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ESTRATÉGIAS INDIVIDUAIS: a marca de posicionamento do operário vinculado ao monopólio metalúrgico em São Luís Naíres Raimunda Gomes Farias' RESUMO o estudo é resultado de um processo investigativo em uma empresa considerada de ponta no mercado mundial de alumínio. A intenção é desvelar o posicionamento que o operário toma de si ao deparar-se com as demandas requisitadas pelo mercado contemporâneo. As conclusões apontam para um posicionamento individual e com fortes tendências a silenciar discursos. Enfatizam tratar-se de uma única alternativa viável ao limite tolerado pela política organizacional, ainda que o operário expresse criticidade sobre as contradições postas nas relações capital- trabalho. Palavras-chave: posicionamento operário, estratégias individuais e silêncio. SUMMARY This study is a result of an investigation process in a high technology company in the worldwide alurninum market. The intention is to unveil the thread that the laborer takes when coming across itself with the demands of the contemporary market. The conclusions point to an a individualistic thread and strong trends to silence speeches. This thread is interpreted as only viab1e alternative faced with the limit with is tolerated by the company politics, still the laborer expresses criticism as for the contradictions that present themselves in the capital/labor relations. Key-word: individual thread, laborer, strategies and silence. 1 INTRODUÇÃO o debate sobre a recorrência de estra- tégias individuais. Com essa postura, o trabalhador vinculado à indústria meta- lúrgica em São Luís-Ma tem registra- do o seu não a situações que possam Problematizar o posicionamento operário no quadro contemporâneo da indústria capitalista requer trazer à tona * Professora Assistente do Departamento de Serviço Social da UFMA e Mestre em Serviço Social pela UFRJ. Cad. Pesq., São Luís, v. 11, n. 2, p. 29-44, jul.Zdez: 2000. 29

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ESTRATÉGIAS INDIVIDUAIS: a marca de posicionamento do operáriovinculado ao monopólio metalúrgico em São Luís

Naíres Raimunda Gomes Farias'

RESUMO

o estudo é resultado de um processo investigativo em uma empresaconsiderada de ponta no mercado mundial de alumínio. A intenção édesvelar o posicionamento que o operário toma de si ao deparar-secom as demandas requisitadas pelo mercado contemporâneo. Asconclusões apontam para um posicionamento individual e com fortestendências a silenciar discursos. Enfatizam tratar-se de uma únicaalternativa viável ao limite tolerado pela política organizacional, aindaque o operário expresse criticidade sobre as contradições postas nasrelações capital- trabalho.

Palavras-chave: posicionamento operário, estratégiasindividuais e silêncio.

SUMMARY

This study is a result of an investigation process in a high technologycompany in the worldwide alurninum market. The intention is to unveilthe thread that the laborer takes when coming across itself with thedemands of the contemporary market. The conclusions point to an aindividualistic thread and strong trends to silence speeches. Thisthread is interpreted as only viab1e alternative faced with the limitwith is tolerated by the company politics, still the laborer expressescriticism as for the contradictions that present themselves in thecapital/labor relations.

Key-word: individual thread, laborer, strategies and silence.

1 INTRODUÇÃO o debate sobre a recorrência de estra-tégias individuais. Com essa postura, otrabalhador vinculado à indústria meta-lúrgica em São Luís-Ma tem registra-do o seu não a situações que possam

Problematizar o posicionamentooperário no quadro contemporâneo daindústria capitalista requer trazer à tona

* Professora Assistente do Departamento de Serviço Social da UFMA e Mestre em Serviço Social pelaUFRJ.

Cad. Pesq., São Luís, v. 11, n. 2, p. 29-44, jul.Zdez: 2000. 29

ameaçar seus interesses. Seus esfor-ços se estendem no máximo para atin-gir metas de trabalho em grupo, mesmoque isso se efetive em forma de com-petição, o que vem sinalizar um perfilde trabalhador distante de outrora,quando a empresa apresentava-secomo alvo de manifestações coletivas.

Os dados apontados pelos operá-rios sinalizam para um descenso dopercentual de operários que acredita em .resistência coletiva. Ademais, pesam aspunições direcionadas aos operários sin-dicalistas, destacando-se os casos dedemissão. Para estes entrevistados, in-tervir em nível organizativo, sobretudosindical, significa trazer à tona situaçõesque põem em insegurança suavinculação empregatícia. A questão énão manifestar-se coletivamente, masindividualmente e no quadro toleradopela empresa. Melhor ainda se for deuma forma silenciada, significa não po-sicionar-se explicitamente ao quadro daorganização posta.

Com essa perspectiva de estudo,procuramos sugerir algumas modalida-des de interpretação para o debate queproblematiza posicionamento operário.Apresentamos duas característicasmarcantes de atuação operária: a in-dividual e a individual silenciada. En-tendemos tratar-se das formas demanifestação no quadro das exigênci-as capitalistas, sobretudo tomandocomo referência as requisições postasno mercado. Além de sobrecarregado,o operário teme vivenciar situações quepossam afetar seu vínculo empregatí-cio. Para evitar essa possibilidade o ope-rário posiciona-se individualmente e deforma isolada. O que importa é o seu

salário, seu emprego, seu trabalho, mes-mo que para isso tenha que silenciardiscursos e atuações explicitamentecontrárias às exigências do capital. Ali-ás, essa é uma extensão desse posicio-namento que também procuramosproblematizar.

1.1 O processo investigativo

Priorizamos como alvo de estudoe investigação a indústria ALUMAR(Alurnín iolMaran hão ) por considerar-mos um empreendimento pioneiro naimplantação de novas modalidades degestão produtiva, aliado ao fato de seposicionar no mercado como empresade ponta - embora entendemos tratar-se de uma condição mantida às custasde consideráveis empenhos dos operá-rios. Aliás, esta é uma posição que sedestaca tanto em termos mundial comolocal. Mundial, quando apresenta resul-tados relativos às requisições de metasprodutivas, de qualidade, não afasta-mento por acidente de trabalho, etc.Local, quando oferece uma das melho-res condições de trabalho e salário, ain-da que achatado. Como é notável,expande-se no mercado maranhense oaprofundamento de precarização de tra-balho, desemprego e acréscimo do nú-mero de indivíduos que se encontramaquém da linha de pauperização divul-gada pelo capital contemporâneo.

O percurso investigativo deu-se noperíodo de 1998 a 1999, iniciando-secom um rastreamento bibliográfico so-bre a temática, seguido pelo estudo quefoi sendo construído e efetuado em todoo processo da pesquisa. Posteriormen-te, foi realizada uma investigação ex-ploratória sobre a empresa priorizada

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como campo empírico, momento emque procurávamos questões que pudes-sem melhor nortear e delimitar o estu-do e análise da discussão pretendida.Entrevistamos oito trabalhadores dosetor de Recursos Humanos, objetivan-do resgatar o discurso organizacionaloficialmente difundido no canteiro in-dustrial e, com ele, as demandas porparticipação operária. Simultaneamen-te a esse processo, rastreamos jornaislocais e alargamos contatos com o co-letivo operário sindical e suas principaislideranças que vivenciam ou vivencia-ram o chão-de- fábrica da empresa.

Logo após, passamos para a cons-trução dos demais procedimentos decoleta de dados da pesquisa empírica econseqüente aplicação. Protagonizarama amostra da entrevista semi-aberta:treze operários vinculados ao setor res-ponsável pela produção do alumínio - ochão-de- fabrica do Setor da Redução- distribuído na área de Eletrodos, Sa-las de Cubas e Lingotamento. I. 2 Fo-ram oito meses de coleta de dados, éclaro que, ao mesmo tempo, problema-tizando-os com o movimento históricoem curso na sociedade.

Para melhor precisar a delimitaçãodo objeto, tomamos os últimos cincoanos de gerenciamento de mão-de-obrano chão-de-fábrica, priorizando entre-vistados representativos dos trabalha-dores que se posicionam na empresa

na condição de antigos de casa.Os demais procedimentos efetiva-

ram-se em forma de verificação da fi-delidade das transcrições, organizaçãodo objeto de estudo e tratamento dosresultados apontados na pesquisa. Umprocesso que se fez seguir por um per-curso que envolveu investigação, estu-do contínuo e análise. Para isso, apesquisa incorreu por momentos queabrangeram categorização dos dadoscoletados, seguindo-se por uma preli-minar problematização com base nasindicações bibliográficas trabalhadas enas demais referências empíricas, cul-minando com a elaboração e análise deum Relatório de Pesquisa.

2 ASESTRATÉGIASINDIVIDUAIS

Consideráveis são as investidas docapital monopolista em estratégias que,em seu primado por produti vidade, es-timulem o perfil de um trabalhador pre-ocupado "consigo mesmo", suasegurança e empregabilidade. Os da-dos apresentados pelos operários ex-pressam as estratégias individuais comomarca de posicionamento face às exi-gências do monopólio industrial - umposicionamento que se estende no má-ximo a nível grupal, quando a exigênciapor metas requer trabalho em equipe.

Vários são os enfoques atribuídos

1 Além do Setor de Redução que aglutina 1.219 operários, a indústria detém 354 trabalhadores emexercício na Refinaria, o setor responsável pela alumina que é produzida para subsidiar a produção doalumínio, assim como dispõe de 48 no Porto e 111 trabalhadores na Administração, totalizando 1738trabalhadores vinculados funcionalmente na empresa. Ver Relatório de Efetivo da ALUMAR, 1997.2 Com base, ainda, na documentação oficial difundida - Perfil da ALUMAR -, 80% da produção final daempresa desembocam para exportação e 20% para o mercado local. A Refinaria contribui substancial-mente com esse processo, quando destina 63% da alumina gerada para o consumo interno, ficando 22,5%para a exportação e 14,5% para o mercado nacional. Perfil da ALUMAR, 1997.

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a essa peculiaridade de posicionamen-to operário. São resistências e defesasem forma de absenteísmo emDEJOURS (1992), quando o atestadomédico aparece como terreno neutrode ação. São formas de enfrentamen-tos verbais e denúncias, alvo de pro-blematização em CARVALHO (1997),que considera tratar-se de estratégiasde defesa e resistência. São ainda me-canismos de defesa, ou certos compor-tamentos defensivos equiparados arespostas atribuídas pelos sujeitos àspressões oriundas no ambiente de tra-balho, como as exigências excessivasde produtividade e qualidade, como en-fatiza LIMA (1994).

Defesa ou reação individual? Con-sideramos tratar-se de questões queassinalam um substancial debate. Inte-ressa-nos desvelar a leitura que o ope-rário faz de "si" quando aponta o"cunho" individual como alternativa deposicionamento viável frente ao qua-dro tolerado no ambiente produtivo.Esse percurso, de partida, requer pon-tuar a concepção de indivíduo emCODO (1992, p.47) em suas análisessobre indivíduos e sociedade. Ao tra-balhar uma visão de homem que cons-trói sua individualidade na sociedade, oautor atribui à palavra indivíduo a tra-dução latina do atomon grego deDernócrito, que significa "o que nãopode ser dividido."

Recorrendo aos estudos sobre aquestão, encontramos uma rica proble-matização. CARVALHO (1997), ana-lisando o controle, consentimento eresistência na fala do operário vincula-

do à fábrica de açúcar, advoga um po-sicionamento pouco ou nada organiza-do, freqüentemente passivo,aparentemente individual e pouco evi-denciado. DEJOURS (1992), em seusestudos sobre a loucura do trabalho,assinala as estratégias individuais comoposicionamentos viáveis no quadro to-lerado pela empresa, mesmo que obje-tivem deslocar as relações capital!trabalho para um terreno mais neutro.LIMA (1994), estudando os impactosda política de recursos humanos na sub-jetividade e nas relações de trabalho,ilustra os mecanismos de defesa quesão elaborados pelo ego do trabalhadorpara fazer face aos conflitos e a ideali-zação, clivagem bom-mau, recusa darealidade, etc., assim como certos com-portamentos defensivos em forma deindividualismo, relação instrumental como outro, etc.

Essa realidade, embora distinta,não foge à regra das peculiaridadesvivenciadas pelo trabalhador vinculadoao monopólio industrial. Os dados apon-tados pelos operários, alvo de nossa in-vestigação, sinalizam a hegemonia doposicionamento individual nas relaçõesde trabalho travadas na indústria. Sãoposicionamentos em forma de açõesisoladas como: as conversas com cole-gas - o que acaba dando expressabili-dade ao que o operário denomina deJornal Peão;' os casos em que a mão-de-obra recorre individualmente à che-fia superior para expressar suaspropostas ou desacordos com algumascircunstâncias evidenciadas; quando ooperário apresenta uma variedade de

'Uma espécie de veículo de informação que, por meio da fala, transmite o pensar operário sobre a políticavigente na indústria de alumínio

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artifícios para justificar sua forma dese ausentar do trabalho, como os ates-tados médicos que são recorridos paraexplicar a situação de absenteísmo, etc.

Segundo esses entrevistados, vigo-ram no chão-de-fábrica situações deindividualismo em certos posicionamen-tos operários. Um posicionamento in-dividual do tipo "se pra mim tá bom,não importa o cara ao Lado", expres-sando relações restritas ao mundo fa-bril. São posições que consideram perdade tempo envolver-se com questões queextrapolam os interesses requisitadospela empresa. Pior ainda é envolver-secom o coletivo operário sindical; issopode significar não ascensão prornoci-onal, vivências de perseguições e atédemissão. Sobre isso, reporta um ope-rário sindicalista:

"Eu tenho expressado mi-nha resistência de formacoletiva para o pessoal, massempre quando a gente tátentando expressar isso, amaioria esmagadora dopessoal fala o seguinte:rapaz larga isso de mão,cuida da tua vida, se tu nãotivesse movimentando nis-so, teria ascensão melhor. "(Operador auxiliar, Lingota-mento).

Ademais, essa situação não se dáao acaso, mas é reflexo da cultura indi-vidualista posta na sociedade. Ao ladodas estratégias anticriticistas eantiorganizativas, o capital tem desa-propriado do indivíduo consideráveisalternativas que outrora amenizavam

4 Sobre o assunto, ver SADER & GENTll-I, 1995.

alguns males por ele ocasionados, dei-xando-lhes como única alternativa aresponsabilidade pela guarda de seubem-estar. Em contrapartida, reforçaações avessas à atuação sindical, àsconquistas e às lutas por igualdade,eqüidade e justiça social, consideran-do-as, de partida, como vetores de atra-so econômico. O que pesa é a liberdadede mercado, a competição individual, arestauração da taxa de desemprego,tida como natural- embora esses prin-cípios sejam concretizados às custas dedolorosas condições de exclusão soci-al, geradas e agravadas nesse proces-SO.4 Ainda que sua efetivação estejacondicionada à vigência de um cenáriode excessiva individualização, aos "mol-des" do que CASTEL (1995) assina-lou como caráter negativo. Isto é, umaindividualização que congrega a inde-pendência do sujeito em relação aosbens coletivos com o declínio de víncu-los estáveis. Situação esta que consi-dera acarretar uma bipolarização entreaqueles que detêm uma posiçãosegu-ra na sociedade e aqueles que equipa-ram a sua individualidade à falta de"trabalho e ausência de proteção".

Por que individual? Com base emDEJOURS (1992), por tratar-se de umposicionamento tolerado pela empresaem um quadro equivalente ao queFICHER (1992) assinalou de gestãoimpositiva: uma gestão vertical que sefaz recorrentemente acompanhar-sepor exacerbadas penalidades, autorita-rismos e arbitrariedades.

Diversos condicionantes ratificamesse tipo de posicionamento na indús-tria de alumínio:

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a) a dispersão do coletivo operá-rio da categoria e com ela a si-tuação de descrédito emrelação à organização sindical,sinalizando queda no índice defiliados;

b) a cultura de parceria e partici-pação recorrida no discursoorganizacional, cujos impactosrecaem no trabalhador sob aimagem de uma empresa per-feita, onde empenho por metassignifica investimento profissi-onal;

c) as penalidades direcionadas aotrabalhador responsabilizadopor infringir a política organiza-cional, sobretudo quando dire-cionadas ao operáriosindicalista;'

d) o mercado local, onde a empresase apresenta como um empre-endimento de ponta que oferecemelhores faixas salariais,"em umquadro propício à terceirizaçãoe precarização do trabalho,bem como aprofundamento dodesemprego industrial.P

e) o impasse provocado pela polí-tica de recrutamento de traba-lhadores que tem ao seu disporum número de excedente cin-co vezes superior aos funcio-nários que se encontram naativa. Sobretudo considerandoo "exército" considerável dejovens, já começando "sadios"e suscetíveis a perceber meno-res faixas salariais, assim comoa aceitar "perdas" de direitosoutrora conquistados pelo co-letivo sindical.

Ainda segundo os operários entre-vistados, vigora no chão-de-fábrica umcoletivo operário em dispersão. São tra-balhadores que se encontram disper-sos em ações que possam suprir seusinteresses individuais, evitando reivin-dicações coletivas.

Dois prismas analíticos são apon-tados como responsáveis por essa con-dição de dispersão. Primeiro, por seralvo de negligência ou mesmo puniçãopor parte da cúpula gerencial. Segun-do, por não corresponder aos anseiosdo operariado que, face às demandas

, Situação que contraria a lei brasileira que proíbe a demissão de trabalhadores no exercício do mandato emcargos de direção do sindicato de sua categoria.6 Em pesquisa realizada no Curso de Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão (UFMA:1997)e divulgada no jornal O IMPARCIAL (1998), o piso salarial dos metalúrgicos encontra-se delimitado em:I' faixa: empresas com até 50 empregados - Auxiliar (R$ 207,70); Profissional (R$ 270,04)2' faixa: empresa com 51 até 150 empregados - Auxiliar CR$ 243,69); Profissional (R$ 328,98)3' faixa: empresas com 151 até 500 empregados - Auxiliar (R$ 317,37); Profissional CR$ 434,80)4' faixa: empresa com mais de 500 empregados - Auxiliar CR$ 398,54); Profissional (R$ 549,90)obs.: a única representante desta faixa é a ALUMAR.7 Em dados coletados junto ao coletivo sindical e aos setores representativos da política organizacional, aindústria que em sua implantação contou com 3.500 funcionários, hoje detém 1800 trabalhadores; alémde contar com um quadro considerável de aproximadamente 40 empresas terceirizadas em seu canteiro deobra.S Ainda com base nos dados apresentados pelo Jornal O IMPARCIAL (1998), no período de 90 a 97 omercado maranhense vivencia um alto índice de desemprego que atinge a faixa de 50% no setor rnetalúr-gico. Aliás, essa é uma realidade que não se dá ao acaso quando observamos que os dados apresentados peloIBGE (1998) ilustram uma taxa de desemprego 50% maior que em 1990, época em que os cofres dogoverno Collor detinham um significativo valor monetário.

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requisitadas pelo movimento histórico,especificamente ao quadro requerido etolerado pela empresa, vê-se conduzi-do a mudar seu posicionamento.

Aliás, essa é uma análise que nosfornece elementos substanciais paraassinalar uma característica nova naconfiguração de perfil de trabalhadorindustrial. Característica essa equiva-lente ao que LIMA (1994) e CASTRO& GUIMARÃES (1995) problernati-zam como trabalhador distante das rei-vindicações outrora expressas pelaclasse operária no Brasil. Consideramtratar-se de um trabalhador pouco ounada detentor de uma cultura sindical,assumindo destaque as desilusões como potencial revolucionário da classe.

É bem verdade que o quadro vi-venciado pelo operário no limiar do sé-culo XXI diferencia-se sobremaneira docapitalismo em voga no século XX,quando os impactos rebatiam em ter-mos de conquistas coletivas. Hoje a si-tuação é outra, a casa dos trabalhadoresque acreditam na resistência coletivaparece cada vez mais reduzir-se."

A propósito, a indústria de alumí-nio tem investido nesse tipo de posicio-

_ namento, a começar com as puniçõesque direciona aos operários sindicalis-tas, situações que trazem à tona casosde demissão e que ferem direitos con-quistados pelo coletivo organizado.Ademais, pesam as constantes situa-ções de sobrecargas de trabalho e as

estratégias participacionistas que con-clamam participação e parceria do ope-rário nesse processo e em contrapartidaadvogam retornos em forma de inves-timentos profissionais. Intervir em ní-vel organizativo, sobretudo sindical,significa trazer em cena sentimentos deincerteza e insegurança. Greve nempensar: é vista como estratégia inade-quada ao nível de posicionamento tole-rado pelo mercado. A questão éreportar-se para a negociação entre aspartes, embora seja patente a hegemo-nia dos setores representativos da hie-rarquia empresarial. A questão é nãomanifestar-se coletivamente, mas indi-vidualmente e no bojo do quadro tole-rado pela empresa. Melhor ainda se forde uma forma silenciada, significa nãoposicionamentos explícitos à organiza-ção industrial posta e, portanto, não àpossibilidade de fazer parte do quadrode demitidos e precarizados, inclusivede vida. A esse respeito manifesta-seum operário sindicalista:

"Os trabalhadores já fo-ram mais particip ativo s,hoje caiu e há vários fato-res que justificam essaqueda. Primeira, da gran-de parte daqueles quechegaram a um certo graude participação, uma par-cela foi tracada e hoje jánão está mais na fábrica.

9 Se observarmos as peculiaridades vivenciadas na indústria de alumínio, veremos que, "ainda ontem",grandes manifestações coletivas faziam presença em seus jardins, quando a organização sindical obtinhafeed back tanto por parte da cúpula patronal, quanto por parte do operário que lhe legitimava. A primeira,por lhe assegurar responsabilidade e negociação em tomo de uma pauta de reivindicações; a segunda, porcontar com a adesão dos trabalhadores em suas estratégias de enfrentamento. Essas situações diferemsobremaneira do quadro posto, quando podemos observar por parte da cúpula gerencial uma certa negli-gência; assim como uma fraca representatividade junto ao trabalhador.

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Hoje, a maioria é formadapor trabalhadores novosque é uma coisa que a em-presa investe em jovens com2° grau em busca de seuprimeiro emprego ... Esse éum componente importanteporque dentro desse quadrode dificuldades econômi-cas, nossa receita cai porconta da rotatividade damão-de-obra." (Operadorauxiliar, Eletrodos).

Segundo um operário entrevistado:

"A empresa, ao longo dosanos, vem apresentandomecanismos para enfraque-cer o sindicato, como asdemissões que incidem so-bre os sindicalizados".(Operador auxiliar, Eletro-dos).

"Greve traria resultadospositivos, se todos os tra-balhadores realmente sereunissem [. ..] mas dentrodesse contexto vigente seencontra um problema:você não vai conseguir reu-nir as pessoas. Então ao sevê frente a uma considerá-vel oferta de trabalhador evocê for fazer greve, vai serdemitido." (Operador auxi-liar, Sala de Cubas).

A cultura de parceria e participa-ção é uma outra modalidade de expres-são que também assume seu valor noperfil de defesa e/ou resistência indivi-dual. Os dados assinalados pelos ope-

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rários atribuem um considerável apre-ço às propostas que enfatizam a posi-ção do trabalhador como propulsor domercado e que tem parceria no alcan-ce das metas. Participação significa aperspectiva de investir em si, em suacarreira. Significa suar para ter acessoà "participação" nos resultados da em-presa. Significa empenhar-se no alcan-ce das metas propostas no planosemestral, assim como sugerir idéiasque melhorem as condições de traba-lho postas.

Não obstante, essa situação pou-co ou nada deixa de espaço para o tra-balhador se organizar em âmbitoextra-fabril, muito menos para apresen-tar vislumbramentos além dos limitesdemandados pelo capital. Pelo contrá-rio, o "participacionismo" requisitadoexclui qualquer representação de tra-balhador enquanto categoria social.

Penalidades àqueles que a empre-sa considera infratores é um outro fa-tor que "modula" o posicionamentoindividual como forma de defesa ouresposta às requisições apresentadaspelo mercado. Os dados apresentadospelos operários assinalam tratar-se deum instrumento utilizado para discipli-nar o trabalhador a agir em conformi-dade com as metas traçadas pelahierarquia superior. São penas que sedirecionam àqueles que ultrapassaremo nível de tolerância da empresa, vari-ando desde uma simples advertênciaaté uma demissão. Algo equivalente aoque ROSA (1994), estudando as rela-ções entre trabalho, subjetividade e po-der, chama de punições que têm emvista quebrar a insubmissão de forçasdo trabalhador, bem como intimidar seu

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poder contestatório. A autora salienta,também, um outro aspecto: o sentidoda pena ser trabalhada como exemplopara os demais trabalhadores, para quenão se insurjam no sentido de reafir-marem a sua condição de sujeito de di-reitos.

Para fazer face às demissões, oposicionamento individual é tido comoúnica alternativa de defesa e/ou mes-mo resistência do operário à políticaorganizacional, mesmo que seja viven-ciado de forma tensa, aflita, ansiosa oumesmo temerosa. Sob sua condução, otrabalhador diz não à possibilidade queameace sua empregabilidade na empre-sa e, assim, o leve a engrossar as filei-ras de desempregados e precarizadospelo mercado. Diz não à vivência desofrimento em forma de medo de re-presálias, como os castigos em formade não promoção, assim como diz nãoàs conseqüências de atos que possamafrontar a política da empresa. Segun-do os relatos:

"Minha forma de resistên-cia é particular, individual.Eu comento, lógico que agente conversa, mas minhaforma é procurar estudar,procurar um outro cami-nho, uma opção fora daempresa, embora conside-re que individualmente nãohá como resolver a situa-ção dos trabalhadores ... Eunão me expresso coletiva-mente, mas sempre eu

oriento as pessoas: olhavamos estudar, vamos ten-tar buscar alguma solução,isso que tem aqui com o tem-po vai se estressando cadavez mais, deixando vagapara uma pessoa mais jo-vem, tanto é que tem umarotatividade." (Operadorauxiliar, Sala de Cubas).

"Hoje a gente vê pouquis-simo trabalhador nosindicato e se inventaremuma greve não entra nin-guém com medo de perdero emprego." (Operador au-xiliar, Lingotamento).

2.1 O Silêncio Operário

"Guardar consigo mesmo" e "nãose posicionar" são terminologias quenão faltam para problematizar o silên-cio do operário face às exigências domercado contemporâneo.

Os dados apresentados pelos ope-rários entrevistados sinalizam a existên-cia de um posicionamento silenciado nochão-de-fábrica: um posicionamentoindividual que tem em vista assegurarsua empregabilidade na empresa. 10 Suaconcretude se expressa em forma denão reações, defesas ou posicionamen-tos explícitos face à onda de imposi-ções, penalidades e demissõescorrentes nos últimos quatro anos deempresa. Nas palavras de um operárioentrevistado:

10 Todos os operários entrevistados assinalaram o silêncio como estratégia direcionada a assegurar suaempregabili Idade na indústria. Ela é tida como foco central de significado para um número considerávelde trabalhadores em cena no chão-de-fábrica.

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"Face ao contexto, a rea-ção acaba ficando umacoisa para dentro, nuncasai para fora ... Se há umareação individualmente ex-plícita, ela acaba chegandonum choque que é a demis-são. É por isso que apessoa fica calada. Isso sedeve às condições em queo trabalhador é submetidona empresa como pressãopsicológica, quase todo·tempo cobrança, trabalhoaté exaustão e ameaças dedemissão." (Operador espe-cializado, Eletrodos).

Silêncio operário? Os operáriosentrevistados consideram tratar-se deum momento em que o trabalhador sevê induzido estrategicamente a não seposicionar face à correnteza de penali-dade e arbitrariedade vigente na ges-tão de pessoal dos últimos anos naindústria. Significa dizer não à possibi-lidade de vir a fazer parte do quadro detrabalhadores precarizados no merca-do. Significa não às condições que pos-sam afetar sua empregabilidade noquadro funcional da empresa. Seu sa-lário tem um considerável significado,apesar de achatado. Significa dizer nãoà possibilidade de vir a engrossar asfileiras de desempregados do setormetalúrgico do Estado, quando se fazevidente a redução de indústrias do se-tor e o crescimento de trabalhadores

demitidos em um quadro em que a me-talurgia atinge a casa de 50%.11 Comuma menor intensidade, significa dizernão à vivência de situações que impos-sibilitem sua capacidade de vislumbrarpromoções. Recorrendo-se às palavrasde um operário:

"Nós sabemos, é uma rea-lidade concreta hoje, aempresa nos oferece melho-res condições de salários.Porque as outras empresasmenores são empreite irasda indústria, onde o traba-lho é extremamenteprecarizado, e não dispõedas mesmas condições ofe-recidas pela empresa. Hojea média é de 500 a 600 re-ais. Um trabalhador queganha na fábrica 600 re-ais, quando se confrontacom situações que exigemcomodidade frente a elas,tende a dizer tenho duasopções: vou ser desempre-gado ou ganhar saláriomínimo no comércio ou vouser camelô. Indiscutivel-mente ele prefereacomodar-se ao posto. "(Operador auxiliar, Sala deCubas).

Aliado a essa condição posta pelomercado, um outro aspecto é assinala-do como vetor de posicionamento si-lenciado. Os dados apontados pelos

\I Os dados fornecidos pela União Metalúrgica (1997) e o Jornal O IMPARCIAL (1998) apresentaramuma queda brutal de trabalhadores ativos da métalurgia na realidade de São Luís. O que outrora apontavapara a casa de doze mil passou para 4.500 metalúrgicos em um quadro de redução de empresas do ramo.Sobre o assunto, ver O IMPARCIAL (op.cit) e União Metalúrgica, 1997, n.53, out/dez.

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operários atribuem responsabilidadedesse tipo de posicionamento ao tratoda política organizacional pela empre-a. Trato esse que consideram trazer à

tona formas de gestão organizativasmoduladas por estratégias que têm emvista atuar diretamente na estruturamental do operário. São impactos emforma de sentimentos de ansiedade eagonia diante das situações que lhepõem em insegurança, evidenciandosentimentos de incertezas face ao mer-cado de trabalho contemporâneo. Maisainda, são impactos em forma de situa-ções de medo, temor, tensão, aflição eoutras dessa natureza. O operário temevivenciar a situação que o coloque nacondição de desempregado. Maior ain-da é o significado que é dado à possibi-lidade de vir a acrescer o quadro deindivíduos precarizados, inclusive emcondições de vida.

O medo é uma estratégia que temsua marca no exercício posições silen-ciadas pelos operários. Significa suaforma de resistência e/ou defesa facea situações que possam afetar sua es-tabilidade empregatícia e com ela a faixasalarial percebida em relação ao mer-cado local. Esse sentimento se fazacompanhar por vivências de receios,apreensões e expectativas face à pos-sibilidade de endossar o quadro de de-mitidos da empresa. Pior ainda, quandotratada sob a ótica da gestão organiza-cional vigente, ela é vista em forma deterror.

Em suma, o posicionamento silen-ciado. mesmo que direcionado por es-tratégias organizacionais que recorremà oaç ão. é visto como alternativa de

atuação operária mais viável ao qua-dro atual. Considerável significado osoperários atribuem às estratégiascoatoras utilizadas pela gestão organi-zacional. A questão é fazer o trabalha-dor aceitar e agir em conformidade comas metas traçadas, como a produtivi-dade prevista, mesmo que tenha queintimidá-Ia quando a abordagem se re-fere a atuações que consideram infrin-gir o disciplinamento. Como expressamalguns relatos de operários sobre o as-sunto:

"... Educam e disciplinam ohomem ao trabalho assala-riado ... A resistência, en-coberta pelo medo, podemostrar-se como aceita-ção". (Operador especializa-do, Sala de Cubas).

"Vigora no ambiente pro-dutivo estratégias coatorasvoltadas a moldar o com-portamento do operárioaceitar as regras postas.Agradando ou não agra-dando tem que cumprir commetas; caso contrário, es-tará passível a sofrerpenalidades que variam deadvertências a demissões,além de possibilitar marca-ções de chefias. Com isso,ele tende a se acomodar portemer fazer parte. do qua-dro de demitidos. " (Operadorespecializado, Eletrodos).

Se tomarmos o debate sobre essetipo de posicionamento em voga na in-dústria capitalista, veremos sinais deuma rica problématização.

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LIMA (1994), problematiza as re-lações de dominação engendradas naspolíticas organizacionais e, com elas, asformas de submissão e revolta. Consi-dera tratar-se de estratégias recorridaspelo o operário para fazer jus aos "pri-vilégios" apresentados pela organiza-ção, o que acaba requisitando suaidentificação com a empresa, seus ob-jetivos, rentabilidade e lucro, uma situ-ação que atribui à dominação vigente agestão de mão-de-obra.

LOBO (1991) sinaliza as vivênci-as individualizadas em forma de incon-formidade privatizada, quando aameaça assume seu maior peso nasrelações de gestão engendradas. Con-seqüência desse processo: conflitos in-visíveis em forma de sentimentos comoraiva, queda de nervos e gagueira. Aessa realidade DEJOURS (1991) atri-bui responsabilidades ao efeito perver-so da concretude do gerenciamentoorganizacional, cujos objetivos requisi-tam uma tolerância excessiva do tra-balhador que considera vivenciar aviolência invisível em forma de amea-ça.

DEJOURS (1992) aponta posici-onamentos em forma de submissão, ali-enação e indiferença. A alienação é tidacomo etapa necessária para sujeiçãodo corpo em contraposição a sua pró-pria vonta~e. A submissão se manifes-ta na situação de tolerância requisitadapela meta produtividade. A indiferençaé evidente na situação de cumplicidadedo indivíduo com as condições de so-frimento e injustiça posta.

CARVALHO (1997) chama aten-ção para a aceitação embutida no posi-cionamento em forma de silêncio.

Refere-se a uma resistência astuta quese encontra encoberta pela vivência demedo, conformismo ou interiorização dalógica capitalista pelo trabalhador. Se-gundo a autora, o silêncio é tido comoforma mais explícita de vivência demedo. É o momento em que o operáriomanipula seu saber para resistir a umsistema que ele nem sempre compre-ende ou aceita, mas conforma-se porentendê-Ia como única alternativa deposicionamento viável ao que conside-ra favorecer aos interesses de maximi-zação de mais valia.

Os estudos de SILVEIRA (1989)apontam a alienação, a coisificação, areificação e o fetichismo como momen-tos concretos de impactos da subjetivi-dade do capital sob a esfera psíquicado trabalhador, de forma a sujeitá-Io aagir em conformidade com as exigên-cias de maximização de mais-valia.Compreende tratar-se de momentos emque o sujeito tem diminuído o seu espa-ço para desenvolver-se consciente ecriticamente. Recorrendo aosGrundrisse (1971), o autor aponta quea indiferença, mesmo não tendo trata-mento direto em Marx, é trabalhadacomo uma particularidade que é postapelo capital. Indivíduos indiferentes si-nalizam individualidades, cujas subjeti-vidades têm apagado o conjunto dediferenças que específica formas dedependência de pessoal como: diferen-ça de sangue, de educação, de casta,etc. É como se a contraface do alheia-mento, da autonomização do nexo so-cial - o valor de troca - no plano daindividualidade fosse imprimido na sub-jetividade do indivíduo, gerando indife-rença em relação aos outros.

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Diríamos tratar-se de uma formade posicionamento que se encontra"amarrada" às determinações do capi-tal. Não ternos dúvida de que o capital,em seu primado pela maximização demais valia, tenha em vista adestrar com-portamentos para fazer cumprir suasmetas. Consideramos relevantes osestudos de SILVEIRA (1989) ao sereferirem à alienação, ao estranhamen-to, à coisificação e à reificação dos tra-balhadores como estratégias voltadasa fazer o operário cumprir com as me-tas determinadas. Salutares são os es-tudos que sinalizam a situação deindiferença, entendemos que tratam deurna particularidade de posicionamen-to que vem se acentuando em muitassubjetividades operárias.

Contudo, compreendemos proble-mático que o fato da defesa e/ou resis-tência não se manifestar de formaexplícita a terminologia mais indicadapara analisá-Ias seja submissão, aco-madação. Não consideramos dualida-des de realidades; antes sim, estratégiasque se congregam para um único fim.É o momento em que a meta "cum-prir" com uma determinada produtivi-dade requer estratégias que pressionemo trabalhador a conduzir-se para aque-le fim, bem como a posicionar-se emconformidade com o disciplinamentoorganizacional tolerado. É o momentoem que diz não às represálias, não aostemores e ansiedades, não à possibili-dade de vir a perder seu emprego. Masisso não significa que acatem integral-mente o discurso empresarial, críticase discordâncias podem estar embutidasnesse tipo de posicionamento. No casoespecífico ao trabalhador, alvo de nos-

sa investigação, entendemos tratar-sede uma mão-de-obra que, além de suaexpressão corpórea, detém uma formade pensar. Algo equivalente ao queLIMA (1994) atribui à forma de defe-sa e resistência do trabalhador face àsdeterminações do capital. Em suas pa-lavras:

"Partimos da idéia de queo sujeito é capaz deanalisar sua situação detrabalho e de encontrar amelhor forma de enfrentaras dificuldades e pressõesaí existentes. Ele não é umjoguete passivo, modeladopela empresa; mas, aocontrário, mostra-sefreqüentemente capaz demobilizar uma energiaconsiderável a fim deatingir um certo equilíbrioe alcançar uma certaadaptação às pressõesimpostas por essaspolíticas. "

Diríamos tratar-se de um sujeitohistórico portador de uma visão de mun-do - que pode ser crítica. Urna visãoque o conduz a posicionar-se em con-sonância com os requisitos da políticade empregabilidade vigente na indús-tria. Contudo, para se fazer face àscondições postas pelo mercado, consi-dera como única alternativa de defesae/ou resistência "acalentar" sua visãode classe e, com ela, a possibilidade deestabelecer vínculos com o coletivooperário sindical, considerado motor deameaça e insegurança à sua manuten-ção empregatícia na indústria capitalista.

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3 CONCLUSÃOPosicionamento operário no mar-

co das demandas apresentadas pelaindústria capitalista: produtivo e apto aser explorado de forma individualizadae silenciada.

Chegamos a esse percurso analí-tico por considerarmos que o operáriose posiciona no limite tolerado pelo ge-renciamento em vigor na indústria dealumínio.

Diversos são os condicionantesdesse tipo de pensamento e posiciona-mento. É o evidente crescimento deempresas terceiras no canteiro da em-presa. São as constantes vigílias, tantopor parte de colegas impregnados pelapolítica de competição promocional,como por parte da hierarquia superior,cujas conseqüências geram situaçõesde aflição, sobretudo quando direcio-nadas para sindicalistas, ou mesmo paraaveriguar uma ocorrência de "aciden-te", considerada ato inseguro do traba-lhador. É a "onda" de demissão utilizadapela política organizacional, sobretudoquando toma como alvo trabalhadoresantigos da casa, aqueles mais vulnerá-veis a obterem doenças profissionais,como problemas de coluna. É a condi-ção de ponta em que a empresa seapresenta no mercado local, quandooferece melhores faixas salariais em umquadro favorável a acirrar o desempre-go que atinge níveis gritantes, assimcomo a instabilidade empregatícia e aprecarização de trabalho e de condi-ções de vida.

Diante dessa situação, o trabalha-dor tende a enfraquecer seu potencialde contestação, concentrando seus es-forços em não deixar cair seu patamar

de produtividade e, com ele, sua sobre-vivência e de sua família. Como é sabi-do, o que anos atrás representava palcode manifestações coletivas na empre-sa, hoje é passagem para trabalhado-res engessados, queimados, acidentadossob condição de restrição, etc. O coti-diano fabril vivencia um processo dedispersão do coletivo sindical que con-ta, ainda, como estimulantes: a culturade parceria e participação difundidapela empresa e o descenso do movi-mento sindical.

As estratégias individuais passama ser a marca do posicionamento ope-rário. Diante das condições postas pelagestão organizacional, o preocupar-se"consigo mesmo", s~ salário, seu em-prego, apresenta-se como estratégia deposicionamento viável diante do qua-dro tolerado pela empresa. É viável,sobretudo considerando as investidaspara neutralizar possíveis conflitos exis-tentes nas relações capital/trabalho.Sobretudo ainda quando reinterpretaessa forma de posicionamento inves-tindo em uma postura individualista ten-dente a competir pelo seus interessessob uma ótica anticriticista.

O silêncio é uma outra estratégiarecorrida pela força-de-trabalho vincu-lada à indústria capitalista. Como ex-pressão do posicionamento individual,significa omitir discursos e atuaçõesexplícitas face ao ordenamento em vi-gor na empresa. Suas derivações as-sumem contorno ora de resistência e/ou defesa, ora o seu contrário. Toda-via, são posicionamentos que reconhe-cem as contradições - consideráveissão as discórdias e críticas apontadas;contudo, o silêncio é avaliado como

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única alternativa viável para assegurara manutenção empregatícia do operá-no na empresa.

Em suma, procuramos desvelar asmanifestações de posicionamento ope-rário no quadro das exigências da in-dústria capitalista. Ora problematizadacomo ação para alguns, ora para ou-tros reação, ou não reação, ou mesmoreação e/ou defesa, estas manifesta-ções se direcionam para uma mesmarota, quando a questão diz respeito asua pretensa estabilidade empregatícia.Aliás, essa é uma questão que sugerealgumas modalidades de interpretaçãopara o debate profissional sobre o per-fil de operário usuário do Serviço Soci-al, sobretudo tomando como referência

as determinações postas pelas indús-trias de ponta no mercado. Requisita-se um trabalhador factível avulnerabilizar-se diante de situaçõesque demandam submissão, acomoda-ção, ou mesmo alienação e indiferen-ça. Mas, sem dúvida, é um trabalhadorque porta uma historicidade e um sa-ber, que pode ser crítico, sobre as con-tradições postas nas relações capital!trabalho. Um trabalhador que frente àsdeterminações do capitalismo contem-porâneo atribui maior significado à suamanutenção empregatícia, mesmo quede uma maneira individualizada, sobre-tudo silenciada; ainda que este posicio-namento seja vivenciado de uma formatensa, aflita, medrosa e temerosa.

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