estudante vítima de racismo no rs volta para salvador
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Ele foi ameaçado de mortes por policiais militaresTRANSCRIPT
SALVADORSALVADOR SÁBADO 2/4/2011A4
REGIÃO METROPOLITANA
Editor-coordenadorCláudio Bandeira
TRADIÇÃO Baiano pretende dar ovos de Páscoa,mas reclama dos preços www.atarde.com.br
CIDADANIA Helder Santos denunciouPMs gaúchos e foi ameaçado de morte
Estado acolheestudantediscriminadono Sul do PaísHIEROS VASCONCELOS
Um homem no trânsito vêuma barbeiragem e comenta:“Só pode ser mulher”. Umamulher entra no elevador, vêum homem negro e ordena:“7º andar!”. Na rua, um grupovê um homossexual e grita:“Esse pitbull é lassie”. Em SãoPaulo, um rapaz joga lixo nochão e ouve: “Baianada!”
Situações como estas sãocomuns em qualquer cidadebrasileira. E, em muitas delas,são vistas, infelizmente, comnaturalidade. Mas não preci-sa ser pobre, gay, negro, mu-
lher ou nordestino para so-frer preconceito: basta ser di-ferente dos padrões para es-tar vulnerável a todos os tiposde insulto.
“Mulher de cabeça raspadaé lésbica, homem de camisarosa é gay. Um negro em am-biente elegante é o emprega-do. Um punk será sempre umdrogado. Um gago é motivode piada. O rastafári, maco-nheiro. O brasileiro ainda vi-ve estereotipando os outros,seja inculto, mestre ou dou-tor, numa clara demonstra-ção de ignorância”, diz o so-ciólogo George de Oliveira.
Um caso recente de precon-ceito contra um baiano en-volveu agentes do Estado nasemana passada. O estudanteHelder Santos, 25, chegou aSalvador na noite da últimaquinta-feira, após ter sidoameaçado de morte por PMsdenunciados por ele por cri-me de racismo em Jaguarão,no Rio Grande do Sul, ondeHelder cursa história na fa-culdade Unipampa.
Depois da denúncia, viatu-ras policiais começaram apassar pela porta do estudan-te em velocidade baixa emJaguarão. Pouco depois, ele
recebeu duas cartas anôni-mas com ameaças de morte.Nas cartas, Helder era chama-do de “baiano fedido, negrosujo”. Resolveu retornar.
Ontem, Helder foi recebidopelo secretário da Justiça, Al-miro Sena, que prometeu co-brar do secretário da Justiçado Rio Grande do Sul provi-dências para que os policiaisacusados de racismo sejampunidos.
Também foi anunciado queo universitário, que é de Feirade Santana, vai ser beneficia-do, temporariamente, peloPrograma de Proteção a Tes-
temunhas da Secretaria daJustiça da Bahia, até que sejaanunciada uma decisão de-finitiva.
A Polícia Militar do RioGrande do Sul anunciou oafastamento do serviço derua dos cinco militares apon-tados por Helder por tê-lo tra-tado de maneira preconcei-tuosa em uma abordagem.Eles estão afastados do tra-balho desde o início da sin-dicância, que foi aberta pelaBrigada Militar para apuraras denúncias de agressão, ra-cismo, abuso de autoridade eameaça à vida.
ViaturasO Ministério Público baiano(MP-BA) registrou, em 2009,cerca de 360 denúncias de ra-cismo. O número de casos dehomofobia não são contabi-lizados.Demaispreconceitos,na maioria das vezes, são tra-tados, pelo Código Penal, co-mo injúria. “Há situações emque a pessoa se sente intimi-dada por diversos motivos eprocura a Justiça”, diz CíceroOrnelas, da Promotoria deCombate a Racismo e Intole-rância Religiosa.
Segundo ele, menos de 20%dos casos geram processos. “Aprova básica é a testemunhale muitas vezes não consegui-mos, pois as pessoas tememfalar”, lamenta o promotor.
Para sociólogo, afalta de puniçãofavorece açõescriminosas
Para o sociólogo e professorda Ufba Ordep Serra, falta pu-nição para os casos de pre-conceito, como o sofrido peloestudante baiano Helder San-tos, na Bahia e outros estados.“Temos escandalosos casosde agressão sexista, racista,homofóbica. Temos genteque enche a boca, como o de-putadofederal JairBolsonaro,para falar as coisas mais es-túpidas. Pessoas que se colo-cam acima da lei e não acon-tece nada. Isso significa quesó temos leis para oprimir osmais pobres”, afirma.
Para ele, a impunidade fo-menta a continuação dasagressões: “As leis são claras,mas é preciso aplicá-las”. Ser-ra lembra que o preconceitoracial, inclusive, é latente naBahia, Estado com maior nú-mero de afrodescendentes doPaís. E critica as políticas pú-blicas e a omissão dos pode-res públicos. “A violência con-tra as mulheres cresce. A LeiMaria da Penha é insultadaminuto a minuto. É muita re-tórica e pouca ação das au-toridades. Soma-se a isso umadeseducação geral”, critica.
As declarações do deputa-do geraram reação: uma pe-tição pública está na internet,pedindo a cassação de JairBolsonaro.
MortesA Bahia teve o maior registrode crimes de homofobia noano de 2010. Foram 29 ho-
micídios, à frente do Paraná,com 25 mortes. Em 2009, oEstado registrou 25 assassina-tos de homossexuais, a maio-ria de homens.
O antropólogo Luiz Mott re-corda um dos atos homofó-bicos mais recentes na capitalbaiana: no Carnaval, um gayfoi jogado pela janela de umônibus após os ladrões per-
ceberam que ele era afemi-nado. “O rapaz teve graves se-quelas. Infelizmente,oEstadonão registra os casos de de-núncias e queixas, que sãomuitos”, reclama Mott.
O vendedor e estilista Cás-sio Brito foi vítima de homo-fobia em 2008. Ele aguardavaum táxi na mesa de um barquando um grupo de homens
na mesa ao lado percebeu apresença dele e lhe pediu umcigarro. Cássio negou. Na saí-da do bar, ele e um amigoforam cercados pelo grupo eespancados até que garçons eseguranças da rua intervies-sem. Cássio prestou queixa,mas nada aconteceu. “Até ho-je sinto grande revolta pelaimpunidade”.
Internautasorganizarammanifestaçãocontra JairBolsonaro nasmídias sociais
Todos os povos etodas as classessociais têmpreconceito
Luiz MottProfessor, antropólogo efundador do Grupo Gay daBahia (GGB)
Preconceito é “a opinião for-mada antecipadamente, semmaior ponderação ou conhe-cimento dos fatos; suspeita,intolerância, ódio irracionalou aversão à diferença” (Au-rélio). Pesquisas antropológi-cas confirmam que, lastima-velmente, todos os povos, dosprimitivos aos mais civiliza-dos, e todas as classes sociaistêm preconceito.
Psicólogos constataramque a ignorância do outro fa-vorece manifestações pre-conceituosas: quanto maisconvivermos com diferentesraças, estilos de vida, reli-giões, teremos mais oportu-nidade de perceber que o serhumano é um só, com idên-ticos vícios e virtudes.
A convivência plural esti-mulavisãoeposturademaiorrespeito ao relativismo e à di-versidade. Não há como ne-gar: todos temos preconceitoem maior ou menor grau.Mesmo reconhecendo a irra-cionalidade de nossos “partispris” (opinião assumida an-tecipadamente de maneirapreconcebida), às vezes nossurpreendemos com pensa-mentos politicamente incor-retos. A culpa é da tal cons-ciência coletiva, a cultura do-minante.Oquetemos,sim,decontrolar e impedir é a ma-terialização do preconceitointernalizado em discrimina-ção. Temos de ser intolerantescom qualquer diminuição dedireitos das pessoas ou degrupos sociais, baseadas empreconceitos irracionais.
Apesar de todo debate so-bre direitos humanos e doprogresso das ciências, com-provando que não há raça su-perior nem inferior, que oshomossexuais têm as mes-mas capacidades e moralida-de que a população heteros-sexual, que não há assassinoracialmente predetermina-do, tais preconceitos conti-nuam impedindo que o Brasilerradique as gravíssimas dis-criminações que insistem eminsultar,preterir,agredir,vio-lentar, torturar e até matarmilhares e milhares de bra-sileiras e brasileiros, simples-mente por serem índios, ne-gros, mulheres, gays e lésbi-cas, idosos, deficientes físi-cos, pobres.
Quando um Bolsonaro, Da-tena ou Varela da vida dis-criminam negros ou homos-sexuais, no Congresso ou naTV, devem, sim, ser condena-dos. Eles cometem crime delesa-humanidade ao estimu-lar “intolerância, ódio irracio-nal e aversão à diferença”.Que se cumpra a nossa Cons-tituição Cidadã: discrimina-ção é crime!
Além dehomossexual,sou negro. Pudeperceber quesofro mais coma discriminaçãoem relaçãoà minhasexualidadedo que coma minha cor
O pior preconceito que sofri foi com meu pai, militar, e minha mãe, evangélica
Misael FrancoEstudante de bachareladointerdisciplinar em artes daUniversidade Federal da Bahia
O maior e pior preconceitoque já sofri na vida foi dentrode minha própria casa, commeu pai, militar, e minhamãe, evangélica. Apesar desempre ter sido um alunoexemplar na escola, com bomcomportamento e boas notas,o fato de eu ser homossexualpara eles era um problema –e estava acima de qualquerqualidade minha.
Eu tentava agradá-los daforma como podia. Mas nãoadiantava. O curioso é que euvia, e continuo vendo, depen-dentes químicos e marginaisserem afagados e protegidospelos pais, que não os aban-donam em nenhuma cir-cunstância. Mas a homosse-xualidade, na mente de meuspais, parecia ser um crimepior do que roubar ou usardrogas.
Não serei hipócrita e afir-mar que não sofro precon-ceito nas ruas. Sim, sofro. Masagressões verbais se tornamaté irrelevantes, se compara-das às agressões partidas de
meus próprios pais. Me sintomais tolerado pelos desco-nhecidos do que por aquelesque me geraram.
Além de gay, sou negro. Pu-de perceber que sofro maiscom a discriminação em re-lação à minha sexualidade doque com a cor da minha pele,que tanto me orgulha. Comminha pequena experiênciade vida – afinal, ainda soujovem e tenho muito o queaprender –, percebo quequem é negro pode sofrer dis-criminação nas ruas, no tra-balho, na escola, porém,quando chega em casa, é aco-lhido pela família.
Já o homossexual (princi-palmente aquele que é assu-mido e que não finge com-portamento que não é da pró-pria natureza) ouve piadinhana rua, no trabalho, na escola,no ponto de ônibus. É abu-sado verbalmente, como se,por ser gay, tivesse que serpromíscuo. Quando chegaem casa, tem que lidar com opreconceito. E o pior é ter queconviver, diariamente, com oque chamo de preconceito ve-lado: “Ele é gay, mas é genteboa” ou “eu não tenho nadacontra gays, só acho que elespoderiam ser mais discretos”.Ou seja, podemos ser gays,
desde que não incomodemosa sociedade com o nosso jeitode ser.
Recomendação aos paisSei que o assunto pode serbatido, mas acho que precisaser discutido sempre. A cadadiaumjovemdescobre-segaye passa por uma confusãomental, por temer assumirpara a família.
Aos pais, recomendo queamem os filhos do jeito queeles são. A rejeição é uma dorhorrível. Antes de falaremque o filho, por ser gay, é umdesgosto, saibam que ele po-de ser um grande orgulho.
“As leis sãoclaras, é precisoaplicá-las”ORDEP SERRA, sociólogo
Claudionor Júnior/ Ag. A TARDE / 31.3.2011
O baiano Helder Santos, incluído em programa de proteção a testemunhas, é recebido com carinho em Salvador
Marco A. Martins / Ag. A TARDE / 25.3.2010