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ESTRUTURA ESPACIAL E SÍNDROME DE DISPERSÃO DE ESPÉCIES ARBÓREAS DE UM CERRADÃO EM ARAGUARI, MG André Eduardo Gusson (1) ; Glein Monteiro de Araújo (1) e Renata Ferreira Rodrigues (1) ( 1 Universidade Federal de Uberlândia, Instituto de Biologia, Campus Umuarama, 38400-902 Uberlândia, MG. e-mail: [email protected]) Termos para indexação: bioma Cerrado, biodiversidade, classes diamétricas, cerradão mesotrófico Introdução O Cerrado possui uma alta diversidade de espécies distribuídas em um ambiente na forma de um mosaico (Silva et al., 2002). Coutinho (1978) sugere que, do ponto de vista fisionômico, os cerrados apresentam dois extremos, o cerradão, fisionomia na qual predomina o componente arbóreo-arbustivo, e o campo limpo onde há predomínio do componente herbáceo-subarbustivo. Estas fisionomias normalmente ocorrem sobre Latossolos e Neossolos Quartzarênicos profundos, bem drenados, distróficos, ácidos e álicos e raramente sobre solos mesotróficos (Haridasan, 1992). Segundo Araújo e Haridasan (1988) o cerradão é uma vegetação florestal que ocorre tanto em solos distróficos quanto mesotróficos. Estudos mostrando a distribuição de freqüência de altura e diâmetro do tronco de indivíduos arbóreos em cerradão indica que a maior porcentagem deles encontra-se nas primeiras classes, um padrão típico de florestas tropicais (Costa e Araújo, 2002; Pereira-Silva et al., 2004). Quanto à síndrome de dispersão, a anemocoria seria mais freqüente em espécies arbóreas de ambientes mais abertos de Cerrado do que em florestas (Oliveira e Moreira 1992). Devido ao intenso processo de antropização, substituição da cobertura original e escassez de estudos detalhados sobre a riqueza e ecologia das espécies de cerradão, tornam-se extremamente importante o conhecimento das características estruturais desta fitofisionomia (Silva et al., 2002). Desse modo o objetivo do trabalho foi de determinar a densidade absoluta, a distribuição dos indivíduos em classes de altura e diâmetro e a síndrome de dispersão das espécies com mais de 10 indivíduos amostradas na comunidade arbórea de um fragmento de cerradão no município de Araguari, MG.

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Page 1: ESTRUTURA ESPACIAL E SÍNDROME DE DISPERSÃO DE … · síndrome seria mais importante em fisionomias mais abertas do que em formações vegetais ... DF. Revista Brasileira de Botânica,

ESTRUTURA ESPACIAL E SÍNDROME DE DISPERSÃO DE ESPÉCIES

ARBÓREAS DE UM CERRADÃO EM ARAGUARI, MG

André Eduardo Gusson(1); Glein Monteiro de Araújo(1) e Renata Ferreira Rodrigues(1)

(1Universidade Federal de Uberlândia, Instituto de Biologia, Campus Umuarama, 38400-902 Uberlândia, MG. e-mail: [email protected])

Termos para indexação: bioma Cerrado, biodiversidade, classes diamétricas, cerradão mesotrófico

Introdução

O Cerrado possui uma alta diversidade de espécies distribuídas em um ambiente na

forma de um mosaico (Silva et al., 2002). Coutinho (1978) sugere que, do ponto de vista

fisionômico, os cerrados apresentam dois extremos, o cerradão, fisionomia na qual predomina

o componente arbóreo-arbustivo, e o campo limpo onde há predomínio do componente

herbáceo-subarbustivo. Estas fisionomias normalmente ocorrem sobre Latossolos e Neossolos

Quartzarênicos profundos, bem drenados, distróficos, ácidos e álicos e raramente sobre solos

mesotróficos (Haridasan, 1992). Segundo Araújo e Haridasan (1988) o cerradão é uma vegetação

florestal que ocorre tanto em solos distróficos quanto mesotróficos.

Estudos mostrando a distribuição de freqüência de altura e diâmetro do tronco de

indivíduos arbóreos em cerradão indica que a maior porcentagem deles encontra-se nas

primeiras classes, um padrão típico de florestas tropicais (Costa e Araújo, 2002; Pereira-Silva

et al., 2004). Quanto à síndrome de dispersão, a anemocoria seria mais freqüente em espécies

arbóreas de ambientes mais abertos de Cerrado do que em florestas (Oliveira e Moreira 1992).

Devido ao intenso processo de antropização, substituição da cobertura original e

escassez de estudos detalhados sobre a riqueza e ecologia das espécies de cerradão, tornam-se

extremamente importante o conhecimento das características estruturais desta fitofisionomia

(Silva et al., 2002). Desse modo o objetivo do trabalho foi de determinar a densidade

absoluta, a distribuição dos indivíduos em classes de altura e diâmetro e a síndrome de

dispersão das espécies com mais de 10 indivíduos amostradas na comunidade arbórea de um

fragmento de cerradão no município de Araguari, MG.

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Materiais e Métodos

O cerradão estudado encontra-se no município de Araguari (18º25’S e 48º25’W) nas

bordas de um paredão constituído de rochas basálticas e tem em sua periferia atividades

agrícolas em área plana e nas encostas do paredão floresta decidual. Para o levantamento da

vegetação foram alocadas 25 parcelas contíguas de 20 x 20 m onde foram medidos e

identificados todos os indivíduos arbóreos vivos com circunferência à altura do peito ≥ 15 cm.

As medidas de altura foram obtidas tomando-se como referência um podão de coleta de 12

metros e acima desta por meio de estimativa visual. As espécies foram classificadas de acordo

com Pijl (1982) nas categorias: anemocóricas e zoocóricas (ornitocoria e mastocoria). Para a

distribuição dos indivíduos nas classes de diâmetro aplicou-se a fórmula proposta por Spiegel

(1977) para estabelecer o número e intervalo das classes, e o coeficiente “q” de Liocourt

(Meyer, 1952) para verificar as taxas de mortalidade e recrutamento.

Resultados e Discussão

Na amostragem total (1ha) do cerradão foram encontrados 1340 indivíduos

distribuídos em 90 espécies e 40 famílias botânicas. Com mais de 10 indivíduos foram

encontradas 24 espécies e 15 famílias botânicas com uma densidade de 1133 indivíduos, ou

seja, 84,5% da amostragem total (Tabela 1). Nesse conjunto de espécies com mais de 10

indivíduos, Fabaceae e Vochysiaceae foram às famílias com maior número de espécies (3

esp.), seguida por Anacardiaceae, Malpighiaceae e Sapindaceae (2 esp.), porém a maior

densidade de espécies foi registrado para Vochysiaceae. Em geral, Fabaceae e Vochysiaceae

são consideradas as famílias mais ricas em estudos de cerradão (Costa e Araújo, 2002). Ratter

et al. (1977) correlaciona à dominância da família Vochysiaceae com abundancia das espécies

do gênero Qualea. As espécies com maior densidade foram Terminalia argentea (128 ind.),

Qualea grandiflora (103 ind.), Myracrodruon urundeuva (124 ind.), Magonia pubescens (104

ind.) e Callisthene fasciculata (76 ind.). Segundo Ratter et al. (1977), T. argentea, M.

pubescens e C. fasciculata são espécies indicadoras de cerradão em solo mesotrófico,

enquanto M. urundeuva é mais característica de floresta decidual. Q. grandiflora tem uma

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distribuição mais geral é ocorre em cerrados mais abertos e cerradões, em solos com diferente

fertilidade (Ratter et al. (1977).

Tabela 1. Espécies em ordem de número de indivíduos e respectivas síndromes de dispersão amostradas no fragmento de cerradão em Araguari, MG. N sp = número da espécie, NI = número de indivíduos, SD = Síndrome de dispersão, Anemo = anemocórica, Masto = mastocórica e Ornito = ornitocórica. N sp Família Espécie NI SD

3 Combretaceae Terminalia argentea Mart. 128 Anemo4 Anacardiaceae Myracrodruon urundeuva Allemão 124 Anemo9 Sapindaceae Magonia pubescens A. St.-Hil. 104 Anemo11 Vochysiaceae Qualea grandiflora Mart. 103 Anemo16 Vochysiaceae Callisthene fasciculata Mart. 76 Anemo5 Proteaceae Roupala montana Aubl. 76 Anemo

Continuação Tabela 1. N sp Família Espécie NI SD

2 Sapindaceae Dilodendron bipinnatum Radlk. 64 Ornito10 Myrsinaceae Myrsine umbellata Mart. 56 Ornito12 Lithraceae Lafoensia pacari A. St.-Hil. 50 Anemo18 Rubiaceae Guettarda viburnoides Cham. & Schltdl. 41 Ornito7 Rhamnaceae Rhamnidium elaeocarpum Reissek 39 Ornito21 Vochysiaceae Qualea parviflora Mart. 38 Anemo1 Apocynaceae Aspidosperma subincanum Mart. 36 Anemo24 Malpighiaceae Byrsonima crassa Nied. 30 Ornito23 Myrtaceae Myrcia variabilis 25 Ornito22 Fabaceae Acosmium dasycarpum (Vogel) Yakovlev 22 Anemo15 Sapotaceae Chrysophyllum marginatum (Hook. & Arn.) Radlk. 18 Ornito8 Dilleniaceae Curatella americana L. 18 Ornito17 Malpighiaceae Byrsonima coccolobifolia Kunth 16 Ornito6 Anacardiaceae Astronium fraxinifolium Schott ex Spreng. 15 Anemo19 Fabaceae Dalbergia violacea (Vogel) Malme 15 Anemo20 Anacardiaceae Lithraea molleoides Engl. 15 Ornito14 Ebenaceae Diospyros hispida A. DC. 13 Masto 13 Fabaceae Sclerolobium aureum (Tul.) Baill. 11 Anemo

17 famílias 24 espécies 1133

Dentre as espécies com maior número de indivíduos 54% são anemocóricas, 42%

ornitocóricas e 4% mastocóricas (Tabela 1). O maior percentual de espécies anemocóricas

coincide com os dados encontrados por Oliveira e Moreira (1992) segundo o qual essa

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síndrome seria mais importante em fisionomias mais abertas do que em formações vegetais

mais fechadas.

Quanto à distribuição de altura dos 1133 indivíduos formaram-se dois grupos, um com

espécies de até 10 m e o outro acima de 10 m (Figura 1). O estrato com até 10 m foi composto

por 63% espécies, em geral, típicas de cerrado (sentido restrito), enquanto o acima de 10 m,

de espécies com ocorrência em cerradões e florestas estacionais (27%). A ocorrência de

espécies de outros domínios em áreas de cerradão relaciona-se ao fato que o cerradão

encontra-se na transição savana-floresta (Silva e Bates, 2002). O cerradão, dado como uma

formação florestal do Cerrado caracteriza-se pela presença preferencial de espécies que

ocorrem no cerrado sentido restrito, ou seja, espécies de menor porte e também por espécies

de florestas, particularmente as da floresta estacional (Ribeiro et al., 1985).

Figura 1. Distribuição de altura das espécies com mais de 10 indivíduos do cerradão em Araguari, MG. Cada traço vertical corresponde à amplitude das alturas. Os símbolos sobre cada linha correspondem á altura máxima ( ), média ( ) e mínima ( ) da espécie. O número da espécie encontra-se na tabela 1. Grupo 1 = 1 – 10 m e Grupo 2 acima de 10 m.

A maior ocorrência de indivíduos nas primeiras classes diamétricas constitui um

padrão típico de florestas tropicais (Pereira-Silva et al., 2004). No presente estudo a

comunidade arbórea revelou curva do tipo exponencial ou de “J reverso” (Figura 2),

demonstrando que a comunidade arbórea apresenta muitos indivíduos jovens nas primeiras

classes e/ou no componente de regeneração natural.

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Figura 2. Distribuição em classes de diâmetro dos indivíduos das 24 espécies arbóreas com maior densidade do cerradão em Araguari, MG.

A maior concentração de indivíduos nas primeiras classes de diâmetro pode

caracterizar uma comunidade estoque, com idade e composição de espécies variadas

(Scolforo et al., 1998). Os valores de coeficiente “q” de Liocourt indicaram distribuição não

balanceada variando de 0,30 a 0,87, demonstrado pela taxa de recrutamento (q) maior que a

taxa de mortalidade (1-q). No entanto, nas menores classes de diâmetro, onde se concentrou o

maior número de indivíduos, essa variação foi menor, entre 0,52 a 0,68, sugerindo uma

estrutura irregular da comunidade, como descrito por Felfili e Silva Junior (1988).

Conclusões

Com a análise das espécies com mais de 10 indivíduos, foi possível identificar o

cerradão como sendo mesotrófico de acordo com as espécies indicadoras, com alta densidade

que ocorreram na área. A distribuição em altura mostrou a presença de arvores com até 16 m

de ocorrência em florestas juntamente com arvores menores de cerrado caracterizando a

fisionomia de cerradão. O maior número de indivíduos nas primeiras classes diamétricas

mostra a abundância de indivíduos no componente da regeneração natural do cerradão

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condições semelhante encontradas em florestas maduras. O maior percentual de anemocóricas

encontradas, em geral típicas de fisionomias mais abertas, possivelmente não representou o

comportamento da comunidade arbórea do cerradão visto que não foram analisadas todas as

espécies.

Referências Bibliográficas ARAÚJO, G.M. & HARIDASAN, M. A comparison of the nutritional status of two forest communities on mesotrophic and dystrophic soils in Central Brazil. Soil Science and Plant Analysis, v. 19, p. 1075-1089, 1988. COSTA, A.A.; ARAÚJO, G.M. Comparação da vegetação arbórea de cerradão e de cerrado na Reserva do Panga, Uberlândia, Minas Gerais. Acta Botanica Brasílica, v.15, n.1, p. 63-72. 2001. COUTINHO, L. M. O conceito de Cerrado. Revista Brasileira de Botânica, v. 1, p. 17-23. 1978. FELFILI, M.F. e SILVA-JUNIOR, M.C. Distribuição dos diâmetros numa faixa de cerrado na Fazenda Água Limpa (FAL) em Brasília-DF. Acta Botanica Brasilica, v. 2, p. 185-204, 1988. HARIDASAN, M. Observations on soils, foliar nutrient concentration and floristic composition of cerrado sensu stricto and cerradão communities in central Brazil. Pp.171-184, 1992. In: FURLEY P.A.; PROCTOR J.; RATTER J.A. (Ed.). Nature and Dynamics of Forest-Savanna Boundaries. London, Chapman & Hall Publishing. MEYER, A.H. Structure, growth and drain in balanced uneven-aged Forest. Jornal of Forest, v. 50, p. 85-92, 1952. OLIVEIRA, P.E.A.M. e MOREIRA, A.G. Amenocoria em espécies de cerrado e mata de galeria de Brasília, DF. Revista Brasileira de Botânica, v. 15, p. 163-174, 1992. PEREIRA-SILVA, E.F.L.; SANTOS, J.E.; KAGEYAMA, P.Y.; HARDT, E. Florística e fitossociologia dos estratos arbustivo e arbóreo de um remanescente de cerradão em uma Unidade de Conservação do Estado de São Paulo. Revista Brasileira de Botânica, v.27, n.3, p. 533-544, 2004. PIJL, L.V. Principles of Dispersal in Higher Plants. Berlin, Springer-Verlag, 1982, p. 219.

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RATTER, J.A; ASKEW,G.P.; MONTOGEMERY,R.F. Observações adicionais sobre o Cerradão em solos mesotróficos no Brasil Central. In: SIMPÓSIO SOBRE CERRADO, 1977, São Paulo. Anais. São Paulo, SP: EDUSP, 1977. p. 303-316. RIBEIRO, J.F.; SILVA, J.C.S.; BATMANIAN, G.J. Fitossociologia de tipos fisionômicos de Cerrado em Planaltina, DF. Revista Brasileira de Botânica, v. 8, p. 131-142, 1985. SCOLFORO, J.R.S., PULZ, F.A. & MELLO, J.M. Modelagem da produção, idade das florestas nativas, distribuição espacial das espécies e a análise estrutura. In: Manejo Florestal (J.R.S. Scolforo, org.). UFLA/FAEPE, Lavras, 1998, p. 189-246. SILVA, L.O., COSTA, D.A., ESPIRITO SANTO-FILHO, K., FERREIRA, H.D. & BRANDÃO D. Levantamento florístico e fitossociológico em duas áreas de cerrado sensu stricto no Parque Estadual da Serra de Caldas Novas, Goiás. Acta Botanica Brasilica, v. 16, p. 43-53. 2002. SILVA, J.M.C. e BATES, J.M. Biogeographic patterns and conservation in the south american cerrado: a tropical savanna hotspot. Bioscience, v. 52, p. 225-233, 2002. SPIEGEL, M.R. Estatística. São Paulo. McGraw-Hill do Brasil, 1977, p. 580.