

Inferir sobre a relação entre as feições mais afastadas da costa e o sistema de drenagem atual não resultaria em um cenário hipotético confiável. Os rios da região são relativamente próximos entre si e há uma área com ausência de dados entre a costa e os registros mais afastados. Isso geraria uma incerteza muito grande quanto a ligação entre o sistema pretérito de drenagem e os rios atuais.

Os cenários hipotéticos elaborados correspondem ao Holoceno médio, a cerca de 8,5 mil anos atrás, quando a linha de costa estava a cerca de 8 quilômetros sentido offshore.

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Figura 30: Primeiro cenário hipotético.

O primeiro cenário elaborado (Fig. 30) é o da continuação dos rios Três Forquilhas e Cardoso e de uma paleolagoa de fundo consolidado, provavelmente beachrock, com uma área de aproximadamente 40 km². O rio Cardoso possivelmente desaguava nessa paleolagoa, enquanto que o rio Três Forquilhas corria sobre a plataforma até se encontrar com o oceano. Um levantamento sísmico de alta resolução realizado dentro da lagoa Itapeva poderia esclarecer parte da continuação desses rios que hoje estão aprisionados no continente.

Figura 31: Segundo cenário hipotético.

O segundo cenário elaborado (Fig. 31) corresponde a continuação do rio Mampituba, que atualmente possui característica meandrante, assim como os registros do paleocanal encontrado, que corria sobre a plataforma no sentido Nordeste.

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Figura 32: Terceiro cenário hipotético

O terceiro cenário elaborado corresponde ao paleocanal do rio Araranguá, que possivelmente corria sobre a plataforma paralelamente a costa e com comportamento meandrante, assim como o que ocorre na atualidade.

6. Conclusões

Através do uso da sísmica de reflexão de alta frequência, e consequente alta resolução, foram encontradas evidências do sistema de drenagem pretérito a partir da identificação de paleocanais e paleolagoas, assim como evidências de paleolinhas de costa, através da identificação de beachrocks.

A ocorrência de paleolagoas costeiras aponta a um cenário pretérito semelhante ao atual, onde possivelmente houveram pequenas lagoas disposta como um “rosário” quando o nível do mar estava a cerca de 8 km offshore, durante o Holoceno médio.

As posições e morfologias de alguns dos paleocanais encontrados permite associar estes aos rios Mampituba, Araranguá, Três Forquilhas e Cardoso. Alguns canais foram identificados como de características meandrantes, o que serve de subsídio a estudos de paleoceanografia, devido a característica meandrante referida a rios de baixa energia e declividade.

Diferentemente do que ocorreu no Rio Grande do Sul, a formação da barreira IV não isolou a drenagem continental para um corpo lagunar na área de estudo. Assim, há a ocorrência não somente de registros pleistocênicos, mas também holocênicos, o que significa que os rios pretéritos correram sobre a plataforma também no Holoceno.

A identificação de beachrocks permite inferir sobre a posição de uma linha de costa pretérita. Após o cruzamento das posições do sedimento interpretado como beachrocks e paleolinhas de costa propostas por Corrêa (1996), se verificou que as ocorrências de beachrock coincidem com as paleolinhas propostas em 1996. Dessa forma, a coincidência entre os dois estudos indica que o material bastante irregular e com grande refletividade que foi interpretado como beachrock está possivelmente correta, e que o presente trabalho confirma a posição das paleolinhas de costa propostas.

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A ausência de bolsões de gás nos sedimentos aponta a grande diferença no aporte de sedimentos e matéria orgânica na plataforma continental entre as porções norte e sul da Bacia de Pelotas.

A metodologia utilizada é de grande importância para a pesquisa científica, porém uma vez que o levantamento sísmico é um método indireto de obtenção de informações sobre a subsuperfície, as interpretações e inferências realizadas precisam ser confirmadas através de métodos diretos, como amostragens para análise de sedimentos, datação e identificação de possíveis fósseis.

Estudos futuros são de grande importância para uma melhor caracterização da plataforma continental da região, do sistema de drenagem pretérito e reconhecimento das paleolagoas. Para isso, são necessários novos cruzeiros oceanográficos de perfilagem contínua para a aquisição de mais linhas sísmicas, aumentando a malha amostral e a precisão dos resultados obtidos.

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