estrutura da populaÇÃo de coleodactylus … · a ecologia e história natural de lagartos têm...

73
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE BIOCIÊNCIAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS MESTRADO EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS NATAL-RN 2008 ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS NATALENSIS FREIRE, 1999 (SQUAMATA: SPHAERODACTYLIDAE) NO PARQUE ESTADUAL DUNAS DE NATAL, RIO GRANDE DO NORTE, BRASIL Carolina Maria Cardoso Aires Lisboa

Upload: vannguyet

Post on 09-Nov-2018

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE BIOCIÊNCIAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS MESTRADO EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS

NATAL-RN

2008

ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS

NATALENSIS FREIRE, 1999 (SQUAMATA:

SPHAERODACTYLIDAE) NO PARQUE ESTADUAL

DUNAS DE NATAL, RIO GRANDE DO NORTE, BRASIL

Carolina Maria Cardoso Aires Lisboa

Page 2: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

CAROLINA MARIA CARDOSO AIRES LISBOA

ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS

NATALENSIS FREIRE, 1999 (SQUAMATA:

SPHAERODACTYLIDAE) NO PARQUE ESTADUAL DUNAS

DE NATAL, RIO GRANDE DO NORTE, BRASIL

Orientadora: Profª. Drª. Eliza Maria Xavier Freire

Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de Biociências

Depto. de Botânica, Ecologia e Zoologia

NATAL-RN

2008

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas do Centro de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, para obtenção do título de Mestre em Ciências Biológicas.

Page 3: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Dissertação

ii

Divisão de Serviços Técnicos Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial Leopoldo Nelson.

Lisboa, Carolina Maria Cardoso Aires. Estrutura da população de Coleodactylus natalensis Freire, 1999 (Squamata: Sphaerodactylidae) no Parque Estadual Dunas de Natal, Rio Grande do Norte, Brasil / Carolina Maria Cardoso Aires Lisboa. – Natal (RN), 2008. 61 f.

Orientadora: Eliza Maria Xavier Freire.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Biociências. Departamento de Botânica, Ecologia e Zoologia. Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas.

1. Ciências biológicas - Dissertação. 2. Lagarto - dieta - Dissertação. 3. Coleodactylus natalensis -Dissertação. 4. Ecologia - Dissertação. 5. Mata atlântica – densidade - Dissertação. I. Freire, Eliza Maria Xavier. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. RN/UF/BC CDU 573 (043.3)

Page 4: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Dissertação

iii

ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS

NATALENSIS FREIRE, 1999 (SQUAMATA:

SPHAERODACTYLIDAE) NO PARQUE ESTADUAL DUNAS

DE NATAL, RIO GRANDE DO NORTE, BRASIL

CAROLINA MARIA CARDOSO AIRES LISBOA

Banca examinadora:

Prof. Dr. Celso Morato de Carvalho

Prof. Dr. Mauro Pichorim

Profª Drª Eliza Maria Xavier Freire

Orientadora

Page 5: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A. iv

A todos os seres que amo.

Page 6: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

v

“A árvore que faz alguns verterem lágrimas de

alegria é, aos olhos de outros, só uma coisa

verde que atravanca o caminho. Alguns vêem a

Natureza como algo ridículo e deformado e

outros mal lhe dirigem um olhar. Mas para os

olhos do homem imaginativo, a Natureza é a

própria Imaginação.”

William Blake (1757-1827)

Page 7: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

vi

AGRADECIMENTOS

A Deus, por tudo o que tem me dado e por me fazer chegar até aqui.

À minha família, por me acompanhar e principalmente por apoiar todos os meus

passos.

À Universidade Federal do Rio Grande do Norte e ao Programa de Pós-Graduação

em Ciências Biológicas por proporcionarem a minha formação.

À minha querida orientadora, Profª Drª Eliza Freire, pela paciência em me orientar

desde os primeiros dias da graduação, pelo companheirismo diário, pelos momentos

alegres, pela amizade, por todos os conselhos profissionais e sentimentais e,

principalmente, pelas lições de vida, que levarei sempre comigo.

Ao Instituto de Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente do Rio Grande do

Norte (IDEMA) e ao pessoal do Parque Estadual das Dunas do Natal: à ex-coordenadora

Drª Socorro Borges, por permitir a realização deste trabalho no Parque; aos estagiários,

pelos tantos agendamentos de trilhas que solicitei e por sempre tratar muito bem a todos; e,

principalmente, aos policiais do Pelotão Ambiental pela proteção, paciência de passar horas

esperando que terminássemos de contar e medir os bichos (muitas vezes até depois do

horário permitido), pela coragem de subir todas aquelas dunas conosco apesar do sol ou da

chuva, pelo companheirismo e pelas animadas conversas ao longo das trilhas.

Às minhas queridas amigas e companheiras de campo e de laboratório, Mariana

Capistrano “Pata” e Jackeline Monte, por toda ajuda no campo e pelas intermináveis horas

de separação de invertebrados do folhiço. A Poliana, pela ajuda na separação e organização

dos invertebrados. A Rodolfo, pela ajuda essencial em campo durante boa parte do

Page 8: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

vii

trabalho. Aos meus queridos amigos pseudo-biólogos Eveline Rocha e João Daniel

Barbalho, pela ajuda e companhia nas coletas. A todos vocês, meu muitíssimo obrigada!

Aos colegas e ex-colegas de laboratório: Miguel Kolodiuk, Pablo Augusto de Sousa

“Marreco”, Leonardo Ribeiro, Lúcio Rodrigues, Thaís Barreto Guedes e Bruno Maggi

pelas “conversas herpetológicas” e pelas horas agradáveis dentro e fora do laboratório.

Ao Prof. Adalberto Antônio Varela-Freire pelo auxílio na identificação dos

conteúdos estomacais e dos invertebrados de folhiço.

À Luiz Gustavo de Macedo pelos mapas do Parque, pela ajuda e pela paciência em

corrigir todos eles.

Aos Profs. Gilberto Corso e Alexandre Vasconcellos pela ajuda com as análises

estatísticas.

A Gilmar Bristot, da EMPARN, pelos dados meteorológicos do Parque.

Ao Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (IBAMA, nº

10837-1) por conceder a licença de coleta.

E, por que não, aos lagartinhos-de-folhiço do Parque das Dunas que compuseram

este estudo, que espero ter valido a pena.

Page 9: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

viii

ÍNDICE

RESUMO ...........................................................................................................................x

ABSTRACT ......................................................................................................................xi

INTRODUÇÃO GERAL ................................................................................................... 1

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 5

CAPÍTULO I: Densidade Populacional e Seleção de Hábitats por Coleodactylus natalensis

Freire, 1999 (Squamata: Sphaerodactylidae) em Fragmento Urbano de Mata Atlântica no

Nordeste do Brasil .................................................................................................................. 9

RESUMO ........................................................................................................................... 9

INTRODUÇÃO................................................................................................................ 10

MATERIAIS E MÉTODOS............................................................................................. 12

RESULTADOS ................................................................................................................ 16

DISCUSSÃO.................................................................................................................... 19

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................. 23

CAPÍTULO II: Ecologia alimentar de Coleodactylus natalensis FREIRE, 1999 (Squamata:

Sphaerodactylidae) em Fragmento Urbano de Mata Atlântica no Nordeste do Brasil ........ 35

Page 10: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

ix

RESUMO ......................................................................................................................... 35

INTRODUÇÃO................................................................................................................ 36

MATERIAIS E MÉTODOS............................................................................................. 38

RESULTADOS ................................................................................................................ 42

DISCUSSÃO.................................................................................................................... 46

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................. 50

CONCLUSÕES GERAIS ................................................................................................ 61

Page 11: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

x

RESUMO

Coleodactylus natalensis Freire, 1999, espécie endêmica de remanescentes de Mata

Atlântica do Estado do Rio Grande do Norte, Brasil, tem como localidade-tipo o Parque

Estadual Dunas de Natal (05º48’S a 05º53’S e 35º09’W a 35º12’W), um dos maiores

remanescentes associados a restingas, cercado por zona urbana, situado no limite

setentrional da Mata Atlântica. Foram realizadas estimativas de densidade populacional,

distribuição espacial, preferências de hábitat e microhábitat e aspectos da ecologia

alimentar, tais como variações sazonais e entre sexos de dieta, eletividade de presas e

largura de nicho. Amostramos aleatoriamente 96 quadrantes de 50m2 em cada um dos

quatro hábitats identificados na área. Foram coletados 49 exemplares, que tiveram seus

conteúdos estomacais analisados; os itens de presa encontrados foram correlacionados com

amostras de invertebrados edáficos obtidas no ambiente. Encontramos uma densidade

média de 98,5 ± 75,5 indivíduos/ha, com distribuição agrupada nos hábitats de maior

densidade e randômica nos demais. A espécie habita preferencialmente o folhiço de

hábitats de mata, em pontos mais úmidos, temperaturas mais amenas, folhiço mais denso e

menores elevações em relação ao nível do mar do que a média da área de estudo. As

categorias de presa mais importantes na dieta foram Isopoda e Aranae. A largura de nicho

foi média e variou sexualmente e entre os hábitats. Não houve correlação entre medidas

morfométricas e tamanho das presas consumidas. A população de C. natalensis estudada

parece ser oportunista em termos de dieta, embora selecione presas relativamente maiores.

O Parque das Dunas é uma área que sofre diversos tipos de pressão antrópica que podem

afetar a população de C. natalensis. Deste modo, a fragilidade desta espécie na área denota

urgência por medidas conservacionistas.

Page 12: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

xi

ABSTRACT

Coleodactylus natalensis Freire, 1999, an endemic species of Atlantic Forest

fragments around the Natal municipality, Rio Grande do Norte State, Brazil, has as type

locality the Parque Estadual Dunas de Natal (05º48’S to 05º53’S and 35º09’W to

35º12’W), one of the largest restinga (herb and shrub association on sand dunes along the

Brazilian coastline) associate fragment, surrounded by urban zone, placed on setentrional

Atlantic Forest limits. We made estimates on populational density, spatial distribution,

habitat and microhabitat preferences and feeding ecological aspects like sazonal and sexual

variations on diet, prey electivities and niche breadth. We randomly sampled ninety-six

50m2 quadrants in each of the four habitats identified in the study area. Were collected 49

specimens and their stomach contents were analyzed; prey items found were correlated

with leaf-litter invertebrates from habitat samples. We found a 98,5 ± 75,5 individuals/ha

density, in grouped distribution pattern on densest habitats and random distribution on

others habitats. This species lives mostly on leaf-litter in forest habitats, in higher humidity

points, with lower temperatures, deeper leaf litter and lower sea level elevations than the

randomly chosen points in the study area. Isopoda and Aranae were the most important

prey categories in numeric, frequency and volumetric terms. Niche breadth has an

intermediate value and was variable in sexual and in habitat terms. There was no

correlation between morfometric measures and prey size on diet. The C. natalensis

population studied seems to be diet opportunist, although selects larger prey items. The

Parque Estadual das Dunas do Natal has several indications of anthropic pressure from the

surrounding urban area that may affects the local C. natalensis population. Thus, the

fragility of this species calls for urgent conservation efforts.

Page 13: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

1

INTRODUÇÃO GERAL

A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos

biomas do Brasil. Entre os lagartos da família Gekkonidae, incluindo o gênero

Coleodactylus, foram efetuados trabalhos na Amazônia (Nunes, 1984; Vitt e Caldwell,

1994; Ávila-Pires, 1995; Vitt e Zani, 1997, 1998; Vitt et al., 1997, 2000; Miranda e

Andrade, 2003; Vitt et al., 2005), nas Caatingas (Vitt, 1986, 1995; Maggi, 2005; Rocha e

Rodrigues, 2005), no Cerrado (Colli et al., 2003) e na Mata Atlântica e ecossistemas

associados (Araújo, 1991; Barros, 1996; Zamprogno e Teixeira, 1998; Teixeira, 2002). À

exceção de citações em listas faunísticas, trabalhos de revisão e de descrições de novas

espécies (Vanzolini, 1957, 1968, 1974, 1980; Hoogmoed, 1985; Hoogmoed e Ávila-Pires,

1989; Freire, 1999; Geurgas, 2004), estudos ecológicos sobre espécies do gênero

Coleodactylus são incipientes; os únicos foram efetuados por Ramos (1981), sobre o nicho

alimentar de C. amazonicus, na Amazônia, por Barros (1996), sobre ecologia e hábito

alimentar de C. meridionalis em remanescente da Mata Atlântica alagoana, e por Vitt et al.

(2005) sobre aspectos ecológicos em algumas populações simpátricas de C. amazonicus e

C. septentrionalis.

O gênero Coleodactylus, proposto por H. W. Parker (1926) e revisado por Vanzolini

(1957, 1968), compreende, além de C. natalensis, outras quatro espécies: Coleodactylus

amazonicus (Anderson, 1918), na Amazônia e leste das Guianas (Freire, 1999); C.

brachystoma (Amaral, 1935), no Cerrado (Colli et al., 2002); C. septentrionalis Vanzolini,

1980, na Amazônia (Vanzolini, 1980; Vitt e Zani, 1998); C. meridionalis (Boulenger,

1888), na Mata Atlântica, Caatingas e Cerrado (Freire, 1999; Vanzolini et al., 1980; Colli et

al., 2002); uma nova espécie, habitante de bromeliáceas epífitas em remanescentes da Mata

Page 14: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

2

Atlântica de Alagoas, está sendo descrita (Ubiratan Gonçalves, com. pess.). Afora esta

última, todas as demais espécies deste gênero vivem exclusivamente no folhiço de florestas

tropicais do novo mundo e são tipicamente as menores espécies em suas respectivas

assembléias de lagartos (Freire, 1999; Vitt et al., 2005).

Com relação a Coleodactylus natalensis, afora a descrição da espécie (Freire, 1999) e

algumas observações sobre a freqüência com que ocorre nos hábitats do Parque Estadual

Dunas de Natal “Jornalista Luiz Maria Alves”, registrada durante estudos sobre a

comunidade local de Squamata (Freire, 1988, 1996; Lisboa, 2005), nenhum estudo

ecológico substanciado foi efetuado. Seu comportamento, dieta, reprodução e demais

aspectos ecológicos são inteiramente desconhecidos para a ciência, a despeito desta espécie

ter sido recentemente descrita (Freire, 1999).

Coleodactylus natalensis é uma espécie descrita do Parque Estadual Dunas de Natal

(Freire, 1999) e atualmente considerada endêmica de remanescentes de Mata Atlântica do

Rio Grande do Norte. É um dos menores geconídeos e o menor lagarto da América do Sul;

vive em folhiço depositado no solo e tem preferência por hábitats sombreados de mata

(Freire, 1996, 1999; Lisboa, 2005). Pode ser considerada uma espécie rara, por ter uma

distribuição geográfica restrita, e elusiva, por ser uma espécie com baixa probabilidade de

detecção em ambiente natural, já que é diminuta (comprimento rostro-anal máximo de

22mm em machos e 24mm em fêmeas; Freire, 1999) e se camufla com o folhiço. Possui

dicromatismo sexual, uma vez que machos e fêmeas diferem quanto ao padrão de coloração

dorsal da cabeça (Freire, 1999); diferem também quanto ao comprimento rostro-anal, pois

as fêmeas são maiores que os machos (Figura 1).

O Parque Estadual Dunas de Natal, localidade-tipo desta espécie, é uma área de dunas

costeiras ímpar no litoral brasileiro, por sofrer influência florística e faunística de diferentes

Page 15: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

3

Domínios Morfoclimáticos (sensu Ab’Saber, 1967), tais como a Mata Atlântica e Caatingas

(Freire, 1988, 1996). A população mais conhecida de C. natalensis habita este Parque, um

dos maiores remanescentes urbanos associados a restingas, situado no limite setentrional da

Mata Atlântica. É uma Unidade de Conservação cercada por área urbana, onde há impactos

da pressão antrópica do entorno (Lisboa, 2005). Por isso, é imprescindível a realização de

estudos ecológicos que possibilitem o conhecimento acerca desta espécie, bem como uma

avaliação do status de conservação da população de C. natalensis no Parque Estadual

Dunas de Natal.

Com estes objetivos, esta dissertação aborda a ecologia da população de C. natalensis

no Parque das Dunas, organizada em dois capítulos, que correspondem a artigos a serem

submetidos à publicação. O primeiro, “Densidade populacional e seleção de hábitats por

Coleodactylus natalensis Freire, 1999 (Squamata: Sphaerodactylidae) em fragmento urbano

de Mata Atlântica no Nordeste do Brasil”, será submetido ao periódico “Journal of

Herpetology”, e o segundo, “Ecologia alimentar de Coleodactylus natalensis Freire, 1999

(Squamata: Gekkonidae) em fragmento urbano de Mata Atlântica no Nordeste do Brasil”, a

ser submetido ao “Canadian Journal of Zoology”.

Page 16: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

4

Figura 1 – Macho (A) e fêmea (B) de C. natalensis. Notar o detalhe marcante da coloração da cabeça

do macho.

B

A

B

Page 17: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

5

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Ab’Saber, A. N. 1967. Domínios Morfoclimáticos e províncias fitogeográficas do Brasil.

Orientação. Depto. Geogr. Universidade de São Paulo. 3:45-48.

Araújo, A. F. B. 1991. Structure of a white sand-dune lizard community of coastal Brazil.

Revista Brasileira de Biologia 51:857-865.

Ávila-Pires, T. C. S. 1995. Lizards of Brazilian Amazonia (Reptilia: Squamata).

Zoologische Verhandelingen, Leiden 1995:3-706.

Barros, A. S. 1996. Aspectos da ecologia e do hábito alimentar de Coleodactylus

meridionalis (Boulenger, 1888) (Sauria: Gekkonidae), na Mata do Catolé, Maceió-

AL. Monografia UFAL. Maceió-AL. 29p.

Colli, G.R., R. P. Bastos, A. B. Araújo. 2002. The character and dynamics of the Cerrado

herpetofauna. In: P.S. Oliveira & R.J. Marquis (eds.). The Cerrados of Brazil.

Ecology and natural history of a neotropical savanna. pp. 223-241. Columbia

University Press, New York.

Colli, G. R., D. O. Mesquita, P. V. C. Rodrigues, K. Kitayama. 2003. Ecology of the Gecko

Gymnodactylus geckoides amarali in a Neotropical Savanna. Journal of

Herpetology 37(4): 694-706.

Freire, E. M. X. 1988. Estudo ecológico, sistemático e zoogeográfico sobre a herpetofauna

das dunas e restingas de Natal (RN) e Ponta de Campina (Cabedelo-PB), com

ênfase particular nos lagartos (Sauria). Dissertação de Mestrado. João Pessoa. 96p.

Freire, E. M. X. 1996. Estudo ecológico e zoogeográfico sobre a fauna de lagartos (Sauria)

das dunas de Natal, Rio Grande do Norte e da restinga de Ponta de Campina,

Cabedelo, Paraíba, Brasil. Revista Brasileira de Zoologia 13(4): 903-921.

Page 18: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

6

Freire, E. M. X. 1999. Espécie nova de Coleodactylus Parker, 1926 das dunas de Natal, Rio

Grande do Norte, Brasil, com notas sobre suas relações e dicromatismo sexual no

gênero (Squamata, Gekkonidae). Boletim do Museu Nacional 399:1-14.

Geurgas, S. R. 2004. Filogeografia intraespecífica e filogenia molecular de Coleodactylus

(Gekkonidae: Sphaerodactylinae). Tese de Doutorado. São Paulo. 75 p.

Hoogmoed, M. S. 1985. Coleodactylus septentrionalis Vanzolini, a lizard new for the

Surinamese fauna (Sauria: Gekkonidae) - notes on the herpetofauna of Suriname X.

Zoologische Meded., Leiden, 59(20): 229-238.

Hoogmoed, M. S., and T. C. S. Ávila-Pires. 1989. Observations on the nocturnal activity of

lizards in a marshy area in Serra do Navio, Brazil. Tropical Zoology 2: 165-173.

Lisboa, C. M. C. A. 2005. Diversidade e distribuição espacial dos Squamata do Parque

Estadual das Dunas do Natal-RN: avaliação pretérita e atual. Monografia

Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal. 27p.

Maggi, B. S. 2005. Utilização de Recursos, Ecomorfologia e Comportamento em duas

Espécies Sintópicas de Geconídeos (Squamata: Gekkonidae) na Caatinga.

Dissertação. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, Brazil.

Miranda, J. P., and G. V. Andrade. 2003. Seasonality in Diet, Perch Use, and Reproduction

of the Gecko Gonatodes humeralis from Eastern Brazilian Amazon. Journal of

Herpetology 37(2):433-438.

Nunes, V. S. 1984. Ciclo de Atividades e Utilização do Habitat por Gonatodes humeralis

(Sauria, Gekkonidae) em Manaus, Amazonas. Papéis Avulsos de Zoologia, São

Paulo 35:147-152.

Ramos, A. R. 1981. Aspectos do nicho alimentar de Coleodactylus amazonicus (Sauria:

Gekkonidae). Acta Amazônica, 11(3):511-526.

Page 19: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

7

Rocha, P. L. B., and M. T. Rodrigues 2005. Electivities and Resource Use by an

Assemblage of Lizards Endemic to the Dunes of the São Francisco River,

Northeastern Brazil. Papéis Avulsos de Zoologia 45(22):261-284.

Teixeira, R. L. 2002. Aspectos ecológicos de Gymnodactylus darwinii (Sauria:

Gekkonidae) em Pontal do Ipiranga, Linhares, Espírito Santo, Sudeste do Brasil.

Bol. Mus. Biol. Mello Leitão 14:21-31.

Vanzolini, P. E. 1957. O gênero Coleodactylus (Sauria: Gekkonidae). Papéis Avulsos de

Zoologia 13(1):1-17.

Vanzolini, P. E. 1968. Geography of the South American Gekkonidae. Papéis Avulsos de

Zoologia 17(2): 85-112.

Vanzolini, P. E. 1974. Ecological and geographical distribution of lizards in Pernambuco,

Northeastern Brazil (Sauria). Papéis Avulsos de Zoologia 28(4):61-90.

Vanzolini, P. E. 1980. Coleodactylus septentrionalis, sp. n., with notes on the distribution

of the genus (Sauria: Gekkonidae). Papéis Avulsos de Zoologia 34(1):1-9.

Vanzolini, P. E., Ramos-Costa, A. M. M., Vitt, L. J. 1980. Répteis das Caatingas. Rio de

Janeiro, Academia Brasileira de Ciências. 161p.

Vitt, L. J. 1986. Reproductive tatics of sympatric gekkonid lizards with a comment on the

evolutionary and ecological consequences of invariant clutch size. Copeia

1986:773-786.

Vitt, L. J. 1995. The ecology of tropical lizards in the Caatinga of northeastern Brazil.

Occasional Papers of the Oklahoma Museum of Natural History 1:1-29.

Vitt, L. J., and J. P. Caldwell. 1994. Resource utilization and guild structure of small

vertebrates in the Amazon forest leaf litter. J. Zool. Lond. 234:463-476.

Page 20: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

8

Vitt, L. J., and P. A. Zani. 1997. Ecology of the nocturnal lizard Thecadactylus rapicauda

(Sauria: Gekkonidae) in the Amazon region. Herpetologica 53:165-179.

Vitt, L. J., and P. A. Zani. 1998. Ecological relationships among sympatric lizards in a

transitional forest in the northern Amazon of Brazil. Journal of Tropical Ecology

14:63-86.

Vitt, L. J., P. A. Zani, and A. A. Monteiro de Barros. 1997. Ecological variation among

populations of the gekkonid lizard Gonatodes humeralis in the Amazon basin.

Copeia 1997:32-43.

Vitt, L. J., R. A. Souza, S. S. Sartorius, T. C. S. Ávila-Pires, and M. C. Espósito. 2000.

Comparative ecology of sympatric Gonatodes (Squamata: Gekkonidae) in the

western Amazon of Brazil. Copeia 2000:83-95.

Vitt, L. J., S. S. Sartorius, T. C. Ávila-Pires, P. A. Zani, M. C. Espósito. 2005. Small in a

big world: ecology of leaf-litter geckos in new world tropical forests. Herpetological

Monographs 19: 137-152.

Zamprogno, C., and R. L. Teixeira. 1998. Hábitos alimentares da lagartixa de parede

Hemidactylus mabouia (Reptilia, Gekkonidae) da planície litorânea do norte do

Espírito Santo, Brasil. Revista Brasileira de Biologia 58:143-150.

Page 21: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

9

CAPÍTULO I

DENSIDADE POPULACIONAL E SELEÇÃO DE HÁBITATS

POR COLEODACTYLUS NATALENSIS FREIRE, 1999

(SQUAMATA: SPHAERODACTYLIDAE) EM FRAGMENTO

URBANO DE MATA ATLÂNTICA NO NORDESTE DO

BRASIL

Carolina M. C. A. Lisboa1,2 e Eliza M. X. Freire1

1Departamento de Botânica, Ecologia e Zoologia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte,

Natal, Rio Grande do Norte, 59072-970, Brasil;

E-mail: [email protected]

2 Programa de Pós-graduação em Ciências Biológicas, Universidade Federal do Rio Grande do

Norte, Natal, Rio Grande do Norte, 59072-970, Brasil;

E-mail: [email protected]

RESUMO

Nós estudamos a densidade, distribuição espacial e preferências de hábitat e

microhábitat em uma população de Coleodactylus natalensis Freire, 1999, espécie

endêmica de fragmentos de Mata Atlântica da cidade do Natal, Estado do Rio Grande do

Norte, Brasil. Amostramos aleatoriamente 96 quadrantes de 50m2 em cada um dos quatro

hábitats identificados na área de estudo. Encontramos uma densidade média de 98,5 ± 75,5

ha-1, com distribuição agrupada nos hábitats de maior densidade e randômica nos demais. A

Page 22: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

10

espécie habita preferencialmente o folhiço de hábitats de mata, em pontos mais úmidos,

com temperaturas mais amenas, folhiço mais denso e menores elevações em relação ao

nível do mar do que a média da área de estudo. A fragilidade desta espécie na área denota

urgência por medidas conservacionistas.

Palavras-chave: Lagarto, Sphaerodactylidae, Coleodactylus natalensis, Densidade,

Ecologia, Mata Atlântica.

INTRODUÇÃO

A densidade de uma espécie é um fator relevante para o entendimento de sua ecologia

(Endriss et al., 2007; Rodda et al., 2001) e para o esclarecimento de suas relações com a

comunidade da qual faz parte (Pianka, 1969, 1971), além de servir como diretriz para a

conservação de espécies ameaçadas (Barrows, 2006; Zúniga-Vega et al., 2007). Segundo

Rodda et al. (2001), existem inúmeros estudos sobre estimativas de densidade populacional,

embora boa parte não seja representativa por terem sido obtidas em áreas escolhidas pela

alta abundância da espécie-alvo. Por outro lado, estudos de densidade populacional com

espécies raras ou elusivas, embora muito importantes para a conservação, ainda são

escassos (Thompson, 2004).

O estudo do uso dos hábitats e microhábitats por espécies de lagartos também é uma

importante ferramenta para a compreensão da biologia de populações, para a identificação

de padrões e processos ecológicos, e é um tema central para a conservação (Van Sluys,

1992; López-Ortiz e Lewis, 2004; Vitt et al., 2005; Quirt et al., 2006). Pequenos lagartos

Page 23: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

11

que habitam o folhiço de florestas tropicais, como alguns Sphaerodactylidae, são muito

vulneráveis ao estresse termal e à desidratação, devido aos seus tamanhos diminutos, às

superfícies corporais relativamente maiores em relação aos volumes do corpo e aos seus

períodos diurnos de atividade. Tais características fazem com que estes lagartos selecionem

microhábitats relativamente mésicos em ambientes com características xéricas (Hedges e

Thomas, 2001; López-Ortiz e Lewis, 2004).

Dentre os Sphaerodactylidae do gênero Coleodactylus, reconhecidamente as menores

espécies em suas respectivas assembléias de lagartos, habitantes de folhiço de Florestas

Tropicais do Novo Mundo (Freire, 1999; Vitt et al., 2005), não há estudos sobre densidades

populacionais e são poucos os que citam os hábitats e microhábitats onde as espécies

ocorrem (Vanzolini et al., 1980; Vitt e Zani, 1998; Colli et al., 2002; Vitt et al., 2005).

Coleodactylus natalensis, espécie descrita do Parque Estadual Dunas de Natal

“Jornalista Luiz Maria Alves”, é considerada endêmica de remanescentes de Mata Atlântica

do Estado do Rio Grande do Norte, Brasil. Considerado o menor lagarto da América do

Sul, vive em folhiço depositado no solo e tem preferência por hábitats sombreados de mata

(Freire, 1996, 1999). Pode ser considerada uma espécie rara, por ter uma distribuição

geográfica restrita, e elusiva, por possuir baixa probabilidade de detecção em ambiente

natural (Thompson, 2004), já que é diminuta (machos com cerca de 22mm de CRC e

fêmeas com 24mm; Freire, 1999) e se camufla com o folhiço.

Além da descrição da espécie (Freire, 1999) e algumas observações sobre a

freqüência com que ocorre nos hábitats do Parque Estadual das Dunas do Natal, registrada

durante estudos sobre a comunidade local de Squamata (Freire, 1996), nenhum estudo

ecológico substanciado foi efetuado sobre C. natalensis.

Page 24: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

12

O Parque Estadual das Dunas do Natal, localidade-tipo desta espécie, é uma área de

dunas costeiras ímpar no litoral brasileiro, por sofrer influência florística e faunística de

diferentes Domínios Morfoclimáticos (sensu Ab’Saber, 1977), tais como a Mata Atlântica e

as Caatingas (Freire, 1996), por situar-se no limite setentrional da Mata Atlântica e por

constituir uma Unidade de Conservação cercada por área urbana, com indícios de pressão

antrópica no entorno (CMCAL obs. pess.). Diante do endemismo desta espécie e da

relevância da área de ocorrência, torna-se fundamental estimar a densidade populacional de

C. natalensis na área em estudo, averiguar o modo de distribuição dos espécimes, e

conhecer aspectos relevantes de sua biologia, para que haja embasamento para futuros

esforços de conservação desta espécie.

MATERIAIS E MÉTODOS

O Parque Estadual Dunas de Natal “Jornalista Luiz Maria Alves” está situado ao

longo da faixa litorânea da cidade do Natal, no Estado do Rio Grande do Norte (05º48’S a

05º53’S e 35º09’W a 35º12’W). Constitui o segundo maior parque urbano do Brasil, com 9

km de extensão e ocupando uma área de 1.172, 80ha (Figuras 1 e 2). A disposição dos

cordões de dunas obedece à direção SE-NW, em decorrência dos ventos alísios

predominantes do SE. A maior parte destas formações dunares está fixada por vegetação,

caracterizada como Mata Atlântica, Caatinga e Tabuleiro litorâneo (Freire, 1990). O solo é

arenoso quartzoso de granulação fina, não consolidado e com baixa fertilidade (Carvalho,

2001; SECPLAN/RN, 1981).

Page 25: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

13

As temperaturas médias oscilam em torno de 27ºC, com reduzida amplitude de

variação térmica. A umidade relativa do ar se mantém em torno de 80% ao longo do ano e a

precipitação pluviométrica é bastante irregular, havendo uma alternância entre períodos de

seca e de grandes precipitações. O intervalo de março a julho é o mais chuvoso e a estação

seca vai de setembro a dezembro (Fonte: Empresa de Pesquisas Agropecuárias do Rio

Grande do Norte - EMPARN).

Foram reconhecidas quatro regiões fisionômicas do Parque, correspondentes a

hábitats (Freire, 1996, com modificações): (i) mata alta interdunar, situada em vales com

até 30 metros de profundidade e intercalada por cordões de dunas fixas, com árvores de até

20 metros de altura, como Caesalpinia echinata Lam. e Ficus spp. (Freire, 1990); (ii) mata

baixa sobre dunas fixas, com dunas recobertas por vegetação arbóreo-arbustiva de três a

sete metros de altura, com predominância de arbustos e árvores de pequeno porte, com

caules finos e ramificados, como Cordia superba Cham. e Eugenia sp.; no estrato sub-

arbustivo, há ocorrência de Anthurium affine Schott. e Hohenbergia sp., distribuídas de

forma esparsa, não formando touceiras (Freire, 1990); (iii) vegetação de restinga, presente

no topo das dunas (portanto, com maior incidência de luz solar) e caracterizada pela

presença marcante de Anacardium occidentale L., Myrcia sp., Maytenus sp., Cereus sp., e

de grandes touceiras de Bromeliaceae das espécies Aechmea lingulata (L.) Baker e

Hohenbergia ramageana Mez. (Freire, 1990); e (iv) dunas da praia (ou supra-litorâneas),

que são móveis, geralmente sem cobertura vegetal ou com vegetação herbácea rala fixadora

de areia, eventualmente recobertas por vegetação arbóreo-arbustiva, formando moitas

esparsas ou pequenos vales entre as dunas móveis, onde destacam-se espécies como

Anacardium occidentale L., Chrysobalanus sp., Cereus sp. e Pilosocereus sp. A Figura 3

mostra um perfil esquemático aproximado da distribuição espacial dos hábitats do Parque.

Page 26: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

14

Foram efetuadas quatro excursões, com cerca de 12 dias cada, sendo duas na estação

seca (dezembro a fevereiro de 2006 e setembro a novembro de 2007) e duas na estação

chuvosa (março a junho e julho a agosto de 2007), utilizando quatro trilhas pré-existentes

(Figura 2), a partir das quais as observações e coletas foram efetuadas. As trilhas utilizadas

possuem extensões que variam de 1370m a 2427m.

Para avaliar a densidade populacional de C. natalensis no Parque, utilizou-se o

método de amostragem estratificada (Sutherland, 1996) para o qual a área de estudo é

dividida em sub-áreas (hábitats), onde são efetuadas amostragens aleatórias em cada uma.

Utilizou-se a divisão fisionômica estabelecida por Freire (1996), com modificações, e desse

modo, dividiu-se a área em hábitats de mata alta, mata baixa, vegetação de restinga e dunas

da praia para efetuar amostragens aleatórias em cada um destes.

Ao longo de cada uma das quatro trilhas utilizadas nas quatro excursões realizadas,

foram demarcados com fita métrica, aleatoriamente em cada um dos quatro hábitats acima

descritos, seis quadrantes de 1m x 50m (50m2), tornando uniforme o esforço amostral em

todos os hábitats. Os quadrantes foram inspecionados pela manhã (das 08:00 às 12:00h) e à

tarde (das 14:00 às 18:00h), com alternância entre hábitats e turnos sempre que possível.

Cada quadrante foi inspecionado por busca ativa, revirando o folhiço. Os espécimes

encontrados foram coletados manualmente e isolados individualmente em sacos plásticos

até o término da contagem de espécimes do quadrante. Após a contagem dos espécimes,

estes eram soltos no exato ponto de coleta. Alguns espécimes foram pesados com balança

digital com de precisão de 0,001g, para estimativa de massa.

Partindo da premissa de que os hábitats diferem de acordo com a elevação das dunas

(Freire, 1999), a estimativa de área de cada hábitat no Parque foi calculada. Utilizou-se o

programa ARCGIS 9.1, para construir esquemas das diferentes elevações da área e,

Page 27: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

15

conseqüentemente, da área ocupada pela vegetação característica de cada hábitat (Figura 4,

A e B). A área estimada para a mata alta foi de 394,71ha, a da mata baixa foi de 225,66ha,

a da restinga foi de 134,53ha, e a das dunas foi de 268,64ha. A área de tabuleiro litorâneo

(109,23ha) não foi incluída neste estudo. Sendo assim, a área total do Parque das Dunas foi

estimada em 1.132,78ha.

A estimativa da densidade populacional foi feita calculando-se a média amostral do

número de indivíduos por quadrante (indivíduos/ 50m2) em cada hábitat, e multiplicando-se

cada média pela área estimada de cada hábitat.

Para testar o padrão de distribuição da população (se agregado, randômico ou

uniforme) foram efetuados testes Qui-quadrado entre as freqüências observadas e as

esperadas segundo a distribuição de Poisson (Krebs, 1999), utilizando-se o programa

Methods (Krebs, 1999). Os pontos de coleta dos espécimes foram marcados com GPS

Garmin® modelo Etrex Summit e plotados em mapas com o auxílio do programa ARCGIS

9.1.

No local de registro dos espécimes, foram qualificadas algumas variáveis ambientais,

tais como hábitat, classificados em mata alta, mata baixa, dunas e restingas; microhábitat,

identificados em folhiço, sob tronco em decomposição no solo, sob bromeliácea de solo,

sobre areia nua e dentro de cupinzeiro caído no solo; e incidência de sol, sombra ou sol

filtrado no ponto de coleta.

Para avaliar se a espécie tem preferência por hábitats mais mésicos, foram

quantificadas, no ponto onde os indivíduos foram primeiramente observados e em diversos

pontos aleatórios ao longo do Parque, algumas variáveis ambientais como temperatura e

umidade do ar e do substrato, com um termohigrômetro Instrutherm® HTR-160;

profundidade do folhiço, com régua com precisão de 0,1mm; e elevação, com GPS. A

Page 28: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

16

diferença entre as variáveis nos pontos com e sem ocorrência de espécimes foi verificada

com testes t de Student.

Para testar se houve diferença entre a utilização dos hábitats, foi realizada uma

ANOVA. Foi realizado o teste de Tukey HSD, a posteriori, para verificar entre quais

hábitats houve diferença significativa de ocorrência de espécimes.

Para verificar se as variáveis temperatura e umidade se alteram entre as estações e se

estas estão relacionadas com a ocorrência de espécimes, foram aplicados testes t de

Student.

As análises estatísticas foram efetuadas através do software STATISTICA 7.1

(StatSoft, Inc., 2005). Reportou-se todas as médias ± DP e a diferença média foi

significativa a α = 0,05.

RESULTADOS

No total dos 384 quadrantes inspecionados (96 quadrantes por hábitat), foram

registrados 205 espécimes. As inspeções ao longo dos quadrantes duraram em média

25,8±17min, totalizando 165 horas de esforço de campo, realizadas por um único coletor

(CMCAL).

Em apenas 112 quadrantes (29,2%) foram registrados espécimes, sendo 47 destes na

mata alta (42%), 32 na mata baixa (28,5%), 17 na vegetação de dunas da praia (15,2%) e 16

na vegetação de restinga (14,3%). Nos 272 quadrantes restantes (70,8%) não foram

registrados indivíduos.

Page 29: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

17

As médias amostrais de C. natalensis por quadrante (50m2) na mata alta, mata baixa,

restinga e dunas foram, respectivamente, 0,94; 0,67; 0,17; e 0,19 (as variâncias foram de

1,83; 1,44; 0,16; e 0,20, respectivamente). Multiplicando-se essas médias pelas áreas de

cada hábitat, estimou-se a ocorrência de 74.205 indivíduos para a mata alta de todo o

Parque (188 indivíduos ha-1); 30.238 para a mata baixa (134 ha-1); 4.574 para a restinga (34

ha-1); e 10.208 para as dunas (38 ha-1). Assim, tem-se uma estimativa de 119.225

indivíduos para o Parque das Dunas, com uma média de 98,5±75,5 indivíduos ha-1.

Foram pesados 41 espécimes, cuja média de pesos foi de 0,168 ± 0,05g. O mais leve

pesou 0,05g e o mais pesado 0,279g. Multiplicando-se o peso médio pelo número de

indivíduos por hectare, temos uma biomassa média de aproximadamente 0,016 kg ha-1.

As freqüências de indivíduos por quadrantes nos diferentes hábitats do Parque das

Dunas estão mostradas na Figura 5, onde pode-se observar também suas freqüências

esperadas, segundo a distribuição de Poisson (Krebs, 1999). Quando comparadas com as

freqüências esperadas, as freqüências observadas foram significativamente diferentes

apenas para a mata alta e a mata baixa (teste Qui-quadrado; χ2 = 184,34 para mata alta; χ2 =

202,32 para mata baixa; gl = 95 e p < 0,05 em ambas), indicando que estas possuem um

padrão de distribuição agrupado de indivíduos nestes hábitats. Por outro lado, os dados não

significativos para a restinga e as dunas (teste Qui-quadrado; χ2 = 90,29 para restinga; χ2 =

97,21 para dunas; gl = 95 e p > 0,05 em ambas) indicam um padrão de distribuição

aleatório dos indivíduos nestes hábitats. A distribuição espacial dos espécimes encontrados

nas trilhas utilizadas neste estudo pode ser observada na Figura 6.

Dentre os indivíduos coletados, 64 eram machos (35,3%), 83 fêmeas (45,8%) e 34

filhotes (18,7%).

Page 30: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

18

Com relação à distribuição por hábitat, o maior número de indivíduos foi registrado

para a mata alta (98; 47,8%), seguido pela mata baixa (71; 34,6%), pelas dunas da praia

(19; 9,3%) e pela a vegetação de restinga (17; 8,3%). Portanto, 82,4% dos espécimes foram

encontrados em área de mata. A ocorrência de espécimes foi significativamente diferente

entre os hábitats (ANOVA; F(3, 380)=14,983; p<0,05), embora os hábitats de mata (alta e

baixa) não diferissem entre si, assim como o par restinga e dunas.

Dos cinco microhábitats utilizados por C. natalensis no Parque, o folhiço foi o mais

utilizado (195; 95,6%); areia nua (4; 2%), tronco em decomposição no solo (3; 1,4%),

cupinzeiro caído no solo (1; 0,5%) e bromeliácea de solo (1; 0,5%) foram bem menos

utilizados.

Quanto à ocorrência dos lagartos em relação à incidência de sol no ponto de coleta, a

maioria estava em local de sol filtrado (111; 55,5%), seguido por sombra (86; 43%) e

apenas três (1,5%) foram primeiramente avistados ao sol.

A temperatura do substrato no ponto de coleta dos animais foi, em média, de 27,4 ±

2,0ºC (23,1-35,8ºC; N=188) e a temperatura do ar foi, em média, de 27,1 ± 1,9ºC (22,5-

32,3ºC; N=195). Já a umidade do substrato no ponto de coleta foi, em média, 78,6 ± 9,3%

(27,3-96,5%; N=187) e a umidade do ar foi, em média, 73,1 ± 9,8% (27,3-90,6%; N=187).

A média da profundidade do folhiço nos pontos de coleta de espécimes foi de 4,0 ±

1,9cm (0-12cm; N=200), com uma maior ocorrência em folhiços de 3 a 4cm de

profundidade (Figura 7).

Os pontos de coleta dos animais possuíam, em média, condições mais mésicas

(temperaturas do ar e do substrato mais baixas, umidades do ar e do substrato mais

elevadas), folhiço mais profundo e elevações mais baixas em relação ao nível do mar do

Page 31: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

19

que pontos escolhidos ao acaso no Parque. As diferenças foram significativas para todas as

variáveis (Tabela I).

Os valores médios, mínimos e máximos das variáveis ambientais mensuradas nos

pontos de coletas dos indivíduos nos diferentes hábitats do Parque das Dunas podem ser

observados na Tabela II. As ANOVAs destas variáveis entre os hábitats mostraram

diferenças significativas apenas para a profundidade do folhiço e a elevação nos pontos de

coleta.

As médias de temperaturas nos pontos de coleta na estação seca foram: Ts= 28,3 ±

2,0ºC e Ta= 27,8 ± 1,8ºC (N=62); já na estação chuvosa foram: Ts= 26,8 ± 1,8ºC e Ta= 26,6

± 1,8ºC (N=123). Verificou-se que tais temperaturas foram significativamente diferentes

entre as estações (teste t de Student; Ts: t=5,1; gl=183; p<0,05; e Ta: t=4,3; gl=183;

p<0,05). Já as médias de umidade nos pontos de coleta na estação chuvosa foram: Us= 82,2

± 5,4% e Ua= 76,9 ± 6,9% (N=123); na estação seca foram: Us= 73,0 ± 8,3% e Ua= 67,0 ±

7,7% (N=64). As umidades também foram significativamente diferentes entre as estações

(teste t de Student; Us: t=9,0; gl=185; p<0,05; e Ua: t=8,9; gl=185; p<0,05). A ocorrência de

espécimes nos quadrantes foi significativamente diferente entre as estações (teste t de

Student; t=-3,4; gl=382; p<0,05), com mais ocorrências observadas durante a estação

chuvosa.

DISCUSSÃO

Page 32: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

20

A densidade de C. natalensis no Parque das Dunas foi, em média, de 98,5 indivíduos

ha-1, embora tenha variado entre os hábitats (34 a 188 ha-1), com padrão de distribuição do

tipo agrupado nos hábitats de maior densidade (Figura 6).

É relativamente comum encontrar grandes densidades populacionais no grupo

Sphaerodactylidae, como a de Sphaerodactylus macrolepis nas Ilhas Virgens Britânicas, a

maior já encontrada em vertebrados terrestres (52.800 ha-1, Rodda et al., 2001); Gonatodes

antillensis (4.200 ha-1; Bennett e Gorman, 1979) na Ilha de Bonaire, no Caribe;

Sphaerodactylus vicenti (até 5.625 ha-1; Steinberg et al., 2007) em São Vincente e S. parvus

(52.000 ha-1; Nava et al., 2001) na Anguilla, ambos nas Índias Leste; S. sputator e S.

sabanus (1.757 e 195 ha-1 respectivamente; Hensley et al., 2004) em São Eustáquio, nas

Baixas Antilhas; embora se deva considerar que a densidade populacional de espécies de

lagartos em ilhas é, em geral, uma ordem de magnitude maior que a das espécies

continentais (Buckley e Jetz, 2007), e ainda o fato de muitos estudos de densidade

populacional centrarem-se em áreas escolhidas pela alta abundância da espécie-alvo (Rodda

et al., 2001). Buckley e Jetz (2007) estimam que, no continente, as espécies de lagartos

ocorrem com uma densidade média de 158±56 indivíduos ha-1, enquanto que em ilhas essa

média é de 1.920±574 indivíduos ha-1. Se considerarmos este fato, a densidade média de C.

natalensis estimada encontra-se em consonância com a média de densidades populacionais

de lagartos no continente, embora se deva levar em conta que pequenos vertebrados

terrestres geralmente possuem densidades maiores em suas respectivas taxocenoses (Rodda

e Dean-Bradley, 2002) e, sendo C. natalensis o menor vertebrado encontrado no Parque das

Dunas, seria esperada uma maior abundância relativa desta espécie (ver Freire, 1996).

No Parque das Dunas, C. natalensis ocupa preferencialmente hábitats de mata, em

locais mais úmidos, com temperaturas mais amenas, sem incidência solar direta e com

Page 33: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

21

folhiço mais abundante. Esta preferência por hábitats mais mésicos é compartilhada por

outras espécies de Coleodactylus em diferentes biomas (Vanzolini, 1980; Vitt e Zani, 1998;

Colli et al. 2002; Vitt et al. 2005) e por outros Sphaerodactylidae de pequeno porte

(Hensley et al., 2004; López-Ortiz e Lewis, 2004; Steinberg et al., 2007). Espécies

diminutas de Sphaerodactylidae normalmente estão limitadas a habitar áreas com

características mésicas devido às suas altas taxas de perda de água relacionadas ao pequeno

porte (MacLean, 1985; Steinberg et al., 2007).

Embora haja clara preferência por hábitats de mata, o fato de C. natalensis ter sido

encontrado em hábitats mais abertos, como em restinga, foi discutido em Freire (1996,

1999), onde é sugerido que esta ocupação pode ser uma característica pré-adaptativa da

espécie, visto que a tendência do ecossistema de dunas é a regressão da mata. De fato, os

primeiros estudos sugeriam que a distribuição das espécies de Coleodactylus estava

limitada a áreas florestadas (Vanzolini, 1957, 1968); mais recentemente, algumas

populações têm sido registradas em áreas de formações abertas, como regiões mésicas de

Caatinga (Vanzolini, 1970, 1980; Vanzolini et al., 1980; Rodrigues, 1990) e restingas

(Freire, 1996; Dias et al., 2003). C. natalensis é uma espécie umbrófila, mas foi

proporcionalmente mais encontrado em pontos com sol filtrado do que as espécies

congenéricas na Amazônia (exceto por C. septentrionalis em Vitt et al., 2005) (Vitt e Zani,

1998).

Temperatura e umidade não variaram significativamente entre os hábitats, o que

indica que a cobertura de folhiço e a incidência solar direta no solo podem ser os fatores

que restringem a ocupação dos hábitats mais abertos pela espécie.

A temperatura média do substrato no ponto de coleta de espécimes de C. natalensis

foi idêntica à encontrada para populações de C. amazonicus, na Amazônia (27,4 ± 0,21ºC;

Page 34: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

22

Vitt et al., 2005), o que pode ser um indicativo de um ótimo de temperatura para as espécies

do gênero, visto que a temperatura corporal dos espécimes deve ser equivalente à

temperatura do substrato, pois são animais ectotérmicos, diminutos, que raramente se

expõem diretamente ao sol (Vitt et al., 2005).

A diferença no número de ocorrências entre as estações pode ser indicativo de picos

reprodutivos durante a estação chuvosa, assim como foi observado em Sphaerodactylus

nicholsi (López-Ortiz, 2004). De fato, foram encontradas porcentagens levemente maiores

de fêmeas com ovos (21,6% na chuvosa; 16,2% na seca) e filhotes (19,6% na chuvosa;

16,25% na seca) na população durante a estação chuvosa (CMCAL, obs. pess.).

A exigência desta espécie por hábitats amenos de mata e sua densidade relativamente

baixa na área estudada nos alerta para um crescente risco de extinção, já que a espécie é

endêmica de pequenos fragmentos florestais cercados por zona urbana no Estado do Rio

Grande do Norte, possuindo assim uma distribuição geográfica muito restrita, e habita um

ecossistema bastante ameaçado principalmente pela crescente especulação imobiliária que

avança ao longo do litoral do nordeste brasileiro. Estes fatos servem como indicações para

a urgente inclusão de C. natalensis na lista de espécies ameaçadas de extinção e a adoção

de medidas conservacionistas para as áreas de ocorrência desta espécie.

Page 35: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

23

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Ab’Saber, A. N. 1977. Os Domínios Morfoclimáticos na América do Sul. Geomorfologia

52: 1-23.

Barrows, C. W. 2006. Population Dynamics of a Threatened Sand Dune Lizard. The

Southwestern Naturalist 51(4): 514-523.

Bennet, A. F., and G. C. Gorman. 1979. Population density and energetics of lizards on a

tropical island. Oecologia 42(3):339-358.

Buckley, L. B., and W. Jetz. 2007. Insularity and the determinants of lizard population

density. Ecology Letters 10(6): 481–489.

Carvalho, M. M. 2001. Clima urbano e vegetação: estudo analítico e prospectivo do Parque

das Dunas em Natal. Dissertação (Mestrado). Natal: Universidade Federal do Rio

Grande do Norte. 278p.

Colli, G.R., R. P. Bastos, and A. B. Araújo. 2002. The character and dynamics of the

Cerrado herpetofauna. In: P.S. Oliveira & R.J. Marquis (eds.). The Cerrados of

Brazil. Ecology and natural history of a neotropical savanna. pp. 223-241. Columbia

University Press, New York.

Dias, E. J. R., M. M. F. Vargem, and C. F. D. Rocha. 2003. Coleodactylus meridionalis

(NCN). Diet. Herpetological Review 34(2):142-143.

Endriss, D. A., E. C. Hellgren, S. F. Fox, and R. W. Moody. 2007. Demography of an

urban population of the Texas Horned Lizard (Phrynosoma cornutum) in Central

Oklahoma. Herpetologica 63(3): 320-331.

Page 36: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

24

Freire, E. M. X. 1996. Estudo ecológico e zoogeográfico sobre a fauna de lagartos (Sauria)

das dunas de Natal, Rio Grande do Norte e da restinga de Ponta de Campina,

Cabedelo, Paraíba, Brasil. Revista Brasileira de Zoologia 13(4): 903-921.

Freire, E. M. X. 1999. Espécie nova de Coleodactylus Parker, 1926 das dunas de Natal, Rio

Grande do Norte, Brasil, com notas sobre suas relações e dicromatismo sexual no

gênero (Squamata, Gekkonidae). Boletim do Museu Nacional 399:1-14.

Freire, M. S. B. 1990. Levantamento florístico do Parque Estadual das Dunas do Natal.

Acta Botânica Brasileira 4(2):41-59.

Hedges, S. B., and R. Thomas. 2001. At the lower size limit in amniote vertebrates: a new

diminutive lizard from the West Indies. Caribbean Journal of Science 37: 168-173.

Hensley, R. L., S. M. Wissman, R. Powell, and J. S. Parmerlee Jr. 2004. Habitat

preferences and abundance of Dwarf Geckos (Sphaerodactylus) on St. Eustatius,

Netherlands Antilles. Caribbean Journal of Science 40:427–429.

Krebs, C. J. 1999. Ecological Methodology. Addison Wesley Longman. Califórnia. 2nd ed.

620p.

López-Ortiz, R., and A. R. Lewis. 2004. Habitat selection by Sphaerodactylus nicholsi

(Squamata: Gekkonidae) in Cabo Rojo, Puerto Rico. Herpetologica 60(4):438-444.

MacLean, W. P. 1985. Water-loss rates of Sphaerodactylus parthenopion (Reptilia:

Gekkonidae), the smallest amniote vertebrate. Comparative Bochemistry and

Physiology 82:759-761.

Nava, S. S., C. R. Lindsay, R. W. Henderson, and R. Powell. 2001. Microhabitat, activity,

and density of a dwarf gecko (Sphaerodactylus parvus) on Anguilla, West Indies.

Amphibia-Reptilia 22(4): 455-464.

Page 37: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

25

Pianka, E. R. 1969. Habitat specificity, speciation, and species density in Australian Desert

Lizards. Ecology 50(3): 498-502.

Pianka, E. R. 1971. Lizard species density in the Kalahari Desert. Ecology: 1024-1029.

Quirt, K. C., G. Blouin-Demers, B. J. Howes, and S. C. Lougheed. 2006. Microhabitat

Selection of Five-Lined Skinks in Northern Peripheral Populations. Journal of

Herpetology 40(3):335-342.

Rodda, D. P., and K. Dean-Bradley. 2002. Excess density compensation of island

herpetofaunal assemblages. Journal of Biogeography 29:623-632.

Rodda, G. H., G. Perry, R. J. Rondeau, and J. Lazell. 2001. The Densest Terrestrial

Vertebrate. Journal of Tropical Ecology 17:331±338.

Rodrigues, M. T. 1990. Os lagartos da floresta atlântica brasileira: distribuição atual e

pretérita e suas implicações para estudos futuros. In: Watanabe, S. (Ed.). II

Simpósio sobre Ecossistemas da Costa Sul e Sudeste Brasileira: estrutura, função e

manejo. ACIESP, São Paulo: Anais 3(71):404-410.

SECPLAN/RN. 1981. Parque Estadual das Dunas do Natal. Plano de Manejo. Natal,

Fundação do Instituto de Desenvolvimento do Rio Grande do Norte, 127p.

StatSoft, Inc. 2005. STATISTICA (data analysis software system), version 7.1.

www.statsoft.com.

Steinberg, D. S., S. D. Powell, R. Powell, J. S. Parmerlee Jr., and R. W. Henderson. 2007.

Population Densities, Water-Loss Rates, and Diets of Sphaerodactylus vincenti on

St. Vincent, West Indies. Journal of Herpetology 41(2):330–336.

Sutherland, W. J. 1996. Ecological Census Techniques: a Handbook. Cambridge:

Cambridge University Press. 336 p.

Page 38: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

26

Thompson, W. L. 2004. Sampling Rare or Elusive Species - Concepts, Designs, and

Techniques for Estimating Population Parameters. Washington, Island Press.

Van Sluys, M. 1992. Aspectos da ecologia de lagartos Tropidurus itambere (Tropiduridae),

em uma área do sudeste do Brasil. Revista Brasileira de Biologia 52(1):181-185.

Vanzolini, P. E. 1957. O gênero Coleodactylus (Sauria: Gekkonidae). Papéis Avulsos de

Zoologia 13(1):1-17.

Vanzolini, P. E. 1968. Geography of the South American Gekkonidae. Papéis Avulsos de

Zoologia 17(2): 85-112.

Vanzolini, P. E. 1970. Zoologia, sistemática, geografia e a origem das espécies. Série Teses

e Monografias IG, 3, São Paulo, USP. 56p.

Vanzolini, P. E. 1980. Coleodactylus septentrionalis, sp. n., with notes on the distribution

of the genus (Sauria: Gekkonidae). Papéis Avulsos de Zoologia 34(1):1-9.

Vanzolini, P. E., A. M. M. Ramos-Costa, L. J. Vitt. 1980. Répteis das Caatingas. Rio de

Janeiro, Academia Brasileira de Ciências. 161p.

Vitt, L. J., and P. A. Zani. 1998. Ecological relationships among sympatric lizards in a

transitional forest in the northern Amazon of Brazil. Journal of Tropical Ecology

14:63-86.

Vitt, L. J., S. S. Sartorius, T. C. Ávila-Pires, P. A. Zani, and M. C. Espósito. 2005. Small in

a big world: ecology of leaf-litter geckos in new world tropical forests.

Herpetological Monographs 19: 137-152.

Zúñiga-Vega, J. J., T. Valverde, R. I. Rojas-González, and J. A. Lemos-Espinal. 2007.

Analysis of the Population Dynamics of an Endangered Lizard (Xenosaurus

grandis) through the Use of Projection Matrices. Copeia 2007(2): 324-335.

Page 39: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisb

oa, C.

M. C.

A.

Diss

erta

ção

27

Tab

ela

I –

Com

para

ção

entr

e va

riáv

eis

de h

ábita

t em

pon

tos

de c

olet

a de

Col

eoda

ctyl

us n

atal

ensi

s e

pont

os a

leat

ório

s no

Par

que

Est

adua

l Dun

as d

e N

atal

. Os

valo

res

dado

s sã

o m

édia

± d

esvi

o-pa

drão

.

Var

iáve

is d

o H

ábita

tPo

ntos

de

ocor

rênc

ia d

e es

péci

mes

Pont

os a

leat

ório

sT

este

t de

Stu

dent

Tem

pera

tura

do

ar (

ºC)

27,1

8 ±

1,9

4 (N

=199

)27

,78

± 2,

21 (

N=

289)

t=-3

,1; g

l=48

6; p

<0,0

5T

empe

ratu

ra d

o su

bstr

ato

(ºC

)27

,41

± 1,

99 (

N=

192)

28,2

1 ±

2,49

(N

=28

7)t=

-3,7

; gl=

477;

p<0

,05

Um

idad

e do

ar

(%)

73,5

2 ±

8,56

(N

=19

9)70

,35

± 9,

56 (

N=

290)

t=3,

7; g

l=48

7; p

<0,

05U

mid

ade

do s

ubst

rato

(%

)79

,06

± 7,

87 (

N=

191)

76,0

1 ±

9,72

(N

=29

0)t=

3,6;

gl=

479;

p<

0,05

Pro

fund

idad

e do

folh

iço

(cm

)4,

05 ±

1,9

4 (N

=200

)3,

59 ±

1,8

5 (N

=285

)t=

2,65

; gl=

483;

p<0

,05

Ele

vaçã

o (m

)66

,85

± 18

,88

(N=1

95)

73,4

0 ±

25,3

4 (N

=365

)t=

-3,1

; gl=

558;

p<0

,05

Tab

ela

II –

Val

ores

méd

ios,

mín

imos

e m

áxim

os d

as v

ariá

veis

am

bien

tais

men

sura

das

nos

pont

os d

e co

leta

de

espé

cim

es d

e C

oleo

dact

ylus

nat

alen

sis

nos

dife

rent

es h

ábit

ats

do P

arqu

e E

stad

ual D

unas

de

Nat

al.

Háb

itats

Var

iáve

isM

édia

± D

PM

ín.

Máx

.N

Méd

ia±

DP

Mín

.M

áx.

NM

édia

± D

PM

ín.

Máx

.N

Méd

ia±

DP

Mín

.M

áx.

NT

empe

ratu

ra d

o ar

(ºC

)27

,1±1

,922

,532

,094

27,2

±1,7

23,0

30,7

6926

,7±2

,424

,232

,316

27,3

±2,0

24,7

31,8

16F(

3, 1

91)=

0,3;

p>0

,05

Tem

pera

tura

do

subs

trat

o (º

C)

27,3

±1,9

23,1

35,8

9227

,3±1

,623

,830

,664

27,2

±3,0

24,1

35,8

1627

,6±2

,524

,533

,116

F(3,

184

)=0,

1; p

>0,0

5U

mid

ade

do a

r (%

)73

,2±8

,758

,289

,894

75,2

±7,9

55,2

90,6

6971

,5±9

,343

,381

,816

70,9

±9,2

52,0

83,2

16F(

3, 1

91)=

1,7;

p>0

,05

Um

idad

e do

sub

stra

to (

%)

79,0

±7,6

59,7

96,5

9280

,2±7

,159

,091

,863

78,6

±9,5

48,8

89,1

1676

,6±9

,855

,789

,816

F(3,

187

)=0,

9; p

>0,0

5Pr

ofun

dida

de d

o fo

lhiç

o (c

m)

4,1±

1,5

1,0

8,0

973,

7±1,

90,

010

,072

2,6±

1,0

1,0

4,0

166,

6±2,

82,

512

,016

F(3,

197

)=15

,6; p

<0,0

01E

leva

ção

(m)

62,1

±17,

532

,010

3,0

9674

,9±1

3,3

34,0

104,

064

80,7

±21,

644

,011

9,0

1750

,2±1

9,7

26,0

89,0

18F(

3, 1

91)=

17,0

; p<0

,001

Res

tinga

Dun

asA

NO

VA

Mat

a al

taM

ata

baix

a

Page 40: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

28

Figura 1 – Mapa de localização do Parque Estadual Dunas de Natal-RN.

Page 41: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

29

Figura 2 - Parque Estadual Dunas de Natal-RN, destacando as trilhas utilizadas neste estudo.

Page 42: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

30

Figura 3 - Perfil esquemático da distribuição espacial dos hábitats registrados no Parque Estadual Dunas de

Natal-RN.

Page 43: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

31

Figura 4 - Mapas do Parque Estadual Dunas de Natal. (A) Linhas de elevação das dunas,destacando fileiras de

pontos nas trilhas utilizadas; (B) Estimativas das áreas dos hábitats do Parque das Dunas.

A B

Page 44: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

32

Figura 5 - Freqüências esperadas (barras claras) e observadas (barras escuras; distribuição de Poisson) do

número de indivíduos de Coleodactylus natalensis por quadrante (eixo x) nos hábitats do Parque Estadual

Dunas de Natal.

Mata alta

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

0 1 2 3 4 5 6 7

Nº d

e qu

adra

ntes

Mata baixa

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

0 1 2 3 4 5 6 7

Nº d

e qu

adra

ntes

Restinga

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

0 1 2 3 4 5 6 7

Nº d

e qu

adra

ntes

Dunas

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

0 1 2 3 4 5 6 7

Nº d

e qu

adra

ntes

Page 45: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

33

Figura 6 – Mapa de distribuição dos pontos de ocorrência de espécimes de Coleodactylus natalensis nas

trilhas do Parque Estadual Dunas de Natal.

Page 46: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

34

Figura 7 – Profundidades médias do folhiço nos pontos de coleta de Coleodactylus natalensis (N=200) no

Parque Estadual Dunas de Natal.

Page 47: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

35

CAPÍTULO II

ECOLOGIA ALIMENTAR DE COLEODACTYLUS

NATALENSIS FREIRE 1999 (SQUAMATA:

SPHAERODACTYLIDAE) EM FRAGMENTO URBANO DE

MATA ATLÂNTICA NO NORDESTE DO BRASIL

Carolina M. C. A. Lisboa1,2,3 e Eliza M. X. Freire1

1Departamento de Botânica, Ecologia e Zoologia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte,

Natal, Rio Grande do Norte, 59072-970, Brasil.

E-mail: [email protected]

2Programa de Pós-graduação em Ciências Biológicas, Universidade Federal do Rio Grande do Norte,

Natal, Rio Grande do Norte, 59072-970, Brasil.

E-mail: [email protected]

3Autor para correspondência.

RESUMO

Estudamos a ecologia alimentar de uma população de Coleodactylus natalensis Freire

1999, espécie endêmica de fragmentos de Mata Atlântica da cidade do Natal, Estado do Rio

Grande do Norte, Brasil. Foram analisados os conteúdos estomacais de 49 exemplares e os

itens de presa encontrados foram correlacionados com amostras de invertebrados edáficos

obtidas no ambiente da área de ocorrência da população. Foram avaliadas variações

sazonais e intersexuais, eletividade de presas e largura de nicho. As categorias de presa

mais importantes em termos numéricos, de freqüência e volumétricos na dieta foram

Isopoda e Aranae. A largura de nicho foi média e variou sexualmente e entre os hábitats

Page 48: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

36

analisados. Não houve correlação entre medidas morfométricas e tamanho das presas

consumidas. De modo geral, a população de C. natalensis estudada parece ser oportunista

em termos de dieta, consumindo o que houver disponível no ambiente, embora

selecionando presas relativamente maiores.

Palavras-chave: Lagartos, Sphaerodactylidae, Coleodactylus natalensis, Dieta,

Eletividade.

INTRODUÇÃO

Estudos sobre ecologia e história natural constituem a base para a compreensão dos

processos e padrões de qualquer organismo. A morfologia, que está diretamente ligada à

ecologia de uma espécie, é fundamental nos estudos de dieta e forrageio, uma vez que

caracteres morfológicos como tamanho do corpo e das estruturas alimentares estão

diretamente relacionados com tipo e tamanho das presas a serem consumidas (Menezes et

al. 2006). A relação entre composição da dieta e morfologia tem sido especialmente

averiguada em lagartos, fato este que está refletido na quantidade de estudos disponíveis

(Vitt e Lacher 1981; Vitt e Blackburn 1991; Vitt 1991, 1993, 1995; Van Sluys 1993; Vitt e

Caldwell 1994; Vitt et al. 1997; Vitt e Zani 1998b; Teixeira 2002; Silva et al. 2003;

Hibbitts et al. 2005; Maggi 2005; Rocha e Rodrigues 2005; Menezes et al. 2006). Apesar

desta diversidade de trabalhos, quando se trata de lagartos do gênero Coleodactylus, os

estudos são escassos e em sua maioria realizados com populações amazônicas das espécies

Coleodactylus amazonicus (Ramos 1981; Martins 1991; Vitt e Caldwell 1994; Vitt e Zani

Page 49: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

37

1998a; Vitt et al. 2005) e C. septentrionalis (Vitt e Zani 1998a; Vitt et al. 2005), embora

alguns estudos tenham sido realizados também com C. meridionalis (Barros 1996; Colli et

al. 2002; Dias et al. 2003) na Mata Atlântica e Cerrado e C. brachystoma (Colli et al. 2002)

no Cerrado. Todas as espécies deste gênero vivem em folhiço de florestas tropicais do

Novo Mundo e são as menores espécies em suas respectivas assembléias de lagartos (Freire

1999; Vitt et al. 2005).

Coleodactylus natalensis Freire 1999, espécie endêmica de remanescentes de Mata

Atlântica do Estado do Rio Grande do Norte (Freire 1999; Sousa et al. 2007), é um dos

menores geconídeos (machos com cerca de 22mm de CRC e fêmeas com 24mm; Freire

1999) e o menor lagarto da América do Sul; vive em folhiço depositado no solo e tem

preferência por hábitats sombreados de mata (Freire 1996, 1999; Lisboa 2005). Pode ser

considerada uma espécie rara, por ter uma distribuição geográfica restrita, e elusiva, por ser

uma espécie com baixa probabilidade de detecção em ambiente natural (Thompson 2004),

já que é diminuta e se camufla com o folhiço.

Além do trabalho de descrição desta espécie (Freire 1999) e de algumas observações

sobre a freqüência com que ocorre nos hábitats do Parque Estadual Dunas de Natal

“Jornalista Luiz Maria Alves”, registrada durante estudos sobre a comunidade local de

Squamata (Freire 1988, 1996; Lisboa 2005), nenhum estudo ecológico substanciado foi

efetuado sobre C. natalensis.

Diante da relevância desta espécie, por ser endêmica e de distribuição restrita a

alguns poucos remanescentes florestais, a análise da sua dieta, relacionada a preferências

alimentares e aspectos morfológicos, constituem fatores essenciais à compreensão de sua

história de vida e conseqüente elaboração de medidas para sua conservação.

Page 50: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

38

MATERIAIS E MÉTODOS

O Parque Estadual Dunas de Natal “Jornalista Luiz Maria Alves”, localidade-tipo

desta espécie, é uma área de dunas costeiras ímpar no litoral brasileiro, por sofrer influência

florística e faunística de diferentes Domínios Morfoclimáticos (sensu Ab’Saber 1977), tais

como a Mata Atlântica e as Caatingas (Freire 1988, 1996), situar-se no limite setentrional

da Mata Atlântica e constituir uma Unidade de Conservação cercada por área urbana, com

indícios de pressão antrópica no entorno (Lisboa 2005). Está situado ao longo da faixa

litorânea da cidade do Natal, no Estado do Rio Grande do Norte, Brasil (05º48’S a 05º53’S

e 35º09’W a 35º12’W), e constitui o segundo maior parque urbano do Brasil, com 9 km de

extensão e ocupando uma área de 1.172, 80 ha. A disposição dos cordões de dunas obedece

à direção SE-NW, em decorrência dos ventos alísios predominantes do SE. A maior parte

destas formações dunares está fixada por vegetação, caracterizada floristicamente como

Mata Costeira ou Floresta Atlântica e Tabuleiro litorâneo. O solo é arenoso quartzoso de

granulação fina, não consolidado e com baixa fertilidade (Carvalho, 2001; SECPLAN/RN,

1981). O Parque possui quatro hábitats, divididos de acordo com a fisionomia da

vegetação: mata alta, mata baixa, vegetação de restinga e vegetação de dunas da praia

(Freire 1996; para maiores detalhes, ver Capítulo I).

As temperaturas médias oscilam em torno de 27ºC, com reduzida amplitude de

variação térmica. A umidade relativa do ar se mantém em torno de 80% ao longo do ano e a

precipitação pluviométrica é bastante irregular, havendo uma alternância entre períodos de

seca e de grandes precipitações. O intervalo de março a agosto é o mais chuvoso, com

Page 51: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

39

média (±DP) mensal (1990-2006) de 228,86 ± 158,79mm. A estação seca vai de setembro a

fevereiro, com média mensal (1990-2006) de 44,55 ± 58,10mm (Fonte: Empresa de

Pesquisas Agropecuárias do Rio Grande do Norte - EMPARN).

Os espécimes foram coletados durante o início e o fim das estações seca (dezembro a

fevereiro de 2006 e setembro a novembro de 2007) e chuvosa (março a junho e julho a

agosto de 2007), em quatro trilhas pré-existentes com extensões que variam de 1370m a

2427m. Foram capturados manualmente durante busca ativa, revirando o folhiço. Após a

captura foram isolados individualmente em sacos plásticos transparentes, medidos com um

paquímetro manual Stainless® com precisão de 0,1mm e soltos logo após o término da

obtenção dos dados. Um exemplar de cada um dos quatro hábitats investigados por trilha

foi coletado para análise de dieta em cada excursão. Os espécimes coletados receberam

seus respectivos números de campo, foram acondicionados em sacos plásticos e mantidos

em uma caixa térmica com gelo para preservação dos conteúdos estomacais, ocorrendo

assim a eutanásia dos animais. De todos os lagartos coletados foram anotados o hábitat

onde o espécime foi primeiramente avistado e o sexo.

Ao final das coletas, os exemplares foram levados ao Laboratório de Herpetologia do

Departamento de Botânica, Ecologia e Zoologia da UFRN, onde foram aferidas as

seguintes medidas: comprimento rostro-cloacal (CRC), rostro-comissura labial (RCL),

rostro-canto do tímpano (RCT), largura da cabeça (LC) e altura da cabeça (AC), com o

auxílio de um paquímetro manual Stainless® com precisão de 0,05mm e um

estereomicroscópio. O peso dos espécimes foi verificado com o auxílio de uma balança

digital com precisão de 0,001g. Os espécimes foram dissecados e seus estômagos

removidos para análise da dieta. Em seguida, os espécimes foram fixados em formalina a

10% e conservados em álcool a 70%. Estes foram tombados na Coleção Herpetológica do

Page 52: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

40

Departamento de Botânica, Ecologia e Zoologia (CHBEZ) da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte.

Os estômagos removidos foram preservados em álcool a 70% e posteriormente

abertos para análise do conteúdo. Os itens individuais presentes no conteúdo foram

separados e identificados taxonomicamente, sob um estereomicroscópio. Estes foram

medidos em comprimento e largura (precisão de 0,01mm) com a utilização de um

estereomicroscópio, sendo seus volumes (em mm3) estimados através da fórmula de um

elipsóide:

V = 4/3π(comprimento da presa/2) (largura da presa/2)²

Foram calculados o total numérico e volumétrico de cada categoria de presas. A

freqüência de incidência de cada categoria de presa (número de estômagos contendo cada

categoria de presa) também foi calculada.

Os valores médios de comprimento, largura e volume das presas foram calculados

para todos os itens e por estômago.

Para avaliar a oferta de alimento disponível para C. natalensis e possível eletividade

de presas, foram coletadas 16 amostras (sacos de 30L) do folhiço (quatro por hábitat, oito

por estação) em cada uma das quatro excursões para identificar a fauna do solo da área que

pode constituir alimento para a referida espécie. Estas amostras foram colocadas em funil

de Berlese para separação dos invertebrados contidos no folhiço da matéria vegetal. O

material obtido foi devidamente identificado por especialista do Laboratório de

Entomologia da UFRN.

A largura de nicho alimentar (FT) foi calculada utilizando-se o índice de largura de

nicho de Smith (Smith e Zaret 1982), com o auxílio do programa Methods (Krebs 1999):

Page 53: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

41

)(∑= jjapFT

onde pj é a proporção de indivíduos que utilizam o item de presa j; aj é a proporção da

presa j dentre o total de presas disponíveis no ambiente; e n é o total de itens de presa. A

largura de nicho varia de 0 (mínimo) a 1.0 (máximo) e é uma medida já padronizada,

permitindo uma comparação mais eficiente de variação da amplitude de nicho alimentar

entre os sexos e entre os hábitats. Para estes cálculos, foram excluídos os itens muda de

pele, ovos de Orthoptera e materiais indeterminados.

A eletividade foi calculada utilizando-se o Índice E de Ivlev (Krebs 1999):

IEI = (ri-ni) /(ri+ni)

onde IEI é o Índice de Eletividade de Ivlev para a presa i; ri é a porcentagem da presa

i na dieta; ni é a porcentagem da presa i no ambiente. Os valores deste índice variam entre -

1,0 e +1,0 sendo que os valores entre 0 e +1,0 indicam preferência e os valores entre -1,0 e

0 indicam rejeição.

O índice de preferência α de Manly (Krebs 1999) também foi calculado:

⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

⎛=

∑ )/(

1

jji

ii

nrn

onde αi é o índice de preferência de Manly para o tipo de presa i; ri e rj são a

proporção dos tipos de presa i ou j na dieta (i e j = 1, 2, 3...m); ni e nj são a proporção dos

tipos de presa i ou j no ambiente; e m é o número de tipos de presas possíveis. Quando não

ocorre seleção alimentar, αi =1/m; se há preferência pelo tipo de presa i, αi >1/m; e se há

rejeição da presa i na dieta, αi <1/m. Este índice é normatizado e se baseia na probabilidade

de encontro do predador com a presa e na probabilidade de captura caso haja o encontro.

Page 54: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

42

Para verificar a relação entre disponibilidade e consumo nos diferentes hábitats do

Parque, foram feitas correlações de Spearman entre as abundâncias dos itens de presas nos

estômagos e no ambiente em geral, por hábitat e por estações.

Para avaliar se houve diferenças de massa corpórea entre os sexos e entre as estações

seca e chuvosa, foram realizados o teste t de Student. Para as análises, foram excluídos

jovens e fêmeas com ovo.

Para testar se há diferença significativa de CRC entre machos e fêmeas foi utilizado o

teste t de Student.

Para saber se a massa corpórea varia em função do CRC na população, foi realizada

uma regressão linear simples.

Para testar a relação entre as medidas morfométricas dos espécimes (CRC, RCL,

RCT, LC e AC) e o comprimento médio, volume médio e largura média dos itens de presa

presentes em cada estômago, foi utilizado o coeficiente de correlação de Spearman. As

medidas morfométricas também foram correlacionadas com o item de presa de maior

comprimento, o de maior largura e o de maior volume encontrados em cada estômago.

As análises estatísticas foram efetuadas através do software STATISTICA 7.1

(StatSoft, Inc., 2005). Reportou-se todas as médias ± DP e a diferença média foi

significativa a α = 0,05.

RESULTADOS

Page 55: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

43

Um total de 181 espécimes de C. natalensis foi capturado; destes, 52 foram coletados

para análises em laboratório. Dos animais capturados, 64 eram machos (35%), 83 fêmeas

(46%) e 34 jovens (19%).

Com relação à dieta, foram analisados 49 estômagos (26 de fêmeas, 22 de machos e

apenas um jovem), nos quais foram encontradas 17 categorias de presas, das quais a mais

importante tanto em termos numéricos quanto de freqüência foi Isopoda, seguido por

Aranae. Collembola, Isoptera, Homoptera e Pseudoscorpionida também foram categorias

importantes. Volumetricamente constatou-se predominância de materiais indeterminados,

seguidos por Isopoda, pele de muda de C. natalensis, Aranae, Gryllidae e Homoptera

(Tabela I). Apenas três estômagos (6,5%) estavam vazios, todos de espécimes coletados no

hábitat de mata alta, sendo dois deles na estação seca.

Os 180 itens de presas identificáveis (incluindo fragmentos, como patas ou partes da

carapaça) removidos dos estômagos mediam em média 1,62 ± 1,15mm (0,10 – 6,30mm) de

comprimento, 0,84 ± 0,66mm (0,10 – 3,00mm) de largura e 1,46 ± 3,70mm3 (0,001 –

28,26mm3) de volume.

A média de tamanho das presas por lagarto (média de todos os itens em cada

estômago) foi de 1,49 ± 0,83mm (0,33 – 4,00mm) de comprimento, 0,89 ± 0,57mm (0,16 –

3,00mm) de largura e 1,86 ± 3,61mm3 (0,005 – 18,84mm3) de volume.

O número de espécimes de presas por estômago variou de zero a oito, com uma

média de 2,18±1,90 espécimes. O número de diferentes táxons presentes em cada estômago

variou de zero a cinco, com média de 1,43±1,12 táxons.

Os táxons de invertebrados mais abundantes encontrados no folhiço da área estudada

foram Acari, Collembola, Formicidae, Pseudoscorpionida e Isoptera. As proporções destes

Page 56: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

44

táxons não variaram significativamente entre as estações seca e chuvosa (t=0,93; gl=54;

p>0,05).

A largura de nicho alimentar da amostra de C. natalensis foi FT=0,434 (N=49). Os

machos apresentaram uma largura de nicho alimentar de 0,451 (N=22), enquanto que nas

fêmeas a largura foi de 0,696 (N=26). Os animais coletados no hábitat de mata alta

apresentaram uma largura de nicho alimentar de 0,463 (N=20); na mata baixa, de 0,715

(N=14); na restinga, de 0,748 (N=9); e nas dunas de 0,639 (N=6).

A Tabela II mostra um comparativo entre os itens de presas encontrados na dieta de

C. natalensis e os invertebrados encontrados nas amostras de folhiço coletadas, além dos

valores obtidos para índices de Eletividade de Ivlev (IEI) e α de Manly, onde neste último

apenas os valores acima de 0,063 (αi =1/m) indicam preferência. No primeiro índice, dos 16

itens de presa encontrados na dieta, apenas Acari e Formicidae foram rejeitados, enquanto

que no segundo índice, houve preferência apenas para Homoptera, Hymenoptera não-

Formicidae, Isopoda, Mantodea e Thysanoptera.

Houve correlação significativa entre a composição da dieta de C. natalensis e a

abundância de invertebrados de folhiço no ambiente (rs=0,38; gl=28; p<0,05). Quando

correlacionadas as dietas dos indivíduos coletados nos diferentes hábitats com a abundância

de cada táxon de invertebrados em cada hábitat, apenas no hábitat de restinga a correlação

foi significativa (rs=0,43; gl=27; p<0,05). Sazonalmente, a composição da dieta dos

indivíduos não variou significativamente (t=0,62; gl=54; p>0,05), apesar de haver uma

correlação significativa com a abundância de invertebrados do ambiente apenas na estação

chuvosa (rs=0,44; gl=27; p<0.05).

Foram pesados 41 espécimes, cuja média de massa corpórea foi de 0,168 ± 0,05g. O

mais leve pesou 0,05g e o mais pesado 0,279g (Figura 1). Foram pesados somente 18

Page 57: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

45

machos (11 na estação chuvosa e sete na seca) e 16 fêmeas (nove na estação chuvosa e sete

na seca), sendo o restante de jovens.

A massa média das fêmeas (0,174±0,06g) superou a dos machos (0,154±0,03g), mas

esta diferença não foi significativa (t=-1,26; gl=32; p>0,05). Não houve diferença

significativa de massa corpórea entre as estações seca e chuvosa nem para os machos

(chuvosa: 0,165±0,03g; seca: 0,136±0,03g; t=2,02; gl=16; p>0,05) nem para as fêmeas

(chuvosa: 0,169±0,05g; seca: 0,181±0,07g; t=-0,38; gl=14; p>0,05).

Foram medidos 172 exemplares (Figura 2). O menor media 11mm de comprimento

rostro-cloacal (CRC) e o maior media 23,8mm. A média geral de CRC foi de 18,8±2,9mm.

A média de CRC das fêmeas (20,7±1,8mm; N=81) foi maior que a dos machos

(18,7±1,6mm; N=62) (t=6,7; gl=140; p<0,05). O CRC médio dos jovens foi de

13,8±1,5mm (N=29).

A massa corpórea dos indivíduos variou em função do CRC, conforme a Figura 3

(r=0,93; p < 0,05).

Não houve correlação significativa entre as medidas morfométricas e o

comprimento médio (CRC: rs=0,22; RCL: rs=0,22; RCT: rs=0,26; LC: rs=-0,00; AC:

rs=0,26; p>0,05; N=46), largura média (CRC: rs=0,17; RCL: rs=-0,05; RCT: rs=0,08; LC:

rs=-0,12; AC: rs=0,24; p>0,05; N=46) e volume médio (CRC: rs=0,20; RCL: rs=0,00; RCT:

rs=0,13; LC: rs=-0,11; AC: rs=0,29; p>0,05; N=46) dos itens de presa presentes em cada

estômago. Também não houve correlação significativa entre estas medidas e os itens de

presa de maior comprimento (CRC: rs=0,21; RCL: rs=0,11; RCT: rs=0,22; LC: rs=-0,04;

AC: rs=0,21; p>0,05; N=46), maior largura (CRC: rs=0,16; RCL: rs=-0,10; RCT: rs=0,04;

LC: rs=-0,13; AC: rs=0,29; p>0,05; N=46) e maior volume (CRC: rs=0,20; RCL: rs=-0,06;

RCT: rs=0,10; LC: rs=-0,12; AC: rs=0,28; p>0,05; N=46) em cada estômago.

Page 58: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

46

DISCUSSÃO

A dieta da população de C. natalensis do Parque Estadual Dunas de Natal foi

composta principalmente por artrópodes, sendo as categorias Isopoda e Aranae as mais

representativas em termos numéricos, volumétricos e de freqüência nos estômagos, o que

sugere uma preferência por presas relativamente maiores e pouco abundantes no folhiço,

indicando alguma seletividade. Outras categorias como Homoptera, Gryllidae e Isoptera

também foram significativas. À exceção de Isoptera, todas estas categorias são compostas

por presas relativamente grandes, sendo que muitas vezes um único espécime de presa pode

tomar todo o espaço no interior do estômago nos indivíduos de C. natalensis. Esta

preferência por presas maiores deve favorecer seu balanço energético, uma vez que é mais

vantajoso para o lagarto consumir presas grandes e poupar energia de busca.

Quando comparada com a espécie congenérica mais próxima, C. meridionalis,

percebe-se muita semelhança com a dieta de seis espécimes de ecossistemas de restingas do

Estado da Bahia (Dias et al. 2003), onde foram encontradas 13 presas pertencentes a oito

grupos, sendo que o único grupo que não foi comum a ambas as espécies foi larva de

Lepidoptera; os grupos dominantes volumetricamente também foram os mesmos, formados

por presas relativamente maiores (Orthoptera, Isopoda e Aranae). Entretanto, em estudo

realizado com C. meridionalis na Mata do Catolé, em Maceió-AL por A. S. Barros (N=44;

dados não publicados), as categorias de presas mais representativas foram Isoptera (Nº de

indivíduos predados na amostra (N)=61; Nº de estômagos contendo a presa (F)=17),

Aranae (N=10; F=10), Collembola (N=17; F=8), Nematoda (N=20; F=6) e Psocoptera

Page 59: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

47

(N=17; F=7), sendo Isopoda (N=4; F=4) uma das menos freqüentes. Tais informações

podem ser um indício de que a similaridade entre a composição das dietas das populações

de Coleodactylus não depende da espécie, mas do ecossistema no qual a população vive, já

que houve maior similaridade entre as dietas da população de C. natalensis em estudo com

uma população de C. meridionalis habitante de restinga (ecossistema costeiro presente no

bioma Mata Atlântica, no qual também se classifica o Parque Estadual Dunas de Natal) do

que com uma população habitante de uma área de Mata Atlântica distante da costa (não

sendo, portanto, uma restinga).

Já com relação às espécies congenéricas da Amazônia, Ramos (1981) encontrou uma

clara preferência numérica por Collembola e Acari e volumétrica por Collembola e

Orthoptera, ambas seguidas por larvas de insetos, em C. amazonicus (N=49); Vitt et al.

(2005), encontrou que as dietas de seis populações de C. amazonicus foram compostas

predominantemente por Collembola, Isoptera, Homoptera e larvas de insetos, em número e

em volume (N=220); Vitt e Caldwell (1994) encontraram maior número e volume de

pequenas Blattaria, Collembola, larvas eruciformes e Aranae na dieta (N=96); e Martins

(1991) encontrou maior freqüência absoluta de larva de Lepidoptera, seguido por Isoptera,

Aranae e Diptera (N=6). Apesar de ser uma espécie maior que C. natalensis, observa-se

uma maior freqüência de presas relativamente menores e provavelmente mais abundantes

no ambiente, especialmente Collembola, Isoptera e Acari, na dieta de populações de C.

amazonicus estudadas, embora estes não excluam presas maiores como larvas de insetos,

Aranae ou Orthoptera quando tiverem chance de consumi-las. As dietas destas populações

de C. amazonicus são bastante semelhantes entre si quanto à composição, e diferem da de

C. natalensis por conter maiores abundâncias e freqüências de presas relativamente

menores.

Page 60: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

48

Quanto a C. septentrionalis, em apenas uma população estudada por Vitt et al.

(2005), Isoptera e Orthoptera foram, volumetricamente, os itens de presa mais importantes,

diferindo bastante em composição da dieta de C. natalensis.

A freqüência de estômagos vazios na amostra de C. natalensis (6,52%) está próxima

da média de freqüência encontrada em lagartos diurnos da família Gekkonidae no mundo

(7,2±5,3%; Huey et al. 2001). Com isso, esta população confirma as observações de Huey

et al. (2001) sobre a baixa freqüência de estômagos vazios em Gekkonidae neotropicais

diurnos.

Apesar da composição da dieta de C. natalensis estar significativamente relacionada à

disponibilidade de presas no ambiente, a maioria dos itens de presa foi proporcionalmente

mais encontrada na dieta do que no ambiente, indicando preferência por tais tipos de presa,

como mostra o índice de Eletividade de Ivlev. Isto provavelmente se deve à maior

proporção de Acari (77%) no ambiente, o que torna as quantidades dos outros invertebrados

proporcionalmente muito mais baixas. Com isso, o índice α de Manly parece refletir melhor

a preferência alimentar da população, baseando-se na probabilidade de encontro e captura

da presa, embora alguns dos itens dos quais eram esperadas preferências, tais como Aranae

e Gryllidae, por serem presas volumetricamente maiores e, portanto, menos freqüentes em

relação ao ambiente, não foram tidas como preferidas de acordo com este índice, apesar de

freqüentemente encontradas nos estômagos.

A largura de nicho alimentar foi maior para as fêmeas, provavelmente por estas serem

significativamente maiores que os machos, havendo assim uma maior variedade de presas

disponíveis para consumo.

Os espécimes encontrados em hábitat de restinga tiveram uma maior largura de nicho

e este foi o único hábitat onde houve correlação significativa entre a composição da dieta e

Page 61: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

49

a abundância de invertebrados de folhiço no ambiente. Este é o hábitat menos ocupado por

C. natalensis por ser uma área mais aberta, sendo, portanto, menos adequado para lagartos

de floresta. Os espécimes de C. natalensis habitantes destas áreas provavelmente

necessitem ser menos seletivos em relação à dieta devido à menor disponibilidade de suas

presas preferidas, daí a maior largura de nicho alimentar, e consumir o que houver

disponível no ambiente, fato corroborado pela correlação significativa entre composição da

dieta e abundância de invertebrados no ambiente. Nos hábitats de mata, especialmente na

mata alta, os espécimes foram mais seletivos, provavelmente devido à maior oferta de

presas de sua preferência.

Sazonalmente, apesar da composição da dieta dos indivíduos e das proporções de

presas no ambiente não variarem significativamente, a composição da dieta teve uma

correlação significativa com a abundância de invertebrados do ambiente apenas na estação

chuvosa, provavelmente pela maior abundância de presas nesta estação. Também não

houve diferença significativa de massa corpórea e de razão massa/CRC entre os indivíduos

nas duas estações, o que indica que, apesar de haver maior abundância de presas na estação

chuvosa, o consumo destas por C. natalensis permanece o mesmo.

Não houve correlação significativa entre as medidas morfométricas tomadas e os

comprimentos, larguras e volumes médios e máximos de presas por estômago, o que indica

que o tamanho das presas consumidas independe do tamanho do lagarto, ou seja, indivíduos

maiores não estão necessariamente consumindo presas maiores.

De modo geral, a população de C. natalensis estudada parece ser oportunista em

termos de dieta, consumindo o que houver disponível no ambiente, embora selecionando

presas relativamente maiores.

Page 62: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

50

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Ab’Saber, A. N. 1977. Os Domínios Morfoclimáticos na América do Sul. Geomorfologia

52: 1-23.

Barros, A. S. 1996. Aspectos da ecologia e do hábito alimentar de Coleodactylus

meridionalis (Boulenger, 1888) (Sauria: Gekkonidae), na Mata do Catolé, Maceió-

AL. Monografia UFAL. Maceió-AL. 29p.

Carvalho, M. M. 2001. Clima urbano e vegetação: estudo analítico e prospectivo do Parque

das Dunas em Natal. Dissertação (Mestrado). Natal: Universidade Federal do Rio

Grande do Norte. 278p.

Colli, G.R., R. P. Bastos, and A. B. Araújo. 2002. The character and dynamics of the

Cerrado herpetofauna. In: P.S. Oliveira & R.J. Marquis (eds.). The Cerrados of

Brazil. Ecology and natural history of a neotropical savanna. pp. 223-241. Columbia

University Press, New York.

Dias, E. J. R., M. M. F. Vargem, and C. F. D. Rocha. 2003. Coleodactylus meridionalis

(NCN). Diet. Herpetological Review 34(2):142-143.

Freire, E. M. X. 1988. Estudo ecológico, sistemático e zoogeográfico sobre a herpetofauna

das dunas e restingas de Natal (RN) e Ponta de Campina (Cabedelo-PB), com

ênfase particular nos lagartos (Sauria). Dissertação (Mestrado). João Pessoa. 96p.

Freire, E. M. X.,1996. Estudo ecológico e zoogeográfico sobre a fauna de lagartos (Sauria)

das dunas de Natal, Rio Grande do Norte e da restinga de Ponta de Campina,

Cabedelo, Paraíba, Brasil. Revista Brasileira de Zoologia 13(4): 903-921.

Page 63: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

51

Freire, E. M. X. 1999. Espécie nova de Coleodactylus Parker, 1926 das dunas de Natal, Rio

Grande do Norte, Brasil, com notas sobre suas relações e dicromatismo sexual no

gênero (Squamata, Gekkonidae). Boletim do Museu Nacional, N.S., Zool., Rio de

Janeiro, n.399, p.1-14.

Hibbitts, T. J., E. R. Pianka, R. B. Huey, and M. J. Whiting. 2005. Ecology of the Common

Barking Gecko (Ptenopus garrulus) in Southern Africa. Journal of Herpetology

39(3):509-515.

Huey, R. B., E. R. Pianka, and L. J. Vitt. 2001. How often do lizards “run on empty”?

Ecology 82(1):1-7.

Krebs, C. J. 1999. Ecological Methodology. Addison Wesley Longman. Califórnia. 2nd ed.

620p.

Lisboa, C. M. C. A. 2005. Diversidade e distribuição espacial dos Squamata do Parque

Estadual das Dunas do Natal-RN: avaliação pretérita e atual. Monografia UFRN.

Natal. 27p.

Maggi, B. S. 2005. Utilização de Recursos, Ecomorfologia e Comportamento em duas

Espécies Sintópicas de Geconídeos (Squamata: Gekkonidae) na Caatinga. Unpubl.

Diss., Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, Brazil.

Martins, M. 1991. The Lizards of Balbina, Central Amazonia, Brazil: A Qualitative

Analysis of Resource Utilization. Studies on Neotropical Fauna and Environment

26(3):179-190.

Menezes, V. A., V. C. Amaral, M. V. Sluys, and C. F. D. Rocha. 2006. Diet and foraging of

the endemic lizard Cnemidophorus littoralis (Squamata: Teiidae) in the Restinga of

Jurubatiba, Macaé, RJ. Brazilian Journal of Biology 66(3):803-807.

Page 64: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

52

Ramos, A. R. 1981. Aspectos do nicho alimentar de Coleodactylus amazonicus (Sauria:

Gekkonidae). Acta Amazônica, 11(3):511-526

Rocha, P. L. B., and M. T. Rodrigues. 2005. Electivities and Resource Use by an

Assemblage of Lizards Endemic to the Dunes of the São Francisco River,

Northeastern Brazil. Papéis Avulsos de Zoologia 45(22):261-284.

SECPLAN/RN. 1981. Parque Estadual das Dunas do Natal. Plano de Manejo. Natal,

Fundação do Instituto de Desenvolvimento do Rio Grande do Norte, 127p.

Silva, T. F., B. F. E. Andrade, R. L. Teixeira, and M. Giovanelli. 2003. Ecologia de Ameiva

ameiva (Sauria, Teiidae) na Restinga de Guriri, São Mateus, Espírito Santo, sudeste

do Brasil. Boletim do Museu de Biologia Mello Leitão 15:5-15.

Smith, E. P., and T. M. Zaret. 1982. Bias in estimating niche overlap. Ecology 63: 1248-

1253.

Sousa, P. A. G., E. M. X. Freire, T. B. G. Costa, and C. M. C. A. Lisboa. 2007. Ampliação

da distribuição geográfica de Coleodactylus natalensis Freire, 1999 (Squamata:

Gekkonidae) no Estado do Rio Grande do Norte, Brasil. In: CD de resumos; III

Congresso Brasileiro de Herpetologia. Belém-PA: Anais.

StatSoft, Inc. 2005. STATISTICA (data analysis software system), version 7.1.

www.statsoft.com.

Teixeira, R. L. 2002. Aspectos ecológicos de Gymnodactylus darwinii (Sauria:

Gekkonidae) em Pontal do Ipiranga, Linhares, Espírito Santo, Sudeste do Brasil.

Boletim do Museu de Biologia Mello Leitão 14:21-31.

Thompson, W. L. 2004. Sampling rare or elusive species: concepts, designs, and techniques

for estimating population parameters. Washington: Island Press. 429p.

Page 65: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

53

Van Sluys, M. 1993. Food Habits of the Lizard Tropidurus itambere (Tropiduridae) in

Southeastern Brazil. Journal of Herpetology 27(3):347-351.

Vitt, L. J. 1991. Ecology and life history of the wide-foraging lizard Kentropyx calcarata

(Teiidae) in Amazonian Brazil. Canadian Journal of Zoology 69:2791-2799.

Vitt, L. J. 1993. Ecology of isolated open-formation Tropidurus (Reptilia: Tropiduridae) in

Amazonian lowland rain forest. Canadian Journal of Zoology 71:2370-2390.

Vitt, L. J. 1995. The ecology of tropical lizards in the Caatinga of northeastern Brazil.

Occasional Papers of the Oklahoma Museum of Natural History 1:1-29.

Vitt, L.J., and T. E. Jr. Lacher. 1981. Behavior, habitat, diet, and reproduction of the

iguanid lizard Polychrus acutirostris in the caatinga of Northeastern Brazil.

Herpetologica, 37(1) 53-63.

Vitt, L. J., and D. G. Blackburn. 1991. Ecology and Life History of the Viviparous Lizard

Mabuya bistriata (Scincidae) in the Brazilian Amazon. Copeia 1991(4):916-927.

Vitt, L. J., and J. P. Caldwell. 1994. Resource utilization and guild structure of small

vertebrates in the Amazon forest leaf litter. J. Zool. Lond. 234:463-476.

Vitt, L. J., and P. A. Zani. 1998a. Ecological relationships among sympatric lizards in a

transitional forest in the northern Amazon of Brazil. Journal of Tropical Ecology

12:63-86.

Vitt, L. J., and P. A. Zani. 1998b. Prey use among sympatric lizard species in lowland rain

forest of Nicaragua. Journal of Tropical Ecology 14:537-559.

Vitt, L. J., and P. A. Zani, A. A. Monteiro de Barros. 1997. Ecological variation among

populations of the gekkonid lizard Gonatodes humeralis in the Amazon basin.

Copeia 1997:32-43.

Page 66: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

54

Vitt, L. J., S. S. Sartorius, T. C. Ávila-Pires, P. A. Zani, and M. C. Espósito. 2005. Small in

a big world: ecology of leaf-litter geckos in new world tropical forests.

Herpetological Monographs 19: 137-152

Page 67: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

55

Tabela I. Composição da dieta de Coleodactylus natalensis (n = 49) do Parque Estadual Dunas de Natal (N é

o número de presas de cada categoria, F é o número de estômagos contendo cada categoria de presas e V é o

volume de cada categoria de presas).

Item de presa N %N F %F V %VAcari 2 1,87 1 2,17 0,0021 0,0006Aranae 16 14,95 13 28,26 43,8030 12,0625Coleoptera 6 5,61 6 13,04 1,0027 0,2761Collembola 10 9,35 5 10,87 2,6821 0,7386Diplopoda: ninfa 1 0,93 1 2,17 0,0654 0,0180Homoptera 7 6,54 7 15,22 31,7710 8,7491Hymenoptera 2 1,87 1 2,17 0,0084 0,0023Hymenoptera: Formicidae 1 0,93 1 2,17 1,9468 0,5361Isopoda 24 22,43 13 28,26 81,2088 22,3633Isoptera 8 7,48 3 6,52 14,4901 3,9903Muda de pele 5 4,67 5 10,87 45,2683 12,4660Opiliones 1 0,93 1 2,17 1,6223 0,4468Orthoptera: Blattaria 1 0,93 1 2,17 0,7013 0,1931Orthoptera: Gryllidae 5 4,67 5 10,87 34,8273 9,5908Orthoptera: Mantodea 2 1,87 2 4,35 1,1304 0,3113Orthoptera: ovos 4 3,74 1 2,17 0,2261 0,0623Pseudoscorpionida 6 5,61 6 13,04 1,3314 0,3666Thysanoptera 6 5,61 3 6,52 0,8625 0,2375Vazios - - 3 6,52 0,0000 0,0000Indeterminado - - - - 100,1843 27,5888

Total 107 100,00 - - 363,134 100

Page 68: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

56

Tabela II. Valores de abundância absoluta (N) e relativa (N%) de presas encontradas na dieta de

Coleodactylus natalensis e invertebrados encontrados no ambiente em 16 amostras de folhiço. Índice de

Eletividade de Ivlev (IEI) e Índice α de Manly (probabilidade de encontro e captura da presa), onde os valores

com asterisco (*) indicam preferência e os demais indicam rejeição.

N N% N N%Acari 2 1,96 9329 77,14 -0,95 0,000Aranae 16 15,69 84 0,69 0,92* 0,017Chilopoda 0 0,00 23 0,19 - -Coleoptera 6 5,88 64 0,53 0,84* 0,009Collembola 10 9,80 1135 9,38 0,03* 0,001Dermaptera 0 0,00 1 0,01 - -Diplopoda 1 0,98 67 0,55 0,29* 0,001Embioptera 0 0,00 18 0,15 - -Gastropoda 0 0,00 1 0,01 - -Hemiptera 0 0,00 43 0,36 - -Homoptera 7 6,86 6 0,05 0,99* 0,107*Hymenoptera 2 1,96 1 0,01 0,99* 0,153*Hymenoptera: Formicidae 1 0,98 660 5,46 -0,69 0,000Isopoda 24 23,53 28 0,23 0,98* 0,077*Isoptera 8 7,84 128 1,06 0,77* 0,006Lepidoptera 0 0,00 18 0,15 - -Nematoda 0 0,00 3 0,02 - -Neuroptera 0 0,00 5 0,04 - -Opiliones 1 0,98 14 0,12 0,79* 0,006Orthoptera: Blattaria 1 0,98 34 0,28 0,56* 0,003Orthoptera: Gryllidae 5 4,90 76 0,63 0,78* 0,006Orthoptera: Mantodea 2 1,96 1 0,01 0,99* 0,153*Orthoptera: ovos 4 3,92 0 0,00 - -Pseudoscorpionida 6 5,88 214 1,77 0,54* 0,003Psocoptera 0 0,00 20 0,17 - -Scorpiones 0 0,00 4 0,03 - -Symphyla 0 0,00 23 0,19 - -Thysanoptera 6 5,88 0 0,00 1,00* 0,459*Thysanura 0 0,00 1 0,01 - -Não identificados 0 0,00 93 0,77 - -TOTAL 102 100,00 12094 100,00 - -

α de ManlyTáxonsDieta Ambiente

IEI

Page 69: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

57

Figura 1. Massas corpóreas (g) de C. natalensis (N=41) do Parque Estadual das Dunas do Natal.

Page 70: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

58

Figura 2. Freqüências do comprimento rostro-cloacal de Coleodactylus natalensis (N=170) do Parque

Estadual das Dunas do Natal.

Page 71: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

59

Figura 3. Regressão entre comprimento rostro-cloacal (CRC) e massa corpórea de Coleodactylus natalensis

(N = 41) do Parque Estadual Dunas de Natal-RN.

Page 72: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

60

CONCLUSÕES GERAIS

A população de Coleodactylus natalensis do Parque Estadual Dunas de Natal possui

muitas características que a colocam numa situação de fragilidade do ponto de vista

conservacionista. Além de se tratar de uma espécie endêmica, de um bioma já bastante

ameaçado (com menos de 8% de sua área original), é habitante de uma “ilha de floresta”

sob constante pressão antrópica, num Estado onde muitas populações vizinhas já foram

dizimadas pelos grandes empreendimentos imobiliários que avançam ao longo do litoral

nordestino. Este isolamento torna crescente o risco de depressão endogâmica causado pela

baixa variabilidade genética da população e põe em risco a própria espécie, já que há

poucas populações conhecidas, também localizadas em “ilhas de floresta” e sob risco

iminente de serem dizimadas.

Além da densidade populacional encontrada ser relativamente baixa para pequenos

lagartos de folhiço, suas preferências por locais mais amenos e por presas maiores e menos

abundantes fazem com que a maior parte da população se agrupe em manchas de hábitat de

mata alta, geralmente localizadas mais para o interior do continente, próximas às bordas da

Unidade de Conservação, sendo este mais um agravante para a dificuldade de sua

manutenção.

Apesar de ser uma espécie umbrófila e típica de floresta, esta população parece

apresentar uma tendência a ocupar hábitats mais abertos, pois uma pequena parcela da

população foi encontrada em hábitat de restinga, consumindo as presas disponíveis neste

hábitat. Este é um fator positivo para a continuidade da espécie, visto que na área do Parque

Page 73: ESTRUTURA DA POPULAÇÃO DE COLEODACTYLUS … · A ecologia e história natural de lagartos têm sido amplamente estudadas em diversos biomas do Brasil. Entre os lagartos da família

Lisboa, C. M. C. A.

Dissertação

61

das Dunas há constante diminuição das áreas de mata causadas tanto pelo avanço das dunas

móveis quanto pela pressão antrópica.

Devido à fragilidade desta população, causada por uma série de fatores relacionados

tanto a aspectos ambientais e locais quanto ao próprio nicho da espécie, urge a adoção de

medidas de conservação para a área do Parque das Dunas e a inclusão de C. natalensis na

lista de espécies ameaçadas de extinção do Brasil.