estruturas temporais da imagem, articulação espaço-temporal e fragmentação - linearidade e...

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Estruturas temporais da imagem, articulação espaço- temporal e fragmentação: linearidade e descontinuidade na televisão Douglas Velloso, especialista em arte e cultura, setembro de 2011. A Televisão [Chico Buarque] 1 Os namorados já dispensam seus namoros Quem quer riso, quem quer choro Não faz mais esforço não É a própria vida, ainda vai sentar sentida Vendo a vida mais vivida Quem vem lá da televisão A articulação entre espaço, tempo, imagem e narrativa faz da televisão um meio veloz de comunicação, um meio em que o tempo é total e amplo, fragmentado e objetivo, linear e descontínuo e também ficcional e realista. A informação é a imagem em movimento, uma articulação voraz, uma vida mais vivida, um reflexo da nossa era da velocidade tecnológica. Um canal hibrido, sistemático, apresentado em blocos, horas, 1 HOLLANDA, Chico Buarque de. A Televisão, in Volume 2. RGE,1967.

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Sobre a linearidade e descontinuidade na televisão e seu aspecto prisional e artístico

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  • Estruturas temporais da imagem, articulao espao-

    temporal e fragmentao: linearidade e descontinuidade na

    televiso Douglas Velloso, especialista em arte e cultura, setembro de 2011.

    A Televiso [Chico Buarque]1

    Os namorados j dispensam seus namoros

    Quem quer riso, quem quer choro

    No faz mais esforo no

    a prpria vida, ainda vai sentar sentida

    Vendo a vida mais vivida

    Quem vem l da televiso

    A articulao entre espao, tempo, imagem e narrativa faz da televiso um meio

    veloz de comunicao, um meio em que o tempo total e amplo, fragmentado e

    objetivo, linear e descontnuo e tambm ficcional e realista. A informao a imagem

    em movimento, uma articulao voraz, uma vida mais vivida, um reflexo da nossa era

    da velocidade tecnolgica. Um canal hibrido, sistemtico, apresentado em blocos, horas,

    1 HOLLANDA, Chico Buarque de. A Televiso, in Volume 2. RGE,1967.

  • seqncias, afinidades; e que fornece o pronto dentro de sua casa. A professora paulista

    Anna Maria Balogh resume por onde circular as relaes e as teorias televisivas:

    A televiso resultado de um complexo processo de evoluo e entrelaamentos

    entre os campos de tecnologia, das comunicaes e das artes (...). Aos hibridismos

    citados, vo se acrescentando inovaes tcnicas e expressivas, como as propostas

    da linguagem publicitria, dos videoclipes, da computao grfica. 2

    A velocidade proposta pela televiso reflete a velocidade que propomos ao nosso

    prprio tempo. Tempo este da massificao de gostos, desejos, informaes e objetivos.

    Na televiso, as narrativas se complementam e se interrompem, construindo sentidos

    atravs de blocos de tempo, sempre usando da alternncia entre o real, o ficcional e o

    fragmentado. Sempre com duas formas diferenciadas de abordagem, em busca do

    conjunto. Um produto de mdia, com influncia social e tambm de referncia, como

    coloca o pesquisador Arlindo Machado:

    Esquematicamente, pode-se abordar a televiso (da mesma forma do que qualquer

    outro meio) de duas formas distintas. Pode-se tom-la como fenmeno de massa, de

    grande impacto na vida social moderna, e submet-la a uma anlise tipo sociolgico

    tipo para verificar a extenso de influncia. [...] Mas tambm se pode abordar a

    televiso como sob um outro vis, como um dispositivo audiovisual atravs do qual

    uma civilizao pode exprimir seus contemporneos e seus prprios anseios e

    dvidas, suas crenas e descrenas, as suas inquietaes, as suas descobertas e os

    vos de sua imaginao.3

    A televiso usa diversos sentidos para interagir com o sentido de quem est disposto

    a estar a sua frente. Na linguagem prpria da televiso, a linearidade se equilibra com a

    descontinuidade, em busca de atingir seu foco especfico - que est no espectador.

    2 BALOGH, Ana Maria. O discurso ficcional na TV: seduo e sonho em doses homeopticas. EdUSP, 2002

    3 MACHADO, Arlindo. A televiso levada a srio. So Paulo: Senac, 2005.

  • A linearidade est presente nas narrativas, nas fices, nos boletins, nos comerciais,

    nas notcias, nos musicais sempre abraando o tempo atravs da relevncia da

    informao. Novelas, seriados, especiais, adaptaes literrias e teatrais, noticirios

    especficos e/ou matrias especiais so alguns exemplos do uso da condensao da

    informao para melhor entendimento do espectador. A seqncia bem vista,

    populariza a fidelizao e parelha o tempo com o do espectador.

    A descontinuidade tambm est presente em todos esses momentos, pois o tempo da

    televiso dividido entre temas, programas, interesses, focos, horas, audincia. Um

    programa pode ser bruscamente fragmentado por conta de interesses - tanto financeiro

    quanto de audincia - prendendo o espectador, obrigando-o a esperar a retomada do

    linear. Comerciais e peas publicitrias so tanto fragmentos quanto fragmentam e so

    exemplos de descontinuidade. Assim como produes especficas que utilizam da

    descontinuidade e da fragmentao como alicerce narrativo uma sacada que, quando

    bem utilizada, transforma a rotina tradicional da televiso.

  • A televiso influencia a sociedade e dita ritmos. um meio referencial, de longo

    alcance e repercusso. Apesar da velocidade das comunicaes, a televiso impe um

    ritmo mais equilibrado e constante nesse turbilho de informaes e assim se

    diferencia de outros meios de mdia. Um meio cultural, opressivo, repressivo, ingnuo,

    otimista, real. Um produto que reflete as nossas falhas e a nossa leve genialidade. Atrs

    da televiso estamos ns, o reflexo de ns mesmos.

    A arte tambm se reflete assim, usando de nossas falhas e de nossa genialidade

    inclusive dentro da prpria televiso. E como dizia Andy Wahrol: "If you want to know

    all about Andy Warhol, just look at the surface of my paintings and films and me, and

    there I am. There's nothing behind it."4

    4 http://www.getty.edu/art/gettyguide/artMakerDetails?maker=1625 Acessado em 21 de Setembro de

    2011.