estrutura da lírica moderna-partes 1 e 2[1]

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IIqulpe de l"(;allza~lI.o:

I 'roJeto gri1f ico de Lucio G. Machado e Eduardo 1 . Rodrigues

Allcuoria editorial de Mara Valles

Revillo de Va le ria C. Sal le s. E li sabet e Ore fi ce e He la ine I . Via tti

CIP·Brasii. Catalogacao-ne-Fonte

Camara Brasileira do Livre, SP

Bibliografia.

F947eFriedrich, Hugo. 1904-1977.

Estrutura do. Hrica modern a : da metade do seculo

XIX a meados do seculo xx I Hugo Friedrich ; 1 tra-duceo do texto por Marise M. Curioni : traducao daspoesias por Dora F. da Silva I. - Sao Paulo : Duas

Cidades , 1978.(Problemas atuais e suas Fontes; 3)

I~

I. Poesia francesa - Secnlo 19 - Hlstorla e critlca

2. Poesia moderna Seculo 19 - Historfa e crftica3. Poesia moderna - Seculo 20 - Historia e criticsI.Titulo.

78-1008

CDD-809.109034

-809.10904-841.090H

indices para catalogo sistematico:

1. Poesia : Seculo 192. Poesia : Seculo 193. Poesia : Seculo 20

4. Seculo 19 : Poesia5. Seculo 19 : Poesi a6. S&Ulo 20 , Poesia

His toria e cri ti caL it er at ur e fr ance s a , His t6 ria e cr It ic a 841.09034His toria e crl ti ca 809.10904

H i st or ia e c rt t ic a 809. 109034Lite ra tu ra f rance s a : His to ria e cr ft ic a 841.09034H i sto ri a e c ri t ic a 809 . 10904

EST RU TU RA D A L IR IC A M OO ERN A

(da metade do seculo XIX a meados do seculo XX)

Hugo Fried rich

L n J Livraria

C P i J Duas Cidades

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I. Perspectlva e retrospecto

Perspectlva de lirica conlemporAnea:

dlssonlnclas e anormelldad.

A Hrica europeia do seculo XX niio e de (acil acesso. Falade maneiraeIligpiatica e obscura. Mas e de uma produtividadesu"rpreeiidente. A obra dos llrieos a lemiies , do Rilke dos ultirnostempos e de Trakl a G. Benn, dos franceses, de Apollinaire aSaint-John Perse, dos espanh6is, de Garcia Lorea a Gui llen,

dos it ali anos, de Palazzeschi a Ungare tti , dos anglo-saxllni -cos, de Yeats a T. S. Eliot. na G pode mais ser colocada emdiivida quanto a sua s ignificaeao. Esta obra mostra que a forcade expressao da lirica, na situayao espiritual do presente, n8.o einferior a forca de expressso da filosofia, do romance, do teatro,da pintura e da musica,

Com estes poetas, 0 lei ter passa por uma exper iencia queo conduz - tambem ainda antes que se perceba disto - muitoproximo a caracterfstica essencial de tal lirica. Sua obscuridadeo fascina , na mesma medida em que 0 desconcerta. A magia desua palavra e seu sentido de mister io agem profundamente, eII1-

b o r a "a coiijpreerisa'opermane~l:. desorientads. " A eoeeia podecomunicar-se.illnda antes de ser compreendia h, observou 'f. S.El io t em seus ensaios.··Esta jum;iio de incompreensibilidade e

de fascinal,;iio pede ser chamada de dissonancia, pois gera urnatensao que tende mais a inquietude que a serenidade-.A tensiodissonante ISu rn objet ivo das artes modernas em gera l, Stra-winsky escreve em sua Poetique Musicale (1948): "Nada nosoonstrange a buscar a sat isfaviio sempre e somente no repouso.Hli mais de urn seculo, acumulam-se exemplos de urn est ilo noqual a dissonancla tornou-se autonoma. Transformou-se em uma

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co iBa em si . E as s im s uce de que eIa nem prepara n em a nu nciaco i aa alguma, A dissonflncia e tao pouco tuna portadora de

d es or de m , a ss im como a co n s o na nc i a e um a gar antia de segu-ranea", I sto e valido em toda a cxtenslio tambem para a liriea.

Sua _obsct;r!~h!_de e intencional. T 8 Baudelaire escreveu:"Existe uma certa gloria em nso se r compreendido", Para Benn ,poetizar sign ifiea: "elevar as co isas decisivas a linguagem do

meompr eensfvel, d edicar-se a coisas que tiv er am 0 merito de

que nao se venha a convencer ninguer n delas", Em 6xtase, Saint-

John Perse dirige-se ao paeta: "Es bilingiie entre coisas dupla-

mente agudas , . : tu mesmo e s Ulna Iuta entre tudo aquila que

Iuta, Ialando no ambiguo como alguem que se desorientou na

luta entre as asas e os espinhos!". E, de novo, mais sobrio,Mon tale: "Ninguem escreveria versos se 0 problema da poesla

cons l s t i s se em f az er -s e c em p r ee n si ve l " ,

A princfpio, nio se podera aconselhar outra coisa a quem

tern boa vontade do que procurar acostumar s eu s o lh os a obs-curidade que envolve a lfrica moderns. Por toda a parte, obser-vamos nela a tendsncla de manter-so afastada 0 tanto quanto

possfvel da media~o de conteudos inequfvoeos, A poesia quer

ser, a()_ contrario, uma cria~io auto-suficiente, pluriforme na

sigrimca~ao, consistindo ern um entrelacamenm de tensOes de

f~as ~bsolutas, as quais agem sugesrivameme em estratos pre-racionais, mas tambem deslocam em vibraedes as zonas de mi s -terio dos conceitos. .

ESM ten sae dissonan te da poesia moderna expr ime-se ainda

em outro aspecto, Assim, traeos de origem arcalca, mistica e

oculta, con trastam com uma aguda intelectualidade, a simplici-

dadedaexposiejo com a complexidade daquilo que e expresso,o a rredondamento l ihgi l1sti co com a inext ri cabi lldade do conteu-

do, a preclsao com a absurdidade, a tenuidade do motive com

o mai~ impetuoso movimento estilfstico. Sao, em parte, ten sdes

forma is. e querem, f requente rnente, se r entendldas somente como

tai s, Ent re tanto, e la s apa recem tambem nos conteudos .

Quando a poesia moderna se refere a contetidos - das col-

sas e dos homens - nao as trata descritivamente, nern com 0

calor de urn ver e sentir intimas. Ela nos conduz ao ambitodo nao ~amiliar, t~rna-os estranhos, deforma-os, A poesia nao

quer mais ser medida em base ao que comumente se chama rea-

lldade, mesmo se - como ponte de partida para a sua liberdade

- absorveu-a com alguns resfduos, A realidade desprendeu-se

da ordem espacial, temporal, objetiva e anfrriica e subtraiu as

dls tinc ;oes - repudiadas c o m o p r e J u if id a ls . : ._ , que s a o neces-

sanas a uma ori~njac;ijo normal do universe: a~ di s t incoes entre

o belo e 0 feio, entre a p ro xim fd ad e e a distancia, entre a luz e

a sombra, entre a dor e a alegria, entre a terra e 0 ceu. Das trss

mane i r a s possiv eis de compor tamento da cornpoeic so liriea -

sentir, ob servar, transformer - e esta ultima que domina na

poesia modema e, em verdade, tanto no que diz respeito ao

mundo como a lingua. Segundo uma definieao co lh ida da poesia

romantica (e generalizada, muito sem razio), a lfrica e tida,muitas vezes, como a linguagem do estado de animo, da alma

pessoal, 0 conceito de estado de animo indica distensao, me-diante e recolhimento, em urn espaco animico, que mesmo 0

homem mais solitario compartilha com todos aqueles que con-

seguem sentir, E justamente esta intimidade comun icativa que

a poes ia moderna evita , Ela prescinde da humanidade no sent idotradiclonal, da "experiencia vivida", do sentimento e, muitas

vezes, ate mesmo do eu pessoal do artista, Este nao mais parti-

cipa em sua cria~ao como pessoa particular, po rem como i n te -figenci!l~qy~ _pp~t_ iza, como operador da lingua, como artista

queexperimenta os atos de transformacao de sua fantasia impe-

riosa ou de seu modo irreal de ver num assunto qualquer, pobre

d f: significado em si mesmo. Isto n jlo exclu i que tal poesia nasca

da magia da alma e a desperte. Mas trata-se de algo diferente

de estado de animo. Trata-se de uma polifonia e uma incondi-

cionalidade da subjetiv idade pura que nao m a i s s e pode de cem -

por em isolados valores de sensibilidade. "Sentimento? Nao te-nho s en t im e n to " , c on fe ss o u Got tf ri ed Benn. Quando suavidades

afins ao sen timento querem in serir- se, palavras desarmonlo sas

e duras a travessarn-nas como urn proje ti l, despedacando-as.

Pode-se Ialar de uma d ramaticid ade agr essiva do poetar me-

demo. Ela domina na relacao entre as temas au motivos que slio

mais contrapostos do que justapostos, alern disso, domina na

relacao entre esses e urn comportamento inquieto de estilo que

separa, tanto quanta po ssfvel, os sinais do sign ificado. Mas _~la

determina tambem a relacao entre poesia e leitor, gera um efei-

t6dltchoque, cu ja vitima e o I eito r. Este nao se sen te pr otegldo

mas, sim,alarmado. : e verdade que a linguagem poetica sempre

lo T distinta da func;ao normal da lingua, ou seja, de ser comu-

-n_icac ,: ao .P resc indindo de casas i so lados Dante, por exemplo , ou

Gongora, tratou-se sempre, porem, de uma diferenca moderada

e gradual. De improvise, na segunda metade do seculo XIX,resultou dai urna radical diversidade entre a lingua comum e

a poetica, uma tensdo desmedida que, associada 80S conteridos

obscures, gera per turbacao , A lingua poe ti cs ~ .: t9 .u_i .~~0 c_ara!~r

de um___!?_xperimento,do qual emergem combinayo:yr n;'lo ,P!11t~U--

didas pelosignif1c'ado;-ou meillof;- 'so eiifao criam a .significado.

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o vocabularlo usual aparece com significa~es ins6Iitas. Pala-

VrDS provenien tes da Iinguagern tecuica mais remota vern ele tr i-

zadas Iiri~all_1e~te. A .si~taxe desme.m~~a-se ou reduz-se a expres-sGes nornmats Intenciohalmenta pnmi trvas. 05 mais ant igos ins -

!rumentos da poesia, a comparacao e a rnetalora, sao aplicados

de uma nova maneira, que evita 0 t ermo de comparacao natu ra l

e . f .o~a uma uniao i~real daqui lo que real e Iog icamente e incon-clluivel.Como na pintura modern a, a cornposi !rao de cores e de

formas, tornada aut6noma, desloca ou afasta completamente tu-do a,q~i lo que e objet ivo , para 86 se r ealizar a s i p ropria. Ass lm;

na bn~, a composicao au~{jnom~ do movimento lingiiistico, a

~ecessldade .de. ~urvas ~e mtensld~de e de sequencias senorasisentas de signlficado, tern por efeito nao mais pennitirem, de

modo algum, compreender 0 poema a partir dos conteddos de

suas I.lfirma9<ics.pois 0 seu conteiido verdadeiro reside na drama-

fica das fot !, !l .Is formals tan to exteriores como interferes. Como

semelhante _poema ain~a assim e l inguagem, mas uma linguagem

sem urn objeto cornunicavel, tern 0 efeito dissonante de atrair eao mesilla tempo, perturbar quem a sente. '

Diante de tais fenomenos, arraiga-se no lei t or a impressao

de_uma anormalidade. Com isto concords 0 fato de que urn can-

ceato fundamental dos teoricos modernos diz: surpresa, estranhe-

za. Quem quer causar estranheza, surpreendendo, tern de valer-

se ~e meios anorrnais. Certamente a anonnalidade e urn conceitopengoso; susclta a impressao de que existe uma norma sempi-

terna, Constata-se. porem, que a "anonnalidadeu de uma epoca

tornou-se norma na seguinte, e deixou-se, portanto, assimilar.

Certamente isto nao vale agora para aquela Iirica que temos de

tr~tar aqui, J a nao vale mais para seus fundadores franceses,

Rlmb~ud e Mallarme nao foram mais assimilados por urn publi-

co maior, nem mesmo hoje, por mais que se escreva sobre eles

A nao assimilabilidade permaneceu uma caracteristica cr6nic~tambem dos poetas mais modernos,

Usaremos , todavia, heur is ticamente a denominaeao "anor-I'd d ". d~a ~ a e , aS~lm ~omo a enominacao "normal". Sem atencao

as ctrcunsnnctas historicas, estimamos em normals aquele estado

da alma e da consciencia que po de compreender, por exemplo,

?m t~~to de ~o~tI;e au ainda de HofmannsthaI. Isto permiteIdentif1C~r ~als nitidamente os fenornenos da lir ica contempora-

nea, .que divergem a tal ponto de urn poetar a maneira dos

mencionados, que devem ser qualificados de anormais, "Anor-

mal" nao e u~ jufzo. de valor e nao significa "degenerado"; is to

nunca e demais sublinhar. 0 admirador acritico de poesia mo-

derna cos tuma defende-la da rest rio;ao burguesa , do gos to esco-

las tico e fami liar. Is to e pueril, nio apreende de f -rma algurna

o impeto de tal poesia e da provas, alem do mais de faltadenOl;io de tres seculos de literatura europeia, A poe: ra (e a arte)

moderna nio e de se admirer nem de se rejeitar a orior t. Comourn fenomeno cons tante do presente, ela tern 0 crelto de serapreciada pelo reconhecimento. Mas 0 l ei ter tam1 e m t ern urn

direito, 0 de ext ra ir os seus cri terios da compos ica o precedente

e de estima-los tao alto quanto possivel. Abstemo-nos de julgar

segundo tais criterios, mas pennitimo-nos, com a aiuda deles, 0

direito de descrever e de compreender,

Is to porque uma cognicao tambem e possivel c im'uma poe-

sia que nao espera, como primeira coisa, ser compn endida, vista

que ela, para concordarmos com Eliot, nao encerre urn signifi-

cado "que satisfaca urn habito do leitor"; E Eliot prossegue:

. . . . . . .Ols alguns poetas inquietam-se d i a n t e de tal Sigf iiicaao, po r -

quanto este lhes parece superfluo e veern poss ibi lidades de in ten-

sidade poetica que surgem quando se I iber tam deste significado".

Pode-se reconhecer e descrever totalmente tal poetar, mesmo se

nele atua uma liberdade tao grande que a cognicao pode, no

melhor dos casos , cons ta tar sua propria l iberdade, mas nso pode

mais compreender os con te iidos ating idos por ela , tanto mais que

estes (de novo segundo uma afirmacao de Eliot) sao tao impre-

visiveis na suas significacoes que ate mesmo ao proprio poeta 0

conhecimento do senti do daqu ilo que compos e l imitado, A cog-n icao de tal poesia aco lhe sua di ffc il au impossivel compreens l-

hili dade como uma primeira caracteristica de sua vontade esti-

l istica. Outras caracteristicas podem ser constatadas. Q conheci-

mento pode nutrir alguma esperanca, pais volta-se a condlcees

hist6ricas, a tecniea poetica, aos inegaveis elementos em comum

da Iinguagem dos autores mais diversos. A cognicao segue, en-

fim, a pluralidade destes textos, na medida em que ela propria

se insere no processo que estes querem atlvar no leitor: 0 pro-

cesso das ten ta tivas de interp re tacso sempre poet lzan tes, incon-

clusas , conduzindo fora ao aberto .

C a te gor la s n e ga ti va s

A cogniciio da lfrica moderna encontra-se diante da tarefa

de procurar categorias com as quais se possa descrever essa H -

rica. Nao se pode fugir ao fato - e toda a crftic a 0 conflrma

- de que se apresentam categorias predominantenente negati-

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VDS. 11 decisivo, no entanto, que elas vern empregadas na o paradepreciar, mas para deiinir. Ora, este uso com 0 prop6sito de

definir, em vez de depreciar, e ja uma conseqliencia daquele pro-ces so hist6r1co pelo qual a H ri ca m o d er na d es pr en d eu -s e daquelaprecedente,

A mudanea que se ver lf icou na poesia do seculo XIX trou-xe conslgo Ulna mudanca ccrrespondente nos conceitos da teoriapoetica e da crf tica, Ate a inlclo do seculo XIX. e, em parte, ate

depois, a poesia achava-se no Ambito de ressonancia da socle-dade. era esperada como urn quadro idealizante de assuntos oude situa90es costumeiras, como conforto salutar tambem na re-presentacao do demonlaco, em que a propria lfrica, embora dis-t inta como genera de outros generos, nao foi, de forma alguma,colocada acima deles. Em seguida, porem, a poesia veio a colo- ,car-se em oposiceo a uma soeiedade preocupada com a segu-

ranca econdmlca da vida, tomou-se a ·Iamentopelaaecffra9aocientifica a D universe -e pela generalizada ausencia de poesia;der ivou dai uma aguda ruptura com a tradicao; a originalidadepoetica [ustificou-se, recorrendo a anormalldadeido" p6etil.;a

poesla apresentou-se cornoa Ilnguagem de urn so f r lmento que gi-ra em tome de si mesmo, que naomais aspira It salvacao algu-

rna, mas s irn a palavra rica de matizes: a Hrica foi , de ora emdiante, definida como 0 fen6meno mais pure e sublime da poe-

sia que, por sua vez, colocou-se em oposicao a literatura restantee arrogou-se a liberdade de dizer sem limites e sem consideracsotudo aquilo que Ihe sugeria uma fantasia imper iosa, uma inti-midade estendida ao inconsciente e 0jogo com uma transcenden-cia vazia. Esta transformacao espelha-se muito exatamente nascategorias com as quais poetas e criticos falam da lirica.

Ao julgar as poesias , a epoca precedente indicava prepon-derantemente as qua lidades de conteudo e as desc revia comcategorias positives. Das reeensdes de Goethe sobre a poesia, co-lhemos apreciacfies, como: aprazimento, alegria, plenitude har-monica e afetuosa; " toda audacia curva-se a uma medida legft l-rna"; as catastrofes transformam-se em benr;aos; aquilo que ecomum, ISexaltado; 0 beneffcio de uma poesia e "que ela ensinaa compreender a condieao do hornem como desejavel", eIa tern"a serenidade interior", um "olhar feliz para com 0 real". e elevao indivfdue ao universalmente humano. As qualidades formaischamam-se: a significancia (0 conteudo significative) da pala-vra, uma "linguagem contida", que "procede com cautela tran-qti ila e exetidao" e escolhe cada palavra na medida jus ta, "semconceitos acessorios", Schiller vale-se de conceitos analogos: apoesia enohrece, da dignidade ao afeto: e " idealizacao de seu

objeto, sem a qual deixaria de merecer seu nome": evlta " rari-dades" (singularidades) que contrastariam com 0 "idealmenteuniversal"; sua pe r fe icao depende de urna a lma limpida, suabela forma da "eont inuidade do con texte". Visto que tai s exi -gancias e avaliacoes vern de limitadas por seus contrari es, aepoca precedente tern de usar tambem categorias negatives, masexclusivamente com a finalidade de condenacao: fragmentario,"confuse", "mero amontoado de imagens", noite (em vez de

luz), "esboco talentoso", "sonhos vacilantes" , " tecido esvoa-cante" (Grlllparzer).

E agora, com a Dutra forma de poetar, eis que surgemtambem outras categorias, quase todas negat ivas, e a lem domais refe ridas, em crescente rnedida, niio mais ao conteudomas, antes, a forma. J Ii com Novalis elas v&n usadas nao paracensura r , mas para descrever e, ate m e sm o , para e log ia r , a poe-s i a b a se ia - se na " p ro d u ca o a ci d en t al propositada"; el a representao que foi dito "em conca tenacao livre ac identa l " , "quanto maispessoal, mais local, mais temporal e uma poesia tanto mais elaeSfap roxl r i i i do centro da poesia" (note-se que "temporal" etc.,significava eomumente, na estilistica de entao, a inadmissivel-mente llmitado),

o mais denso actimulo de categorias negativas encontra-seem Lautreamont. Em 1870, ele tracou, com clarivideneia, urnquadro da literatura que viria depois dele. Na verdade estequadro - tanto quanto se possa interpretar urn autor ca6ticoque se ocult a soh mascaras dive rsas - parece ter sido concebi-do como uma admoestacao. Todavia 0 que e desconcertante eque Lautreamont, que ajudou a preparar a Hrica pos terior , sou-be dist ingulr suas caracterlst icas de tal forma que se toma indi-ferente saber se ele queria - taIvez - deter a evolucao queestava pressentindo, Suas caracterlzacoes seam como angustias,confusoes, degradaedes , trejeitos , dominio da excecao e do ex-traordinario, obscuridade, fantasia ardente, 0 escuro e 0 som-brio, dilaceracao em opostos extremes, inclinacao ao Nada. Esurgem, entao, inesperadamente, na torrente de tais conceitos ede semelhantes, as serras 1. Mas encontramos estas serras tam-hem em outros lugares, Numa poesia de Eluard, "Le mal"(1932), que consiste de imagens acumuladas da destruica 0, soao primei ro verso: "At havia a porta come uma serra". Variosquadros de Picasso mostram, sem qualquer necessidade obje-

I. A palavr a f rance sa ( " sc ie ") t ern , na ve rdade , t ambern 0 signl-ficado secundario de "caprichos", "importunacoes", "sempre a mesmacan tiga" , e no texto apre sentado 6 en tend ldo p rir nei ro nest e si gn if ic ado ,e depo is , t amboSm no seu senti do concr et o.

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tlvn, urns serra ou entao s O dentes de uma serra, colocada de

t rnves ent re superf icies geometr icas : as cordas de urn bandol im

uparecem, outra vez, como imagens semelhantes a urna serra.

Niio sera neces s a r io pensar em influSncia alguma. P od e- se c on -siderar 0 aparecimento deste simbolo, em tal lapse de tempo.

como urn dos sinais mais expressivos para a coacao da estru-

tura que domina na poesia e na arte modernas, desde a segundametade do recu·" r-assado,

Citaremos Binda f6rmulas signi fica tivas colhidas de escri-tos alemaes, franceses, espanhois e ingleses sobre a lfrica con-

temporiinea. Insistimos no fato de que elas sempre foram em-

pregadas descritivamente e nao com a finalidade de depreciar.

Ou seja, desorientacao, dissolucao do que e corrente, ordem

sacrificada, incoerencla, f ragmenta . .ao, reversibilidade, estilo de

alinhavo, poesia despoetizada, lampejos destrutivos, imagen!

cortantes, repentinidade brutal, deslocamento, modo de ver as-

tigmatico, estranhamento ... E, finalmente, a expressao de urn

espanhol (D~ Alonso): "Nao existe, no memento, outro

recurso do que designar nossa arte com conceitos negatives".

Isto foi eserito em 1932 e poderia ser repetido em 1955, sem

distol'{:io dos fatos.,

£ corre to fa lar fundamentado nesses concei tos , Certamen-

te tambern outros encontram sua expressao, Verlaine chama

"virgilianos" os versos de Rimbaud, Mas tambem chamou-se"virgilianos" os versos de Racine. A designacao positiva tern

apenas urn valor aproximativo e niio atinge 0 justo valor, en-

quanto reduz as dlssonanclas reais e lexicas de Rimbaud, [Urn

critico frances fala da "beleza singular" da poesia de Eluard.

Contudo, este conceito positive fica perdido em meio a uma

serie de conceitos completamente negativos; e 56 estes earacte-

rizam aquela "beleza singular". Fazem-se experieneias seme-

Ihantes com os entices de pintura. Chamam "elegante" um

pescoco pintado por Picasso. A defini.;ao e exa t a e todavia nao

exprime a eleganeia particular daquele peSCOI(D,ou seja, a ele-

ganeia de uma imagem completamente irreal, que nao e mais

uma figura humana, mas SiID urna mon t ag em em madeira. Por

que nao se tern a coragem de incluir isto na defini{:ao de urnatal elegancia?

Surge a questio do motivo pot que se pode descrever 0

poetar moderno multo mais exatamente com categories negati-

vas do que com positivas. £ uma questjo de determina .. ao his-

t6riea desta lfrica -- uma~qtiestiio do futuro. Estarao todos es-

tes poetas tao adiantede-il6S queaindanenhum conceito apro-

priado os pode atingir e a cogni!<io tern por i s s o de con ter -s enaqueles concei tos negatives, para poder ter ao menos urn ponto

de apoio? 01,1 e exata a possibilidade, aludida M pouco, que

se trata de uma nlio assimilabilldade definitiva gue seria uma

caracteristica essencial dopoetar moderno? Poderia ser qual-

quer' das duashfpoteses, mas niio 0 s ab emo s . S6 se pode com-

provar 0 fato da anormalidade, Daf a necessidade de empregar,

na exata c o g n i . .ao dos elementos de tal anormalidade, aqueles

conceitos que ela impos a re mesmo 80S observadores mais so -licitos.

Preludlos te6ricos no aiiculo XVIII: Rousseau. Dlderot

Na segunda metade do seculo XVIII, comecam a aparecer

fen6menos na literatura europeia que, considerados a partir da

lf rica posterior, podem ser' in terpr etados como seus prel tidios ,

Contentamo-nos em demonstra-los em Rousseau e em Diderot.

Rousseau interressa-ncs aqu i menos como 0 autor de pro-

gramaa politicos e socials ou como 0 homem inebriado da na-

tureza, entusiasta da virtude. Somente nos interessaria na me-

dida em que se trata dos p6los de uma tensao indiasohivel queatravessa toda a sua obra. E a tensiio entre. a agudeza intelec-

tual e a excitacao afetiva ,~n. tre 0pendor· a seq_iiEncia 16gica

do pensamento e a submissi io A s utopias do sentimento - urn

caso partlcularmente sedimentado da dissonsncia moderna. Po-

rem, algumas outras caracterfsticas nos sao agora mais impor-

tantes.

Na verdade, Rousseau l: 0 herdeiro de mui tas tr adicoes.

Mas el as nao es t ao mais obrigatoriamente vinculadas a sua in-

tencao, E como se ele quisesse Hear completamente 56, apenas

dian te de 5 1 proprio e da natureza . E esta von tade que impor ta .

Rousseau dirige-se ao ponto zero da hist6ria. Ele a deprecia

atraves de seus programas sabre politica, sociedade e sobre a

vida, para os quais 0 adent rar-se em condicoes hist6 ricas jaseria uma falsificacao, Em sua atitude autista, ele encarnaa

primeira forma radical da rupture moderna com a tradicao -. £,ao mesmo tempo, uma ruptura com 0 mundo circuns tante. Cos-

tuma~se julgar Rousseau como urn psicopata, como urn exem-

plo classlco da mania de perseguicao. Este julgamento niio bas-

ta; nao consegue explicar por que sua epoca e a seguinte

admiraram nele jus tamente a incomunicabi lidade e a singulari -

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dude do! legitimada. 0 eu absoluto que apal'ece em Rousseau,

com 0 pathos da grandeza ipcompreen~i~a impele a uma rup-

tura entre ele proprio e a sociedade. Na verdade, a ruptura rea-

Iizou- se sob os pressupos tos patolog icos da pessoa de Rousseau,

mas coincidiu, evidentemente, com uma experlsncla do epoca

que ja se tornava sobrepessoal, Vel' na pr6pria anormalidade a

garantia para a sua vocacao, estar tao convencido da necessaria

irreconciliabilidade entre 0 eu e 0 mundo de tal modo que Sf

podia basear nisso a maxima "antes querer ser odiado do que

ser normal" e urn esquema daquela auto-interpre tacac, que fa-cilmente se reconhece nos poetas do seculo seguinte, Verlaine

encontrou a formula exata: p o et es m a ud it s (poetas maldiros).

o sofrimento do eu incompreendido, diante da proscricao do

'm u n d o c ir cu n st an te p ro vo ca da par ele mesmo e a volta it i n te -rlorldade preocupada eonsigo mesma, torna-se urn ate de orgu-

lho; a p r o sc r ic a c m a n i fe s ta - se como urna pretensso a supe r io r i -dade.

a poesia futura. E verdade que Rousseau fala impulslonado par

urn sent imental ismo da felicidade t ingido de matizes pessoais .

Eliminando-o, veremos que a fantasia e , aqui , ousadamente ele-

vada a uma faculdade que, alem de bem conheeer sua condieao

de i lusoria, tambem a quer, gracas I I conviccao de que 0Nada -

certamente entendido ainda par Rousseau como nul idade moral

___;_fio permite outra produtividade do espirito a nao ser a

imagindria: so esta satisfaz a necessidade de desdobramento dalnterioridade, Com isto cai por terra a dever de medir com a

legitimidade objetiva e 16gica 0produto da fantasia e de man-ts-lo afastado do puramente f antast ico, A fantasia torna-se abso-

luta. N6s a reencontraremos com tal definicao no seculo XIX,

exacerbada em fantasia ditatorial e definitivamente Iibertada

das cores sentimentais de Rousseau 2.

Rousseau consegue exprimir uma certeza na existencia pre.

racional, em sua obra escrita na velhice, Le s Re ve ries du Pro -m e n e ur S o li ta i re . 0 conteudo desta obra e um crepusculo de so-nho que declina do tempo mecanico ao tempo interior, que nao

mais distingue entre passado e instante, confusao e beneffcio,

fantasia e realidade. A descoberta do tempo inter ior na o e nova;Seneca, Agostinho, Locke, Sterne, tinham refletido sabre eIa.

A intensidade lfrica, porem, com a qual Rousseau se abandona

ao tempo interior, em particular a sua disposicao para uma

alma adver se ao mundo circunstante, teve uma forca que pre-parou 0 caminho it 'poesia futura, que nao podia advir das ante-

riores anali ses f ilosoficas sobre 0 tempo .. 0 tempo mecanico,

o relogio, vem sentido como a sfmbolo odiado da civilizalJao

(ecnica (assim em Baudelaire e em muitos poetas posteriores,

como em A . Machado), 0 tempo inter ior constituira 0 refugio

de uma lirica que se esquiva a realidade opressora.

A supressso -da di ferenca ent re f antasia e real idade e con-

seguida par Rousseau em muitos outros trechos de suas obras.

S6 a fantasia - assim consta em La N ouv elle H elo ise - traza felicidadera reallzacao, _Forem, 6 a morte da felicldade.' "0pais da fantas ia e, neste mundo, 0 unico que rnerece ser ha-

bitado; a essencia do homem e tao nula que 56 e bela aquiloque nao existe, H (VI. 8) Acresce-se a esta formulacao 0 concel-

to de fantasia criativa, cujo direito e aquele de criar, com a

dlsponibilidade do sujeito, 0 nao existente e de coloca-lo acima

do existente (Con/ essions , II, 9). Jamais pode ser atribuida

demasiada im p o r t a nc i a ao significado de tais expressdes para

Tambem Diderot concede a fantasia uma posicao indepen-

dente e the permite medir-se s6 consigo mesma. As suas rene-x6es sao de urn tear diferente daquele que se encontra na s .ref lexoes de Rousseau. Relacionam-se com sua discussao sobre 0

genic, como ele a desenvolve, d ia le ticamente , em Le Neveu deRameau , e, l inear rnente , no art igo sobre 0 "Genic" da Ency .clopedie. No primeiro escrito, aquela discussao conduz a tese

de que a freqiiente, talvez necessaria, coincidencia da imorali-

dade com a genialidade, da inaptidso social com a grandeza

espiritual, e urn fato que se tern de constatar, mesmo se ele

njio pode ser explicado, A ousadia deste pensamento e extra-

ordinaria. A paridade - corrente desde a antigilidade - das

faculdades esteticas com as cognoscitivas e eticas e abolida.

Atribui -se uma ordem autdnomaao genio artf st ico. Confronte-

se esta atitude com as esforcos enviados por Lessing e Kant

para continuar a conciliar a excepcional do genio com os valo-

res normativos do verdadeiro e do born. Nao menos ousado eo art igo da Encydopedi e, Diderot une-se cer tamente a urnaconcepcso mais antigo segundo a qual a genialidade conslste

emum poder visionario natura l que pode romper todas as reo

gras, Porem , em nenhum auto r , antes dele , podia-se encont rar a

2, Com respeito a diferen~a fundamental des te conceito modernode fantasia daquele do grego de Aristoteles veja-se V. Szilasi, sabre afaculdade imaginative ( in: Ideen und Formen: Festschri jt fu r H. Erie -

drich, Frankf ur t a.M, 1964 ) - M. Eige ld inger des ereve a evolu", ii. odo no-vo conceito de fantasia em /./ . Rousseau at la Fdalill! de l'imagination,Neuchatel, 1962.-Evidentemente na o deve ser esquecido que, desde porvolta do seculo XVI. foi concedido iI fantasia 0 direi to de produzi r coi sasinex is tente s ou de reuni r col sa s que nunca ex is tem junta s na na tu reza.,POI'em, com isto, entendia-se a forea da fantasia criadora de mitos, e

nio sua capacldade de criar ilusoes, como acontece desde entso,"

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n( innnCfio que 0 genio tern direito a selvagerla, mas ta rn bern adlrelto de eometer erro s: [ustarnen te s ews erros assombrosos

cstranhos, s a o aqueles que inflamarn; a genio semeia equ fvocos

esplendidos: arrebatado pelo v60 de aguia de sua idtia ele

constr6i casas nas quais a razao nio iria habitar, suas cri~c5es

sao livres combinacoes que ele ama como urna poesia; sua ca-

pacidade e muito mais urn produzir do que urn descobrir: por-

t~nt.o ~verdadeir~ ~ false nao sao mais 85 caracterfst icas que

dlstm~em 0 genic . Nos trechos aqui compendiados, emprega-se ~u.l ta s vezes 0 conceito da fantasia. Eta e a forca que guia

ogema. 0 que se concede a este, concede tambem a ela: serurn movimento autonomqde forcas espirituais, cuja qualidade

se m.e~e . s egund~ a . d lme.~~ao das imagens produzidas, segundoa eflcacia das jdeias, segundo uma dindmica pura nao mais

ligada ao eonterido, a qual deixou atras de si as distinr,:Oes

entre. 0 bern e ~m~1. a ~erdade e a equivoco. Tambem 0 passodaqui a fan tasia d itato rial da poesia po sterio r nfio e grande.

Faz-se neces sa rio , a inda , a tentar a lgurnas ide ia s de Diderot ;

en,~ntram-se . sobretudo nos Salons , onde I az uma ap reciacao

CrIDCa da pmtura de entao. NeIes impera uma sensibilidade

a¥~rada dos valores atmosfericos de urn quadro (l se expoem

vrsoes totalmente novas acerca das leis, independentes do sujei-

to , de cores e de luz. Mais significativo, porem, 6 que as ana-

Iises da _pintu ra entr elacam- se com as analises da poesia. E staconcepcao tern poueo a ver com a antiga doutrina que costu-

maya set docurnentada com a formula (equ ivocada) de Ho racia

"ut p ic tura poesi s" 3. 0 que aqui se delineia, antes de tudo, ea aproxlmacac entre a reflexao sobre a poesia e a reflexac so-

bre a arte plastica, aproximaeao essa, especificamente mo-

derna, que retorna em Baudelaire e durara ate 0 presente. Nos

Salons , surge Ulna visao de procedimentos poeticos que era

naquele tempo , quando muito, comparavel aquela de G. B .V ico:

mas Diderot nao conhecia 0 pensado r italiano. Didero t ve qu~

o. acento e _ para 0 verso 0 mesmo que a cor e para a quadro.

A comunhao de ambos eIe chama de "magia ritmica ", Esta to -

ca a vista, 0 ouvido e a fantasia mais profundamente do que

po~er ia fazer u exa tidao obje tiva ; pol s a "c1ar idade pre judica" .

Daioapelc. "Poetas, sede obscures" - com 0 que se entende

que a poesia deve volver para objetos remotes, assustadores eque . insp!re~ mi~terio. Mas, antes de tudo, para Dlderot, a

poesia nao e mars, absolutamente, a enunciacao de objetos,

Ela e movimento emocional obtido por meio da criayao de me-

tMorasaquem epermiudo "lan~ar-se' aos extremes", valenda-sede .tonalidades, da mesma forma, extremas. Anuncia-se aqui,

por tanta, uma dec is ive preeminencia da magia l ingi iis ti ca sabre

o ccnteudo lingilistico , da dlnam ica de imagens sabre 0 signifi-

cado das imagens. A frase: UAs dimensoes puras e abstratas

da materia tern. uma certa forca de expressao" ainda tateante,

mas su rpr eendente, mostra- nos ate que ponte Diderot pede, as

vezes, avancar no desprend imento da ob jetiv id ade. Baudelair e

voltara a exprimir algo semelhante, mas com maior decisao, e.

desta forma, Iundara aquela modernidade do poetar que hoje se

pode chamar de poesia abstrata,

.AMm disso , Didero t desenvo lveu urna teoria da compreen-

sao que se pede resumir assim: a compreensao existe no caso

id eal apenas como auto-compr een sao ; ao con tr ario, a contato

entre poesia e leiter, conforme a insuficiencia da lingua para

traduzir de forma exata as s ign iflca co es , n ao IS 0 con t a to da

ccmpreensao , mas s im 0 da sugestao magica, E, afinal, comeea,

com Diderot, uma amPliar,:ao do conceito de beleza. Embora

com muita cau telav ele ousa a tentativa de imag inar a desordem

1 0 . _ 0 caoscomo esteticamente r ep resen t avei s ever na perplexida -de urn-Ircito efeitoartfstico, .

Tudo is to sao moderni smos assombrosos qu e resplandecem

num espfrito cuja riqueza de ideias, de pressentimentos e deestimulos, fez com que ele fosse muitas vezes comparado com

os elementos fogo e agua, com urn vulcao, com Prometeu e,

ate mesmo , com um a salamandra. Na verdade, a hora de suas

ideias chegou s6 quando ele foi esquecido de novo, pois ele,

M muito, estava transformado em outros.

N ov al ls s obre a p oe sl a futuN

, 3. Para a concep~iio certa desta f6rmu!a veja-se Horatlus FlaecusEpistu/~e, ed. Klesaling-Helnze, Berlim, 1957, p. 351. '

As novas def in il (5es de fantasi a e de poesi a, documentadas

aqui em Rousseau e em Diderot, consolld am-se no Romantismo

da Alemanha, da Franca e da Inglaterra. 0 cam inho que eles

tomam, a partir daf ate as autores da metade e do fim doseculo XIX, pode ser seguido de perto e tem side descrito

mui ta s vezes, Nao IS, ass im, necessar io repet i- Io aqui, Podemos

nos limitar a compilar as sintomas mals importantes que apa-

recem nas teorias do Romantismo e que ja no os sintomas do

poetar moderno,

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Pn:!cIBO'6Ccom ecar com Navalis. Sua poesia nao pode <lei .

KIIr d e ser leva da em co nt a. SU DS r efle xo es , a ss en ta da s n os"Pragmentos", e em algumas paginas do "Ofterdingen", estao

multo adlante daquela, Com 0 proposito de interpretar a poesia

romAntiea, tracam urn conceito da poesia futura, cuja signi-

fica~ao total s6 se abrange, por sua vez, se ponderado com a

prAtiea poe ti ca , de Baude lai re a te 0 presen te ,

o que diz Novalia sob re a poesia refere-se quase exclusi-

vamente a lirica, a qual aparece agor a como 0 "poetico pura e

sirnplesmente", Pertence a sua essencia a indeterminabilidade

e a infinita distancia de todas as outras formas da literatura.

Jj verdade que, vez par outra, ele a chama de "representacao do

sen timento" , Todavia, com esta expressao defron tam-se outras

que interpretam 0 sujeito lfrlco como uma disposicao neutra,

como um a totaIidade in terior que nao se prende a uma sensa-

"ao precise. No ate poetico, a "ponderacao fria" detem 0 co-

rnando. "0 poeta e aco puro, duro como uma pederneira." Na

materia concrete como na espiritu al, a lfriea consegue a mistu-

ra do heterogeneo, a fo sfor escencia das t r ans i coes , Ela e uma

"defesa contra a v id a habitual". Sua fantasia goza da lib erdade

"de misturar todas as imagens". A lfrica e uma oposicao que

canta contra urn mundo dos habitos, na qual os homens poeti-

cos nao podem mais viver, pois sao "homens divinatorios, rna-

gos". De novo, portanto, a paridade da poesia com a magia,

provinda das mais antigas tradicoes, mas colocada numa novarelacao com a "construcao" e com a "algebra",. como Novalia

chama e gosta de sublinhar Urn tr ace intelectual d esta poe-

s ia . A magia poe ti ca e severa, e "uma fusao da fantasia com a

fo rca do pen samento ", e urn "operar", profundamente dis tin to

em seu efeito do simples prazimento 0 qual, agora, deixa de

ser 0 acompanhante da poesia, Da magia, Novalis deduz 0

conce it e de encantamento. "Cada palavra e urn encantamento",

uma evocacao e um exorcismo da coisa que norneia. Dai a

"magica da fantasia" e "0 mago e poeta", e vice-versa. Sua

Iorca consiste em que ele pode induzir os enfeiticados "a ver,

crer e a sentir uma coisa tal como eu quero", portanto, fantasia

dit ator ia l ( "produtiva") . Est a e a "maier bern do espfritc",

independente de "estimulos exter io res". Portanto, su a lingua-

gem e uma Ulinguagem au tonoma", sem a finalid ade de cornu-

nica! rao. Na llnguagem poetica, "oco rre como com as fo rmulasmatematicas: formam urn mundo para SI, j ogam apenas consigo

mesmas", Tal l inguagem e obscura, a s vezes, a te 0 pon t e de

que 0 poeta "nao compreende a sl proprio"; pois importam-

the as "re lay5es mus i c a i s da a lm a" , a s seqi ienc ias de acento e

de tensso, as quais nao dependem mais da signifiea"ao das pa-

lav ras. Certamen te, tende-se ainda a uma compreensao, Trata-

se, porem, de uma ' compreensao de poucos inlciados, Estes

inlciados nlio mais esperam da poesia os predicados de seus

"genecos infer iores " , ou seja, " [ust eza, c la reza , pureza, comple-

t a~ao, ordem" poi s exi stem predicados super iores: a harmonia,

a eufonia. Eis, pols, de forma decisiva, a moderna separacfio

entre 'lingua e conteudo, a favor da primeira: "Poesias, sim-

plesmente eufonicas, mas tambern sem 0 menor sentido e co-

nexao, no maximo es trofes i so ladas compreensive is , como frag-mentes puros das coisas mais diversas". E, portanto, permitido

a magia lingtiistica fragmentar 0 mundo a service do encanta-

menta. A escuridao e a incoerencia tornam-se pressupostos do

sugestso lirica. ..0 poeta serve-se das palavras como teclas ~,

desperta nelas forcas que a linguagem cotidiana ignora: Mal-

larme falara do "piano de palavras", ~ntra a poesia ante--

rior, que dispunha "seu sortimento num .. ordem facilmente

compr een sivel ", escreve Novalis: "Eu quase me atr ever ia a di-

zer que 0 caos deve t ransparecer em toda poesi a" 0 novo mode

de escrever poesia provoca urn completo "alheamento", para

conduzir a "patria superior" . Sua "operacao " consiste em dedu -

zit do conhecido 0 desconhec ido, como faz 0 " analista no sen-

t ido matemat ico " . "Tematlcamente a poesi a segue 0 acaso, m e-todicamente, as ab s t r aeces da algebra, as quais se tocam com

as "absrracoes da £abula" , ou seja, com sua liberdade nos

con frontos do mundo habitual que sof re de uma "claridade ';\J(.

cessiva' ...

Interioridade neutra em vez de sentimento, fantasia em

vez de reaffifade, fragmentos do mundo em vez de unidade do

mundo, mistura daquilo que e " heterogeneo, caos, fascina~iic

por rne io da obscuridade e da magia lingiifstlca, mas tambem

urn operar frio analogo ao regulado pela matematica, que alh eia

o habitual: estae exatamente a estrutura dentro da quaI se

situariio a teoria poetic a de Baudelaire, a Ifrica de Rimbaud,

de Mallarme e ados poetas hodierncs, A estrutura permanece

transparente tambem nos casos em que cada urn de seus mem-

bro s fo i mais tard e deslocado ou integr ado.

Tudo isto se poderia completer com as express5es de Fr.

Sch legel sobr e a exigencia de separar 0 belo do verdadeiro edo moral, sobr e a necessidade pcitica dos caos, sabr e 0 "exc&l--trice e 0 monstruoso" como pressuposto da originalidade poe-tica.Novalis e Schlegel foram lidos na Franca e fomentaram os

pensamentos f u n d amen t a i s do Romanti smo frances .

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o Romantismo frances sed cons ide rado brevemente; cons-t itui a ponte entre 0 que foi descrito ate agora e Baudelaire, ouseja,o primeiro grande l ir ico do mode r n i s r no , que e , ao mesmotempo, 0 primeiro te6rico decisive, na Europa, d a liriea e dosentimento artistico modemos.

Como moda Iiteraria, ' ) Romantismo frances extinguiu-se

por vo lta da metade do secu lo XIX; mas subsistiu com 0 des-tino espiritual das geraryOesposteriores, tambem daquelas que

pensavam em Iiquida-lo e que introduziam outras modas. 0 quenele havia de descomedimento, afetacao, ostentaeao, trivialida-de rapidamente esgotavel , desabou, Todavia, legou os meios

de representacao aquele estado de consciencia que desde a se-"

gunda metade do seculo ia se transformando e afastando cadavez mais do Romant ismo . Em suas harmon ias se achavam la-tentes as dissonsncias do futuro, Baudelaire escrevia: "0 ROo

mantismo e uma bent;ao celeste ou diab6liea, a quem devemosestigmas eternos" (p. 197). Esta expressao atinge em eheio 0

fa to de 0 Romantismo imprimir estigmas a seus sueessores aremesmo quando esta se extinguindo. Estes se revoltam contra

ele, porque se aeham sob seu encanto. A poesia rnoderna e 0

Romantismo desromantizado (entromantr5leiie-Romantik).

A amargura, 0 gosto de cinzas, 0 turbamento sao expe-

r i~ncias fundamentais forcadas, mas tambem eultivadas peloRomantismo.fPara a civilizacao antiga e pos-antiga, ate 0 se-culo XVIII, a alegr ia era aquele sumo valor espir itual que in-dicava a perfeicao alcancada pelo sab io ou pelo crente, pelocavaleiro, pelo homem da corte, pelo erudito da eli te social . Ador , a nao ser que fosse passagelra, era, conslderada urn valornegativo e pelos te61ogos, uma culpa. A par tir das tendencies

para a dor dos pre- ro rnan t i cos do seculo XVIII , estas relac6esse inver teram, ' A alegr ia e a serenidade desapareceram da lite-

ratura, A melancol ia e a dor c6smica ocuparam 0 seu lugar,Estes niio necessitavam motivo algum para se justificarem, ex-trafam de si pr6pr ios seu alimento e tornaram-se predicados denobreza da alma. 0 romantico Chateaubriand descobre a melan-eoli a sem objeto, eleva a Uc ieneia da dor e das ang iist ias~ ameta das ar tes e interpre ta a c isao esp iritual como banyao d o

Cristianismo. As pessoas declaram-se pertencentes a uma tpocacultural tardia. A conscisncia de ser decadente prnpaga-se e edesfrutada como fonte de estimulos ins6litos. 0 destrutivo, m6r-bido e criminal adquire a categor ia de interessante. Numa poe -

sia de Vigny , "La maison du berger", a lirica toma~ 0 lam~-to sobre os perigos da tecnica que amea~ a alma.' 0 conceitodo Nada comeca a ter sua importfincia, Musset e sen primeiro

por ta~voz, no ambito de um campo de exper ien~ia n a qual ajuventude iludida , infl amada por Napoleao, va l de encont roa urn Mundo de neg6cios sem pa ix5es e va ambos, ilu sao e ne-g6cio, abismarem-se na insensatez, no deser to , no si lencio, no

Nada . "Acredito no Nada , como em mim mesmo", dizia e le,

Melancolia e lamento transformam-se, afinal, na angtist ia por

aquila que e inquietante. Numa poesia de Nerval , que traz 0

titulo, dissonante de seu conteiido, "Vers dores" (l845), e nive-

la a humano com a nio-humano, encontra-se 0 verso: "Tenias,

no muro cego, urn o lbar que te esp reit a". Veremos, como to -

das estas tendencias continuam em Baudelaire - e como se

modificam,

Seguindo as modelos alemaes - nos quais as tradi~s

platonlces tinham-se tornado triviais - '. t :ambe~ os romin~CQsfranceses interpretam 0 poeta como 0 vidente mcompreendido,

como0

sacerdote no santuar io da Arte. Os poetas formam urnpartido contra 0 publico burgues e,__~r f im, per tidos contra-r ios uns aos outros. A f6rmula usada, ainda em 1801, por Mme.tie Stael, segundo a qual a literatura seria a express80 d a so-

eiedade, perde seu sentido. A lit ;ratura repete f) : " r o t e l l t o daRevo lu~ cont ra a sociedade ..vlgente! to~a~se li~r~tu ra deoposi~io au uma Iit ,eratura do futuro" , afm~, uma literature0 3 - - segregayao, com crescente orgulho pelo isolamento, p e s -quema de Rousseau, da singularidade baseada na anormahdade,torna-se o esquema programatico destas gera¢es e < l a s se -

guintes.

Sem duvida alguma, a consagra~ao propria do poeta, .as ex-periencias autent icas ou arti ficais da dor, da melancoli a, danulidade do mundo, libertaram {Ofc a s que redundaram em fa-vor da'li riea. No Roman tismo, floresce a Ii rica franeesa , a l-

cancando novo esplendor, depois de sua Ultimaepoca aurea queremontava a tres seculos atras. Nele Mgrandes valores, mesmoque nio sejam de eategoria europeia, Foi-lhe proffcuo 0 pensa-mento expresso par toda a parte, tamb~m na F~n~, de que apoesia 6 a lingua originaria _dah~al lldade,. a Iingua tota l dosujei to total, para a qual nao exi ste frontell 'a en tre as mate.

oRomantismo hancis

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ri88, nem mesmo limite entre a entusiasmo religiose e 0 poetico,

A lfrica r om s n t i c a francesa p os su i va sts n ua n~ d as ex per ien ci asin te r io re s , viva capacidade cr ia t iva para s us ei ta r a tm cs fer as m e-ridionais, orientals e exoticas, produz uma poesia bucollca- eamorosa encantadora e disp5e de uma virtuosa arte do vena.J 1 : . cintilante, rica de gestos, superprodutiva, oratoria em Victor

Hugo, que. todavia, e bern sucedido tanto nas descricoes de

tranqiiilos quadros intimas, quanta nas imagens de veemencia

vis io na ri a. E m M us ser , esta lf r ica e u rn m is to de cinismo e de

dar. em Lamartine - por vezes -, urn tom puro do qualele proprio p od e d izer que IS suave como veludo. '

Aqui comeca tambem a poesia que parte da linguagem,

a apreensao do impulso Ingenito na propria palavra, com can-

sequencias tao profundas para a poesia moderna, Victor Hugo

nao apenas empregou este prccedimento, mas tambem a funda-

m e n to u , v al en d o -s e de m u it os e a n ti go s a n te ces so res , Num tre-

cho conhecido de "Les Contemplat ions" , Ie-se : "A palavra IS

urn ser vivente, mais poderosa que aquele que a usa; nascida

da escuridao, cria 0 senti do que quer; ela propria e 0 que 0

pensamento, a visao, a tato externos esperam - e muito mais

i!illda: 6 cor, noite, alegria, sonho, amargura, oceano, Infinida-

de; 1 5 a "logos" de Deus. T e r - s e - a de lembrar deste t6p ico, ass im

_c~mo das t it u be an t es a fi rm a c oe s de Did ero t e das mais deci -

d i d a s de Nova l i s , se se quiser comp r e e nde r 0 pensamento deMa l l a rm e acerea da Io rca de i n ic ia j iva da linguagem; ce r ta -

mente ele se encontra, com, seu rigor, multo afastado do extase

confuse de Victor Hugo .

de vinte e cinco anos, das quais certamente niio se pode exigir

reflexibilidade demasiada. M as el as sao sintomas premonit6rios

da modernidade.

Igualmente importante e , ainda, a teoria do grotesco. Di-

derot tinha-a delineado em Le Neveu de Rameau. Victor Hugo

desenvolveu-a no prefacio de seu Cromwell (1827), como parte

de uma teoria do drama. Eta representa, por certo, a m a l s im-

portante con tribu icao ao pat rimOnio das ideias romant icas pres-

tadas pe lo s poetas f r anceses , Suas raizes e n co n tr a m -s e p r ov av el -

mente n as afi rmac5es de Fr . Schlegel sabre 0 gracejo e a ironia

a cujo Ambito pertencem c on ce it os , c om o c ao s, etema agilidade:

I r agmenta r io , bufonaria tr anscendental . Contudo varias pa r t icu-

Ia ri da d es p ar ec em s er o ri gi na ls : sao i de ia s fulgurantes do poem

3 2

"Grotesco" era, originariamente, um termo da linguagem

da pintura e designava 0 trabalho de entrelacamento ornamental

(a maior parte das vezes tirado de motives Iabulosos) de urn

quadro. Seu significado estendeu-se a partir do seculo XVII e

abrangia, ja entao, 0 bizarre, a [ocosidade burle~ca, 0 elemento

d istorc ido e 0 estranho em todos as campos. Victor Hugo, re -tomando as suges toes de Friedrich Schlegel, em p reg a-o n es te s en -

t ido , incluindo, porem, nele tambem 0 elemento feio. Sua teoria

do grotesco representa urn passo adiante, e 6, ate entao, 0 passo

mais energlco em direcao ao nivelamento do belo e do feio.

Aqui lo que era , a te ent jio, desqual ificado , permi tido s6 nos ge·

neros l iterarios inf erior es e nas zonas marg inais da arte plas tica ,

vem elevado a Ur n valor e xp r es s iv e m e t a ff si c o. Vietor Hugo pa r -

te do conceito de u rn mundo que, p or sua propria essencia, es t a

cindido em opostos e que, 56 em virtu de desta ci s so , subsiste

como unidade superior. Es te e urn pensamento antigo, j~ muitas

vezes dito antes dele. Victor Hugo, porem, acentua de maneira

nova a papel do feio: ja nio se trata apenas do oposto 0. 0 oeto,

mas de um valor em 81. Aparece na obra de a r te como 0 grotes-

co, como uma imagem do incompleto e do d es ar m en ic o. M aS 0

In co m pl et e " 6 0 rneio mais a deq ua do para ser ha rm en ico " . V @·

se como, sob a designacao "harmonia" , ja ta o mudada em seu

significado, vai progredindo a conceito d a desarmonia: de s a rmo -

nia dos fragmentos.:P grotesco deve aliviar-nos da beleza e, co~

sua "voz estridente", afastar sua monotonia. Reflete a disso-

na nc i a entr e os est ra tos animais e as estratos superiores do ho -

mem. Reduzindo os fenomenos a fragmentos. manifesta que a

"grande todo" nos e percept ivel apenas como fragmento, vista

que 0 "todo" nio concorda com 0 homem, 0 que e a todo?

E s ig_ni fica tivo que a respos ta falte au seja con fu sa . E urna

transcendencia vazia, mesmo se puder ser concebida de manei-

raeriata, como acredita Victor Hugo. Para ele 56 existem seus

fragmentos nas caricatures do grotesco e, mesmo estas, ja nada

tern a ver com 0 ri so , 0 ri so do gro tesco, ass irn lnterpre tado,

cede l ug a r ao sorriso i ronlco ou a horripilaciio. T or na -s e t re-[ ei t o , e xc it a c a o provocante e estfmulo de um a inquIetude a qual

a alma mo d e r n a aspira m a l s que b d la ten sa o. '

Estas s i lo t eo r ia s roml lnt lcas que, a lguns an os m ais tarde,

se podera encon trar tamb6m em Th, Gautier . Per tencem aos estig-

A teoria do grotesco e do fragmant6rlo

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rna! ddeque ~ala Baudela ire . Indicam 0 caminho no qual ha -

,~~rll? e su~r as poesias arlequ inais de Verlaine , a poesia tee-

jeiteira de Rimbaud e de Tristan Corbiere. 0 "humor negro"dos surreal is tas e de seu precursor Laut :reamont e r f"

as absurdos dos mais modemos. -Tudo isto serve aq~efa fi ~~dade obscura de indicar uma transcendenda em dis • ~naem fra t • h . .. ..-.... . .50nanClas e. . ,gmen os, cuje armenia e total idade n inguem mais podeperceber.

I I . Baud el a ir e

o poeta cia modemldade

Com Baudelaire, a lfrica francesa ·passou a ser de dominic

europeu, como se vi! da influencia que, a partir de entao, exer-

ceu sabre a Alemanha, a lnglaterra, a Italia e a Espanha. Na

propria Franca, tornou-se logo evidente que de Baudelaire par-

tiam correntes de carater diverse, mais excitantes que as deri-

vadas dos romanticos, Destas ideias foram irnbuidos Rimbaud,

Verlaine, Mallarme, Este ultimo reconheceu que havia comeca-

do do ponto onde Baudelaire teve de cessar, No fim de sua vida.

Valery tracou ainda uma linha de ligao;;ao direta de Baudelaire

a ele proprio. 0 Ingles T. S. Eliot chama-o de "0 maior exem-

plo da poesia moderna em qualquer lingua ", J . Cocteau escre-

veu em 1945: "Detrss de seus trejeitos dirige lentamente seu

olhar ate n6s como a luz das estrelas".

Em muitas declaracoes analogas, fala-se do poeta da "mo-

dernidade ". Esta afirmacao tern uma [ustfflcativa de todo ime-

diata, pols Baudelaire e urn dos criadores desta palavra, Ele a

emprega em 1859, desculpando-se por sua novidade, mas neces-

sHadelllpara expressar 0 particular do artista rnoderno: a

capacidade de ver no deserto da metropole nao 56 a decadenciado homem, mas tambem de pressentir uma beleza misteriosa,

nao descoberta a fe entao (p. 891 e ss.). Este e 0 problema es-

pecifico de Baudelaire, au seja, a possibilidade da poesia na ci-

Vi]j7;a<;ac comercializada e d om in ad a pela tecnica.Sua poeslamostra 0 camlnho, sua prosa examina-a t eor icamente a fundo

- Este caminho conduz a uma distancia, a maior possfvel da trl-

vial idade do real ate a zona do misterioso: a Iaz de tal forma,

todavia, que os est fmulos civi lizados da real idade, incluidos nes-

ta zona, possam 5e converter em poeticos e vibrantes. Este e a

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infcio da poesia moderna e de sua sUDst i inc ia ta o corrosivaquanto mag l c a ,

Uma caracteristica fundamental de Baude l a i r e e su a disci-plina espiri tua l e a c la reza de sua co n s c i dnc i e artfs tica Ele rea-ne 0 genio poetico e a inteligencia critica. Suas ideias acerca doprocedimento da arte poetica estao no me s m o nfvel de seu pro-pno poetar e sao, em rnuitos casas, ate mesmo mais avancadas ,c om o o co rr eu ta m bem com N ov al is , E st as id ela s ex er cer am u rn ainf luencia maior d o que sua lf r ica sabre a ep oca subseqiiente ese acham expostas nas coleeoes de ensaios Cu r io s i te s E s th e t iqu e se L'Art Romantique (ambas obras pos tumas, de 1868) . As duascontem tanto as interpretacdes como as programas, desenvolvl-dos na observacao de obras conternporaneQs n a o s6 da Iiteratn-ra, mas tambem da pintura e da rmisica, Num nfvel mais eleva-do, repete-se 0 fato, presents ja em Diderot , de que, ao iniciar-se urn modo de pensar sobre poeaia voltado a novos objet ivos,se recorrer as outras artes. Todavia estes ensaios vao se amplian-do cada vez mais, ate chegarem a anal ises do conscienc la c ia

epoca, ou se ja , da modemidade em si, porque Baude la ire con.cebe a poesia e a a rte como elabo racao criat iva do dest ine deuma epoca, Comeca a del inear-se a passo que Malla rme dara ,o passo a uma poesia ontologies e a uma teoria da poesiafundamentada ontologicamente,

t ico§. em contraste com a lfr ica de muitos seculos anter iores.Niio se pode l ev ar sufidentemente a s er io 0 que 0 proprio Bau -

delaire diz a respeito. 0 fato de que suas afirmaeoes se reportema out ras analogas deE. A. Poe , nao diminui seu valor, ao COD-

t rario, s ltuam-nas na linha cer ta .

Fora da F r a nc a , Poe foi quem separou, de modo m a i s reosolute , urn do out ro, a liri ca e 0 cor acao , Desejou como s_uieitoda lir ica uma excitaciio entus iast ica mas que esta nada tivesse

a ver com a paixao pessoal nem com the intox ica tion o f thehear t (a embriaguez do coracao). Entende, por excitai ;:ao en-tusiast ica , uma disposicao ampla, chama-a de alma, em ver-dade s6 para dar-lhe urn nome. porem acrescenta cada vez:•nao corac;ao", Baudela ire repe te as palavras de Poe quaseao pe da le tra , va riando-as com forrnulacoes proprlas: "A ca-pacidade de sentir do coracao nao convem ao trabalho p o e -t ieo" , em oposicao a "capacidade de sent ir da fantasia" (p.1031 e 58.). Ha de se considerar que Baudelaire concebe a fan-tas ia como uma elaboracao guiada pelo intelecto , 0 que serademonstrado mais adiante. Esta concepcao lanea a luz necessa-ria sobre as palavras citadas ha pouco. Estas exigem que seprescinda de todo sentimentalismo pessoal a favor de um~fantasia clarividente que, de forma melhor que aquele, concluitarefas mais dif fceis, Baudelaire apnea ao poeta 0 iema: -Mi·

nha tarefa e extra -humans" (p . 1044). Em uma carta , e le fa lada ~intencionada impessoalidade de rninhas poesias", com 0

que se entende que e1aspodem expressar qualquer possivel es-tado de consciencia do homem, com preferencla os mais extre-mos . "Lagr irnas? Sim, mas aquelas 'que nao vern do coracso '."Baudelaire jus tifica a poesia em sua capacidade de neutral izaro corac;aopessoal, Isto acontece de maneira Binda tateante, mui-tas vezes encober to debaixo de concepcoes mais antigas , Masocorre de tal modo que se pode conhecer 0 fu turo passe daneutral izacao da pessoa para a desumanizacao do sujeito l ir icocomo uma necessidade his t6riea. De qualquer forma, contem

ja aquela despersonalizacao que, mais tarde. sera ~x.!' licada p~rT. S. E liot e outros como pressuposto para a exa tidao e a val i-dade do poetar.

Ouase todas as poesias de Les F leurs du M al falam a par-

t ir do eu. Baudelaire e urn hornem completamente curvado sa-bre si mesmo. Todavia este homem voltado para si rnesmn,quando compoe poesias, mal olha para seu eu empirico. Elefala em seus versos de si mesmo, na medida em que se sabevftirna da modernidade. Esta pesa sobre ele como excomunhao,Baudelaire disse, com bastante freqiiSncia. que seu sofrimento

Despersonaliza~

~ inv~stiga9iio muito conseguiu no sentido de aquilatar asrelacoes eXlstentes entre Baudelaire e as romanticos. Mas nosoc.uparemos aqui da diferenca entre eles, daquilo que Ihe per-rmtiu t ransformar a legado romantico numa poesia e num pen.samento que, por sua vez, gerou a lfr ica dos pos teriores .

Le s Fleurs du M al (1857) nao sao uma Hrica de confissaourn diatio de.situacoes particulares, por mais que haja penetrad;nelas 0. sofr~mento de urn homem soli tario, infel iz e doente.

~~udelalre nao _datou nenhuma de suas poesias , como 0 fazia\ lCto~Hugo. ~ao ha nenhuma s6 que possa expl ica r-se em suapropria . tematica a base de dados bicgra ficos do poeta. ComBaudelaire co~ec;a a despersonalizar,:iioda lfrica moderna, pelornenos ~o sentido que a palavra 1ir ic~ja nao nasce da unidadede poes i a e pes soa empirica, como haviam pretendido os roman.

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nilo era apenas 0seu. ~ s ignificativo que res tos do conteddo desua vida pessoal, quando ainda permanecem aderentes a s suaspoesias, s6 estejam expresses de maneira imprecisa, Ele nunca

ter ia escri to versos como, por exemplo, os de Victor Hugo so.

bre a morte de uma crianca. Com uma solidez met6dica e tenazmede e~ si mesmo 10d~s as fases que surgem sob a coa~iiodamodernidade: a angus tia, a impossibi lidade de evasao 0 ruirfrente .8 . idealidade ardentemente querida, mas que se'recollie

ao vazro, Ele fala de sua obsessao de assumir aque le destino."Obsessao" e "destine" sao duas de suas palavras-chave. Outradelas e . .concentracao", e junto a esta, "concentraego do eu" ,

~le fa~ sua a sentcnea de Emerson: "Hero i e aquele que est liimpassivelmente centrado", Os conceitos opostos sao "dissolu-

~iiO". ~ "prost ituief io". Este ult imo conceito - que der iva dosi luminlstas franceses do seculo XVIII - s ignifica abandono de

si proprio; r:noocia il~cita do. destino esplritual, fuga ao campoalheio, trawao por meio da dispersao, Estes si io os sintomas dacivilizacao moderna, como acentua Baudelaire, perigos dos quais

de ~r6prio te rn de precaver-se - ele, 0 "Mestre em virtude dodes tmo de sua s ituacao" (p. 676), em vir tude do recolhimentoem Urneu que eliminou a casualidade da pessoa.

portadores, variantes, metamorfoses de uma tensio fundamen-tal que , em poucas palavras, podemos designar rome tensioentre a satani smo e a idea1idade. Esta tensio pennanece naoresolvida . Mas aprest;nla , em conjunto, aquela ordem e r o e -renda que cada poeiiiatem de per si.

Os dois caminhos da l irica futura const ituem ainda umaunidade, A tensiio insolvida intensificar-se-a em Rimbaud, tor-nando-se uma dissonancia absoluta, mas des trulra , com iS80.

toda ordem e coerencia, Tambem Mallarme agucara a tensi io ea transferird, porern, a outros temas, criando de novo umaordem semelhante ii. de Baudelaire. refer indo-a, porem, a umanova linguagem, de sentido obscuro.

Com a tematica concentrada de sua poesia, Baudelaire cum-pre 0 proposito de nio entregar a "embriaguez do coracao".

Esta pede comparecer na poesia, mas niio se trata de poesiapropr iamente dita, e s im de mero material poetico, 0 ato que

conduz a poesia pura chama-se trabalho, construcso sistematicade uma arquitetura, opera"ao com os impulses da lingua. Bau-

delaire chamou var ias vezes a aten~iio para 0 fato de que Les

Fleurs du Mal nao querem ser urn simples a lbum, mas urn to -

do, com comeco, desenvolvimento articulado e fim. Isto e exa-to. De acordo com 0 conteudo, elas oferecern desespero, pa-

ralisia, v80 febril ao irreal, desejo de morte, m6rbidos jogos deexcitacao, Ma s estes conteudos negatives podem ainda estar en-vol tos por uma composicao medi tada . Ao lado do Canzoniere

de Petrarca, de Der WestOstlichem, do Divan de Goethe e doCdntico de Guillen, Les Fleurs du Mal slio a livre arquitetoni-camente mais r igoroso da lir ica europeia, Tudo quanta Baude-laire acrescentou ao livro, ap6s sua primeira publiea"ao, estadisposto de tal forma que, como reconhece numa carta, ajusta-seao molde que j li havia esbocado por vol ta de 1845 e ampliadonesta primeira edicao. Nesta, havia tide importdncia ate mesmoa antigo costume da composicao numerada. Continha cern poe.sias distribufdas em cinco grupos. Este e outro sinal de sua von-tade de construcao formal, na qual se manifesta, com toda acer teza, uma aspira"ao formal comum aos pafses romanicos.AMm disso, os resqufcios Individualizaveis do pensamento cris-

tao em suas poesias sugerem que em sua tess itura formal, sur-preendentemente exata, ressoa a simb61ica da alta Idade-Mediaque cos tumava ref letir, nas formas de compcsicao, a ordem docosmo criado.

Baudelaire abandonou, nas sucessivas edicoes, a distribui-Cao numerlca, mas reforeou a ordem intema. Esta nao ISdiffcil

Concentraeiio e conscl4!ncia da fonna: Urlca e matemlitlca

• Les Fleurs du Mal estao entrecortadas por urn filamentotemanco que as torna urn organismo concentrado? Poder-se-iaate mesmo fa la r de urn sistema, t anto mais que os' ensa ios osdiarios e tambem algumas cartas nos facultam a rneditadatra-rna dos temas, Estes nao sio muito numero so s ; e e surpreen-den te ver como eles aparecem logo, j a ao redor de 1840. Ate

a publicacao de Les Fleurs du Mal e ate sua morte, Baudelairemal ultrapassara ~eu.ambito. Preferia trabalhar no aperfeicoa-menlo de urn pnmeiro esboco a escrever uma nova poesia,Houve quem quisesse ver nesta ati tude uma Ial ta de fecundi~

dade do poeta. Em verdade, trata-se daquela fecunda intensi-d~de que, uma vez alcancado 0 ponto de ruptura, 0 val am.pliando e reforcando, em direcao ao fundo. Esta fecundidadeativa a vontade de perfeicao artfs tica, pais s6 na maturidade daf?rma a suprapersonalidade do que esta expresso vern garan-i ida. Os poucos temas de Baudelaire podem se entender como

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de reconhecer. Ap6s uma poesia introdutdrla antectpando 0

todo da obra, 0 primeiro grupo, "Spleen et ideal", oferece 0

c~ntr~s te ent re v60 e ~ueda, a grupo seguinte, "Tableaux pari.

srens mo s t r a a tentativa de eyasao no Mundo externo de uma

metropole; 0 terceiro, . .Le Vin", a evas so tentada no paraisoda arte. Tambem esta nao traz tranqtiilidade. Dai resulta a

abandono it f ascin~ao do dest rut ivo: este e a conteedo do quar-

to grupo, que leva 0 me s m o titulo d e toda a obra (L es F le ur s d uMal ) , A deducso de tudo isto e a escarnecedora revol ts con tr a

Deus no quinto grupo "Revolte", Como Ultima tentativa, restaencontrar a tranqiiilidade n a m o rt e, no absolutamente desconhe-cido: assim termina a obra no sexto e ultimo grupo, "La Mort".

Todavia, 0 plano arqui te ton ico mani festa-se tambem no ambito

dos gru~os isolado~, como. uma especie des~qii~jIda dialeticadas poeslas. Isto nao precis a ser demonstrado aqui, pols 0 es-

sencial resulta do todo. Trata-se de uma tessitura ordenada mas

movim~ntada, cujas linhas alternam-se entre sl, fonnando, na

evolucao .total, uma parabola de cima para baixo. 0 r im e a

p~nto m~ls profunda e se chama "abismo", pois, 56 no abismo

ainda exis te a esperance de ver 0 "novo". Que novo? A espe-

ranea do abismo nao encontra palavras para expressa-lo, 0 fato

?e B.audelaire ter disposto Les Fleurs du M al como construcac

arquitetonica, comprova a distancia que 0 separa do Romantis-

rna, cu jos l iv ros Hr icos sao s imples co leeces e repetem, quanta

ao aspect? f~nna!, na arbitrariedade da disposicso, a casuali-dade da mSplra?ao. Comprova, alem disso, a importancia que

as _lorvas formais tern em sua poesia, Estas significam muito

mats que omamento au cui d ado devido. Slio meios da salvacao

bus c a do s ao maximo num estado esp i r i tua l extremamente inquie-

to. as . poetas. s emp r e souberam que a aflir;ao se dissolve no

canto. ~ 0 conhecimento da catarse do sof rimento mediante sua

transformacao em linguagem formal mais elevada. Mas apenas

no se~ulo XIX, qu~nd~ 0sofrimento com uma finalidade passou

a sofrimento sem finalidade, a desolayao e, por fim, ao n ill ismo

as Iormas tornaram-se, tao imperiosamente, a salvar,:ao - can:

quanto fechadas em si e repousantes - entrando em dissondn-

c~a ~oT ~s contetidos in9uietos. Voltarnos a deparar com uma

dissonancia fundamental a a poesia moderna, Assim como a poe-

sia separou-se do coracao, tambem a forma separa-se do coo-

telldo: A salvacao da poesia consiste na llnguagem, enquanto 0

conteudo pennanece em sua inso lubi lidade.

~audela ire exprimi~ m;ri tas vezes 0 cancei to da salvayao

atra~es das formas. Assim e em urn trecho, cujo sentido e me-

nos inocuo do que {lode parecer por palavras tradicionais: "0

maravi lhoso privi legio da arte e que 0 espantoso, espresso com

arte, torna-se beleza, e que a dor r itmizada, art iculada, pr eenche

a espfrito com uma alegria tranqiiila" (p. 1040). Eata f rase

oculra ainda 0que le i se estava introduzindo na poesia de Bau-

delaire, isto e, a J!reponderAncia c;la vontade da forma sobre a

vontade de simples expressao, Mas mostra muito de seu anseio

de seguranca atraves da forma, do "salva-vidas das formas",como mais tarde so a ra urn verso de J. Guillen (411), (p, 263).

Em outro trecho, diz: "~ de todo evidente que as leis metr ica snao s iio t iranias inventadas arbi trariamente. Sao regras exlgidas

pelo proprio organismo esp iri tual, Jamais impedir am a origina-

lidade de realizar-se. 0 contrario e infinitamente mais certo:

sempre ajudaram a originalidade a atingir a maturidade" (p.

779). Strawinsky reportar-se-a a este trecho em sua Poetiquemusicale. 0 pensamento exp res so nele sera repetido par Mallar-

m e e por Vah~ry - nao s6 porque confirrna uma antiga cons-

ciencia romanica da forma, como t amb em porque nela se ap6ia

a praxe, preferida par muitos modernos, na qual as convencoes

de rima, do m im e r o de s f l abas do verso, da constru~ao das es -

trofes, Sao manejadas como instrurnentos que marcam a lingua-

gem, excitando-a a reacoes a s quais 0 esboco do ccnteudo da

poesia nao teria chegado .

Baudelaire elogiou uma vez em Daumier0

fato deste con-segui r representar com exa ta clareza 0 inferior, 0 trivial, 0 de-

generado. Teria podido d izer 0mesmo de suas proprias poesias ,

Elas reunem a mortalidade e a precisao e, tambem nisso, sao

urn prehidio da llrica futura. Com Novalis e Poe, 0 conceito

do calculo havia penetrado na teoria poetica . Baudelai re 0 assu-

me. "Beleza e 0 produto de razl io e calcu lo", escreve por ocasiao

de uma discussao muito tfpica dele sabre a preeminencia do

art ificial (quer d izer, do artl st ico) sabre 0 simplesmente natural

(p. 911). Tambem a inspiracao tern para ele 0 valor de algo

rneramente natural, de subjetividade -impura.! Cornu iinico im-

pulso do poetar, aquela conduz tanto ao inexato como it em-

briaguez do coracao, ~ benvinda como recompensa ao trabalho

artistico precedente, 0 qual, de sua parte, tern categoria de

exercfcio; s6 entao ela adquire graca, como acontece com um

dancarino que "partiu mil vezes os ossos em segredo, antes dese apresentar em publico" (p. 1133). Nso ~ de se descurar a

grande participacao de fatores intelectuais e volitivos que Bau-

delaire associa ao ato poetico, Como em Navalis, em tais refle-

x5es comparece 0 conceito da matematica, Para caracterizar a

precisao do est ilo, Baudela ire compare-e aOS "prodigios da ma-

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tematica". A metafora adquire 0 valor de .,exatidao matema-

tica ". Tudo Isto ocorre apoiando-se em Poe. que havia Ialado do

parentesco das tarefas poet i cas com a "logica rigorosa de urn

prob lema matematico" . Atraves de Mallarmt 'l , estas id6ias pros-

segurram atuando na poetica de nossos dias,

tr6poles sem plantas com sua fealdade, seu asfalto, sua ilumlna-

Cao artificial, suas gargantas de pedra, suas culpas e solidiSes

no bulicio dos homens. Signifiea, alem disso, a epoca da tecni-

ca que trabalha com 0 vapor e a eletricidade e a do progresso,

Baudelaire define 0 progresso como "decaimento progressive da

alma, predominio progressivo da materia» (p. 766, se bern que

em termos distintos dos da prime ira ediCao); em outra ocasiao,

o define como "atrofia do esolrito" (p. 1203). Conhecemos

sua "aversao infinita" pelos manifestos, pelos jornais, pela

"crescente mare da democracia que tudo nivela". 0 mesmo ha-viam dito Stendhal, Tocquevi lle, e , u rn pouco mais ta rde , Hau-

bert . Mas 0 conceito de modemidade de Baudelaire tern ainda

outro aspecto. ~. dissonante, faz do negativo, ao mesmo tem-

po, algo fascinador. 0 mfsero, 0 decadente, 0 mau, 0 notumo,

o artificial, oferecem materias estimulantes que querem ser

apreend idas poeticamente. Contsm misterios que guiam a poesia

a novos caminhos. Baudelaire perscruta urn misterio no lixo

das metropo les: sua l irica mos tra-o como bri lho fosfo rescente,

A isto se aeresee- que ele aprova toda atuao;li.Q que exclua a

natureza para fundar 0 reino absoluto do artificial. ',Porque as

massas cdblcas de pedra das cidades sao sem natureza, elas

perteneem - embora construindo 0 Iugar do mal - a liber-

dade do esplrito, sao paisagens inorganicas do espfrlto puro.

Este argumento 86 se repetira em resqufcios nos poetas paste-riores. Mas a Iiriea do seculo XX poe ainda nas metropoles

aquela misteriosa fosforescencia deseoberta por Baudelaire.

Nele pr6p rio , as imagens dissonantes de metropoles sao de

extrema intensidade, Estas imagens conseguem juntar a luz a

gas e 0 ceu do crepusculo, 0 perfume das flores e 0 odor de

alcatriio, estao cheias de alegria e de lamentacao e, por sua

vez, contrastam com as amplas curvas vibrantes de seus versos.

Extrafdas da banalidade como drogas das plantas venenosas,

tornam-se, na metamorfose lfrica, antidotes contra "0 vida da

banalidade". 0 repugnante se une com a nobreza do acento e

recebe aquele "calafr io galvanico" (frisson galvanique) que Bau-

delaire elogia em Poe. Ianelas poeirentas com vestfgios de chu-

va, fachadas de casas, cinzas e gastas, a ferrugem dos metais,

a aurora como mancha suja, como sono animalesco de prosti-tutas, estrepitoso rodar de bnibus, vultos sem labios, ancias,

rmisica de ferro em folha, pupila dos oIhos embebidas em

fel, perfumes distantes: estes slio alguns conteddos de sua mo-

dernidade poeticamente "galvanizada". Estao vivos ainda em

Eliot.

Tem po f in al e m oder nl da de

Tambem no aspecto tematico pode-se perceber porque ru-

me Baudelaire se afasta do Romantismo, 0 que herdou deste

- e e muito - ele transforms em uma experiencia tao dura

que, em confronto com ele, os romanticos parecem amadores.

Es~es haviam aperfe icoado a interpre taefio escato16gica da his-

t?rl~1 segundo a qual a propria epoca vern definida como epoca

final] mterpretacao esta que, desde 0 Iluminismo tard io, de novo

Bepropagava (proveniente tanto de ra izes ant igas como cristas) .

Por~m t:atava-se ainda, sobretudo, de urn estado de espfrito,

desintoxicado nas belezas da cor, que se podia colher do ocaso

cultural. . Baudelaire se situa, como tambem sua epoca, no

espaco final, valendo-se, porem, de outras imagens e outros estf-mules, A consciencis escatologica que invade a Europa, desde

o se~ulo X VI II e chega ate a epoca arual, entra com e le , B au -

delaire, numa fase de perspicacia que tanto esta assustada como

IS assusta d ora, Em 1862 , surge sua poesia "Le coucher du so le i l

romantique ", com uma sucessao decrescente de graus de luz e

de. alegr ia ate chegar a noite fria e ao calafrio ante pantanos e

animars repugnantes, 0 simbolisrno e inequfvoco, Alude ao obs-

curecimento definitive, a perda da confianca - ainda possfvel

ate mesmo em o ca so s - da alma em si mesma.· Baudelaire sabe

que so se pode conseguir uma poesia adequada ao destino de

sua epoca captando 0 notumo e 0 anormal: 0 unlco reduto no

qual a alma, estranha a si pr6pria, ainda pode poetizar e esca-

~ar a trivialidade do "progresso" no qual se disfarea 0 tempo

final, De rnaneira consequenie, chama Les F/euTS du Mal "pro-duto dissonante das musas do tempo final" .:

Baudela ire medi tou sobre 0 conceito da modernidade nu-

rna extensao bem diversa dos roraant icos . : e urn eonceito mui to

complexo. Sob 0 aspectc negative, significa 0 mundo das me-

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EII'Hea do felC)"0 prazer aristocratlco de desagradar"

Baudelaire. falou muitas vezes da beleza, Mas , em sualfrica, esta limitou-se a s fo rmes metricas e a vibraCBOda lingua-gem. Seus objetos jii nao suportavam 0 conceito de beleza anti-go. Baudelaire serve-se de recursos equivocos, paradoxais, para

dotar a beleza de urn encanto agressivo, do "aroma do sur-preendente" Para que esta seja protegida do banal e provoqueo gosto banal. deve ser bizarra. ~Puro e bizarre" diz uma desuas def inicoes do belo. Mas ele tamhem desejou s i ncer amen te

a feiura como equivalente do novo mlsterio a penetrar-se, comoa ponto de rupture para a a scen sf i o a idealidade, "Do feio, 0

poeta desperta urn novo encanto" (p. t114). 0 disforme pro-duz surpresa, e esta, 0 "assalto inesperado". Mais veemente do

que ate. en ta o , a anormalidade anunc i a-s e como premi s s a do

poetar moderno, e tambem como uma de suas razoes de se r:

irritacao contra a banal e 0 tradlcional que, aos olhos deBaudelaire, esta contido tambem na beleza do est ilo antigo. Anova "beleza", que pode coincidir com 0 feio, adquire sua

inquietude mediante a absorcao do banal em sirnultanea defer-r nac i io em bizarre, e mediante a " u n i a o do espan toso com 0

doido", como consta em uma car ta .

Assim recebem nova agudeza as ideias que tinham sido

divulgadas desde a "bufonaria transcendental" de Fr. Schlegel,

desde a teoria do grotesco de Victor Hugo. Baudelaire acolheu

o titulo de Pee Tales of the Grotesque and the Arabesque (1840).

"Pais 0 grotesco e 0 arabesco repelem 0 vulto humane." Tam-bern em Baudelaire o g r ot es c o ja nada tern a ver com a jocoso.

Impaciente para com a "ccmico despretencioso", sauda nas ca-ricaturas de Daurnier a "bufonaria sangrenta", desenvolve uma"rnetafisica do cornice absolute", ve no grotesco 0 embate da

idealidade com 0 diab6l ico e a amplia com urn concei to queiria ter futuro: 0 absurdo (p. 710 e ss. ). Deduz suas pr6prias

experienclas, e as do homem em geral, dilacerado entre 0extase

e a queda, da "lei do absurdo " (p. 438). E a lei que abriga

o homem a ..expressar a sofrimento por meio do riso", Bau-delaire fala da " legitimidade do absurdo" e enaltece 0 sonho

porque este dota a que realmente e irnpossfvel "com a 16giea

espantosa do absurdo". 0 absurdo torna-se a perspectiva da-quela realidade, na qual Baudelaire e os poetas posteriores que-fern penetrar para escapar a s opressces do real.

Uma pocsia que, para ~ justifiear, necessita d? ~a~sconcei-tos ou atrai 0 leitor ou o' afugenta. A ruptura iniciada .comRo~sseau entre autor e publico havia conduzido a ~ornantlsmoao tema favorite - tratado ainda urn tanto melodicamente -do poeta solitario. Baudelaire ret~I?a-o com ~ma tonaltdade

mais aguda. Da-lhe aquela dr~mahcldade. agressiva que, a par-tir de entao deveria caractenzar a poeSla e a ~rte moderna,mesmo nos 'casos em que a lntencao de produzir urn choquenao se formule explicitamente em principios, mas pr~ven~a ?suficiente da propr ia obra. Baudelaire ainda tinha tats pnncl-pios. Pala do "prazer aristocratico de des~g;a~ar", cn~ma Les

Fleurs du Mal "gosto apaixonado de oposicao e urn produ tado 6dio" satida 0 fato de que a poesia provoque urn "_choq~enervosou' vangloria-se de irritar 0 l eiter e de que este nao ~al~o compreendia. "A consciencia poetica, o~trora urns font~ infi-nita de alegrias, tornou-se agora arsenal l~esgo.tavel d~ l.nst~-mentos de tortura" (p, 519). Tudo isto e. ma.ls que tmr t acao

do comportamento romantico. As dissonanclas. mtema~ da poe-sia tornaram-se conseqtientemente tambem dissonancias entre

obra e lei ter.

Cristianismo em rulna

Na o sera neces s a r io entrar aqui nos p~rticu.lar~s .==diasonancias mternas. Discutir-se-a apenas a dlsson~ncla la ace;nada, entre satanismo e idealidade. IS50 e n:~essarlo. p?IS aquemerge urna caracterfstica de conteiido da llrica postenor, que

charnarernos de idealidade vazia,"Para se penetrar a alma de urn p o et a, t em - se de procurar

aquelas palavras que aparecem mats arniude em sua obra. Apalavra delata qual e sua obsessao." (p. 111 ~) Estas fr~ses deBaudelaire contern urn principio excelente de mter?reta~ao, que

se pode aplicar ao pr6prio Baudelaire. A sevendade de s.eumundo espiritual, a persistencia de seus te~as, poucos mas In -tensos permitem deduzir os pontes centrals pelas palavras re-petida~ mais amiride. Trata-se de palavras-cha:e que, sem qual-

quer dificuldade, se podem dist inguir em dois P ? P O S opost?s.De urn lade estso: obscuridade, abismo, angus tia, desolacjio,

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deserto, prieo, frio, negro, ptitr ido. . . , do outro: Impeto, azul,ceu, ideal, luz, pureza... Esta antf te se exaeerbada passa at ra -

"es de quase toda poesia. Muitas v ez es , c o rn p r im e - se no espa -

co mais conc i se e t o rn a - se dissonancia lexical, COIllQ "grandeza

suja" , "ca ido e encantador", "horror sedu tor", "negro e Iumi-now". Esta aproxima~i io do que normalrnente e incompativelchama-se: oxymoron. e uma antiga figura do discurso poerico,

apropriada para exprimir estados complexes da alma. Em Bau-delaire sobressai por seu ernprego desmedido, "£ a figura chavede sua dissonancia fundamental. Braudelaire teve uma excelenteidela quando, a conselho de seu amigo H. Babou, deu a seuIivro0titulo de Les Pleurs du Mal.

Alms destes grupos de palavras, persistem residues do Cris-tianismo. Nio se pode conceber Baudelaire sem 0 Cristianismo.Mas 0 poeta jA nao e cristae . Este fa to nao se ve contestadopor seu "satanismo" tantas vezes descrito. Quem se sabe fascina-do por Satanas t raz, na verdade , est igmas cristaos: mas isto emulto distinto da fe crista na redencao. Na medida em que sepede definir em poucas palavras, diriamos que 0 satanisrno deBaudelaire ISa sobrepujanca do mal simplesmente animal (e,portanto, do banal) pelo mal engendrado pela Inteligencia, como fim de dar 0 salto It idealidade, gracas ao grau supremo demal. Dai as erueldades e as perversidades em Les Fleurs du

Mal. Pela "sede de inflnidade", degradam a natureza, 0 riso,o amor para 0 diab6lieo, a fim de encontrarern, neste, 0 pontode partida ao "novo". Segundo outre palavra-chave, 0 homeme "hiperbolico", sempre propenso para 0 alto, numa febre espi-ritual. Mas ISurn homem essencialmente cindido, homo duplex,tern de sat isfazer seu p610 satanico , para i r ao encalco do ce-lesrial, Formas primitives, maniquefstas e gn6sticas do Cristia-nlsmo, repetem-se neste esquema, chegadas ate ele atraves dosi luministas do seculo XVIII e de J. de Maist re , Contudo , talretorno nao se deixa explicar apenas por influencias, Neste es-quema fala uma necess idade de Baudelai re. Nisto - e muitoalem it sua pessoa - e sintomatico que a intelectualidade mo-demo recorra a velhas formas de pensamento e, precisamente,aquelas que respondem a sua cisao.

Nem ainda as muitas e vari adas provas que se costuma

apresentar para demonstrar0

pretense cristianismo de Baude-laire conseguem rnodificar 0 quadro. Ele teve vontade de orar,falou da culpa de modo absolutamente serio, era profundamen-te imbufdo do sent ido da culpabilidade humana - tanto queele teria ride dos agudos psicologos de n o s s o s dias, que expli-cam seu sofr imento como "ligayao materna repr imida". Masn ilo encon trava caminho algum. Sua ora~o desvigora-se na

d . ao 1! verdade que eleimpotSncia e acaba nio sen 0 ~alals~ : a l g n 'dade do homem e

. dor vendo nesta 0 sm 1.. •

poenza a ,_ deriam sugerir qu e nele sou reVlveeonhece condena(foes que P_ ? - t ualquer o utr e p ro po -um jansenismo difuso. Porem n;o v:z

mm~is a eisio cisiio esta

slto 3 nao ser 0 de acentuar e;. ; se i sso em sua atitude paraexcessiva de ambos os ladas.· . de de qualquercom a mulher . .A maIdi\fio con~ras::tate~~~~n.!hiperb6liea" 56

situa(faa de meiote l~o hum

an

1aa ' fe : no misterio da reden..lio.. . t- se eng oeasse nesena ens a. falt Cristo aparece em suas poe-Mas isto e lustamente a que a·mo 0 abandonado per Deus.

sias s6 como m~tiif?radfU~' auo':denado faz-se sentir 0 gostoAtras da consClenCla e es ar c d ':0 Claro que isto nac

I ite" a con enaca ."de gozar vo uptuosamet . ti Porem 0 que

. inar sem uma heranca ens . , . _se pode nem 1 I1 _1 a~ . i a No cenceito da cnacao.resta e urn CrlsuamsmO en; ru na. Is6 tern uma signifiea-

vfilido para os cat6licosdt~!I_1lstas~~:~utrora os maniqueistas,\ faa ac idental . Mas Bau e aire, si Na profun-

volta a isola-lo, eonv~~t~ndo'~ra~~~~ ~o:~~ ~:~a: a sua lineadidade e na complexi a e p ormal A poesia posterior -adqu ire a coragem p~r\ se~ an e d~ a lembr~a da origem

~~ a:~~~~d~~e d:d~i:ra ada;:;h~g:sal'IPduruadelenpt:rm:: ~:. . d Mas a anorm .~a~~~opo::~:r~~s~mente mais severos.podem, ou querem, abs-

trair-se dela: tal e 0 caso de T. S . Eliot.

A IdealidBde vazla

. . 'compreende-se outraA partir deste CristlaUlsmo.~m rU•

na,ortante ara a q , 0 C 8

singuladdade da poesia b~udelamana," ~~lente espfrltualidade"'.sucessiva. Ela usa concertos c~moonde? Aqui e ali chama-se"ideal '" "ascensio". Mas ascensao.a ' ;d s6 ~be nomes

, p' multo mars amiu e,Deus de meta. orem, . "~l'<vati'on" responde

. nsiste? A poesla D"muito gerais. Em que co ._ . dieam 0 estado de elevacao-a pergunta. Contwdo e enton~9ao m 6 rio espfrito exortandO-O

Tres estrofes ~iiourna aloeu~a~le~o!~~anhas, bos~ues, nuvens,a elever-se ~c!Inade ~agoas,~a dsfera de fogo ultraterrena quemares, sol, ete~, estre as, a u Depois a alocu~lio intetrompe-sepurifica dos ml~smas_te~enOS~atermais geral: feliz 0 que istoe segue uma ahrma~ao e ca d em tal altura, a linguagemconsegue e aprende a compreen er,das "flores e das coisas mudas".

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A p o es ia m o v e- se em u rn esquema usual, de origem pla t&-

nicae rnistico-crista. Segundo este esquema, 0 espirito ascendea uma transcendencla que 0 transforma a tal ponto que esse,

volvendo atras, penetra a veu que cobre 0 que e terrene e re-

conhece sua essencia verdadelra. Trata-se do esquema do que

em termos cristaos se chama a ascensio au devatio. Esta ul t imades ignayao coincide exa tarnente com 0 titulo da poesia, Mas

devem-se observer outras concordancias, Segundo a doutrinateologica-crista, 0 ceu superior e a transcendencia verdadeira,

a ceu de fogo, 0 emplreo . Em Baudelai re, chama-se "fogo res-

p landescente", E quando depois se IS: "puri fi ca -te", el e nos lem-

bra 0 ato habitual na mfstica de puriiicaiio . Par fim, a mfstica

costumava articular a ascensso em nove degraus, mesmo se 0

conteudo variasse, pais se trata do mimero nove sacral. ESIe

ntimero se encontra tambem nesta poesia. Nove sao, precisa-

mente, as esferas acima das quais a alma deve elevar-se, E . sur-

preendente. Existe uma coacao irnposta pela tradicao mistica?

Talvez , Ser ia uma coa9ao semelhante a que a heranca crista

exerceu em geral sabre Baudelai re . Na o e 0 caso de decidi-lo,

tanto mais que se pede pensar tambem em influencias de Swe-

denborg e de outros neo-mfsticos, Mas nos importa aqui outra

coisa, [ustamcnte porque a poesia concorda tanto com 0 esque-

ma mfsti co, torna-se vi sfve l 0 que the falta para uma concor-

d!'incia plena: ou seja, 0 final da ascensao e, ate mesmo, a von-lade de chegar a ele. 0 mistico espanhol Juan de Ia Cruz

havia escrito uma vez: "Voei tao alto, tao alto, que meu v60

alcancou a meta" . Em Baude lai re, a chegada e apenas uma pos-

s ibil idade que, embora conhecida, na o Ihe sera concedida pes-

soalmente, como mostram as estrofes finals, De modo vago,

fala-se de "pocao divina", da "profunda imensldade", dos "es-

paces Iimpidos" _N ao se fala de Deus. Tampouco ficamos sa-

hendo qual seria a linguagem das flores e das coisas que af se

chegaria a compreender, A meta dauscensao nao 56 esta d i s -

tante, como vazia, uma idealidade sem conreiido. Esta e urn

s imples polo de ten sao , h iperbolicamente ambic ionado, mas ja -

m a i s atingido.

Assim ocorre por tad a a parte em Baudelaire. A idealidade

vazia tem origem romantica. Mas Baudelaire dinamiza-a a uma

forca de atracao que, despertando uma ten sao excess i va para

cima, repele 0 homem que esta em tensao para baixo. E, como

o m a l , uma coacao a qual se tern de obedecer, sem que aquele

que a obedece venha a se relaxar, Dai a paridade de "ideal"

e "abismo", daf expressces, como "ideal corroente", N estou acor-

rentado A fossa do ideal", "azul in acessivel ". Tais expressoes

. tambem dos misticos classicos, mas neles desig-sao conhecldas d" que causa dar e prazer, 0

navam a violencia da gra~a_ ~vm;'m Baudelaire, os dois p610s,

estagio que antecede a be~!~tua eidealidade vuia, tern 0 sentidotanto 0 mal satfimco q~a _ ue ossibilita a fuga do mundode deavetar aquela exclta~ao q ~ 'lem da excit ayao dis-banal. P Ol -e m a fu ga e sem meta, nao val a

sonante-I d Mal "Le Voyage" . que

A ultima poesia ~e Les F e~sao Utermina com 0 decidir-seanalisa todas as te~tat~vas de e~ue ~ morte traz consigo- Mas

pela morte, A poesla 19~O~~ a d e de conduzir ao "novo" _ E a

esta atrai, p~is e , a, POSS~bl~l:z~acontraposiy8.o a desoiayao ~o

novo? :£ 0, tndeh?~vel;dade baudelairiana, apresenta-se, c,:nceltoreal. No aPICe da 1 ea

dl

totalmente negativo e deStltUldo deda morte, transform a 0 em

conteudo-d .d d e que es ta atormen-

o desconcertante d~ tal l~~ ;:~~g~r edo real, mas se sente

rada a te a neurose pelo lm~ uma t ranscendencia de contend?

impotente para c~er oUt'~na Isto conduz os poetas da mode~l-def in ido, dotad~ • e_sen Io. ao se m solucfio e a u rn m is ter iodade a uma dmaIDlCa d d ~!ls fala muitas vezes do sobrenatu-

ate para si .m;s~S, Bau e m lI:eende a que el e quer dizer comral e do mlsteno. 56 se co ~ _ f ~ se renuncia a dar a

isto quando - como ele ~ropnoe ~~o seja 0 pr6prio roisterioestas palavras ou~ conte~do q~ tro" indefinido que, no ca-

absoluto. A ideahdad~ v?zd:afi~id~uainda e n o de MaUarme s~so de Rimbaud e mars me. terio que gira em torno de 51

, Nada e 0 lIDS .o n . . .convertera no, li - d rna sao correspondentes,mesmo, proPriO da mea mo e ,

Magia da Iinguagem

- a de forma alguma, Ilrica obseura-Le s F le urs du M a_l na? S 0, ais seus misterios e dissona.?-

Seus estados de COnSCI~nClaanor: r ;ens{vei s. Tambefn a teonacias se expressam em versos co PI a Ainda assim ela desen-

dI- esemprecar. 'r6'

Pottica de Bau e arre ue se em sua P pnad ista e programas q ,volve pontos e V.IS rzam apenas em esbo~os,((rica nao se reahzam ou se rea I

der, a Baudelaire Trata-se

bscuro que suce a _ -

prepara~ ? poetar 0d d teorias de magia da hnguagem eaqui prlDclpalmente as uas

de fantasia.

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A poesia, em particular a romanica, sempre conheceumemen tos nos quais 0 verso elevava -s e a urn despotismo do sam

que a tuava mais profundamente que seu conteildo. Flguras sono-

ras formadas por vogais e consoantes bern combinadas au por

paralel ismos ritmicos encan tam 0 ouvido. Porem, em ta is ca sas,

a anti ga poesla jamais abandonou 0 cont eddo, ao con trario , pro-

curava rea le ar seu signific ado, jus tamente mediante a dominan-

cia sonora. Exemplos dis so slio faceis de se encontrar em Vir-

gilio, Dante, Calderon, Racine. A partir do Romantisrno euro-

peu surgem outras condicoes. Naseem versos que mais querern

soar do que dizer, 0 material sonoro da lingua assume urn po-

der sugestivo, Em comblnecao com urn mater ial lexico apropria-do para os movimentos assoc la tivos, abre inlinitas possibilida-

des de sonho , Le ia-se , a es te re spe ito, a poes i a de Brentano que

comeea com 0 verso: "Quando 0 tecedor paralitico sonha que

eam tecendo" (Wenn der lahme Weber trai imt, er webe). Esteverso nao pretende ser compreendido, mas apenas ser acolhido

como sugestao sonora. De forma mais marcante que at6 entao,

separam-se, na linguagem, a fun9aO de comunlc ac ao e a funyio

de ser urn organismo independente de campos de forea music al.

Mas a linguagem de te rmina tambem 0 processo poetico que se

abandons aos impulses i ngeni tos na prop ri a li nguagem. Desco -

bre-se a po ss ib i l i d ade de criar urn p o ema par me i o de ur n pro-cesso combinatoric que opere com os elementos sonoros e n t-mi c o s da lingua como com f6rmulas magic a s . Seu significado

surge nao do esquema ternatico desta comblnacso - urn signi-

ficado oscila nte, impre cise, cujo miste rio ganha corpo nao tanto

pe la s significaeoes essenc ia is das palavras como pe r sua s fo rc a ssenoras e marginalidade s semantica s, E sta possibilidade s e con-

verte em praxe dominante na poesia moderna, 0 lirico se con-verte em magico do sorn, 0 reeonhecimento do paren tesco ent re

poes ia e mag ia e , na ve rdade , muito antigo. Todavia ele deveria

ser conquistado de novo, depois que 0 Humanismo e 0 Classi-c i smo 0 haviam enterrado. Esta reconquista se iniciou em fins do

seculo XVIII, e conduzlu, na America , a s teorias de E.A. Poe.

Estas eondiz iam com a c re scente neces sidade , espec ificamente

moderna, de, por urn I ado Intelectualiz ar a poesia e , pa r outro,

de anexa-la a praticas arcaicas, Encontramos um sintoma desta

modernidade em Novalia quando, ao falar de poesia, aproxima

matematlca e magia. N6s encontramos dois conceitos (au con-

ce itos seme lhantes) reunidos, de sde Baudelaire ate ° presente,quando os lfricos refletem sobre a sua arte.

Baudelaire traduziu Poe, assegurando-Ihe a ssim, ao menos

na Franca, aquela influencia de que gozou ate 0 seculo xxadentro, da qual, porem , autores anglo-s axae s - inc lusive Eliot

. m aqui ambos os ensaios de~ cos tumam adrmrar-se . lnt~~ssa 1846) e The Po'?tic Principle

Poe A PIJilosophy of composmtn

~e uma inteligencia artistic a

(1848). Tra ta -se de_monum~~e~a ao da propria poesia. pllcar-

que tira suas dedultoes da o. y nivel id~ntico (neste caso

nam aquele enco~tro de PO:;~:x:~ e~erca da poesia, 0 ~ual eat~ mesmo supenor), de r . Ide mode rnidade. Baude la ire tra -

ta rnbem urn s in toma ess .enc la

. teiro: do segundo, traduziu

. .' 0 enSalO por In, .dUZlU 0 prtmeLr ., licitamente com as teonas expos-uma sele«ao. Identlflcou-se e:p se r consideradas tambem comalas por Poe; podem, portan 0, ,.

suas proprias. . t em inverter a ordem dos atos

'A inova<;:iio.de Poe rnsls ~ta pelas poeticas anteriores. 0poe tkos, que vinha sen 0 ace . a "forma" e a origem do

que parece ser 0resultado, ou. se ja , a u se ja 0"significado", epoema; 0 que p~r~c.e s t a o n ~ : ~ ,a u~a "nota" insistente

o res uriado. No IDICIO dO a tdoPde sl' gnific ado: a lga como uma> ,}. guagern ota . a

c pTevI~ a 10 dar- the uma forma, 0 autor pr?cura[.ntonayao sem. f?rma. Para da lin ua que mais se aproxlrnam

nquele s materIalS sonora s m fonn!ndo palavras e estas s e, a~ru-

dessa nota . Os sons se une . com as quais. em ultimo

pam fina lmente formando mot1vo~ senti do comple to. Wrige -se,

tenno, se ela ?ora urn contex~~ ~ ' : n Novalis foi urn esbo~o pre -

pois, em te ona cee.

rente

, 0 ~ . u lso da l inguagem, a qualnunciador: a poesia nasce. ~ ~:~ pre-lingUistica indica 0 ca-

obedecendo, pa r sua vez, a n onteudos' os conteudos ja nao

minho, no qual aparec :rn :b~anc ia cia' poes i a , mas saO p0 t!a-

chegam a se r a ve rda~e~ra d uas v ib rac;OeS super ior es ao s ig -dores das forces mustcais e ~s 10 ue a palavra "Pallas", nu-

nifjcado~ Poe m~stra, por exe xfstfut~a nao s6 a uma associayao

ma de suas poeSlas, deve sua e ed tes mas rambem ao encanto

nada rigida com as versos. pre~es c~ve ' a ila9ao logic a -:- alia s

de seu som. Pouco depols, t- do indetenninado pots , deste6ccundaria - como mera. s~ge~ aO

desom e seu efeito nao e su-

a dornmancla . demodo. se preserv~, . d si nificado. Explica-se este tLpo .perado pela dommancla ; g magicas da linguagem. Na atri-

poesia como ab~nd~~o as oryas entar ao tom prirnario, deve-se

bui~ao de um slgn l~LC: .adosup l~~ . . A poes i a e urn quadro con-

Proceder com "precrsae matem t1~aa·n·em verdade nem "e~hri a-

. 1 '6 '0 Nlic comunlC '.c lu ido em 51 P _ ~rt . _ munica absolutamente nada , mas e.

Suez do corayao , nao co tos d e Po e rundamenta-se aNestes pensamen .

rhe poe m pe r ss, d nvolverll . em tomo do concertoI co ria poetica modern a que se ese

de po6sie pure., N ll Poe conheceram as doutrinas dos

Provavetmentc °SvoblS c dl810 por Baudelaire. Pe rtence aIluminista s {roncese9. n cmos

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estas doutrinas (nas quais se encontram lambem rnuitas raizes

do Simbolismo) uma teoria lingiiistica especulativa: a pa lavra

nao e urna crial ,' 8o casual do homem, mas nasce do Uno cosmjeo

primordial; a simples fato de proferi-Ia produz 0 contaro ma-

gico entre quem a pronuncia e aquela origem remota; enquanto

palavra poerica , mergu lha as coisas t riviai s, de novo, no mis terio

de sua origem metafisica e poe a nu as analogi as ocultas entre

os membros do Se r 1. Como Baudelaire es rava familiarizado

com estas ideias, tinha de ser natural que adotasse as doutrinas

poeticas de Poe - parece que inspiradas nas mesmas fontes.Tambem el e fala da necessidade da palavra, numa frase que

Malla rme citara mais tarde: "H a na paIavra algo de sagrado

que nos impede de fazer de la urn jogo de aza r , Manejar corn

engenho uma lingua significa exercer urna especie de magia

evocadora" (P. 1035). Es ta f6 rmuIa , "magia evocadoran se re -

peti ra amiuds, referindo- se inclus ive as aries pIast icas. I! : a ex-

pres sao de urn pensamento que pertence A esfera de representa-

,"oes da magia e da mistiea secundaria (ocultismo). ExpressOes

como "formas magicas~, "opera~ao magicaH nao sao menos

freqiientes. E, por f im, aparece ou tr a palavta-chave: sugestao;voltaremos a discorrer sabre eIa m a i s tarde.

Fantasia criativa

Nao importa que Lea Fleurs du Mal se pteval~am s6 emp o uco s trechos desta magia lingiiistica p u r a como, por exemplo,

sob a forma de ur n ins6Ii to acumulo de rimas, de aSSonanciasd istan tes, curvas senoras, de sequencias de vogais que governam

o senti do e nao sao governadas por ele, Nas discussoes te6ricas,Baudelaire foi muito aMm. Elas prenunciam uma Ifrica Que reo

nuncla, cada vez mais, Ii ordem objetiva, logica, afetiva e

tambem gramatical, a favor das fo~as sonatas magicas e que

~e deixa impor conteudos p tovenientes dos impulsos da palavra ,

conteridos estes que nao teriam sido enl'onrrados rnedianre "

reflexao p lanejada . Tro lta-se de conteuaos de Sign ificado anor -

mar, ~Ifuados no limite ou a lem do limi te do compreensivel .

Aqur se fecIui a elo, aqui se mostra outre carater coerente da

estrutura da lf r ica modema. !!l1la poes ia cuja ide~lidade e vaz laescapa ao real ao Droduzir ur n misterio inconcebivel. De mais

a mais , pode 'buscat apoio namagls da linguagem pols, median-

te 0 operar corn as possibilidades sonoras e asSOciativas da pa-

lavra, se destacam outros conte( idos de sent ido obscuro, mas tam-bern misterios, como as fo~as magicas da sonoridade pura,

, . zes de seu "asca 'p",lo real". EstaBaude l a i r e fala~_vanas, '; do e banal ou s lm p l e smen t e

exposic ao se refere a reafiJa e ~aI1""l ~ '-0 do espirjto.U ,. • al ara e e a nega(_is '" _,

natural - ambas equiv ente~, p desgostou quando Les Fleurs' , 'f' U · ue 0 que mats 0 _ d I'

e sigru rca vo q das idi . 1 ente foi a acusacao e rea 1S-

du Mal foram condena a~ JU icia ~ este conceito designava na-ma. Com razao, sobretu 0 porqu

ere . .. .ntava baixezas da real i-

quela epoca uma literatura que :nfo ;~teticamente, com n enh u -

dade, chocantes, tanto _moral ~u tamente a de representa-las, A

rna outra intenc;a.o a nao ser )~ S ao aspira a c6pia faci l, masUt ica de Baude la i re , ao contra~o, n

d· "-1co ao mal instintivo,

" 'f rao Da carater 10....11 • • dsi m a trans o rm ae . ll. inflama as imagens de miseria, etransformand~-o, e~ sat nice, "m nos mais neutros de tal formaUcalafrio galvamco ,trat~ fen? e ou aquele indefinido mundo

que simbolizam estados mt~nores he a idealidade vazia. Se-

de misterio que, em Baude~lre: p7n~eaIista ou de naturalista,

ria irrefletido chamar. Bau : a~: ~ais chocante s , arde d a rn a-

Em seus .assuntos m a i s cor, ,:~ i ri tual idade inf lamada", que seneira mars veemente_ su; Pal A lem dlsso, pode-se observar

esforca por escapar. a to rticularidades de sua t ec n i ca p o et i ca . A

este esforeo em. mUlt~s PSb,1t iva abrange sobretudo a real idadep~isao da aflrma"a? 0 )e'a transformada, enquanto s~rpreen-aviltada ao extrema, 1StO e'd~ . . gular de nao locahzar os

de, par outro lado, a ten e~cl~e~~ia de co loca r adjetivos afe-conteiidos imaginativos - ~. ~.namente mais exatos _, a deli-

t ivo s em lugar d: .outr°ds 0 t I~es 16gicos e out ras tendencia smitacjio sem estencas as im

semelhantes. id d d

e- Baudelaire da a esta capaci a e eEntre os nomes q~e _ d a l ha dois que se repetem

transfonna"a~ e desrea~a~~~sia o(r~~e' imagination). Gom maiorcom insistencia : sonho e 3? d t B udelaire eleva 0 significado

decisao que Rousseau e. ~ e~~a :apacidade criativa superior.

destes termos ii categona .e . niio criadora pols a este r i l t i-

Dizernos eXl 'l~cita~ente: :~: :~aeo representacoes que se pode-

rno termo estao hgadas. nt Itu a is e volitivas decisivas em Bau-. desvi das forcas In e , . d h

rlaM eSVlar '". : r - • lfcitas em seus conceitos e son 0 edelaire e que se acham irnp -0 tarnbem no fato de que _

fantasia) encon trando .exPlressa f ale de matematica e abst racao.na rnesma esfera conceitua - se. h

M os do conceito do son 0 emCerto, encontra.m-se tam m U t quando Baudela ire chama

sua s ign ificacao ant~ga, par efxem~sode inter ioridade, de tempo"sonho" as M81S dtferentes orm

1_ Ve ja -s e ma is pormcJ)o re s em H. Friedr ich, "Di e Sp rachtheo riedec f ranzos , I lluminaten ~ (em: DeutSChe Viertel;schrijt I. Literaturwiu. u,Gei#esgeu:h., 1935),

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interior , de desejo de evasao. Porern t ambem sao suficientemen-

te vislveis a ~up~ri~ridade do sonho sobre a proximidade teal,

o contraste qualitativo entre a v~tidBO do s o nho e a Iimita-

~iio do mundc. Todavin temos de considerar este conceito em

sua acepCBo mais aguda, rnals elevada e mais rigorosa, ou seja,

qua~do 0 so~ho se torna exp lic itamente distinto da "rnelanco-

~Ia mdol~te , da "mera e~us~o~ e do "coracao", No prefacio

a tradu~o de Nouvelles Histoires, de Poe, Baudelaire chama a

scnho ~e "cintilante, misterioso, perfeito como urn cristal". 0

sonho e uma capacidade produtiva, nao perceptiva, que, emcaso algum, precede confusa e arbitrariamente mas sim de

maneira exata e .s~st~atica. Em qualquer forma qu; se ~pre-

serite, 0 f ato r decislvo e sempre a producao de conteudos Irr ea is ,

Pode ser uma disposicao poetica, mas tambem pode set provo-

c~da por me~o de estupefacientes e drogas ou surgir de condi-; : 0 ; : 5 . ps;copaticas. Todos estes impulses se prestam a "operacao

mag i c a com a qual 0sonho pO e a i rreaHdade que cr iou aeimado real.

Quando Baudelair e chama 0 sonho "perfe ito como 0 cris-

tal", nao se trata,_de forma alguma, de uma compara9ao casual.

Com esta expressao se assegura uma categoria determinada ao

sonh~ ao aproxima-Io do lnorganlco. J & em Navalis se podia

ler: As pedras e as rnaterias sao sublimes; a homem e over-

dadeiro caos". Esta mudanea de hier arquia, procedente de fen-t es a lqufmicas, reaparece regu larmente em Baudelair e, sempre

que trata a tema do sonho. Ele 0 completa degradando a natu-

reza ao caos e ao impuro. Isto talvez nso surpreenda, de mo-

m:nto, tra~ando-se de urn autor Iatino, mas ja nao se pede ex-

p licar part indo apenas do pensamento lat ina . Baudela ire enten-

de por natureza 0 vegetative e taroMm as baixezas banais do

~omem. Com as imagens do inorganico, s itua 0 simbolo do espi-

nto _ab~luto tao acima dos homens que surge, de novo, umaten s ao dissonante. 0 mesmo ocorre entre as pintores do seculo

~X ".Com os conteridos flgura tlvos ciibicos au t ing idos de cores

rrreais harmomza-se a fato de pintores como Marc, Beckmann e

out ros, fa larem da natu reza como algo Impuro e ca6t ico: coercao

estrutural, ~io. ~nfl' :.encia. .Aos olhos de Baudelaire, a inorganico

ass~l l!ea s lgRlf lCa~o mars alta quando e mater ial de trabalho

arttstico: para el:',a esta!ua vale maisdo que0

corpo vivente,Q _ bosque do cenano, mats que 0 bosque natural. Tambem este

modo de pensar e , sem dtivida, Iatino, mas a maneira de apli-

~a-Io ,e .moderna, Semelhaote equipara~ao do artificial com 0

Inorgamco, este modo imperativo de exclulr da poesia 0 real

pode ser encontrado, quando muito, em epocas precedentes, d~

onde saem, alias, linhas secretas de l igacao com a poesia me-

derna, ou seja , na l itera tu ra barroca i ta liana e espanhola,

Mas nem mesmo nela foi possfvel uma poesia como "Reve

parisien" de Baudelaire, 0 texto fundamental de sua espir itualiz . .-

cao do artificial e do inorganico, Nao aparece nele uma cidade

real mas uma cidade de sonho, construfda propositadamente;

imagens cubicas, das quais esta banido todo 0 vegeta~; arcadas

gigantescas que circundam a tinico elemento em movrmento -

e. todavia, morto - a iigua; abismos diamantinos, ab6badas de

pedras preciosas: nem sol, nem estrelas: 86 a negro que resplan-

dece de s i proprio; 0todo sem homens, sem lugar, sem tem~o,sem som, Ve-se 0 que signi fies a palavra sonho do t itulo: cria-

Cao de urn"qiiadro a part ir de uma espi ritualidade cons trut iva

que exprime sua yit§ritl~obre a. natureza e 0~omem . com ossimbolos do mineral e do metalico, e que projeta as imagens

que construiu na idealidade vazia, donde elas se refletem, cinti-

lantes para 0 olhar, inquietantes para a alma.

Oecomposit;.iio e deformaQia

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A mais iinportante contr ibuicao de Baudelaire ao nasci~ento

da lirica e da arte modernas situa-se, por certo, em suas diSCUS-

soes sobrea fantasia. Esta e para ele, que a equipara alias ao

sonho, a capacidade criativa por excelencia, "a rainha das capa-

cidades humanas". Como ela procede? Baudelaire escreve em

1859: "A fantasia decompoe (decompose) toda a criac;io; se-

gundo leis que provern do mais profundo interior da alma, re-

collie e articula as partes (dai resultantes) e cria urn mundo no-

vo" (p. 773). Este constitui urn principia fundamental da este-

tica moderna, embora prefigurado em teorias desde 0 seculo XVI.

Sua modernidade cons iste em eolocar a decompos ic jio no inlcio

do ato art fst ico, urn proced imento dest ru idor que Baudelai re su-

blinha ainda completando - no trecho de uma carta do mesmo

tear - 0 concei to "decompor" com a termo "separar", Decorn-

por e desfazer a real em suas partes - entendido como 0 per-ceptfvel sensorialmente - significa deforma-lo, 0 conceito de

deformacao aparece reiteradas vezes em Baud=lai~ e e toda

vez entendido no sentido positivo. Nr deformacao reina a £ol"9a

do espfrito, eujo produro possui uma c:ondicao mais elevada do

que 0 deformado. Aquele "mundo LlOVO", resultante de tal des-

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l ru i r, ; i io , ja .nio podera ser u rn mundo ordenado realisticamente,8erti uma rmagem Irreal que jli nao se deixara cont rolar pelaso"rlenar, ;Oes no rm a l s e rea i s ,

Em Baudelaire, estes sao ainda esbocos teoricos, 86 seencontram poucas correspondenclas em 8uaspoesias, como,

por exemplo.r o trecho, no qual "nuvens dao cambalhotas em

volta da lu~" (p. 341). Mas, considerada do ponto de vista daepoca s egu m te - basta pemar em Rim ba u d - evidenciam-se a audacia e a significancia futura daquela fras'; sabre a fan-

tasia. Precisa-se ter, em tudo, sempre presente a tendencia fun-

damellt~l: a aspira.;ao de a f a s ta r - se da realidade limitada. A

verdedelra agudeza do concei to de fantas ia mani fesra-se onde ele

e colo:~do em contraposiceo a urn procedimento de pura e sim-ples copra. Portanto, 0 protesto de Baudelaire contra a fotografia,

nascente naquela epoca, esta muito proximo da frase citada aci-

rna.; Certa vez, ch~a ~ ~bra da fantasia de "idealizacao forca-

~a (p. 891). Ideal izacao J a nao quer dizer, como na antiga est":'t ica, embelezamento mas, s im, desreal izacao e pressup6e urn ala

ditatorial, Parece que no momenta em que 0mundo moderno

empregou ~u poder tecnico - na forma da fotografia _ para

a r eproducao do real , este real pos it ive , l imi tado, consurniu-se

mars depressa e as fo rca s artisticas di r ig i r am- se mais ene rg ica -

mente ao mundo nao objetivo da fantasia. Seria analogo a rea-c;:aoque 0 positivismo cientff ico provocou, A condenar;ao da fo -

tografia por Baudelaire situa-se no m e sm o plano de sua con dena-

Cao das ci~ncias naturais. A interpretar ;ao cientlf ica do universe

e percebida pelc sentido artfstico como restricao do universe

como perda do misterio e, portanto, 0 desdobramento extreme

das forces da fantasia vern revidar aquela interpretayao. Dols

dec~~l0~ ~p6s a morte. de ~audela ire a mesma respos ta a perdado mlsteno chamar-se-a "Simbolismo".

Es te processo que se desenrola em Baudelaire e de i nca lcu-lave! imp~rt~ncia ate 0 presente. Numa conversa, Baudelaire dis-

se: pes~Jana prados pintados de vermelho, arvores pintadas de

azul . Rimbaud compora poesias sobre tais prados, artistes do

seculo. XX . o~ pintarao, Baudelaire define urna arte surgida da

fantasia cnativa como: surnaturalisme, Entende-se, por este ter-

rna, uma arte que "desobjetiva" as c oi sa s e m 1inhas cores mov i -

mentes, acidentes c a da vez mais independentes e q~e profeta so-br~ elas aquela "Iu~ magics" que aniquila sua realidade no mis-

t~rlO. Do surnaturai l sme, Apollinaire der ivara, ern 1917,0 surrea-ll sme - e corn raziio -, pais com ele designa a conrlnuacso doque quqr ia Baudelaire.

Abllra~ e a ra be sc o

Urna out ra proposieao concatena fan tasia e intel lgencia . Em

1856, Baudelaire escreve em uma carta: "0 poeta e a inteligen-cia mais elevada, e a fantas ia e a mais cientifica de todas as fa-

culdades" iCorrespondance.L, p. 368). 0 paradoxo conti do nesta

frase mal parecera hoje menos paradoxa! do que entao, Con-

siste no fato de que justamente aquela poesia, que se evade nai rreal idade diante de urn mundo cient ificamente decifrado e tee-

nicizado, exige para criar 0 i rreal a mesma exat idao e intel igen-

cia pe la qual a realidade to rnou- se estreita e banal. Mais tarde,tornaremos a este ponto. Por ora, basta que se observe a linha

de pensamento de Baudela ir e que, de forma consequente, conduz

a urn novo conce i to deale tipo: a abs t r acao , J a em Fr. Sch legel

e em Novalia havia sido empregado este termo para definir a

essencia da fantasia. l! compreensfvel, porlanto, 0 porque da fan-

tasia ser concebida como a faculdade de criar 0 irreal. 'Em Bau-

delaire, "abstrato" significa principalmente "intelectual", no sen-

t ido de "n jio natur al". Ent reveem-se aqu i ou tros pon tos de part i-

da da poesia e da arte abstrata, extrafdos do conceito de uma

fantasia i liml tada , cujo equivalente sao as l inhas e as movimentosl ivres do objeto. Baudela ire chama estes ul timos "arabescos" -

tambem este, urn conceito que tera futuro, "0 arabesco e 0 mais

espiritual de todos as desenhos." (p, 1192) Grotesco e arabesco

haviam side aproximados mutuamente par' 'Navalis, Gautier.

Poe. Baudelaire aproxima-os ainda mais. Em seu sistema estetico,

estao relacionados grotesco, arabesco e fantas ia : esta Ul tima ea capacidade de movimentos abstratos do espfrito livre, isto e,

independente de todo objeto: os dois primeiros sao 0 produto

desta capacidade.

Nas poesias em prosa ha urn breve trecho sobre 0 tirso. A

fantasia criativa transforma-o em uma imagem de linhas e colo-

rides dancantes onde a bastao, como diz 0 texto, s6 serve de

pretexto - pretexto tambem para 0 "movimento curvilfneo da

palavra". Esta ultima observacao denota a conexao com a rna-

gia da linguagem, 0 conceito de arabesco, de linhas livres de

qualquer sentido, se enlaca com 0 conceito da "fras~ poetica~.

Esta assim escreve Baudelaire num esboco do prefaclO a usF le u~s du M al, IS uma seqiiencia pura de sons e mov imen t o s ,capaz de formar uma linha horizontal, uma ascendente ou des-

cendente, uma esp ira l, u rn ziguezague de angulos sobrepostos.

E justamente por isso tern a poes la pontos de conta to com a

mdsica e com a matematica,

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Beleza dissonante , afastamento do coraeso do objeto dapoesia, estados de consciencla anormais, idealidade vazia, des-concretizacao, sentido de misterio, gerados nas forcas magicasda linguagem e da fantasia absoluta, aproximados a s abstracoesda matematica e as curvas melodicas da rnusica: com estes ele-mentos, Baudelaire preparou as possibilidades que se tornariamrealidade na lirica dos poetas vindouros,

Estas possibilidades sao encetadas par urn poeta que trazos estigmas do Romantismo. Do jogo romantico, Baudelaire fezuma seriedade nao rornantica: com as ideias marginais de seusmestres, construiu urn edificio de pensamento, cuja fachada lhesvoltou as costas. Por isto, pode-se chamar a lir ica de seus her-deiros de ..Romantlsmo desromantizado H

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