cinema e walter benjamin - para uma vivência da descontinuidade

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  • 8/2/2019 Cinema e Walter Benjamin - Para uma vivncia da descontinuidade

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    CINEMA E WALTER BENJAMIN:PARA UMA VIVNCIA DA DESCONTINUIDADE

    Cssio dos Santos TOMAIM1

    Notada a escassez, ou quase inexistncia, de trabalhos que abordem a leiturade Walter Benjamin a respeito do cinema at onde pude averiguar resolvi buscarelementos na prpria produo terica do autor e de tantos outros estudiosos que sedebruaram sobre sua obra para compor este artigo, que no tem a presuno deinaugurar algo, mas de refletir sobre o tema, respondendo questes intrnsecas minha curiosidade acadmica. Entretanto, satisfazer estas curiosidades, ao proporpensar o cinema sob a guarda das reflexes benjaminianas, torna-se um desafio,principalmente perante o vazio referencial, o que faz dos ensaios do autor, comoAobra de arte na era de sua reprodutibilidade tcnica e Sobre alguns temas emBaudelaire, reservatrios tericos, no tocante s principais idias desenvolvidas nes-se trabalho. Assim, ao final, espero que esse escrito concretize uma iniciativa tericacapaz de elucidar parte do pensamento de Walter Benjamin sobre uma arte/tcnicaque, segundo ele, corresponde s experincias reservadas ao homem moderno.

    Imaginemos duas ocasies distintas no tempo e na percepo:

    Sculo XIV. Ajoelhado, encontro-me em um momento de contemplao. Mes-mo com a cabea arriada, em um gesto de devoo, meus olhos percorrem a imensaarquitetura do Templo, como se ela pudesse abraar todas as almas. Em mais umafuga, deparo com uma imagem austera que parece me ameaar por insistir com osolhares fugazes. Diante do dolo no me cabe mirar com o anseio de respostas,devo me contentar com o instante nico que ele me permite: cultuar a sua presena.Para todos aqueles que aqui esto reunidos, o culto ao dolo um momento deconforto espiritual; distante de ns, sem poder toc-lo e perceber sua materialidade,

    aquilo que antes no passava de um material bruto, de madeira, barro ou metal,agora assume uma forma que merece devoo. Nesse momento contemplativo, nonos interessa qual o arteso que moldou com sua arte imagem to perfeita, o que nosinteressa que ela est ali, nica, mesmo que distante, onde meus olhos se esforampara mir-la. Restam-me os gestos da contemplao.

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    1 Mestrando em Histria Faculdade de Direito, Histria e Servio Social UNESP 14400-690 Franca SP.

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    Sculo XIX-XX. Acomodo-me em uma macia poltrona. Enquanto ainda per-manecem alguns resqucios de luz na sala, observo a multido que aos poucos vaiocupando o seu espao nos assentos. Diante de mim uma enorme tela branca. Apa-gam-se as luzes as poucas que restavam e, na imensido da escurido, integro onico bloco que ali se forma: o dos espectadores. O instante em que permaneo nasala escura presencio, diante de meus olhos, ainda atordoados, o espetculo do real.Na minha frente, os homens festejam um acontecido, regado por bebida, mas, emseguida, surgem algumas mulheres que, resguardadas em um pequeno quarto, cele-bram a alegria de uma delas. V-se a noiva rodeada por outras mulheres, que aabraam todas eufricas. Em outro instante, em uma larga rua, vejo um automvel

    que distancia de mim, onde mal pude ler as iniciais de Recm-Casados. As luzesretornam ao ambiente, sinal de que o espetculo acabou, de que tenho que enfrentaras ruas. o anncio de que no posso me contentar em vivenciar o real de que medesfrutava na tela; aqueles instantes ali, na sala escura, participando exaustivamentedas festividades, serviram apenas para que meus olhos fugissem, num momento, dorgido controle de minha montona realidade. Mas, assim que meus ps tocaram ospedregulhos da calada, pude perceber que o real me aguardava do lado de fora, quenada mudara, que no festejvamos nada, que apenas tinha me recolhido em ummomento que poderia se repetir amanh e tantos outros dias. Os pedregulhos pontia-gudos faziam com que eu recordasse de que ali s me eram reservados alguns instan-tes de distrao.

    Esses relatos so a forma que encontrei para ilustrar a idia norteadora dareflexo de Walter Benjamin a respeito do impacto perceptivo da reproduo tcnicana obra de arte, a partir do sculo XIX. Para o autor a arte provinda dos mecanismostcnicos abandona o invlucro da magia, do mstico, para se aproximar do especta-dor; o autntico d lugar ao reproduzvel, enquanto o culto substitudo pela exposi-o. A era da reprodutibilidade tcnica o fim da aura, como sentenciou o filsofoalemo, a poca em que a obra de arte se emancipa do ritual, rompe com a dicotomiadistncia/proximidade2 que lhe regia na antiga tradio, em que a prpria obra estpresente ao mesmo tempo que ausente: o que importa, nessas imagens, que elasexistem, e no que sejam vistas (BENJAMIN, 1985, p.173).

    Em um primeiro momento, procurar respostas positivas ou negativas do autor destruio da aura, como tambm aludir a uma hipottica morte da arte, no

    2 Diante do prprio conceito de aura, formulado pelo autor, podemos notar o quanto a dicotomia distncia/proximidade representava para a arte pr-capitalista. Aura a apario nica de uma coisa distante, pormais perto que ela esteja (BENJAMIN, 1985, p.170). obra de arte aurtica cabia a manuteno de suaautenticidade e a capacidade de estar distante, ou seja, no era a forma, que ali estava presente, quedeveria ser cultuada, mas a idia que a circunscrevia e, conseqentemente, envolvia todos na fora dorito. Aqui, a arte dialoga com o sagrado.

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    passa de uma leitura rpida e pretensiosa das obras de Walter Benjamin. O que estem questo para o autor a relao do pblico com a obra de arte, como isso se ddiante das novas tcnicas. A preocupao filosfica de Benjamin procurar respon-der a seguinte pergunta: que arte essa que surge para satisfazer as multides que seformam nas metrpoles modernas?

    Em resposta a esta inquietao, o autor justifica que a forma da percepo dacoletividade humana se transforma ao mesmo tempo que seu modo de existncia(BENJAMIN, 1985, p.169), ou seja, aos passos da evoluo tecnolgica o carterperceptivo da sociedade vem sofrendo constantes alteraes; com a sociedade avan-am tambm as formas de reproduo tcnica, xilogravura, litografia, a imprensa de

    Gutenberg, at chegarmos fotografia, o ltimo aceno da aura, que ainda podiaser encontrada nos retratos, o ltimo refgio, segundo Benjamin, do valor de culto nos retratos residia o culto saudade, saudade dos amores ausentes. Se a fotografiaainda acenava para a obra de arte aurtica, o cinema que vem definitivamentefechar as velhas janelas para a cultura tradicional. O cinema a resposta s questesdo autor, ele inaugura uma nova relao da arte com as multides. Segundo WalterBenjamin, o que define o cinema o seu carter coletivo; o filme uma criaocoletiva e para a coletividade, e, como veremos mais adiante, responde aos anseiosperceptivos do homem moderno, do homem-massa. Esse apelo prprio dirigido smultides pela arte cinematogrfica pode explicar, para o autor, o descaso damodernidade com a pintura. O fato da arte pictrica no poder ser objeto de uma

    percepo coletiva a insere em um espao para poucos admiradores ou, quando mui-to, oferecida ao deleite do grande pblico como fragmentos de uma exposio.Ela no mais o todo, mas parte de uma totalidade. Dessa forma, na nova eraperceptiva, o elemento coletivo inaugura uma nova forma de se relacionar com aobra de arte: a distrao. Enquanto espectador-individual, o especialista, ou conhe-cedor de arte, aborda a obra com recolhimento, ou seja, permite se jogar paradentro dela, contempl-la nos seus mnimos detalhes e, mesmo assim, ainda sairinsatisfeito por no ter alcanado o seu mago coisa que nunca far. J s multi-des no permitido nenhum instante de fruio, ao contrrio, quando o espectador-multido detm seus olhos em um objeto, logo, em seguida, levado a observar umoutro, sendo lhe negado qualquer tentativa de contemplao. Assim, temos que para

    as massas, a obra de arte seria objeto de diverso, e para o conhecedor, objeto dedevoo (BENJAMIN, 1985, p.192).

    Entretanto, com base nessa relao arte/multido que Walter Benjamin v ocinema como um instrumento revolucionrio, como uma arte-pedaggica capaz deconduzir as multides ao seu autoconhecimento. Para o autor, uma obra de arte eman-cipada, ou seja, que no esteja a servio de classes um idealismo digno de um

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    dos excludos da cultura, em vez de deixar a classe dominante se apoderar delese deles fazer novos meios de dominao. (1994, p.64)

    Dessa forma, temos que o cinema, para Benjamin, uma arma perigosa sobdomnio de movimentos contra-revolucionrios, serve poltica ritualizada comomeio de tornar presente s multides diante da tela seus eventos mitificadores de umregime: os ritos dos desfiles, dos jogos e dos meetings. O cinema completa o ritofascista. O espetculo conta com a participao das massas, entretanto, feito paraelas e, concomitantemente, espera-se que se reconheam na tela. Assim, segundoBenjamin (apud BOLLE, 1994, p.227), a arte fascista uma arte de propaganda.

    Portanto, ela executada para as massas. A propaganda fascista precisa penetrar avida social por inteiro. A arte fascista, portanto, no executada apenas para asmassas, mas tambm pelasmassas.

    Em resposta a esse fascnio de Walter Benjamin pelo cinema, como tambm sua viso otimista das transformaes sociais, artsticas e culturais engendradas peloavano das tcnicas de reproduo apesar do que representou o fascismo ao ter atcnica reduzida racionalidade instrumental: a perpetuao da coeso e da domina-o social , Adorno compreende o cinema, o rdio, e tantos outros meios de comu-nicao de massa como meras mercadorias inseridas no bojo da Indstria Cultural e,portanto, no tm mais necessidade de serem empacotadas como arte (ADORNO& HORKHEIMER, 1982, p.160). O que a Indstria Cultural oferece s multides

    o divertimento, a distrao. Em busca de forjar o homem genrico, mantm o con-sumidor da cultura para as massas como objeto indestituvel dessa indstria. E,para Adorno, nesse cenrio que o filme vai atuar. No momento em que se dirige smassas para satisfaz-las, somente lhes oferece a sua prpria negao, a auto-aliena-o. Segundo o autor aqui que reside o segredo da sublimao esttica: repre-sentar a satisfao na sua prpria negao. A indstria cultural no sublima, masreprime e sufoca (ADORNO & HORKHEIMER, 1982, p.177). Portanto, a crticasevera do autor ao cinema e a todos os meios tcnicos que servem indstria dodivertimento encontra respaldo na propaganda, o elixir da Indstria Cultural. Assim,qualquer que seja o filme ele no passa de propaganda de si mesmo, traz carimbadona testa o selo mercadoria, ou melhor, todo filme comercial , a rigor, apenas o

    trailerdaquilo que ele promete e em funo de que ele simultaneamente engana(ADORNO, 1986, p.107).

    Distinguidas as diferenas desses dois tericos frankfurtianos ao abordarem oimpacto da arte cinematogrfica na moderna sociedade, vemos que o fascnio de umcorresponde ao engodo do outro. Se, para um, a tcnica do cinema permite a revela-o, a emancipao, um efeito transformador nas multides de espectadores, para o

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    resposta reflexa repetida e idntica a cada minuto. Portanto, a vivncia do choquesentida pelo transeunte que trafega pela multido, como afirma Benjamin (1989,p.126), corresponde vivncia do operrio na linha de produo. Ambos se prote-gem dos choques, mas ao custo de um comportamento reflexo, em que a vivncia privilegiada enquanto a experincia negada. Benjamin, inspirado em Baudelaire,transformou em experincia esse constante vivenciamento dos choques aos quais submetido o homem moderno, nesse caso, experincia do choque.

    Mas, para que possamos discutir esse conceito importante para a compreen-so do cinema em Walter Benjamin, necessrio que ressaltemos outros dois, funda-mentais na teoria benjaminiana para explicar a destruio da experincia: memria

    voluntria e memria involuntria. Ambos os termos so uma dicotomia criadapor Marcel Proust como artifcio para exercer a busca do tempo perdido que, paraele, s seria possvel atravs da memria involuntria. Segundo Proust, a mem-ria voluntria aquela lembrana que temos acesso por meio da ao do intelecto.Ela corresponderia s gavetas de nossa memria, que poderamos abrir quandodesejssemos; porm, o que est ao nosso alcance so somente recordaes, ela no capaz de captar as dimenses essenciais do passado. O que guardamos e pode-mos recuperar mais adiante da infncia, por exemplo, so apenas lembranas, mo-mentos casuais de uma vida. J as impresses realmente significativas do homem,trancafiadas no reservatrio do inconsciente, s podem ser extradas pela memriainvoluntria. Porm, segundo Proust, somente o acaso possui as chaves. Assim, ao

    homem moderno negado qualquer acesso s suas mais profundas impresses davida, ele est condenado ao acaso. O simples passeio pelo jardim, ao nos depararmoscom um aroma de uma das flores, pode nos fazer recordar de um tempo (perdido). o acaso, o aroma de uma flor, de um doce ou o tropear em uma pedra, o detonadordas nossas mais profundas lembranas. Desta forma, temos em Proust um passadoque brilha, irrompe no presente, ou seja,

    O fato de um odor ou som transport-lo (o homem) para uma situao em queaquele mesmo som foi ouvido, ou o mesmo odor sentido, significa para ele queh algo de comum e ao mesmo tempo de essencial entre as situaes. (...) Osignificado das imagens do passado trazidas pela memria involuntria no foi

    dado no momento em que os acontecimentos foram vividos, mas ele lhes atri-budo quando essas imagens irrompem, interrompendo o curso normal da vida.(FERRARI, 1991, p.15)

    Nota-se, ento, que, diante desses dois conceitos, Benjamin, baseado na oposi-o freudiana conscincia/memria, ir formular uma nova dicotomia: a memriavoluntria est no domnio da vivncia, enquanto que a memria involuntria

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    a nica capaz de mergulhar suas razes na experincia. Temos, assim, a conscin-cia como a resposta do homem moderno s ameaas dos choques. Ou seja, quantomaior for a participao do fator choque nas impresses cotidianas do indivduo,tanto mais constante ser a presena do consciente no intuito de proteger o homemcontra os estmulos externos. O que equivale dizer que, quanto maior for o xito doconsciente nessa operao, tanto menos essas impresses sero incorporadas ex-perincia e, portanto, passaro a corresponder vivncia. Segundo Benjamin (1989,p.108), s pode se tornar componente da mmoire involontaire aquilo que no foiexpressa e conscientemente vivenciado, aquilo que no sucedeu ao sujeito comovivncia.

    O narrador , para Benjamin, a figura capaz de sintetizar uma poca em que ohomem ainda experimentava sua relao com o outro e com a natureza, ou seja, amatria da narrao e sua condio de existncia era a prpria experincia. Anarrao foi durante sculos o instrumento da manuteno da tradio; o fato detransmitir o conhecimento e a cultura de pessoa a pessoa fazia dos narradores indiv-duos importantes para a sociedade, eles mereciam ser ouvidos, pois eram homens quesabiam dar conselhos, eram homens sbios, segundo o filsofo alemo. Assim, eraexigida do narrador uma capacidade de transformar a sua experincia, e a do ou-tro, em algo digno de ser contemplado pelos ouvintes. No interessava narrativatransmitir algo por si s, o puro em si da coisa, mas mergulhar na vida do narradore de l irromper como experincia. Nessa atividade artesanal de comunicao,

    como prefere Benjamin referir-se narrativa, j que ele mesmo enfatiza que o gran-de narrador tem sempre suas razes no povo, principalmente nas camadas artesanais(1985, p.214), vale dizer que quanto maior for a naturalidade com que o narradorrenuncia s sutilezas psicolgicas, mais facilmente sua histria ser gravada na me-mria do ouvinte, mais completa ser assimilada sua prpria experincia e maisirresistivelmente ele ceder ao desejo de recont-la um dia (p.204).

    Mas se a tradio tem no narrador sua base, a modernidade responde com oromance, o primeiro indcio de uma evoluo que culminaria, para o autor, na morte danarrativa. O romance rompe com as relaes sociais que predominavam na narrao,vinculado ao livro ou seja, fruto da inveno da imprensa ele um exerccio doindivduo isolado. A sua origem a solido. Enquanto aquele que escuta uma histriaest em companhia do narrador, o leitor de um romance o mais solitrio de todos, poisat quem l um poema se dispe a declam-lo para o outro. Entretanto, segundo Benja-min (1985, p.214), o que seduz o leitor no romance a esperana de aquecer sua vidagelada com a morte descrita no livro. O encanto do homem moderno pelo romancetambm sofre ameaas: o surgimento da informao jornalstica. Aqui, a linguagemjornalstica o marco definitivo da morte da narrativa e, por ventura, da experincia.

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    A imprensa se interessa pela informao pura, que deve chegar ao leitor de formaconcisa e objetiva, ou seja, no se preocupa em transmitir e nem mesmo em habitar aexperincia do leitor, o que leva Walter Benjamin a afirmar que nenhum leitor dis-pe to facilmente de algo que possa informar a outro (1989, p.107). Se na narrativatemos as marcas do narrador, assim como no vaso da argila ficam os vestgios dooleiro, no jornal s nos restam os borres de tintas das mquinas tipogrficas. Porm,queles que recebem essa evoluo tcnica como algo tenebroso sociedade, Benjaminresponde da seguinte maneira:

    A arte de narrar est definhando porque a sabedoria o lado pico da verda-de est em extino. Porm esse processo vem de longe. Nada seria mais toloque ver nele um sintoma de decadncia ou uma caracterstica moderna. Narealidade, esse processo, que expulsa gradualmente a narrativa da esfera do dis-curso vivo e ao mesmo tempo d uma nova beleza ao que est desaparecendo,tem se desenvolvido concomitantemente com toda uma evoluo secular dasforas produtivas. (BENJAMIN, 1985, p.201)

    Quando Walter Benjamin descreve o processo que culminou nessas novas tc-nicas de narrar o romance e a informao jornalstica , no o faz com a intenode julg-lo como um retrocesso ou um avano para a sociedade, pois, s assim, podese dirigir ao objeto de forma crtica, mas se refere ao processo como uma transforma-o na percepo social, uma metamorfose na relao do pblico com a obra de arte.

    Se durante a narrativa a histria/experincia era compartilhada entre todos que aliparticipavam, at mesmo o narrador, atentamente s palavras, na era do romance, oleitor se isola e devora com furor as pginas do livro em uma ansiedade de conhecero fim, como uma forma de possu-lo. Em outro momento, temos no romance umaleitura que se apresenta linear, contnua e sobre um nico assunto, mas que logo sersubstituda por uma nova forma de leitura, mais prxima de uma prtica perceptivado homem moderno. Em um mesmo espao convivem no jornal diversos assuntos disposio do leitor, mas que no possuem qualquer conexo entre si, neste caso, aleitura se torna descontnua, fragmentada. A partir disso, podemos considerar que asreflexes do autor so no sentido de alertar para as mudanas no aparelho sensorialda moderna sociedade, de que o cinema tambm faz parte. E se Benjamin no viveu

    para presenciar as alteraes perceptivas da televiso ou o que falar da internet coube a outros tericos essa tarefa, como o caso de Rgis Debray. Segundo elevivemos na era da videosfera, em que a imagem foi substituda pelo visual, ou seja,houve uma poca em que para que a imagem fosse aceita como verdade se exigia delao princpio de realidade, no caso do visual; agora, basta apenas satisfazer ao prin-cpio de prazer. Debray chega a sugerir que somos a primeira sociedade que por

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    meio de seus aparelhos autorizaram a acreditar em seus olhos, o que equivale adizer que foi a primeira a ter colocado um sinal de igualdade entre visibilidade,realidade e verdade. Todas as outras, e a nossa at ontem, estimavam que a imagemimpede de ver. Agora, vale como prova (DEBRAY, 1994, p.358).

    Ainda para ilustrar a dicotomia experincia e vivncia, outra figura sugerida por Walter Benjamin: o arteso. Aqui esse personagem do mundo pr-capi-talista domina a tcnica em si do seu fazer, conhece e controla todos os passos paraa feitura do artefato. Artefato esse que permanece nico, irreprodutvel, por conterem sua materialidade as marcas da experincia do arteso. Esse processo artesanalserve tradio, ou seja, necessita que essa experincia, convertida aqui em conhe-

    cimento e prtica, seja transmitida de gerao a gerao. Se na linha de montagem ooperrio no domina a totalidade da produo, est subordinado diviso de traba-lho e sujeito aos estmulos da mquina, o arteso experimenta a totalidade de seuprocesso criativo e, por ventura, se reconhece no produto final; o objeto unicamenteresultado de seu esforo fsico e intelectual. Assim o capitalismo, que inaugura umtipo de sociedade marcada pela extino progressiva da experincia (ROUANET,1990, p.49).

    Cinema e experincia do choque

    Declarado o fim da experincia, Walter Benjamin encontra na cultura dochoque respostas para suas inquietaes. Se na esfera da vida cotidiana do homemmoderno o choque se imps como uma realidade onipresente, no cabe s artes neg-lo, ao contrrio, se ela pretende se dirigir a um pblico moderno necessrio queoferea ao homem a experincia do choque. Vejamos o caso do Dadasmo. Segun-do o autor a arte dadasta no buscava ser contemplada, como no sentido da arteaurtica, mas procurava atingir esse objetivo por outros mtodos. Na verdade, odadasmo correspondia socialmente ao escndalo, indignao pblica, assim, deespetculo atraente para o olhar e sedutor para o ouvido, a obra convertia-se em umtiro. Atingia, pela agresso, o espectador (BENJAMIN, 1985, p.191). devido aesse carter de choque da obra de arte dadasta que o autor a destaca como uma

    tentativa de responder aos apelos perceptivos da modernidade, seja por meio da pin-tura ou da literatura, mas que mais tarde ser superada pelo cinema. Ao oferecer aessa nova sensibilidade, que se configura no mundo moderno, uma arte que tem poressncia a sucesso brusca e rpida de imagens, fragmentos que se impem ao espec-tador como uma seqncia de choques, interrompendo-lhe a capacidade de associa-o de idias, o cinema , como afirma Benjamin, o instrumento que efetiva a estticado choque. Segundo o autor o princpio formal que se impe ao cinema a percepo

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    sob a forma de choque, o que equivale a dizer que aquilo que determina o ritmo daproduo na esteira rolante est subjacente ao ritmo da receptividade, no filme (BEN-JAMIN, 1989, p.125).

    Assim, mediante essa capacidade do filme em romper com as estruturasassociativas dos espectadores, por meio de seqenciais choqui-formes, que no lhepermitem fixar o olhar em uma imagem, que quando a percebe, ela j no mais amesma, o cinema surge como o meio de comunicao mais eficaz de dirigir-se s mul-tides concentradas na sala escura, de dirigir-se a um homem que, para Baudelaire,mergulha na multido como em um tanque de energia eltrica, consciente de que ochoque deve ser interceptado. Portanto, o cinema se dirige a um caleidoscpio dotado

    de conscincia, como assim preferiu o poeta parisiense denominar o homem moderno.Aqui, o fato do cinema dissolver as estruturas associativas do pblico tambm permitea ele suscitar uma nova forma de se relacionar com o objeto. Se o adorador da obra dearte aurtica se dirige a ela de forma contemplativa, mergulhando em seu interior, opblico do filme se dirige a ele distraidamente, por mais que reaja aos choques que oatinge, mediante uma maior ateno; sempre ser um espectador distrado. Assim, adistrao est associada forma de receptividade do cinema:

    Concentrao, contemplao, absoro pressupem um nico espectador, oumuito poucos que, diante da obra de arte autntica, dotada de autoridade, per-dem o poder de controlar a si mesmos, ou aos outros. O espectador de um filme,

    em contrapartida, no mais ums espectador singular. desde o incio umpblico numeroso, um sujeito coletivo. Para a massa de indivduos reunida nocinema, concentrao ou contemplao da obra de arte esto fora de questo.(GASCH, 1997, p.206)

    Ainda seguindo os contornos das palavras de Gasch, a fim de persistir emnossa perseguio s reflexes benjaminianas a respeito do cinema, temos que essepblico distrado se dirige ao filme como examinador. Desinteressado por aquilo quea pintura da era aurtica pode lhe proporcionar, no tocante percepo, no capazde julg-la, ou se omite para tanto, mas, diante de uma arte ps-aurtica, o pblicologo se pe a julgar a qualidade de um filme. Assim, a opinio de um espectadorsobre um filme de Eisenstein torna-se to valiosa quanto a de um especialista. Segun-do Gasch, esse pblico assume o carter de crtico distrado, que, por afastar ofilme de qualquer atributo de obra de arte e por estar habituado em amortecer oschoques em que est submetido diante da tela do cinema, foi capaz de se livrar dofeitio da aura e de seu objeto. O espectador anulou, assim, qualquer vestgio deautoridade de ambos sobre ele, mas, em contrapartida, compreendido como um sujei-to coletivo, negou-se ao direito de um eu, de uma identidade; no cinema, suas

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    reaes so moldadas, condicionadas pelo coletivo, ao mesmo tempo em que elas semanifestam, so controladas mutuamente. Portanto, a arte cinematogrfica possibili-ta o aparecimento dessa figura do crtico distrado, o primeiro cidado de ummundo sem magia (GASCH, 1997, p.210).

    Respondendo aos encantos de Walter Benjamin pelo cinema, a montagem umconceito que perpassa toda a sua teoria esttica. Segundo Bolle (1994, p.89), Benja-min dialoga com as vanguardas do incio do sculo XX a ponto de conceber para suahistoriografia os conceitos de montagem do dadasmo, do surrealismo, do teatro pi-co e dos meios de comunicao de massa, mais especificamente o jornal e o cinema.Em Benjamin, at o conceito de histria est ligado ao de montagem. Para ele a

    histria algo que deve ser construda, no presente, com os fragmentos do passado,pois, somente dessa forma a experincia histrica da modernidade seria possvel, e aohistoriador materialista caberia perceber as ligaes que sua prpria poca estabele-ce com as anteriores. De acordo com Ferrari, a experincia histrica aquela que seapodera da imagem do passado e faz dele uma experincia no momento da leituradessa imagem; a nica que permite ao homem reconhecer a dificuldade da transmis-so da experincia na modernidade. Ainda segundo a autora, a experincia histricaalerta que a apario das massas no cenrio histrico indica um novo caminho paraa constituio da experincia na poca moderna (1991, p.82). Assim, para o autor,a verdadeira imagem do passado perpassa, veloz. O passado s se deixa fixar, comoimagem que relampeja irreversivelmente, no momento em que reconhecido (no pre-

    sente) (BENJAMIN, 1985, p.224). Segundo Gagnebin (1994, p.19), a exigncia derememorao do passado, em Benjamin, no implica somente em restaur-lo, masque seja capaz de retom-lo e, em seguida, transform-lo, ou seja, o acesso origemsempre ser incompleto e inacabado. Portanto, a histria objeto de uma constru-o cujo lugar no o tempo homogneo e vazio, mas um tempo saturado de agoras(BENJAMIN, 1985, p.229).

    Ao dirigir suas reflexes s experincias da modernidade, Benjamin descobriudois elementos que se integram na constituio dessa nova sensibilidade: o moment-neo e o fragmentrio. Ambos esto contidos na idia de colagem (montagem) doautor, at mesmo quando ele se volta aos estudos lingsticos e prope tratar aspalavras como se fossem coisas. Segundo Rouanet (1990, p.160), o filsofo alemoressalta que ao lidarmos com as palavras elas devem ser descontextualizadas, ouseja, transformadas em fragmentos mortos, pois, somente assim, podero renascer,reinseridas em uma nova ordem, e investidas de novas significaes. Para Charney, aobra de Benjamin permite a interdependncia entre o instante e o fragmento:

    Para Benjamin, a irrupo da modernidade surgiu nesse afastamento da ex-perincia concebida como uma acumulao contnua em direo a uma experi-

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    ncia dos choques momentneos que bombardearam e fragmentaram a experi-ncia subjetiva como granadas de mo. [...] Experimentar o choque era experi-mentar um instante. [...] O choque empurrava o sujeito moderno para oreconhecimento tangvel da presena do presente. Na presena imediata do ins-tante, o que podemos fazer a nica coisa que podemos fazer senti-lo.(CHARNEY, 2001, p.394-5)

    Ainda segundo Charney, esse carter fragmentrio do cinema acabou delimitan-do alguns problemas para referirmos ao seu discurso imagtico como representao.Desde os seus primrdios, o cinema vem oferecendo s platias a aparncia do real,

    desejo marcante nos espetculos surgidos em meados do sculo XIX para satisfazeremo gosto do pblico pela realidade.3 Porm, se o instante da fotografia era capaz detornar presente algo que estava ausente, a forma como o filme apresenta essa realidade,por meio da justaposio de fragmentos indistintos, rompe com o presente. Assim, aquesto da percepo do real se complica quando se procura verificar essa hiptese nomaterial flmico, ao invs de investig-la na atividade do espectador. Desta forma,devido ao fato do cinema ser marcado pela fragmentao, ou seja, corresponder a umasucesso de instantes, o presente nunca pode se reapresentar completamente, o que noequivale dizer que ele no exista no cinema. O presente em si contnuo, portanto,temos que a descontinuidade sugestiva da justaposio de fragmentos do cinema spode tornar presente o que est ausente, ou seja, a continuidade, por meio da ativida-

    de ldica do espectador. Como bem lembrou Debray, a eficcia da imagem, no nossocaso a sua sucesso, no deve ser procurada no olho, ou seja, na imagem por si s, masno crebro (conscincia) que est por de trs, pois o olhar no a retina (1994,p.111). Assim, diante desse carter perceptivo do presente que o cinema propicia aosseus espectadores, Charney conclui que

    Acima de tudo foi essa forma da experincia em movimento que ligou aexperincia do cinema experincia da vida diria na modernidade. A experin-cia do cinema refletiu a experincia epistemolgica mais ampla da modernidade.Os sujeitos modernos (re)descobriram seus lugares como divisores entre passadoe futuro ao (re)experimentar essa condio como espectadores de cinema. (2001,

    p.405)

    3 Schwartz desenvolve a tese de que anteriormente inveno dos irmos Lumire, o cinematgrafo, osespetculos que se dirigiam ao pblico parisiense do sculo XIX, como o caso do museu de cera MuseGrvin ou do necrotrio, uma das atraes mais populares de Paris, que atraia uma imensido de pessoasno para reconhecer cadveres, mas para observ-los, entre tantos outros, j atendiam a uma exignciaperceptiva do homem moderno: o gosto pela realidade. Segundo a autora o gosto dos habitantes da Parisfin-de-siclepelo realismo podia ser explicado mediante o interesse que nutriam pelo modo como a realidadeera transformada em espetculo e, por ventura, pela forma como os espetculos eram obsessivamenterealistas.

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    A montagem, como vimos, para Walter Benjamin um conceito norteador noapenas do fazer artstico de uma obra de arte sujeita ao processo de reproduotcnica, mas tambm de um fazer histrico e filosfico. No possvel pensar amodernidade ausente desse conceito. No possvel dirigir-se ao passado sem colheros destroos das runas. Assim, acredito que Walter Benjamin tanto inspirado noteatro pico de Brecht, quando atribui ao cinema um carter pedaggico, quantodevedor das teorias cinematogrficas de Eisenstein, quando concebe que

    A imagem do pintor total, a do operador (de cmera) composta de inme-ros fragmentos, que se recompem segundo novas leis. Assim, a descrio cine-matogrfica da realidade para o homem moderno infinitamente maissignificativa que a pictrica, porque ela lhe oferece o que temos o direito deexigir da arte: um aspecto da realidade livre de qualquer manipulao pelosaparelhos, precisamente graas ao procedimento de penetrar, com os aparelhos,no mago da realidade. (BENJAMIN, 1985, p.187)

    Para Benjamin, a feitura do filme se relaciona com a realidade em uma atitudede teste, o ator interpreta diante de uma objetiva, de uma platia de tcnicos (diretor,produtor, engenheiros de som e iluminao, etc) autorizados a intervir, fato que serepete na totalidade do processo de produo cinematogrfica, em que uma mesmacena registrada de diversos ngulos, com tonalidades de claro e escuro distintos,para que depois o montador possa escolher a que melhor satisfaa as intenes do

    cineasta. Diante disso, temos que a realidade em si contnua, mas em nossa vidamoderna a percebemos fragmentada pelas janelas dos automveis, pelo transitar pe-las ruas das metrpoles mergulhados nas multides, portanto, a natureza que sedirige cmara (sic) no a mesma que a que se dirige ao olhar (BENJAMIN,1985, p.189) do espectador do cinema sujeito experincia do choque.

    A teoria esttica de Walter Benjamin encontra respaldo nas teorias de monta-gem (de atraes, intelectual) do cineasta de O Encouraado Potemkin, SergeiEisenstein. Segundo Andrew (1989, p.57), Eisenstein concebe que ver um filme como ser sacudido por uma cadeia contnua de choques vindos de cada um dos vrioselementos do espetculo cinematogrfico, no apenas do enredo. Portanto, assimcomo para Benjamin, para o diretor russo a montagem o poder criativo, o princpiovital do cinema, no qual as clulas isoladas so justapostas e compem um nicoelemento cinemtico. E parece que o filsofo alemo insistia em respirar o mesmo ardo cineasta, apesar da distncia territorial. Ainda segundo Andrew (1989, p.75), odiretor defendia que o cinema s poderia capturar a realidade se fosse capaz de des-truir o realismo, ou seja, decompor a aparncia de um fenmeno a fim de recomp-lo de acordo com um princpio de realidade. Enfim, desbastar pedao da realidade

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    com o machado da lente (EISENSTEIN, 2002, p.45). Concebendo a montagemcomo uma idia que nasce da coliso (conflito) de planos independentes, gerando umnovo conceito ao invs de uma simples soma de planos, como definiu Pudovkin Eisenstein procurava provocar o xtase em suas platias. Assim, para o diretor russoa arte cinematogrfica deve ser capaz de fazer com que os espectadores saiam de simesmos, ou melhor, saiam de sua condio ordinria de alienados semelhanteao que Walter Benjamin props ao cinema, uma obra de arte autnoma capaz deconduzir as multides ao autoconhecimento.

    Cinema e aura

    Ao conceber o cinema como o pice de uma era sujeita a novas percepes, emque a obra de arte rompe com o valor teolgico antes lhe atribudo, Walter Benjaminsuscita um debate em torno da questo do valor aurtico da arte sujeita ao processode reproduo tcnica. O autor categrico em afirmar que o cinema destruiu qual-quer tentativa da obra de arte configurar-se em um ritual secularizado, o pblico nose dirige mais a ela em uma atitude de culto, mas em uma atitude de distrao diantedo que foi exposto. Entretanto, persiste um grande esforo, por parte de outros teri-cos, em atribuir arte cinematogrfica uma aura, o que, para Benjamin, correspondea uma tentativa burguesa de conferir ao cinema uma dignidade de arte, ou melhor, de

    poder inseri-lo na categoria das grandes artes.Rouanet um dos que vislumbram a alternativa de um cinema aurtico. Para

    ele ntido que o cinema que serve aos objetivos da Indstria Cultural constitui meravivncia, coibindo qualquer tentativa de reflexo por parte do espectador, porm, ogrande cinema aquele que ir mobilizar as camadas mais profundas da experin-cia, mantendo intacta a capacidade do espectador de pensar, associar e rememorar.Segundo o autor o filme de arte, ao invs de excluir a liberdade associativa do pbli-co, a pressupe. Sua funo poltica no est em condicionar espectadores distra-dos, mas em descondicionar espectadores manipulados. O grande cinema crtico,no mobilizador (1990, p.62). Porm, essa dicotomia mercadoria/arte sugere algu-mas questes: o que faz um filme merecer o carimbo de grande cinema, ao invs

    de mercadoria? O que podemos entender por grande cinema? Do circuito comerci-al no podem surgir filmes crticos? Aqui, as respostas esto postas na ordem daesttica. Vejamos o exemplo deXica da Silva, de Carlos Diegues. Na poca de seulanamento em 1976, o filme causou uma grande polmica, representava um CinemaNovo mergulhado no mercado, devido ao seu grande sucesso de bilheteria, uma inco-erncia ao comportamento esperado dos cinema-novistas. Entretanto, quem arriscanegar o valor esttico deXica da Silva, no o elevando ao olimpo do grande cine-

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    ma, diante de uma opinio catrtica de Glauber Rocha, personagem mais emblemticade todo o movimento:

    [...] o filme de um rigor histrico/dialtico a ponto de chocar Barroco Brancocontra Batuque Negro [...] dizem que a crtica americana estranhou [...] difcilracistas entenderem a escravido brasileira, com racismo, violncia e ao mesmotempo a infratansao sexual, cultural o mito do sexo [...].4

    Enfim, encontrar mecanismos coerentes para classificar o cinema como grandearte um desperdcio terico, o filme no se oferece contemplao, devoo, mas distrao de um espectador especialista, que ao final o submete a um julgamento.

    Porm, Rouanet insiste na polarizao: cinema comercial/ps-aurtico e gran-de cinema/aurtico. Para ele a reprodutibilidade tcnica no implica ao cinema umdesaparecimento da aura, como acredita Benjamin, ao contrrio, cada cpia poderiaser considerada autntica. Assim, o filme de arte tem, como toda obra de arte, acaracterstica da unicidade e da distncia [...] O espectador, recolhido, mergulha nele,com toda a espessura de sua experincia (1990, p.63). Segundo Rouanet, ainda necessrio para a compreenso desses filmes que o espectador tenha competnciasespecficas, como rapidez nos reflexos e dotes de observao, ou seja, capacidade deinterceptar as seqncias choquiformes, porm, cabe ao espectador do grande cine-ma tambm mobilizar o material psquico que se dirige sua experincia. Portanto,para o autor, s o cinema apela ao mesmo tempo para uma conscincia agudamenteem alerta, e para uma experincia suficientemente rica para que dela sejam extradas asmemrias involuntrias suscitadas pela aura cinematogrfica (1990, p.63).

    Essas reflexes de Rouanet podem ser vlidas, mas apenas se no restringir aexperincia cinematogrfica somente aos espectadores do que ele resolveu denominar degrande cinema. Porm, como Walter Benjamin, no vejo no cinema nenhuma exignciaem ser aurtico. Assim, o fato do autor encontrar autenticidade nas cpias de filmes algopelo menos estranho ao conceito benjaminiano de aura (o aparecimento nico de umobjeto distante, por mais prximo que esteja). Vejamos alguns pontos desta questo:primeiramente, em um raciocnio simples, do ponto de vista material, a prpria cpiaaproxima o objeto, ao invs de distanci-lo dos espectadores: posso assistir ao mesmo

    filme em diversas cidades, em diversos pases; segundo, a sucesso dos fragmentos darealidade captados pela objetiva provoca no pblico do cinema a aparncia do real, oumelhor, torna presente mesmo que seja aps penetrar o espectador a realidade, o queestava ausente, satisfazendo, assim, o desejo das multides de ficarem mais prximas das

    4 Trecho extrado de uma carta de Glauber Rocha enviada ao crtico e historiador de cinema Joo CarlosRodrigues em 28 de outubro de 1976. A correspondncia do cineasta de Deus e o Diabo na Terra do Solfoi reunida por Ivana Bentes e publicada em Glauber Rocha, cartas ao mundo.

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    coisas, superando, assim, o carter nico de todos os fatos pela sua reprodutibilidade; porltimo, qualquer que seja o filme, comprometido com a Indstria Cultural ou no, jamaisser capaz de proporcionar ao espectador a contemplao da realidade em si ou, comoprefere Benjamin, respirar a aura: observar, em repouso, numa tarde de vero, umacadeia de montanhas no horizonte, ou um galho, que projeta sua sombra sobre ns, signi-fica respirar a aura dessas montanhas, desse galho (BENJAMIN, 1985, p.170). Portan-to, por mais que o grande cinema, como quer Rouanet, oferea aos nossos olhos planosseqncias interminveis dessas cadeias de montanhas ou da plancie de um serto rido,jamais poderamos experiment-las em suas essncias; o cheiro da relva trazido pelovento que chocalha nossos cabelos, o forte calor do sol que penetrando em nosso corpo

    arde como reflexo das cicatrizes daquela terra, ambos nos so negados. Se a contempla-o, a percepo da aura em um objeto, como afirma Benjamin, requer repouso, nocinema isso invivel, pois o consciente do espectador est sempre em alerta para inter-ceptar os choques.

    Se Walter Benjamin v alguma aplicao do cinema com fins aurticos a ser-vio dos regimes autoritrios, no sentido de contribuir estetizao da poltica, refor-ar na tela a ritualizao das multides nos desfiles, nos enormes meetings enosespetculos esportivos. Entretanto, o que sugere Bonassa (1998, p.103), ao definir quea indstria cinematogrfica teria criado uma nova aura, apoiada no culto do estrelato,aproxima-se mais dos eventos fascistas. Essa necessidade de cultuar as atrizes e atores,como uma celebrao dos deuses dessa arte, assim como os cult movies, so somente

    aspectos de uma mesma moeda, torna-se o objeto cultuado (culto) para satisfazer oconsumo de parcelas distintas da sociedade, de um lado, um povo alienado, do outro,uma elite intelectualizada. Assim, pergunto-me se Cidado Kane e O EncouraadoPotemkin, que disputam interminavelmente o pdio de melhor filme do mundo, surgemintencionalmente como objetos de devoo ou mais tarde so cooptados pelos crticoscinematogrficos a habitarem o olimpo da grande arte. Confesso que no me interes-so em pensar o cinema sob esse aspecto de direito ao culto, pois nesse mbito qual-quer tentativa de desmistificao do objeto me parece falsa, pura idolatria. Assim,como a devoo religiosa, o culto ao cinema no permite criticar, questionar; portanto,o visvel somente aquilo que me permite que seja visto.

    Consideraes finais

    Como leitor de Walter Benjamin, espero ter apontado os principais elementosde sua teoria esttica, que, segundo Bolz (1992, p.92), no se refere a uma teoria dasbelas artes, nem mesmo no sentido geral de uma teoria das artes, mas, sim, a umadoutrina da percepo, assim como os gregos concebiam a esttica. Aplicada ao

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    cinema, temos que Benjamin no se preocupa com o contedo dos filmes, mas nicae exclusivamente com a sua forma, o que equivale dizer que para o autor a artecinematogrfica sugere uma nova percepo, uma nova forma do pblico lidar coma obra de arte. Portanto, o cinema o mais singular e expansivo horizonte discursivono qual os efeitos da modernidade foram refletidos, rejeitados ou negados, transmutadosou negociados (HANSEN, 2001, p.502).

    Benjamin responsvel por apontar as enormes transformaes ocorridas nomundo, como as artes vieram, paulatinamente, sugerindo novos anseios perceptivosao homem e satisfazendo-os com o aparecimento de uma nova arte. Assim ocorreucom o cinema. Para o filsofo alemo a arte cinematogrfica corresponde prpria

    vida moderna, s sucessivas reestruturaes da percepo humana, motivadas peloritmo da modernidade, ditado pelos avanos tecnolgicos e pelo homem mergulhadonas multides concentradas nas grandes metrpoles. O homem moderno um indiv-duo que compreendeu que perceber o mundo ao seu redor significa ter os choquescomo rotina, experiment-los, e foi o cinema seu verdadeiro educador. O espectadorcinematogrfico aprendeu que a vivncia da modernidade um constante viver emdescontinuidade. Segundo Bolz (1992, p.95), para Benjamin, o cinema no nadamais nada menos do que a escola de uma forma de percepo do tempo, a saber, umapercepo do tempo para a qual no h mais continuidade, para a qual no h ne-nhum valor no sentido clssico do termo.

    O que Walter Benjamin pretendeu demonstrar com sua teoria do choque foique o cinema representou o inconsciente visual de sua poca para usar um con-ceito de Debray , ou seja, era a arte dominante dentre as outras. Conectada aosavanos cientficos, foi capaz de integrar ou modelar as outras artes sua imagem.Portanto, a mais bem sintonizada com a midiasfera ambiente e, particularmente,com seus meios de transportes. Quando o automobilista vai ao cinema no chega amudar de velocidade (DEBRAY, 1994, p.268-9).

    A cultura do choque suscitada na modernidade tem no cinema a forma idealpara exercitar nas multides de espectadores a interceptao dos choques. Assim,temos que a experincia cinematogrfica se d em meio s multides, que se dirige aohomem moderno, o caleidoscpio dotado de conscincia. Na teoria esttica de

    Walter Benjamin o cinema a forma de arte correspondente aos perigos existenciaismais intensos com os quais se confronta o homem contemporneo (1985, p.192).

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    Encerro este artigo com um longo trecho extrado de um ensaio escrito emdezembro de 1939 pelo cineasta Sergei Eisenstein, como ilustrao de que uma mes-ma idia a respeito do cinema perambulava pelos territrios russo e alemo, e WalterBenjamin foi um dos elos dessa corrente terica em uma Alemanha assolada pelonazi-fascismo e aterrorizada pela iminncia de um conflito mundial:

    O cinema parecia o mais alto estgio de personificao das potencialidades easpiraes de cada uma das artes. Entretanto, o cinema a sntese genuna efundamental de todas as manifestaes artsticas que se desagregaram depois doauge da cultura grega, que Diderot procurou em vo na pera, Wagner no dramamusical, Scriabin em seus concertos cromticos, e assim por diante. Para a es-cultura o cinema uma cadeia de formas plsticas mutantes, rompendo, final-mente, sculos de imobilidade. Para a pintura o cinema no apenas umasoluo para o problema do movimento das imagens pictricas, mas tambm arealizao de uma forma nova e sem precedentes da arte grfica, uma arte que uma corrente livre de formas mutantes, transformadas, misturadoras, de repre-sentaes e composies, at ento possvel apenas na msica. A msica sempre

    possuiu esta capacidade mas, com o advento do cinema, o fluxo melodioso ertmico da msica adquiriu novas potencialidades de imagem-visual, palpvel,concreta [...] Para a literatura o cinema uma expanso do estilo rigoroso,conseguido pela poesia e pela prosa, a um novo campo, onde a imagem desejada diretamente materializada em percepes audiovisuais. E, finalmente, apenasno cinema so fundidos em uma unidade real todos os elementos isolados doespetculo, inseparveis no alvorecer da cultura, e que o teatro durante sculoslutou em vo para amalgamar novamente. Aqui existe unidade real. De massa eindividual, na qual a massa genuna e no um punhado de participantes deuma cena de multido, dando a volta correndo por trs para reaparecer pelos

    bastidores do outro lado, com o objetivo de dar uma impresso maior. aunidade do homem com o espao. (EISENSTEIN, 2002, p.165)

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    RESUMO: Este artigo uma iniciativa de destacar alguns elementos a respeito das

    reflexes de Walter Benjamin sobre o cinema, uma arte que, segundo o prprio autor,responde aos anseios perceptivos do homem moderno, quele para o qual foi negadaqualquer experincia. O cinema, a obra de arte na era de sua reprodutibilidadetcnica, por excelncia, , para o autor, o marco de uma nova percepo, de umanova relao entre pblico e obra de arte: a percepo coletiva. O que a multidobusca no a contemplao ou o recolhimento diante da obra de arte, mas a suadistrao. Fato que o cinema, ao reproduzir em sua forma o conceito benjaminianode experincia do choque, por meio das sucessivas exposies de seus fragmentos,interrompendo constantemente a associao de idias dos espectadores, insiste emcolocar em pauta, (re)afirmando o carter de diverso da arte moderna. Entretanto,para o autor, o cinema dialeticamente responde diverso como o instrumento ade-

    quado para uma pedagogia das multides por meio de uma arte emancipada, asmassas tambm se emancipariam.

    PALAVRAS-CHAVE: Cinema; Walter Benjamin; experincia do choque;modernidade.

    ABSTRACT: This article is an initiative of presenting some elements of WalterBenjamin s reflections about cinema, and, according to the author, it is an art thatgive the answers for the modern man perceptive longings, to whom any experiencewas denied. The cinema, the work of art in the era of its technical reproduction, isultimately for the author the mark of a new perception, of a new relationship betweenpublic and the work of art: the collective perception. What the crowd searches is notthe contemplation or the withdrawal in front of a work of art, but entertainment. Thecinema insists on this characteristic of entertaining when it reproduces the benjaminianconcept of shock experience, through successive exhibitions of its fragments andconstantly interrupting the association of the spectators ideas, (re)affirming thecharacter of amusement of the modern art. However, for the author, the cinemadialectically responds to the amusement as an appropriate instrument for a pedagogy

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    of the crowds through an emancipated art, the masses would also becomeemancipated.

    KEYWORDS: Cine; Walter Benjamin; the shock experience; modernity.