estratégias de desenvolvimento nacional e capital estrangeiro (fabio antonio de campos)
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Dissertação de Mestrado IE-UnicampTRANSCRIPT
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7/18/2019 Estratgias de Desenvolvimento Nacional e Capital Estrangeiro (Fabio Antonio de Campos)
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINASInstituto de Economia
A ARTE DA CONQUISTA: O CAPITAL INTERNACIONAL
NO DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA
BRASILEIRO (1951-1992)
Fabio Antonio De Campos
Tese de Doutoramento apresentada aoInstituto de Economia da UNICAMP paraobteno do ttulo de Doutor emDesenvolvimento Econmico rea deconcentrao: Histria Econmica, sob aorientao do Prof. Dr. Plnio Soares deArruda Sampaio Junior.
Este exemplar corresponde ao original datese defendida por Fabio Antonio deCampos em 24/08/2009 e orientado peloProf. Dr. Plnio Soares de Arruda
Sampaio Junior.
CPG, 24 / 08 / 2009
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Campinas, 2009
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Ficha catalogrfica elaborada pela bibliotecado Instituto de Economia/UNICAMP
Ttulo em Ingls: The art of conquest: the international capital in the brazilian capitalist development(1951-1992)Keywords :Foreign investiments Brazil ; Brazilian capitalism ; Brazilian economy
rea de concentrao :Histria EconmicaTitulao :Doutor em Desenvolvimento EconmicoBanca examinadora : Prof. Dr. Plnio Soares de Arruda Sampaio Junior
Prof. Dr. Luiz Antonio Mattos FilgueirasProf. Dr. Mariano Francisco LaplaneProf. Dr. Paulo Alves de Lima FilhoProf. Dr. Pedro Paulo Zahluth Bastos
Data da defesa: 24-08-2009
Programa de Ps-Graduao: Desenvolvimento econmico
Campos, Fabio Antonio de.C157a A arte da conquista: o capital internacional no desenvolvimento capitalista
brasileiro (1951-1992) / Fabio Antonio de Campos. Campinas, SP: [s.n.],2009.
Orientador : Plnio Soares de Arruda Sampaio Junior.Tese (doutorado) Universidade Estadual de Campinas, Instituto de
Economia.1. Investimentos estrangeiros Brasil. 2. Capitalismo Brasil. 3.
Economia
- Brasil. I. Sampaio Junior, Plnio Soares de Arruda. II. Universidade Estadual
de Campinas. Instituto de Economia. III. Titulo.
09-41-BIE
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Tese de Doutorado
Aluno: FABIO ANTONIO DE CAMPOS
A Arte da Conquista: O capital internacional no
desenvolvimento capitalista brasileira (1951-1992)
Defendida em 24 / 08 / 2009
COMISSO JULGADORA
Prof. Dr. PLNIO SOARES DE ARRUDA SAMPAIO JUNIOROrientador IE / UNICAMP
Prof. Dr. LUIZ ANTONIO MATTOS FILGUEIRASUFBA
Prof. Dr. MARIANO FRANCISCO LAPLANEIE/UNICAMP
Prof. Dr. PAULO ALVES DE LIMA FILHOIBEC
Prof. Dr. PEDRO PAULO ZAHLUTH BASTOSIE/UNICAMP
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A necessidade de mercados sempre crescentes para seus produtos impele aburguesia a conquistar todo o globo terrestre. Ela precisa estabelecer-se, explorare criar vnculos em todos os lugares.
Karl Marx e Friedrich Engels
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Agradecimentos
Inicialmente agradecemos Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo
(FAPESP), que concedeu as condies materiais realizao desta pesquisa. De igual forma,
agradeo as bases institucionais oferecidas pelo Instituto de Economia da Unicamp. Sou grato
igualmente s condies profissionais prestadas pela Facamp.
Impossvel mensurar a gratido que devo a Plnio Soares de Arruda Sampaio Jr., meu
orientador. Foram momentos difceis e de grande aprendizado vividos, os quais se arrastam por
quase uma dcada neste percurso intelectual. Alm dos prstimos por ter me orientado em uma
pesquisa de complexa elaborao e de esforo de sntese, agradeo por ensinar valores
republicanos que jamais se apartaro de mim.
Agradeo o respeito com que Pedro Paulo Zahluth Bastos sempre se dedicou minha
pessoa, clareando e resolvendo minhas indagaes intelectuais. Ao meu interlocutor de histria
econmica e leitor crtico de meus trabalhos, eu devo agradec-lo pela amizade que de mimnunca furtou. Agradeo ao camarada Paulo Alves de Lima Filho, que sabe a honra que tenho de
ser seu amigo e a gratido que lhe devo por me ensinar desde cedo a caminhar nas trincheiras
da vida prtica e terica, como o pensamento crtico exige para frutificar-se. Agradeo tambm
o acompanhamento preciso que Mariano Francisco Laplane fez de minha pesquisa desde a
poca do projeto. Sem sua cuidadosa apreciao o trabalho no teria atingido tal resultado.
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Agradeo a participao prestigiosa na banca de Luiz Antonio Mattos Filgueiras. Sou grato ao
apoio intelectual do camarada Adilson Marques Gennari. No posso esquecer-me de um
companheiro de reflexes tericas que participou desta fase, que foi Eduardo Barros Mariutti.
Tambm agradeo a contribuio de Lgia Maria Osrio Silva. De igual modo, agradeo oapoio profissional e intelectual vindo dos professores Joo Manuel Cardoso de Mello e Luiz
Gonzaga de Mello Belluzzo. Grato ainda aos funcionrios do IE: Alberto e Cida.
Os amigos igualmente ofereceram grande motivao nesta caminhada. Iniciando pelo
tempo de graduao, agradeo aos camaradas eternos Carlos Henrique Lopes Rodrigues,
Marcelo Inoue, Mrcio Paschoino Lupatini, Rangel Silvando do Nascimento, Thiago Marques
Mandarino e Valdomiro Marino Moreira. Agradeo a convivncia entusiasta de Alice Peres,
Carolina Cristina Alves, Daniela Maria Moreno, Renata Belzunces dos Santos, Renata
Zambelli e Silvia Peres. Agradeo aos amigos do IBEC: Ellen Lucy Tristo, Fabiana de Cssia
Rodrigues, Henrique Tahan Novaes, Lalo Minto e Rogrio Fernandes Macedo. Bons momentos
tambm vieram dos amigos da Ps como Anderson Pellegrino, Betina Ferraz, Daniel Hofling,
Eduardo da Costa e Fbio Santos. Alguns, como Alexandre Macchione Saes, participaram
intensamente de meu tema de pesquisa e so companheiros de vrias discusses. E como no
falar dos camaradas Fernando Henrique Lemos Rodrigues, Rogrio Naques Faleiros e
Wolfgang Lenk, de cuja convivncia prxima venho usufruindo para desvendar questes
tericas e mundanas. Grato tambm ao amigo Jos Augusto Ruas, que me ofereceu, alm do
apoio institucional, auxlio na pesquisa quantitativa. Agradeo tambm aos amigos de trabalho,
em especial a Antonio Carlos Diegues e a Rodrigo Sabbatini. Por ltimo, agradeo a todos
aqueles que a vida, de alguma forma, tornou distantes, como os companheiros de infncia, e
aqueles que no esto aqui nomeados.
Para concluir, no poderia esquecer-me do apoio familiar sem o carinho, a pacincia e
a compreenso deles eu jamais teria chegado aqui. Agradeo minha me Benedita Mello de
Campos e ao meu pai Antonio Carlos de Campos. Sem vocs certamente sucumbiria s minhasprprias angstias. Agradeo ainda o companheirismo de minha irm Maria Rosa de Campos
Souza, e pela presena vibrante de meus sobrinhos Caio de Campos Souza e Vincius de
Campos Souza, assim como pela amizade de meu cunhado Fbio de Souza Correa. Agradeo
ao restante de minha famlia, que me apoiou em todas as decises. Em especial, queria
agradecer o carinho maternal de minha tia Terezinha de Lourdes Mello, cuja fora permitiu-me
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alar este vo. Agradeo aos meus tios de Campinas, que desde a poca do vestibular sempre
me incentivaram: Hlio de Campos e Stela Camargo de Campos.
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Sumrio
Introduo ...................................................................................................................................................................... 1
Captulo I Padres de Acumulao Capitalista e a Internacionalizao Perifrica.............................................. 91. Introduo .................................................................................................................................................................... 92. Padres de Acumulao Capitalista no Centro e a Mundializao do Capital............................................................. 10
2.1 Internacionalizao Produtiva. ................................................................................................................... 112.2 Crise e Transio ......................................................................................................................................... 13
2.3 Internacionalizao Financeira .................................................................................................................. 153. Investimento Direto Estrangeiro na Amrica Latina ................................................................................................... 19
3.1 Internacionalizao durante a Industrializao Pesada .............................................................................203.2 Maturao e Financeirizao do Oligoplio Internacional ........................................................................ 253.3 Contrao dos Investimentos Internacionais e Crise .................................................................................. 30
4. Concluso .................................................................................................................................................................... 38
Captulo II Internacionalizao no Desenvolvimento Capitalista Brasileiro ........................................................ 411. Introduo .................................................................................................................................................................... 412. Antecedentes da Internacionalizao do Mercado Interno (1951-1954) ...................................................................... 433. Internacionalizao do Mercado Interno (1955-1973) ................................................................................................. 544. Internacionalizao durante a Crise da Industrializao (1974-1982) ......................................................................... 825. Internacionalizao no Limiar da Liberalizao (1983-1992) ..................................................................................... 1016. Concluso .................................................................................................................................................................... 116
Captulo III Estado e Internacionalizao Brasileira .............................................................................................. 1191. Introduo .................................................................................................................................................................... 1192. Instruo 113 (1946-1955)........................................................................................................................................... 1203. Lei de Remessas de Lucros e a Conexo com o Financiamento Internacional (1956-1970) .......... ........... .......... ........ 1374. Proteo Setorial e Outras Disposies (1971-1989)................................................................................................... 1495. Origem da Liberalizao (1990-1992) ......................................................................................................................... 1766. Concluso .................................................................................................................................................................... 190
Consideraes Finais ..................................................................................................................................................... 193
Referncias ..................................................................................................................................................................... 199
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TabelasTabela 1 Estoque Mundial de Investimento Direto Estrangeiro ................................................................................... 21Tabela 2 Investimento Direto Estrangeiro na Amrica Latina ...................................................................................... 22Tabela 3 Investimento Direto Estrangeiro Norte-Americano - Setor e Destino ........................................................... 23Tabela 4 Fluxos Mundiais de Investimento Direto Estrangeiro .................................................................................... 27
Tabela 5 A e B Investimento Direto Estrangeiro no Brasil, Mxico e Argentina ...................................................... 28Tabela 6 Estoques Mundiais de Investimentos Diretos Estrangeiros............................................................................ 32Tabela 7 Distribuio por Macrosetores do IDE na Amrica Latina ............................................................................ 33Tabela 8 Investimento Direto Estrangeiro nas Privatizaes dos Pases em Desenvolvimento.................................... 36Tabela 9 O Movimento Geral da Internacionalizao Brasileira .................................................................................. 44Tabela 10 Origem dos Fluxos de Investimento Direto Estrangeiro no Brasil ............................................................... 46Tabela 11 Destino dos Estoques de Investimento Direto Estrangeiro no Brasil ........................................................... 47Tabela 12 Novas Filiais Norte-Americanas Estabelecidas por Aquisies .................................................................. 57Tabela 13 Origem do Investimento Direto Estrangeiro na Forma de Estoques ............................................................ 59Tabela 14 Participao por Origem de Capital na Economia Brasileira ....................................................................... 61Tabela 15 Endividamento Externo e a Participao dos Setores .................................................................................. 73Tabela 16 Desnacionalizao Brasileira ....................................................................................................................... 75Tabela 17 Exportaes Industriais Brasileiras por Origem do Capital e Gnero Industrial .......... .......... ........... .......... . 79Tabela 18 Balano Comercial das Firmas por Setor ..................................................................................................... 81Tabela 19 Frequncia dasJoint Venturespor Pas de Origem do Scio Estrangeiro e o Setor .................................... 86Tabela 20 Participaes Relativas de Capital nasJoint VenturesBrasileiras ............................................................... 87Tabela 21 Tomadores de Endividamento Externo ........................................................................................................ 97Tabela 22 Investimento Estrangeiro de Especial Interesse Nacional Ingressado at 1955 ........... .......... ........... .......... . 130Tabela 23 Associao entre Empresas Brasileiras de Capital Nacional e Empresas Multinacionais no Setor deInformtica....................................................................................................................................................................... 159Tabela 24 Fluxos Lquidos de Capitais Internacionais para o Brasil ............................................................................ 188
GrficosGrfico 1 Saldo Lquido do Investimento Direto Estrangeiro ...................................................................................... 113Grfico 2 Participao por Origem de Capital na Economia Brasileira........................................................................ 189
AnexosAnexo 1 Investimento Direto Estrangeiro no Brasil ..................................................................................................... 217
Anexo 2 Origem do Investimento Direto Estrangeiro na Forma de Fluxos .................................................................. 218Anexo 3 Investimento Direto Estrangeiro em Setores .................................................................................................. 219Anexo 4 Investimento Direto Estrangeiro em Setores Percentuais ............................................................................ 220Anexo 5 Investimento Direto Estrangeiro por Pas de Origem e Macrosetores .......... ........... .......... ........... .......... ........ 221Anexo 6 Evoluo da Participao Relativa na Origem de Capital da Economia Brasileira .......... .......... ........... ......... 221Anexo 7 Balano de Pagamentos do Perodo ............................................................................................................... 222Anexo 8 Conjuntura Econmica do Perodo................................................................................................................. 223Anexo 9 Investimento Direto Estrangeiro e suas Variaes Relativas ......................................................................... 224Anexo 10 Amostra dos Agentes Financiadores das Atividades do IPES ...................................................................... 225Anexo 11 Taxas de Cmbio do Perodo ....................................................................................................................... 226Anexo 12 Controle da Transferncia de Tecnologia em suas Diferentes Categorias ................................................... 227
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Resumo:O objetivo deste trabalho pesquisar como o capital internacional esteve relacionado ao desenvolvimento capitalista brasileiroentre 1951 e 1992, aprofundando nossa dependncia externa. Para tanto, investigamos o papel do investimento diretoestrangeiro nos padres de acumulao capitalista como um todo e sua influncia sobre a periferia, e, em seguida, analisamos aparticularidade brasileira e suas etapas de internacionalizao produtiva no desenvolvimento capitalista, assim como a suainterao com o poder estatal. Apoiada nesse percurso, nossa tese defende que, medida que a internacionalizao avanou pordiversas etapas, a potencialidade de o pas comandar um processo de industrializao por seus prprios meios, voltada emancipao de sua condio subdesenvolvida, igualmente enfraqueceu-se. Ao subordinar-se gradativamente arte deconquista do capital internacional, a economia brasileira viu reduzir-se sua prpria capacidade de mover a industrializao demodo a completar a implantao das foras produtivas. O resultado uma economia nacional portadora de uma indstria
relativamente complexa, mas que sucumbiu paulatinamente vulnerabilidade e incerteza estrutural emanadas pelavalorizao do capital internacional.
Palavras-chave: capital internacional, desenvolvimento capitalista brasileiro e economia brasileira.
Abstract:The purpose of this work is to research the relationship between international capital and the Brazilian capitalist developmentbetween 1951 and 1992, which resulted in the deepening of our external dependence. In order to do so, we have investigatedthe role of foreign direct investment in the general patterns of capitalist accumulation and its influence on peripheraleconomies. Subsequently, we have analyzed the Brazilian particularity and the stages of its internationalization of productionduring the process of capitalist development. Furthermore, we have also studied the interaction between international capitaland the Brazilian State. Based on these elements, our thesis is that, while capital internationalization advanced throughdifferent stages, it weakened the ability of the country to command an autonomous process of industrialization and toemancipate from its condition of underdevelopment. In gradually subordinating itself to the art of conquest of international
capital, the Brazilian economy has reduced its capacity to complete the implantation of productive forces. The result was anational economy with a relatively complex industry, yet highly vulnerable to the structural uncertainty which emanates fromthe valorization of international capital.
Key words: international capital, Brazilian capitalist development and Brazilian economy.
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Introduo
Atualmente tem-se discutido o papel do capital internacional procurando destitu-lo de sua
totalidade ao separar a suposta dimenso especulativa de sua funo produtiva, cujos
investimentos diretos teriam a nobre funo de arregimentar o desenvolvimento de economias
perifricas. Procurando deslocar essa perspectiva de anlise para entender o papel do
investimento direto estrangeiro (IDE) na formao econmica brasileira, interessa-nos, neste
trabalho, mostrar como seu aparecimento na forma de internacionalizao dos mercados internos
nos idos dos anos 50 at o incio do perodo neoliberal, embora aparentasse uma efetiva
contribuio industrializao brasileira, aprisionou-nos a um modo de subordinao externa
crescente. Distante de auxiliar no desenvolvimento e na autodeterminao das foras produtivas
brasileiras, o IDE, ao se articular com os interesses das burguesias internas por diferentes etapas,
colocou enormes bices economia nacional, contribuindo para perpetuar nossa condio
dependente e subdesenvolvida1.
Perante tal desafio, nosso trabalho seguir um percurso analtico priorizando a leitura doprocesso histrico no longo prazo, cujo foco ser entender como o capital internacional, ao unir a
esfera externa de sua existncia acumulao interna por diferentes estgios, instaurou uma
1 O conceito de economia dependente e subdesenvolvida pode ser entendido nas seguintes obras de Celso Furtado:Desenvolvimento e subdesenvolvimento. 2.ed. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1963; Anlise do modelo brasileiro.Rio deJaneiro: Civilizao Brasileira, 1972; Criatividade e dependncia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978; Pequena introduo aodesenvolvimento: um enfoque interdisciplinar. 2.ed. So Paulo: Editora Nacional, 1981a; Brasil: a construo interrompida. 3.ed.Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
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lgica de conquista ao espao econmico brasileiro. Do ponto de vista externo, os investimentos
internacionais respondem pela reproduo ampliada do capital intrnseca dinmica mais geral
do modo de produo capitalista. Em um mecanismo de acumulao progressiva, segundo a qual
Marx provou ser legtima a necessidade de conservao da valorizao do capital, interessa-nos
definir, nesse desgnio imperialista mais amplo, a particularidade da internacionalizao dosmercados internos no ps-Segunda Guerra Mundial e seus efeitos futuros para a periferia, em
especial o caso brasileiro2.
Nesse deslocamento do centro do sistema periferia, assumimos que o instrumental de
Caio Prado Jr., ao explicar a formao do capitalismo dependente brasileiro a partir de um
sentido externo, cuja relao se coloca entre o modo de produo capitalista e o elo mais fraco de
sua cadeia de valorizao, nos auxilia a compreender as fases de internacionalizao brasileira no
longo prazo
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. Para tanto, temos como eixo a prpria mudana nos diversos padres deacumulao capitalista como um todo que, ao representar determinado regime monetrio
internacional, certa maturidade do desenvolvimento industrial oligopolista, o grau de rivalidade
intercapitalista e o exerccio de hegemonia das potncias capitalistas, condicionam e alteram os
termos de associao do capital internacional com as burguesias perifricas4.
No entanto, pelas prprias particularidades e complexidades tpicas da formao do
capitalismo brasileiro, sobretudo no que diz respeito ao processo de industrializao pesada 5,
reconhecemos que essa sobreposio do externo aos elementos internos da economia no se
esgotam analiticamente como mera variao refratria de fora para dentro. Aqui o capital
2O pressuposto de conservao da valorizao do capital por meio da expanso exterior sua origem, Karl Marx, O Capital: paracrtica da economia poltica. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, Livro I, 1980, p.688, colocou em termos precisos: aconcorrncia impe a cada capitalista as leis imanentes do modo de produo capitalista como leis coercitivas externas. Compele-o a expandir continuamente seu capital, para conserv-lo, e s assim pode expandi-lo por meio da acumulao progressiva. Essetrnsito do externo para certos espaos internos de destino, com vistas a assegurar a taxa de acumulao, em que o capital exportado no apenas por sua esfera comercial, mas como relao social definida por uma clula produtiva derivada da relaomatriz-filial, teve origem no sculo XIX, sendo debatida por vrios autores como HOBSON, J. Imperialism, a study. London:Georg & Unwin, 1968, HILFERDING, R. O Capital financeiro. So Paulo: Abril Cultural, 1983, LUXEMBURGO, R. Aacumulao do Capital: contribuio ao estudo econmico doimperialismo. So Paulo: Abril Cultural, 1985, BUKHARIN, N. O
Imperialismo e a economia mundial. Rio de Janeiro: Editora, Melso, s/d. e LENIN, V. Imperialismo: fase superior docapitalismo In: Obras escolhidas. So Paulo: Alfa-Omega, 1979. Substanciais snteses desse debate podem ser encontradas emMARIUTTI, E. Colonialismo, imperialismo e o desenvolvimento econmico europeu. Campinas: 2003. Tese (Doutorado) Instituto de Economia Universidade Estadual de Campinas e SILVA, L. O. O Imperialismo na poca da Globalizao In:BOITO Jr. A. et. al.(Org.).Marxismo e Cincias Humanas. 1. ed. Campinas/So Paulo: XAM/FAPESP/CEMARX, v.1, 2003.3Pautamo-nos pelas seguintes obras: PRADO Jr., C. Esboos dos fundamentos da teoria econmica. 4.ed. So Paulo, Brasiliense,1966, PRADO Jr., C.Histria econmica do Brasil. So Paulo: Brasiliense, 1970 e PRADO Jr., C. A Revoluo brasileira. 7.ed.So Paulo: Brasiliense, 1999.4Em sntese, definimos um padro de acumulao como um arranjo entre determinado regime monetrio internacional, as regraspara a circulao de bens e capitais e uma poltica condizente com os interesses da potncia hegemnica. Uma abordagem sobre ocomportamento dos diferentes padres de acumulao entre a Segunda Guerra Mundial e os anos 90 do sculo XX pode ser vistaem LIMA FILHO, P. A. A Emergncia do novo capital In: DOWBOR, L. et. al. (Orgs.)Desafios da globalizao. So Paulo:Vozes,1998.5Sobre o conceito de industrializao pesada ver Joo Manuel Cardoso de Mello em O Capitalismo tardio: contribuio revisocrtica da formao e do desenvolvimento da economia brasileira. 10.ed. Campinas-SP: Unicamp-IE, 1998.
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internacional se articula realidade e ao tempo histrico de nossa formao para, a partir da,
apresentar determinada fase de internacionalizao.
A sistemtica no se configura, portanto, numa imposio reflexa do externo ao interno de
maneira predeterminada, mas naquilo que Florestan Fernandes denominou politizao do espao
econmico nacional, em que a internacionalizao absorvida a partir de uma plataforma polticapreexistente, com certo nvel de negociao ao ritmo da modernizao a ser internalizada e
pautada localmente por reformas estatais que ajustam os interesses oligopolistas internacionais
extensa gama de negcios das burguesias locais6. A correlao de foras entre tais interesses ser
ento o resultado de um processo de conquista, contendo avanos e retrocessos, aos quais
moldam determinada etapa do desenvolvimento econmico interno. Nesse padro dependente,
com um sentido traado pela subordinao do interno ao externo, utilizaremos como orientao,
para entender a relao da particularidade econmica brasileira com o imperialismo, a categoriade dupla articulao de Florestan. Esta se constitui externamente por uma dominao
imperialista, que se alia internamente no espao econmico brasileiro s contradies nascentes
da prpria formao e da perpetuao de nosso capitalismo dependente circunscrito a um
desenvolvimento desigual interno7.
6 O tratamento das temporalidades externa e interna para decifrar o estgio do capitalismo dependente brasileiro do GovernoKubitschek ditadura militar, Florestan Fernandes, A Revoluo burguesa no Brasil: ensaio de interpretao sociolgica. 5.ed.So Paulo: Global, 2006, pp. 299-6, mostrou da seguinte forma: De um lado, a deciso externa de converter o Brasil numaeconomia monopolista dependente repousa em dois fatores diversos: a disposio das economias centrais e da comunidade
internacional de negcios de alocar no Brasil um volume de recursos suficiente para deslocar os rumos da revoluo econmicaem processo; e no deslocamento empresarial envolvido por essa disposio, que iria implantar dentro do pas o esquema deorganizao e de crescimento econmicos intrnsecos grande corporao. De outro lado, a deciso interna de levar a cabo areferida transformao capitalista, to temida por muitos povos de economia competitiva dependente e subdesenvolvida. (...) Adeciso interna de permitir e, mais que isso, de facilitar e de acelerar a irrupo do capitalismo monopolista, como uma transioestrutural e histrica, no possui o mesmo peso econmico que os fatores anteriores. No entanto, ela central. Na sua ausncia, asgrandes corporaes no contariam com espao econmico e poltico para ir to longe. O que quer dizer que continuariamindefinidamente presas operao de controles econmicos segmentares, intrnsecos sua participao na vida econmica do pas(o que no as impediria de retirar o melhor quinho do crescimento econmico interno). (...) A base da deciso interna no somente econmica. Ela repousa numa complexa motivao psicossocial e poltica que, infelizmente, no pode ser analisada aqui.Basta que se diga que ela envolve duas iluses principais: 1) que a transio descrita tornaria possvel resolver, atravs docapitalismo e dentro da ordem, os problemas econmicos, sociais e polticos herdados do perodo neocolonial ou que surgiram ese agravaram graas ao impasse criado pelo capitalismo competitivo dependente e pelo subdesenvolvimento; 2) que a depressodo poder econmico (com suas implicaes polticas) da iniciativa privada interna e do Estado seria transitria, pois a transiodescrita diluiria por si mesma, dentro de um prazo relativamente curto, tanto as desvantagens do desenvolvimento capitalistadependente quanto as desvantagens da brusca elevao da influncia estrangeira.7 Plnio Soares de Arruda Sampaio Jr., Entre a nao e a barbrie: os dilemas do capitalismo dependente em Caio Prado,Florestan Fernandes e Celso Furtado. Petrpolis: Vozes, 1999a., p.152, exps este dilema do nosso capitalismo dependenteproblematizado por Florestan nos seguintes termos: O limite da divergncia entre estes dois plos determinado por um critriopoltico bem definido. O ritmo e a intensidade do processo de incorporao e universalizao das transformaes capitalistasdevem estar subordinados ao objetivo maior de preservao do monoplio da fora poltica das classes dominantes. Nem poderiaser diferente, pois esse o nico meio de que as burguesias dependentes dispem para manter um mnimo de controle sobre umtempo histrico que, na realidade, no conseguem dirigir. Por isso, o desenvolvimento dependente assume a forma de umprocesso de modernizao do arcaico e de arcaizao do moderno. Tal processo calibrado em funo de uma lgica polticaque se pauta por dois objetivos bsicos: reproduzir a assimetria na correlao de foras que impede a emergncia dos pobres comoatores polticos; e evitar que as disputas faccionais em tomo do ritmo da modernizao coloquem em risco a unidade monolticadas classes dominantes, ameaando seu controle absoluto sobre os centros internos de deciso.
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Desse modo, temos na economia perifrica um desenvolvimento induzido por uma
dinmica mais geral de difuso das estruturas econmicas centrais, que absorvida por meio de
um trajeto dimensionado por certas decises polticas do Estado brasileiro. O raio de ao do
poder estatal tem, entretanto, srias limitaes para definir os rumos da acumulao capitalista,
dada a natureza dependente e subdesenvolvida. Nessa dupla articulao (externa e interna), oparmetro configura-se politicamente, estabelecendo uma margem de manobra dos centros de
poder em que fruto no necessariamente de uma autonomia nacional dotada dos meios e fins
para fazer avanar o desenvolvimento econmico em seu sentido lato, mas apenas em dosar o
ritmo e a intensidade das transformaes estruturais encarnadas pelos condicionantes externos do
capitalismo oligopolista. Muita das vezes, o acesso aos nveis modernos das estruturas produtivas
derivadas do centro capitalista compatibilizado internamente com uma base social atrasada e
arcaizante que no condiz com os valores universais das revolues burguesas de capitalismosoriginrios; pases capitalistas que so ao mesmo tempo os principais emissores do fluxo do
capital internacional periferia. No limite, a aliana entre o imperialismo e a revoluo burguesa
atrasada no Brasil, que tem como origem a nossa formao colonial, longe de proporcionar um
salto qualitativo para a superao do subdesenvolvimento, pode amplificar a segregao social e
solapar as bases internas que sustentam a unidade nacional8.
Partindo desses pressupostos, observamos um condicionante externo definido pelo capital
internacional que interfere e modifica o rumo da formao econmica brasileira entre 1951 e
1992. Ao relacionar-se com os capitais internos e o prprio Estado, o capital internacional,
principalmente na forma de investimentos diretos, condiciona uma dinmica interna a esse bloco
de capitais de que ele far parte e que denominamos complexo multinacional 9. Imprimindo um
movimento orientado pelos interesses privados, tal complexo subjuga os interesses pblicos ao
seu ritmo e ao seu compasso. Ainda que o impulso desse modo de internacionalizao possa ser
estabelecido at certo ponto por certos condicionantes internos, sua razo de ser est assentada
essencialmente no horizonte de valorizao do capital em escala mundial.
Em ltima instncia, o padro de acumulao capitalista como um todo imprime oslimites e as possibilidades desse complexo multinacional, embora se constituam e se
8SAMPAIO Jr., op. cit., 1999a.9 Conceito que utilizaremos recorrentemente com base na interpretao do processo histrico a partir dos blocos de poderexpostos por Florestan Fernandes, op. cit., 2006 e em Capitalismo dependente e classes sociais na Amrica Latina . Rio deJaneiro: Zahar, 1975, na economia brasileira. A partir de Florestan Fernandes, a sntese metodolgica, que concebe essas fraesde classes internas (empresrios, Estado, militares e classe mdia) unidas e subordinadas em torno de um complexo que tem seusentido definido pelo capital internacional, foi realizada por DREIFUSS, R. 1964: A Conquista do Estado ao poltica, poder egolpe de classe. Petrpolis: Vozes, 1981 e DREIFUSS, R. A Internacional capitalista: estratgia e tticas do empresariadotransnacional (1918-1986). Rio de Janeiro: Editora Espao e Tempo, 1986.
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desenvolvam em alguma medida por meio de caractersticas locais. Perseguindo uma valorizao
eminentemente monetria, o padro de acumulao capitalista est sempre sujeito mudana,
que significa uma busca de maior mobilidade e permeabilidade entre as fronteiras nacionais. Uma
economia altamente internacionalizada e perifrica como a brasileira, cujas fragilidades
tecnolgicas e financeiras impedem que a discricionariedade pblica se estabelea em termosplenos, estar sempre sujeita a modificar seu padro de desenvolvimento to logo o prprio
padro de acumulao capitalista se altere. Os nexos que se estabelecem entre o centro e a
periferia no so constitudos somente pelos fluxos de capitais forneos em si, mas por esse
mesmo complexo multinacional cuja dinmica delimitada internamente move-se pela necessidade
de valorizao externa desses mesmos fluxos. Ou seja, a conexo que o capital internacional
impe se materializa entre a gerao de valor nos espaos internos dominados por ele, mas com a
necessidade de que esse mesmo valor sempre se realize em sua origem, da a obrigatoriedade deos pases subdesenvolvidos reservarem moedas conversveis por meio de saldos comerciais e
emprstimos externos, de modo a permitirem que jamais se interrompa tal vnculo de valorizao.
O controle do processo est submetido ao elemento externo, uma vez que, ao transitar de
um padro de acumulao ao outro, o capital internacional influi na prpria relao interna dos
blocos de capitais de que ele faz parte e que articula perifericamente. Contudo, se numa primeira
fase era possvel sujeitar-se a tal valorizao externa garantindo minimamente o avano na
implantao das foras produtivas mediante um regime centralizado de acumulao que tinha
como ator estratgico o Estado , depois de determinado momento intermedirio, marcado por
crise de acumulao, abriu-se uma nova fase de internacionalizao cujo processo de valorizao
no passa mais por um tipo de industrializao que buscava o adensamento das cadeias
produtivas10. Identificada por uma internacionalizao eminentemente financeira, que impe ao
poder poltico uma neutralizao na capacidade de impor polticas macroeconmicas prprias ou
mesmo de atuar na esfera produtiva, tal fase no nasce dela mesma, mas o resultado do
profundo e contnuo percurso de subordinao da economia brasileira lgica privada; percurso
que se arrasta por vrias dcadas. Constitudo pelo menos desde o incio da industrializaopesada, esse tipo de submisso tem como denominador comum a acumulao do complexo
multinacional.
10 Por regime central de acumulao entendemos um estgio de expanso do capital internacional, sobretudo durante as duasprimeiras dcadas aps a Segunda Guerra Mundial perodo em que se associou ao mercado interno de destino , sendo possvelestabelecer certa articulao do espao econmico nacional definido pela sua fronteira geogrfica com a concorrnciaintercapitalista em escala mundial como foi o caso do processo de industrializao latino-americano nos anos 50 e 60. Essareflexo est ancorada na anlise de REICH, R. B. O Trabalho das naes: preparando-nos para o capitalismo do sculo 21. SoPaulo: Educator, 1994.
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Assumindo tais perspectivas, nossa tese defende que, medida que a internacionalizao
avanou por diversas etapas, a potencialidade de o pas comandar um processo de
industrializao por seus prprios meios, e com vistas emancipao de sua condio
subdesenvolvida, igualmente enfraqueceu-se. Ao subordinar-se gradativamente arte de
conquista do capital internacional, a economia brasileira viu reduzir-se sua prpria capacidade demover a industrializao de modo a completar a implantao das foras produtivas. O resultado
uma economia nacional portadora de uma indstria relativamente complexa, mas que sucumbiu
paulatinamente vulnerabilidade e incerteza estrutural emanadas pela valorizao do capital
internacional.
Para levar adiante a hiptese aqui defendida essencial desdobrar a investigao em trs
planos de anlise. Numa primeira abordagem, ser necessrio investigar qual o papel do IDE
dentro da evoluo de certos padres de acumulao capitalista como um todo, e as razes queexplicam sua busca de valorizao em espaos econmicos perifricos, essencialmente o caso
latino-americano. Realizada essa etapa, nosso trabalho mostrar como esse fenmeno interfere na
formao do capitalismo brasileiro, sendo ele prprio redefinido pelo agente externo, mas
tambm permite originar determinadas fases de internacionalizao a partir da particularidade da
industrializao nacional. Por ltimo, torna-se imperioso observar como se organiza o marco
institucional de controle ao capital internacional, enfatizando, em particular, como se estabelecem
suas continuidades e rupturas em diversos nveis de discricionariedade do Estado brasileiro.
Comeando pelo Captulo I, sobre o condicionante externo, nosso objetivo ser entender a
transio dos padres de acumulao capitalista como um todo entre o ps-guerra e a atualidade,
de maneira a esboar a relao entre os Estados hegemnicos e o movimento de expanso das
suas empresas multinacionais por meio do IDE, em cada fase de internacionalizao. Ademais,
nos interessa saber como dessa esfera global resultou um processo de descentralizao de IDE
para a periferia, em particular Amrica Latina entre os anos 50 e o incio dos 90.
medida que a internacionalizao do capital avanou, a fase de mundializao
financeira que se originou desse contexto modificou a articulao do IDE com os espaoseconmicos perifricos11. Tal mudana ocasionou o fim de um tipo de valorizao do capital
internacional que, ao assumir o regime central de acumulao, permitia o aprofundamento da
industrializao pesada na Amrica Latina. Com o incio desse perodo, tal horizonte foi
11 Partimos do conceito de mundializao financeira a partir da anlise de Franois Chesnais, particularmente no prefcio edio brasileira de 1998 e na introduo geral do livro que ele coordena chamadoA Mundializao financeira: gnese, custose riscos. So Paulo: Xam, 1998.
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abandonado pelas empresas multinacionais, visto que a maior mobilidade e rapidez de retorno
nos seus fluxos de capitais fizeram emergir certas inovaes tcnico-financeiras em seus ncleos
endgenos. Da em diante, a Amrica Latina, se quisesse dispor de novos ciclos de investimentos
externos, teria que permitir maior permeabilidade em suas fronteiras nacionais, assumindo uma
regionalizao econmica de carter aberto e globalizado, para qual a valorizao externa docapital internacional no seria um resultado do crescente encadeamento produtivo da indstria.
Realizada essa etapa, passamos especificidade da economia brasileira e mostramos, no
Captulo II, como a dimenso externa do capital internacional se manifesta conforme a
singularidade interna da sua industrializao. Ao delimitarmos as fases de internacionalizao
brasileira, conforme o fluxo e o tipo de IDE para cada perodo, nossa preocupao indicar como
a tentativa de criar uma hegemonia pblica sobre os interesses de acumulao ampliada do
capital no teve fora para consolidar-se. Para esse fim, essencial mostrar a juno entrecapitais em torno de um processo de internacionalizao, tendo como articulador essencial de
interesses o capital internacional.
O aumento do poder interno do agrupamento que denominamos complexo multinacional,
diante de um Estado que concebia o planejamento econmico em termos mais horizontais (de
sociedade) que verticais (de hierarquizao), imps uma dinmica privada que ia exigindo
sucessivas mudanas internas e maior autonomia, conforme o prprio padro de acumulao
como um todo se transformava. Com o nascimento do novo padro de acumulao no sistema
capitalista a partir da dcada de 70, esse complexo multinacional passou a impor ao tecido
econmico brasileiro uma crescente necessidade de modificar as estruturas econmicas herdadas
do desenvolvimentismo. Se antes a internacionalizao brasileira se organizava em termos de um
regime centralizado de acumulao no qual o Estado, mesmo que limitado em seu planejamento,
atuava de maneira ativa no processo de industrializao pesada, agora a valorizao externa do
capital internacional, que responde em grande parte pelas ambies de acumulao do complexo
multinacional, deixou de ter como parmetro a implantao das foras produtivas.
Realizada a exposio do papel do IDE nos diversos padres de acumulao capitalistacomo um todo, bem como seu movimento no desenvolvimento econmico brasileiro a partir da
diferenciao de cada fase de internacionalizao, chega a hora de entender o papel do Estado
nesse processo. A despeito da natureza contraditria, ambgua e oscilante do regime institucional,
buscamos no Captulo III, imputar-lhe um sentido, de modo a servir como um recurso analtico
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para entender as continuidades e rupturas do aparato regulatrio brasileiro destinado a disciplinar
o capital internacional.
Ao privilegiamos quatro momentos representativos desse amplo conjunto de instrumentos
jurdicos que surgiram e transformaram-se entre todas essas dcadas em estudo, nossa hiptese
a de que a Instruo 113 (1955) simbolizou, de fato, uma ruptura no padro de desenvolvimentobrasileiro em relao ao capital internacional, ainda que carregasse aspectos da legislao
anterior. Tal como exposto nos dois primeiros captulos, aqui tambm mostramos como da em
diante se estabeleceu entre o poder pblico e o interesse privado uma relao horizontal para o
avano da industrializao brasileira, cuja dinmica do capital internacional, bem superior aos
outros blocos de capitais e fraes de classe, sobreps uma autonomia crescente. Essa
composio emana do prprio comportamento daquilo que chamamos de complexo
multinacional, o qual, em permanente sintonia com o padro de acumulao capitalista emboratenha momentaneamente sido contrariado em seus interesses diante da Lei de Remessas de Lucro
(1962) , no teve dificuldades de impor sua agenda a partir do Golpe de 64, que permitiu sua
conexo ao financiamento internacional.
A partir desse desenvolvimento capitalista sacramentado pela ditadura militar mesmo
que contraditoriamente tenha se estabelecido um marco institucional protecionista, sobretudo
setorial, em favor da evoluo da indstria pesada , o complexo multinacional pressionou por
um processo de crescente liberalizao, em consonncia com as prprias vicissitudes do novo
estgio de acumulao do capital, que ia se constituindo por meio da mundializao financeira.
Nesse contexto, a Constituio de 1988 apenas resguardaria uma linha, cada vez mais tnue, do
regime institucional destinado a impor via Estado alguma discricionariedade ao capital
internacional. A evidncia disso ficou bem clara com as medidas tomadas nos anos 90, que
tiveram por objetivo desmontar o que ainda restava de controle institucional desenvolvido desde
os anos 30.
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Captulo I
Padres de Acumulao Capitalista e aInternacionalizao Perifrica
Temos que interrogar-nos se os povos da periferia vo desempenharum papel central na construo da prpria histria, ou se permanecerocomo espectadores enquanto o processo de transnacionalizao define olugar que a cada um cabe ocupar na imensa engrenagem que promete ser aeconomia globalizada do futuro.
Celso Furtado
1. Introduo
O objetivo deste captulo entender os condicionantes externos que sustentam a dinmica
geral do investimento direto estrangeiro (IDE) e suas caractersticas, do ps-guerra at o incio
dos anos 90. Em ltima instncia, interessa-nos saber como se originou, a partir desse contexto
global, o interesse pela descentralizao de investimentos produtivos internacionais periferia,
em particular o caso latino-americano.Para tanto, em primeiro lugar investigaremos os padres de acumulao constitudos a
partir do ps-guerra e moldados conforme os interesses econmicos dos EUA. Depois,
mostraremos o processo de internacionalizao de capitais, destacando o movimento das
empresas multinacionais por meio do IDE iniciado pela corporao norte-americana e seguido
por suas rivais. Esse item est dividido em trs momentos histricos: internacionalizao
produtiva; crise e transio; e internacionalizao financeira. Em segundo lugar, observaremos
como a internacionalizao de capitais realizada no centro capitalista se desdobrou para a
periferia. Assim, mostraremos os influxos do IDE em pases subdesenvolvidos, em particular na
Amrica Latina, dividindo-se da seguinte forma: a internacionalizao durante a industrializao
pesada; a maturao e financeirizao do oligoplio internacional; e a contrao dos
investimentos internacionais e a crise.
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2. Padres de Acumulao Capitalista no Centro e a Mundializao do Capital
Trs fases delimitam a internacionalizao do capital ao longo do perodo12.
Sumariamente, a fase de internacionalizao produtiva iniciou-se no final da Segunda Guerra e
seguiu at o incio dos anos 60, quando o IDE, sobretudo de origem norte-americana,internacionalizou os mercados internos13. Aqui houve uma ampliao dos padres de produo e
de consumo norte-americanos, protagonizada pela corporao originria dos EUA, que difundiu
novos processos empresariais nos pases da Europa Ocidental que estavam reconstruindo suas
economias, ao mesmo tempo em que firmou uma dimenso poltica, ao garantir o espao de
sociabilidade capitalista ante o risco do avano sovitico nas franjas do sistema 14. Para isso, foi
necessrio criar mecanismos multilaterais para certa conduta econmica internacional, tendo
como planejador central o poder estatal dos EUA
15
.A prxima etapa, da segunda metade dos anos 60 ao final dos anos 70, chamada de fase
de crise e transio, em virtude de o capital estar se reestruturando em uma nova base produtiva e
restaurando sua dimenso financeira (controlada e restringida desde a Crise de 1929), de modo a
definir, na fase posterior, um tipo de acumulao assentado essencialmente na
internacionalizao financeira. Com a concluso da descentralizao produtiva dos mercados
capitalistas e a deflagrao de uma crise de sobreinvestimento, as mudanas tecno-financeiras
que da se originam alteram a forma e o modo de insero internacional do capital. A
confrontao competitiva no espao oligoplico internacional at ento dominado pela
corporao norte-americana, a exausto do sistema monetrio pautado por reservas metlicas,
bem como a crise estrutural capitalista que culmina em crise da matriz energtica mundial,
provocaram um questionamento da hegemonia dos EUA16.
A terceira fase, chamada de internacionalizao financeira, consolidou-se nos anos 80 e
ingressou nos anos 90 mantendo seus traos essenciais at a atualidade. A dimenso financeira do
12 A diviso do perodo se orienta pelas seguintes referncias: ANDREFF, W. Multinacionais globais. Bauru SP: EDUSC,2000; CHESNAIS, F.A Mundializao do capital. So Paulo: Xam, 1996; MICHALET, C. A. O Capitalismo mundial. Rio deJaneiro: Paz e Terra, 1983.13 O conceito de internacionalizao dos mercados internos pode ser compreendido a partir de HYMER, S. The Internationaloperations of national firms:a study in direct foreign investment. MIT Cambridge: Thesis of Doctored, 1960 e HYMER, S. H.Empresas multinacionais: a internacionalizao do capital. Rio de Janeiro: Graal, 1978.14 Para esta questo ver BELLUZZO, L. G. M. O Declnio de Bretton Woods e a emergncia dos mercados globalizados.Economia e Sociedade, n.4, pp.11-20, jun., 1995 e GILPIN, R. U.S. Power and the multinational corporation: the politicaleconomy of foreign direct investment. New York: Basic Books, 1975.15PANITCH, L. e GINDIN, S. Capitalismo global e imprio norte-americano. In: PANITCH, L. e LEYS, C. Socialist Register2004: O novo desafio imperial. Bueno Aires: CLACSO, 2006.16 O contexto dessa crise explicado a partir da reviso do sistema monetrio internacional pode ser conferido emEICHENGREEN, B.A Globalizao do capital: uma histria do sistema monetrio internacional. So Paulo: Ed. 34, 2000.
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capital estabelece ento uma dominncia crescente em relao dimenso produtiva, em que as
transformaes iniciadas na fase anterior lhe possibilitam recentralizar o capital como um todo,
impondo tambm uma mudana nas estratgias de acumulao das empresas multinacionais
instaladas na periferia17. A partir dessa reestruturao tcnico-financeira e do rearranjo
centralizador de capitais nos pases desenvolvidos, imps-se um novo padro de acumulao. OsEUA tambm conseguiram restaurar sua hegemonia ao impor, pelo dlar flexvel, a
denominao da riqueza mundial conforme o financiamento de seus dficits18. Ademais, longe de
o IDE criar novas plataformas produtivas, ou manter seu habitual fluxo para a periferia, nessa
fase, sua funo foi a de efetivar a redistribuio de capitais em favor da centralizao mediante
fuses e aquisies (F&As), e consolidar as posies oligoplicas no centro do sistema.
2.1 Internacionalizao ProdutivaO padro de acumulao que se desenvolveu aps a Segunda Guerra Mundial se
constituiu na relao entre o planejamento estatal e a expanso da grande empresa norte-
americana. Decorridas dcadas de paralisao da circulao de bens e capitais, motivada pela
grande depresso, e a devastao das estruturas produtivas das economias centrais, cujos
desdobramentos fizeram erigir uma crtica ao liberalismo desregulado, os EUA se colocaram
como hegemon no sistema capitalista, sem oposio das outras economias ocidentais. O IDE
norte-americano, alm de reconstruir as economias destrudas pela Guerra, exportou um tipo de
internacionalizao que deu maior organicidade ao capitalismo, assim como facilitou a difuso de
um projeto americano de influncia global por outros Estados associados a ele19. Para tanto, fez-
se necessrio criar uma institucionalidade multilateral que permitisse realizar graas
regulao monetria, comercial e poltica tal hegemonia20. Bretton Woods representou parte
desse projeto de hegemonia norte-americana, que teve como um dos objetivos centrais o ajuste
das condies econmicas nacionais para o livre trnsito de capitais, pavimentando por meio de
17BRAGA, J. C. S. Temporalidade da riqueza: teoria da dinmica e financeirizao do capitalismo. Campinas: Unicamp IE,2000.18Sobre a natureza desse novo sistema monetrio e suas caractersticas qualitativas ver BELLUZZO, op. cit., 1995; PANITCH eGINDIN, op. cit., 2006; SERRANO, F. Relaes de poder e a poltica macroeconmica americana, de Bretton Woods ao padrodlar flexvel In: FIORI, J. L. (Org.) O Poder americano. Petrpolis: Editora Vozes, 2004; TAVARES, M. C. A Retomada dahegemonia norte-americana In: TAVARES, M. C. e FIORI, J. L. (Orgs) Poder e dinheiro: uma economia poltica daGlobalizao. 3.ed. Petrpolis: Editora Vozes, 1997; TAVARES, M. C. e BELLUZZO, L. G. M. A Mundializao do capital e aexpanso do poder americano In: FIORI, J. L. (Org.) O Poder americano. Petrpolis: Vozes, 2004.19PANITCH e GINDIN, op. cit., 2006.20 Para entender a construo dessa institucionalidade e seus impactos ver BANDEIRA, M. Presena dos Estados Unidos no
Brasil (dois sculos de histria). 2.ed. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1978; BLOCK, F. Las Orgenes del desordeneconmico internacional. Mxico: Fondo de Cultura, 1987; EICHENGREEN, op. cit., 2000.
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instrumentos financeiros internacionais o acesso dos mercados potenciais para a riqueza
mundial21.
O IDE foi primordial para desobstruir os limites construo dessa ordem manejada por
Washington. Seno vejamos. A liberalizao do comrcio e de capitais, ainda que tivesse passado
por uma ampla discusso interna nos EUA e com a oposio dos setores isolacionistas, crioucritrios de no discriminao, reciprocidade e princpio da nao mais favorecida sintetizados no
GATT (General Agreement on Tariffs and Trade). Essa estratgia, porm, teve que ser
reavaliada, uma vez que as frgeis condies que apresentavam as economias europia e japonesa
exigiam um pragmatismo maior dos EUA na manuteno da ordem capitalista nessas regies. O
problema da escassez de dlares (dollar gap) para reativar a circulao de capitais e
mercadorias fez com que fossem desrespeitadas as principais pautas de conduta do GATT22. Tais
restries significavam que a salvaguarda do sistema dependeria da solidariedade do hegemoncom o desenvolvimento dos Estados nacionais das principais potncias capitalistas que, por sua
vez, ao reconstrurem suas foras produtivas internas, garantiriam a expanso de todo o padro de
acumulao. O Plano Marshall se constituiu em uma expressiva destinao de recursos lquidos
norte-americanos para tal fim, tendo como contrapartida a penetrao da corporao americana,
sobretudo, do setor de bens de consumo na Europa Ocidental, atrelando-se aos setores de bens de
capital europeus, principalmente alemes23. No Japo, tendo em vista a controversa posio no
continente asitico animada pela proximidade sovitica, mais uma vez os EUA se valeram do seu
pragmatismo, permitindo que a economia japonesa se desenvolvesse por seus prprios meios,
sem IDE norte-americano, mas com forte injeo de liquidez e agressivas discriminaes contra
as importaes de produtos americanos.
Uma vez recuperadas as foras produtivas europias, as estratgias de suas empresas
seguiram o caminho norte-americano, exportando plataformas de produo para a periferia e, no
final dos anos 70, para os prprios EUA24. Esse movimento trouxe o fortalecimento das empresas
multinacionais europias, que agora impunham ao rival uma superioridade tecnolgica e
21 TEXEIRA, A. O Movimento da industrializao nas economias capitalistas centrais no ps-guerra. Rio de Janeiro: 1983.Dissertao (Mestrado) Instituto de Economia Industrial Universidade Federal do Rio de Janeiro.22GILPIN, op. cit., 1975.23Para uma anlise apurada e crtica sobre o Plano Marshall ver BLOCK, op. cit., 198724 COUTINHO, L. G., e BELLUZZO, L. G. M. Estado, sistema financeiro e forma de manifestao da crise: 1929-1974 In:(Orgs.) BELLUZZO, L. G. M. e COUTINHO, R. Desenvolvimento capitalista no Brasil: ensaios sobre a crise. 4.ed. Campinas:Unicamp-IE, 1998; HYMER, S. H. y ROWTHORN, R. Corporaciones multinacionales y oligoplio internacional: el desafio noamericano In: TESTA, V. Empresas multinacionales e imperialismo. Bueno Aires: Siglo XXI, 1973; RODAN, P. N. R. OsInvestimentos multinacionais no mbito da integrao latino-americana In: BANCO Interamericano de desenvolvimento As
Inverses multinacionais no desenvolvimento e integrao da Amrica Latina. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de RelaesInternacionais, 1969.
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administrativa25. Tal recuperao esteve relacionada s prprias condies intrnsecas da
concorrncia oligopolstica, mas concatenada ao processo de reorganizao produtiva patrocinada
por um planejamento estatal similar ao norte-americano26.
Esse processo tambm ampliou a reproduo do capital para alm do centro capitalista,
onde parte da periferia foi atingida pela expanso da internacionalizao produtiva. Comoveremos adiante, a Amrica Latina foi nessa fase a regio escolhida no clculo global oligopolista
para o deslocamento de plantas produtivas originrias desse confronto entre a corporao
americana e a empresa europia, no que seria identificado como o desafio europeu. Assim, os
capitais produtivos transferidos periferia ajudaram a completar o subsistema afiliado27,
caracterizado em economias subdesenvolvidas da seguinte forma: 1)- descentralizao dos meios
produtivos; 2)- padronizao das condies de produo manufatureira, mantendo
crescentemente centralizada a propriedade; 3)- ampliao das desigualdades inter e intra-setoriaisna regies de destino do IDE; 4)- surgimento de um novo estilo de dependncia que se
identificou por uma integrao mundializada do capital; 5)- transaes de insumos e de bens e
capital que modificariam o intercmbio comercial; 6)- centralizao da produo tecnolgica e
das principais decises estratgicas das multinacionais na origem do IDE.
2.2 Crise e Transio
Nesse momento histrico ocorreu uma forte mudana naquele arranjo inicial de Bretton
Woods. Consequentemente, abriu-se um breve perodo de questionamento da prpria hegemonia
norte-americana, expresso em termos conjunturais pela perda de capacidade do dlar-ouro de
servir como reserva internacional. Os EUA, ao contrrio do robustecimento econmico europeu e
japons, amargaram nessa mesma poca um forte dficit externo. Isso porque a
transnacionalizao do sistema oligoplico, impulsionada pela corporao norte-americana,
forou a prpria economia dos EUA a ampliar seu grau de abertura comercial e de capitais, de
forma a abrigar a expanso global do capital, ainda que para isso necessitasse passar por um
crescente desequilbrio em suas contas externas28
. Todavia, do mesmo modo que os EUAdefenderam por meio de sua direo uma cooperao entre os Estados centrais capitalistas na fase
25COUTINHO, L. The Internationalization of oligopoly capital. Thesis of Doctored. Cornell University, Ithaca, 1975.26A relao do Estado com a expanso oligopolista internacional, bem como a rivalidade intercapitalista foram examinados porHYMER y ROWTHORM, op. cit., 1973, MAGDOFF, H. A Era do imperialismo: a economia da poltica externa. Porto:Portucalense Editora, 1972 e SERVAN-SHEREIBER, J. J. O Desafio americano. Rio de Janeiro: Expresso e Cultura, 1968.27Este conceito, desenvolvido por COUTINHO, L. Mudanas recentes na diviso internacional do trabalho Contexto, n.2, mar.,1977, utilizaremos ao decorrer de toda a tese.28TAVARES e BELLUZZO, op. cit., 2004.
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anterior, observando aposteriori, com recuo privilegiado no tempo, o que notamos que, embora
houvesse um questionamento de sua hegemonia, a prpria integrao do espaos nacionais
exigida pela nova etapa de internacionalizao do capital mostrou aos Estados centrais que a
reafirmao do poder norte-americano daria melhor garantia aos objetivos de acumulao das
corporaes e do capital financeiro29.No mbito das empresas multinacionais, possvel entender essa fase de transio da
seguinte forma: uma vez constitudas mundialmente as plataformas produtivas, boa parte dos
capitais comearam a fluir em direo aos pases de origem, por meio de remessas de
rendimentos de filiais s suas matrizes. A no destinao produtiva desses capitais canalizados no
centro do sistema, aliada exportao de liquidez proveniente de regies produtoras de petrleo,
estabeleceu as condies ideais para que as grandes empresas estrangeiras tivessem maior
autonomia no financiamento de capital de giro e a ampliao patrimonial por meio deespeculao financeira30. Os grandes grupos industriais, principalmente japoneses, alemes e
filiais norte-americanas sediadas na Europa, dispondo de melhores condies de acesso ao capital
financeiro que as empresas de menor porte, apresentaram grande fluxo de caixa, disponibilizado
pela alta liquidez do que veio a ser chamado de Euromercados31. A crescente financeirizao
das multinacionais lhes deu maior flexibilidade e acessibilidade s formas de endividamento,
reforando o poder financeiro e a capacidade de lucratividade. Ademais, facilitou seus
mecanismos internos para transferncias de capitais, bem como a proteo contra a inflao e
certas desvalorizaes monetrias. Levou tambm as suas filiais, mesmo localizadas em
territrios com situaes macroeconmicas adversas, a conseguir participao em holdings de
fundos altamente rentveis, cujos ativos eram hedgiados em moedas conversveis condizentes
com a reproduo do capital, tornando-as relativamente autnomas em relao s polticas
monetrias dos bancos centrais em que estavam sediadas32.
29Idem, Ibidem.30CHESNAIS, F. A Globalizao e o curso do capitalismo de fim-de-sculo. Economia e Sociedade. Campinas: n.5, p.1-30,dez., 1995.31Nascida da prpria transnacionalizao dos bancos norte-americanos em resposta tentativa frustrada dos EUA de controlar asada de capitais lquidos, a financeirizao deitou razes nas praas off-shorescriadas pelo sistema financeiro, que se dispuserama fornecer capitais de giro s empresas multinacionais. A origem do Euromercado se deu nessa fase de transio, cujoentendimento passa pelo seguinte pressuposto: longe de a esfera produtiva do capital, expressa tambm pelo IDE, entrar emoposio esfera financeira, houve um arranjo que conferiu ao capital, em sua condio oligoplica, uma dinmica fortalecida eorientada pelo fcil acesso liquidez. Para mais detalhes sobre tal contexto ver CHESNAIS, op. cit., 1995, LIMA, M. L. L. M. P.O Euromercado e a Expanso do Capital Financeiro Internacional. Campinas: 1985. Dissertao (Mestrado) Instituto deEconomia Universidade Estadual de Campinas e SEFARTI, C. O Papel ativo dos grupos predominantemente industriais nafinanceirizao das polticas liberais In: CHESNAIS, F. (Org.)A Mundializao Financeira. So Paulo: Xam, 1998.32ALIBER, R. Z. The Multinational enterprise in a multiple currency world In: DUNNING, J., H The Multinational enterprise.London: George Allen & Unwin, 1971.
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O avano financeiro das empresas multinacionais, em contrapartida, tambm imps
limites sua acumulao, visto que, quando a internacionalizao produtiva maturou-se, surgiu
uma considervel sobreliquidez no sistema capitalista. A no realizao produtiva desses
recursos, oriundos em grande parte da internacionalizao, sobreacumulou-se em forma de massa
financeira que comearia a arbitrar rendimentos fictcios contra as economias nacionais. Essefenmeno reforou a tendncia centralizao do capital, cuja reproduo improdutiva contraiu
as taxas de investimento reais que, por sua vez, desaceleraram o crescimento econmico, levando
a uma queda generalizada no fluxo de autofinanciamento. O resultado foi uma crise estrutural de
acumulao capitalista33, tendo no episdio de exploso dos preos do petrleo durante os anos
70 a evidncia visvel de um problema mais profundo, que iria induzir a recentralizao de
capitais e redefinir as bases tcnicas-financeiras das empresas multinacionais. Mesmo assim, no
que tange aos pases subdesenvolvidos, as filiais a instaladas adequaram-se a essa fase,usufruindo das facilidades para a captao de emprstimos externos, a fim de fortalecer o capital
de giro, alm de motivar o drive exportador34. Veremos adiante, em particular, a experincia
latino-americana.
2.3 Internacionalizao Financeira
A crescente dominncia financeira sobre a esfera produtiva do capital decorrente do
contexto de expanso do Euromercado significou o surgimento de uma nova fase de
internacionalizao35. O processo foi deflagrado pelo forte aumento na taxa de juros
estadunidenses e por sua sobrevalorizao cambial, cuja poltica econmica fez com que nos anos
80 o capital financeiro, at ento anarquicamente distribudo em praas off-shore, reconhecesse
em Nova York um porto relativamente seguro para ancorar suas expectativas globais 36. Da em
diante as flutuaes na taxa de cmbio e juros praticados pelo FED estariam lastreados em dlar,
levando o capital financeiro a buscar fixar-se, nos momentos de instabilidade, em ttulos pblicos
norte-americanos negociados em Wall Street. A par desses fatos, a posio crescentemente
deficitria norte-americana orientou uma rediviso internacional do trabalho baseada na33Para uma anlise sobre essa crise ver COUTINHO, op. cit., 1977.34CEPALDos Estudios sobre empresas transnacionales en Brasil. Santiago de Chile: Naes Unidas, 1983; CRUZ, P. D.Dvidaexterna e poltica econmica: a experincia brasileira nos anos 70. 2.ed. Campinas: Unicamp-IE, 1999; PEREIRA, J. E. C.Financiamento externo e crescimento econmico no Brasil: 1966/73. Rio de Janeiro: IPEA/INPES (Relatrio de Pesquisa n 27),1974; SOURROUILLE, J. V. et al Inversiones extranjeras en Amrica Latina: poltica econmica, decisiones de inversin ycomportamiento econmico de las filiales. Bueno Aires: ITAL/BID, 1984.35Sobre a liberalizao do arranjo macroeconmico e a subordinao da poltica econmica financeirizao do capital nessa fasever MIRANDA, J. C. Dinmica financeira e poltica macroeconmica In: TAVARES, M. C. e FIORI, J. L. (Orgs.) Poder edinheiro: uma economia poltica da Globalizao. 3.ed. Petrpolis: Editora Vozes, 1997.36TAVARES, op. cit., 1997.
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importao de bens semimanufaturados e na atrao de IDE em ritmo inigualvel37. O capital
produtivo japons se viu quase inteiramente voltado ao mercado interno norte-americano, e a
presso dos EUA para liberalizar a economia nipnica tornou-se a contrapartida dessa penetrao
nos anos 80. O arranjo guiado pelo Estado e os grandes conglomerados japoneses (keiretsus)
foram desmontados, bem como as restries entrada de IDE que sempre barraram ascorporaes norte-americanas na fase de internacionalizao produtiva dos anos 50. A Alemanha,
por sua vez, embora at a metade dos 80 movesse grandes investimentos para os EUA,
concentrou-se, ao final da dcada, na integrao europia. A exceo dos IDEs intra-trade ficou
por conta do sudeste asitico no final da dcada de 80. Da metade dos anos 90 em diante, a China
se tornaria igualmente um importante lcus de atrao de IDE, pea-chave, alis, para exportao
de manufaturados baratos aos EUA, e grande importadora de bens de capital dos pases da
ASEAN (Association of Southeast Asian Nations). Esse pas, em virtude de suas imensas reservasem dlar, tornou-se o maior demandante de ttulos da dvida pblica americana, consolidando-se
como principal zona de atrao do capital produtivo norte-americano e dos outros pases da
periferia no momento atual.
Em termos da organizao oligopolista, as empresas multinacionais intensificaram as
inovaes tcnico-financeiras a fim de sustentarem as altas taxas de valorizao do capital.
Consequentemente, a forma de atuao dos oligoplios nos mercados externos passou por uma
alterao estrutural, se comparada com as fases que vimos anteriormente. At os anos 70 as
empresas internacionais organizavam suas cadeias produtivas segundo uma estrutura fordista
multidivisional38. A ausncia de melhores meios de integrao para as vrias plantas produtivas
em diversos pases fazia que as filiais desenvolvessem uma organizao departamentalizada,
sendo a matriz responsvel pelo gerenciamento financeiro e de P&D39. Com a crise dos anos 70,
as multinacionais internalizaram inovaes da microeletrnica e da telemtica, possibilitando
integrar suas cadeias produtivas, de forma a focarem a produo em etapas mais nobres, que
lhes garantiram maior controle e rentabilidade40. Por isso, terceirizaram as atividades no
37MEDEIROS, C. A. A Economia poltica da internacionalizao sob liderana dos EUA: Alemanha, Japo e China In: FIORI,J. L. (Org.) Poder americano. Petrpolis: Vozes, 2004.38 Segundo CHANDLER, A. Ensaios para uma teoria histrica da grande empresa. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1998, talestrutura se organizava da seguinte forma: 1)- uma associao horizontal que utilizava os mesmos processos para a fabricaode um mesmo produto para os mesmos mercados; 2)- associao vertical, em que mobilizavam vrias unidades em etapas deproduo distintas, desde a extrao de matrias-primas at a montagem ou embalagem final das manufaturas; 3)- a expanso e adiversificao dos produtos.39Idem, Ibidem.40Para uma abordagem desse processo, ver LUPATINI, M. P.As Transformaes produtivas na indstria txtil-vesturio e seusimpactos sobre a distribuio territorial da produo e a diviso do trabalho industrial. Campinas: 2004. Dissertao (Mestrado) Instituto de Geocincias Universidade Estadual de Campinas.
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prioritrias, transferindo etapas menos estratgicas para empresas ou regies em que a mo-de-
obra fosse mais barata, ou o valor agregado menor41.
Por um lado, o redimensionamento na centralizao de decises implicou tambm
modificaes na relao das filiais com seu territrio de extrao de valor. Se antes elas
deslocavam sua estrutura produtiva de forma a fixarem suas plantas no espao nacional,gerenciadas pela matriz com base em uma organizao multidomstica, agora, esta se tornou
global, e a gesto centralizada, longe de ser uma coleo de plataformas domsticas, passa a
subordinar diferentes cadeias produtivas, mesmo que no de sua propriedade a um comando
central42. Assim, a reestruturao da empresa estrangeira teve como pressuposto uma relativa
desvinculao dos nexos locais43, objetivando constituir um sistema produtivo mundialmente
integrado matriz e cada vez menos entrosado s particularidades econmicas dos pases
hospedeiros
44
. Noutras palavras, se nas fases anteriores a filial reproduzia-se como uma clulaprodutiva replicada de sua origem, aqui ela fragmentou-se em vrias partes, distribudas em
diferentes destinos, para se integrarem em uma nica rede corporativa45.
Por outro lado, a utilizao de novas tecnologias e a racionalizao do subsistema afiliado,
cujos processos terceirizaram e externalizaram vrios ramos industriais menos estratgicos,
concederam empresa multinacional a capacidade de se concentrar mais nos circuitos
eminentemente financeiros da corporao do que nos circuitos da produo. Com isso, os grupos
multinacionais diversificaram rumo s finanas globalizadas, tornando-se operadores nos
circuitos financeiros tanto extra-empresa, no mercado cambial, quanto intra-empresa, via
transferncia lquida filial-filial e matriz-filial46. Criaram tambm bancos anexados prpria
estrutura organizacional da corporao, de modo que a direo financeira da holding passou a
coordenar as transaes de todas as esferas da empresa por uma lgica de acumulao fictcia47.
Essa financeirizao, ao mesmo tempo em que inflou a esfera financeira das multinacionais,
41Idem, Ibidem.42 Os conceitos de indstria multidomstica e indstria global so de PORTER, M. Competition in global industries: aconceptual framework In: PORTER, M. (Ed.) Competition in global industries. Boston: Harvard Business School Press, 1986.43FURTADO, J. Globalizao das Cadeias Produtivas no Brasil. So Carlos: Editora Edufscar, 2003, v. 1.44 Mrcio Lupatini, op. cit., 2004, p.124, sintetizou os efeitos dessa redefinio nas cadeias produtivas das corporaesinternacionais da seguinte forma: a grande empresa focaliza em certos ativos, sobretudo nos mais nobres (cada vez maisrepresentados pelos ativos imateriais) e se despe de atividades menores e secundrias, muitas vezes do processo produtivo,mantendo internamente P&D, desenvolvimento de produto, design, comercializao e distribuio e aportes financeiros, sempreque estas atividades envolvam a valorizao dos produtos e das cadeias de comercializao. Este processo chega, ento, a umestgio de desenvolvimento superior e nele ocorre uma completa separao entre as atividades anteriores e posteriores fabricao, mantidas internamente grande empresa, e atividade produtiva que externalizada, muitas vezes sob relaes desubcontratao.45O conceito de empresa-rede foi explicado por Franois Chesnais, op. cit., 1996.46Ver Wladimir Andreff, op. cit., 2000.47Para maiores detalhes ver SCHERER, A. As Razes financeiras do investimento direto estrangeiro: notas sobre a experinciabrasileira recente. Ensaios FEE. Porto Alegre: V.20, n.2, p.81-128, 1999.
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permitiu melhor gerenciamento das atividades produtivas, crescentemente parcelizadas e
descentralizadas geograficamente. Adicionalmente, a reorganizao produtiva e a financeirizao
foraram as empresas, por meio de fuses e aquisies (F&A), a se livrar do problema de
elevao dos custos fixos decorrentes da crescente inovao tecnolgica (P&D), assim como as
protegeu da incerteza e da instabilidade determinada pela queda global da demanda.Alm da financeirizao das empresas multinacionais propriamente ditas, o que permitiu e
deu sentido centralizao de capital movida pelas F&As foi a prpria financeirizao do
IDE48. A forma de organizao em holding, comandada por um centro financeiro geralmente
sediado em algum paraso fiscal, submeteu a avaliao de investimentos industriais a critrios
financeiros em que houve um encurtamento do tempo de maturao, determinado mais pela
rapidez do deslocamento patrimonial, ou pela arbitragem dos retornos financeiros, que pela
criao de capacidade produtiva nova
49
. Em suma, longe de o IDE criar plataformas produtivasou manter seu habitual fluxo para o subsistema afiliado, sua funo nos anos 80 foi efetivar,
atravs de investimentos cruzados intratrade (EUA, Europa Ocidental e Japo), a redistribuio
de capitais em favor de uma recentralizao que reestruturou e modificou certas posies
oligoplicas no centro do sistema. De fato, ao estabelecer uma espcie de recuo nos influxos de
48A nfase no modo de entender o IDE, para essa fase, foi fundamentada por Andr Scherer, op. cit., 1999, p.82, nos seguintestermos: a anlise do investimento multinacional e a da finana internacional so geralmente realizadas de modo estanque,dificultando a percepo de que o aumento no fluxo do investimento direto estrangeiro (IDE), principal instrumento deinternacionalizao das atividades das empresas multinacionais, se encontra estreitamente relacionado ao novo papel
desempenhado pela finana no contexto econmico internacional, a partir de sua liberalizao. A despeito de mudanassignificativas na forma assumida pelo IDE, com o aumento das fuses/aquisies e a participao das empresas multinacionaisnos processos de privatizao, a quase-totalidade os estudos sobre o tema tem, por base, uma viso unicamente produtiva dasmotivaes do IDE (proximidade aos mercados consumidores, acesso s matrias-primas, racionalizao da produo,internalizao de mercados, etc.). No tem sido devidamente considerado que o processo de deciso empresarial encontra-se, cadavez mais, submetido a uma lgica financeira, o que impe uma outra natureza de exigncias quanto rentabilidade, ao prazo dematurao e forma desses investimentos, atingindo, tambm (e, talvez, principalmente), os investimentos multinacionais. Essaomisso tem sua origem nas diferenas conceituais entre investimento direto estrangeiro e investimento externo de portflio, oprimeiro inteiramente guiado por questes produtivas, e o segundo, por questes financeiras. De certo modo, a nova natureza doIDE tambm j tinha sido alertada por Jan A. Kregel, Riscos e implicaes da globalizao financeira para a autonomia depolticas nacionais Economia e Sociedade, v.7, pp. 29-49, dez., 1996, p.35, procurando desmistificar a superioridade do IDE emrelao aos investimentos de portflio da seguinte forma: as definies oficiais do IDE nada tm a ver (...) com sua permannciaou mobilidade ou sua volatilidade. Na verdade, elas parecem ignorar a facilidade com que os investidores de pases desenvolvidosassumem e abandonam o controle de companhias atravs de fuses e aquisies. Nos mercados financeiros atuais, as companhiasparecem ter-se transformado em commodities negociadas diariamente em mercados de controle corporativo.49Segundo SCHERER, op. cit., 1999, p.93, os investimentos industriais, avaliados a partir de uma lgica financeira, passam,assim, a privilegiar a segurana e o lucro a curto prazo. As alternativas de investimento que se mostram incapazes de assegurarum patamar mnimo de rentabilidade, em um perodo de tempo considerado aceitvel pelos financiadores, so normalmentedescartadas, mesmo com a possibilidade de comprometimento da capacidade futura de crescimento da empresa, ou seja, constata-se a existncia de uma relao inversa entre o perodo de maturao de um investimento e a probabilidade que esse tem de serefetivamente financiado. Ao mesmo tempo, as altas taxas de juros reais e o fraco crescimento da demanda no induzem os gruposindustriais aos investimentos em criao e/ou ampliao de capacidade produtiva. Resulta da uma reduo tanto na quantidadequanto na qualidade dos investimentos industriais realizados a partir dos anos 80. Quantitativamente, esses perdem suaatratividade frente aos altos rendimentos e ao pequeno risco das aplicaes financeiras. Qualitativamente, os investimentos empesquisa e treinamento - investimentos ditos intangveis -, os quais comportam riscos de difcil avaliao monetria e contbil, sofreqentemente preteridos por aqueles capazes de gerar uma maior massa de recursos e em menor prazo de tempo, tanto nascadeias de distribuio quanto no setor financeiro.
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capitais, especialmente para a Amrica Latina, a nova natureza do IDE, exercida por sua relao
com as finanas globais e a servio da centralizao do capital, tambm marginalizou as zonas
perifricas de atrao50, gerando uma crise que fez seu aparelho desenvolvimentista se
enfraquecer51. Contudo, embora a reestruturao tcnico-financeira das multinacionais nos anos
80 passasse ao largo deste continente, nos anos 90, quando as condies econmicas internas dospases latino-americanos se ajustaram ao processo, os horizontes de reingresso do IDE se
ampliaram. Isso ocorreu depois da renegociao da dvida, da abertura financeira e comercial e
da estabilizao monetria, abrindo as possibilidades, inclusive, para a entrada de novas filiais em
setores inditos52. Todavia, ao mostrar-se como protagonista das privatizaes e
desnacionalizaes, o IDE, longe de vir periferia para industrializar, como fez dos anos 50 aos
70, ele apenas prolongaria a fragmentao produtiva iniciada no centro53.
3. Investimento Direto Estrangeiro na Amrica Latina
Uma vez exposta a evoluo dos padres de acumulao, e descrito o movimento geral
das empresas multinacionais e suas reestruturaes tcnico-financeiras, ser ainda necessrio
entendermos, neste captulo, como os fluxos de investimentos externos atingiram a periferia, em
particular a Amrica Latina54. Este item est dividido em trs partes, procurando adequar as fases
de internacionalizao do capital especificidade da industrializao latino-americana. A
interpretao se aproximar da experincia brasileira por ser o Brasil o pas da regio que
apresentou maior grau de internacionalizao no decorrer do perodo , assim como se orientar
pelas seguintes questes: 1)- o que entra de IDE e como aflui; 2)- suas condies para o ingresso;
3)- onde entra; 4)- a interao filial-matriz; 5)- o nexo entre o capital internacional e o espao
econmico nacional de destino.
50MORTMORE, M. Las Transnacionales y la industria en los pases en desarrollo. Revista de la CEPAL , Santiago de Chile,n.51, dic., 1993.51 SALAMA, P. A Financeirizao excludente: as lies das economias latino-americanas In: CHESNAIS, F. (Org.) A
Mundializao financeira: gnese, custos e riscos. So Paulo: Xam, 1998.52CHENAIS, op. cit., 1995.53 Para o caso brasileiro ver LAPLANE, M. F. e SARTI, F. Investimento direto estrangeiro e a retomada do crescimentosustentado nos anos 90. Economia e Sociedade. Campinas, n.8, pp.143-181, dez., 1997 e LAPLANE, M. F. e SARTI, F. Novociclo de investimentos e especializao produtiva. In: VELLOSO, J. P. R. (Org.) O Brasil e o mundo no limiar do novo sculo.Rio de Janeiro: J. Olympio, 1998.54Para uma anlise sobre o papel do IDE na Amrica Latina, enfocando particularmente o Brasil conforme os pressupostos daCEPAL e a crtica a eles prprios ver RODRIGUES, F. H. L. Investimento direto estrangeiro e empresas transnacionais no
Brasil: reflexes dos pensadores da CEPAL (perspectiva histrica do ps-guerra ao incio do sculo XXI). Campinas: 2006.Dissertao (Mestrado) Instituto de Economia Universidade Estadual de Campinas.
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3.1 Internacionalizao durante a Industrializao Pesada
A padronizao dos modelos produtivos e de consumo por meio do IDE norte-americano
e a recuperao econmica das outras economias centrais tiveram seus reflexos tambm na
periferia a partir da segunda metade dos anos 50. A internacionalizao dos mercados internos
dos pases em desenvolvimento foi realizada tanto por corporaes americanas quanto porempresas europias. Nessa fase, dentre as regies em desenvolvimento escolhidas (sia, frica e
Oriente Mdio), a Amrica Latina ocupou quase 75% do destino do IDE, como podemos
observar na Tabela 1 em 1967, seu estoque j ultrapassava os 18 bilhes de dlares. Essa
descentralizao produtiva, que manteve centralizados os controles financeiros e tecnolgicos
teve na Amrica Latina uma particularidade. Embora o predomnio do IDE norte-americano fosse
quantitativamente superior, como mostra a Tabela 1, resultado de sua penetrao no continente
desde o limiar do sculo XX, o carter setorial de seu influxo revela aspectos qualitativos.A maior parte de sua penetrao estava atrelada a setores de explorao em recursos
naturais, uma vez que os produtos manufaturados americanos muitas vezes eram apenas
montados e depois comercializados na Amrica Latina, sem serem produzidos internamente (em
regime CKD Completely Knocked Down). Neste ponto, a vinda dos capitais europeus para criar
plataformas de produo, liderados pelos IDEs alemes55, teria um papel relevante para estimular
os oligoplios americanos a reafirmarem sua hegemonia na regio56.
55Analisando especificamente o caso brasileiro, essa confrontao oligoplica fica mais clara quando Moniz Bandeira, op. cit.,1978, p.392, a coloca nos seguintes termos: A Alemanha Ocidental, recuperada como potncia econmica, destinou-lhe [Brasil],entre 1951 e 1961, a maior parcela do total dos seus investimentos no exterior (17,6%), cerca de 598 milhes de marcos, grandeparte durante o Governo Kubitschek. Isto fortaleceu, sem dvida, a rea de resistncia aos Estados Unidos e acirrou a lutainterimperialista, engendrando inmeras contradies no quadro brasileiro, tanto econmico quanto poltico. Mas o rush doscapitais europeus, os alemes liderando, foi igualmente um dos fatores que impeliram os Estados Unidos a incrementar osinvestimentos na indstria brasileira, a partir de 1956, para manterem e consolidarem a sua hegemonia. Por sua vez, LucianoMartins,Nao e corporao multinacional(a poltica das empresas no Brasil e na Amrica Latina), Rio de janeiro: Paz e Terra,1975, p.109, mostrou, conforme a fonte da Tabela 3, que no setor manufatureiro os IDEs