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Estudo da predação de ninhos artificiais de aves em um ambiente de floresta urbana com o auxílio de armadilhas fotográficas Aluno: André Borja Miranda Orientador: Dr. Henrique Bastos Rajão Reis Co-orientador: Dr. Leonardo Oliveira Rio de Janeiro 2016

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Estudo da predação de ninhos artificiais de aves em um ambiente de floresta urbana

com o auxílio de armadilhas fotográficas

Aluno: André Borja Miranda

Orientador: Dr. Henrique Bastos Rajão Reis

Co-orientador: Dr. Leonardo Oliveira

Rio de Janeiro

2016

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO

CURSO DE GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS

André Borja Miranda

Estudo da predação de ninhos artificiais de aves em um ambiente de floresta urbana

com o auxílio de armadilhas fotográficas

Trabalho de Conclusão de

Curso apresentado ao Curso

de Graduação em Ciências

Biológicas da Pontifícia

Universidade Católica do

Rio de Janeiro, como um

dos requisitos para a

obtenção do título de

Bacharel em Ciências

Biológicas.

Orientador: Dr. Henrique Bastos Rajão Reis

Co-orientador: Leonardo Oliveira

Rio de Janeiro

2016

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO

CURSO DE GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS

André Borja Miranda

Data da defesa: 28 de junho de 2016.

_______________________________________

Prof. Dr. Henrique Bastos Rajão Reis

(Orientador)

_______________________________________

Dr. Carlos Eduardo Grelle

(Membro externo da banca)

_______________________________________

Profª. Drª Paula Koeler Lira

(Membro interno da banca)

Rio de Janeiro

2016

Trabalho de Conclusão de

Curso apresentado ao Curso

de Graduação em Ciências

Biológicas da Pontifícia

Universidade Católica do

Rio de Janeiro, como um

dos requisitos para a

obtenção do título de

Bacharel em Ciências

Biológicas.

Ficha Catalográfica

CDD: 570

Miranda, André Borja Estudo da predação de ninhos artificiais de aves em um ambiente de floresta urbana com o auxílio de armadilhas fotográficas/ André Borja Miranda; orientador: Henrique Bastos Rajão Reis ;co-orientador: Leonardo Oliveira. - 2016. 42 f. : il. (col.) ; 30 cm Trabalho de conclusão de curso (graduação)–Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Biologia, 2016. Inclui bibliografia

1.Biologia – TCC. 2. Ninho artificial. 3. Predação de ninho. 4. Armadilha fotográfica. 5. Ecologia urbana. I. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Biologia. II. Reis, Henrique Bastos Rajão. III. Oliveira, Leonardo. IV. Título.

Agradecimentos:

Ao meu orientador, Dr. Henrique Rajão, que me guiou por todo o processo e confiou

em minhas decisões em diversos momentos. Que me incentivou a permanecer em biologia

mesmo quando haviam dúvidas. Que compartilhou de seu conhecimento, tanto biológico

quanto de vida. Que puxou minha orelha pois sabia que assim eu aprenderia a não cometer os

mesmo erros.

Ao meu co-orientador Dr. Leonardo Oliveira que trouxe nova luz ao trabalho e novas

sugestões que não haviam sido pensadas. Obrigado, também, por servir como um terceiro par

de olhos que enxergou erros e problemas ainda não avistados e por compartilhar com todo o

lado primatológico do estudo.

ÀGabriela Heliodoro e ao Projeto Fauna, que me apoiaram no projeto,

sempre se interessando pelo trabalho e fornecendo maior parte das armadilhas fotográficas,

sem as quais esse projeto não poderia ter sido realizado.

Aos meus pais, que me apoiaram quando escolhi fazer biologia e fizeram esse grande

investimento financeiro em minha educação. Que cederam seu tempo por toda minha vida

para me educar, que confiaram em mim mesmo quando minhas decisões pareciam duvidosas,

que me proibiram quando sabiam que era melhor para mim.

Ao meu amigo, Dr. Vitor Hugo Maia, que me acompanhou desde o começo do curso e

me ajudou quando precisava.

Ao Dr. Richieri Sartori, que foi solícito e cedeu parte de seu tempo para me ajudar,

mesmo quando não tinha obrigação.

Aos professores da biologia PUC-Rio, que me transmitiram seu conhecimento e

fizeram parte de minha formação, me levando a onde estou hoje.

Aos meus amigos da biologia, que trilharam o caminho até hoje junto comigo. Que

compartilharam histórias, experiências e momentos comigo. Que me deram apoio quando

precisei.

Aos meus amigos de antes da faculdade, que estiveram comigo todo esse tempo e que

aceitaram minhas novas amizades.

Resumo

Pouco ainda se sabe sobre os impactos que a urbanização tem sobre as interações

ecológicas das cidades, ainda menos nos neotrópicos. Com isso em mente, o presente estudo

teve como objetivo estudar a predação de ninhos de aves em uma floresta urbana na cidade do

Rio de Janeiro. Utilizando armadilhas fotográficas e ninhos artificiais, foram analisados um

ano de filmagens de animais predando os ninhos, somando um esforço amostral de

3200dias/câmera. Foram predados 89,4% dos ninhos e obtidos registros de Sapajusnigrituse

Didelphisauritacomo os dois predadores mais frequentes. Além disso, viu-se uma tendência

para a predação diurna e não se observou uma diferença estatística na quantidade de predação

entre diferentes alturas de ninhos.

Palavras-Chave: Ninho Artificial; Predação de Ninho; Armadilha Fotográfica; Ecologia

Urbana

Abstract

Little is known about the impacts that urbanization has on ecological interactions on

the cities, even less on the neotropics. With that in mind, the present study had as it´s

objective to study avian nest predations in an urban forest on Rio de Janeiro city. Using trap

cameras and artificial nests, one year of films with animals predating nests was analyzed,

adding to a 3200nest/day effort. Were predated 89.4% of the nests and acquired records of

Sapajusnigritusand Didelphis auritaas the two most frequent predators. We also observed a

tendency to daytime predation and did not obtain a statistical difference on the predation

between different nest heights.

Key-words: Artificial Nest; Nest Predation; Trap Cameras; Urban Ecology

Sumário

Introdução...............................................................................................................................10

O Uso de Ninhos Artificiais........................................................................................12

Objetivos.................................................................................................................................14

Material e Métodos.................................................................................................................14

Área de Estudo............................................................................................................14

Metodologia.................................................................................................................16

Monitoramento dos Ninhos.........................................................................................18

Resultados...............................................................................................................................22

Discussão.................................................................................................................................24

Conclusão................................................................................................................................26

Referências Bibliográficas.......................................................................................................27

Lista de Figuras

Figura 1 – Localização do JBRJ entre dois bairros movimentados

Figura 2 - ninho artificial utilizado

Figura 3 - (a) BushnellTrophyCam HD; (b) Primos TruthCAM35

Figura 4 - ponto 1: mata

Figura 5 - ponto 2: borda

Figura 6 - ponto 3: arboreto

Figura 7 - (a) colocação da câmera; (b) fixação de ninho artificial

Figura 8 - eventos de predação por espécie de predador

Figura 9 - eventos de predação por horas do dia

Figura 10 - porcentagem das predações por altura

10

Introdução

De acordo com projeções históricas, estima-se que, originalmente, 97% da área do Estado

do Rio de Janeiro eram cobertos pela Floresta Atlântica (Fundação S.O.S. Mata

Atlântica/Inpe, 2002). Por ser um Estado com ocupação antiga, passou por diversos ciclos

econômicos de exploração e de produção, nos quais a vegetação original foi progressivamente

eliminada e descaracterizada, restando, atualmente, cerca de 20% em relação àquela existente

originalmente (Gomes et al.,2009). O resultado do contínuo processo de desmatamento no

Estado é a formação de fragmentos de diferentes tamanhos, o que causa o isolamento de

grande parte das populações animais e vegetais. As principais ameaças aos remanescentes

florestais do Estado do Rio de Janeiro são os desmatamentos para estabelecimento de

pastagens e culturas, o crescente processo de urbanização e favelização das cidades, a retirada

de madeira além da caça e do comércio ilegal de espécies da fauna.

As aves se destacam como o grupo de vertebrados com o maior número de espécies da

Mata Atlântica, característica que, somada à sua alta sensibilidade a alterações ambientais, faz

com que também sejam os vertebrados com o maior número de espécies ameaçadas do bioma.

De fato, das 193 espécies de aves brasileiras ameaçadas de extinção (Machado et al., 2008),

112 ocorrem na Mata Atlântica (Marini & Garcia, 2005).

O Estado do Rio de Janeiro, apesar da considerável perda de cobertura florestal, conta

com uma elevada riqueza em espécies de aves, totalizando mais de 650 espécies (Alves et al.,

2000; Rocha et al., 2003). Parte dessa riqueza deve-se à presença de dois importantes maciços

que atravessam o Estado longitudinalmente: a Serra do Mar e a Serra da Mantiqueira. Essas

regiões ainda abrigam importantes remanescentes vegetacionais e, consequentemente,

mantêm uma variedade de espécies considerada das mais elevadas em todo o mundo, fato que

justificou a inclusão de diversas áreas presentes nessa região como IBAs (do inglês,

ImportantBirdAreas, ou Áreas Importantes para a Conservação de Aves), pela

BirdlifeInternational(Benckeet al. 2006).

A região urbano-industrial se destaca por concentrar o maior número de espécies

ameaçadas de aves (31 espécies) dentre todas as regiões fluminenses além de uma das que

concentra a maior riqueza de espécies endêmicas do Estado. Existem lacunas de informação a

respeito da avifauna particularmente nas redondezas da Região Metropolitana e também nas

áreas de baixada e no topo das montanhas. Por ser uma região fortemente urbanizada,

algumas ameaças se mostram mais intensas que em outras regiões do Estado. Entre essas

11

ameaças podem ser citados o trânsito de veículos e o transporte de cargas tóxicas; a

industrialização e a atividade petrolífera; a ocupação irregular e a especulação imobiliária; a

falta de saneamento e a coleta de lixo precária; a retirada de espécies nativas para

comercialização; a presença de espécies exóticas silvestres e de animais domésticos (Costa et

al., 2009).

O Parque Nacional da Tijuca faz parte de uma das áreas prioritárias para conservação

de espécies de aves no Brasil, a IBA (importantbirdarea) RJ07, que compreende os Maciços

da Tijuca e da Pedra Branca (Benckeet al., 2006). Em conjunto, o Parque Nacional da Tijuca,

o Parque Estadual da Pedra Branca e os arredores dessas UCs, apresentam um elevado

número de espécies de aves endêmicas da Mata Atlântica (68), além de espécies ameaçadas

de extinção (seis espécies) ou quase ameaçadas (10). O Parque Nacional da Tijuca está

cercado por áreas urbanas e, portanto, permanentemente sob a ameaça de invasão por

construções irregulares (Benckeet al., 2006).

Estudos voltados especificamente para a ecologia das cidades ou em cidades são

relativamente recentes em todo o mundo e ainda incipientes no Brasil. É recente a

compreensão por parte dos ecólogos, de que as áreas urbanas ou periurbanas funcionam

igualmente como ecossistemas, contendo essencialmente os mesmos componentes que áreas

naturais (i.e., água, solo, microorganismos, plantas e animais) e estando sujeitas aos mesmos

processos naturais, como os ciclos de carbono, de água e de matéria (Gaston, 2010). Apesar

da grande biodiversidade, do crescente grau de ameaça e da facilidade de acesso aos

pesquisadores de algumas das maiores universidades e centros de pesquisa do país, ainda são

raros os estudos sobre a fauna dos grandes centros urbanos brasileiros, como a região urbano-

industrial do Estado do Rio de Janeiro. McIntyreet al. (2008) chamam a atenção para o baixo

número de estudos feitos em áreas urbanas até o final do século XX, citando uma pesquisa

que revelou que apenas 25 em 6157 artigos publicados nas principais revistas de ecologia

entre 1993 e 1997 trataram especificamente de ambientes urbanos.

De acordo com Marzluffet al. (2008), a Ecologia Urbana pode ser definida como o

estudo dos ecossistemas que incluem humanos vivendo em cidades e em paisagens

urbanizadas. Ainda segundo esses autores, esse campo interdisciplinar e emergente tem como

propósito o entendimento de como humanos e processos ecológicos podem coexistir em

sistemas urbanizados e dessa maneira ajudar as sociedades em seus esforços de se tornarem

mais sustentáveis. Nesse contexto, a participação da própria sociedade na pesquisa científica

vem se tornando cada vez mais real, com benefícios para ambos os lados.

12

Ações humanas no ambiente, como destruição e fragmentação de hábitats, introdução

de predadores e poluição, podem ter diversos efeitos negativos sobre a avifauna (Borges &

Marini, 2010; Duffy, 1979). Seres humanos podem facilitar direta ou indiretamente as

populações de predadores, por exemplo, introduzindo ou facilitando a presença de ratos,

cachorros, gatos, gambás e saguis que podem se tornar uma séria ameaça para o sucesso

reprodutivo das aves (Friesenet al. 1995; Phillips et al. 2005; Borges & Marini 2010). Além

disso, a poluição próxima pode fornecer materiais diferentes de folhas e galhos normalmente

usados na construção dos ninhos, como pedaços de plástico que podem aumentar sua

visibilidade (Hartwiget al. 2007) e consequentemente facilitar a predação (Borges & Marini,

2010).

A predação de ninhos tem sido considerada uma das principais forças estruturadoras

de comunidades de aves e um importante determinante da viabilidade de populações em

ambientes fragmentados (Stracey e Robinson, 2012). A interferência antrópica,

principalmente em ambientes fragmentados, é responsável por alterações na comunidade de

predadores de ninho que podem ter efeitos em cascata na estrutura das comunidades. Uma das

mudanças observadas em ambientes fragmentados é a perda de predadores de topo e o

aumento decorrente de mesopredadores, muitos dos quais se alimentam de ovos e filhotes de

aves (Souléet al. 1988). O sucesso de nidificação de muitas espécies de aves em ambientes

fragmentados pode ser extremamente baixo e, assim, se espera que as comunidades de aves

nesses ambientes sejam dominadas por espécies de tamanho médio que podem defender seus

ninhos contra predadores e espécies que se reproduzem em locais inacessíveis à maioria dos

predadores (cavidades p.ex.) (Stracey e Robinson, 2012).

No entanto, o efeito causado pelas diversas alterações antrópicas sobre as aves,

particularmente no que tange à predação de ninhos, ainda não foi muito estudado nas regiões

neotropicais (Borges & Marini 2010), sendo muito raros os estudos feitos em áreas urbanas.

Alguns estudos mostraram que pequenos fragmentos de Mata Atlântica têm altas taxas de

predação de ninho (Ducaet al. 2001; Borges & Marini, 2010), e outros demonstraram que os

efeitos de borda causam um aumento da predação de ninhos (França & Marini 2009).

O Uso de Ninhos Artificiais

Ninhos artificiais se tornaram um método popular para testar hipóteses

comportamentais e ecológicas relacionadas à predação (Major &Kendal, 1996), sendo,

13

também, um método comum para avaliar o sucesso reprodutivo de aves (Wilson et al. 1998).

Ainda segundo Major &Kendal (1996), esse tipo de estudo teve início na década de 1960 em

estudos voltados para aves nidificadoras de solo de grande porte, pois seus ninhos seriam

mais fáceis de reproduzir, assim como a imitação de seus ovos com ovos de galinha,

facilmente comprados. Posteriormente, ornitólogos viriam a adaptar estudos com ninhos

artificiais para estudar passeriformes.

Esse método foi utilizado anteriormente em outros estudos de predação com resultados

confiáveis (Martin, 1987; Alvarez &Galetti, 2007) e, mesmo que controverso, gerou algumas

das ideias mais influentes sobre predação de ninhos(Major &Kendal, 1996). Segundo Wilson

et al. (1998), esse método também ajudou a comunidade científica a entender os efeitos da

fragmentação no sucesso reprodutivo. Este método permite o controle de variáveis que não

podem ser mudadas em ninhos naturais como altura, distribuição e tempo de exposição

(Whelanet al. 1994; Wilson et al. 1998; Alvarez &Galetti, 2007), o que permitiu estudos

comparativos entre as variáveis visadas (Martin, 1987). Além disso, ninhos naturais são

difíceis de encontrar e monitorar por seu posicionamento (Wilson et al. 1998; Alvarez

&Galetti, 2007; Nana et al. 2014), o que torna o ninho artificial interessante por possibilitar

facilmente um tamanho amostral considerável (Alvarez &Galetti, 2007).

Porém, alguns pontos negativos também são associados ao método, como a ausência

dos pais, que pode afetar na capacidade do predador de encontrar o ninho, pois parentes

podem camuflar ou defender seus ninhos (Wilson et al. 1998) reduzindo as taxas de predação

ou atrair animais que buscam ninhos pela atividade de adultos (Martin, 1987). Outro ponto é a

ausência dos filhotes, que podem atrair predadores com seus chamados (Wilson et al. 1998).

Diferença no odor do ninho e dos ovos é outro fator que influencia na taxa de predação

(Whelanet al. 1994; Wilson et al. 1998) além da existência de animais que conseguem se

alimentar de ovos, mas não de filhotes (Wilson et al. 1998). Também foi verificado que

alguns predadores não se alimentam de ovos na temperatura ambiente, como cobras (Marini

& Melo, 1998).

Os resultados em estudos comparativos entre ninhos artificiais e naturais corroboram

esses dados mencionados anteriormente, pois ninhos fabricados sempre obtinham números

maiores de predação (Major &Kendal, 1996; Burke et al. 2004; França & Marini, 2009), mas

com proporções similares entre as diferentes variáveis como altura do ninho e estrutura

fitofisionômica (Burke et al. 2004).

14

Objetivos

O presente estudo se insere em um programa de pesquisa mais amplo que visa

aprofundar os conhecimentos acerca da avifauna da região urbano-industrial do Estado do Rio

de Janeiro utilizando um conjunto de abordagens ecológicas que forneçam subsídios para o

manejo e conservação dessas espécies e permitam uma melhor compreensão dos processos

ecológicos em áreas urbanas e periurbanas. O objetivo geral do presente projeto é o de iniciar

uma série de estudos que visam entender a importância da predação de ninhos de aves sobre a

estrutura de comunidades de aves em áreas urbanas da Mata Atlântica.

Como objetivos específicos podem ser listados:

1) Identificar os animais que podem ser considerados como predadores de ninhos em um

parque urbano do RJ, o Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ), assim como descobrir quas

terão maior quantidade de casos de predação

2) Quantificar os dados de predação dos ninhos artificiais para se obter uma taxa de sucesso

dos ninhos e ovos no JBRJ e determinar o tempo médio até a predação dos ninhos.

4) Identificar se existe diferença na quantidade de predação entre diferentes alturas de ninhos

5) Detectar se existe variação na intensidade de predação em decorrência do horário do dia e

do mês.

Material e Métodos

Área de estudo

O Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ) está localizado na zona sul da cidade do

Rio de Janeiro (22º57’a 22º59’S e 43º13’a 43º14’W) com uma área de 137 hectares, sendo 54

hectares de arboreto plantado com espécies vegetais de todo o mundo e 83 hectares de

remanescentes da Floresta Atlântica, contíguos com o Parque Nacional da Tijuca (Rangel,

2010). A área do arboreto é aberta diariamente à visitação, o que faz com que a fauna no local

tenha contato constante com seres humanos. Por ser localizado entre dois bairros residenciais,

a Gávea e o Jardim Botânico (Figura 1), o JBRJ tem moradias em ambos os lados da

instituição, além de algumas casas dentro de sua área, o que faz com que animais domésticos

sejam uma realidade no jardim. Considerando o comércio de ambos os bairros e o fluxo

constante de pessoas e veículos nos seus arredores, os remanescentes florestais do JBRJ

podem ser considerados como floresta urbana levando em conta a definição de “áreas verdes”

de Forman (2010).

15

Figura 1 – Localização do JBRJ entre dois bairros movimentados

O JBRJ é um local de fácil acesso e, por ser uma instituição de pesquisa, facilita

qualquer estudo que se deseja realizar em sua área. Além dos animais domésticos

mencionados, podem ser encontrados saguis (Callithrixjacchus, C. penicilatta e seus híbridos)

na área do JBRJ, que são animais silvestres exóticos e invasores, conhecidos por predarem

aves e seus ovos (Lyra-Neves et al. 2007; Souza &Bergallo, 2009) além de haver registros

recentes de predação de ovos no arboreto (Rangel, 2010). Dessa maneira, pelo fato de ter uma

floresta urbana, fragmentada, alterada e com a presença de predadores nativos e exóticos,

além das facilidades relacionadas ao acesso e à segurança para o desenvolvimento de

pesquisas ecológicas, a área do JBRJ foi escolhida para a realização deste estudo. Cabe ainda

ressaltar que o projeto contou com o total apoio do Instituto de Pesquisas do Jardim Botânico

do Rio de Janeiro por meio do setor dedicado à fauna: o Projeto Fauna.

16

Materiais e Métodos

Foram utilizados ninhos artificiais comprados em lojas de artigos para animais. Os

ninhos são feitos com corda e uma armação de arame que auxilia na sua fixação. Cada ninho

tem sete cm de diâmetro e cinco cm de profundidade (Figura 2). Esses ninhos são construídos

para serem utilizados na criação em cativeiro de aves da Ordem dos Passeriformes. É de se

supor, portanto, que, em campo, atraiam predadores generalistas ou que normalmente predam

ninhos abertos de passeriformes de sub-bosque, representados na área de estudo por espécies

de Thamnophiliadae, Pipridae e Conopophagidae principalmente. Os ninhos foram forrados

com folhas secas para torná-los mais inconspícuos (Martin, 1987; Galetti, et al. 2009; Mello,

2012) e em cada ninho foram postos dois ovos de codorna japonesa (Coturnixcoturnix) como

atrativo para os predadores (Whelanet al. 1994; Ducaet al. 2001; Alvarez &Galetti, 2007;

França & Marini, 2009; Galetti, et al. 2009; Nana et al. 2014). Para diminuir o odor humano

nos ninhos e nos ovos, luvas de látex foram utilizadas para o manuseio dos ovos de codorna e

fixação dos ninhos. Além disso, um pouco de terra foi usada para sujar as mãos e banhar os

ninhos o que retirou ainda mais o odor (Whelanet al. 1994).

Figura 2 - ninho artificial utilizado

Para fazer o acompanhamento dos ninhos, foram utilizadas oito armadilhas

fotográficas (uma para cada ninho), sendo quatro do modelo TrophyCam HD da marca

Bushnell (Figura 3a) e quatro TRUTH® CAM 35 da marca Primos Hunting (Figura 3b). Esse

método foi escolhido, pois permite um monitoramento 24h por dia, em diversos ninhos ao

17

mesmo tempo e permite a identificação da espécie predadora, além de ter sido utilizado em

experimentos similares (Major, 1991; Whelanet al. 1994; Perkinset al. 2005; Galettiet al.

2009; Pietzet al. 2012). Sem o uso de armadilhas fotográficas, o pesquisador deve obter a

identificação do predador por meio de pistas deixadas por ele no ninho ou nos ovos, sejam

eles de codorna ou de massa de modelar, porém, ao contrário da identificação exata do

predador que a filmagem permite, o método por pistas depende de marcas nos ovos ou pêlos e

penas deixados nos ninhos (Pietzet al. 2012), o que permite a identificação de grandes grupos

apenas, como mamíferos, répteis e aves (Alvarez &Galetti, 2007). O método com armadilhas

fotográficas tem grande importância no estudo com nidificação de aves por ser mais confiável

e fornecer mais informações que o acompanhamento por pistas e é crescente no estudo de

aves. Alguns dos problemas associados ao uso desse método para monitoramento de ninhos

naturais ou artificiais são: o possível abandono de ninhos naturais pela proximidade do

equipamento ou dos pesquisadores; associação entre câmera e ninho (alimento) que alguns

predadores fazem (Pietzet al. 2012) e o custo monetário do equipamento, que pode passar dos

mil reais por câmera, mais o equipamento necessário para mantê-la em operação e seguras,

como pilhas e correntes, respectivamente.

Figura 3 - (a) BushnellTrophyCam HD (b) Primos TruthCAM35

18

Monitoramento dos ninhos

Foram escolhidos três tipos de ambientes mais representativos do JBRJ para a

colocação dos oito ninhos,sendo eles a mata (Figura 4), o arboreto (Figura 5) e a zona de

transição entre esses dois - borda de mata – (Figura 6). Os ninhos da mata foram colocados a

cerca de 50 metros a partir da borda mais próxima. Os de borda de mata foram colocados em

uma área de contato entre a mata e o arboreto. Os ninhos do arboreto foram colocados em

uma área aberta com gramíneas e algumas árvores e arbustos próximo a construções. As três

áreas estão distantes entre 50 e 100 metros umas das outras e foram escolhidas visando

representar a heterogeneidade de hábitats do parque. Para caracterizar os locais escolhidos

com relação à estrutura da vegetação foi utilizado um protocolo de hábitat para medição, em

cada ponto de fixação de ninho artificial, das variáveis: cobertura de copa (árvores com mais

de 10m de altura); cobertura de sub-bosque (entre 5 e 10m de altura); cobertura de herbáceas

(menos de 5m de altura); cobertura de folhiço; altura do dossel; existência de clareira no

ponto ou próximo a ele. Para cada ponto foram obtidas também as coordenadas geográficas e

a distância da câmera até o ninho.

Figura 4 - ponto 1: mata

19

Figura 5 - ponto 2: borda

Figura 6 - ponto 3: arboreto

20

Com o intuito de simular alturas de ninhos naturais e pelo motivo de possivelmente

haver diferença na predação entre estas alturas (Nana et al. 2014), os ninhos artificiais foram

postos em quatro diferentes alturas do solo: a 0 m, 0,5m, 1m e 2m (Martin, 1987), sendo dois

ninhos em cada uma. Independente da altura, cada ninho foi afixado à sua própria árvore

mantendo-se uma distância aproximada de 15m entre cada ninho (França & Marini, 2009).

Em cada local, os pontos para colocação dos ninhos foram escolhidos de acordo com

possibilidade de fixá-los e armar a câmera a uma distância de no máximo dois metros.

As câmeras ficaram armadas de frente para seus respectivos ninhos a uma distância

máxima de 2m do ninho (Figura 7a e 7b). Os conjuntos câmera-ninho foram deixados em

campo por duas semanas em cada um dos locais, havendo uma rotação de ambiente seguindo

a ordem borda > mata >arboreto, totalizando 24 pontos de amostragem e um ano de

exposição. Esse rodízio teve como objetivo amostrar uma área maior do JBRJ, aumentando as

chances de registrar predadores de ninho diferentes e também o de evitar o aprendizado por

parte dos predadores do local dos ninhos artificiais (Major &Kendal, 1996; Vander

Haegen&DeGraaf, 1996).

Figura 7 - (a) colocação da câmera; (b) fixação de ninho artificial

Para a captura de imagens, ambas os modelos de câmera foram configurados para

capturar vídeos de 30s de duração com intervalo mínimo de 10s entre disparos. O sensor teve

sua sensibilidade configurada para alto em ambientes de mais sombra e médio em locais com

muita incidência de luz solar, de acordo com os manuais das câmeras. Os dois modelos

conseguem fazer disparos noturnos devido a luzes LED infravermelho. Essa é uma opção

21

mais atrativa que o flash normal, pois, com o infravermelho, não há a possibilidade de

amedrontar o animal, já que é uma luz invisível para aves e mamíferos (Perkinset a. 2005). O

único problema, é que o vídeo noturno passa a ser em preto e branco.

Os ninhos foram revisitados semanalmente para verificar se houve predação e analisar

as filmagens feitas. Independente da perda de filmagens por falta de qualidade no vídeo ou

ausência no disparo no momento do evento da predação, os ovos desaparecidos dos ninhos ou

quebrados foram considerados como predados (Galettiet al. 2009). Caso os ovos de codorna

não tivessem sido predados, eles eram substituídos por novos a cada 2 semanas (Roper, 1992)

junto com o rodízio dos ambientes. A contagem dos ninhos era feita em caso de predação ou

sucesso observados, ou seja, cada ninho que tivesse seus ovos predados, ou não fosse predado

ate o fim de 14 dias foi acrescentado os dados como “um ninhos acompanhado”.

Os dados obtidos permitiram que se fizessem análises quantitativas e qualitativas tais

como: número total de ninhos predados; número de ninhos predados por cada mês e hora do

dia com maior número de eventos de predação, ambos obtidos por gráfico gerado em software

de planilhas; tempo médio até a predação, através da análise dos registros em vídeo de

predadores (predações sem registro não foram consideradas para obter esse dado, pois não é

possível saber o dia exato em que a predação ocorreu); predadores mais frequentes em termos

totais (eventos de predação), em cada altura e em cada local. Além disso, para se gerar uma

taxa de sobrevivência de ninhos, os ovos que não foram predados até o dia da troca de

ambiente (a cada duas semanas) foram considerados como bem-sucedidos, ou seja, ovos que

teriam eclodido. Esse tempo foi escolhido, pois a maioria das espécies de aves da ordem

passeriformes apresenta um tempo de incubação entre 12 e 14 dias (delHoyoet al. 1992).

Para comparar as frequências de predação entre as diferentes alturas de ninhos, foi

escolhido o teste de independência para dados de frequência (X2) como utilizado por Alvarez

&Galetti (2007) e Galettiet al. (2009).

Para comparar os resultados do presente estudo com estudos anteriores, foi realizada

uma busca por artigos sobre predação de ninhos no bioma da Mata Atlântica em 3 diferentes

bases de pesquisa: Web of Science da Thompson Reuters, sendo acesso pelo portal dos

Periódicos CAPES; Scopus, da Elsevier; e Scientific Eletronic Library Online, ou SciELO.

Nas três bases foram usadas as palavras chave “atlanticforestnest* predation” com o asterisco

utilizado para incluir variações – como plural - da palavra na busca. Dentre os resultados,

apenas quatro continham tema relevante, compatível com o presente estudo: Ducaet al. 2001,

Alvarez &Galetti (2007), Chiarelloet al. (2008) e Galettiet al. (2009). Destes quatro trabalhos,

dados similares obtidos incluem: identificação de predadores de ninho (Alvarez &Galetti,

22

2007; Galettiet al. 2009), comparação das frequências de predação entre diferentes alturas de

ninhos (Ducaet al. 2001; Alvarez &Galetti, 2007; Galettiet al. 2009), taxa de predação

(Ducaet al. 2001; Alvarez &Galetti, 2007; Chiarelloet al. 2008; Galettiet al. 2009) porém

Chiarello analisa apenas predações no solo e compara a taxa de predação entre duas estações.

Outros dados, como tempo médio até a predação (em horas) e horários do dia com maior

número de predações, ou seja, análise de variáveis temporais, não foram analisadas. Vale

ressaltar, também, que estes quatro estudos também foram feitos na Mata Atlântica, mas em

um estado diferente e não foram realizados em um sistema urbano.

Resultados

As oito armadilhas fotográficas ficaram em campo, acompanhando os ninhos

artificiais, de abril de 2015 a abril de 2016, totalizando 400dias em campo e gerando um

esforço amostral total de 3200dias/câmera ou 76800h/câmera. Pela distribuição uniforme dos

ninhos, o esforço por altura foi igual, o que implica em 800dias/câmeras para cada altura –

0m, 0,5m, 1m e 2m. Entre as três áreas escolhidas – mata, borda e arboreto – a borda teve

1168dias/câmera, enquanto que mata e arboreto tiveram 1015 dias/câmera cada um, de

esforço amostral.

As filmagens permitiram a identificação de sete espécies predando os ninhos artificiais

dentro da área do JBRJ (Figura 8): Sapajusnigritus(35 eventos), Didelphisaurita (11 eventos),

Callithrixsp. (5 eventos), Ramphastusvitellinus (3 eventos), Tupinambismerianae(2 eventos),

Metachirusnudicaudatus(1 evento) e Aramides saracura (1 evento). Dentre as predações com

registro em vídeo, observou-se que 34,5% ocorreram dentro das primeiras 24 horas, chegando

a 53,5% até as primeiras 48 horas, com uma média de 43 horas até a predação do ninho. Esses

números podem indicar uma baixa chance de sucesso de ninhos de aves no JBRJ.

23

Figura 8 - eventos de predação por espécie de predador

Até o fim do experimento (abril/2015 até abril/2016) foi observada uma predação de

89,4% dos ninhos expostos, ou seja, apenas 10,6% dos ninhos que foram considerados como

“bem-sucedidos”, ou seja, os ovos teriam eclodido por não terem sido predados dentro de 14

dias. Foi observada uma alta taxa de predação mensal, variando de 50% a 100% de ninhos

predados, com média de 91,4% de ninhos predados mensalmente. Essa variação na taxa de

predação coincide com a ausência de registros de predação pelo S. nigritus na área “arboreto”,

reforçando a importância desse animal como predador de ovos.

É importante ressaltar que 52,5% dos eventos de predaçãonão tiveram seus predadores

identificados devido à filmagem ruim (escura ou clara demais) ou inexistente (câmera não

disparou na presença do predador).

Utilizando a informação de hora marcada nas gravações de predação, foi possível

observar uma tendência para a predação diurna (78,9% das predações entre 6 e 18h) como

observado na Figura 9. Nos 11 registros de predação noturna, apenas uma predação (9,09%)

não foi realizada por Didelphisaurita, com o ninho tendo sido predado por

Metachirusnudicautatus.

0

5

10

15

20

25

30

35

40

Eventos de Predação

Eventos de Predação

24

Figura 9 - eventos de predação por horas do dia

O teste de independência para dados de frequência (X2) foi feito utilizando-se o

software R testando as quatro frequências de predação observadas (Figura 10) contra o

esperado (altura não interferir na frequência de predação). Verificou-se que não houve

diferença estatisticamente significativa na frequência de predação entra as diferentes alturas

dos ninhos (X-squared = 1.772, df = 3, p-value = 0.621).

0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

Eve

nto

s d

e P

red

ação

Horas do Dia

Predações ao Longo do dia

Metachirus nudicaudatus

Ramphastus vitellinus

Tupinambis merianae

Aramides saracura

Didelphis aurita

Callithrix sp.

Sapajus nigritus

0.0%

5.0%

10.0%

15.0%

20.0%

25.0%

30.0%

35.0%

0m 0,5m 1m 2m

Frequência de Predação por Altura

Eventos de Predação

Figura 10 - porcentagem das predações por altura

25

Discussão

O esforço amostral do presente estudo foi maior que três outros estudos similares que

utilizaram armadilhas fotográficas: Perkinset al. (2005) realizaram um esforço de

345dias/câmera, Alvarez&Galetti (2007) tiveram um esforço de 25dias/câmera e Galetti

(2009) obteve 60 dias/câmera. Essa grande diferença entre este estudo e o encontrado em

literatura se dá por causa da metodologia, pois as armadilhas fotográficas foram parte integral

do trabalho, já que a identidade do predador era um dos focos principais, enquanto os autores

citados apenas as utilizaram como complemento a outros métodos pois buscavam apenas

estudar a predação.

Em relação às perdas de imagens das câmeras, outro estudo que também utilizou

armadilhas fotográficas obteve 39,6% de imagens em branco (Wang & Macdonald, 2009),

impossibilitando sua utilização. Essa diferença entre o presente estudo e o de Wang &

Macdonald (2009) – 52,5% e 39,6%, respectivamente – pode ser por causa das diferenças no

estudo (os autores estudaram grandes felinos), pelos modelos de câmeras utilizados ou até

pelas configurações (nós utilizamos gravações em vídeo, enquanto que Wang & Macdonald,

2005, utilizaram fotografia).

As duas espécies de primatas registradas predando ninhos nesse estudo, S.nigritus e

Callthrix sp., já foram registradas em outro estudo feito na Mata Atlântica como

predadoras de ninhos (Alvarez &Galetti, 2007). Da mesma forma, registros de predação de

ninhos por saguis (Callithrixjacchus e C. penicillata) estão presentes na literatura tanto

em ambientes naturais, (Lyra-Neves et al. 2007) na Mata Atlântica pernambucana,

quanto em ambientes urbanos, como nesse estudo, (Begotti&Landesmann 2008) na região

metropolitana de São Paulo. Callithrix sãoconhecidos como predadores de ninhos, mas

ainda há poucos relatos sobre predação de aves por saguis e pouco se sabe sobre essa

associação (Begotti&Landesmann, 2008). Em relação aos registros de predação por T.

merianae, resultados semelhantes também foram obtidos por Alvarez &Galetti (2007), o que

sugere queesse animal não preda ovos apenas em ambientes urbanos.

Foi observada uma elevada predação de ninhos no JBRJ ao longo do estudo, com

poucos sucessos registrados. Esse resultado é comparável ao de França & Marini (2009) e

Souza &Bergallo (2009), mas é maior que o encontrado por Ducaet. al (2001). Porém, essas

26

comparações não são totalmente confiáveis, pois nenhum dos três autores estudou um

ambiente urbano – que pode explicar a baixa predação encontrada por Ducaet. al (2001) – e

França & Marini (2009), inclusive, realizaram sua pesquisa em outro bioma, o Cerrado. A alta

taxa de predação mensal observada ao longo do experimento, é maior que o observado por

Souza &Bergallo (2009) – média de 91,4% de predação mensal contra 73,6% encontrados por

Souza &Bergallo (2009) - porém a diferença pode ser devido à alta densidade de

Sapajusnigritusobservada na Floresta da Tijuca (Cunha, 2005).

Após análise estatística, não observamos diferença significativa na predação entre as

diferentes alturas, dentro do JBRJ. Resultado similar foi observado por Galettiet al. (2009),

que não observou diferença na predação entre ninhos no solo e ninhos aéreos na parte de seu

experimento que analisou a Mata Atlântica continental. Porém, Alvarez &Galetti (2007),

observaram uma maior predação de ninhos de solo na ilha de Anchieta (Mata Atlântica de

São Paulo). Vale ressaltar que outros três estudos, em biomas diferentes, também obtiveram

uma maior predação de ninhos de solo (Martin, 1987; Burke et al. 2004; Nana et al. 2014), o

que pode indicar que a diferença na predação entre diferentes alturas, varia com a diversidade

dos predadores de ninhos do local.

A espécie Sapajusnigritusobteve mais que o triplo de registros de eventos de predação

que o segundo predador mais registrado, o Didelphisaurita, se tornando o animal com maior

potencial de impacto sobre a avifauna do JBRJ. Isso pode ocorrer pelo fato de a Floresta da

Tijuca ser o local com a maior densidade populacional registrada na Mata Atlântica (Cunha,

2005). Ainda segundo Cunha (2005), essa superabundância pode ser devido a uma ausência

de predadores e a alta disponibilidade alimentar em consequência de uma grande abundância

– com monodominância em alguns trechos – de Artocarpusheterophyllus no Parque Nacional

Da Tijuca (PNT) (Abreu & Rodrigues, 2005). Outro fenômeno que pode favorecer o aumento

populacional é a compensação de densidade, onde uma população é beneficiada pelo declínio

de outra. Este fenômeno foi evidenciado na Amazônia por Peres &Dolman (2000) e, mesmo

que ainda não existam estudos sobre esse fenômeno na Mata Atlântica, a ausência de primatas

de grande porte, que utilizariam na maior parte do tempo o dossel da mata, pode favorecer o

aumento da população do S. nigritus, que passa a usar livremente todo o estrato vegetativo

(Cunha, 2005).

27

Conclusões

Pudemos observar, através de comparação dos resultados obtidos com outros

trabalhos, que há uma grande pressão de predadores em cima de ninhos de aves no Jardim

Botânico do Rio de Janeiro mesmo considerando uma maior predação que pode ocorrer em

ninhos artificiais (Major &Kendal, 1996; Burke et al. 2004; França & Marini, 2009). Isso

também mostra o grande impacto que o ambiente urbano pode ter sobre as comunidades

locais, reduzindo a diversidade de predadores, mas aumentando a densidade de espécies mais

generalistas como Sapajusnigrituse Didelphisaurita.

Pela grande predação realizada por S. nigritus, possivelmente devido à sua alta

densidade populacional na Floresta da Tijuca, fica evidente a necessidade de novos estudos

que tenham como objetivo entender o motivo dessa grande densidade do animal dentro deste

ambiente, possivelmente, através do estudo de sua dieta e suas interações com outros

organismos.

Também podemos afirmar que o estudo da predação de ninhos em ambientes urbanos

é muito defasado no Brasil, havendo uma grande carência de pesquisas feitas sobre este

assunto na Mata Atlântica urbana. Com isso em mente, é importante também a exploração do

uso de armadilhas fotográficas, pois este método, mesmo considerando os erros associados

(como perda de imagens), permite uma identificação exata dos animais que estão predando,

algo que é muito difícil de ser feito apenas com pistas (pelos, penas e marcas) deixadas pelo

predador.

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