estrutura mínima de um projeto de pesquisa científica

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8/8/2019 estrutura mínima de um projeto de pesquisa científica http://slidepdf.com/reader/full/estrutura-minima-de-um-projeto-de-pesquisa-cientifica 1/5 35 Estrutura mínima de um projeto de pesquisa clínica Álvaro Nagib Atallah Medicina Baseada em Evidências m dos principais problemas para alguém que se inicia em pesquisa clínica é saber por onde começar. Entendemos que toda pesquisa deve ser motivada por uma curiosidade científica, que é o elemento principal que irá gerar uma pergunta (research question). Definida a pergunta a ser respondida, se o pes- quisador ainda a considerar “suficientemente atraente para casar-se com ela”, deverá preparar um projeto que mais se adeqüe à solução daquele problema. Por exemplo, o objetivo geral de uma pesqui- sa pode ser o de reduzir a incidência de eclâmpsia na gestação. O objetivo específico é saber se sulfato de magnésio é mais efetivo do que o placebo para esse mesmo fim. A hipótese de nulidade do estudo, en- tão, será: o uso de sulfato de magnésio não é mais efetivo do que o placebo para a prevenção da convul- são em pacientes com pré-eclâmpsia e eclâmpsia. O pesquisador irá em busca dos dados para refutar a hipótese de nulidade. A pergunta específica da pes- quisa será: o uso de sulfato de magnésio em paciente com pré-eclâmpsia grave, comparado com solução fisiológica, reduz a incidência de convulsões (que ca- racterizam a eclâmpsia)? Nessa situação, como a pergunta é sobre con- duta, no caso terapêutica, o modelo de estudo pri- mário mais adequado é o ensaio clínico rando- mizado. As condições do estudo dirão se é possível e ético que nem o pesquisador nem a paciente sai- bam qual o tratamento está sendo administrado, o estudo será classificado como duplo cego. Se a pergunta clínica for: “pacientes com pré- eclâmpsia evoluem para eclâmpsia, convulsionam, por que têm maior hemoconcentração?” Em ou- tras palavras, hemoconcentração é um fator de ris- co para o desenvolvimento de eclâmpsia?Bem, nesse caso, pode-se fazer uma espécie de triagem inicial para identificação de fatores de risco para o desen- volvimento de convulsões e incluir o estudo de fa- tores que tanto possam aumentar quanto diminuir o risco de convulsão. Nesse ponto, o desenho inicial mais adequado é o de casos e controles, onde são pareados um grupo de pacientes com eclâmpsia (casos) e um grupo de gestantes semelhantes, que não tiveram eclâmpsia. A vantagem desse modelo é que se podem testar muitas hipóteses ao mesmo tempo (fatores de risco). Uma grande desvantagem é a dificuldade de definir claramente se um paciente foi realmente ex- posto a determinado fator de risco ou não. Por exem- plo, pode-se concluir que pacientes que tiveram eclâmpsia apresentaram maior proporção de hematócritos altos (medida indireta de hemocon- centração), havendo, portanto, uma associação en- tre hemoconcentração e desenvolvimento de eclâmpsia. Porém, é possível também que um eletrólito presente no plasma cause a convulsão e sua presença a predisponha. Deve-se descartar, por- tanto, a possibilidade de existência de fatores de con- fusão como esse. Um modelo mais preciso para o estudo de efeito de um fator de risco é o estudo prospectivo ou de coorte. Coorte, do latim, quer di- zer batalhão. Nesse caso, então, acompanham-se dois grupos (batalhões) de pacientes, um exposto a um fator de risco, por exemplo, fumo, e o outro, não. Ao final, calcula-se o risco relativo atribuível ao ato de fumar, comparado-o com o grupo de não- fumantes, no que concerne ao desenvolvimento da eclâmpsia. Nesse modelo coorte, a avaliação do ris- co é muito mais confiável e, além da precisão, tem- se a vantagem de se poder estudar, ao mesmo tem- po, vários tipos de complicações atribuídas ao fator 2002;7(4):35-39 - Revista Diagnóstico & Tratamento

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http://slidepdf.com/reader/full/estrutura-minima-de-um-projeto-de-pesquisa-cientifica 1/5

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Estrutura mínimade um projeto de

pesquisa clínica

Álvaro Nagib Atallah

Medicina Baseada em Evidências

m dos principais problemas para alguémque se inicia em pesquisa clínica é saber por ondecomeçar. Entendemos que toda pesquisa deve sermotivada por uma curiosidade científica, que é oelemento principal que irá gerar uma pergunta(research question).

Definida a pergunta a ser respondida, se o pes-quisador ainda a considerar “suficientemente atraentepara casar-se com ela”, deverá preparar um projetoque mais se adeqüe à solução daquele problema.

Por exemplo, o objetivo geral de uma pesqui-sa pode ser o de reduzir a incidência de eclâmpsia nagestação. O objetivo específico é saber se sulfato de

magnésio é mais efetivo do que o placebo para essemesmo fim. A hipótese de nulidade do estudo, en-tão, será: o uso de sulfato de magnésio não é maisefetivo do que o placebo para a prevenção da convul-são em pacientes com pré-eclâmpsia e eclâmpsia. Opesquisador irá em busca dos dados para refutar ahipótese de nulidade. A pergunta específica da pes-quisa será: o uso de sulfato de magnésio em pacientecom pré-eclâmpsia grave, comparado com soluçãofisiológica, reduz a incidência de convulsões (que ca-racterizam a eclâmpsia)?

Nessa situação, como a pergunta é sobre con-duta, no caso terapêutica, o modelo de estudo pri-mário mais adequado é o ensaio clínico rando-mizado. As condições do estudo dirão se é possívele ético que nem o pesquisador nem a paciente sai-bam qual o tratamento está sendo administrado, oestudo será classificado como duplo cego.

Se a pergunta clínica for: “pacientes com pré-eclâmpsia evoluem para eclâmpsia, convulsionam,por que têm maior hemoconcentração?” Em ou-tras palavras, hemoconcentração é um fator de ris-

co para o desenvolvimento de eclâmpsia? Bem, nesse

caso, pode-se fazer uma espécie de triagem inicialpara identificação de fatores de risco para o desen-volvimento de convulsões e incluir o estudo de fa-tores que tanto possam aumentar quanto diminuiro risco de convulsão.

Nesse ponto, o desenho inicial mais adequadoé o de casos e controles, onde são pareados um grupode pacientes com eclâmpsia (casos) e um grupo degestantes semelhantes, que não tiveram eclâmpsia. Avantagem desse modelo é que se podem testar muitashipóteses ao mesmo tempo (fatores de risco).

Uma grande desvantagem é a dificuldade dedefinir claramente se um paciente foi realmente ex-

posto a determinado fator de risco ou não. Por exem-plo, pode-se concluir que pacientes que tiverameclâmpsia apresentaram maior proporção dehematócritos altos (medida indireta de hemocon-centração), havendo, portanto, uma associação en-tre hemoconcentração e desenvolvimento deeclâmpsia. Porém, é possível também que umeletrólito presente no plasma cause a convulsão esua presença a predisponha. Deve-se descartar, por-tanto, a possibilidade de existência de fatores de con-fusão como esse. Um modelo mais preciso para o

estudo de efeito de um fator de risco é o estudoprospectivo ou de coorte. Coorte, do latim, quer di-zer batalhão. Nesse caso, então, acompanham-se doisgrupos (batalhões) de pacientes, um exposto a umfator de risco, por exemplo, fumo, e o outro, não.

Ao final, calcula-se o risco relativo atribuívelao ato de fumar, comparado-o com o grupo de não-fumantes, no que concerne ao desenvolvimento daeclâmpsia. Nesse modelo coorte, a avaliação do ris-co é muito mais confiável e, além da precisão, tem-se a vantagem de se poder estudar, ao mesmo tem-

po, vários tipos de complicações atribuídas ao fator2002;7(4):35-39 - Revista Diagnóstico & Tratamento

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de risco. No caso do tabagismo, pode-se estudarem duas coortes as incidências de infarto domiocárdio, câncer do pulmão, acidente vascularcerebral, pneumonias, entre outras, e compará-las.Como desvantagem, o modelo apresenta o fato deser caro e geralmente demorado de ser realizado.

Ainda em relação a eclâmpsia, pode-se que-rer saber se os reflexos osteotendíneos exacerbadossão preditivos de convulsão. Para tal, é necessáriodemonstrar se a chance de acertar “quem desenvol-verá eclâmpsia”, utilizando-se esses dados de exa-me físico, é maior do que o esperado pelo acaso.Nessa situação, tem-se que utilizar um modelo deestudo para avaliação de utilidade dos reflexososteotendíneos para predição de quem terá ou nãoeclâmpsia e calcular sua sensibilidade, especificidadee os valores preditivos.

Quando se quer fazer uma revisão sobre te-rapêutica, da mesma forma, tem-se que definir uma

revisão sistemática da literatura.

 Em resumo, fazem-se as seguintes adequações de perguntas aos desenhos de pesquisa.

• Fator de risco, em doenças raras:estudo de casos e controles.

História natural de determinada doença oude doenças decorrentes de uma determinada expo-sição: estudo prospectivo de coortes ou ainda evo-

luções clínicas de pacientes tratados clinicamenteou operados.

Conduta terapêutica clínica, cirúrgica, pre-ventiva ou diagnóstica: estudo controlado randô-mico cego.

Para focalizar melhor a pergunta e responderde maneira conclusiva sobre o efeito de determinadascondutas, tomando-se como base as melhores evidên-cias disponíveis: revisão sistemática da literatura.

Local do estudo

É fundamental que se descreva onde o estu-do será realizado. Será em ambulatório? Em servi-ços de saúde secundários? Em serviços terciários?No campo?

Todas essas informações são fundamentaispara que se tenha uma idéia da viabilidade do es-tudo na prática, do tipo de população que fornece-rá a amostragem para o estudo e para que tipo depopulação as conclusões poderão ser aplicadas.

Critérios de inclusão e exclusão

São fundamentais para que se defina maisprecisamente a população a ser estudada e para quetipo de pacientes os resultados poderão ser aplica-dos (validade externa). Por exemplo, quando se es-colhe estudar apenas pacientes de raça negra commenos de 15 anos, tem-se grupos bem homogêneos,mas os resultados serão razoavelmente mais aplicá-veis a pacientes negros com menos de 15 anos.

Definição de desfecho

Deve ser de simples avaliação. Por exemplo,no caso de pacientes com infarto do miocárdio de-fine-se infarto apenas quando a coronariografia de-monstrar obstrução total de coronária? Definirinfarto como dor precordial acompanhada de si-nais de lesão no eletrocardiograma e alterações

enzimáticas já torna as coisas mais fáceis. Essa pe-quena dúvida foi suficiente para que estudos milio-nários sobre o tema caíssem por terra.

Deve-se definir as variáveis a partir da per-gunta escolhida e o modelo de estudo adequado eestabelecer claramente as variáveis independentespertinentes ao caso: sexo, idade, raça, o que é serfumante, ingestão de álcool, tempo de exposição,dose de medicamento, critérios diagnósticos daafecção a ser estudada etc., além de quais serão osefeitos através dos quais serão feitas as análises dos

resultados para responder a pergunta. No caso daeclâmpsia, a ocorrência de convulsões atribuíveis àdoença hipertensiva específica da gestação é um des-fecho adequado. No caso do infarto, estar vivo apósum mês já é uma boa opção para estudo da sobrevida.

Em relação ao tratamento de infarto, os cri-térios de exclusão permitem excluir casos que pos-sam confundir a análise, mas principalmente per-mitem excluir aqueles cuja participação no estudodepõe contra a ética.

Definição das variáveisdependentes e independentes

Essa seção é fundamental em qualquer estu-do clínico. Erros nessas definições podem ser fa-tais. No exemplo inicial, uma variável dependenteé a ocorrência de eclâmpsia, mas o que será consi-derado caso com eclâmpsia? Isso requer uma revi-são especial da literatura e definição de critériosque não deixem dúvidas entre colegas e revisoresdas revistas em que se tenta publicar o artigo final.

Como definir o efeito do tratamento com

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estreptoquinase para o infarto do miocárdio? Amelhor definição é clínica, associada a exames não-invasivos? Ou se deve escolher a desobstrução dacoronária como definição de benefício? Ou asobrevida do paciente, após um mês do evento?

Os desfechos acima têm graus de dificulda-de de comprovação completamente diferentes. Nãohá dúvidas de que sobrevida é mais relevante clini-camente do que patência da coronária, além de serde verificação mais simples.

Em uma análise mais cotidiana, há que seadmitir que, ao colocarmos em gráficos os resulta-dos, teremos nas abcissas as variáveis independen-tes (tempo, por exemplo) e, nas ordenadas, as pro-porções dos desfechos (eventos). Se as definiçõesdas variáveis não forem rigorosas, as figuras queaparecerão no gráfico para se tirar conclusões po-derão ser desde uma reta até o desenho de umaface asinina ou o perfil de um camelo, ou seja, qual-

quer figura poderá se formar.

O cálculo do tamanho amostral

É fundamental que em qualquer estudo clí-nico se tenha uma idéia razoável sobre o númerode casos que serão necessários para que se possa res-ponder à pergunta do estudo.

Para cada modelo de projeto de pesquisa, háum cálculo, baseado nas fórmulas dos intervalos deconfiança. Não se precisa necessariamente fazer gran-

des cálculos para, pelo menos, ter uma idéia sobre oquão próximo ou distante se está da realidade.Supondo que se queira saber se sulfato de

magnésio administrado a pacientes com pré-eclâmpsiaprevine a convulsão. Sabe-se que aproximadamenteuma em cada 100 pacientes com pré-clâmpsia evoluipara eclâmpsia (incidência esperada ou prevalênciaobservada). Assim, quando se estudam apenas 100casos, tem-se 50 no grupo controle e 50 no tratado.Como o número de casos de eclâmpsia esperado nogrupo controle é um em 100, com 50 pacientes, pode

ocorrer nenhum caso; e se for observado um ou doisou três no grupo tratado, ou vice-versa, não será pos-sível tirar qualquer conclusão.

Mesmo estudando-se 1.000 casos em cadagrupo, o número de eventos esperado no grupo con-trole é de 10 casos de eclâmpsia (1/100), ocorrendoquatro ou cinco casos a menos no grupo tratado, oresultado não será muito diferente do esperado peloacaso. Porém, se estudarmos 10.000 casos em cadagrupo, o número de desfechos esperado no grupocontrole será 100 casos e se o sulfato de magnésioreduzir 50% dos eventos teremos cerca de 50 casos

no grupo tratado. Esse resultado terá boas probabi-lidades de ter, além da significância clínica, tambémsignificância estatística.

Por outro lado, supondo que o interesse sejade estudar uma doença grave com mortalidade es-perada de 80% e a hipótese seja de que uma novadroga possa reduzir a mortalidade pela metade (ba-seado na literatura). Nesse caso, o número de mor-tes esperado para o grupo controle será de aproxi-madamente 80 em 100 casos estudados e 40 nogrupo tratado. Nessa situação com 200 casos, ha-verá boas perspectivas de se obter a resposta para apergunta. Obviamente que, também nesse caso,serão necessárias considerações éticas a dirigirem oprocesso. Uma delas é a análise intermediária inde-pendente, que orienta o pesquisador se é eticamentenecessário parar ou continuar o estudo.

É possível calcular a amostra matematicamen-te, de maneira mais precisa. Para tal, deve-se defi-

nir o valor da probabilidade de erro de uma pri-meira espécie, alfa de 0,05, 0,01, 0,001 etc., o seucomplemento será o intervalo de confiança.

Definir o valor de βββββ  (probabilidade de errode segunda espécie), 10%, 20%, 30%.

Seu complemento será o poder estatístico doestudo, ou seja, a probabilidade de detectar a dife-rença de proporção que considera clinicamente útila ser tratada.

Definir, em seguida, a proporção esperadados desfechos no grupo controle e qual o nível de

redução esperado na mesma proporção no grupoexperimental; calcular o tamanho da amostra coma fórmula requerida para cada modelo de estudo.

Descrever em detalhes como os dados serãocolhidos. Por exemplo, quando se está estudandoum teste diagnóstico, quem verificará se o pacientetem ou não o atributo predito não deve saber oresultado do teste feito antes. O ideal é que o pro-fissional que verifica se os desfechos estão presentesou ausentes não saiba a que grupo o paciente per-tence, como também que ignore qual a hipótese

que está sendo testada. Ele deve ser apenas treina-

ααααα Intervalo de confiança

0,05 95%

0,01 99%

βββββ Poder estatístico

10% 90%

20% 80%

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do para identificar os eventos procurados e ser to-talmente aderente às definições. Casos de dúvidasdeverão ser resolvidos por consenso de dois ou maisespecialistas, que ignorem a que grupo estudado opaciente pertence.

É importante salientar que perda de seguimen-to de casos significa perda de qualidade de estudo.

Em geral, na literatura, não se admite perdamaior do que 20% dos casos a serem seguidos. Nósentendemos que não se deve perder mais que a pro-porção dos eventos esperados em relação ao totalde cada grupo, sendo sempre menor do que 20%do total dos casos estudados.

Análise estatística

A análise já deve ser definida a  priori, afinalos dados serão obtidos para responder à perguntae, portanto, o pesquisador deve estar preparado

para saber o que fazer com eles. Deve-se consultarum estatístico antes de começar o estudo e enten-der como a análise será realizada, descrevendo, comnossas próprias palavras e submetendo o texto a eleaté ter certeza de que ele entendeu o projeto. Defi-nir o alfa, o beta, o intervalo de confiança e o poderestatístico.

Como regra fundamental é necessário esco-lher a prioridade e qual a redução ou aumento deriscos que se quer ser capaz de detectar. Daí sersempre necessário o cálculo do tamanho da amos-

tra. Além disso, em pesquisa clínica deve-se darênfase às proporções de eventos em vez de dife-renças de médias. É muito mais relevante saberqual a proporção de pacientes diabéticos que tive-ram suas glicemias adequadamente controladas nogrupo tratado em relação ao controle do que sa-ber se as médias das glicemias foram menores nogrupo tratado do que no controle. É mais impor-tante saber se um determinado tratamento para oinfarto do miocárdio aumentou a proporção deindivíduos que sobreviveram do que se a média

da fração de ejeção é maior em um grupo do queno outro (desfecho intermediário). Portanto, é im-portante que todas as variáveis sejam definidas noprotocolo do estudo e que a análise estatística seajuste à pergunta, e que se levem em conta todosos casos estudados.

Um erro freqüente é subdividir os casos atése encontrar um subgrupo em que há uma de-terminada significância estatística. “Torturar” osdados até que eles “confessem” um resultadosignificante. Esse tipo de análise é tão corretaquanto cortar um bolo que esteja enfeitado com

uma cereja, incluí-la em seu pedaço, e dizer esseé um bolo de cerejas.

O projeto é exeqüível?

Deve-se apresentar no protocolo argumen-tos de que o projeto tem boas probabilidades deser conduzido e concluído com qualidade e tempoadequado. Se há apenas 100 casos por ano na insti-tuição e são necessários 400, é melhor desistir outentar um estudo colaborativo.

Problemas potencialmente esperados

Descrever como será mantida a qualidade doestudo, enquanto ele é conduzido. Como se evita-rão contaminações, como se evitará perda de segui-mento dos pacientes. E se a medicação acabar? E sehouver greve? Como será verificada a aderência dos

colaboradores e dos pacientes do protocolo? Comose manterá o entusiasmo?

Considerações éticas são fundamentais

Hoje, no país, qualquer pesquisa necessitapassar pela Comissão Interna de Ética e Comisãode Ética em Pesquisa do Conselho Nacional de Saú-de. Mas nada é mais antiético do que submeterindefinidamente pacientes a tratamento quando nãose sabe se fazem mais bem do que mal, ou submetê-

los a riscos de pesquisas que serão inúteis porque asmetodologias são deficientes e não têm qualidade aponto de dar credibilidade aos resultados.

Recursos e custos estimados

Deve-se planejar e calcular quanto será ne-cessário para que o estudo seja conduzido adequa-damente. Quanto custarão os telefonemas, as car-tas, os medicamentos, transporte, exames subsidiá-rios, aparelhos, impressão dos protocolos, funcio-

nários e o tempo de trabalho. Não se deve pedirrecursos desnecessários: se o dinheiro é público ouprivado, todos pagam a conta.

Conclusão e convicções

É recomendável fazer um resumo do projetoe incluir as convicções que o tornam relevante eviável. Demonstrar, principalmente, que o pesqui-sador está sinceramente confiante a ponto de sesacrificar por ele, em todas as suas etapas, princi-palmente na hora de publicá-lo.

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Informações

Endereço para correspondência:Álvaro Nagib AtallahUniversidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de MedicinaDisciplina de Medicina de UrgênciaRua Pedro de Toledo, 598São Paulo/SP - CEP 04039-001Tel./Fax: (11) 5575.2970E-mail: [email protected]: www.centrocochranedobrasil.org

Incluir as referências

Para tal é essencial que sejam feitas revisõesestruturadas, baseadas nas melhores evidências cien-tíficas existentes sobre o assunto, antes e depois decompletar o estudo.

Considerações finais

Uma pesquisa clínica de boa qualidade é umadas maiores contribuições que um médico podeoferecer à humanidade. É demorada e requer am-plo planejamento, como o de um edifício, para quenão desabe sobre sua cabeça e de outrem.

Requer entusiasmo e perseverança para que nãose desista nunca e, para tal, é preciso estar “sincera-mente entusiasmado” com a pergunta. E é precisomuito apego ao método que será como o cimento de

um monumento à verdade, cuja solidez o fará duraratravés dos tempos, honrar aqueles que o fizeram ebeneficiar de fato aos que dela se servirem.

Álvaro Nagib Atallah. Professor livre docente, chefe da Disciplina deMedicina de Urgência da Universidade Federal de São Paulo/EscolaPaulista de Medicina, Diretor do Centro Cochrane do Brasil.

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